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Pensar a pobreza hoje à luz de São Tomás de Aquino

Pensar a pobreza é tarefa para uma vida e que, além disso, cabe no âmbito de
várias ciências. Sendo a nossa área de trabalho e de estudo a da Filosofia Medieval,
propomos hoje revisitar as considerações de São Tomás de Aquino acerca da pobreza.
Ainda que tenha falecido há cerca de sete séculos e meio, muitas das suas reflexões são
transversais, fazem sentido no seu e no nosso tempo; não é por acaso que é o Doutor
Comum (no sentido de universal) da Igreja. Consideramos que, em particular, as suas
observações sobre a pobreza se revestem de alguma atualidade merecendo, por isso, ser
revisitadas.
Dividimo-las em três partes – a pobreza perspetivada por quem: 1) a escolhe; 2)
não vive nela; 3) lhe está submetido.
1. A pobreza escolhida
Um dos capítulos de Saint Thomas Aquinas, obra redigida por Chesterton para
divulgação da vida e do pensamento do Angélico, intitula-se «O Abade fugitivo» («The
runaway Abbot»), precisamente porque o jovem Tomás renunciou aos planos traçados
para um dia substituir o seu tio Sinibaldo, Abade de Montecassino. Tomás escolheu ser
frade mendicante para melhor seguir o exemplo de Cristo. Viver de esmolas é viver com
Cristo porque também Cristo mendigou, sendo este um exercício eficaz contra a soberba
(cf. Suma de Teologia II-II q187 aa4-5). O mestre dominicano defende a legitimidade
de o religioso viver de donativos (na condição de se dedicar às atividades próprias da
vida religiosa). Assim como Cristo pregou vivendo na pobreza, também os pregadores
da palavra de Deus devem estar livres dos cuidados seculares, para que se possam
entregar totalmente à pregação (cf. Suma de Teologia III q40 a3).
A radicalidade desta opção de vida fundamenta-se em alicerces sólidos. A
escolha da simplicidade, da frugalidade, da sobriedade não resulta de uma autotortura
através da privação, mas da consciência de que os bem temporais são incompletos e
efémeros; incapazes, por isso, de saciar o ser humano. Esta clarividência não é
partilhada por todos restringindo-se a opção pela pobreza evangélica, por isso, a uma
minoria.
2. A pobreza, do ponto vista de quem não lhe está (pelo menos no presente) sujeito
Os evangelhos relatam-nos que Cristo não apenas viveu de esmolas como
também conviveu, comeu, bebeu, frequentou festas, a fim, diz São Tomás, de nos
mostrar que a vida reta não requer necessariamente a austeridade e abstinência. Com

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efeito, se João Batista escolheu uma vida austera, alimentando-se de gafanhotos e mel
silvestre (cf. Mateus 3,4), o mesmo não o fez Cristo, que comeu e bebeu com os
publicanos (cf. Suma de Teologia III q 40 ob1, ad1). Cristo quis ser exemplo para todos
– e a pobreza evangélica não tem que ser escolhida por todos.
O Aquinate defende, com Aristóteles, que a virtude se encontra no justo meio
entre os extremos. Afirma, pois, que a abundância de riquezas e a mendicidade são de
evitar porque proporcionam ocasiões para pecar (por exemplo: a primeira facilita o
orgulho; a segunda favorece o surgimento do roubo e da mentira). Elas não ditam que a
pessoa que as enfrenta cometa o pecado (em última instância, o ser humano é quem
escolhe), mas criam as condições que propiciam a sua ocorrência. Se todos tiverem o
necessário para o seu sustento, a vida na sociedade será mais sã e decorrerá de modo
mais pacífico (cf. Suma de Teologia II-II q66 a2 co). A existência da propriedade
privada é benéfica na medida em que otimiza a gestão e a ordem sociais, evitando a
incúria e a confusão. Constata Tomás, que as pessoas põem mais cuidado em preservar
aquilo que lhes foi confiado individualmente do que aquilo que foi entregue ao cuidado
de muitos (cf. Suma de Teologia II-II q66 a2 co).
São Tomás aconselha a pessoa que está numa situação social em que não
enfrenta a penúria a, no entanto, pautar-se pela sensatez e satisfazer-se com pouco (cf.
Suma de Teologia II-II q66 a1 co). A liberalidade, virtude que pode ser praticada por
quem vive na abundância mas também por quem passa dificuldades (com efeito, a
questão não é o quanto pode dar mas o facto de dar), encontra-se entre dois extremos; a
avareza e a prodigalidade; e é liberal aquele que atende aos outros sem se negligenciar a
si ou à sua família (cf. Suma de Teologia II-II q66 a1 co, ad1, ad2).
3. A pobreza que oprime
Um dos pontos interessantes da reflexão tomista sobre a pobreza é o facto de a
perspetivar não apenas do lado de quem a escolhe e do lado de quem a socorre mas
também do lado de quem lhe está sujeito, sem opção. A sua posição a este respeito
decorre da condição do ser humano como guardião, mas não verdadeiro senhor da
Criação (cf. Suma de Teologia II-II q66 a1 co). De acordo com o direito natural, tudo é
de todos; é apenas para a garantia da ordem que a razão humana estabelece, por
convenção, a propriedade privada. A propriedade privada resulta, portanto, do direito
positivo, não do direito natural (cf. Suma de Teologia II-II q66 a2 ad1). Mas o que
legitima a justiça ou injustiça do próprio direito positivo é a sua maior ou menor
conformidade com o direito natural. Porque nada é verdadeiramente nosso, o Doutor

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Comum afirma que os bens devem ser partilhados com os outros que sofrem com
alguma necessidade (cf. Suma de Teologia II-II q66 a2 co) – porque a supressão desta
necessidade é exigida pelo direito natural.
São Tomás recusa subjugar o valor da dignidade humana ao valor da
propriedade privada. Defende, por isso, que, em caso de necessidade, aquele que está
sujeito a privações de tal ordem que ameaçam a sua vida tem pleno direito de subtrair, a
quem tem mais do que o necessário, o que for preciso para garantir a sua sobrevivência.
Nesta perspetiva, aquele que vive na pobreza não tem de se resignar à passividade –
porque se a necessidade for tamanha que uma pessoa não se possa salvar a si mesma ou
não possa ser salva por outrem de outro modo, é legítimo que a pessoa, ou aquele que a
pretende salvar, se apodere do bem alheio – manifesta ou ocultamente (cf. Suma de
Teologia II-II q66 a7 co, ad3).
Pode perguntar-se: apropriando-se do bem alheio, estará a furtar? Afinal, o furto
atenta contra a caridade, contra o amor ao próximo, e a sua generalização implicaria o
fim da sociedade (cf. Suma de Teologia II-II q66 a6 co). Defende o Angélico que aquele
que rouba por necessidade não incorre em pecado; antes reivindica para si a parte que
lhe cabe legitimamente pelo direito natural. Em caso de necessidade, explica, não há
propriamente propriedade privada: «Na necessidade todas as coisas são comuns. E,
assim, não parece haver pecado se alguém toma uma coisa de outrem, porque a
necessidade fez dela um bem comum para ele» (cf. Suma de Teologia II-II q66 a7 sc).
A gestão dos bens dentro de uma sociedade deve ser feita de tal modo que não
falte o essencial a um dos seus membros, porque tal constituiria um atentado contra o
direito natural, que estabelece que todos os bens são de todos. Todavia, em todas as
sociedades os desequilíbrios acontecem (por diversas causas: sociais, naturais, etc) e as
situações de necessidade irrompem decorrendo daqui a obrigação moral de ajudar o
próximo, corrigindo esse desequilíbrio. Se alguém possui mais bens do que os
necessários para o seu sustento, vivendo na abundância, tem por obrigação auxiliar
quem está na penúria, já que os bens que aparentemente possui não são verdadeiramente
seus (cf. Suma de Teologia II-II q66 a7 co).
Em suma: se a pobreza escolhida é meritória, o mesmo não se pode dizer da
pobreza que tiraniza as pessoas, delimitando e encurtando os seus horizontes e as suas
opções, amesquinhando a dignidade humana.
Em momentos históricos como o nosso, em que se discute a nível europeu e
mundial o que fazer com números avassaladores de refugiados migrantes e em que, a

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nível nacional, os mínimos salariais estão longe de garantir uma vida confortável às
famílias portuguesas, a reflexão com mais de sete séculos feita pelo Doutor Comum
tem, pelo menos, o mérito de nos desinstalar e desafiar.

Inês Bolinhas
Fevereiro 2017

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