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APOSTILA DE DIREITO CONSTITUCIONAL

PROFESSOR ILTON LEÃO

SALVADOR/BA
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CONSTITUCIONALISMO
1. Introdução

Dentro do constitucionalismo vamos ver as principais etapas de evolução da história


do direito constitucional.
O constitucionalismo se opõe ao absolutismo, ou seja, a história do
constitucionalismo nada mais é do que a busca do homem político pela limitação do
poder. Nessa busca temos dentro do constitucionalismo 3 ideias principais desenvolvidas
ao longo da história:
1. Garantia de direitos: proteger direitos fundamentais contra o Estado,
evitando assim o arbítrio estatal.
2. Separação dos poderes: Montesquieu desenvolveu a ideia da tripartição dos
poderes, pois segundo ele “todo aquele que detém o Poder e não encontra
limites, tende a dele abusar.”
3. Princípio do governo limitado.

Não há garantia de constitucionalismo sem essas três ideias centrais. Vamos estudar
agora as fases do constitucionalismo

2. 1ª FASE: Constitucionalismo Antigo

Essa primeira fase vai da Antiguidade até o final do século XVIII, com o surgimento
das constituições escritas. Vamos mencionar 4 situações importantes durante o
constitucionalismo antigo:
a) Estado hebreu: considerada a primeira manifestação do constitucionalismo.
Havia um Estado teocrático, onde dogmas religiosas previstos na bíblia
limitavam o poder do Estado.
b) Grécia: Democracia constitucional: forma de governo mais moderna existente
até hoje.
c) Roma: segundo Jhering nunca em nenhum outro direito a idéia de liberdade
foi concebida de forma tão correta e digna como em Roma.
d) Inglaterra: Rule of Law: “o governo das leis” em substituição ao governo dos
homens. Vale salientar que até a pouco tempo atrás a Inglaterra não tinha
Constituição. Apenas no ano 2000 através do Human Right Acts, um tratado
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internacional a terra da rainha incorporou uma constituição escrita.

Que características identificam a primeira etapa do constitucionalismo?

a) Inexistência de Constituição escrita, que só passam a existir depois das


revoluções liberais.
b) Forte influência da religião - especialmente no Estado hebreu: os dogmas
religiosos limitavam o poder soberano; os dogmas eram para os governados
e governantes.
c) Supremacia do monarca ou do parlamento: nessa época não havia controle de
constitucionalidade, supremacia da constituição, etc. Quem tinha a
supremacia era um rei ou um parlamento. O Judiciário, historicamente sempre
foi fraco.

3. 2ª FASE: Constitucionalismo Clássico/Liberal

O constitucionalismo clássico tem início no fim do século XVIII e vai até a 1ª guerra
mundial. A característica mais marcante dessa nova fase é o surgimento das primeiras
constituições escritas. Juntamente a essa 1ª ideia surge ainda mais duas fundamentais:
rigidez constitucional e supremacia da Constituição (colocada acima da lei), sendo essa
última a característica principal do constitucionalismo atual.
Neste período temos duas experiências constitucionais marcantes: EUA e França.
Vamos estudar cada uma deles separadamente.

3.1 Estados Unidos

EUA: permanece bastante atuais as ideias americanas de 200 anos atrás, sendo
imitadas pelos europeus atualmente no neoconstitucionalismo, com algumas distinções.
Vamos elencar as características do modelo americano:
a) Criação da 1ª constituição escrita em 1787, sendo a mesma até hoje. Mas a
sociedade mudou tanto! Como os EUA conseguiu manter a mesma
Constituição? Ora, a Constituição americana nasceu com 7 artigos, sendo
extremamente concisa, o que é mais fácil de mantê-la no tempo. E mais: esses
artigos não são pormenorizados, como acontece na CF/88 brasileira; na
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Constituição americana os artigos são mais gerais. E quem muda a


Constituição americana é o Judiciário na forma de interpretá-la, sendo
verdadeiras mutações constitucionais.
b) Surgimento do 1º controle de constitucionalidade tendo como parâmetro
uma constituição escrita, chamado de judicial review.. Cuidado: já existiam
experiência de controle de constitucionalidade na Inglaterra, porém, não tinha
como parâmetro uma constituição escrita. A decisão que criou o controle de
constitucionalidade nos EUA é o famoso caso Marbury x Madison, onde o
juiz Marshall exerceu pela primeira vez esse controle. Vale salientar que não
há normas escritas sobre o controle de constitucionalidade, sendo verdadeira
criação jurisprudencial.
c) Fortalecimento do Poder Judiciário. Segundo Hamilton, o Judiciário
sempre foi o mais fraco, pois “não tinha a espada nem a chave do cofre”. Nos
EUA existia uma preocupação muito grande com o Poder Legislativo, por
isso com a Constituição de 1787 houve o fortalecimento do Judiciário.
d) Separação dos Poderes, Forma federativa, Sistema Republicano e
Presidencialista e Regime Democrático.
e) Declaração de direitos. A 1ª declaração de direitos dos EUA é de 1776 (Bill
of Rights of Virginia) é anterior à Constituição de 1787. Vale salientar que a
Inglaterra já tinha várias declarações de direitos, não sendo os EUA pioneiro
neste ponto. Está em tramitação uma PEC proposta por Cristovam Buarque,
tentando encaixar a felicidade como direito fundamental, justamente
inspirada ainda na Bill of Rights of Virginia: “Todos os homens nascem
igualmente livres e independentes, tendo direitos essenciais e naturais ... tais
são os direitos de gozar a vida e a liberdade ... procurar obter a felicidade.”

3.2 França

FRANÇA: é a partir da Revolução Francesa de 1789 é que se inicia o


constitucionalismo. Existem duas ideias fundamentais que constam na Declaração
Universal de Direitos do Homem e do Cidadão (DUDHC, art. 16): “A sociedade em que
não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes
não tem Constituição. Logo, os dois elementos fundamentais para um estado
constitucional são: a) Garantia dos direitos; b) Separação dos poderes. Uma sociedade
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que não assegura direitos e não separa poderes não tem Constituição.
A 1ª Constituição Francesa escrita é de 1791 (foi a segunda escrita, a primeira foi
uma polonesa; poucas pessoas sabem disso) e tem as seguintes características:
a) Consagração do princípio da separação dos poderes;
b) Distinção entre Poder Constituinte Originário e Derivado. O teórico
francês que formulou esta distinção foi o Abade Emmanuel Sieyès, que fez
um panfleto “O que é o Estado?”, sendo o titular do poder constituinte a
nação.
c) Supremacia do parlamento. Na França nunca houve controle de
constitucionalidade repressivo exercido pelo Poder Judiciário antes de 2010.
Na França existe a jurisdição administrativa e a tradicional (Conselho
Constitucional), esta última sempre em segundo plano. A tradição do direito
francês é a supremacia do parlamento.
d) Surgimento da escola da exegese a partir do Código de Napoleão. Para essa
eles a interpretação era mecânica: a função do juiz era descobrir o sentido da
lei, visto que o Código era tão perfeito que não precisava ser interpretado,
sendo a função do magistrado apenas expressar o que a lei continha: “ o juiz
é somente a boca da lei.”

3.3 Dimensões (gerações) dos direitos fundamentais: 1ª e 2ª

Dando um tempo na história do constitucionalismo, vamos estudar um ponto


importante: as dimensões dos direitos fundamentais. Esta classificação foi criada pelo
polonês Karel Vazak em 1979; o Norberto Bobbio colocou em seu livro tal classificação
que ficou mundialmente conhecida. O brasileiro Paulo Bonavides é a mais adotada em
concursos.
Ora, quando Karel criou a classificação, tinha apenas 3 gerações, sendo que o
mestre Paulo Bonavides adicionou mais duas. Para memorizar a classificação original de
Vazak basta lembrar-se do lema da Revolução Francesa:
a) Liberdade (1ª geração): as primeiras constituições escritas, como a da
França e EUA tutelavam a liberdade visando conter a arbitrariedade estatal:
liberdade do indivíduo perante o Estado. Os direitos de 1ª geração são os
direitos civis (de defesa) e políticos (de participação), impondo verdadeiras
abstenções ao Estado, tendo caráter negativo. São conhecidos também como
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direitos de defesa, em que o indivíduo se usa para defender dos arbítrios


estatais. Exemplo: liberdade de expressão e pensamento --> o Estado não
deve interferir. Os direitos de 1ª geração são verdadeiros direitos individuais.
Aqui tem uma questão interessante: quando os direitos fundamentais
surgiram nessa época eram apenas oponíveis ao Estado (eficácia vertical), não
se podendo invocar contra um particular (eficácia horizontal). Hodiernamente
isso já é diferente, sendo possivelmente oponível contra particulares os
direitos de 1ª geração --> isso no Brasil. Já nos EUA, como a Constituição
Americana é de 1787, não existe essa eficácia horizontal dos direitos
fundamentais.
b) Igualdade (2 ª geração): surge após o término da 1ª guerra mundial, com a
Constituição de Weimar de 1919. São os direitos sociais, econômicos e
culturais, de caráter positivo, pois visam uma ação positiva do Estado
(direitos prestacionais). São verdadeiros direitos coletivos, uma vez que não
podem ser entregues a uma pessoa só, e sim a todos. Exemplo: direito a
trabalho, à greve, etc.
c) Fraternidade (3ª geração):

É correto afirmar que os direitos de 1ª geração têm uma efetividade maior que os
de 2ª geração? Sim, pois os primeiros têm um custo muito inferior comparados aos
segundos, que são essencialmente de prestações positivas. Cuidado: os direitos de 1ª
geração também têm custos, como por exemplo, o gasto para realizar eleições. Vale
lembrar também que os direitos de 2ª geração estão condicionados à reserva do possível.
Alguns autores falam em dimensões, outros em gerações. De fato, sempre se falou
em gerações, porém, essa terminologia dá ideia que uma substitui, excluindo a outra, o
que não acontece com o termo dimensão.

3.4 Estado de Direito ( = Estado Liberal)

Ainda na fase do constitucionalismo clássico surge, com a Revolução Francesa, o


Estado de Direito (= Estado Liberal). As concretizações do Estado de direito são:
a) Rule of Law (Inglaterra);
b) Rechtsstaat (Prússia);
c) État Légal (França)
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São características do Estado de direito:


1. Liberalismo político → Estado limitado: é uma doutrina a respeito dos limites
aos poderes públicos.
a) Limitação do Estado pelo direito se limita ao soberano;
b) Limitação da Administração Pública pela lei: a ideia do princípio da
legalidade na administração surge com o estado de direito;
c) Os indivíduos têm direitos fundamentais oponíveis ao Estado. Vale
ressaltar que nos tempos pós-revolução francesa tais direitos tinham
estavam apenas no plano formal, valendo apenas para a burguesia,
enquanto que as classes mais baixas não tinham tais direitos.

2. Liberalismo econômico → Estado mínimo: que intervém o mínimo possível


nas relações econômicas e sociais. A função do Estado liberal é apenas a
defesa da ordem e da segurança pública, não intervindo nos campos
econômicos e sociais que é regida pela livre iniciativa.

4. 3ª FASE: Constitucionalismo Moderno ou Social

Essa etapa vai da 1ª guerra mundial (1918) até o fim da 2ª guerra mundial (1945).
O constitucionalismo social surge com o fim da primeira guerra mundial, com uma grande
crise econômica na Europa que aprofunda a desigualdade social existente, deixando
também em situação de crise o Estado liberal, que tem que abandonar a postura
absenteísta e passar a intervir. As duas principais Constituições que iniciam a adoção
deste modelo intervencionista é a mexicana de 1917 e a Constituição alemão de Weimar
de 1919. Nesta época surgem os direitos de 2ª dimensão inspirados na igualdade material
(cumpre salientar que a igualdade formal já surgiu na época das revoluções liberais), que
são os direitos sociais, econômicos e culturais, pois visam justamente reduzir as
desigualdades. A igualdade material demanda ações positivas do Estado!
São nos direitos de 2ª geração onde surgem as garantias institucionais. As garantias
institucionais são garantias de determinadas instituições fundamentais para a sociedade.
Exemplo: família, funcionalismo público, imprensa livre.
Nesta fase surge um novo modelo de Estado: o Estado liberal se transforma em
Estado Social, que tem a seguinte característica:
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1. Intervenção no âmbito social, econômico e laboral;


2. Papel decisivo no produção e distribuição de bens;
3. Garantia de um mínimo de bem-estar social (wellfare state).

O italiano Biscaretti di Rufia fala que dentro do constitucionalismo moderno há 4


ciclos constitucionais:

a) 1º ciclo – Constituições da democracia marxista ou socialista. Adotadas no


início do século XX (principalmente em países comunistas – Constituições
autoritárias)
b) 2º ciclo – Constituições da democracia racionalizada. O iluminismo
contribuiu para as suas criações. Ex: Constituição austríaca de 1920 (que
criou o controle concentrado – Kelsen), Lei Fundamental de Bonn (1919).
c) 3º ciclo – Constituições da democracia social Ex: França (1946), Itália (1947),
Alemanha (1949), Portugal (1976).
d) 4º ciclo – Constituições de países subdesenvolvidos (CF/88). Buscavam uma
mescla do poder liberal e social.

Diferentemente da escola da exegese do Constitucionalismo liberal onde a


interpretação era algo mecânico, nesta fase do constitucionalismo moderno há uma
evolução. No século XIX, Savigny desenvolve 4 elementos de interpretação: gramatical,
lógico (científico), sistemático e histórico. Após, surge um quinto elemento não criado
por Savigny, mas constante na nossa LINDB: é o elemento teleológico: fins sociais para
qual a lei é destinada.

5. 4ª FASE: Constitucionalismo Contemporâno (Neoconstitucionalismo)

O constitucionalismo contemporâneo surge com o fim da 2ª guerra mundial em


1948. Um dos fatores decisivos para a transformação do novo constitucionalismo foram
as atrocidades nazistas. Eis que a dignidade da pessoa humana passa a ser o valor
supremo, passando a ficar no centro das constituições atuais; nas anteriores raramente
irão se encontrar tal princípio tão fortemente presente.
É interessante salientar um ponto histórico: na época do nazismo o direito alemão
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tinha a doutrina mais evoluída de dignidade da pessoa humana no tocante a pesquisas: era
proibida a pesquisa com humanos sem o seu consenso. Todavia, os alemães não
consideravam judeus, ciganos e homossexuais como pessoas.
São características do neconstitucionalismo:
1. Reconhecimento definitivo da normatividade da constituição. Os críticos do
neoconstitucionalismo afirmam que essa característica não é nova, uma vez
que a Constituição americana sempre foi vista como instrumento jurídico.
Mas, isso não se aplicava às constituições europeias que eram vistas
exclusivamente com caráter político. E o que isso significa? Que os direitos
fundamentais na Europa não vinculavam o legislador. Isso só acontece após
a 2ª guerra mundial, e tem como grande difusor o Konrad Hesse em 1959
através da sua obra “A Força Normativa da Constituição” --> as normas
constitucionais não são somente ideias, são vinculantes.

2. Centralidade da Constituição. A constitucionalização do direito --> tem


basicamente três significados:
a) Consagração de normas de outros ramos do direito na Constituição.
Exemplo: no art. 5º da CF/88 há várias matérias: civil, penal, comercial,
etc.
b) Interpretação conforme à Constituição. Como a constituição é a lei
suprema, todas as outras leis devem ser interpretadas de acordo com a
primeira, passando pelo filtro constitucional.
c) Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Em alguns países até hoje,
como na Alemanha e Espanha, para se aplicar os direitos fundamentais
entre os particulares (P x P), seria necessário lei --> é a eficácia horizontal
indireta. No Brasil não adota-se tal entendimento, bastando decisões
judiciais; vigora a eficácia horizontal direta: é a aplicação direta da
Constituição, não só entre particular e Estado, mas sim também entre
particulares.

3. Maior abertura da interpretação e aplicação da Constituição. Essa


característica está relacionado a evolução da hermenêutica: primeiro era
atividade mecânica, segundo foram adotados os elementos criados por
Savigny (gramatical, lógico, sistemático e histórico). Com o advento do
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constitucionalismo moderno se faz uma distinção: a norma era considerada o


gênero e dentro deste gênero vamos trabalhar com dois tipos: o princípio e a
regra. Mas qual é a influência com a interpretação? O método de aplicação
dos princípios em geral é a ponderação; já o método da aplicação das regras
é a subsunção. Vendo isso é correto afirmar que a margem de atuação de
aplicação dos princípios é mais ampla do que uma simples subsunção. Com
a ponderação há uma verdadeira abertura interpretativa. Isso é um perigo, o
que pode abrir margens a uma grande subjetividade. Todavia, através da
argumentação a subjetividade é restringida.

4. Fortalecimento do Poder Judiciário. O constitucionalismo contemporâneo faz


nascer a judicialização política: é trazer questões do âmbito político para
resolver no Judiciário. Exemplo: limites de uma CPI, reforma da previdência,
etc. Isso se dá pelo direito das minorias que perdem no Congresso Nacional e
levam ao STF para que isso se discuta em âmbito judicial. Uma pesquisa
importante mostra que no governo Lula, os partidos que mais impetraram
ADIN foi o DEM e o PSDB, e no governo FHC, o PT. Além da judicialização
da política se comenta muito hoje na judicialização das relações sociais: todas
as questões mais relevantes na sociedade são decididas no Judiciário: aborto
de anencéfalo, união homoafetivas, remarcação de reserva indígenas, etc.

5. Rematerialização das constituições. Se observarmos as constituições do pós-


guerra são prolixas, tratando de vários temas, entrando em minúcias de
regulamentação; as constituições passaram a ser ecléticas, totalizantes;
dificilmente se encontram constituições puras, com valores únicos.

5.1 Dimensões (gerações) dos direitos fundamentais: 3ª e 4ª

Dentro do neoconstitucionalismo surgem os direitos de 3ª e 4ª geração.

a) Direitos de 3ª geração: são direitos ligados ao valor “fraternidade”, ou


segundo alguns autores, são os direitos ligados à solidariedade. Bonavides
elenca um rol exemplificativo (numerus apertus) desses direitos: direito ao
desenvolvimento ou progresso; autodeterminação dos povos; direito ao meio-
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ambiente; direito de propriedade sob o patrimônio comum da sociedade;


direito de comunicação. Não são direitos dados, e sim são direitos
conquistados, que podem surgir e desaparecer, a depender do tempo histórico;
por exemplo, o direito do meio ambiente só surgiu depois com o advento da
Revolução Industrial. Isso está de acordo com o pensamento de Norberto
Bobbio.
* Para Bonavides, os direitos de 3ª geração surgiram em face da divisão entre
países ricos e países pobres (desenvolvidos e subdesenvolvidos).
Necessidade de colaboração dos ricos para com os pobres. São verdadeiros
direitos transindividuais.
* Os direitos de 3ª geração são direitos transindividuais, sendo alguns difusos
e outros coletivos. Cumpre salientar que para Paulo Bonavides a paz é um
direito enquadrado apenas na 5ª dimensão (nos livros mais antigos ele a
colocava na terceira dimensão).

b) Direitos de 4ª dimensão: não há nenhum valor identificado para reconhecer


esses direitos, como a fraternidade na terceira. Na 4ª geração os direitos estão
relacionados à proteção das minorias. Paulo Bonavides elenca três direitos
expressamente (cai bastante em concursos):

b. 1. Democracia: no direito constitucional contemporâneo a democracia não


é vista apenas em seu aspecto formal que significa que a democracia está
associada à vontade da maioria. Hoje, a democracia é vista de forma mais
ampla, não só como vontade da maioria; se fala também em:
+ Democracia material (substancial): para que a vontade da maioria seja
uma vontade livre. Bobbio faz uma comparação entre jogo e afirma que
a democracia é observância às regras do jogo, que seriam os pré-
requisitos da democracia. Por exemplo: só se pode falar em vontade
livre da maioria se alguns direitos de liberdade forem observados, ex
vis, liberdade de expressão do pensamento, de reunião, de associação.
Ora, além da observância das liberdades, na democracia material
também deve haver a observância do direito de todos, inclusive das
minorias.
+ Democracia constitucional, segundo Ronald Dworkin: “consiste no
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tratamento de todos com igual respeito e consideração.” O conceito de


Dworkin é mais compatível com o constitucionalismo, visto que há uma
tensão entre este e a democracia substancial: ex vis, cláusulas pétreas
em um ordenamento constitucional: se a sociedade quiser colocar pena
de morte na constituição não vai conseguir, pois é uma cláusula pétrea
--> conflito esse o constitucionalismo e o conceito de democracia
formal não conseguiria resolver.

b.2 Informação
b.3 Pluralismo: está disciplinado no art. 1º, V da CF e é um dos fundamentos
da República Federativa do Brasil. O pluralismo político além de abranger
o pluralismo político-partidário, abrange também o pluralismo cultural,
artístico, religioso e de concepções de vida. Então, este respeito às
diferentes concepções em vários ramos da sociedade está protegida no
pluralismo. Um sociólogo português famoso chamado Boaventura de
Souza Santos afirma que “temos o direito de ser iguais quando a diferença
nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza.” As palavras dele colocam a isonomia e o direito à
diferença como basilares no contexto atual. Sobre o tema ver o livro
“Direito às diferenças” do profº. Álvaro Ricardo da PUC-BH.

Para concluir, segundo Dalai Lama “o maior problema do homem dos nossos dias
não é a falta de solidariedade das relações, e sim à tolerância de um com os outros.” Frase
relacionada com os direitos de 3ª e 4º dimensões.
5.2 Estado Democrático de Direito (=Estado Constitucional Democrático)

O professor prefere a segunda terminologia, pois quando se fala em Estado de


direito se tem a ideia de império da lei, pois relembra os tempos romanos. Já quando se
fala em estado constitucional democrático, o foco é deslocado: da ideia de império da lei
para a noção de supremacia da constituição. As principais características do Estado
Constitucional Democrático:
1. O ordenamento jurídico consagra instrumentos de participação direta do povo
na vida política do Estado. Nas constituições do pós-guerra surgem
instrumentos para a democracia direta pelo povo, por exemplo, plebiscito,
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referendo, iniciativa popular de lei (ficha limpa foi por esse meio) e ação
popular.
2. Preocupação com a efetividade e a dimensão material dos direitos
fundamentais. Este é um aspecto que distingue não só o constitucionalismo
contemporâneo e o Estado democrático de direito: hoje já atingimos uma
consagração de direitos fundamentais à nível formal. O maior problema hoje
é com a efetividade desses direitos: é fazer que eles saiam do papel para a
realidade, sendo cumpridos na prática --> É o aspecto da igualdade material.
3. A limitação do Poder Legislativo deixa de ser meramente formal e passa a
abranger também o conteúdo das leis e as omissões do legislador. Uma das
críticas que o professor Dimitri de Mo da FGV afirma que a supremacia da
constituição não é uma novidade do neoconstitucionalismo, sempre existiu.
Em parte a afirmativa dele está correta, todavia, apenas no direito norte-
americano, e não na evolução do direito constitucional europeu, onde a
constituição tinha um caráter eminentemente político; nas suas declarações
de direitos não existia caráter normativo. No que tange ao controle das
omissões normativas, somente a partir de 1974 com a Constituição Iuguslava
é que é consagrado o controle de inconstitucionalidade por omissão.
4. Surgimento de uma jurisdição constitucional para assegurar a supremacia da
constituição e a proteção efetiva dos direitos fundamentais. E o que uma
jurisdição constitucional? É uma proteção da constituição pelo Judiciário, ex
vis, ADI genérica e interventiva, ADC, ADPF, Habeas corpus, habeas data,
mandado de segurança, etc. A CF/88 talvez seja a constituição onde mais haja
jurisdição constitucional. Quem usou essa terminologia (“jurisdição
constitucional”) foi Kelsen com uma obra com o mesmo nome. Inclusive, na
época, havia uma rixa de Kelsen com Carl Schmitt, onde o primeiro afirmava
que o controle da constituição deveria ser feito pelo Supremo, enquanto oo
segundo afirmava que deveria ser feito pelo Reich (Presidente da República).

6. 5ª FASE: Constitucionalismo do futuro

Alguns anos atrás existiram vários fóruns para discutir o constitucionalismo. Entre
os artigos publicados houve o de um argentino chamado Jose Roberto Dromi com o nome
de “constitucionalismo do futuro” afirmando quais seriam os valores das constituições do
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futuro. Alguém reproduziu isso no Brasil e alguém está cobrando concurso. Vamos
colocar aqui quais seriam os valores fundamentais, em um exercício de futurologia, que
as constituições do futuro deverão ter de acordo com o argentino:
1. Verdade: as constituições do futuro não devem trazer promessas impossíveis
de ser realizadas. Esses tipos não devem ser colocados, pois são vistos com
descrédito.
2. Solidariedade: haveria uma nova ideia de igualdade baseada na solidariedade
entre os povos.
3. Integração entre os povos.
4. Continuidade: a constituição não deve sofrer rupturas em sua identidade; não
deve sofrer mudanças que descaracterizem a identidade constitucional.
5. Consenso: as constituições do futuro serão frutos de um consentimento
democrático.
6. Participação: as constituições do futuro exigirão uma participação mais ativa
e responsável do povo. Pode ser possível com os mecanismos, ex vis,
plebiscito através de celular, internet.
7. Universalidade: como todos os direitos fundamentais tem o núcleo em comum
da dignidade da pessoa humana, esses direitos devem ser universalizados.
Esta, inclusive é uma característica dos direitos fundamentais.
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CONCEPÇÕES DE CONSTITUIÇÃO

São formas diferentes de observar o mesmo fenômeno: a Constituição, e varia de


acordo com o tempo. Cada uma das concepções vê a Constituição sob um determinado
fundamento. As concepções mais tradicionais serão estudadas abaixo.

1. Concepção sociológica (Ferdinand Lassale)

Em 1862, Ferdinand Lassale defendeu a concepção sociológica em uma reunião


com a classe trabalhadora. Para compreender a visão de Lassale temos que fazer a
distinção entre:
1. Constituição escrita / jurídica: é o documento do Estado elaborada pelo
Poder Constituinte originário.
2. Constituição real / efetiva: é aquela formada pela soma dos fatores reais de
poder que regem uma determinada nação.

Para Lassale, a Constituição é formada não pelo que está escrito, e sim pelos
poderes reais que regem uma nação, por exemplo, os detentores do poder político (chefes
de Estado), poder econômico (banqueiros), poder religioso (sacerdotes), etc. Se a
Constituição efetiva não se identifica com a efetiva, segundo Lassale, deve prevalecer a
constituição real, posto que é uma visão sociológica. Lassale entende que se a
Constituição escrita não corresponde à realidade ela seria uma mera folha da papel.

2. Concepção política (Carl Schmitt)

Schmitt busca na política o fundamento de constituição. Ele adota o conceito


decisionista de constituição.
A concepção política é do ano de 1928 e segundo tal, o fundamento da
Constituição se encontra na decisão política fundamental que a antecede. E aí Schmitt faz
a distinção entre: constituição propriamente dita que são aquelas normas que decorrem
de uma decisão política fundamental, v. g., direitos fundamentais, estrutura do Estado,
organização dos Poderes, etc., enquanto as demais normas são apenas leis constitucionais.
As outras leis constitucionais com relação à Constituição propriamente dita, são normas
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formalmente iguais, mas materialmente distintas, podendo até ter sido tratadas por lei
ordinária.

3. Concepção jurídica (Hans Kelsen)

A primeira edição da teoria pura do direito foi de 1925, sendo, Kelsen, portanto,
contemporâneo de Carl Schmitt. Para Kelsen, o guardião da Constituição deveria ser o
Tribunal Constitucional, enquanto para Schmitt o guardião seria o Reich.
Segundo Hans Kelsen, a Constituição é formada por um conjunto de normas e,
portanto, é uma lei como todas as demais, cujo fundamento se encontra no plano jurídico.
O filósofo no direito não precisa recorrer à sociologia, política ou histórica para buscar o
fundamento da Constituição, segundo Kelsen: ela é lei, tendo, portanto, fundamento no
plano jurídico. É aqui que entra a distinção entre o ser o dever-ser → a lei estabelece não
o que é, e sim o que deve ser.
Kelsen faz a seguinte distinção:
1. Constituição em sentido lógico-jurídico. Kelsen questiona: onde está escrito
que eu tenho que obedecer a Constituicão? Onde está o fundamento dela? Aí
ele cria uma teoria: temos que respeitar a Constituição, pois acima dela está a
norma fundamental hipotética. Segundo Hans a norma fundamental
hipotética é justamente a Constituição em sentido lógico jurídico. E por que
ela é hipotética? Pois, é uma norma suposta, e não posta → toda sociedade
partiria do pressuposto que essa norma existe para que a Constituição exista.
• De acordo com Kelsen o conteúdo da norma hipotética seria: todos devem
obedecer a Constituição.

Norma fundamental hipotética


CF/88

Leis
infraconstitucionais

2. Constituição em sentido jurídico-positivo: é a Constituição escrita em si.

4. Concepção normativa / naturalística / culturalística (Konrad Hesse)


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Konrad Hesse defendeu essa tese em 1959 no seu livro “A força normativa da
Constituição”. A tese dele tem um contexto pós 2ª guerra mundial. A Constituição deixou
de ser vista como um instrumento político, passando a ser norma efetiva.
Essa concepção foi desenvolvida para combater a tese de Ferdinand Lassale. De acordo
com Hesse, ainda que seja inegável que, muitas vezes, uma Constituição jurídica possa
sucumbir a uma realidade, deve se atribuir a essa Constituição uma força normativa capaz
de modificar esta mesma realidade; para isso é necessário que exista uma “vontade de
Constituição”, e não apenas uma “vontade de poder”. Hesse não nega o pensamento de
Lassale, mas se entendermos que o papel da Constituição escrita é apenas descrever o que
acontece na realidade, tal será indigno de qualquer ciência. A Constituição deve mudar a
realidade, e não apenas descrevê-la.
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CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS


(José Afonso da Silva)

1. Introdução

Toda classificação é subjetiva; é possível várias classificações acerca de um objeto.


Assim funciona com as normas constitucionais: Maria Helena Diniz, Celso Tomaz
Bastos, Rui Barbosa, entre outros classificaram as normas constitucionais. O importante
é que a classificação feita auxilie na compreensão do objeto.

2. Eficácia positiva ou negativa

O critério escolhido por José Afonso da Silva é a eficácia das normas


constitucionais. Todavia, quando ele criou a classificação ele não levou em conta a
eficácia, já que todas as normas constitucionais tem eficácia; o que José Afonso fez foi
levar em conta a aplicabilidade da norma. E qual a diferença entre eficácia e
aplicabilidade? Eficácia pode ser de dois tipos:

1. Eficácia positiva: consiste na aptidão da norma para ser aplicada aos casos
previstos por ela. A norma abstrata prevê uma situação, um âmbito de
proteção e quando tem eficácia positiva está apta a ser aplicada diretamente
para resolver o caso concreto, não dependendo de uma lei regulamentadora.
Cuidado: eficácia é aptidão, o que não significa necessariamente que a norma
seja aplicada.
* É possível ter uma norma apta a ser aplicada nos casos concretos, mas que
na prática não cumpre sua função social --> quando isso acontece dizemos
que a norma tem eficácia, mas não tem efetividade. Exemplo: pedestre
deve atravessar na faixa, senão será multado. Nunca foi visto essa norma
ser aplicada no caso concreto por questões de inviabilidade prática. Tem
eficácia, mas não tem efetividade. A eficácia se situa exclusivamente no
plano jurídico, enquanto que a efetividade se situa no plano da realidade

2. Eficácia negativa: é a aptidão da norma para bloquear normas anteriores ou


19

invalidar normas posteriores. Isso não quer dizer que a norma esteja apta a
um caso concreto; muitas vezes ela depende de uma outra vontade, de um
outro ato para que ela possa ser aplicada. Todavia, essa norma tem o condão
de invalidar outras leis que sejam contrárias a ela, ainda que não exista
regulamentação. Exemplo: lei anterior a CF/88 que não foi recepcionada por
ela como a Lei de Imprensa.
* Toda norma constitucional possui eficácia, ainda que seja apenas uma
eficácia negativa.

3. Classificação propriamente dita

O que diferencia as normas constitucionais, segundo José Afonso da Silva é o seu


grau de eficácia, dividindo as normas constitucionais em:

1. Eficácia plena: é aquela que tem uma aplicabilidade no caso concreto.


Exemplos: normas que estabelecem imunidades (art. 53), proibições (art.
154, § 2º), vedações (art. 19), isenções (art. 184) e prerrogativas (art. 129, §
5º, I). As normas constitucionais de eficácia plena podem ter aplicabilidade:

a) Aplicabilidade Direta. Pode ser aplicada diretamente ao caso previsto por


ela, independentemente de qualquer ato administrativo ou de lei de
intermediação.
b) Aplicabilidade Imediata: a norma não depende de nenhuma condição para
ser aplicada. Condição é mais amplo do que outra vontade, v. g., quando a
CF/88 entrou em vigor o sistema tributário nacional demorou 6 (seis)
meses para ter eficácia --> era uma condição temporal, sendo, portanto
norma constitucional de eficácia plena com aplicabilidade imediata.
c) Aplicabilidade Integral: a norma constitucional não admite qualquer
restrição, devendo ser aplicada integralmente às hipóteses nelas previstas.
A norma não admite restrição, porém, admite uma conformação. Vejamos
as críticas a partir de um exemplo segundo o art. 53 da CF:

* Crítica 1. Dificuldade de diferenciar conformação de restrição. A


aplicabilidade integral é o tópico mais problemático da classificação de
20

José Afonso da Silva. Analisando o supracitado artigo, para que os


parlamentares é necessário uma lei regulamentadora desse dispositivo?
Não, tendo o dispositivo aplicabilidade direta, imediata e integral.
Vamos supor que por esse artigo fosse criada uma lei reguladora que
afirmasse que “a imunidade parlamentar se restringe a opiniões e votos
no exercício de sua função. Essa lei estaria restringindo o dispositivo?
José Afonso entende que nesse caso não haveria restrição, e sim apenas
uma conformação à imunidade, que só faz sentido se for relacionada à
função que o parlamentar exerce.
+ É muito difícil dizer que a conformação de um direito não é uma
restrição, pois, ao se conformar está restringindo. Virgílio Afonso da
Silva (filho de José) afirma que toda conformação importa uma
restrição ao direito. José Afonso da Silva faz essa distinção, pois
parte da ideia que as normas constitucionais são limitadas por
“limites imanentes”, por isso que essa teoria dele faz sentido. O que
seria limite imanente? É como se já fizesse parte daquele direito
determinada conformação. No caso do legislativo que criou a lei
autorizativa permitindo a imunidade dos parlamentares apenas no
âmbito do exercício das suas funções --> é o legislador revelando
esse limite imanente, e não restringindo esse direito. O legislador
revela algo que a própria Constituição já afirma.
* Crítica 2. Todos os direitos consagrados na CF/88 poderão ser
restringidos quando a norma restritiva tiver por finalidade a
promoção de um outro fim constitucional e passar pelo teste da
proporcionalidade. Exemplo: é inviolável a intimidade e a vida de
uma pessoa. Essa inviolabilidade dentro da classificação de José
Afonso da Silva é uma norma constitucional de eficácia plena. E se
o legislador faz uma lei restringindo a intimidade e a vida privada
para tutelar outro direito fundamental, como a segurança pública?
Sim, visto que segurança pública é um direito constitucionalmente
consagrado e passa pelo teste da proporcionalidade (adequação +
necessidade + proporcionalidade em sentido estrito).
* Quem faz essas críticas ao pensamento de José Afonso da Silva é o seu
filho Virgílio Afonso da Silva e Ingo Sarlet.
21

2. Eficácia contida: é aquela que tem aplicabilidade direta, imediata e


(possivelmente) não integral. Tem aplicação direta porque não depende de
nenhuma outra lei ou ato para ser aplicada, ou seja, pode ser aplicada
diretamente ao caso em concreto. Também não depende de nenhuma
condição para ser aplicada, podendo ser tanto de eficácia positiva quanto
negativa, a diferença entre a norma de eficácia plena e contida é apenas
quanto a aplicabilidade, e não quanto a eficácia, que será a mesma entre as
normas de eficácia plena e contida. A aplicabilidade possivelmente integral,
quer dizer que a norma de eficácia contida admite restrição, ou seja, admite
que o legislador ordinário limite o seu campo de incidência (aplicação),
passando a se restringir as hipóteses previstas na lei. Um exemplo disso é o
art. 5, XIII da CF/88. Enquanto não existir a lei restringindo, a norma de
eficácia contida produzira os mesmos efeitos de uma norma de eficácia plena.
* Para Michel Temer e Maria helena Diniz, a norma de eficácia contida
deveria ser chamada de norma de eficácia redutível ou restringível. Pois
na verdade a norma não tem a eficácia contida, mas apenas poderá vir a
ser contida. Tal norma não precisa necessariamente de lei para ser aplicada
ao caso em concreto, haja vista que nasce idêntica a norma de eficácia
plena, podendo vir a ser contida.

3. Eficácia limitada: é a norma que tem aplicabilidade indireta ou mediata. A norma


de eficácia limitada vai depender ou de outra vontade ou de alguma outra condição.
A norma de eficácia limitada vai prever uma hipótese, e não vai ter eficácia positiva,
só vai ter eficácia negativa, pois só tem aptidão para invalidar outras normas. Não
tem eficácia positiva porque depende de outra vontade ou condição. Um exemplo
disso é o art. 192, §3 da CF/88, que foi revogado, e que era uma norma de eficácia
limitada, segundo entendeu o STF, pois dependia de uma outra lei para ser aplicada,
e esta lei seria a outra vontade para que tivesse eficácia. Jose Afonso da Silva
divide as normas de eficácia limitada em duas espécies:
a) De princípio institutivo: é aquela que depende de uma outra vontade para
dar corpo, forma ou estrutura a uma determinada instituição consagrada no
texto constitucional. Exemplos: art. 102, §1 da CF/88, que trata da ADPF,
antes da edição da lei 9.882/99, ninguém poderia ajuizar esta ação, o que
22

tornou a norma de eficácia limitada; outro exemplo é o direito de greve do


servidor público (pois no âmbito particular é uma norma contida), em que
o exercício do direito de greve depende de lei especifica, e segundo o STF
não é possível o exercício da greve pelos servidores públicos, diante disso
os servidores ingressaram com um mandado de injunção, para tornar
possível esse exercício;
b) De princípio programático: são aquelas que estabelecem programas de
ação a serem implementados pelos poderes públicos. A CF/88 estabelece
um resultado a ser alcançado - uma obrigação de fim. A norma não define
os meios (não é uma obrigação-meio), e sim são os Poderes Públicos que
definirão qual o melhor caminho para atingir a finalidade. Ex: art. 3º da
CF:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

* Canotilho decretou o óbito de normas de princípio programático, pois


as constituições européias não enfrentam essas normas como não-
obrigatórias, e sim são meros fins, exortações feitas pelo legislador para
atingir os objetivos. O professor Marcelo Novelino discorda dessa
decretação de óbito, pois, embora sejam normas programáticas ela tem
sim, caráter vinculante que, caso não sejam respeitados, serão atitudes
inconstitucionais do Poder Público.

Obs.: Maria Helena Diniz propõe - além da classificação de José Afonso da Silva - as
normas constitucionais de eficácia absoluta ou supereficazes que são as normas que tem
aplicabilidade direta, imediata e integral. A diferença em relação às normas de eficácia
plena é que estas não pode ser restringidas, nem por lei nem por emenda constitucional:
ora, são as cláusulas pétreas, então segundo a ilustre professora. Ora, mas cláusula pétrea
pode ser restringida, o que não pode é sua retirada do ordenamento e além disso, o seu
núcleo essencial deve ser preservado. Essa é uma das críticas que se faz para a
classificação de Maria Helena Diniz, além disso a doutrina aponta que para a classificação
23

ser boa deve ser abrangida por apenas um critério, e, Maria Helena leva em conta na sua
classificação mais de um critério: a eficácia e a capacidade da norma constitucional ser
alterada por lei ou emenda.

Obs.: normas constitucionais de eficácia exaurida são aquelas cuja eficácia á se esgotou
em razão do cumprimento dos efeitos nelas previstos. Exemplo: algumas normas do
ADCT que já foram aplicadas ao caso previsto nela, v. g., seus arts. 2º e 3º. Para efeito de
reflexão uma pergunta: quanto ao artigo 2º será que esse dispositivo poderia impedir uma
emenda constitucional que tentasse alterar a forma de governo? O professor Marcelo
Novelino entende que não é possível alterar a forma de governo o legislador por si só,
todavia, será possível a realização de um plebiscito para consultar a população que, se
aprovar, alterar a forma de governo. Da mesma forma, nada impede que se preveja uma
nova revisão constitucional, nos termos do art. 3º se houvesse uma emenda a esse artigo
do ADCT.

Art. 2º - No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de


plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema
de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar
no País.
§ 1º - Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e
sistemas, através dos meios de comunicação de massa cessionários de
serviço público.
§ 2º - O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição,
expedirá as normas regulamentadoras deste artigo.

Art. 3º - A revisão constitucional será realizada após cinco anos,


contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria
absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
24

PRINCÍPIOS INSTRUMENTAIS (Hermenêuticos / Interpretativos)

1. Introdução

Além dos termos no cabeçalho, Humberto Ávila utiliza a terminologia de


“postulado normativo-interpretativo. Ele afirma que os princípios instrumentais
desempenham função diferente do que os princípios que conhecemos, sendo verdadeiros
postulados. Como vem sendo muito cobrado em concurso essa terminologia vamos
colocar um conceito para facilitar nossa vida
Os postulados normativos-interpretativo são “meta-normas que estabelecem um
dever de segundo grau consistente em estabelecer a estrutura de aplicação e os modos de
raciocínio e argumentação em relação a outras normas.” O que ele quer dizer? Ora, se
tem as normas de primeiro grau que seriam os princípios e as regras, que se aplicam a um
caso concreto. O postulado normativo não é uma norma que se aplica ao caso concreto, e
sim é uma meta-norma que será utilizada para interpretar a norma que irá se aplicar ao
caso concreto. Exemplo: princípio da proporcionalidade segundo Humberto Ávila não é
um princípio (norma de primeiro grau), e sim é um critério que se utiliza na aplicação de
outros princípios, ou seja, é um postulado normativo.
Antes de elencar quais são os postulados, vamos fazer definições dos princípios e
normas de 1º grau:
a) Regras: são mandamentos de definição, ou seja, normas que devem ser
cumpridas na medida exata de suas prescrições. A regra é uma norma. Norma
é gênero da qual são espécies princípios e regras. A medida de cumprimento
da regra é e exata estabelecida por ela. Exemplo: aposentadoria compulsória
aos 70 anos. A regra possui um mandamento definitivo e, segundo Dworkin,
obedece a moda do tudo ou nada.
* Em geral, as regras são aplicadas através de subsunção. Alguns autores
como Humberto Ávila e Ana Paula Barcelos, defendem a possibilidade de
ponderação de regra.
b) Princípios: segundo Robert Alexy são mandatos de otimização, ou seja,
normas que ordenam que algo seja cumprido na maior medida possível, de
acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Princípio é espécie
do gênero norma, mas diferente das regras, ele obedece a lógica do “mais ou
menos”; enquanto as regras são aplicados pela subsunção, os princípios são
25

aplicados através da ponderação ou sopesamento. Exemplo: é livre a


manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato (art. 5º, IV da
CF/88).
* Segundo Robert Alexy, qualquer conduta que tenha haver com a
manifestação de pensamento está incluída prima facie no citado princípio,
como, por exemplo, a publicação de um livro elogiando o holocausto e
negando o nazismo. Agora, note que Alexy fala em inclusão prima facie
do princípio, devendo ser analisadas a situação fática e jurídica existentes.
No exemplo do livro do holocausto, o STF fez uma ponderação: o agente
impetrou um HC afirmando que era livre manifestação de pensamento,
portanto poderia ser nazista e não ser crime de racismo. O Supremo julgou
improcedente o HC afirmando que a dignidade do povo judeu estava acima
da manifestação de um pensamento essencialmente criminoso.

Vamos estudar o catálogo de concursos de Konrad Hesse, o mais utilizado nos


concursos públicos. Vale salientar que todos estes princípios estão na Constituição.

2. Princípio da Unidade

Segundo Canotilho, a constituição deve ser interpretada de forma a se evitar


antagonismos e contradições entre suas normas.
As constituições atuais são marcadas por fixar valores as vezes conflitantes, como
por exemplo, a CF/88 defende o direito de propriedade, mas também a função social da
mesma. É objetivo do intérprete harmonizar essas normas.
Na ADI 4.097/DF o Partido Social Cristão contestava a constitucionalidade do art.
14, §4º, a inelegibilidade dos analfabetos. Só que tal norma foi feita pelo poder
constituinte originário. O PSC alegou que a inelegibilidade do analfabeto violava
princípios superiores à Constituição: isonomia, não-discriminação e sufrágio universal.
Essa tese fez muito sucesso na Alemanha na década de 50, com o doutrinador Otto
Bachof, autor de um livro sobre as normas originárias da Constituição que poderiam ser
inconstitucionais: acima da Constituição existem direitos suprapositivos. É uma tese
jusnaturalista. O STF extinguiu a ADIN do PSC por carência de ação, por ser um pedido
impossível, com o fundamento de não existir hierarquia entre normas de uma
constituição.
26

STF, ADI 4.097


EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
ADI. Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma constitucional
originária. Objeto nomológico insuscetível de controle de
constitucionalidade. Princípio da unidade hierárquico-normativa e
caráter rígido da Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes.
Carência da ação. Inépcia reconhecida. Indeferimento da petição
inicial. Agravo improvido. Não se admite controle concentrado ou
difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder
constituinte originário

O que esse exemplo acima tem a ver com o princípio da unidade? Ora, o princípio
da unidade afasta a tese de hierarquia entre normas da constituição.

3. Princípio do efeito integrador

Konrad Hesse afirma que nas resoluções de problemas jurídico-constitucionais


deve ser dada primazia à soluções que favoreçam a integração política e social,
produzindo um efeito conservador da unidade. O professor não enxerga diferença
substancial do princípio da unidade para este. Inclusive ele afirma que ambos são uma
ideia especificada da interpretação sistemática proposta por Savigny.
O princípio do efeito integrador parte da premissa que a constituição é o principal
elemento da integração da comunidade.

4. Princípio da concordância prática ou harmonização

Nos casos de colisão cabe ao intérprete coordenar e combinar os bens jurídicos em


conflito fazendo uma redução proporcional do âmbito de aplicação de cada um deles.
Havendo um conflito entre dois princípios, o intérprete deve procurar, ao invés de afastar
um deles integralmente, aplicar uma redução proporcional do âmbito de aplicação de cada
um deles. Quando isso for possível essa seria a aplicação da harmonização.
O princípio da concordância prática é muito semelhante ao princípio da
concordância prática. Vejamos a diferença:

Princípio da Unidade Princípio da Concordância


prática
Utilizado quando houver um conflito abstrato: duas Colisão de direitos: Conflito ocorre no caso
normas que tratam abstratamente do mesmo concreto. Exemplo: revista faz matéria
assunto. Exemplo: liberdade de imprensa x vida sobre vida privada de outra pessoa
privada
27

5. Princípio da convivência das liberdades públicas (= relatividade)

Conceito: Não existem princípios absolutos, pois todos encontram limites em outros
direitos também consagrados na Constituição. A CF/88 afirma que ninguém será
torturado. É um princípio? Não. É uma regra constitucional. Agora, com relação aos
princípios, não se pode dizer que existem princípios absolutos, ex vis, a proibição de
tortura não é absoluta; vide as punições disciplinares.
Alguns autores afirmam que a dignidade da pessoa humana é um valor absoluto.
Cuidado na hora de interpretar essa informação: como fica por exemplo uma colisão entre
a dignidade da pessoa humana de dois seres humanos distintos? A ADPF 54 trata do
aborto de anencéfalos. Um dos argumentos da confederação dos trabalhadores na área de
saúde é de que obrigar uma gestante a gerar de 9 meses um feto com a plenitude de certeza
que não sobreviverá ao parto é uma espécie de tortura que viola a dignidade da pessoa
humana. Do outro lado, defendendo o direito do feto, o principal argumento é que a
dignidade da pessoa humana do feto está sendo violada. A matéria está pendente de
julgamento no STF.

6. Princípio da força normativa

Esse princípio é o que leva o mesmo nome do livro de Konrad Hesse, “A Força
Normativa da Constituição”. Quem usa muito esse princípio é o Gilmar Mendes, que foi
quem traduziu esse livro para o português.
Conceito: na aplicação da Constituição deve ser dada preferência às soluções
concretizadoras de suas normas que as tornem mais eficazes e permanentes. Quando se
fala em concretizar é aplicar a norma ao caso concreto deve se optar às soluções que
favoreçam à eficácia desta norma.
O STF tem utilizado esse princípio em caso de interpretações divergentes da
Constituição. O STF é o guardião da constituição, nos termos do art. 102, CF e, cabe a
ele dar a última palavra sobre como deve ser a interpretação. Interpretações divergentes
enfraquecem a força normativa da Constituição --> se há uma norma constitucional
interpretada de maneiras diferentes por diversos órgãos do judiciário, essa norma perde a
eficácia normativa, pois ninguém vai saber a norma que deve adotar. O STF pode, em
determinados casos, até permitir a relativização de coisa julgada, para não manter
interpretações divergentes.
28

Exemplo: até 1995 quando um segurado do INSS falecia, o dependente não recebia
o valor de pensão por morte integral que já recebia o segurado, e sim 80% dele. A partir
de 1995 houve uma alteração na lei e o percentual de morte passou a ser 100%: o
dependente recebe o mesmo valor que o segurado recebia. Os dependentes que recebiam
80% ajuizaram várias ações para receber o valor integral pós-lei. O TRF da 2ª região
entendeu que o princípio da não-retroatividade não estaria violado e eles poderiam
receber o valor integral pós-lei. Já O STF entendeu que se o dependente receber o valor
integral, estaria privilegiando um fato gerador de antes de 1995: seria uma retroatividade
mínima, mas mesmo assim não-permitida. Ora, mas processos do TRF2 favoráveis ao
dependente transitaram em julgado --> pra isso o INSS poderia ajuizar ação rescisória
para relativizar a coisa julgada inconstitucional, dentro do prazo de dois anos
estabelecidos em lei. Nesse caso concreto nem precisou da ação rescisória: as decisões
do STF nessa decisão foi em controle difuso inter partes, todavia, naquelas ações em que
a parte estava cobrando o pagamento atrasado ao INSS, bastava este peticionar o
cumprimento de sentença a decisão do STF.

7. Princípio da máxima efetividade

Alguns autores tratam a máxima efetividade como sinônimo da força normativa: só


que este se aplica a todos os dispositivos da CF/88, sem exceção; já a máxima efetividade
é um princípio dirigido exclusivamente aos direitos fundamentais.
Cuidado: Efetividade ≠ Eficácia. A efetividade ocorre quando a norma cumpre a
finalidade para qual ela foi criada; já a eficácia consiste na aptidão da norma para produzir
os efeitos que lhe são próprios. Ora, na efetividade atinge a sua função; na eficácia ela
tem aptidão para ser aplicada, mas não significa que ela cumpre a sua finalidade.

A professora Maria Helena Diniz distingue dois tipos de eficácia:


a) Eficácia positiva: é a aptidão para ser aplicada ao caso concreto.
b) Eficácia negativa: é a aptidão para invalidar normas contrárias. Exemplo: art.
102, §3º: juros de no máximo 12% ao ano. Essa norma não teve efetividade,
(nunca foi aplicada). Não teve eficácia positiva, pois dependia de lei
regulamentadora; ora, mas teve eficácia negativa, pois pôde invalidar normas
contrárias a ela. Ora, TODA norma constitucional tem, no mínimo, uma
eficácia negativa.
29

Uma parte da doutrina, com Ingo Sarlet, identifica o princípio da máxima


efetividade no art. 5º, §1ª da CF/88. Vejamos:
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata

Para ele, os direitos fundamentais devem ser aplicados de forma que lhe seja
assegurada a maior efetividade possível.

8. Princípio da conformidade funcional

O princípio da conformidade funcional é conhecido também como princípio da


justeza. Esse princípio, na verdade, é mais uma regra de competência do que propriamente
um princípio interpretativo.
Segundo Canotilho o princípio da justeza tem por finalidade não permitir que os
órgãos encarregados pela interpretação da Constituição cheguem a um resultado que
subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional estabelecido pela Constituição.
Cada Poder deve existir conforme a função que lhe foi atribuída constitucionalmente, não
devendo usurpar funções de outros Poderes; por isso o nome conformidade funcional.
O principal destinatário deste princípio é especialmente o Tribunal Constitucional;
no Brasil, o STF. É o Supremo que dará a última palavra no que tange à interpretação da
Constituição.
E como esse princípio é aplicado na prática? Vamos a um exemplo: o STF deu uma
decisão no HC 82959/SP onde, modificando, seu entendimento anterior, disse que a
vedação da progressão de regime previsto na Lei de Crimes Hediondos é inconstitucional.
Ora, uma decisão em sede de habeas corpus tem efeito apenas inter partes; Para que essa
decisão fosse estendida a todos seria necessário aplicar o art. 52, X da CF/88. Vejamos a
redação legal:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:


X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada
inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

Um juiz, de Rio Branco no Acre, deu um entendimento contrário ao do STF, visto


que, a decisão em sede de HC não era vinculante. A Defensoria Pública do Acre ajuizou
uma reclamação no Supremo sob o fundamento de que aquela decisão do Pretório
Excelso, apesar de proferida em habeas corpus, teria efeito para todos, conforme os votos
de alguns dos ministros. A RCL 4335/AC, que tinha como relator justamente Gilmar
30

Mendes, foi julgada procedente afirmando que a decisão no referido HC não era inter
partes, e sim com efeitos erga omnes, isso porque teria havido uma modulação dos efeitos
da decisão. Ora, mas como ficaria o art. 52, X? Inócuo? Gilmar Mendes fundamentou que
o referido artigo passou por uma mutação constitucional: o Senado em vez de editar a
resolução para suspender a execução da lei, apenas dará publicidade à decisão do STF.
Ele votou nesse sentido, o ministro Eros Grau - que já se aposentou - acompanhou o
relator; todavia, os ministros Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence votaram contrário
ao relator, julgando improcedente a reclamação. A questão hoje está empada, 2 x 2.
Temos que aguardar o posicionamento do Pleno.
Se prevalecer o entendimento de Gilmar Mendes, muitos doutrinadores sustentam
que o princípio da conformidade funcional teria sido violado, uma vez que neste hipótese
a competência que era do Senado foi, de certa forma, usurpada pelo Senado Federal. O
STF estaria chamando para si uma competência constitucional do Senado.
Encerramos aqui, são 7 os princípios elencados por Konrad Hesse. Vamos analisar
agora outro princípio instrumental, mas que não faz parte do catálogo do alemão.

9. Princípio da proporcionalidade

9.1 Nomenclatura

O primeiro ponto envolvendo o princípio da proporcionalidade é a nomenclatura: o


posicionamento amplamente majoritário - inclusive no STF e STJ - é de que
proporcionalidade e razoabilidade seriam termos equivalentes. Alguns autores, todavia,
defendem que tais terminologias seriam princípios distintos (consultar material em
www.injur.com.br para aprofundar a distinção do professor Virgílio da USP e de
Humberto Ávila, também no site).
Outro ponto importante é a consagração da proporcionalidade em nossa
Constituição Federal de 1988. Temos três posições:
a) 1ª corrente: o entendimento majoritário é que esse princípio estaria implícito
na nossa CF/88. Mas ora, se ele está implícito, de que norma estaria sendo
retirado? O STF entende que o princípio da proporcionalidade pode ser
abstraído da cláusula do devido processo legal em seu caráter substantivo, nos
termos do art. 5º, LIV:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
31

processo legal;

b) 2ª corrente: A doutrina e jurisprudência alemã entendem que o princípio da


proporcionalidade seriam um princípio deduzido do princípio do Estado de
Direito. Essa corrente já foi cobrado em provas do CESPE e é adotado pelo
ministro Gilmar Mendes.
c) 3ª corrente: No artigo do Virgílio Afonso da Silva, de acordo com o
entendimento de Robert Alexy, a proporcionalidade seria deduzida da própria
estrutura dos direitos fundamentais. A ideia é que, como muito dos direitos
fundamentais se estabelecem a partir dos princípios, a própria estrutura
principiológica necessitaria a aplicação do princípio da proporcionalidade.
No MP/RS perguntou o seguinte: de acordo com a teoria de Alexy, a
proporcionalidade seria princípio ou regra? Ora, não se pondera
proporcionalidade com outros princípios constitucionais, visto que ele serve
de base para a aplicação de todos os outros princípios. Logo, na teoria do
Alexy a proporcionalidade não é princípio, e sim regra. Ora, e por que no
Brasil só se fala em princípio da proporcionalidade? Em quase todos os
manuais, quando se fala em princípio, o princípio seria aquela norma mais
importante do que as outras, por isso que se fala em proporcionalidade como
princípio. Ora, mas se você observar a legalidade, a anterioridade e a própria
proporcionalidade, de acordo com Alexy, verá que são regras, e não
princípios.

9.2 Critérios da proporcionalidade

O Tribunal Alemão que criou a proporcionalidade o dividiu em três critérios,


subregras, para definí-lo. Cumpre salientar que a análise do ato, para saber se é
proporcional ou não, é necessário respeitar as regras na ordem abaixo. Para que a
proporcionalidade seja atendida tenho que observar três critérios (“máximas parciais”,
nas palavras de Alexy):

1. Adequação: consiste no respeito da relação entre meio e fim. O meio utilizado


deve ser apto para alcançar ou promover o fim almejado.
2. Necessidade: diante de medidas igualmente eficazes para alcançar o fim
32

almejado, deve-se optar por aquela que seja a menos gravosa possível. A
necessidade de ser associada ao meio menos gravoso. Se no caso concreto há
dois meios igualmente eficazes, escolhe-se o menos gravoso. A necessidade
também é chamada pela doutrina de “princípio da menor ingerência
possível”. Citando Jellinek: “não se deve abater pardais com canhões” (ainda
que os canhões sejam capazes de abater o pardal, é um meio gravoso demais
– logo não é necessário).

3. Proporcionalidade em sentido estrito: Consiste no sopesamento entre a


intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da
realização do direito fundamental a ser promovido; ou seja, na
proporcionalidade em sentido estrito há uma ponderação entre aqueles
direitos fundamentais que foram restringidos pelos direitos estatais e a
importância que esses direitos fundamentais devem ter. Vamos ver um
exemplo hipotético: uma lei federal que obriga todas as pessoas a fazerem um
teste vírus HIV e, as que forem positivas, deverão ficar isoladas. Vamos à
análise da proporcionalidade em sentido amplo:
a) Teste do HIV e isolamento dos doentes é o meio que é apto a concluir o
fim almejado. É adequado.
b) Alguma medida é mais eficaz menos gravosa do que esta para impedir o
contágio das outras pessoas? Não consigo imaginar outra... é necessária
então.
c) Vamos à ponderação: de um lado há a liberdade das pessoas que tem o
vírus e a dignidade da pessoa humana em obrigar a pessoa a fazer o teste
e se isolar. E do outro lado a saúde pública de uma forma geral para evitar
que novas pessoas sejam contaminadas. Agora a pergunta: em uma
ponderação para evitar que o vírus do HIV se espalhe, o que prevalece na
ponderação? Neste caso, a medida de teste obrigatório + isolamento não
passaria na proporcionalidade em sentido amplo, pois a liberdade e a
dignidade da pessoa humana são princípios com maior peso.

Vamos a um exemplo brasileiro: no Paraná os deputados estaduais aprovaram uma


lei exigindo que os postos de venda de botijão de gás pesassem na frente do consumidor
a mercadoria: tanto o velho botijão com gás que sobrou, quanto o novo, pois no velho
33

geralmente sobra uns 5% de gás que seria abatido no valor do botijão novo. Vamos
investigar: o meio é adequado, visto que está protegendo o consumidor. Pela necessidade:
há outro meio mais eficaz e menos gravoso para as partes? O outro meio, inclusive já
utilizado, era uma amostragem geral dos botijões antigos e aplicar na venda de botijões
novos, mas não é tão eficaz, logo, necessidade está ok. Na proporcionalidade em sentido
estrito vamos ponderar a livre iniciativa x proteção do consumidor. Para ponderar, o STF
analisou alguns aspectos fáticos: para que haja a pesagem é preciso da balança de alta
precisão que vai pesar um gás dentro do botijão; este custo será repassado ao consumidor,
o que obviamente deixa o produto mais caro; o consumidor teria dificuldades para
comprar gás, onde só poderia nos postos de venda, não havendo mais os carrinhos de gás.
O STF entendeu que é muito melhor fazer por amostragem do que exigir a pesagem na
frente do consumidor e o gás sair mais caro. A lei do Paraná traria mais custos do que
benefícios ao consumidor, não sendo uma medida proporcional.
9.3 Proibição de excesso x proibição de insuficiência

Dentro do princípio da proporcionalidade vamos analisar a distinção entre a


proibição de excesso e a proibição de insuficiência. Nestes exemplos que vimos (HIV e
gás), falamos em medidas excessivas em face a outros meios melhores aplicados. A
proibição de excesso tem por finalidade evitar cargas coativas excessivas, ou seja, uma
coação exagerada, em relação aos direitos fundamentais. O que a proibição de excesso
busca é evitar que medidas excessivamente gravosas sejam evitadas. E tem muitos autores
que utilizam a proibição do excesso como sinônimo de proporcionalidade. Só que esta,
segundo a doutrina alemã também abrange a proibição de insuficiência.
A proibição de insuficiência exige dos órgãos estatais o dever de tutelar de forma
adequada e suficiente os direitos fundamentais. Exemplo: a CF/88 consagra a
inviolabilidade do direito à vida no art. 5º, caput. Se o Código Penal estabelecesse uma
pena de multa para quem tirasse a vida de uma pessoa, tal medida seria suficiente para
tutelar a vida? Claro que não, ou seja, não seria proporcional, pois seria insuficiente.

Obs.: O mérito do ato administrativo pode ser controlado em face do princípio da


proporcionalidade (Gustavo Binembojn). Exemplo: políticas públicas devem ser
definidas prioritariamente pelo Legislativo e Executivo (eleitos para essa finalidade),
logo, se existem duas demandas igualmente legítimas (hospital e escola) não há como o
Judiciário controlar o ato administrativo. Entretanto, se uma das demandas não for
34

legítima, o Judiciário poderia intervir para controlar o Princípio da Proporcionalidade


(atuando com parcimônia – controle de legalidade).
35

TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1. Introdução

Antes de iniciar o tema, para fins didáticos vamos fazer a distinção entre direitos
humanos e direitos fundamentais. Ambos estão relacionados aos valores liberdade,
igualdade e são voltados a proteção e promoção da dignidade da pessoa humana. A
diferença é o plano no qual eles estão situados, enquanto os direitos humanos estão
consagrados no plano internacional, os direitos fundamentais situam-se no plano interno,
em geral, na Constituição. Logo, o conteúdo dos direitos é o mesmo: liberdade e
igualdade, sendo que tais valores tutelam a dignidade da pessoa humana. É claro que os
direitos fundamentais de cada país vão variar, por exemplo, os EUA consagram pena de
morte e perpétua, enquanto aqui no Brasil isso não é admitido, exceto pena de morte em
casos de guerra declarada. Muitos autores, inclusive, não fazem essa diferença chamando
inclusive direitos humanos fundamentais. A distinção aqui é essencialmente de plano.
Vejamos o art. 5º, § 3º:
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos
que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais

* Em nenhum momento a nossa CF/88 se refere sobre direitos humanos no plano


interno, todavia, o faz no tocante a direitos fundamentais, por exemplo, o
título II - dos direitos e garantias fundamentais.
* De acordo com o supracitado artigo se os tratados internacionais de direitos
humanos forem aprovados com o rito das emendas constitucionais (2 turnos
de votação + 3/5 dos votos do CN), terão os mesmos valores dela, e,
consequentemente, terá o mesmo status de uma emenda constitucional.
Todavia, se o TIDH for aprovado com rito ordinário (são os casos de todos
os tratados antes da EC 45 que acrescentou em 2004 o supracitado parágrafo)
terá status supralegal. Veja que que é uma nova categoria hierárquica da lei:

a) TIDH aprovado com rito de EC: status constitucional.


b) TIDH aprovado com rito ordinário: status supralegal.
c) TI de outra matéria que não direitos humanos. Status ordinário.
36

O art. 5º, § 2º da CF/88 consagra uma teoria material dos direitos fundamentais. O
que isso significa? Vejamos a redação:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem


outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.

* Ao dispor “os direitos ali consagrados” remete-nos aos direitos fundamentais,


e significa que outros direitos fundamentais podem ser adotados pelo
ordenamento jurídico decorrentes de princípios implícitos na CF/88 e direitos
consagrados por tratados internacionais.
* Quando se fala em direitos fundamentais, além deles não serem apenas os que
estão na CF/88, e também os decorrentes de princípios e tratados
internacionais, os direitos fundamentais não estão apenas dentro do título II
da CF/88, encontrando-se espalhados por todo o seu texto.

Outro dispositivo importante é o § 1º do art. 5º da CF/88:

§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm


aplicação imediata

* Se a interpretação do artigo é literal significa que todos os direitos e garantias


fundamentais poderiam ser aplicados independentemente da conjugação de
outra vontade, lei ou ato do Poder Público. É assim que funciona? Alguns
autores defendem essa corrente, como o ministro Eros Grau. O professor não
concorda com esse posicionamento e nos remete ao art. 5º, LXXI da CF/88:

LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de


norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e
liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade,
à soberania e à cidadania;

* A grande maioria da doutrina (por exemplo, Dirley Cunha) interpreta o


mandado de injunção como instrumento criado para garantir o exercício dos
direitos fundamentais. Analisando esse inciso com o supracitado parágrafo
percebe-se a incoerência da Lei Maior. Por conta disso, o professor acredita
não ser possível a aplicação automática sempre dos direitos fundamentais.
Um segundo posicionamento (adotado por Ingo Sarlet) interpreta o § 1º do
art. 5º não como uma regra, e sim como a estrutura de um princípio. Segundo
37

Ingo, as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais devem ser


interpretadas no sentido que lhes confira a maior efetividade possível para
que cumpram a finalidade para qual forem criadas. A efetividade depende,
inclusive, de uma série de fatores, por exemplo, o direito de greve precisa de
uma norma regulamentadora. Esse é o entendimento adotado pelo CESPE.

2. Classificações dos direitos fundamentais

2.1 Classificação da CF/88

Vamos ver duas classificações. Primeiramente a realizada pela CF/88 que trata dos
direitos fundamentais no título II e considera que direitos e garantias fundamentais são o
gênero que tem as seguintes espécies:
a) Direitos individuais: apesar de estarem sistematicamente elencados no art. 5º
os direitos e garantias individuais também podem ser encontrados em outras
partes da Constituição. Prova disso é o art. 65, § 4º, IV da CF/88: perceba que
não são todos os direitos fundamentais (apesar de que defendidos por alguns
autores) que são cláusulas pétreas, e sim apenas os direitos e garantias
individuais. E mais: o STF já entendeu que o art. 60, § 4º e o art. 150, III, “b”
foram consideradas garantias individuais e, portanto, cláusulas pétreas.

4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a


abolir:
IV - os direitos e garantias individuais

b) Direitos coletivos: espalhados pelos arts. 5º, 6º e seguintes)


c) Direitos sociais: art. 6º e seguintes
d) Direitos de nacionalidade: arts. 12 e 13
e) Direitos políticos: arts. 14 e seguintes

Obs.: O título II ainda menciona em seu final sobre os partidos políticos.

2.2 Classificação doutrinária

A classificação doutrinária mais aceita é de um autor português chamado José


Carlos Vieira de Andrade, que foi inspirada feito por um autor alemão chamado Jellinek
38

e divide os direitos fundamentais em três espécies:

a) Direitos de defesa: são direitos criados para proteger o indivíduo em face do


Estado. São os direitos individuais, também chamados civis, (ligados ao valor
liberdade) e tem preponderantemente um caráter negativo (exigem do Estado
uma abstenção - status negativus). Ex: para que se tenha uma liberdade
artística, de expressão, de ir e vir, o Estado não deve se intrometer, devendo
se abster.

b) Direitos a prestações: São direitos que exigem do Estado não uma abstenção,
mas uma atuação positiva, ou seja, exigem uma prestação do Estado. Têm
preponderantemente um caráter positivo (status positivus)
* Os direitos prestacionais têm uma carga de eficácia menor que os direitos
de defesa? Sim, pois a maioria dos direitos de defesa estão consagrados
em normas de eficácia plena ou contida, enquanto que os direitos
prestacionais estão geralmente consagrados em normas de eficácia
limitada. Os direitos prestacionais têm menos eficácia e menos
efetividade (em razão do custo oneroso que têm). Vale lembrar também
que os direitos prestacionais dependem de recursos financeiros: quanto
mais pobre o Estado e o nível de desenvolvimento deste, maior é a
dificuldade de implementar os direitos sociais.
* Constituem-se basicamente nos direitos sociais. Alguns direitos
prestacionais podem ser, inclusive, individuais, como o direito de
assistência judiciária. E cuidado: nem todo direito prestacional é um
direito social, e a recíproca também é verdadeira, ex vis, a proteção do
trabalhador através da legislação trabalhista. A criação de legislação
trabalhista não é um direito prestacional por parte do Estado.
* Os direitos prestacionais estão ligados ao valor igualdade material (não
à formal). E em que sentido a exigência de igualdade material faz com
que o Estado tenha que atuar positivamente? Ora, o objetivo das
prestações é de reduzir as desigualdades fáticas. Por que o Estado tem
que fornecer medicamentos para algumas pessoas? Pois, algumas
pessoas não tem como pagar esses remédios, e acaba também fornecendo
para quem pode. Logo, tais direitos prestacionais visam reduzir essa
39

desigualdade fática. Existem muitos países, como na Alemanha, onde na


sua Constituição não preveem o direito social como um direito
fundamental. Ora, como uma pessoa vai ter liberdade se ela não tem
acesso aos bens básicos como saúde e educação?

1. Direitos de participação. Têm caráter positivo e negativo. São aqueles direitos


que irão permitir a participação do indivíduo na vida política do Estado. São
direitos ligados à cidadania. Para que o indivíduo possa participar da vida
política do Estado, esses direitos têm tanto um caráter positivo quanto
negativo. Ex: para que se realizem as eleições periódicas, o Estado deve
concretizá-las (face positiva), mas também deve abster-se de impedir
cidadãos de participar do sufrágio universal (face negativa), direitos de
Nacionalidade e Direitos Políticos. Vale salientar que o exercício dos direitos
políticos depende do direito de nacionalidade.

Obs.: a rigor, todos os direitos têm caráter positivo e negativo. Exemplo: liberdade de
locomoção do indivíduo. Em regra, o Estado não pode impedir o indivíduo de ir e vir
(face negativa), mas também se ele não influir construindo estradas, meios de transporte,
etc. (face positiva) as pessoas não poderão exercitá-los.
Obs.: direitos coletivos estão sempre ligados aos direitos individuais ou sociais.

3. Características dos direitos fundamentais

A) Universalidade: o fatos dos direitos fundamentais terem como núcleo comum a


dignidade da pessoa humana conduz à sua universalidade. Quando se fala em
universalidade, significa que o núcleo mínimo de proteção nesses direitos têm que estar
presente em todos os ordenamentos. Exemplo: todo país que respeite direitos humanos
tem que proteger o direito à vida.
B) Historicidade: os direitos fundamentais são direitos históricos, pois surgem
gradativamente através do tempo e se transformam. A historicidade fica muito claro
quando se estudam as dimensões dos direitos ora estudados. Os direitos fundamentais
foram surgindo aos poucos. Exemplo: o direito à igualdade estava presente na época da
Revolução Francesa: “os homens nascem livres e iguais.” Agora, aquela igualdade
consagrada lá era a igualdade meramente formal, tanto que admitiam até a possibilidade
40

de existirem escravos. Atualmente a igualdade é aplicada em seu sentido material.


* A ideia de historicidade afasta a tese do jusnaturalismo. Como os direitos
fundamentais seriam direitos naturais se eles surgem e se extinguem com o
passar dos tempos? É o argumento utilizado pelos positivistas. Aí os
jusnaturalistas afirmam que não é que os direitos fundamentais não existiam,
é que eles foram sendo conquistados pela sociedade com o passar do tempo e
positivados a partir dessas conquistas.

C) Imprescritibilidade: direitos fundamentais não prescrevem.


D) Inalienabilidade: direitos fundamentais são indisponíveis, intransferíveis e
inegociáveis, uma vez que não possuem conteúdo patrimonial.
E) Irrenunciabilidade

Essas três características tem um viés jusnaturalista: os direitos fundamentais são


naturais e, portanto, imprescritíveis, inalienáveis e irrenunciáveis. Essas características
são muito polêmicas, por exemplo, uma pessoa que participa do BBB não está negociando
um direito fundamental? A pessoa que deixa de exercer um direito fundamental não está
renunciando a esse direito? Na verdade é feita uma distinção para tentar esclarecer essas
dúvidas: titularidade do direito ≠ exercício do direito. O que é inalienável não é o
exercício desse direito, e sim a titularidade do direito. A pessoa não pode perder o direito
de forma total e definitiva. Exemplo: a pessoa pode abrir mão de herança, mas não pode
dizer que definitivamente nunca vai receber a herança. Essa é a titularidade. Ao abrir mão
de um direito específico (ex vis, abrir mão de uma herança), estaria abrindo mão do
exercício do direito fundamental de forma parcial e temporária. Existem situações,
todavia, onde se pode renunciar ao direito fundamental em outros países, como, por
exemplo, a renúncia do direito de nacionalidade. No Brasil, não é possível a renúncia, e
sim a perda por determinados motivos.
Se fala em renúncia ao exercício, alienação do exercício e prescrição do exercício.
Além disso, não se deve confundir renúncia a um direito fundamental com o não-
exercício dele e com o exercício negativo. Logo, renúncia ≠ não exercício ≠ exercício
negativo ≠ perda.

Renúncia Não-exercício Exercício Perda


negativo
Enfraquecimento de É a opção do titular do É uma das faces do É uma restrição
41

uma posição de um direito fundamental de exercício de um heterônoma. Alguém


titular de um direito não exercê-lo. Não há possível direito impõe que não se
fundamental. Ex: renúncia, e sim a fundamental. Ex: não exerça determinado
castração química de ausência do exercício. querer se associar.*** direito. Ex: perda da
pedófilos* ** Ex: duplo grau nacionalidade
imposta pelo
ordenamento.

* A castração química é reversível e é utilizada através de hormônios femininos para


reduzir o nível de testosterona. Um senador está querendo um projeto de lei nesse
sentido, não para obrigar o condenado à castração química - pois, seria renúncia de
direito fundamental, e sim como pena alternativa: em vez de, por exemplo, 20 anos de
prisão, o condenado poderia ter 5 (cinco) anos se trocasse, voluntariamente, a pena
privativa de liberdade pela castração química durante o período de livramento
condicional: aqui não é uma imposição, e sim uma atitude espontânea.

** Duplo grau de jurisdição é direito fundamental? Posso num processo não querer
recorrer. A minha posição não foi enfraquecida, eu apenas não quis exercê-la, mas meu
direito permanece.

*** Liberdade de associação: liberdade de me associar, de não associar ou de permanecer


associado. Quando me recuso a não me associar, estou exercendo o meu direito de uma
forma negativa.

F) Relatividade / limitabilidade: os direitos fundamentais não podem ser considerados


absolutos porque eles encontram limitações impostas por outros direitos também
consagrados na própria Constituição. Os direitos fundamentais não são absolutos, e sim
relativos, pois existe um sistema de tais direitos para que possam conviver dentro desse
sistema; por isso que existem limites. Muitos pensam que a dignidade da pessoa humana
é um princípio absoluto. Na verdade, não é um princípio absoluto, e sim um valor. E qual
a diferença? Quando se usa a dignidade como valor absoluto significa que não existe
gradação entre esse valor: a dignidade é igual para todas as pessoas, não existindo nível
de dignidade da pessoa humana --> isso é absoluto. Agora, dignidade da pessoa humana
como princípio não é absoluto, pois se não, não seria possível fazer a ponderação com o
sistema jurídico. Exemplo: aborto de feto anencéfalo: se eu considerar que a dignidade
da pessoa humana como princípio é absoluto a gestante não poderá realizar o aborto.
42

* O italiano Norberto Bobbio em seu livro “A Era dos direitos” sustenta que
existem dois valores absolutos: o direito de não ser torturado e o direito de
não ser escravizado. Ora, a tortura já é uma regra resultante de uma
ponderação feita pelo legislador do constituinte através da dignidade da
pessoa humana. A proibição de trabalho escravo também é uma concretização
da dignidade da pessoa humana. A regra já é muitas vezes o resultado de uma
ponderação e, quem fez essa regra foi o legislador. Costuma dizer que nas
regras existem as “razões entrincheiradas”, que são justamente as
ponderações feitas nas discussões, análise do que seria votado para adentrar
no ordenamento.
* Humberto Ávila entende que os direitos fundamentais se expressam muito
mais por regras do que princípios. Agora, inegavelmente os princípios não
podem ser considerados absolutos, bem como essas regras.

4. Eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais e suas teorias.

Quando os direitos fundamentais surgem, eles foram consagrados nas Constituições


com a finalidade de proteger o indivíduo em face dos arbítrios do Estado. Como a relação
do Estado com o particular é uma relação hierarquizada, de subordinação, dizemos que
há uma relação vertical: a aplicação dos direitos fundamentais a tais relações
hierarquizadas), se fala em eficácia vertical dos direitos fundamentais. A eficácia vertical
é, portanto, a aplicação dos direitos fundamentais, às relações entre o Estado e o
particular.
A teoria da eficácia horizontal foi organizada por juiz do tribunal do trabalho
alemão, Nipperdey, em 1950 que começou a aplicar os direitos fundamentais também nas
relações entre os particulares. Como aqui é uma relação horizontal ( particular <-->
particular), a aplicação dos direitos fundamentais nessa relação ficou conhecida como
eficácia horizontal. Só que isto é apenas uma visão superficial do tema. Existem várias
teorias sobre a possibilidade de aplicação ou não dos direitos fundamentais nas relações
entre os particulares.

4.1 Teoria da ineficácia horizontal

Se há uma ineficácia horizontal, os direitos fundamentais não podem ser aplicados


43

nas relações entre particulares. Não tem muito prestígio entre os países, mas é a doutrina
adotada nos EUA. Os direitos fundamentais se aplicam apenas às relações entre Estado e
particulares. A 13ª emenda da Constituição americana acabou com a escrivão. Com a
exceção dessa emenda, nenhum outro dispositivo da Constituição americana, nenhum
outro dispositivo dela, de acordo com o entendimento jurisprudencial, se aplicaria a
eficácia horizontal. Isso porque a Constituição de 1787 ainda etá em vigor e nessa época
só existiam direitos fundamentais dos indivíduos em face do Estado.
Nos EUA existe uma teoria que adequa a aplicação dos direitos fundamentais por
parte de particulares contra particulares (Doutrina da State Action). Tal doutrina tenta
buscar um artifício para que algumas situações possam ser aplicados os direitos
fundamentais nas relações entre particulares. Vamos analisar três aspectos da State
Action:
a) Pressuposto: só pode haver violação a direito fundamental por meio de uma
ação estatal.
b) Finalidade: tentar afastar a impossibilidade de aplicação dos direitos
fundamentais nas relações entre particulares e definir, ainda que de forma
casuística e assistemática em que situações esta aplicação seria possível.
Existe uma divergência entre o Daniel Sarmento e o Virgílio Afonso. Daniel
estudou nos EUA e sustenta que a doutrina da State Action teria como
finalidade evitar a aplicação dos direitos fundamentais às relações
particulares. Já o Virgílio sustenta que a finalidade da doutrina não é impedir
a aplicação, e sim tentar contornar essa proibição. O professor Marcelo
Novelino concorda com Virgílio.
c) Artifício de sua utilização: equiparação de determinados atos privados a atos
estatais. Os direitos fundamentais só se aplicariam na relação Estado-
particulares, mas também nas relações particular-particular quando os atos
dos particulares se equipararem a atos do Estado.

4.2 Teoria da eficácia horizontal indireta

A teoria da eficácia horizontal surgiu com Nipperdey, mas não é a teoria que
prevalece na Alemanha. A teoria prevalecente entre os Alemães (doutrina e
jurisprudência) é a eficácia horizontal indireta, que surgiu com Günter Dürig. Alexy adota
outra teoria (posição minoritária na Alemanha).
44

O direito fundamental até pode ser aplicado entre as relações particulares, mas para
ocorrer, o juiz não pode buscar na Constituição diretamente tal direito, pois esse direito
na Constituição foi construído para garantir o indivíduo contra o Estado. Para que
determinado direito fundamental seja aplicado nas relações entre particulares é necessária
a regulamentação desse direito por parte do legislador legal. Isso porque no direito
privado existe o princípio da autonomia da vontade. Logo, os direitos fundamentais não
ingressam na relação particular x particular como direito subjetivo a ponto de invocar a
Constituição. O indivíduo só pode invocar a lei
A aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas aniquilaria a
autonomia da vontade e causaria uma desfiguração no direito privado. Nas relações
contratuais (entre particulares, no mesmo nível) não se pode aplicar os direitos
fundamentais da mesma forma do que nas relações Estado-particulares, devendo, em
primeiro momento, prevalecer a autonomia da vontade. Não se nega a aplicação dos
direitos fundamentais nestas relações, mas para a aplicação dos direitos fundamentais
deve haver uma intermediação da lei prevendo esta aplicação.
Os direitos fundamentais irradiam os seus efeitos nas relações entre particulares por meio
de mediação legislativa (efeito irradiador dos direitos fundamentais). Para não causar uma
desfiguração do direito privado e uma supressão da autonomia da vontade. O direito
privado, por meio da lei, iria trazer os direitos fundamentais às relações privadas.
Segundo a doutrina alemã, os direitos fundamentais entrariam no direito privado e
seriam irradiados (introduzidos) às relações particulares via cláusulas gerais do direito
privado (“portas de entrada” ou “pontos de infiltração” dos direitos fundamentais no
direito privado – interpretação destas cláusulas via direitos fundamentais).

4.3 Teoria da eficácia horizontal direta

Surgiu na Alemanha, por um juiz do Tribunal Constitucional do Trabalho chamado


Hans Karl Nipperdey. Não é prevalecente na Alemanha, mas são prevalecentes em
Portugal, Espanha, Itália e Brasil. Não precisaria fazer uma série de artifícios
interpretativos para a aplicação entre particulares dos direitos fundamentais. Ela
aconteceria diretamente, entretanto, a aplicação dos direitos fundamentais entre
particulares não deve ocorrer com a mesma intensidade com que ocorre nas relações com
o Estado, pois se deve levar em conta o princípio da autonomia da vontade.
* Ex1: se há uma relação de igualdade fática, real (coordenação), prevalece,
45

como regra a autonomia da vontade.


* Ex2: se há uma relação de desigualdade fática (subordinação), a proteção
aos direitos fundamentais deve ser maior. Exemplo: particular tem bar e
proíbe a entrada de negros. Isso não é possível.

Sobre esse tema vale conferir no STF o RE 161.243/DF. É a hipótese da air france
que tinha 2 estatutos trabalhistas: um para os franceses e outros para “estrangeiros. O STF
entendeu que, nesse caso, o princípio da autonomia deveria ser aplicado nessa relação. O
Supremo entendeu que na relação trabalhista privada existe uma desigualdade fática entre
empregador e empregado e que é preciso tutelar esse último grupo

STF, RE 161.243
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA
IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE
EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA:
APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO
TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988,
art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar
para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal
da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade
seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao
princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º,
caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota
intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a
nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do
STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que
autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E.
conhecido e provido.

Outro exemplo de aplicação da teoria direta da eficácia horizontal no STF foi o RE


158.285/RS. Alguns associados de uma cooperativa no RS deram uma entrevista no jornal
desafiando os diretores do órgão e que não teriam coragem de expulsá-los. Eles assim o
fizeram. No estatuto da cooperativa, todavia, se assegurava o direito de defesa em casos
de expulsão. Perceba que a matéria não poderia chegar ao Supremo por RE, pois havia
norma infralegal tutelando o caso - o estatuto. Todavia, Marco Aurélio entendeu que
houve violação direta dos direitos fundamentais e conheceu do recurso extraordinário.
Veja o teor da decisão.

STF, RE 158.285
DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - EXAME - LEGISLAÇÃO
COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do
devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a
insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da
República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há de
ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal
exercer crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios
daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto
46

constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do


que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar
à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de
Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da
ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas
estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO -
CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese
de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos,
impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício
amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que
toca à exclusão, não é de molde a atrair adoção de processo sumário.
Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa.

Essa teoria gera algumas críticas:


a) Perda da clareza conceitual do Direito Privado.
b) Ameaça à sobrevivência da autonomia privada.
c) Incompatibilidade com os princípios: democrático, da separação dos poderes
e da segurança jurídica.
d) O Judiciário estaria exercendo uma função que deveria ter sido exercida pelo
Legislador (falta de critérios objetivos).

4.4 Teoria integradora

A teoria integradora é definida por Robert Alexy. A teoria é chamada de


integradora, pois vai integrar a teoria da eficácia horizontal direta e a indireta. De acordo
com a teoria integradora o ideal é que exista a intermediação legislativa, no entanto, na
ausência de mediação do legislador, os direitos fundamentais poderiam ser aplicados
diretamente.

5. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais

5.1 Introdução

A dignidade da pessoa humana é um direito fundamental? É o ordenamento jurídico


que confere esse direito? A dignidade não é vista pela maioria dos autores como um
direito, pois não é conferida pelo Ordenamento Jurídico. Ainda que não se mencionasse
a dignidade ela ainda existiria, pois é um atributo que todo ser humano possui,
independentemente da condição do homem. A dignidade, portanto, é uma qualidade
intrínseca do ser humano, não dependendo de nacionalidade, origem, sexo, etc. Sendo
humano, possui dignidade. Kant, por exemplo, sustenta que o fundamento da dignidade
47

da pessoa humana é a autonomia do indivíduo. Por o ser humano ter vontade, ele teria
que ter dignidade. O professor Marcelo Novelino não concorda, porque algumas pessoas
não tem racionalidade, ex vis, o feto, os senis, teriam uma dignidade relativizada? Alguns
autores dizem que a dignidade tem como fundamento a vida. O professor também
discorda. O morto não teria direito à dignidade? A vida parece para alguns ser o bem mais
valioso. E no caso de testemunha de Jeová que se recusa receber a transfusão de sangue?
Houve uma decisão no TJ/RS que forçou um deles a tomar a transfusão. Mas ora, para o
testemunha de Jeová a sua vida fica indigna. O professor Marcelo Novelino entende que
a dignidade não tem um fundamento, na verdade ela é um fundamento de todos os
direitos, inerentes ao ser humano. Todos os direitos fundamentais decorreriam direta ou
indiretamente da dignidade da pessoa humana.

5.2 Facetas da dignidade da pessoa humana e sua aplicação in concreto

A dignidade da pessoa humana está prevista no art. 1º, III da CF/88 e é tida como
um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;

Vale aqui fazer uma distinção: as normas do art. 1º são normas internas, inerentes
ao Estado brasileiro enquanto que as normas do art. 3º são normas externas, aplicáveis
pelo Brasil nas suas relações exteriores.
A maioria da doutrina internacional costuma apontar a dignidade da pessoa humana
como valor constitucional supremo. Agora cuidado: valor constitucional supremo não
significa ser norma suprema. São coisas diferentes. A dignidade da pessoa humana não
se encontra acima das demais normas da Constituição em face ao princípio da unidade
que dispõe que não existe hierarquia entre as normas constitucionais. A dignidade da
pessoa humana é o valor constitucional supremo, e não a norma suprema, porque nem
sempre a dignidade prevalecerá no caso de ponderação de princípios. É verdade que na
maioria dos casos a dignidade da pessoa humana, por ser um valor supremo, prevalecerá,
mas não são em todos os casos. Exemplo: dignidade de uma pessoa contra a dignidade de
outra.
Falamos na semana passada que a dignidade da pessoa humana não é um direito, e
48

sim é uma verdadeira qualidade intrínseca do ser humano. Nós não temos dignidade
porque ela está prevista no art. 1º, III, e sim porque ela é uma qualidade intrínseca do ser
humano. Apesar de ela não ser um direito ela possui uma íntima relação com os direitos
fundamentais: tal relação se dá, pois, a dignidade da pessoa humana é o núcleo dos
direitos fundamentais. Tais decorrem da dignidade da pessoa humana. O fundamento dos
direitos fundamentais é a dignidade da pessoa humana: os direitos fundamentais existem
para proteger e promover a dignidade da pessoa humana, que é o fundamento de todos
eles. É claro que alguns direitos fundamentais possuem uma derivação mais direta ou
indireta à dignidade da pessoa humana, ex vis, o direito de liberdade é muito mais ligado
à dignidade da pessoa humana, do que um direito de férias. Mas esse não deixa de estar
ligado à dignidade da pessoa humana, pois o direito de férias visa a garantir a dignidade
moral e o direito a repouso.
Se a dignidade é o fundamento dos direitos fundamentais e, se os direitos
fundamentais existem para promover e proteger a dignidade da pessoa humana, quando
há, como no Brasil, uma CF/88 que tutela os direitos fundamentais de forma bem definida,
dificilmente se necessitará recorrer diretamente à dignidade da pessoa humana.
Exemplos: violações à integridade física e mental de uma pessoa e, consequentemente
violação também sua dignidade; a violação da liberdade; da igualdade; dos direitos de
personalidade, etc. O importante é conhecer o raciocínio que se utilizará: se há um
ordenamento jurídico onde não existe um rol de direitos fundamentais específicos (não é
o caso do Brasil), o juiz ao decidir ele vai retirar da dignidade da pessoa humana os
direitos fundamentais. Quando a CF já possui um rol de direitos fundamentais
segmentado, o juiz não vai invocar a dignidade da pessoa humana como norma principal
para resolver o caso - ele usará um dos direitos fundamentais. O magistrado utilizará a
dignidade da pessoa humana apenas como um reforço argumentativo. Inclusive, no sítio
do STF não há decisões baseadas exclusivamente na dignidade da pessoa humana, e sim
há sempre invocação de princípios constitucionais. Talvez o único caso onde o Pretório
Excelso se utilizou apenas da dignidade da pessoa humana seria a não-obrigatoriedade de
submissão ao exame de DNA. Mesmo assim, o Supremo invocou normas não-
constitucionais também para fundamentar sua decisão.
49

5.3 Consequências jurídicas da dignidade da pessoa humana como fundamento da


República Federativa do Brasil

Quais são as consequências jurídicas de ter declarado a dignidade da pessoa humana


como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil?
1. Dever de respeito não só por parte do Estado, mas também pelos particulares.
Temos na CF/88 um dispositivo que, segundo o professor Novelino,
concretiza esse dever de respeito à dignidade da pessoa humana: é o art. 5º,
III da CF/88: “ninguém será submetido a tratamento desumano ou
degradante.”
2. Dever de proteção das condições de vida digna;
3. Dever de promoção das condições de vida digna.

5.4 “Fórmula do objeto” e “expressão de desprezo”

De acordo com a doutrina européia, mais especificamente segundo Kant: “as coisas
tem um preço; o ser humano tem dignidade. A dignidade exige do ser humano seja tratado
sempre como um fim em si mesmo, e não como um meio para se atingir determinados
fins.” Essa filosofia Kantiana a respeito da dignidade ficou conhecida como “fórmula do
objeto”, pois se o ser humano for tratado como um objeto, a dignidade será violada. A
fórmula do objeto nos ensina que o ser humano não pode ser um meio para o Estado
alcançar as suas finalidades, mas sim, deve ser sempre o fim.
O Tribunal Alemão acrescentou à fórmula do objeto a “expressão de desprezo” pelo
ser humano. O que isso significa? Muitas vezes o ser humano é tratado como meio para
atingir determinado fim, todavia, ser tratado como meio não significa uma violação à
dignidade da pessoa humana, por exemplo, uma pessoa que não tem o vírus HIV se
oferece para fins de pesquisa com o vírus. De certa forma, a pessoa está sendo tratada
como um meio, um instrumento, cobaia para se atingir um fim; todavia, tal meio não
significa violação à dignidade da pessoa humana, uma vez que foi escolha do titular do
direito. Diferente é o caso de forçar um preso à castração química. O que deu a ideia ao
Tribunal Alemão de criar a expressão de desprezo foi a experiência do nazismo, que
consideravam as pessoas não-arianas como pessoas de 2º grau e, portanto, sendo objeto,
e expressão de desprezo dessas pessoas para os arianos. Outro exemplo muito
emblemático de violação à dignidade da pessoa humana foi o arremesso de anões na
50

França: os anões estavam sendo utilizados como expressão de desprezo, visto que era um
meio e eles estavam sendo tratados como objeto em razão de sua condição física
diferenciada.
Um dos temas que envolve a dignidade da pessoa humana é: quem deve decidir que
a dignidade da pessoa humana foi violada? O próprio titular ou uma autoridade pública?
No caso dos anões da França, os próprios anões argumentaram que serem arremessados
não violaria a sua dignidade; o que violaria era eles ficarem desempregados. O professor
Marcelo Novelino comungava desse entendimento, todavia, passou a pensar diferente
quando conheceu uma aluna do LFG que tinha nanismo. Ele trocou e-mails com a aluna
na época do programa pânico na TV que tinha os anões do “pedala robinho”. Certa vez a
aluna estava em uma boate e alguém deu a tapa e falou “pedala robinho”. O professor
entendeu que tais condutas como a do programa de TV criam um estigma para
determinados tipos de pessoas, o que levaria a entender que a própria pessoa não pode
decidir sobre a sua dignidade, que caberia às autoridades públicas analisarem o caso
concreto. É uma questão polêmica que não possui um entendimento majoritário.

5.5 Dignidade da pessoa humana e seu dever de proteção e promoção

O dever de proteção e promoção à dignidade se expressam através do princípio da


dignidade da pessoa humana: tal princípio impõe um dever de proteção + promoção da
dignidade. Geralmente o princípio da dignidade da pessoa humana é concretizado da
seguinte forma:

1. A proteção se dá aos direitos individuais do art. 5º da CF/88;


2. A promoção se dá com o exercício dos direitos sociais do art. 8º da Lei Maior.
Por exemplo, ao dar trabalho, saúde, educação, se dá ao ser humano uma vida
digna. Aqui vale salientar a ideia do “mínimo existencial”, que é o conjunto
de bens e utilidades indispensáveis a uma vida humana digna, ou seja, é
aquele mínimo necessário sem o qual a pessoa não terá dignidade. Na aula de
direitos sociais veremos quais os bens mínimos de acordo com o ensinamento
de alguns doutrinadores.
Perceba que até agora o professor Marcelo Novelino não definiu a dignidade da
pessoa humana, e sim ele está dizendo apenas o âmbito da sua aplicação e em que casos
há a violação dessa dignidade.
51

Além desses aspectos já tratados é importante salientar também que a dignidade da


pessoa humana pode ser tratada como uma meta-norma. Alguns autores como Luiz
Roberto Barroso chamam essas meta-normas de princípios instrumentais (Humberto
Ávila usa a expressão “postulados normativos-interpretativos”): isso porque no caso
concreto não se aplica diretamente a dignidade, e sim ela será utilizada para interpretar
outra norma constitucional, sendo que esta é que será aplicada ao caso concreto. Vejamos
a redação do art. 5º, caput:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes

Perceba que os destinatários dos direitos individuais são os brasileiros e os


estrangeiros residentes no país e, os valores tutelados pelo art. 5º são:

a) Inviolabilidade do direito à vida;


b) Liberdade;
c) Igualdade
d) Segurança jurídica
e) Propriedade

Fazendo uma interpretação literal do citado artigo ,e seguindo o entendimento de


José Afonso da Silva, o estrangeiro não-residente no país não teria esses direitos, devendo
invocar tratados internacionais de direitos humanos. Na jurisprudência do STF há vários
casos de impetração de habeas corpus por estrangeiros não-residentes no Brasil, logo se
admite que tais pessoas possam invocar direitos do art. 5º da Lei Maior. Ora, se CF/88
afirma que se garante apenas aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, porque o
STF faz essa interpretação extensiva? Qual a justificativa? A principal justificativa é
justamente a dignidade da pessoa humana, uma vez que o fundamento dos direitos
fundamentais é a dignidade da pessoa humana. Ora, se os direitos individuais do art. 5º
decorrem diretamente da dignidade da pessoa humana e se a dignidade é uma qualidade
intrínseca que todos os seres humanos possuem, independentemente da origem, sexo,
raça, o ordenamento jurídico não poderia excluir alguns direitos fundamentais de
determinadas pessoas (seria negar-lhes dignidade).
Questão de prova: a dignidade é princípio, regra ou postulado? Segundo o professor
Marcelo Novelino são os três: de regra, expressa no art. 5º, III; de princípio com fulcro
52

em sua promoção e proteção; e, por fim, como postulado, servindo de base interpretativa
(meta-norma) para outros princípios.

6. Conteúdo essencial dos direitos fundamentais

O objetivo do conteúdo essencial dos direitos fundamentais é evitar que a regulação


legal do exercício desnaturalize ou altere o direito fundamental que a Constituição
reconhece. Esse conteúdo essencial é uma garantia dirigida a todos os Poderes Públicos,
mas o principal destinatário, sem dúvida, é o Poder Legislativo que não pode criar uma
norma que retire ou diminua os direitos fundamentais.
Existem duas teorias para definir o conteúdo essencial dos direitos fundamentais:

1. Teoria absoluta: para esse entendimento direito fundamental tem duas partes:
a) “núcleo duro”: parte dos direitos fundamentais que não pode ser violado,
sendo intangível e imodificável até mesmo por emenda constitucional. E
como é definido esse núcleo duro? Por interpretação em abstrato (a priori),
por isso é um limite forte;
b) outra parte inominada, periférica: essa parte poderia ser alterada pelo
legislador, que faria uma espécie de conformação. Essa parte poderia ser
tratada pelo legislador de forma discricionária, mas com certos limites.
* Essa teoria se chama de teoria absoluta, pois todo princípio teria seu
núcleo duro e sua parte periférica, visto que isso é definido em abstrato,
e não pelo caso concreto.

2. Teoria relativa: para essa corrente o conteúdo essencial de um direito


fundamental irá variar de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas
existentes. Por isso que se chama de teoria relativa: não se define de modo
abstrato qual é o conteúdo essencial daquele direito (não é estabelecido a
priori), e sim, tal conteúdo é analisado a depender de caso concreto. O limite
aqui é fraco - diferente da teoria absoluta de núcleo intangível - admitindo
restrições aos direitos fundamentais. Mas, tal restrição só será legítima se
passar pelo crivo da proporcionalidade (adequação + necessidade +
proporcionalidade em sentido estrito). Em outras palavras, para a teoria
relativa não há como definir a priori o conteúdo essencial de um direito
53

fundamental, sendo que a lei que restringe o direito fundamental só será


válida se ela for adequada, necessária e proporcional em sentido estrito.
Vamos a um exemplo prático: a CF/88 estabelece no art. 5º, XIII:

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,


atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

* No que tange à necessidade de exame da OAB para tirar a carteira se


entende que é um meio adequado, necessário e proporcional em sentido
estrito. E no caso do músico que necessita da carteira da ordem dos
músicos é uma restrição necessária? Está sendo discutido ainda tal tema.
Quanto ao diploma de jornalista o STF não fez a ponderação utilizando a
proporcionalidade, mas entendeu que não seria necessário o diploma
concedido por instituição de ensino superior para exercer a profissão de
jornalista sob pena de violar a liberdade de expressão.

7. Restrições aos direitos fundamentais

Quando se fala em restrições aos direitos fundamentais apresentam-se também duas


teorias que discutem o assunto:

1. Teoria interna: os limites de cada direito fundamental devem ser fixados por
um processo interno ao próprio direito, sem a interferência de outras normas.
Os limites dos direitos fundamentais seriam limites imanentes ao próprio
direito, ou seja, quem define o limite de um direito fundamental é a própria
Constituição. Quando o legislador regula o direito fundamental ele só está
estabelecendo os contornos do direitos e consagrando os contornos que a
própria Constituição já estabelece. Quando se estabelece que o conteúdo dos
direitos fundamentais é feito a priori, em abstrato, se entenderá que, de
acordo com a teoria de Robert Alexy - juntando a teoria interna com a teoria
absoluta do conteúdo essencial -, que o direito fundamental é entendido como
regra e, portanto, não existiria ponderação entre princípios, uma vez que cada
princípio tem sua aplicação específica (é o entendimento também de
Dworkin). Quando se pega a classificação de José Afonso da Silva de normas
constitucionais (plena ou contida), ela só faz sentido na teoria interna em
54

relação à restrição e na teoria absoluta com relação ao conteúdo essencial dos


direitos fundamentais. Por exemplo, para José Afonso da Silva, norma plena
não admite restrição, mas admite regulamentação: esta somente estabelece os
contornos que já estavam de antemão previstos na Constituição, não os
restringindo.

2. Teoria externa: por esse entendimento existem dois objetos diferentes: o


direito e suas restrições que estão situadas fora dele. Então, aqui, a definição
do direito não é a partir de um ponto interno, e sim de uma perspectiva
externa: só sei qual é o conteúdo do direito a partir da análise dos outros
direitos consagrados na Constituição. São os outros direitos consagrados
constitucionalmente que vão definir os limites, as restrições de determinado
assunto constitucional. Na teoria externa, portanto, não há diferença entre
regulação e restrição.

Apenas a teoria relativa e a teoria externa são compatíveis com a teoria dos
princípios proposta por Alexy. O STF não adota nenhuma dessas teorias em específico, e
sim faz uma miscelânea, adotando várias, a depender do ministro relator do caso.”
No caso da teoria interna e da teoria absoluta o suporte fático do direito (aquilo que
o direito fundamental protege), ele sempre vai ser um direito definitivo. No caso da teoria
externa e da teoria relativa, aquilo que o direito abrange, nunca vai estabelecer um direito
definitivo, e sim estabelecerá um direito prima facie: o direito definitivo só surge após a
ponderação. Vamos elucidar a partir de um exemplo concreto: a liberdade de informação.
De acordo com a teoria absoluta e a teoria interna, o direito à liberdade de informação já
vai ter o seu contorno definido a priori, ex vis, uma decisão do STF que afirme que “o
direito à liberdade de informação compreende apenas informações verídicas, informações
que tenham relevância pública e sejam lícitas.” O STF está estabelecendo em caráter
definitivo, a priori, os contornos do direito à liberdade de informação, não se ponderando
mais com nenhum outro direito. Se a informação for verídica, pública e obtida de forma
licita será divulgada. E como ele excluiu os outros tipos de informação? Isso não fica
claro, logo, as teorias interna e absoluta não são muito democráticas, uma vez que não
expõem totalmente os motivos.
Peguemos o mesmo exemplo da liberdade de informação e apliquemos agora na
teoria relativa e na teoria externa: qualquer tipo de informação, prima facie, está protegida
55

constitucionalmente. Mas, por que qualquer informação? Segundo Alexy princípios são
normas que devem ser cumpridas na maior medida possível. Em um primeiro momento,
todas as condutas ligadas à liberdade de informação estão protegidas pelo princípio da
liberdade de informação. Mas como vou saber se uma informação inverídica ou sem
relevância pública está protegida? Vou ter que ponderar a liberdade de informação com
outros princípios: por exemplo, se uma informação afetar a vida privada, a honra e a
intimidade de uma pessoa eu vou ter que ponderar com a liberdade de informação e saber
qual princípio deve prevalecer. É diferente do parágrafo acima, onde se estabelece em
abstrato as informações que devem ser protegidas: nas teorias relativa e externa ao fazer
a ponderação principiológica é preciso motivar - o que as torna bem mais democráticas
do que a teoria absoluta e interna.

Obs.: Sobre o tema ver o livro de SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais:
conteúdo essencial, restrições e eficácia. Malheiros.

8. Teoria dos limites dos limites

A ideia de limites dos limites surgiu em 1964 por um autor alemão chamado
BETTERMAN. Essa teoria envolve um paradoxo muito interessante: os direitos
fundamentais são direitos de defesa do indivíduo em face do Estado. Então, os direitos
fundamentais funcionam como um limite à atuação do Estado. Agora vejam o paradoxo:
ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais atuam como limite na atuação do
Estado, em alguns casos a Constituição admite que o próprio Estado, através de uma lei,
limite um direito fundamental, ex vis, é livre o exercício de qualquer trabalho, atendido
os requisitos que a lei estabelecer. Ou seja, o legislador pode limitar o exercício de direitos
fundamentais. É aí que entra a questão dos limites dos limites: essa limitação feita ao
Estado dos direitos fundamentais não pode ser uma limitação ilimitada: tal limitação terá
que o observar determinados limites.
O limite estabelecido pelo Estado a um direito fundamental tem que observar
determinados limites, pois, se não observar determinados limites, o que vai acontecer que
a lei que limita direito fundamental pode, simplesmente, esvaziar o conteúdo do
respectivo direito fundamental. É por isso que existem as teorias relativa e absoluta em
relação ao conteúdo essencial do direito - para que tal seja respeitado. E quais são esses
limites que a lei restritiva deve observar e não esvaziar o conteúdo dos direitos
56

fundamentais? São alguns princípios:

1. Princípio da Reserva legal (art. 5º, II da CF/88): a restrição tem que ter base
legal. As restrições aos direitos fundamentais devem ser estabelecidas por lei.

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão


em virtude de lei

2. Princípio da não-retroatividade (art. 5º, XXXVI): uma lei só pode restringir


um direito fundamental desde que respeite ato jurídico perfeito, direito
adquirido e coisa julgada.

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito


e a coisa julgada

3. Princípio da proporcionalidade: para a teoria relativa é possível admitir a


restrição para o direito fundamental prima facie; todavia, para saber se a
medida é correta deve-se analisar se ela é adequada + necessária +
proporcional em sentido estrito.
4. Princípio da generalidade e abstração: porque uma lei restritiva de um direito
fundamental tem que ser geral e abstrata? Em respeito ao princípio da
isonomia, pois, se for uma restrição a um direito fundamental, a restrição tem
que ser igual para todos naquela situação.
5. Princípio da salvaguarda do conteúdo essencial: se partir da teoria absoluta
que admite um núcleo duro de direitos fundamentais, tal não poderia ser
violada; se da teoria externa, é possível no caso concreto definir o conteúdo
essencial daquele direito. A depender da teoria adotada, o princípio da
salvaguarda do conteúdo essencial terá uma conclusão variada.

Vamos analisar, a partir de agora, os principais direitos individuais analisados pelo


art. 5º da nossa Constituição Federal vigente.
57

DIREITOS INDIVIDUAIS EM ESPÉCIE

Por organização didática vamos organizar o nosso estudo a partir dos valores
consagrados pelo caput do art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes

a) Inviolabilidade do direito à vida;


b) Liberdade;
c) Igualdade
d) Segurança jurídica
e) Propriedade

Não vamos estudar as garantias especificamente, visto que a maior parte são temas
de direito processual. Vamos ver, depois algumas garantias em separado, como o
mandado de injunção.

1. Inviolabilidade do direito à vida

O direito à vida tem uma dupla acepção:


1. Direito a continuar vivo;
2. Direito a uma vida humana digna (art. 1º, III; art. 170 da CF/88)

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:

Existe uma distinção bastante óbvia que é entre a irrenunciabilidade do direito à


vida e à sua inviolabilidade. Porque a vida é um direito inviolável ela é prima facie, um
direito irrenunciável. Quando se fala em irrenunciabilidade, ela é uma proteção ao direito
a vida pelo próprio titular: a pessoa não pode abrir mão do direito à vida. Esse assunto é
polêmico, pois envolve testemunhas de Jeová, ortotanásia, eutanásia, etc. No caso de
testemunhas de Jeová os tribunais de justiça estaduais estão entendendo que ele não pode
58

renunciar do seu direito à vida por não querer receber transfusão de sangue: a transfusão
forçada será feita - os testemunhas de Jeová acreditam, fazendo uma interpretação bíblica
- que o sangue não pode ser misturado, ou a pessoa se tornará impura. Ora, recebendo a
transfusão e ficando vivo, ele, na sua consciência, não estaria com uma vida indigna? O
juiz que afirma que “a religião deve preservar a vítima e não exterminá-la” é um juiz
preconceituoso, que não aceita a religião como premissa de vida, algo até maior que ela.
É ponderação de princípios pura. Será mesmo que a vida é o valor mais importante que a
Constituição consagra? Será que a vida é mais importante do que a consciência dessas
pessoas serem respeitadas? Algo a se pensar.
A inviolabilidade protege o direito à vida contra terceiros - diferente do caráter
irrenunciável - que tutela a pessoa de si mesmo. Existem hipóteses em que o nosso
ordenamento jurídico permite violação da vida:
a) Pena de morte no caso de guerra declarada (art. 5º, XLVIII);
b) Aborto nos casos de ser necessário - quando a má-formação do feto
comprometer a vida da gestante - ou sentimental quando a gravidez for
decorrente de estupro. Alguns autores, inclusive, sustentam que o aborto
sentimental não teria sido recepcionado pela CF/88.
c) Aborto em caso de acrania (ADPF 54): a Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Área da Saúde sustenta que nos casos de acrania deveria ser
permitida a antecipação terapêutica do parto, sob o fundamento que não seria
aborto. Quer uma interpretação do Código Penal em conformidade com a
CF/88: que não seja aborto, e sim uma antecipação terapêutica do parto, sob
argumento de que a nossa legislação não diz a partir de que momento o direito
à vida deve ser protegido, mas afirma quando não há mais direito à vida a ser
protegido que é a partir da morte encefálica, nos termos da Lei 9.434/97, onde
se permite a partir de tal fato a doação de órgãos. Ora, se, juridicamente
falando a vida termina com a morte encefálica, o início da vida só ocorreria
em termos jurídicos quando a massa encefálica se formasse a contrario sensu.
Já que não haveria cérebro, não existiria aborto, e sim uma antecipação do
parto. Esse argumento é o principal da ADPF 54. Vamos desenvolver na
próxima página um quadro sinótico com ambos os argumentos:
59

Argumentos contrários ao aborto Argumentos a favor do aborto


- Da mesma forma que não cabe à ciência jurídica - Direitos fundamentais da gestante: apesar do feto
dizer quando a vida humana começa, não cabe ter direitos que devam ser preservados, a grávida
também às outras ciências afirmar a partir de que também tem direitos fundamentais que poderiam
momento o direito deve proteger justificar a violação dos direitos do feto. E quais
constitucionalmente aquele direito à vida.” Foram seriam esses direitos fundamentais que a gestante
as palavras de uma juíza do tribunal alemão. teria que justificaria esse aborto? São os
Logo, não seria bom resolver quando a vida discriminados nas linhas abaixo:
começa.
- A Comissão de Constituição e Justiça da - Muitas legislações em outros países autorizam o
Câmara dos Deputados provocada sobre o aborto até o fim dos 3 (três) primeiros meses de
assunto mediante um projeto de lei afirmou que gestação, inclusive nos EUA, onde a Suprema Corte
tal seria inconstitucional, uma vez que a CF/88 proibiu a criminalização de qualquer aborto até o fim
consagra o direito à vida e, portanto, qualquer dos primeiros três meses de gestação (Caso Roe X
espécie de aborto seria vedada. Wade – 1973).
- O direito à vida começa a partir da concepção e - Liberdade de escolha e autonomia reprodutiva.
não da nidação
- Se a vida começa a partir da concepção, - Saúde pública. A legalização do aborto não seria
qualquer proteção ao direito à vida do feto que em face aos direitos fundamentais da gestante, e
não seja a criminalização do aborto, seria sim pelo fato de ser um problema de saúde pública.
insuficiente para protegê-lo de forma adequada. É um argumento utilizado na França. Permite-se o
Isso remete ao princípio da proteção insuficiente aborto até a 12ª semana de gestação por motivos
(face negativa do princípio da proporcionalidade). de saúde pública. O fato de o aborto ser considerado
A proteção insuficiente - de acordo com Canotilho como crime não impede que ele ocorra. No Brasil
a proteção deficiente - significa que, se eu adoto estima-se que sejam feitos anualmente um milhão
qualquer medida protetiva do direito à vida de abortos clandestinos por ano. O SUS tem cerca
diferente da criminalização, eu não estou dando a de 220.000 atendimentos decorrentes de
proteção suficiente à inviolabilidade à vida. Na complicações do aborto (espontâneo ou
Alemanha o Tribunal Constitucional Federal provocado). Criar-se ia uma distinção entre pobres
entende que, juridicamente a vida começa com a e ricos, pois: os ricos teriam condições para fazer o
formação do sistema nervoso central, todavia, aborto em clínicas dotadas de condições
isso não significa que toda conduta a partir daí terapêuticas adequadas (instalações com higiene,
precisa ser criminalizada, e sim pode-se tutelar de acompanhamento psicológico...). Os pobres não
outra forma: por exemplo, acompanhamento teriam como fazer o procedimento com segurança.
psicológico da gestante. Se a questão é salvar vidas, deve-se garantir que
todas as mulheres tenham acesso ao aborto de
forma segura, pois criminalizar não irá impedir que
o aborto ocorra.
- O aumento do número de casos. Se o aborto for - Direito à privacidade da gestante. Foi sob esse
permitido, ele poderia virar um simples método fundamento em 1973 no caso Ros vs Wade a
contraceptivo. É um argumento que não tem Suprema Corte americana proibiu a criminalização
muita sustentação jurídica. do aborto nos três primeiros meses de gestação. O
direito à privacidade da mulher é amplo suficiente
para que ela faça a opção ou não pelo aborto, não
cabendo interferência estatal. O Canadá sustenta a
realização do aborto a qualquer tempo, sob o
argumento de que é o direito da gestante decidir sob
seu corpo ou não.
Obs.: ADI 3510. O STF discutiu a lei de biossegurança, que dispunha sobre células-tronco embrionárias,
com votação por 6X5. Os 6 ministros acolheram a posição da constitucionalidade da lei de biossegurança
do relator (Carlos Ayres Brito) e os 5 que divergiram elencaram uma série de restrições (classificadas
por eles como interpretação conforme à Constituição da lei). Existe uma passagem do voto do relator
cuja importância deve ser ressaltada, sem que se possa dizer que essa é a posição do STF: a
inviolabilidade do direito à vida ocorre após o nascimento, quando o indivíduo passa a ser dotado de
personalidade (art. 2º do CC). Não diz que a vida intrauterina não deve ser protegida, mas a
inviolabilidade só existe após o nascimento.
60

2. Princípio da isonomia

2.1 Igualdade formal

Vejamos a redação do caput e inciso I do art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;

Perceba que só aí se fala em igualdade 3 vezes, consagrando, assim, o princípio da


isonomia. O que significa dizer que “todos são iguais perante a lei sem distinção de
qualquer natureza”? A CF/88 aí consagra a igualdade formal (civil, jurídica ou perante a
lei); vale salientar que não há consenso na doutrina no que tange às classificações da
isonomia, todavia, vamos nos ater ao ponto que mais cai em concurso. E o que seria a
igualdade formal? Podemos conceituá-la como a exigência de tratamento isonômico a
todos os seres que se encontrem em uma mesma categoria essencial. Perceba que a
igualdade formal não exige um tratamento idêntico de todas as situações pessoas, e sim
exige que pessoas que se encontrem em uma mesma situação essencial sejam tratadas da
mesma maneira. Por exemplo: há vários tipos de trabalhadores: iniciativa privada,
servidores públicos, etc. Cada um se encontra em situação distinta. O fato do servidor
público ser tratado diferente do trabalhador privado não fere a igualdade formal.
Inclusive, para José Afonso da Silva o critério de justiça proposto por Aristóteles - que
afirma que justiça é tratar os iguais de forma igual e os desiguais de formal desigual na
medida de sua desigualdade - se encaixa muito bem ao conceito de igualdade no aspecto
formal. José Afonso aponta que era exatamente esse critério de justiça de Aristóteles que
se admitia um tratamento diferenciado para os escravos. O Bill of Rights da época das
colônias nos EUA afirmava que todos nasciam livres e iguais (mas existiam escravos)!
Segundo o professor Marcelo Novelino, que discorda do posicionamento de José Afonso
da Silva no que tange ao conceito de justiça proposto por Aristóteles, entende que tal
conceito fala sobre igualdade material, e não formal. Vamos a um exemplo: no IR, a
medida que o valor da contribuição vai caindo, a alíquota também vai diminuindo. Isso é
tratar pessoas que estão em situação diferente de modo diferente --> tal não é igualdade
material, mas meramente formal.
61

Ronald Dworkin tem uma definição de democracia constitucional: “uma


democracia constitucional exige o tratamento de todos com igual respeito e
consideração.” Essa ideia nos EUA costuma ser associada a dignidade da pessoa humana,
vez que a Constituição dos EUA não dispõe sobre a dignidade da pessoa humana.
Habbersman fala em dignidade também no sentido de respeito e consideração. Ora, se a
igualdade exige um tratamento das pessoas com igual respeito e consideraçào, significa
que esse respeito e consideração devem ser no sentido de respeitar e aceitar a diferença
entre as pessoas para que cada um possa viver segundo a sua concepção de vida. Logo, a
ideia de igualdade está relacionada ao direito à diferença; e, Dworkin entende que
respeitar a diferença é respeitar o direito à diferença. O conhecido sociólogo português
Boaventura de Souza Santos tem um pensamento que se mostra muito claro: “temos o
direito de ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes
quando a igualdade nos descaracteriza.” Por exemplo, uma diferença de situação
econômica não faz parte da identidade cultural de ninguém; agora, com relação aos
indígenas há uma diferença no que tange às demais civilizações. E essa distinção deve ser
respeitada, visto que essa diferença é uma aspecto cultural de determinado grupo. Agora,
se a diferença inferiorizar o grupo, ex vis, preconceitos étnicos, eles tem direito a ser
tratados de formal igualitária. A característica da sociedade hoje é ser pluralista e, essa
divergência de valores tem que ser respeitada por todos.
O tratamento igual entre as pessoas significa que as pessoas não possam ser
diferenciadas? O que a CF/88 exige é que o critério discriminador, o elemento
diferenciador, esteja a serviço de um fim constitucionalmente protegido. Para se
diferenciar pessoas é necessário que o fundamento da diferenciação seja outro princípio
constitucional voltado para um fim constitucionalmente previsto. Exemplo: art. 7º, XXX:

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de


critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Mesmo havendo essa vedação constitucional o edital do concurso pode estabelecer


critério de admissão baseado em idade? Sim. O STF admite que em concursos públicos
sejam utilizados limite de altura, sexo ou idade - no que tange a esse último, súmula 683
do STF:

Súmula 683 do STF. O limite de idade para a inscrição em concurso


público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da , quando possa ser
justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
62

Veja que se limita a vedação quando possa ser justificado pela natureza das
atribuições. O fim constitucional da vedação permitida é a eficiência da Administração
na prestação de seus serviços. E se a vedação for com relação ao sexo? Plenamente
possível, ex vis, concurso para agente penitenciário a ser exercido em penitenciária
masculina. E em razão da cor? É possível vedar? Celso Antônio Bandeira de Melo no
livro “O conteúdo jurídico da igualdade” afirma que o critério utilizado (sexo, idade cor,
etc.) em si não diz muito sobre a constitucionalidade da medida; o que se tem que analisar
é se existe um fim constitucionalmente legítimo. Exemplo: universidade está
investigando cientificamente porque brancos têm melhores rendimentos na natação e
decide contratar brancos para fazer essa investigação --> não há nada de errado com isso.
Esse é o entendimento de Celso. O STF entende que é preciso atender a dois requisitos
para que a discriminação possa ser constitucional:
1. Razoabilidade da exigência decorrente das atribuições do cargo a ser
preenchido;
2. Previsão legal anterior à realização do certame.

2.2 Igualdade material (real, fática ou substancial)

A igualdade material tem por finalidade a igualização dos desiguais por meio da
concessão de vantagens substanciais. O objetivo não é tratar diferentemente, mas sim
conceder às pessoas em situação menos favorecida condições mais benéficas, para reduzir
as desigualdades (ações afirmativas). Com isso, fica evidente a tensão da diferenciação
entre igualdade material e formal. Por exemplo, cotas no vestibular para negros. Isso é
tratar desigualmente ou não? Para o professor Novelino sim, pois está tratando diferentes
alunos de escola pública e particular. É um aspecto da igualdade formal e, por isso, essa
diferença das cotas deve ter um fim constitucionalmente previstos. Luiz Prieto Sanchís
leciona que, para se ter uma igualdade de fato, é necessário ter uma desigualdade jurídica:
se eu tratar todos da mesma forma vou acabar não atendendo a igualdade material que,
para ser atendida precisa criar aspectos discriminatórios.
A CF/88 consagra a igualdade material ou apenas a formal? A igualdade material
pode ser extraída da Constituição a partir da conjugação de alguns dispositivos, por
exemplo, o art. 6º e seguintes (direitos sociais que visam a redução de desigualdade para
tornar os desiguais iguais) e o art. 3º, III:
63

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do


Brasil:
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;

É clara aqui a consagração da igualdade no sentido material.


Um dos temas mais polêmicos que envolvem a igualdade material é o das ações
afirmativas, também conhecidas como discriminações positivas). Vejamos o que seriam
a seguir.

2.3 Ações afirmativas (discriminações positivas)

As ações afirmativas tornaram-se conhecidas em 1960 com o governo Kennedy.


Todavia, as ações afirmativas surgiram mesmo na Constituição Indiana de 1947.
As ações afirmativas consistem em políticas públicas ou programas privados
temporários, desenvolvidos com a finalidade de reduzir as desigualdades decorrentes de
discriminações ou de uma hipossuficiência econômica ou física por meio da concessão
de algum tipo de vantagem compensatória de tais condições. Ex: bolsas para alunos
carentes.
Ações afirmativas não são remédios permanentes, pois só se justificam enquanto
existirem as desigualdades. O sistema de cotas é apenas uma das formas de ações
afirmativas. Ex: bolsas, cotas, cursinhos pré-vestibulares para pessoas carentes, vantagens
fiscais, programas de treinamento (profissionalizantes). Atualmente, a ADI 3107 ou 3109
(discute a constitucionalidade das ações afirmativas.
Vamos ver os argumentos com relação às cotas:

Sistema de cotas
Argumentos contrários Argumentos a favor
- Fere o mérito (critério republicano), pois as - Justiça compensatória: Consiste em uma política
pessoas alcançam determinados cargos públicos baseada na retificação de injustiças ou falhas
sem condições para tal. cometidas contra indivíduos no passado, seja por
particulares, seja pelo governo.
- Art. 208 da CF/88: - Justiça distributiva: Consiste na promoção de
oportunidades para aqueles que não conseguem
V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da se fazer representar de uma maneira igualitária.
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade
de cada um;

- A cota é uma medida imediatista e inapropriada - Tentativa de corrigir distorção atualmente


(TRF da 2ª região). O governo deveria investir na existente. Forma de concretização do princípio da
educação em vez de focar no topo da pirâmide. igualdade material.
- Viola o princípio da isonomia criando uma - Promover a diversidade: A finalidade seria
discriminação reversa. A pessoa que não faz parte contribuir para o surgimento de uma sociedade
64

do grupo estaria sofrendo uma discriminação de mais: diversificada, aberta, tolerante, miscigenada
forma reversa (nota melhores, mas exclusão nas e multicultural.
vagas).
- Fomenta o racismo e ódio racial
- Favoreceria negros de classe média alta
- Em uma sociedade pluralista, a condição de
membros de um grupo específico não pode ser
utilizada como critério de inclusão ou exclusão de
benefícios.
- Impossibilidade de se estabelecer critério objetivo
do conceito de “negro.” No Brasil vale a
autodeclaração.

2.4 Destinatários do princípio da isonomia

Quem pode invocar os direitos do art. 5º, entre eles a isonomia? Como já visto em
aulas passadas, o caput afirma textualmente que os direitos fundamentais são garantidos
aos brasileiros e estrangeiros residentes no país; todavia, o princípio da dignidade da
pessoa humana, que atua como uma meta-norma, faz com que esse dispositivo tenha uma
interpretação extensiva, logo, todas as pessoas, sem exceção, que estejam no território
nacional, devem ter seus direitos fundamentais.
Pessoa jurídica pode invocar algum direito fundamental do art. 5º? Sim. Não só
direitos instrumentais como contraditório, ampla defesa, mandado de segurança, etc., mas
inclusive, os direitos materiais, por exemplo, sofrer dano moral. E pessoa jurídica de
direito público (União, Estado, autarquias, etc.) podem invocar direitos do art. 5º? A
questão é polêmica. Quando estudamos as gerações dos direitos fundamentais, vimos que
tais surgiram para proteger o indivíduo em face do Estado; mas, será que o próprio Estado
pode invocar direitos fundamentais para se proteger? O STF adota o seguinte
entendimento: pessoa jurídica de direito público pode invocar garantias individuais de
natureza instrumental, ex vis, se há um litígio entre um particular um Município, este pode
alegar cerceamento de defesa, etc.
Quem são os destinatários dos deveres do art. 5º? A quem incumbe respeitá-los? Os
destinatários dos deveres são todos os poderes públicos (eficácia vertical) e também os
particulares (eficácia horizontal). O cuidado aqui é que no caso dos particulares é que
entra a autonomia da vontade, por isso é que a isonomia não se aplica na mesma
intensidade para os particulares e poderes públicos. Por exemplo, o poder público para
contratar deve licitar, o particular, não.
Igualdade perante a lei ≠ igualdade na lei
65

Igualdade perante a lei Igualdade na lei


- É dirigida para aqueles Poderes que vão aplicar - Abrange não só a aplicação da lei, mas também a
a lei, ou seja: Judiciário que ao decidir deve se criação da lei. Logo, a igualdade na lei se dirige a
pautar pela isonomia e Executivo, na hora de dar todos os poderes: àqueles que aplicam a lei,
execução às leis. Judiciário e Executivo e ao que cria a lei, Legislativo.
Obs.: essa distinção é típica dos países europeus. Aqui no Brasil essa diferença não faz sentido, uma
vez que a CF/88 dispõe que “todos são iguais perante a lei.”: todos os poderes estão obrigados a
respeitar a isonomia, inclusive o Legislativo. O STF na passagem de um voto mencionou essa distinção.

2.5 Igualdade entre homens e mulheres

A lei pode estabelecer distinções entre homens e mulheres?

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos


desta Constituição;

A própria CF/88 estabelece distinções, por exemplo: licença gestante de 120 dias,
e a de paternidade, 5 (cinco dias). E lei infraconstitucional pode estabelecer distinções
entre homem e mulher? Sim, desde que seja para atenuar desníveis, ex vis, a Lei Maria
da Penha. O que se veda é o tratamento discriminatório.
A distinção só será legítima considerando-se o princípio da igualdade material.

3. Direitos de liberdade

Liberdade não é sinônimo de arbitrariedade, mas sim pressupõe responsabilidade.


O direito de liberdade não é um direito absoluto, devendo ser exercido em conjugação
com outros padrões ético-jurídicos a ser observados (limites dos limites.)

3.1 Liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV e V)

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;


V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;

O que a Constituição está protegendo não é o pensamento em si, pois o ato de pensar
não precisa ser controlado. O que está protegido é a liberdade de manifestação do
pensamento, de expressão do pensamento. O ser humano não gosta apenas de pensar, mas
de expor suas idéias.
Qual é a finalidade de vedação do anonimato?
a) Permitir a responsabilização no caso de manifestações abusivas ou que
66

violem direitos de terceiros.


b) Permitir a responsabilização daqueles que exerçam o seu direito de liberdade
sem responsabilidade.
A manifestação de pensamento é um direito que se exaure no momento em que se
realiza (Sepúlveda Pertence), o que não significa que a pessoa não possa ser depois ser
responsabilizada. Se a Constituição veda o anonimato, uma denúncia anônima serve
como prova processual (ex: Disque Denúncia)? Não se admite denúncia anônima como
prova processual lícita. O disque denúncia em si não serve como prova mas ela leva a
informação para que a autoridade responsável possa investigar. Se a denúncia anônima é
considerada ilícita, a investigação não estaria contaminada pela ilicitude da denúncia
(frutos da árvore envenenada)? Segundo o STF a investigação é autônoma em relação à
denúncia.
Bilhetes apócrifos (sem assinatura) são admitidos como prova num processo?
Existem duas situações em que são admitidos:
a) Quando este bilhete constituir o próprio corpo de delito do crime. Ex: carta
ofendendo a honra de uma pessoa, mesmo que não assinada.
b) Quando produzidos pelo próprio acusado. Ex: bilhete pedindo resgate em
crime de extorsão mediante sequestro.

3.2. Liberdade de Consciência, de Crença e de Culto (art. 5º, VI da CRFB/88).

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo


assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos


Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-
lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

A liberdade de consciência é mais ampla do que a liberdade de crença, pois engloba


inclusive consciências filosóficas, política, inclusive englobando a escolha de ter crenças
ou não ter crença alguma (ateu). Vejamos alguns conceitos ligados à liberdade de
consciência:
a) Culto: é a forma de exteriorizar a crença. Ex: procissão, missa, etc.
b) Liberdade religiosa. Desde o advento da República, o Estado brasileiro é
67

considerado um Estado laico, não confessional ou secular. É um Estado que


não tem uma religião oficial, pois o Estado e a Igreja não se confundem. O
Brasil não tem uma religião oficial.
c) Laicidade. É uma neutralidade em relação às concepções religiosas. Na
CRFB/88 há o art. 19, I que representa esta laicidade. O Estado brasileiro não
despreza a religião, apenas é neutro em relação a todas elas.

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos


Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-
lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes
relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a
colaboração de interesse público;

d) Laicismo: espécie de anti-religião, que não é o caso do Estado brasileiro.


e) Ateísmo: não acredita na existência de um Deus, o que não é o caso do Estado
brasileiro. Tanto que o preâmbulo da Constituição afirma que “promulgamos
sob a proteção de Deus...”. O ateísmo é uma “espécie de religião”.
* Por que, numa sociedade pluralista, a neutralidade religiosa por parte do
Estado é importante? A neutralidade no exercício do poder é uma condição
necessária para garantir à simétrica da liberdade religiosa. Permite
desarmar o potencial conflituoso da diversidade religiosa (Habermas).

3.2.1 Símbolos religiosos em locais públicos

No Brasil foram feitos junto ao CNJ quatro pedidos para que houvesse a retirada de
crucifixos de tribunais, sob o fundamento que violaria a neutralidade religiosa que o
Estado deveria ter. O entendimento do CNJ - com exceção do relator - foi que os
crucifixos são símbolos da cultura brasileira e, portanto, não violam o dever de
neutralidade do Estado, não ofendendo, então, a laicidade estatal. Essa decisão do CNJ é
oposta àquela dada ao tribunal constitucional alemão analisando um caso ajuizado pelo
mórmons pedindo que os crucifixos fossem retirado das escolas estaduais; o tribunal
alemão se posicionou no sentido de que colocação de símbolos religiosos em locais
públicos é incompatível com o dever de neutralidade do Estado.
O autor americano Ronald Dworkin no livro “Is democracy possible here?” trata
da questão religiosa e adota o seguinte entendimento: em um Estado secular tolerante os
símbolos religiosos não devem ser considerados ilegais, mas também não devem ser
68

colocados nem permitidos em locais públicos.

3.2.2 Escusa de Consciência (art. 5º, VIII da CRFB/88)

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa


ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-
se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;

A escusa de consciência é a possibilidade de se alegar um imperativo de consciência


para se abster de cumprir obrigação legal a todos imposta, por exemplo, serviço militar
para os homens, voto, convocação para o júri, etc. Essa prestação alternativa imposta
àqueles que alegam o imperativo de consciência não tem cunho sancionatório. É apenas
uma forma de permitir uma simetria de posições filosóficas. Se a pessoa se recusa a
cumprir a obrigação a todos imposta e também a prestação alternativa, no Brasil esta
pessoa sofrerá a suspensão dos Direitos Políticos (art. 15, IV da CRFB/88).

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou


suspensão só se dará nos casos de:
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

A pessoa só deverá cumprir a prestação alternativa se existir a lei que preveja a


prestação alternativa. Se não existir a lei, não haverá nem prestação alternativa nem
sanção. Exemplos: serviço Militar, Voto e Júri.
Na STA (Suspensão de Tutela Antecipada) 389 o STF entendeu que a fixação de
datas alternativas para a realização de provas do ENEM para as diversas religiões geraria
um efeito multiplicador e violaria o princípio da isonomia e da neutralidade religiosa do
Estado.

STF, STA 389


EMENTA: Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2.
Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo
que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat 3.
Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade
religiosa e ao direito à educação. 4. Medida acautelatória que configura
grave lesão à ordem jurídico-administrativa. 5. Em mero juízo de
delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa para a
realização dos exames não se revela em sintonia com o principio da
isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo
religioso 6. Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela,
sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à
ordem pública 7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais este Corte poderá
analisar o tema com maior profundidade.
69

* O exercício de um poder que não consegue justificar-se de um modo imparcial


é ilegítimo.
* Em um Estado laico não se pode utilizar argumentos religiosos para decisões
do Estado, salvo se forem argumentos acessíveis em geral, por todos aceitos.
* Os argumentos religiosos só serão admitidos na esfera pública com o que se
chama de “Tradução Institucional”: Significa transformar esses argumentos
religiosos em argumentos racionalmente justificáveis. Não se veda que os
religiosos argumentem perante o Estado, mas se o Estado quiser englobar este
argumento, deverá racionalmente justificar a vontade religiosa (República é
o governo da razão e, portanto, a razão deverá estar sempre presente nas
decisões do Estado).
* Critério para a liberdade religiosa em um Estado laico (Habermas): o exercício
de um poder que não consegue justificar-se de um modo imparcial é ilegítimo.
Em um Estado laico não se pode utilizar argumentos religiosos para decisões
do Estado, salvo se forem argumentos acessíveis em geral, por todos aceitos.
Os argumentos religiosos só serão admitidos na esfera pública com o que se
chama de “Tradução Institucional”. Não se veda que os religiosos
argumentem perante o Estado, mas se o Estado quiser englobar este
argumento, deverá racionalmente justificar a vontade religiosa (República é
o governo da razão e, portanto, a razão deverá estar sempre presente nas
decisões do Estado).
* Min. Gilmar Mendes (relator que suspendeu a liminar – STA) – argumentos:
a) A designação de uma data alternativa para um determinado grupo religioso
viola o princípio da isonomia e pode gerar um efeito multiplicador
inviabilizando alguns certames.
b) Viola o dever de neutralidade do Estado em face do fenômeno religioso.

3.3 Liberdade de associação e reunião (art. 5º, XVI da CF/88)

XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais


abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local,
sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;

“Qual é a diferença entre reunião e associação?” Jean Rivero propôs um rol de


características comuns e distinções:
70

* Características comuns:
a) Em ambos é necessária uma pluralidade de participantes Por isso,
alguns autores as classificam como direitos coletivos.. Para José Afonso
da Silva, reunião e associação são direitos individuais de expressão
coletiva.
b) Fim previamente determinado. Uma reunião ou uma associação não
existe quando diversas pessoas se reúnem para ver as conseqüências de um
acidente automobilístico.
* Diferenças:
a) A reunião tem um caráter temporário, episódico. As pessoas se reúnem,
deliberam sobre um determinado assunto, e a reunião acaba.
b) A associação tem um caráter permanente. As pessoas se associam com
a intenção de permanecerem associadas.

O prévio aviso para a reunião não é autorização. Tem 2 finalidades: estabelecer a


preferência do uso do local e fazer com que a autoridade pública tome diversas
providências para o exercício do direito.
A associação não depende de autorização estatal para ser criada. Alguns exemplos
de não-autorização estatal: criações de associações e, na forma da lei, criação de
cooperativas; criação de sindicatos; criação de partidos políticos, etc.
E se a associação for a juízo reclamar algum direito é preciso da autorização de
todos os associados? Sobre o tema, vale citar o art. 5º, XXI da CRFB/88

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas,


têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou
extrajudicialmente;

* Neste caso, segundo o STF é uma hipótese de representação (pois afirma que
é desde que expressamente autorizadas). Não precisa ser uma autorização
expressa individual (de cada associado), podendo ser dada em uma
Assembléia. A representação tem que estar relacionada aos fins da própria
entidade. E no caso do mandado de segurança coletivo? É representação ou
substituição processual?

LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:


a) partido político com representação no Congresso Nacional (podem
também a ADI, ADC e ADPF);
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
71

constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos


interesses de seus membros ou associados; (para a ADI, ADC e ADPF
tem que ser entidade de âmbito nacional)

* Nesta hipótese, o STF considerou que há uma substituição processual (e não


de representação), também conhecida como legitimação extraordinária.
Concluindo, uma associação precisa de uma autorização expressa para
defender seus associados, salvo em caso de mandado de segurança coletivo
(basta que seu estatuto preveja esta possibilidade). Mas, e o caso art. 8º, III
da CRFB/88? O sindicato precisa de autorização expressa para representar
seus sindicalizados? Segundo o STF, essa hipótese é de substituição
processual, não precisando o sindicato de autorização expressa caso a caso.

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou


individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas;

4. Direito de privacidade

O direito de privacidade aqui tratado aqui como gênero, tendo como espécies
(previstas no art. 5º, X, da CRFB/88)

a) Direito à intimidade
b) Direito à vida privada
c) Direito à honra
d) Direito à privacidade

Teoria da esferas (Direito Alemão): quanto mais próxima do indivíduo, maior deve
ser a proteção conferida pelo ordenamento jurídico.
a) Intimidade (segredos, confidências). Não é partilhada nem com as pessoas
mais próximas dele.
b) Vida privada Ex: festa em casa de amigos, local de trabalho, etc. Estes
momentos não podem ser captados sem justa causa. Mesmo uma pessoa
pública tem direito à proteção de sua vida privada.
c) Publicidade: não está protegida pela CRFB/88. Ex: artista realizou show em
local público, se alguém tirar foto dele não há que se falar em violação de
intimidade. Outro exemplo é a divulgação de questões que constam em
72

processo judicial que não corre em segredo de justiça (são informações


públicas).

O direito à honra e à imagem são direitos protegidos constitucionalmente de forma


autônoma (apesar de haver algumas decisões do STJ neste sentido).
Exemplos de restrições legítimas ao direito de imagem:
a) Câmera de segurança
b) Radares eletrônicos de velocidade
c) Foto de passeata pública em jornal

Obs.: há que se falar em “justa causa” para se falar em restrição legítima ao direito de
imagem.

4.1 Liberdade x privacidade

Vamos ver três situações nas quais liberdade e privacidade se confundem,


analisando um por um.
1. Gravação clandestina;
2. Quebra de sigilo;
1. Interceptação das comunicações.

A) Gravação clandestina: consiste em uma gravação pessoal, ambiental ou telefônica


feita por um dos interlocutores sem o consentimento dos demais, ex vis, duas pessoas
estão conversando e uma delas está gravando sem o consentimento do outro. Veja que,
em princípio, não há regra geral que impeça a gravação da própria conversa; o que não se
pode fazer é utilizar essa gravação sem uma justa causa. A divulgação é proibida em face
do art. 5º, X da CF/88:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;

* Na jurisprudência do STF há exemplos onde a utilização da gravação é


legítima;
a) Pelo réu no processo penal, em face aos seus direitos de liberdade e ampla
defesa, ficando relativizado o direito de privacidade da outra parte;
73

b) Gravações feitas em legítima defesa: contra sequestradores, chantagistas,


estelionatários, etc;.
c) Contra agentes públicos. O Supremo nesse caso faz uma ponderação onde
de um lado coloca a privacidade do agente público e do outro, a
publicidade dos atos administrativos e o princípio da moralidade que rege
a Administração Pública. Pelo posicionamento do professor Marcelo
Novelino quando o servidor público age nessa qualidade, os seus atos não
estariam na esfera de sua intimidade, e sim haveria interesse público na
conduta desse servidor.
d) Gravação para documentar uma conversa com a finalidade de exercer um
futuro direito. No informativo 623 no Ag no AI 560.223 o STF analisou
uma gravação feita por advogado que era sócio do escritório de advocacia,
e após ser demitido usou a gravação. O Pretório afirmou que “a gravação
feita por um dos interlocutores é lícita quando não há causa legal específica
de sigilo nem de reserva de conversação. Então, as câmeras colocadas em
ambientes e elevadores estão protegidas pelo sigilo, todavia, se acontecer
um fato delituoso, haveria justa causa para utilizá-las.

STF, AI 560.223
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE
INSTRUMENTO. GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM
INTERLOCUTOR SEM CONHECIMENTO DOS OUTROS:
CONSTITUCIONALIDADE. AUSENTE CAUSA LEGAL DE
SIGILO DO CONTEÚDO DO DIÁLOGO. PRECEDENTES. 1. A
gravação ambiental meramente clandestina, realizada por um dos
interlocutores, não se confunde com a interceptação, objeto cláusula
constitucional de reserva de jurisdição. 2. É lícita a prova consistente
em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores,
sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo
nem de reserva da conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental
desprovido.

* E em casos de babás espancando crianças e idosos? Geralmente as


câmeras estão no local do trabalho desses empregados e podem ser
utilizados como prova e ser até mesmo divulgado na mídia pelo
interesse de prevenção da sociedade.

B) Quebra de sigilo: consiste no acesso ao registro de dados a) bancários; b) fiscais, c)


telefônicos; e d) informáticos. A quebra é vedada com relação a esses quatro tipos de
sigilo. Aqui uma situação específica: a quebra de sigilo telefônico ≠ gravação clandestina:
no primeiro não se tem acesso ao conteúdo do diálogo, e sim ao histórico de ligações de
74

uma conta telefônica. Há uma divergência se o sigilo bancário tem previsão


constitucional: para alguns, a previsão está no art. 5º, X, para outros no inciso XII do
mesmo artigo.

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das


pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações


telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal

* Perceba que o inciso XII fala em dados, o que estaria aqui compreendido o
sigilo bancário. E quem tem a legitimidade para determinar a quebra do sigilo
bancário? O juiz e as CPI’s federal e estadual, estando tal legitimado pelo art.
58, § 3º da Magna Carta:

§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de


investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros
previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou
separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros,
para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas
conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que
promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

* No que tange à CPI estadual o STF decidiu em ACo 730/RJ que era possível
que ela quebrasse o sigilo bancário em votação apertada, por 6 x 5. E com
relação à CPI municipal? Esta não poderia quebrar sigilo - segundo obiter
dictum na ACO abaixo transcrita, sob o fundamento que o Município não tem
Judiciário próprio, o que não poderia ser dado os poderes de investigação de
órgão judiciário ao ente federativo respectivo.

STF, ACO 730


EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE
SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS
DETERMINADA POR COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. RECUSA DE SEU
CUMPRIMENTO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL. LEI
COMPLEMENTAR 105/2001. Potencial conflito federativo (cf. ACO
730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos
estados-membros, de aspectos fundamentais decorrentes do princípio
da separação de poderes previsto na Constituição federal de 1988.
Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo
essencial do sistema de checks-and-counterchecks adotado pela
Constituição federal de 1988. Vedação da utilização desse mecanismo
de controle pelos órgãos legislativos dos estados-membros.
Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e da separação de
Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa a Lei
Complementar 105/2001, podem essas comissões estaduais requerer
quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3º, da
75

Constituição. Mandado de segurança conhecido e parcialmente


provido.

* Segundo o STF nem o Ministério Público nem o Tribunal de Contas podem


quebrar sigilo bancário. Sobre o MP o Supremo, em processo específico
permitiu a quebra direta pelo MP. Entenda o caso: o MP pediu quebra de
sigilo bancário para conseguir a quebra no BB sobre repasses de fundos
agrários. In casu, o MP entendeu que neste caso o MP tinha legitimidade, sob
o fundamento de existir verba pública envolvida, e, por isso, poderia haver
quebra de sigilo bancário diretamente requisitada pelo Ministério Público.
* A LC 105/2001 autoriza autoridades fazendárias a requisitarem dados
bancários diretamente em caso de suspeita de fraude. Existem no STF várias
ADIs questionando essa lei, o que não foi resolvido ainda. Todavia,
recentemente o Supremo julgou o RE 389.808, cujo ministro relator foi o
Marco Aurélio, e ficou determinado por 5 x 4 seguir o relator no seguinte: a
LC 105/2001 deve ser interpretada conforme a Constituição no sentido de que
autoridade fazendária tenha que requisitar a quebra à autoridade judicial;
diretamente solicitar os dados bancários não seria possível. Vale citar que
alguns ministros nesse recurso extraordinário colocaram que o sigilo bancário
era cláusula de reserva da jurisdição - tal não está em lei, sendo criação
jurisprudencial do STF. Segundo o Pretório algumas matérias são reservadas
ao Poder Judiciário e, somente ele, poderá dar a primeira e a última palavra
sobre os temas que sejam reservados a ele. De acordo com esse entendimento
parece haver uma sinalização de mudança de posição, porém, enquanto não
forem julgadas as ADI’s, segue-se o entendimento do julgado transcrito
abaixo.
STF, RE 389.808
SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no
inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade
quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às
comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao
crivo de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito
de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE
DADOS BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta
da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na
relação jurídico-tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos
ao contribuinte.

* Direitos submetidos à reserva de jurisdição segundo o STF:


a) Inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI);
76

b) Interceptação telefônica (art. 5º, XII);


c) Prisão (art. 5º LXI)
d) Sigilo imposto a processo judicial

C) Interceptação das comunicações: consiste na intromisssão ou na interrupção por


parte de terceiros sem o conhecimento (de um ou de ambos) dos interlocutores. É vedada
pelo art. 5º, XII. Protege-se, sobretudo, a liberdade de comunicação. Não há necessidade
da privacidade da pessoa estar sendo violada, pois o que se protege é a liberdade de
comunicação (ex: envio de carta com cujo conteúdo seria apenas um recorte de jornal –
o conteúdo é publico). Segundo o STF entende que haveria apenas uma proteção à
liberdade de comunicação, mas não ao sigilo do conteúdo.

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações


telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

* Na gravação clandestina (“grampo telefônico”) um dos interlocutores grava


a conversa sem conhecimento do outro, enquanto na interceptação das
comunicações um terceiro grava a conversa, intercepta uma carta, etc.
* Sigilo de correspondência: a CF/88 fala que o sigilo de correspondência é
inviolável, todavia, em determinadas situações será considerado legítima a
quebra. O STF entende que o sigilo epistolar não pode servir como escudo
protetivo para salvaguardar práticas ilícitas. Ainda, a própria CF/88
excepciona o sigilo das correspondências no caso de estado de defesa (art.
136, § 1º, “b”) e no estado de sítio (art. 139, III).
* Sigilo de dados: os dados consagrados pela CF/88 seriam apenas dados
informáticos segundo alguns doutrinadores. Tal entendimento é justificado
pelo fato de que nenhuma constituição brasileira até 1988 não teria
resguardado o sigilo de dados pelo fato do progresso tecnológico não alcançar
aquelas épocas, por isso, que a CF/88 que foi primeiro a adotar o sigilo de
dados informáticos, só o adotou quanto a esse tipo de dados. Quem se
posiciona dessa maneira é Manoel Gonçalves Ferreira Filho e Tércio Sampaio
Ferraz Júnior. Novelino discorda desse entendimento em face do princípio da
máxima efetividade decorrente do art. 5º, I da CF/88: aos direitos
fundamentais devem ser o quanto mais eficaz possível a medida da
77

interpretação. O STF tem o seguinte entendimento: o que o art. 5º, XII protege
não são os dados em si, mas apenas a sua comunicação.
* Sigilo das comunicações telefônicas: é cláusula de reserva de jurisdição e só
pode haver sua quebra por ordem judicial, nos termos da Lei 9.296/96.
Somente é permitida a quebra em face de investigação criminal ou instrução
processual penal. Vale salientar aqui o julgamento do STF do Inq. 2.424
(Q.O). que determinou que é possível a utilização de autos de interceptação
telefônica como prova no processo administrativo disciplinar em servidor que
também está sendo investigado criminalmente e onde foi primeiramente
produzida esta prova. E ainda, o Pretório entendeu que podia a gravação ser
utilizada para o outro servidor público que não estava sendo investigado
criminalmente.

4.2 Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI da CF/88)

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo


penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante
delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial;

* Hipóteses em que é permitida a inviolabilidade do domicílio a qualquer hora


e sem ordem judicial: flagrante de delito, desastre ou para prestar socorro.
* Hipóteses em que é permitida a inviolabilidade do domicílio por ordem
judicial: apenas durante o dia o domicílio e com ordem judicial o domicílio
pode ser invadido. O que significa dia para fins de proteção constitucional?
Temos dois critérios utilizados na doutrina e jurisprudência:
a) Critério cronológico: dia é o período entre as 6h e 18h.
b) Critério físico-astronômico: dia é a partir do amanhecer, da aurora; com o
crepúsculo, se dá a noite.
c) Misto: proposto por Alexandre de Morais que afirma a possibilidade de
utilização dos dois critérios acima citados, de forma conjunta.
* E se o mandado se inicia a ser cumprido e não termina antes da noite? O STF
entendeu que no caso de ações de grande complexidade quando o mandado
começa a ser cumprido durante o dia ele pode se estender após o período
noturno. Não seria razoável interromper uma operação de grande
complexidade e, portanto, não há porque se considerar as provas ilícitas,
78

portanto, são provas válidas; porém, se a operação começou às 17:30 e durou


até às 5h da manhã, é um caso de burla à vedação constitucional da
inviolabilidade do domicílio, sendo as provas ilícitas.
* O que deve ser entendido como “casa”? Qual o conceito de casa para fins de
proteção constitucional? A interpretação que se faz do conceito de casa é
muito amplo e próxima ao que o Código Penal faz no art. 150. O STF entende
que o conceito jurídico de casa abrange: escritórios, consultórios,
estabelecimentos comerciais, industriais, quartos de hotel e compartimentos
habitados.
* Pergunta: Um fiscal tributário pode entrar na parte reservada de uma empresa
sem o consentimento do proprietário, utilizando-se de força policial? Uma
antiga lei previa esta possibilidade, mas para o STF não houve a recepção da
legislação neste ponto. Segundo o STF a auto-executoriedade da
Administração Tributária cedeu lugar diante da inviolabilidade do domicílio.
Se a autoridade tributária não obtiver o consentimento do proprietário, deverá
ela buscar a autorização judicial. Em caso de fiscalização sanitária ou
urbanística (em caso de urgência) poderá a autoridade entrar mesmo sem a
autorização do proprietário.

5. Direito de propriedade

5.1 Regime jurídico do direito de propriedade

“Qual é o regime do direito de propriedade?” É de direito público ou de direito


privado? Segundo José Afonso da Silva, o regime do direito de propriedade é um regime
de direito público, pois a base do regime do direito de propriedade é na Constituição. A
disciplina do direito de propriedade está consagrada na Constituição. (sobretudo na parte
de política urbana e rural), sendo que segundo José Afonso da Silva o que “o código civil
disciplina são as relações civis decorrentes do direito de propriedade.”
O art. 5º, caput da CF/88 já fala que a propriedade é um dos valores protegidos no
rol dos seus incisos.

5.2 Função social do direito de propriedade


79

No art. 5º, XXII e XIII a CF/88 afirma ser garantido o direito de propriedade, que
deve atender à sua função social:

XXII - é garantido o direito de propriedade;


XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

Interpretando-se os dois incisos separadamente chega-se a uma antinomia: se uma


propriedade não atende a função social ela será garantida, tutelada pela Constituição? Na
doutrina há divergências sobre como interpretar esses dois dispositivos:

a) 1ª corrente: o professor José Afonso da Silva entende que o direito de


propriedade será garantido, desde que ela atenda à sua função social, ou seja
a função social não é apenas uma limitação ao direito de propriedade (como
o confisco, desapropriação, usucapião, etc.), e sim ela faz parte da própria
estrutura do direito de propriedade, é inerente a este direito. Isso porque nesta
concepção o direito da propriedade só será garantido se ela atender a sua
função social; caso não, a propriedade não será tutelada pela Constituição
Federal.
* Exemplo: latifundiário tem uma grande propriedade improdutiva que é
invadida pelo movimento social dos sem terra para promover a reforma
agrária. Essa propriedade recebe proteção constitucional ou pode ser
invadida? O STF tem jurisprudência pacífica no sentido de que a invasão
de terra por movimentos sociais é ilegítima, ou seja, o direito de
propriedade, na verdade, recebe proteção constitucional mesmo quando
ele não cumpre a função social.

b) 2ª corrente: Daniel Sarmento leciona que o direito de propriedade recebe uma


maior proteção quando a propriedade atende a sua função social; caso não
atenda sua função social a propriedade terá seu direito garantido, todavia, não
terá uma proteção tão abrangente quanto se cumprisse o requisito
constitucional. Exemplo: propriedade produtiva não pode ser desapropriada
para fins de reforma agrária.
* Quando uma propriedade cumpre a sua função social
+ Urbana (art. 182, § 2º da CRFB/88)
80

Art. 182, § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando


atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
Art. 182, § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,
obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão
urbana.

+ Rural (art. 186 da CRFB/88)

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,


simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos
em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação
do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.

5.3 Limitações constitucionais ao direito de propriedade

5.3.1 Desapropriação (art. 5º, XXIV)

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por


necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa
e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição;

As propriedades podem ser desapropriadas por três motivos:


1. Necessidade pública;
2. Utilidade pública;
3. Interesse social.

Toda desapropriação deve ser justa, prévia e em dinheiro nos casos previstos em
lei. Esse prévia não significa que a pessoa deve receber o valor integral antes da imissão
de posse; significa que o desapropriado deve receber o valor na imissão da posse,
independente do resgate ser em 10 ou 20 anos. Vale salientar que nem toda indenização
é paga em dinheiro, ex vis, desapropriação-sanção.
Conceito: a desapropriação consiste na transferência compulsória de uma
propriedade para o próprio Poder Público ou para o particular.
O pagamento em desapropriação somente não será feito em dinheiro na hipótese de
desapropriação-sanção nos casos em que a propriedade não está cumprindo sua função
social --> esta é a única exceção de desapropriação cuja indenização não será feita em
dinherio. Aqui o pagamento é feito em títulos da dívida pública ou da dívida agrária. Se
81

imóvel urbano, a desapropriação-sanção está prevista no art. 182, § 4º, III da CF/88:

Art. 182, § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei


específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei
federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou
não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo
no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública
de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de
resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Para desapropriação-sanção de imóvel rural a única hipótese é a prevista no art. 184


da Carta Magna - é a desapropriação para fins de reforma agrária que será indenizável via
títulos da dívida agrária

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins
de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função
social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária,
com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até
vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização
será definida em lei.
§ 1º - As benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro.
§ 2º - O decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para
fins de reforma agrária, autoriza a União a propor a ação de
desapropriação.
§ 3º - Cabe à lei complementar estabelecer procedimento contraditório
especial, de rito sumário, para o processo judicial de desapropriação.
§ 4º - O orçamento fixará anualmente o volume total de títulos da dívida
agrária, assim como o montante de recursos para atender ao programa
de reforma agrária no exercício.

As operações de transferência de imóvel via desapropriação para fins de reforma


agrária são isentas de tributos? Aqui cita-se o art. 184, §5º da CRFB/88: muito cuidado,
pois a imunização diz respeito apenas a impostos federais, estaduais e municipais e apenas
quando a finalidade for reforma agrária.

Art. 184, § 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais


as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de
reforma agrária.

Obs.: no informativo 626 o STF no MS 26.192/PB julgou uma importante questão: o


imóvel rural pode ser desapropriado por interesse social quando se trata de uma
propriedade pequena ou média (desde que o proprietário não tenha outra) ou, então, uma
propriedade grande e produtiva? Vale a transcrição do art. 185 da CF:

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma


agrária:
82

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde


que seu proprietário não possua outra;
II - a propriedade produtiva.

* Veja que o art. 185 veda a desapropriação para fins de reforma agrária, e não
para o interesse social. No mandado de segurança em questão a terra foi
desapropriada para assentamento dos colonos, e não para distribuição para
reformas agrárias. Por necessidade pública, útilidade pública ou interesse
social o STF entendeu ser possível a desapropriação de pequenas ou médias
propriedades rurais e propriedades produtivas, pois essas motivações de
desapropriação não estavam abrangidas pela vedação do art. 185 da CF.

5.3.2 Requisição (art. 5º, XXV)

O art. 5º, XXV fala em requisição civil. Além desta existe a requisição militar
prevista no art. 139, VII. A diferença é que a militar é feita em tempos de guerra.

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente


poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano;

A requisição é uma situação emergencial, não havendo tempo de discutir no Poder


Judiciário sobre a possibilidade ou não do Poder Público utilizá-lo. Na requisição não há
transferência da propriedade, há apenas o uso ou ocupação temporária, além de que aqui
a indenização nunca será prévia (pois, é caso de iminente perigo público) e sim será
sempre posterior.
Vamos analisar em quadro sinótico as principais diferenças entre desapropriação e
requisição na página seguinte.

Desapropriação Requisição
Bens e serviços, v. g., profissionais da área de
Bens saúde para prestar serviços em local atingido por
epidemia
Aquisição da propriedade. Aqui há sempre uma
transferência da propriedade feita pelo Poder Uso da propriedade
Público para ele mesmo ou para um terceiro.
Concretizada por acordo ou decisão judicial Concretizada por ato administrativo auto-
executório
Sempre indenizável Indenização apenas se houver dano
Indenização prévia, justa Indenização sempre em dinheiro e posterior
e, em geral, paga em dinheiro
83

5.3.3 Confisco

O confisco está previsto no art. 243 da CF:

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas


culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente
expropriadas (procedimento de retirada da propriedade) e
especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo
de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização
ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido
em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será
confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal
especializados no tratamento e recuperação de viciados e no
aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle,
prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.

O confisco é diferente da desapropriação-sanção: em ambos há transferência


compulsória da propriedade; porém, a desapropriação é sempre indenizável - não existe
desapropriação sem indenização, ainda que via títulos da dívida pública ou agrária. No
confisco a propriedade é transferida e o proprietário não recebe qualquer tipo de
indenização.
Quais são as hipóteses em que é cabível o confisco?

1. Glebas em que forem localizadas plantações de drogas. Toda vez em que


existir terras que plantem drogas tais serão expropriadas (é o procedimento)
e serão confiscadas pelo Poder Público devendo ter destinação para:
a) assentamento de colonos;
b) cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos.
* Em caso de apenas parte da propriedade sendo utilizada para cultivo de
plantas psicotrópicas o STF no RE 543.974 entende que, mesmo assim,
toda a propriedade será expropriada sem indenização. O Supremo
interpretou a Constituição conforme afirmando que a finalidade do
confisco era de desapropriar toda a propriedade.

STF, RE 543.974
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
EXPROPRIAÇÃO. GLEBAS. CULTURAS ILEGAIS. PLANTAS
PSICOTRÓPICAS. ARTIGO 243 DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO. LINGUAGEM DO
DIREITO. LINGUAGEM JURÍDICA. ARTIGO 5º, LIV DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O CHAMADO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. 1. Gleba, no artigo 243 da Constituição do
Brasil, só pode ser entendida como a propriedade na qual sejam
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. O preceito não
refere áreas em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, mas as
84

glebas, no seu todo. 2. A gleba expropriada será destinada ao


assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos. 3. A linguagem jurídica corresponde à linguagem
natural, de modo que é nesta, linguagem natural, que se há de buscar o
significado das palavras e expressões que se compõem naquela. Cada
vocábulo nela assume significado no contexto no qual inserido. O
sentido de cada palavra há de ser discernido em cada caso. No seu
contexto e em face das circunstâncias do caso. Não se pode atribuir à
palavra qualquer sentido distinto do que ela tem em estado de
dicionário, ainda que não baste a consulta aos dicionários, ignorando-
se o contexto no qual ela é usada, para que esse sentido seja em cada
caso discernido. A interpretação/aplicação do direito se faz não apenas
a partir de elementos colhidos do texto normativo [mundo do dever-
ser], mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela
aplicada, isto é, a partir de dados da realidade [mundo do ser]. 4. O
direito, qual ensinou CARLOS MAXIMILIANO, deve ser interpretado
"inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo,
prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou
impossíveis". 5. O entendimento sufragado no acórdão recorrido não
pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de expropriar-se 150 m2 de
terra rural para nesses mesmos 150 m2 assentar-se colonos, tendo em
vista o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 6. Não
violação do preceito veiculado pelo artigo 5º, LIV da Constituição do
Brasil e do chamado "princípio" da proporcionalidade. Ausência de
"desvio de poder legislativo" Recurso extraordinário a que se dá
provimento.

2. Bens apreendidos em decorrência de tráfico ilícito de entorpecentes: tais bens


serão revertidos em benefícios de instituição e pessoal especializados em
combate do tráfico de drogas

5.3.4 Usucapião constitucional

A CF/88 apresenta duas hipóteses especiais para aquisição de propriedade via


usucapião, nos termos do art. 183 (imóveis urbanos) e 191 (imóveis rurais):

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e
cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-
á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de
uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano,
possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de
terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a
produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia,
adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por
usucapião.

O prazo do usucapião rural é menor do que os do Código Civil - 5 anos apenas.,


85

sendo hipótese excepcional; todavia, determina mais requisitos:


1. Aparentar ser proprietária do imóvel;
2. O imóvel ser utilizado como moradia da própria pessoa ou de sua família;
3. Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural;
4. No caso de usucapião urbano, o imóvel deve ter no máximo 250 metros
quadrados; se rural, 50 hectares. Sendo que, no caso de imóvel rural o
possuidor deve tornar a propriedade produtiva através de seu trabalho ou do
trabalho da sua família.

A CF/88 não vai dizer quando a propriedade urbana atenda sua função social, pois
ela transfere essa responsabilidade ao plano diretor de cada Município que é obrigatório
para Municípios com mais 20 mil habitantes. Vejamos a redação do art. 182, § 2º:

§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende


às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor

No caso do imóvel rural é diferente, pois no art. 186 a própria Constituição Federal
estabelece os requisitos necessários para que uma propriedade rural cumpra sua função
social:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural


atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência
estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação
do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
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DIREITOS SOCIAIS

1. Teoria da reserva do possível

A expressão “reserva do possível’ surgiu a partir de uma decisão em 1972 pelo


Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em um caso muito famoso que tratava da
questão de vagas em universidades. A Constituição alemã prevê a liberdade de exercício
de ofício, trabalho ou profissão e aí algumas pessoas ajuizaram ação sob o seguinte
fundamento: ora, se temos a liberdade de ofício, para termos esse direito em grande
amplitude, precisamos de acesso à universidade, ex vis, se quero ser magistrado, preciso
ser bacharel em direito. Como vou exercer essa profissão se não tenho acesso à
universidade? Na Constituição alemão não há previsão de universidade gratuita para
todos, por isso que eles foram nessa linha. O Tribunal alemão concordou com essa linha
de raciocínio: só que, apesar que seja desejável que todos tenham acesso a universidade,
isso nem sempre é possível, já que o Estado não tem como dar bolsa a todas as pessoas
que queiram cursá-las, em razão das limitações orçamentárias e usou a expressão reserva
do possível.
Há alguns autores que criticam a transposição desse conceito para o direito
brasileiro, como o Andreas Krell, alemão radicado no Brasil professor da UFAL: não
seria possível no Brasil usar a teoria, visto que a desigualdade social é muito grande, o
que inviabilizaria o exercício de direitos fundamentais sociais. O professor Novelino não
concorda com essa posição, sob o fundamento de que, por ter mais desigualdade que a
Alemanha essa reserva do possível seria necessária. Inclusive, autores como Guido
Calabresi e Phillip Bobbit chamam essas hipóteses de “escolhas trágicas”: o orçamento
do Estado é limitado; toda decisão alocativa de recursos causa consequências negativas
para outra parte do orçamento. Exemplo: destino 20% para educação, mas vou
desprestigiar os músicos que vão ficar apenas com 1% de verba. Toda decisão alocativa
de recursos, na verdade também é uma decisão desalocativa. Aí surge a pergunta: a quem
cabe fazer essas escolhas trágicas? O juiz, legislador ou o Executivo? Os membros do
Legislativo e Executivo foram eleitos democraticamente para isso. Isso significa, então,
que o Poder Judiciário deve ficar totalmente de fora? A primazia na definição das políticas
públicas é do Poder Executivo e Legislativo, o que não significa que o Judiciário não
pode agir: quando a Constituição for desrespeitada o Judiciário deve agir. Exemplo:
pequeno grupo tem doença rara e o Estado entende que não precisa agir, pois é uma
87

minoria. Nesse caso o Judiciário deve intervir.

1.1 Dimensões da reserva do possível (Ingo Sarlet)

Ingo Sarlet, professor da PUC/RS, aponta três dimensões para a reserva do possível:

1. Possibilidade fática: consiste na existência de recursos orçamentário para


atender as pretensões individuais. Os direitos sociais tem caráter positivo e,
por isso, vão exigir do Estado prestações e, para o que ele as atenda é preciso
de recursos orçamentários. Exemplo: a CF considera direito à moradia um
direito social. Será possível exigir do Estado a construção de uma casa para
os sem-teto? É complicado, pois deve analisar não apenas a demanda
individual, e sim a questão como um todo no orçamento estatal, em face ao
princípio da isonomia. Assim, o princípio da isonomia impõe que a
possibilidade fática seja analisada universalmente: todas aquelas que estejam
na mesma situação. Ora, se o princípio da isonomia exige que a análise seja
feita de forma universal para todos que se encontrem na mesma situação, qual
seria o meio mais adequado para que essas situações fosse implementadas?
As ações coletivas! Temos que pensar assim por situações de economia
processual e pelo fato de que aqueles que mais precisam ainda não conseguem
chegar ao Judiciário.

2. Possibilidade jurídica: envolve dois aspectos:


a) Análise da existência da previsão orçamentária: deve ser respeitada o
princípio da legalidade na previsão orçamentária. A despesa deve estar
prevista em lei.
b) Análise das competências federativas: saber qual ente federativo é
responsável por aquela demanda. Na saúde, quem é o competente, já que
todos os entes são competentes? Tem se entendido que há uma
competência processual concorrente. Outra celeuma é a educação, mas a
própria CF/88 faz uma separação, que tem sido aplicada na teoria da
reserva do possível.
* Muito cuidado, pois a análise de previsão orçamentária não deve ser um
limite absoluto, porque senão o Poder Público sempre alegaria que não
88

existe previsão orçamentária.

3. Razoabilidade da exigência e proporcionalidade da prestação. Exemplo:


possibilidade fática da construção de casa para todos o Estado tem se tirar de
outros setores como saúde e educação e aumentando impostos e
consequentemente a arrecadação. Essas decisões seriam desproporcionais.

Obs.: o professor Novelino pondera muito o direito à saúde: é complicado colocar na


balança o direito à saúde x questão orçamentária x necessidade de tratamento. Existe uma
saída para essa questão, que veremos em instantes. No mais, essas dimensões propostas
por Ingo Sarlet são muito boas.

1.2 Alegação da reserva do possível

A quem cabe alegar a reserva do possível? O Estado ou quem o aciona? A reserva


do possível é matéria de defesa do Estado e ele deverá provar, tendo, então, o ônus de
provar que não tem como atender a demanda. Nas muitas vezes o procurador ao contestar
não consegue comprovar que o Estado não tem recursos orçamentários. Até tem, mas é
matéria de extrema complexidade financeira.

2. Mínimo existencial

A expressão surgiu no Tribunal Federal Alemão em 1953 e depois começou a ser


utilizada pelo seu tribunal constitucional, passando, depois, a ser citada na jurisprudência
do nosso STF. Por sinal, a maioria das decisões sobre direitos sociais tem como relator o
ministro Celso de Mello e ele sempre comenta o mínimo existencial. Vale lembrar que
quem citou inicialmente o termo “mínimo existencial” foi o professor Ricardo Lobo
Torres.
No direito alemão o mínimo existencial é deduzido de três princípios:

a) Dignidade da pessoa humana;


b) Princípio da liberdade material;
c) Princípio do Estado social.
89

O mínimo existencial consiste no conjunto de bens e utilidades indispensáveis a


uma vida humana digna. Perceba que o mínimo existencial está ligado à dignidade da
pessoa humana com aqueles três fatores estudados por nós que compõem a dignidade.
O problema é definir o que entraria no mínimo existencial. Quais são os direitos
que compõe o mínimo existencial? Alguns autores como Ricardo Lobo Torres afirmam
que não há como definir precisamente esses direitos porque vai depender da sociedade,
do momento histórico, do ordenamento jurídico, etc., não havendo como definir a priori.
A professora Ana Paula de Barcellos definem quais os direitos que compõem o mínimo
existencial a partir da CF/88 e da legislação infraconstitucional:
a) Direito à saúde. Para o professor Novelino é o mais problemático porque é
muito extenso, ex vis, o direito ao medicamento que é mais eficaz, mas
extremamente custoso e há um mais barato, todavia, menos eficaz. É possível
tratar-se em Cuba? No Rio de Janeiro aconteceu algo curioso: várias pessoas
aguardavam na fila o tratamento para o câncer e uma delas pediu tratamento
antecipado na frente da fila e o juiz concedeu. Isso é uma decisão que o
Judiciário não tem capacidade para decidir quem tem urgência no tratamento
e quem não o tem.
b) Educação básica. Aqui é simples: a CF/88 no art. 208, I garante educação
fundamental obrigatória e gratuita a todos. É uma regra estabelecida
constitucionalmente. Princípio se pode ponderar, regra não. Vale lembrar que,
após a EC 59/09 a terminologia mudou de educação fundamental para
educação básica.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17
(dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para
todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

c) Assistência aos desamparados. Pessoas que se encontram em situação de


miséria - com renda per capta inferior a 1/4 do salário mínimo e que sejam
deficientes ou idosos devem receber um salário mínimo. Inclusive, há uma lei
dizendo que todo cidadão tem direito a uma renda mínima.
d) Acesso à justiça. De nada adianta a pessoa ter os direitos acima, se não há
como requerer sua tutela. O aceso à justiça é o instrumento necessário para
efetivar o mínimo existencial.
* Há autores que ainda colocam o direito à moradia nesse mínimo.
90

Perceba que é como se o mínimo existencial fosse um subgrupo menor dos direitos
sociais.

Direitos sociais

Mínimo existencial

Por que a lei se preocupa em estabelece esse núcleo menor? por que os direitos
sociais tem um custo oneroso. Quanto mais se amplia, formalmente, os direitos sociais,
maior é o risco deles não terem efetividade. O mínimo existencial busca justamente o
oposto: garantir a fruição desse mínimo, independentemente de qualquer argumento
contrário.
Obs.: Daniel Sarmento tem um posicionamento no sentido de que o mínimo existencial
não é absoluto e deve ser ponderado com a reserva do possível, direitos de terceiros, etc.
Ingo Sarlet já entende que não cabe essa ponderação e sustenta que não se pode opor a
reserva do possível ao mínimo existencial. Ora, se o medicamento é imprescindível para
que a pessoa continue viva não se pode ponderar. Esse entendimento de Ingo foi o que o
ministro Celso de Mello adotou no RE 482.611/SC:

STF, RE 482.611
EMENTA: CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO
E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO
INTEGRAL À INFÂNCIA E À JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO
CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO.
PROGRAMA SENTINELA–PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO,
PELO MUNICÍPIO DE
FLORIANÓPOLIS/SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO
SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE
ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE
TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL
IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À
CONSTITUIÇÃO PROVOCADO POR
INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE
TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ
185/794-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO
PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL
SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO,
COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA
O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191- -197). CARÁTER
COGENTE E VINCULANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS,
INCLUSIVE DAQUELAS DE CONTEÚDO PROGRAMÁTICO,
QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS.
PLENA
LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES
ESTATAIS PELO PODER JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE
OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE
INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO
AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA
UMA POSITIVA CRIAÇÃO
JURISPRUDENCIAL DO DIREITO. PRECEDENTES DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE
91

IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS


NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (RTJ 174/687 – RTJ
175/1212-1213 – RTJ 199/1219- -1220).

3. A teoria da vedação de retrocesso social

A grande maioria dos direitos sociais é consagrada em normas abertas, que vão
necessitar de uma concretização por parte do Poder Público. Não é defeito dos direitos
sociais isso, e sim uma característica inerente dos mesmos. Os Poderes Público irão eleger
as prioridades de acordo com a vontade da maioria, v. g., a CF/88 não deveria, em tese,
estabelecer regras de transporte, saúde, etc., pois o direito que será prioritariamente
atendido deve ser decidido pela maioria. Quando se vota nos políticos se vota justamente
para quem elege a melhor prioridade.
A partir do momento que os direitos sociais necessitam de uma concretização, de
norma infraconstitucional, é como se essa norma concretizadora passasse a fazer parte do
próprio direito social. Imagine que o direito social é a esponja e o poder público é o
líquido: a norma aberta absorve o líquido que passa a fazer parte dessa esponja, desse
direito social que não mais passa a ter apenas a configuração constitucional, e sim mais
ampla, englobando também a legislação infraconstitucional. Por isso essas normas
concretizadoras passariam a ser materialmente constitucional, já que tais normas são
imprescindíveis para a concretização do direito social. É como se elas começassem a fazer
parte do bloco constitucional. Por isso, a partir do momento em que ocorre a
concretização do direito social, esta não pode mais ser objeto de um retrocesso.
Zagrebelsky, juiz da Suprema Corte italiana, entende que a vedação de retrocesso
social impede reduzir o grau de concretização atingido por uma norma de direito social,
ou seja, a concretização poderia sequer ser reduzida. É um posicionamento radical. Já o
autor português José Carlos Vieira de Andrade proíbe a revogação da concretização
quando esta se revelar manifestamente arbitrária ou desarrazoada --> a vedação de
retrocesso não impede qualquer redução no grau de concretização, e sim impede uma
revogação arbitrária. É um posicionamento sensato, pois a depender da situação a
prioridade de direitos sociais pode mudar com o passar do tempo, v. g., no Brasil está se
priorizando pela Copa de 2014 o transporte urbano e a infraestrutura. É muito lógico.

Obs.:A vedação ao retrocesso, em sede de direitos sociais, vale lembrar, é também


chamada de non cliquet – em alusão à regra de nunca descer, só subir no alpinismo.
92

Obs.: Cesare Batistti. Em 2009 quando o STF julgou a extradição o Supremo deu decisão
apertada de 5 x 4, cujo voto de desempate foi do ministro Peluso, que entendeu que o
Presidente da República não está vinculado à decisão do Supremo sobre a extradição. O
STF não pode obrigar o Presidente a extraditar ou não. Agora, o Supremo entendeu que
o Presidente da República estaria vinculado ao tratado Brasil-Itália. Confuso, Lula na
época pediu o parecer da AGU. No tratado Brasil-Itália há uma cláusula que a extradição
poderia ser negado em caso de julgamento parcial pelo outro país e o parecer se baseou
nesse AGU. O Presidente Lula deu seu último ato não extraditando Battisti. A Itália,
então, entrou com uma reclamação no STF dizendo que o Presidente da República não
respeitou a decisão do STF! O STF nem chegou a analisar o mérito e entendeu que o
Governo Italiano não pode questionar no STF um ato de soberania do Estado brasileiro.
93

DIREITOS DE NACIONALIDADE

1. Conceito

Nacionalidade é o vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado fazendo


dele um componente do povo. É através da nacionalidade que o indivíduo passa a
pertencer ao povo daquele Estado.
Povo ≠ população. Todos que vivem no Brasil fazem parte da população:
estrangeiros, brasileiros, apátridas, etc. Povo é o conjunto de brasileiros natos e
naturalizados.

2. Espécies de nacionalidade

2.1 Nacionalidade primária / originária

As pessoas que têm a nacionalidade primária são os chamados brasileiro nato e


suas hipóteses estão no art. 12 da CF/88 que será examinado minuciosamente.
A pessoa adquire a nacionalidade originária em razão de um ato natural, um
nascimento, não dependendo de ato de vontade, do desejo dela → ou é o local onde nasceu
ou a filiação dela. Então, temos dois critérios para adquirir a nacionalidade primária:
1. Jus soli - critério funcional (critério territorial): nos termos do art. 12, I a,
pessoas nascidas no território brasileiro, ainda que de pais estrangeiro, exceto
no caso de estrangeiros que estão a serviço do seu país de origem.
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais
estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

• Não basta que apenas um dos pais esteja a serviço do seu país; ambos os
pais devem estar à serviço do seu Estado de origem;
• Os pais devem estar a serviço do próprio país, não podendo estar a serviço
de outro. Exemplo: diplomatas argentinos estão a serviço do Chile e tem
filho no Brasil. O menino não será brasileiro. Cuidado apenas com o caso
do cônsul e sua mulher que apenas a acompanha; mesmo que a mulher não
esteja trabalhando é considerado como que esteja a serviço do seu país.
94

2. Jus sangüinis + critério funcional (art. 12, I, b): nascidos no estrangeiro, de


pai brasileiro ou mãe brasileiro. Ao contrário da hipótese anterior, não precisa
que os dois estejam a serviço do Brasil; basta um dos pais ser brasileiro e estar
a serviço da República Federativa do Brasil.

Art. 12. São brasileiros:


I - natos:
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira,
desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do
Brasil;

3. Jus sangüinis + residência no Brasil + opção pela nacionalidade brasileira


(art. 12, I, c). Esse critério já estava previsto antes da EC 54/07. Só que havia
um problema dos brasileirinhos apátridas. Antes de 2007 se os filhos de
brasileiros nascessem no exterior, eles somente poderiam ser brasileiros
quando fixassem residência no Brasil; foi o que aconteceu com o filho de
Ronaldo, o Ronald que era filho de pais brasileiros. Ele ficou sem
nacionalidade um tempo. Em 2007 foi aprovada a EC 54 para corrigir esse
problema que acrescentou uma segunda hipótese à alínea “c” do inciso I do
art. 12 que é jus sangüini + registro na repartição brasileira competente
(no caso, um consulado).
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe
brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira
competente ou venham a residir na República Federativa do
Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a
maioridade, pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 54, de 2007)

• Se os pais optarem a não fazer o registro no consulado, a criança pode optar


depois pela nacionalidade brasileira, desde que venham a fixar residência
no Brasil, seguindo a regra do início do número 3 acima citado.

Alguns autores sustentam que, além dessas quatro hipóteses acima citadas,
haveria também a nacionalidade originária no caso de adoção, nos termos do art. 227, §
6º da CF. Ora, como não pode haver diferença de tratamento de filhos, se um brasileiro
adota uma criança estrangeira ela poderá ser reconhecida como brasileiro nato.

Art. 227, § 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou


por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
95

2.2 Nacionalidade secundária / adquirida

A pessoa que optar pela nacionalidade brasileira será considerado como brasileiro
naturalizado. Estas hipóteses estão previstas no art. 12, II. Antes de falar especificamente
das hipóteses vamos falar um pouco da naturalização que pode ocorrer de duas formas:

1. Naturalização tácita (grande naturalização): não depende de uma opção


expressa da pessoa, que não precisa manifestar a vontade de adquirir a
nacionalidade; basta que ela não digna nada. Geralmente esse tipo de
naturalização é adotada por países que estão começando a se desenvolver. No
caso do Brasil, em 1824 quando se libertou de Portugal, na CF/1824 em seu
art. 6º: os portugueses que aqui viviam serão tido como brasileiros,
automaticamente, caso não se manifestassem em sentido contrário. Após a
CF/1891 trouxe o mesmo procedimento no art. 69. Já a CF/88 apenas adotou
a naturalização expressa.

Art. 6. São Cidadãos Brazileiros


IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já
residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia
nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou
tacitamente pela continuação da sua residencia.

Art 69 - São cidadãos brasileiros:


4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de
1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor
a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;
5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem
casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que
residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de
nacionalidade;
6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.

• Naturalização involuntária ≠ naturalização tácita. Aquela são os casos de


que, por exemplo, em alguns países, a mulher se casou com o marido, ela
adquirirá a nacionalidade do marido. Mesmo ela não querendo, vai adquirir
a nacionalidade. Na Itália se adota esse tipo.
96

2. Naturalização expressa. A CF/88 apresenta no art. 12, II as seguintes


espécies de naturalização expressa:
a) Naturalização ordinária (art. 12, II, “a”):
a.1 São brasileiros naturalizados o que na forma da lei adquiram a
nacionalidade brasileira. Atualmente, a lei que trata desses requisitos é
a Lei 6.815/80, art. 112 e art. 115, § 2º.

Art. 12. São brasileiros:


II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas
aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um
ano ininterrupto e idoneidade moral;

Art. 112. São condições para a concessão da naturalização:


I - capacidade civil, segundo a lei brasileira;
II - ser registrado como permanente no Brasil;
III - residência contínua no território nacional, pelo prazo mínimo de
quatro anos, imediatamente anteriores ao pedido de naturalização;
IV - ler e escrever a língua portuguesa, consideradas as condições do
naturalizando;
V - exercício de profissão ou posse de bens suficientes à manutenção
própria e da família;
VI - bom procedimento;
VII - inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou
no exterior por crime doloso a que seja cominada pena mínima de
prisão, abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano; e
VIII - boa saúde.
§ 1º não se exigirá a prova de boa saúde a nenhum estrangeiro que
residir no País há mais de dois anos.
§ 2º verificada, a qualquer tempo, a falsidade ideológica ou material de
qualquer dos requisitos exigidos neste artigo ou nos arts. 113 e 114
desta Lei, será declarado nulo o ato de naturalização sem prejuízo da
ação penal cabível pela infração cometida
§ 3º A declaração de nulidade a que se refere o parágrafo anterior
processar-se-á administrativamente, no Ministério da Justiça, de ofício
ou mediante representação fundamentada, concedido ao naturalizado,
para defesa, o prazo de quinze dias, contados da notificação.

Art. 115, § 2º. Exigir-se-á a apresentação apenas de documento de


identidade para estrangeiro, atestado policial de residência contínua no
Brasil e atestado policial de antecedentes, passado pelo serviço
competente do lugar de residência no Brasil, quando se tratar de:
I - estrangeiro admitido no Brasil até a idade de 5 (cinco) anos, radicado
definitivamente no território nacional, desde que requeira a
naturalização até 2 (dois) anos após atingir a maioridade;
II - estrangeiro que tenha vindo residir no Brasil antes de atingida a
maioridade e haja feito curso superior em estabelecimento nacional de
ensino, se requerida a naturalização até 1 (um) ano depois da formatura.
§ 3º. Qualquer mudança de nome ou de prenome, posteriormente à
naturalização, só por exceção e motivadamente será permitida,
mediante autorização do Ministro da Justiça.

a.2. Originários dos países de língua portuguesa que possuam 1 (um) ano
de residência ininterrupta e idoneidade moral.
• É ato discricionário ou vinculado o ato do Presidente da República –
que geralmente delega para o Ministro da Justiça – que concede a
97

nacionalidade nesses casos? Segundo o STF trata-se de ato


discricionário, de soberania estatal, não tendo como obrigar o
Presidente da República a fazê-lo.

b) Naturalização expressa extraordinária (quinzenária), nos termos do


art. 12, II, “b”. Aqui a CF/88 estabelece três requisitos:
b.1. Residência por 15 (quinze) anos ininterruptos;
b.2. Inexistência de condenação penal;
b.3. Opção expressa pela nacionalidade brasileira
• Neste caso o ato do Presidente da República é um ato vinculado, tendo o
indivíduo requerente direito público subjetivo caso reúna as condições
constitucionalmente previstas. Se atender os requisitos, o Estado
brasileiro é obrigado a reconhecer a nacionalidade. O STF entende assim
porque na parte final do dispositivo constitucional tem a expressão
“desde que requeira”.
Art. 12. São brasileiros:
II - naturalizados:
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República
Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem
condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

3. Quase nacionalidade

A hipótese de quase nacionalidade está prevista no art. 12, § 1º.

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver


reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos
inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição

Esta situação apenas se aplica exclusivamente aos portugueses e não a pessoas de


outras nacionalidade, ainda que falem português. Ainda, Portugal deverá estabelecer os
mesmos benefícios aos brasileiros, ou seja, deverá haver reciprocidade. Atualmente não
há essa permissão por parte de Portugal.
A CF/88 não prevê se o português tem os mesmos direitos do brasileiro nato ou
do naturalizado. Obviamente que é do brasileiro naturalizado. Mas cuidado: aos
portugueses equiparados são atribuídos os mesmos direitos dos brasileiros naturalizados
ou, em outras palavras, os mesmos direitos dos brasileiros natos, salvo os casos previstos
na CF/88.
98

4. Diferenças de tratamento entre brasileiros natos e naturalizados

Primeiramente lembre que a essa diferença de tratamento somente pode ser feita
pela Constituição Federal, nos termos do art. 12, § 2º.

Art. 12, § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros


natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

4.1 Cargos privativos de brasileiros natos (art. 12, § 3º)

§ 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:


I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
III - de Presidente do Senado Federal;
IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
V - da carreira diplomática;
VI - de oficial das Forças Armadas.
VII - de Ministro de Estado da Defesa

A CF/88 coloca que alguns cargos são privativos de brasileiros natos, com base
em dois critérios:

1. Linha sucessória do Presidente da República. Qualquer cidadão, ainda que


ocupe temporariamente o cargo de Presidente da República deverá ser
brasileiro nato. São os cargos, sucessivamente, de: Presidente da República,
seu vice, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado,
Presidente do STF.
• Interessante notar que também serão cargos privativos de brasileiros natos
o Presidente e o vice-presidente do CNJ; isso por causa de uma leitura
sistemática da CF/88, pois o presidente e o vice do CNJ são ministros do
STF e, todos, devem ser brasileiros natos.

2. Segurança nacional. Por razões de segurança nacional as carreiras


diplomáticas, oficiais das Forças Armadas e Ministro de Estado e da Defesa

4.2 Seis assentos do Conselho da República (art. 89, VI)


99

O Conselho da República é um órgão de conselho do Presidente da República para


situações extraordinárias. A composição do Conselho conta com 6 (seis) cidadãos,
brasileiros natos.
VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de
idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos
pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos
com mandato de três anos, vedada a recondução.

4.3 Propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens


(art. 222)
Art. 222. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão
sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou
naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas
sob as leis brasileiras e que tenham sede no País.

A lei não exige que para ser proprietário dessas empresas o brasileiro seja
necessariamente nato. Pode até ser brasileiro naturalizado, mas a naturalização deve ter
ocorrido há, pelo menos, 10 (dez) anos. Essa ressalva é justificada porque? Dizem as más-
línguas que o ex-dono da editora abril precisava dessa ressalva de naturalizados.

4.4 Extradição (art. 5º, LI)

Art. 5º, LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado,


em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de
comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, na forma da lei;

O brasileiro nato não pode ser extraditado em hipótese alguma, ainda que tenha
dupla nacionalidade. Já o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em duas
situações:

1. Crime praticado antes da naturalização


2. Tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins praticados a qualquer
tempo.

O fato de ser casado com brasileira e até mesmo ter filhos com ela não impede a
extradição, nos termos da Súmula 421 do STF.

Súmula 421 do STF. Não impede a extradição a circunstância de ser o


extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro.
A regra aqui é diferente da expulsão. Na extradição o extraditando praticou um
crime em outros país; na expulsão o estrangeiro praticou ato nocivo no Brasil e, por isso,
100

será ele expulso do território brasileiro. As hipóteses em que o estrangeiro pode ser
expulso está disciplinado na Lei 6.815, art. 65 que deve ser lida em conjunto com a
Súmula 01 do STF:
Súmula 01 do STF. É vedada a expulsão de estrangeiro casado com
brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia
paterna.

Art. 65. É passível de expulsão o estrangeiro que, de qualquer forma,


atentar contra a segurança nacional, a ordem política ou social, a
tranqüilidade ou moralidade pública e a economia popular, ou cujo
procedimento o torne nocivo à conveniência e aos interesses nacionais.
Parágrafo único. É passível, também, de expulsão o estrangeiro que:
a) praticar fraude a fim de obter a sua entrada ou permanência no Brasil;
b) havendo entrado no território nacional com infração à lei, dele não
se retirar no prazo que lhe for determinado para fazê-lo, não sendo
aconselhável a deportação;
c) entregar-se à vadiagem ou à mendicância; ou
d) desrespeitar proibição especialmente prevista em lei para
estrangeiro.

Art. 66. Caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver


sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação.
Parágrafo único. A medida expulsória ou a sua revogação far-se-á por
decreto.

Art. 67. Desde que conveniente ao interesse nacional, a expulsão do


estrangeiro poderá efetivar-se, ainda que haja processo ou tenha
ocorrido condenação.

Art. 68. Os órgãos do Ministério Público remeterão ao Ministério da


Justiça, de ofício, até trinta dias após o trânsito em julgado, cópia da
sentença condenatória de estrangeiro autor de crime doloso ou de
qualquer crime contra a segurança nacional, a ordem política ou social,
a economia popular, a moralidade ou a saúde pública, assim como da
folha de antecedentes penais constantes dos autos.
Parágrafo único. O Ministro da Justiça, recebidos os documentos
mencionados neste artigo, determinará a instauração de inquérito para
a expulsão do estrangeiro.

Art. 69. O Ministro da Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a


prisão, por 90 (noventa) dias, do estrangeiro submetido a processo de
expulsão e, para concluir o inquérito ou assegurar a execução da
medida, prorrogá-la por igual prazo.
Parágrafo único. Em caso de medida interposta junto ao Poder
Judiciário que suspenda, provisoriamente, a efetivação do ato
expulsório, o prazo de prisão de que trata a parte final do caput deste
artigo ficará interrompido, até a decisão definitiva do Tribunal a que
estiver submetido o feito.

Art. 70. Compete ao Ministro da Justiça, de ofício ou acolhendo


solicitação fundamentada, determinar a instauração de inquérito para a
expulsão do estrangeiro.

Art. 71. Nos casos de infração contra a segurança nacional, a ordem


política ou social e a economia popular, assim como nos casos de
comércio, posse ou facilitação de uso indevido de substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, ou de
desrespeito à proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro,
o inquérito será sumário e não excederá o prazo de quinze dias, dentro
do qual fica assegurado ao expulsando o direito de defesa.

Art. 72. Salvo as hipóteses previstas no artigo anterior, caberá pedido


de reconsideração no prazo de 10 (dez) dias, a contar da publicação do
decreto de expulsão, no Diário Oficial da União.
101

Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha
o prazo desta vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar
designado pelo Ministério da Justiça, e guardará as normas de
comportamento que lhe forem estabelecidas.
Parágrafo único. Descumprida qualquer das normas fixadas de
conformidade com o disposto neste artigo ou no seguinte, o Ministro da
Justiça, a qualquer tempo, poderá determinar a prisão administrativa do
estrangeiro, cujo prazo não excederá a 90 (noventa) dias.

Art. 74. O Ministro da Justiça poderá modificar, de ofício ou a pedido,


as normas de conduta impostas ao estrangeiro e designar outro lugar
para a sua residência.

Art. 75. Não se procederá à expulsão:


I - se implicar extradição inadmitida pela lei brasileira; ou
II - quando o estrangeiro tiver:
a) Cônjuge brasileiro do qual não esteja divorciado ou separado, de fato
ou de direito, e desde que o casamento tenha sido celebrado há mais de
5 (cinco) anos; ou
b) filho brasileiro que, comprovadamente, esteja sob sua guarda e dele
dependa economicamente.
§ 1º. não constituem impedimento à expulsão a adoção ou o
reconhecimento de filho brasileiro supervenientes ao fato que o
motivar.
§ 2º. Verificados o abandono do filho, o divórcio ou a separação, de fato
ou de direito, a expulsão poderá efetivar-se a qualquer tempo.

Já a deportação é a devolução compulsória de um estrangeiro que tenha entrado


de forma irregular no país. As hipóteses de deportação estão na Lei 6.815, arts. 57 e 58.

Art. 57. Nos casos de entrada ou estada irregular de estrangeiro, se este


não se retirar voluntariamente do território nacional no prazo fixado em
Regulamento, será promovida sua deportação.
§ 1º Será igualmente deportado o estrangeiro que infringir o disposto
nos artigos 21, § 2º, 24, 37, § 2º, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou
artigo 105.
§ 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a deportação far-
se-á independentemente da fixação do prazo de que trata o caput deste
artigo.

Art. 58. A deportação consistirá na saída compulsória do estrangeiro.


Parágrafo único. A deportação far-se-á para o país da nacionalidade ou
de procedência do estrangeiro, ou para outro que consinta em recebê-
lo.

Art. 59. Não sendo apurada a responsabilidade do transportador pelas


despesas com a retirada do estrangeiro, nem podendo este ou terceiro
por ela responder, serão as mesmas custeadas pelo Tesouro Nacional..

Art. 60. O estrangeiro poderá ser dispensado de quaisquer penalidades


relativas à entrada ou estada irregular no Brasil ou formalidade cujo
cumprimento possa dificultar a deportação.

Art. 61. O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá


ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de
sessenta dias.
Parágrafo único. Sempre que não for possível, dentro do prazo previsto
neste artigo, determinar-se a identidade do deportando ou obter-se
documento de viagem para promover a sua retirada, a prisão poderá ser
prorrogada por igual período, findo o qual será ele posto em liberdade,
aplicando-se o disposto no artigo 73.
102

Art. 62. Não sendo exeqüível a deportação ou quando existirem indícios


sérios de periculosidade ou indesejabilidade do estrangeiro, proceder-
se-á à sua expulsão.

Art. 63. Não se procederá à deportação se implicar em extradição


inadmitida pela lei brasileira.

Art. 64. O deportado só poderá reingressar no território nacional se


ressarcir o Tesouro Nacional, com correção monetária, das despesas
com a sua deportação e efetuar, se for o caso, o pagamento da multa
devida à época, também corrigida.

Nenhuma dessas hipóteses se confunde com a “entrega”(surrender) que está no


Estatuto do Tribunal Penal Internacional. A natureza e a finalidade da entrega são bem
diferentes da extradição: nesta última o estrangeiro será entregue para o seu país de
origem para ser lá julgado. Já na entrega ela não será julgada por um tribunal de outro
país, e sim por uma jurisdição internacional da qual o Brasil faz parte e manifestou
expressamente a sua aquiescência. Nesse caso, do Tribunal Penal Internacional, como o
Brasil adotou este tratado sem ressalvas será possível até a entrega de brasileiro nato.
Esquematicamente as diferenças acima:
Extradição Expulsão Deportação Entrega
(surrender)
Consiste na entrega Consiste na retirada à Consiste na Consiste na entrega
de uma pessoa a um força, do território devolução de um indivíduo a um
outro Estado, em brasileiro, de um compulsória que Tribunal Penal
razão de um crime estrangeiro que tenha tenha entrado ou Internacional para que
nele praticado para praticado atos esteja de forma seja julgado por ele
que seja julgada tipificados no art. 65 irregular no território (inclusive para
segundo as suas leis. da lei 6.815/80. nacional. nacionais natos).

O extraditando não O estrangeiro não Irá para seu Estado


cometeu nenhum praticou nenhum de origem ou para
crime no Brasil. crime no Brasil, mas qualquer outro Estado
sim um ato nocivo que o aceite.
dentro do território
nacional.

4.4.1 Questões especiais acerca da extradição

A) O Brasil adota o sistema da contenciosidade limitada pela Lei 6.815/80. Quando


um Estado estrangeiro faz um requerimento da extradição para o Brasil o Supremo não
irá analisar o mérito da questão. Ao falar em contenciosidade limitada quer dizer que o
processo de extradição se limita à análise dos pressupostos necessários à extradição.

B) No art. 5º, LII da CF/88 não se admite extradição em caso de crime político ou de
opinião. O que acontece quando há um entrelaçamento entre crime político e crime
103

comum? Nesta hipótese o Estatuto do Estrangeiro admite mesmo assim a extradição;


todavia, segundo entendimento do STF nos casos de entrelaçamento entre crime comum
e de opinião a extradição deve ser indeferida.

LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político


ou de opinião;

C) Princípio da dupla punibilidade. A extradição só é autorizada quando o fato é


punível nos dois Estados. Não basta que o fato seja típico e ilícito; ele deve ser punível.
Portanto, se o crime estiver prescrito aqui ou lá no Estado estrangeiro, o Brasil através do
Supremo não autorizará a extradição.

D) Princípio da especialidade. O extraditando só poderá ser processado pelos crimes


que foram objeto do pedido de extradição. Se, eventualmente, ficar descoberto que o
agente praticou outros crimes, o Estado estrangeiro deve fazer um pedido de extensão ao
Brasil que para que ele seja julgado por outros crimes.

E) Comutação da pena. Quando a pena é vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro o


Supremo só autoriza a extradição se houver comutação da pena. No art. 5º, XLVII há o
rol das penas que não se admitem no Brasil; o Estado estrangeiro deverá respeitar tal e,
se prever penas cruéis, por exemplo, estabelecer pena privativa de liberdade de até 30
anos.

XLVII - não haverá penas:


a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84,
XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;

F) Retroatividade dos tratados. A assinatura do tratado de extradição pode ser posterior


ao fato que se deseja regular. Esse entendimento é porque a extradição não é matéria
penal.

5. Perda da nacionalidade
104

As hipóteses da perda de nacionalidade estão no art. 12, § 4º da CF/88 e pode


ocorrer, basicamente, em duas situações:

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:


I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude
de atividade nociva ao interesse nacional;
II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos:
a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;
b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro
residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em
seu território ou para o exercício de direitos civis;

1. Ação de cancelamento da naturalização. A naturalização pode ser cancelada


quando:
a) O estrangeiro pratica ato nocivo contra o Estado brasileiro. Cuidado,
pois essa hipótese só vale para brasileiros naturalizados. Se a naturalização
for perdida ele só pode recuperá-la via ação rescisória, não podendo,
futuramente, tentar novamente, se naturalizar.
b) Naturalização voluntária. É quando o brasileiro voluntariamente adquire
outra nacionalidade. Quando o brasileiro adquire, porque assim deseja,
outra nacionalidade, perde a brasileira, inclusive se for nato. Todavia, há
exceções no texto constitucional:
b.1. Para brasileiros natos. No caso de reconhecimento de nacionalidade
originária pela lei estrangeira, o Exemplo: a Itália admite dupla
nacionalidade caso haja pais ou avós italianos. O brasileiro nato que
queira ter a dupla nacionalidade com a Itália ele não perde a
nacionalidade brasileira; agora, se for brasileiro naturalizado e quiser se
naturalizar italiano, nesse caso perde.
b.2. Nacionalidade involuntária. Caso o brasileiro nato ou naturalizado
queira permanecer em território estrangeiro para fixar residência ou
exercer profissão e a lei estrangeira imponha naturalização como
condição de permanência ou para exercício de direitos civis, o brasileiro
não perderá a nacionalidade brasileira.

Obs.: vamos supor que o brasileiro nato quer optar por ser nacional de outro país e
consegue. Ele deixa de ser brasileiro e passa a ser estrangeiro. Após um período ele muda
de ideia e quer ser brasileiro de novo. O que ele pode fazer? Vimos que se fosse brasileiro
105

naturalizado não poderia solicitar a nacionalidade brasileira. Mas o nato pode. E se ele
quiser retomá-la novamente ele adquirirá a condição de brasileiro nato ou naturalizado?
O STF não tem decisão sobre o assunto e na doutrina há divergências. O professor José
Afonso da Silva entende que o brasileiro nato retornaria na mesma condição; outros
autores como Valério Mazuolli e Alexandre de Morais defendem que o brasileiro nato
somente poderá voltar como naturalizado → o argumento é que para aquisição da
nacionalidade originária brasileira depende-se de um ato natural; se a pessoa tem vontade
de se tornar nacional brasileiro é caso de nacionalidade adquirida, e portanto, de um
naturalizado.
106

DIREITOS POLÍTICOS

1. Classificação

Os direitos políticos costumam a ser classificados em dois grupos:

1. Direitos políticos positivos: são aqueles que permitem a participação do


indivíduo na vida política do Estado, seja votando, sendo votado, participando
de referendo, etc. Esses direitos se subdividem em três espécies:

a) Direito de sufrágio: é a essência do direito político em si, sendo através


dele que o cidadão participa da vida política do Estado. O sufrágio costuma
ser classificado em duas espécies:
• Sufrágio universal: possibilita a participação de todos os indivíduos sem
estabelecer determinadas condições. A CF/88 no art. 60, § 4º fala que
voto é um direito universal; todavia é terminologicamente errado,
devendo ter falado em direito de sufrágio, de participar do processo
eleitoral; e tal é uma cláusula pétrea.
• Sufrágio restrito: exige determinadas condições relacionadas aos
indivíduos, não sendo meros requisitos formais como a idade, e sim
condições discriminatórias que podem ser de três espécies:
o Sufrágio restritivo censitário: exige do indivíduo uma determinada
condição econômica para que ele participe, v. g., determinadas rendas
ou bens. Nas duas primeiras Constituições brasileiras foi adotado esse
tipo de sufrágio;
o Sufrágio restritivo capacitário: exige uma capacidade especial,
geralmente de natureza intelectual. Exemplo: determinados sistemas
somente permitiam a participação de pessoas com curso superior.
o Sufrágio restrito em razão do sexo: adotado pelo Brasil até a década
de 1930; a mulher só passou a ter direito de voto com a reforma
política de 1932. Antes da CF/1934 não havia tal permissão.
b) Alistabilidade: é uma capacidade eleitoral ativa, ou seja, é o direito de
votar, de participar. Quando se fala em alistabilidade estamos englobando
o direito de participar das eleições. Aqui tem uma questão importante que
107

são as características que o voto tem no direito brasileiro de acordo com a


CF/88 Vamos examiná-las:
• Voto direto: escolhemos diretamente os nossos representantes (tal é
cláusual pétrea): vereadores, prefeitos, deputados, etc. No entanto, temos
uma exceção prevista no art. 81, § 1º da CF que permite a eleição
indireta:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da


República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período
presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois
da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

o A vacância é de ambos os cargos ao mesmo tempo!


o Essa norma, para o Supremo, não é de observância obrigatória pelos
Estados-membros, podendo a Constituição estadual prever de modo
diverso.
• Voto igual para todos: o voto de todas as pessoas tem o mesmo peso,
valor. A jurisprudência norte-americana utiliza-se da famosa expressão,
one person, one vote desde 1964. Essa previsão, no Brasil, está no caput
do art. 14:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante

• Voto periódico: a periodicidade do voto decorre da periodicidade das


eleições, sendo tal uma característica da República e estabelecido na
nossa Constituição como cláusula pétrea.
• Voto livre. Para assegurar a liberdade do voto, um dos mecanismos que
a CF/88 consagra é o escrutínio secreto. Quem é secreto não é o voto, e
sim o escrutínio – a maneira que você exerce o voto. A CF comete dois
equívocos: quando fala em voto universal, é sufrágio secreto, e, quando
fala em voto secreto, é escrutínio. O escrutínio é o modo como o direito
de voto é exercido.
• Voto personalíssimo. O direito de votar é intransferível, inegociável,
somente o próprio indivíduo pode exercê-lo.
• Quem são os inalistáveis? Quem não pode ser eleitor? A CF/88 afirma
que são inalistáveis os estrangeiros e os conscritos. Aqui temos duas
questões importantes:
108

o Por que os estrangeiros são inalistáveis? Só pode exercer direitos


políticos aquele que tem a nacionalidade brasileiro, natural ou
naturalizada. O estrangeiro não tem esse pré-requisito para exercer
direitos políticos; todavia, existe uma exceção: os portugueses
equiparados (quase-nacionalidade do art. 12, § 1º já estudada).
Havendo reciprocidade por parte de Portugal no mesmo sentido para
os brasileiros com residência permanente naquele país, os portugueses
equiparados poderão votar.
o No que tange aos conscritos, a lei que regulamenta sua situação é a
Lei 5.292/67. De acordo com esse diploma, o conceito de conscrito
abrange médicos, dentistas, farmacêuticos e veterinários durante o
período do serviço militar obrigatório. E qual o motivo dessa vedação
ao alistamento? O principal motivo é a hierarquia militar que é muito
forte e pode forçar aos conscritos a votar em alguém.
• A CF/88 estabelece que tanto o alistamento eleitoral, quanto o voto, são
obrigatórios para alguns e facultativos para outros. De acordo com a
CF/88 o alistamento e o voto são obrigatórios para os que tem entre 18
(dezoito) e 70 (setenta) anos; é facultativo para os que tem entre 16
(dezesseis) e 18 (dezoito), para os que tem mais de 70 (setenta) anos e
para os analfabetos. Vejamos a redação do § 1º do art. 14:

§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:


I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

o Essas pessoas, mesmo que estejam alistadas, não podem ser obrigadas
a votar. Vejamos também o § 2º do art. 14 que fala nos inalistáveis:

§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o


período do serviço militar obrigatório, os conscritos.

c) Elegibilidade: é a capacidade eleitoral passiva, o direito de ser votados. No


Brasil, somente a partir dos 35 (trinta e cinco) anos se atinge a plena
cidadania, ou seja, o direito de ser votado para qualquer cargo, inclusive de
Presidente da República e Senador; 30 (trinta) anos para Governador; 20
109

(vinte) anos para prefeitos, deputado e juiz de paz; por fim, 18 (dezoito) anos
para vereador.
• Em que momento se exige a idade mínima e as demais condições de
elegibilidade? No momento da inscrição da candidatura ou apenas na posse?
As condições de elegibilidade e as hipóteses de inelegibilidades são
verificadas no registro da candidatura. Com relação à idade mínima a
situação é diversa: apesar dela ser condição de elegibilidade, deve ser
analisada no momento da posse, com fulcro na Lei 9.504/97, art. 11, § 2º.

§ 2º A idade mínima constitucionalmente estabelecida como condição


de elegibilidade é verificada tendo por referência a data da posse.

• O art. 14, § 3º da CF/88 elenca as condições de elegibilidade. Existe no


STF várias ações questionando o “na forma da lei”, se seria lei ordinária
ou constitucional. Essa dúvida existia em face do § 9º do mesmo artigo.
O STF firmou entendimento de que as condições de elegibilidade a
serem regulamentadas por lei ordinária não se confundem com as
hipóteses de inelegibilidades a serem estabelecidas por lei complementar

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:


I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral → para ser elegível, tem que ser alistável;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
V - a filiação partidária;
VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e
Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do
Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou
Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e


os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa,
a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do
candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a
influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função,
cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

o Elegibilidade não se confunde com hipóteses de inelegibilidade: os


primeiros são direitos políticos positivos, os segundos, negativo
2. Direitos políticos negativos: são aqueles que estabelecem privações ou
restrições ao exercício dos direitos políticos. São espécies de direitos políticos
negativos:
a) Inelegibilidade:
110

• Inelegibilidade absoluta: estão previstas no art. 14, § 4º da CF/88 e tem


duas características:
o Só pode ser estabelecida pela própria CF/88. Lei infraconstitucional
não pode criar novas hipóteses, apenas a Lei Maior;
o Não admite desincompatibilização, por estar relacionada a uma
condição pessoal.

§ 4º - São inelegíveis ABSOLUTAMENTE os inalistáveis e os


analfabetos → este último não pode ser votado, apenas votar.

• Inelegibilidade relativa: podem ser estabelecidas por lei complementar


e, alguns casos admitem desincompatibilização. Quem rege o assunto é
a LC 64/1990, alterada recentemente pela lei da ficha limpa.
• Vale lembrar que existem inelegibilidades com relação a ocupantes de
cargos:
o Militares (art. 14, § 8º da CF);
o Membros da magistratura (art. 95, parágrafo único, inciso III);
o Membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, II, “e”).
• Existem inelegibilidades constitucionais de cargos eletivos relacionadas
a chefe de cargos do Poder Executivo com duas regras:
o Para o mesmo cargo (art. 14, § 5º);

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do


Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído
no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período
subsequente.

+ Tem se discutido quanto a questão dos vices, se eles poderiam ter


um terceiro mandato consecutivo. Veja que o § 5º fala em quem
houver sucedido ou substituído o chefe do Executivo, o que torna
impossível a tentativa de segunda reeleição consecutiva. É a lógica
do artigo. O STF, todavia, no RE 366.488/SP firmou o
entendimento que a simples substituição não deve ser computada
para fins de reeleição. O Pretório fez uma interpretação restritiva
do § 5º do art. 14 da CF/88 que foi escrito pelo constituinte
derivado

STF, RE 366.488
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. VICE-
GOVERNADOR ELEITO DUAS VEZES CONSECUTIVAS:
111

EXERCÍCIO DO CARGO DE GOVERNADOR POR SUCESSÃO


DO TITULAR: REELEIÇÃO: POSSIBILIDADE. CF, art. 14, § 5º. I. -
Vice-governador eleito duas vezes para o cargo de vice-governador. No
segundo mandato de vice, sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro
mandato de vice, teria substituído o governador. Possibilidade de
reeleger-se ao cargo de governador, porque o exercício da titularidade
do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão. Somente quando
sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro mandato como
titular do cargo. II. - Inteligência do disposto no § 5º do art. 14 da
Constituição Federal. III. - RE conhecidos e improvidos.

o Para outros cargos (art. 14, § 6º)Quando o chefe do Executivo quer


concorrer a outros cargos, que não o que ele exercia, ele tem que se
desincompatibilizar 6 (seis) meses antes da eleição.

§ 6º - Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os


Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem
renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

• Inelegibilidade reflexa: disposta no § 7º do art. 14:

§ 7º - São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e


os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção,
do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do
Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos
seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e
candidato à reeleição.

o O STF sobre o tema tem a súmula vinculante nº 18. Essa súmula veio
no seguinte contexto: alguns chefes do Executivo estavam se
divorciando durante o mandado para burlar essa norma constitucional.
A súmula vinculante vai justamente contra essa burla.

SÚMULA VINCULANTE Nº 18. A DISSOLUÇAO DA


SOCIEDADE OU DO VÍNCULO CONJUGAL, NO CURSO DO
MANDATO, NAO AFASTA A INELEGIBILIDADE PREVISTA NO
7º DO ARTIGO 14DA CONSTITUIÇAO FEDERAL.

b) Perdas e suspensão dos direitos políticos. A doutrina diferencia perda de


suspensão, sendo a primeira definitiva, e a segunda, temporária. E no que
tange à cassação de direitos políticos (retirada arbitrária), é possível?
Vejamos a redação do art. 15 da CF/88:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou
suspensão só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus
efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
112

• Perda → privação definitiva. Hipóteses:


o Cancelamento de naturalização (inciso I)
o A maioria da doutrina entende que o inciso IV é hipótese de perda.
• Suspensão → privação temporária. Hipóteses:
o Incapacidade civil absoluta (inciso II)
o Condenação criminal transitada em julgado, enquanto duraram os
seus efeitos (inciso III). Até a extinção da punibilidade.
o Escusa de consciência (inciso IV) A partir do momento em que a
pessoa regulariza essa situação pode voltar a exercer os seus direitos
(a lei eleitoral fala em suspensão). A grande maioria dos autores de
Direito Constitucional entende que é hipótese de perda (José Afonso,
Kildare Carvalho, Alexandre de Moraes, etc).
o Condenação por improbidade administrativa. Na sentença deverá
constar a suspensão dos direitos políticos.

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