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Democracia racial: mito ou realidade?

Sem a escravidão a estrutura econômica brasileira não teria

existido. O escravo foi a espinha dorsal da nova economia.

Fazia crescer a riqueza do país, mas pagava com seu suor e

sangue a apropriação de tudo pela aristocracia branca.*

Por Abdias do Nascimento • Versus 16 • novembro de 1977

Genocídio – emprego deliberado de medidas sistemáticas (tais como matar, infringir


danos físicos ou mentais, condições de vida insustentáveis, controle da natalidade)
visando a atingir a exterminação de uma raça, grupo político ou cultural, ou destruição
da língua, religião ou cultura de um grupo.

Webster Third New International Dictionary of English Language, Mass. 1976

O Brasil, como nação, se proclama a única democracia racial do mundo, e grande parte
do mundo a vê e respeita como tal.

Mas, um exame de seu desenvolvimento histórico revela a verdadeira natureza de sua


estrutura social, cultural e política: é essencialmente racista e vitalmente ameaçadora
para os negros.

Através da era da escravidão, de 1530 a 1888, o Brasil levou a cabo uma política de
liquidação sistemática dos africanos.

Desde a abolição legal da escravidão, em 1888, até agora, essa política tem sido levada
avante por meio de mecanismos bem definidos de opressão, mantendo a supremacia
branca isenta de ameaças neste país.

Durante a escravidão, a opressão aos africanos era tão flagrante que mereceu pouca
atenção aqui; eram considerados sub-umanos e forçados a viver na imundície, miséria e
degradação de seu status social. Isso significa negligência médica e higiênica,
desnutrição, sujeição e abuso sexual.
Essa opressão física e econômica resultou na degradação mental e cultural do escravo,
como todos estamos familiarizados. Depois da abolição, os senhores, principalmente os
possuidores das plantações de café nos estados do Sul, recusaram-se a empregar os
negros livres como trabalhadores, dando preferência aos imigrantes europeus brancos.

Assim negavam a seus antigos escravos os elementos mais básicos de subsistência,


acusando-os de indolência e de não terem interesse em levar uma vida produtiva.

Eles ignoravam um fator básico: eles próprios haviam transformado o escravo em


“pouco mais que uma besta e pouco menos que uma criança”, através da exploração
infame, transformando os resultados de sua exploração em argumento contrário a
qualquer possibilidade do escravo ser um homem livre.

Desde os tempos da escravidão, o instrumento mais valioso de genocídio físico e


espiritual da raça Negra tem sido a estrutura do poder político de branqueamento da
população brasileira.

Os testemunhos da orientação, predominantemente racista, são muitos e variados.

Atestam a atitude prevalecente de que a população brasileira era feia e geneticamente


inferior por causa da presença do sangue negro, precisando por essa razão “se fortalecer
através da junção com os valores superiores da raça européia”.

Essa atitude era endossada pela teoria supostamente científica e sociológica, que
fornecia suporte intelectual vital à política da classe dominante.

“O meu argumento é que a futura vitória na luta pela vida entre nós pertencerá aos
brancos”. O escritor José Veríssimo anotou: “Como nos asseguram os etnógrafos, e
como pode ser confirmado ao primeiro olhar, a mistura de raças está facilitando o
prevalecimento da raça superior aqui.

Mais cedo ou mais tarde, irá eliminar a raça negra.

Aqui, isto, obviamente já está acontecendo”.

Estes conceitos racistas também contam com o apoio religioso: mesmo a igreja católica
sustentava que os negros sofriam de “sangue infectado”. A natureza gritantemente racista
das estruturas políticas do poder não é difícil de discernir; durante a administração de
Getúlio Vargas, a 18 de setembro de 1945, através do Decreto-Lei nº 7967, o governo
regulamentava a entrada de imigrantes de acordo com “A necessidade de preservar e
desenvolver a composição étnica da população – as características mais desejáveis de
sua antecedência européia”.

O apoio da subestrutura intelectual e religiosa permitiu à estrutura de poder pôr em


prática essa política em relação a quase todos os aspectos da sociedade brasileira.

Vários níveis e estratégias de dominação se desenvolveram na composição cultural da


sociedade, sendo uma delas a repressão religiosa.

O imperialismo cultural branco, sem máscaras, num movimento de aparentes trocas de


influências, foi rotulado entre os eruditos convencionais de sincretismo religioso. Esta
expressão ignora o fato desse termo ser apenas legítimo se tal troca ocorrer numa
atmosfera de espontaneidade.

De fato, a cultura afro brasileira esteve submetida a uma imposição flagrantemente


violenta de sincretização forçada.

Neste pretensioso conceito de “democracia racial”, apenas um dos elementos raciais tem
qualquer direito ou poder: o branco.

Ele controla os meios de disseminação da informação, os conceitos educacionais, as


definições e valores.

Outro instrumento mortal neste esquema de imobilização e fossilização dos elementos


vitais e dinâmicos da cultura africana é encontrado na sua marginalização como simples
folclore: uma forma sutil de etnocídio.

Na verdade, tudo isso acontece com uma aura de subterfúgios a fim de diluir o seu
significado e fazê-lo extensivamente superficial.

Os conceitos da Europa ocidental e branca dominam a cultura supostamente ecumênica


deste país de negros.

Para esta cultura identificada com o branco, o homem folclorizado é o homem natural,
que não tem história, nem projetos ou problemas: tem só sua alienação, sua privação de
identidade; sua única identidade é sua alienação.
Uma vez que matéria prima é uma não identidade esperando para tomar forma, pode-se
dizer que o folclore negro é a matéria prima que o branco manipula e da qual se
beneficia.

O papel do escravo negro foi crucial para os começos da história e economia política em
um país fundado, como Brasil, sobre o imperialismo parasitário

Sem a escravidão, a estrutura econômica não poderia ter existido.

O escravo construiu as funções econômicas da nova sociedade, curvando e quebrando


sua espinha; seu trabalho foi a espinha dorsal da economia. Alimentava e reunia a
riqueza física do país com seu sangue e suor, apenas para ver os lucros de seu trabalho
apropriados pela força da aristocracia branca. Nas plantações de açúcar e café, nas minas,
nas cidades, o africano era os pés da classe branca dominante, que não se degradava a si
próprio com o trabalho. As ocupações primárias da classe branca dominante eram a
indolência, o culto da ignorância e do preconceito, e a mais debochada luxúria.

Há uma crença generalizada, pregada pelos promotores e beneficiários da escravidão no


Brasil e no resto da América Latina, que, nas colônias espanholas e portuguesas da
América Central, do Sul e Caribe, a escravidão era menos dura que nas colônias inglesas,
principalmente nos Estados Unidos. Muitos autores tentaram sustentar esse argumento
referindo-se ao fato de que havia mais mestiçagem entre espanhóis e portugueses e suas
mulheres escravas, do que havia na sociedade de dominação inglesa. Este fato pretende
provar o maior respeito pelos africanos como seres humanos por parte dos senhores
brancos latino americanos. Historicamente, esta concepção é uma total falsificação. A
brutalidade e as crueldades, exibidas pelos proprietários e mercadores de escravos na
América Latina, foram tão fantásticas e desumanas como em quaisquer outras
encontradas no Novo Mundo. O cruzamento do senhor branco com a mulher africana foi
mero resultado da situação colonial que, aqui, era diferente das colônias inglesas nos
Estados Unidos. Espanhóis e portugueses vieram para o Novo Mundo para fazer fortuna
e voltar à Europa, e por isso deixavam suas famílias em casa, enquanto que os
colonizadores ingleses vieram para o Novo Mundo para construir família. O uso sexual
da mulher africana, para satisfazer o senhor branco na ausência de sua mulher branca,
nada tinha a ver com respeito às vítimas deste estupro enquanto seres humanos

Uma vez que a importação de escravos visava unicamente o lucro, estes estavam
subordinados a uma ideologia que os rotulava de subhumanos ou infra humanos e eram
relegados a um papel na sociedade que correspondia puramente a sua função na
economia de mercado: uma fonte de trabalho. Não havia nenhuma consideração para os
africanos como seres humanos com famílias. A proporção de mulheres para homens
importados estava próxima de 1:5, e mesmo as poucas mulheres que vinham da África
eram impedidas pela força de estabelecer qualquer estrutura familiar estável. Com efeito,
a exploração sexual da mulher negra é uma das mais flagrantes ilustrações do caráter
libidinoso, indolente, avaro da classe dominante portuguesa. O costume de manter
mulheres negras como prostitutas com finalidade de lucro era comum entre estes
senhores, não eram só libidinosos, mas também adeptos da mais vulgar cafetinagem.

O Brasil herdou a estrutura de família patriarcal de Portugal; e o preço dessa herança foi
pago pela mulher negra, e não só durante a escravidão. Mesmo hoje, a mulher negra, por
causa de sua pobreza e falta de status social, é presa fácil e vulnerável da agressão do
homem branco. Fato este que foi corajosamente denunciado no manifesto das mulheres
negras brasileiras, unidas em um congresso nacional na Associação Brasileira de
Imprensa, Rio de Janeiro, 1975.

Esta realidade social é diametralmente oposta ao mito prevalente que promove o


desenvolvimento social do Brasil como um processo fácil de integração. Os homens
portugueses, de acordo com este mito, não tinham preconceito de raça, ao contrário, sua
falta de preconceito lhes permitiu manter uma interação sexual sadia com a mulher negra.
Entretanto, um velho dito deste país, tão popular hoje como há um século atrás,
desmente este mito, denunciando-o como uma falsa concepção estabelecida pela classe
dominante.

O crime sexual da violência, cometido contra a mulher negra pelo macho branco, foi
perpetuado através das gerações pelos seus próprios filhos mulatos, que herdaram o
precário prestígio de seus pais e continuaram a explorar a mulher negra. Em uma
tentativa de aliviar sua própria culpa nesta exploração sexual, a classe dirigente
proclamou o mulato como a chave da solução do problema racial: o começo da
liquidação da raça negra e o branqueamento da população brasileira. Mas, apesar de
qualquer aparente vantagem de status social, a posição do mulato é na realidade
equivalente à do negro: o mulato sofre o mesmo desprezo, discriminação e preconceito
na sociedade branca.

Este processo de exploração sexual resulta em simples genocídio. Com o aumento da


população mulata, a raça negra começou a desaparecer. Esse desaparecimento foi
combinado com os maus tratos e abusos da escravidão, que resultaram em uma taxa de
mortalidade infantil extremamente alta. Em 1870, no Rio de Janeiro, cidade em que a
população escrava era tratada com mais cuidado que em outra parte do Brasil, a
mortalidade infantil era 88 por cento, 1,89 por cento maior do que a taxa de natalidade. A
facilidade de importação e aquisição de novos escravos significava que a classe
dominante perdia pouco tempo, gastava pouco dinheiro e não prestava atenção à saúde e
higiene de seus escravos. Em conseqüência, como mostra Thales de Azevedo, em seu
livro Democracia Racial – ideologia e realidade, o tratamento dos africanos no Brasil era
tão brutal que… “chegado da África – como adulto ou ainda moço – o escravo ao cabo
de sete ou oito anos estava inútil para o trabalho”.

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* Trecho da tese apresentada por Abdias do Nascimento no II Festival de Artes e


Culturas Negras e Africanas (Festac), em 1977.

Disponível em: <https://www.geledes.org.br/democracia-racial-mito-ou-realidade/> Acesso em 12


de agosto de 2019.

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