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Hugo Possolo
Personagens:
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Cena 1
DADO - Calma...
DADO - Quem dera tivesse essa capacidade, mas não estou aqui para
isso... E você sabe que não. Não vou te matar, não sou capaz de te
matar...
DADO - Primeiro, ela não é sua... É do Estado. Você, assim como eu, está
aqui de passagem.
PRESIDENTE - Meu caro, eu não lhe conheço, não sei o que você está
fazendo aqui e já fui muito paciente em suportar essa sua brincadeira de
mau gosto...
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DADO - Gostaria que você fosse menos paciente no seu governo. Quem
sabe assim, as coisas andariam. Soluções seriam dadas, a justiça social
avançaria...
DADO - Viu?
PRESIDENTE - O quê?
PRESIDENTE - Como?
DADO - Enquanto você veio com essa falsa elegância e modos contidos,
eu não me levantei. Agora, você usou expressões conhecidas, populares,
eu diria, quase universais. Daí, eu saltei da sua bela cadeira reclinável
com estofado de couro vermelho e, rapidamente, me coloquei ereto e reto,
respondendo ao seu comando...
PRESIDENTE - Sério?
PRESIDENTE - Quando?
PRESIDENTE - Eu não sei por que raios estou dando atenção para o
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senhor... Há milhares de pessoas que neste exato instante gostariam,
e muito, de ter uma audiência comigo. De falar com o Presidente, de
tirar uma foto ao meu lado, de pedir coisas para si, para sua cidade, um
hospital, mais policiais, um empreguinho numa repartição, verba para uma
hidroelétrica, sei lá!... E eu perco meu precioso tempo dando atenção a
um idiota que invade minha sala, senta-se à minha mesa e acha que pode
fazer gracinhas comigo! Você me respeite! Me respeite! Seu merdinha!...
PRESIDENTE - Como eu sou bobo, meu Deus!... Acreditei que não era
um atentado.
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DADO - Eu vou embora.
PRESIDENTE - Quê?
DADO - Parte do que vim fazer aqui se cumpriu... Fiz um político falar
sinceramente. Você acabou de fazer uma crítica honesta e direta. Olha
só a expressão que você usou: provocativo. E você tem razão. Eu sou
provocativo.
PRESIDENTE - Qual?
DADO - Merda. Acho que é terceira ou quarta vez que você fala merda...
E olha que na boca de um político, merda é muito propício! Chega a ser
óbvio!!!
DADO - Hoje. Quando tinha uns vinte e poucos anos era um boca-suja
dos infernos!...
DADO - Você não foi líder do M.E.? Não discursava nas assembléias
e colocava fogo na estudantada?... Não comia todas as meninas da
faculdade? Depois, virou líder comunitário e tentou ser vereador... Em
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todos esses momentos, eu estava ao seu lado...
DADO - Sim. Pega aquela foto ali atrás... (Aponta alguns porta-retratos
sobre a mesa) Não essa... (Aponta) A outra... (Aponta) Essa!
DADO - Achou!
PRESIDENTE - Você?
DADO - Imagina sem a barba, mais gordo e uns aninhos mais velho...
PRESIDENTE - É parecido...
DADO - Que parecido?! Sou eu, porra... (Aponta outro porta-retrato) Veja
aquela outra...
PRESIDENTE - Não, foi uma briga com minha mulher... Mas funcionou.
DADO - Desculpe, Presidente, mas não tem dois minutos que o senhor se
dizia ameaçado achando que era um atentado e, agora, me convida para
tomar um uísque...
DADO - Exatamente.
PRESIDENTE - Que tal esclarecermos tudo... Eu ficaria mais confortável
sabendo o que você quer e, aí, posso ajudá-lo...
DADO - Metido a galã? Você sempre foi feio... Mas que comia todas,
comia...
DADO - Sei, quando você comeu minha namorada, não estava nem aí por
invadir a privacidade alheia... (Saca um revólver) Você entrou na minha
vida...
PRESIDENTE - Quê?
DADO - Cu, buceta, bosta, puta, pinto, merda... Isso vale ouro! Ouro!
(Aponta o revólver) Repete!
PRESIDENTE - O quê?
DADO (Mais violento) - Repete! Cu, buceta, bosta, puta, pinto, merda...
Vamos!
DADO - Peraí! Como é que você sabe que ela era vesga?...
DADO - Não é possível... Tesão por mulheres vesgas?... Mas que tipo
de gente o senhor é?
DADO - Confesse o que quiser, não sou da imprensa, não estou aqui para
isso, mas que eu estou curioso para caralho, eu estou!
PRESIDENTE - E que a primeira dama nunca fique sabendo... Eu tenho
é tesão por vesgas!
DADO - Tem?
PRESIDENTE - Tenho...
DADO - Jura?
PRESIDENTE - É...
DADO - Deve existir alguma coisa que Freud ainda consiga explicar...
PRESIDENTE - Freud?
DADO - Quê?
PRESIDENTE - Bem, o que explica meu tesão por vesgas é que meu...
Meu pau é pequeno... Pronto! Falei.
DADO - E daí?
PRESIDENTE - Acha?
DADO - Mas também não tenho moralismo nenhum. Para mim, qualquer
festa diverte...
DADO - Sem dúvida. Segundo, não estou aqui por causa de vesguinha
nenhuma... Você nunca me chifrou. Eu só roubei a história de um
companheiro de partido, que tentou se matar porque, na época, você
comeu a mulher dele...
DADO - É. Ele agüentou uma mulher que ele não amava por onze anos e
você estragou tudo...
DADO - Estragou, sim. Ele viveu onze anos com uma mulher que não
amava, por ter medo de ser chifrudo. O cara tinha tanto medo, mas tanto
medo de ser corno que se casou com uma baranga horrorosa só para não
correr o risco. Entendeu?
DADO - Ele não podia imaginar que existiam tarados que têm tesão por
vesgas!
Cena 2
Entra BENEDITO , o garçom, com uma bandeja, que traz duas jarras de
água, dois copos, um bule e duas xícaras de café.
PRESIDENTE - Claro.
BENEDITO - Excelência?
PRESIDENTE - Não, obrigado... Não está reconhecendo ele, Seu
Benedito?
BENEDITO - É. Eu sei.
BENEDITO - Eu sei, não queria incomodar, mas foi a doutora Maria Teresa
do Cerimonial que mandou que eu servisse o café...
DADO - Já sei! Você é daqueles que não gosta das minhas piadas!? (Ri
sozinho)
BENEDITO - De jeito algum... Sou seu fã! (Ri, meio sem jeito)
BENEDITO - Não, senhor. Eu não posso e não quero pegar nada daqui.
Não posso me aproveitar do fato de que convivo com os homens do poder,
com gente famosa, para ter benefícios próprios.
BENEDITO - Tem sim. Quer dizer, não... Talvez, para os senhores não
tenha nada demais. Com licença.
PRESIDENTE - À vontade, seu Benedito. (T) Ah, volte rápido... Não gosto
dessas xícaras e copos espalhados sobre a minha... sobre a mesa da
presidência.
BENEDITO sai.
Cena 3
PRESIDENTE - Não sei que merda que eu fui topar essa sua idéia desses
seus joguinhos para me preparar para as situações mais adversas.
Babaquice! Sempre me safei!... E você? De onde inventou essa história
de Bobo da Corte contemporâneo?
DADO - Porra! Tem dado certo... Sua popularidade nunca mais caiu.
Cena 4
BENEDITO volta.
BENEDITO - Esqueci.
PRESIDENTE - Esqueceu?
DADO - Como?
PRESIDENTE - Ah, ainda bem que não tenho que me preocupar com
mais esse problema...
Cena 5
DADO - Boa! Essa é boa!... Tem ótimo humor, esse garçom. O cara fala de
Shakespeare e limpa os cinzeiros! É um concorrente!...
DADO - Tudo bem, tenho que voltar para a emissora até as oito da noite.
A retransmissora daqui quer fazer um link...
PRESIDENTE - Preço político. Preço político, meu caro... Aqui não se fala
em cifras... É do Cerimonial...
PRESIDENTE - E você acha que, justo eu, não sei como é?...
PRESIDENTE - Funciona?
PRESIDENTE - Quê?
Cena 6
PRESIDENTE (Em tom formal, falando alto) - Claro, Dado, que um apoio
seu, formal, público, evidente, ao projeto Cultura Seleta não entusiasmaria
somente a base aliada, até a oposição iria gostar... Sua presença no
Congresso vai chamar a atenção da mídia.
DADO - Jura?
DADO - Bem, eu a cada sessão... Eu, cada vez que venho aqui, faço
questão de vir de terno...
DADO - Obrigado.
DADO - Sei.
DADO (Para o PRESIDENTE) - Desculpe. Não está mais aqui quem falou.
(para Benedito) Mas um terno importado não é bem lá um uniforme, não
é?
BENEDITO - Meu uniforme pode não ser elegante, mas identifica minha
função melhor que um terno.
BENEDITO - Aqui e somente aqui, é onde devo e posso usar meu uniforme.
Assim, todos compreendem que sou um subalterno. Na rua, por dever e
coerência, uso trajes esporte, modestos, é claro. E também, devo frisar,
que jamais passaria o ridículo de andar de gravata borboleta em plena
Taguatinga.
PRESIDENTE ri.
Cena 7
DADO - Porra!... É tão comum para você fazer de conta que gosta das
pessoas?...
DADO - Taí! Eu sou uma puta! Eu vendo prazeres, tal e qual uma puta...
DADO - Melhor que você!... Você, por exemplo, já beijou uma puta?
DADO - Que cuidado, que nada!... Ela vende o corpo, mas não é boba de
te dar o seu melhor...
PRESIDENTE - Quê?
DADO - Babaquice! Romantismo!... Não tem nada a ver com amor! Não
beija para não te deixar íntimo.
DADO - Eu sei como é. É a mesma coisa comigo, num show ao vivo... Estou
lá, diante da platéia lotada. Eles riem alto, todos juntos, gargalham forte
e eu... Eu que gerei aquele instante de prazer, no fundo, estou solitário.
Ninguém compartilha do que realmente estou pensando, sentindo...
DADO - Eu sou como uma puta. Dou prazer, mas vendo minha
intimidade.
Cena 8
Pega o cinzeiro.
DADO - Seu Benedito, por favor, fale mais dessa sua teoria sobre a
imaginação...
BENEDITO - Não.
DADO - Ah!...
PRESIDENTE - Explique.
BENEDITO - Claro.
DADO - Eee?
BENEDITO - Pergunte.
DADO - E daí?
DADO - Vai me dizer que você se passa pelas pessoas que vêm aqui?
PRESIDENTE - Nunca?
BENEDITO - Não, obrigado. Continuo sem imaginar o que fazer com ele.
DADO - Vai dizer que o senhor não se incomoda com aquelas caricaturas
redondas: o presidente bolacha!
PRESIDENTE - Sei. Sei brincar, sim. Apenas não vejo motivo para me
trancar duas horas por semana com um idiota...
DADO - Profissional!
DADO - Você pode não gostar, mas eu estou me divertindo. Ainda mais
que é uma atividade secreta... Para garantir a Segurança Nacional.
PRESIDENTE - Mas será o Benedito?! Lá vem você com esses caras que
não conheço!... Yorick? Que porra de Yorick é o caralho! Quero que morra!
E se for algum personagem ou alguém já morto que seu esqueleto vire
poeira no infinito da puta madre que te pariu!
DADO - Não é assim. Já fiz muito disso para grandes executivos, faturei
uma grana preta com palestras motivacionais... Gerei relacionamentos...
Construí uma história...
DADO - É! Fez até minutos atrás! Aliás, vive fazendo teatro! Eu vi sua foto
comendo buchada de bode!... Vai dizer que gosta?
Cena 10
PRESIDENTE - Já disse que sim, Seu Benedito. Pode entrar e sair. Aqui
é um lugar público, aberto, transparente, democrático, onde também falta
papel higiênico!...
Seu BENEDITO sai.
Cena 11
DADO - É sim! Na tevê, eu não posso falar merda... Portanto, para mim,
é palavrão!
DADO - Você não sabe a dificuldade que é para uma cara que vive às
custas de palavrão, não poder falar nenhum...
PRESIDENTE - Não, não. Não vem culpar o governo, não. Disso nós
não temos culpa!
DADO - Você era um homem sério. Agora é esse deboche, esse cinismo.
Perdeu a medida.
PRESIDENTE - Não vem não. Você me conhece desde muito bem!...
(Indica o porta-retrato. Tempo) Nunca tive medida.
PRESIDENTE - Você acha que todo mundo nasceu para você poder
ridicularizar.
DADO - Somos risíveis por natureza, meu caro Watson. Mal a gente
nasceu e já batem na nossa bunda. A gente chora. Quando é criança e
faz coisa errada, a mãe bate na bunda e a gente chora. Cresce um pouco,
descobre o amor, leva um pé na bunda e chora. Tenta ganhar a vida,
remar contra a maré, não agüenta o tranco. Só se esfola! Esfola a bunda!
E chora, chora e chora! Até que um dia se vai dessa vida. É enterrado e
vira uma caveira. Ganha um sorriso eterno. Então, eu pergunto: Para que
resistir?...
PRESIDENTE - Resistir?
PRESIDENTE - Se for alguém como o seu ídolo, o Seu Benedito, não vai
rir nunca.
DADO - Pois é. Um cara que não quer imaginar nada para não se
corromper... Nunca que ele olharia aquelas fotos com o mesmo olhar que
você.
DADO - Não era essa a intenção... É que realmente aquele cara das
fotos... Ele existe... Ou melhor, não existe. Ele está em várias fotos, mas
nunca ninguém sabe quem é. Eu até fantasiei que o cara que vai vir te
matar...
Cena 12
BENEDITO - Platão.
DADO - Tudo bem, se for futebol até que o senhor presta atenção...
PRESIDENTE - Resolveu me afrontar, agora?!
DADO - Sei! Gosta dele, mas tem um amor intenso por esta cadeira!
PRESIDENTE - Devo confessar, achei que era um jogo mais fácil... Odeio
quando alguém olha para aquela cadeira... Se pegar um idiota sentado ali,
sou capaz de matar... Estou falando sério.
PRESIDENTE - Óbvio que não, até minha mulher sabe que eu gosto de
uma vesguinha. É gosto. Não se discute... E depois, não precisava tratar
como uma perversão.
PRESIDENTE - É.
PRESIDENTE - É.
DADO - Você não fez exatamente o seu papel, mas uma vaga idéia do
medo que teria se chegasse um invasor, alguém armado confrontando o
seu poder...
DADO - Aquele lixo insere você na História muito mais que aquele bolo de
caricaturas idiotas ali!
DADO - Um bufão... Deixou o palácio e foi trabalhar nas ruas para o povo.
Um Bobo da Corte que fraquejou.
PRESIDENTE - Fraquejou?
DADO - Você olha para o que eu faço com maldade... Não aceita
brincar...
PRESIDENTE - Quê?
DADO olha o PRESIDENTE nos olhos por uns instantes. Dá uma risada
forçada e cínica e, com calma, sai batendo a porta.
DADO - É porque você sabe que vai morrer, que você tem tanta ambição
de poder.
PRESIDENTE (Saca uma arma real) - Tem pessoas que nunca reconhecem
que perderam. Sabe por quê? Porque já não têm mais condições de ver
que perderam.
DADO - Acho, mesmo, que não faz mais sentido vir aqui, inventar
exercícios para que você compreenda melhor o seu poder.
PRESIDENTE - Acho que você brincou com fogo. Vai acordar mijado.
(Guarda a arma) Fique tranqüilo. Eu apenas blefei mais forte: jogo melhor
que você!
DADO - Ou, talvez, a esperança sejam caras como o Seu Benedito. Esse
sabe muitas coisas!
PRESIDENTE - Não sabe muitas, não, mas certamente sabe a pior...
FIM