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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


CAMPUS PETRÓPOLIS

A ATIVIDADE DO OMBUDSMAN FRENTE À


DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS

Cristiano Azevedo de Oliveira

Petrópolis
Junho/2018

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Cristiano Azevedo de Oliveira

A ATIVIDADE DO OMBUDSMAN FRENTE À


DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Estácio de Sá – UNESA, como requisito
parcial para obtenção do título de graduação em
Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo sob
orientação da Professora Doutora Tamara Campos.

Petrópolis
Junho/2018

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A ATIVIDADE DO OMBUDSMAN FRENTE À DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS

Por Cristiano Azevedo de Oliveira

Grau: __________

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________
Professora Doutora Tamara Campos

____________________________________________________________
Professor Mestre Roberto Oto Loureiro de Oliveira

____________________________________________________________
Professor Mestre Fabio Vicente Gonçalves de Queiroz

Petrópolis
Junho/2018

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DEDICATÓRIA

Trabalho dedicado aos grandes mestres da minha vida,


meus pais, Maria do Carmo Azevedo Barroso e Newson
Cruz Barroso, que, mesmo sem possuírem qualquer
graduação ou doutorado, fizeram com que me tornasse
mais que um profissional dedicado, um homem de caráter.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por me conceder o dom da sabedoria, permitindo que


ultrapassasse as diversas barreiras apresentadas no decorrer deste curso. Cada uma destas
barreiras foi muito importante para que eu me tornasse o profissional que sou hoje. Agradeço
muito à minha família que contribuiu, com tudo que pôde, para que todos estes anos fossem
mais leves, apesar das dificuldades, jamais conseguiria sem eles.

Não posso deixar de agradecer a cada um dos mestres aos quais tive prazer de conhecer
e adquirir conhecimento durante todo o curso, em especial, ao Professor Doutor Eduardo
Jorge Nascimento de Oliveira, que, como fazem os verdadeiros professores, inspirou-me para
que optasse pelo jornalismo, mesmo estando matriculado para publicidade. Também agradeço
ao Coordenador do Curso Professor Mestre Roberto Oto Loureiro de Oliveira, que viabilizou
a realização deste sonho, com muita atenção e disponibilidade desde o primeiro contato. Em
especial agradeço à Professora Doutora Tamara Campos que, a partir de uma despretensiosa
ideia inicial, inspirou este aluno, através de sua orientação, apoio e dedicação, a concluir esta
etapa com muita alegria, entusiasmo e fé renovada no jornalismo. Agradeço ao Professor
Mestre Fabio de Queiroz, que, muito gentilmente, aceitou fazer parte desta banca.

Agradeço também à Vanessa Henriques, assistente da ombudsman da Folha de São


Paulo, que me atendeu, de maneira imediata, durante todo o projeto, fornecendo material
relacionado à pesquisa e propiciando que a ombudsman da Folha, Paula Cesarino Costa
participasse efetivamente do trabalho. Agradeço à ombudsman pela disponibilidade e pela
incrível oportunidade de passarmos uma hora conversando sobre suas experiências, foi
fundamental e muito enriquecedor para este trabalho, além de ter sido muito importante para
minha sequência profissional. E à Lola Galán, ombudsman do periódico El Pais, que atendeu
de maneira solícita, e opinou de maneira a abrilhantar o tema proposto, muchas gracias!

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“Cada fato tem sua própria verdade, que abrange muitos
aspectos, nem sempre facilmente perceptíveis no seu todo.
Somente o esforço conjunto e sincero de comunicadores e
receptores pode oferecer uma certa garantia de que cada
evento seja compreendido na sua verdade integral”.

Papa Paulo VI

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RESUMO

A pesquisa se erige a partir de pesquisa bibliográfica e de uma entrevista feita pessoalmente


com a ombudsman da Folha de São Paulo, Paula Cesarino Costa, cuja duração foi de 53
minutos. Além disso, integram o corpus de análise duas fake news cometidas pelo veículo, e
que também foram tema da conversa com a ombudsman: uma notícia falsa dada pelo Twitter
da Folha, em 02 de abril de 2018, e outra a partir de uma colunista da folha que publicou no
título de seu blog uma declaração falsa de uma magistrada, retirada das redes sociais da
mesma, atuando a Folha, como um amplificador dessa notícia falsa, a partir do noticiado no
blog. As notícias falsas sempre existiram, mas foram potencializadas com o desenvolvimento
das tecnologias de informação e comunicação. Quanto mais rápido puder enviar informações,
mais rapidamente teremos notícias falsas, e em maior quantidade. Os estudos apresentados
neste trabalho irão mostrar que a disseminação de fake news é provocada, em grande parte, na
forma de boatos. Apresentaremos os fundamentos da imprensa, das tecnologias de informação
ao longo dos tempos, bem como as teorias relativas às redes sociais, e pesquisas realizadas,
com intuito de analisar o papel do Ombusdman da Folha de São Paulo frente ao fenômeno da
disseminação das fake news nas redes sociais. No combate à disseminação de fake news e à
pós-verdade, a função do ombudsman tem como desafio extra às suas atividades de análise
crítica da produção, alertar à redação para que não caiam em fake news, bem como retratar os
casos publicados por sua instituição em sua coluna aos leitores.

Palavras-chave: Ombudsman. Fake news. Folha de São Paulo. Pós-verdade. Redes sociais.

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO 1 - ENTREVISTA COM A OMBUDSMAN DA FOLHA DE SÃO PAULO .................................. 69

ANEXO 2 - DECLARAÇÃO DA ATUAL OMBUDSMAN DO JORNAL EL PAÍS – ESPANHA .............. 84

ANEXO 3 - COLUNA DA OMBUDSMAN DA FOLHA: "DISTANCIAMENTO HISTÓRICO".............. 86

ANEXO 4 - COLUNA MÔNICA BERGAMO - FOLHA ON LINE 16 MAR. 2018 ..................................... 89

ANEXO 5 - COLUNA MÔNICA BERGAMO - FOLHA IMPRESSO 17 MAR. 2018................................. 91

ANEXO 6 - COLUNA DA OMBUDSMAN DA FOLHA: "DAS REPONSABILIDADES" ......................... 92

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - POSTAGEM DA FOLHA NO TWITTER ................................................................................. 55

FIGURA 2 - POSTAGENS DO CORONEL EDUARDO VILLAS BOAS .................................................... 57

FIGURA 3 - POSTAGEM ORIGINAL DE PAULO NADER, COMENTADA POR MARILIA CASTRO


NEVES.................................................................................................................................................................. 58

FIGURA 4 - TITULO DA COLUNA DE MONICA BERGAMO EM 16 DE MARÇO DE 2018 ............... 59

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I - AS NOTÍCIAS FALSAS NO JORNALISMO ....................................................................... 13

11 - O SURGIMENTO DAS FAKE NEWS ...................................................................................................................... 13


1.2 - A RESPONSABILIDADE JORNALÍSTICA COM A VERDADE .................................................................................. 21
1.3 - A CRIAÇÃO DO OMBUDSMAN E SEU PAPEL NA MEDIAÇÃO PÚBLICO/REDAÇÃO ................................................ 25

CAPÍTULO II - AS REDES SOCIAIS E AS FAKE NEWS ............................................................................ 30

2.1 - OS FUNDAMENTOS DAS REDES SOCIAIS .......................................................................................................... 30


2.2 - A AMPLIAÇÃO DAS FAKE NEWS COM O ADVENTO DAS REDES SOCIAIS NA INTERNET ....................................... 37
2.3 - A ERA DA PÓS-VERDADE E DO FACT-CHECKING .............................................................................................. 42

CAPÍTULO III - A FUNÇÃO DO OMBUDSMAN FRENTE À DISSEMINAÇÃO DE FAKE NEWS....... 48

3.1 - A FOLHA DE SÃO PAULO E O OMBUDSMAN ..................................................................................................... 48


3.2.1 - DISTANCIAMENTO HISTÓRICO - ANÁLISE DE FAKE NEWS PRODUZIDA PELO TWITTER DA FOLHA .................. 54
3.2.2 - DAS RESPONSABILIDADES - ANÁLISE DE FAKE NEWS ORIGINADA A PARTIR DE COLUNA DA FOLHA............. 58

CONCLUSÃO ..................................................................................................................................................... 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................................... 66

ANEXOS .............................................................................................................................................................. 69

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INTRODUÇÃO

O interesse do autor em relação ao tema apresentado se dá no contexto ético que


permeia o fazer jornalístico desde que passou a existir como profissão. E, portanto, uma vez
que notícias falsas podem ser produzidas por qualquer cidadão com um smartphone e internet,
a questão das fake news será analisada com enfoque na atividade jornalística profissional, mas
principalmente em relação à função do ombudsman que é posta à prova com a produção de
fake news pelos profissionais de sua própria instituição.

Com isso, é possível questionar: a partir das mudanças das estruturas comunicacionais
com o paradigma todos-todos, rompendo as formas clássicas de produção e divulgação, onde
qualquer indivíduo pode criar e divulgar uma notícia, como fica o papel do Ombusdman da
Folha de São Paulo frente ao fenômeno da disseminação das Fake news nas redes sociais?

Foram realizadas pesquisas bibliográficas para a coleta de informações que sustentem as


hipóteses que norteiam este trabalho, sendo os principais autores Caio Tulio Costa, O Relógio
de Pascal: a experiência do primeiro ombudsman da imprensa brasileira de 1991, Nelson
Traquina, com o livro Teorias do Jornalismo, de 2005, bem como artigos da professora e
pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas do Programa de Pós Graduação em
Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Raquel Recuero,
tais como: Teoria das redes e Redes Sociais na Internet (2004) e Redes Sociais da Internet
(2009).

Além da pesquisa bibliográfica, o método utilizado foi o estudo de caso da Folha de SP,
um dos únicos veículos do mundo a manter o posto de ombudsman. Foi realizada uma
entrevista, pessoalmente, com cerca de 53 minutos, com Paula Cesarino Costa, a ombudsman
do jornal desde 2016. O objetivo da pesquisa qualitativa, realizada, foi compreender o
fenômeno fake news através da entrevista e também das observações dos atores citados, bem
como, as motivações subjacentes das personagens envolvidas nesta discussão. A partir de
pesquisas realizadas nas plataformas Scielo e Google Acadêmico, verifiquei que, apesar do
tema fake news ser bastante discutido, o questionamento da função do ombudsman frente à
disseminação de fake news é original, não constando nenhuma relação entre a função e o
combate às fake news. Na plataforma Scielo foram encontrados 66 resultados relativos ao

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ombudsman, onde apenas 3 se tratavam do ombudsman nas redações jornalísticas e 1 sobre o
tema fake news. No Google Acadêmico foram encontrados 4180 resultados sobre o tema
ombudsman, grande parte sobre ouvidoria, e 276 resultados para fake news. Em ambas as
pesquisas nada foi encontrado referente ao tema proposto neste trabalho. A pesquisa
exploratória foi importante para entender as tendências referentes ao tema apresentado assim
como as opiniões dos profissionais da área. A ombudsman foi questionada quanto sua função
frente à grande disseminação de fake news atualmente, e foram analisados dois casos de fake
news produzidos pela Folha e que precisaram ser retratados pela ombudsman.

Será possível perceber no primeiro capítulo deste trabalho, através da análise de


diversos historiadores, que as fake news existem desde que o homem aprendeu a se
comunicar, passando pela Anekdota de Procópio da Cesarea (Sec. VI), e que veio a se difundir
com maior frequência a partir do desenvolvimento tecnológico da imprensa, e, também, pela
necessidade econômica/financeira, através da publicação de anúncios, que passaram a existir
na imprensa devido a necessidade de independência dos periódicos com viés político/burguês.

No entanto, fazer das notícias um produto, devido essa necessidade de vender cada vez
mais, culminou na superação do que Traquina (2005) chamou de polo ideológico. O campo
contrário ao polo ideológico é o polo econômico, sem o qual seria impossível se desvencilhar
do periodismo político/burguês. Neste contexto, é necessário analisar as questões éticas que
passam a permear a atividade jornalística. Surge então, a figura principal deste trabalho, o
ombudsman. Inspirados na constituição sueca de 1809, que instituiu o cargo de ombudsman
para acompanhar as decisões políticas, e, principalmente, ser o advogado do povo,
defendendo suas reivindicações e criticando, se necessário as ações políticas de seus
governantes, é que a imprensa americana, em 1967, instituiu pela primeira vez, o ombudsman.

No capítulo seguinte veremos que as redes sociais, aliadas ao desenvolvimento das


tecnologias de informação e comunicação, são os principais meios que, proporcionam a
disseminação das fake news em larga escala, provocando efeitos cascata incalculáveis, devido
ao grande número de conexões possíveis entre os atores de cada rede social. Para isso,
analisaremos os conceitos que conhecemos sobre rede social, segundo Raquel Recuero (2004,
2009) e os modelos de redes sociais citados por outros autores em seus artigos.

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Além dos fundamentos das redes sociais, destacamos o desenvolvimento das
tecnologias de informação e comunicação, desde o telégrafo de Samuel Morse, de 1837, que
mesmo com suas limitadas conexões, pode ter sido a primeira rede social nos moldes que
conhecemos, conectando pessoas e fazendo com que, pela primeira vez, não fosse mais
necessário enviar mensagens fisicamente, através de cartas ou pessoas. Passamos ainda pela
invenção do telefone, que se tornou popular rapidamente, assim como o computador pessoal,
pela criação da internet, até a criação dos smartphones, que, inicialmente, surgiu com a
possibilidade de fazer com que os profissionais executivos tivessem os assuntos de suas
empresas e escritórios sempre à mão. Contudo, o desenvolvimento dos smartphones,
juntamente com a ampliação da capacidade de conexão com a internet de qualidade e o
advento das redes sociais, possibilitou que a produção de notícias com vídeos, áudios e
mensagens pudessem ser criadas e publicadas por qualquer pessoa. Isso fez com que notícias
falsas fossem divulgadas com maior velocidade e com muita facilidade.

No último capítulo, apresentamos o desenvolvimento da Folha de São Paulo, um dos


mais importantes jornais do Brasil, e que inaugurou a sessão do ombudsman com Caio Tulio
Costa. Também serão apresentados trechos e opiniões colhidos durante entrevista realizada
com a atual ombudsman da Folha, Paula Cesarino Costa. A ombudsman relata fatos de sua
rotina na Folha e também aspectos de sua função em relação à questão principal deste
trabalho, a função ombudsman frente à disseminação das fake news.

Além disso, serão analisados dois casos de fake news, produzidos pela Folha, e que
foram retratados na coluna dominical da ombudsman. O primeiro caso trará uma postagem
feita pela Folha em seu perfil no twitter, com informações de 50 anos atrás, sem que esta
diferença temporal estivesse clara para o leitor. A notícia era de cunho militar, e, da maneira
como foi feita, parecia atual. A postagem foi agravada, por postagens de um general, horas
depois, que “confirmava”, de certa forma, o que a postagem da Folha diria, erroneamente,
antes. O segundo caso é da declaração de uma desembargadora do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro, colhida em um perfil de facebook por uma conceituada jornalista,
sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro, no entanto, ao descrever
as informações, checadas por ela, não destacou, como deveria, que se tratava de mentiras.

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CAPITULO I

AS NOTÍCIAS FALSAS NO JORNALISMO

A disseminação banalizada de fake news é muito provavelmente um dos temas mais


discutidos nas redações atualmente. Este capítulo trará as maneiras como as fake news se
desenvolveram desde os primórdios da humanidade até os dias de hoje, com a ampliação da
disseminação com o desenvolvimento tecnológico e o advento das redes sociais, observando
também as graves consequências da produção de fake news.

Além da análise do objeto fake news, o capítulo I também abordará as questões éticas e
a responsabilidade do jornalismo com a verdade, e apresentará a função do ombudsman como
responsável por fazer a mediação público/redação, bem como fazer a autocrítica dos jornais, e
garantir, de certa forma, a isenção na produção jornalística, zelando pela credibilidade dos
meios que representam.

1.1 - O Surgimento das Fake news

A história da imprensa no mundo remonta ao século VIII, no oriente, com a criação dos
blocos de impressão, antes mesmo dos tipos móveis de Gutemberg, já no século XI. Porém,
em entrevista à Folha de São Paulo, o historiador Robert Darnton (2017), diz que desde o
século VI as notícias falsas (fake news como serão tratadas aqui) já eram difundidas com o
intuito de denegrir uma imagem ou disseminar uma inverdade. Darnton (2017) cita Procópio
de Cesareia (séc. VI), famoso escritor da história do império de Justino para exemplificar:

Procópio escreveu um texto secreto, chamado Anekdota, e ali ele espalhou


fake news, arruinando completamente a reputação do imperador Justiniano e
de outros. Era bem similar ao que aconteceu na campanha eleitoral
americana (VICTOR, 2017).

A tradução literal do grego, Anekdota significa “o que não foi publicado”. Hoje o
derivado em português desta palavra é bem próxima da original, a “anedota”. Segundo o
dicionário Michaelis (2018), anedota é um breve relato histórico ou fato curioso, geralmente
relacionado com a vida de personagem célebre ou lendário. Com o decorrer dos anos, os

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escritores passaram a incluir elementos textuais que fizessem com que as anedotas ficassem
mais interessantes e, em muitos casos, mais engraçadas, no intuito de divertir.

Edward Gibbon (1828 apud Villon, 2013) ressalta que a publicação ou divulgação de
fake news denigrem não só ao sujeito implícito na produção noticiosa, mas também ao próprio
produtor que perde credibilidade, e Gibbon (1828) em relação a Anekdota de Procopio
conclui: “Essas vergonhosas variações mancham sem dúvida a reputação de Procópio e
prejudicam a confiança que ele poderia inspirar” (Gibbon, 1828, p. 212-213).

O pontífice da igreja católica, o Papa Francisco (2018), em sua mensagem para o 52º
Dia Mundial das Comunicações Sociais – 20181, disse que a primeira fake news está no livro
de Gênesis, no capítulo 3 da Bíblia Sagrada, quando a serpente (forma figurada de Lúcifer)
utilizou dos mais maquiavélicos artifícios da inverdade e da persuasão para, de algum modo,
desacreditar as ordens do criador e somente assim conseguir “vender” sua verdade à Eva.

No fim do século XV, o filósofo inglês Francis Bacon (apud Briggs e Burke, 2002),
disse que a imprensa, a pólvora e a bússola mudaram todo o aspecto e o estado das coisas no
mundo. Porém este relativo triunfo foi contrariado pelo que foi chamado por Briggs e Burke
(2002) de narrativas catastróficas, devido às dificuldades que teriam com a ampliação na
dissipação das informações, até então restritas. Em apenas 50 anos após a invenção dos tipos
móveis de Gutemberg, 8 milhões de livros foram impressos. Quantidade amplamente superior
ao que os escribas haviam feito desde o início do império romano. Estima-se que os escribas
tenham produzido cerca de um milhão de documentos durante três milênios (POZZER, 1999,
p. 72). Para o clero, o maior problema era o fato de a população das classes mais baixas da
sociedade ter acesso às escrituras e poder então avaliar e tirar suas próprias conclusões. Tal
preocupação deixa evidente que à época já se produziam editoriais opinativos, geralmente
atrelados aos interesses políticos e econômicos do clero e principalmente do império.

Em 1660, Sir Roger L’Estrange, censor-chefe de livros da Inglaterra, questionava se a


invenção de Gutemberg traria mais males ou vantagens ao mundo cristão (Briggs e Burke,
2002, p.26). Em 1672, o poeta inglês Andrew Marvell também indagava a teórica paz
1
Cf. <https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/papa-
francesco_20180124_messaggio-comunicazioni-sociali.html>. Acesso em: 13 Mar. 2018.

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resultante do conhecimento disseminado em larga escala (Briggs e Burke, 2002, p. 26).
Marvell, assim como nos dias de hoje na internet, percebeu já naquele tempo, a dificuldade da
sociedade em lidar com um grande número de informações provenientes de muitos lugares
distintos, cabendo aos leitores crer no escrito. Contudo, o historiador vitoriano Lorde Acton
(1895) conclui:

Os impressos deram a certeza de que as obras do Renascimento


permaneceriam para sempre, de que aquilo que fora escrito seria acessível a
todos, que a não-divulgação de conhecimentos e idéias característica da
Idade Média jamais ocorreria de novo, nem mesmo uma idéia seria perdida
(ACTON, 1895 apud Briggs e Burke, 2002, p. 27).

Ainda no século XV surgem as primeiras gazetas e pasquins, alguns com caráter


político/informativo e outros com revés mais noticioso/sensacionalista. A partir destes é que
no século XVII surgem os primeiros jornais com publicações de forma periódica.

O século XVIII foi da consolidação e ampliação da imprensa jornalística, independente


do caráter proposto pelos meios, em geral noticiosos e tendenciosos à direita ou esquerda,
conforme sua linha editorial. Alguns periódicos ingleses, como o The Times, fundado em
1785, ainda trazem as mesmas características até os dias de hoje. Neste período os jornais
eram praticamente restritos à burguesia, que deles fazia uso para discutir sobre o governo e
para interferir na vida pública da sociedade. Contudo, aos poucos as classes minoritárias
(trabalhadores, mulheres e estudantes) também passaram a se interessar pelos jornais, o que
contribuiu amplamente para que o século fosse marcado por grandes revoluções (francesa e
americana), insuflados pela burguesia emergente do iluminismo, e que demandou uma
mudança no comportamento editorial da época. Esta mudança por parte da imprensa era
necessária, pois ainda que a maior parte da população não conseguisse distinguir as notícias
verdadeiras das fake news, os leitores mais atentos passaram a exigir maior fidelidade aos
fatos. Neste ponto, entendendo as fake news não necessariamente como uma notícia falsa, mas
uma maquiagem para fazer com que a notícia ficasse mais interessante para o leitor.

Segundo Nelson Traquina (2005) a partir do século XIX, os jornais passam a ser
encarados como um negócio, a partir do qual poderia se obter lucros. Para render lucros era
necessário que os jornais fossem consumidos e, para tal, a população precisava ser
alfabetizada e os jornais deveriam ser feitos com qualidade e serem atrativos. Isso colaborou

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para a necessidade de profissionalização do jornalismo. Portanto, com a revolução industrial,
o iluminismo, e com a invenção do telégrafo por Samuel Morse a partir de 1837 (colaborou
para a criação do lead como elemento técnico do jornalismo, dinamizando o envio de
informações básicas para todos os locais do mundo), aliados à formação educacional, gerou-
se um público ávido por conhecimento, curioso e carente de informação sobre a sociedade.
Não apenas político/econômico, mas também diário, cultural e global.

Traquina (2005, p.35) diz ainda que a produção em busca de lucros gerou uma imprensa
mais sensacionalista, a Yellow Press (imprensa amarela), que usava de artifícios para tornar as
notícias mais atraentes, aguçando a curiosidade dos leitores e a fim de vender mais jornais.
Contudo, devido ao maior número de periódicos circulando, possibilitando comparações, e
com a ampliação do conhecimento literal neste período, as informações passam a ser mais
facilmente confrontadas, embora nem sempre confirmadas.

Com a criação de um novo jornalismo, a chamada penny press, os jornais


são encarados como um negócio que pode gerar lucros, apontando com
objetivo fundamental, o aumento das tiragens. Com o objetivo de fornecer
informação e não propaganda, os jornais oferecem um novo produto – as
notícias, baseadas nos “fatos” e não nas “opiniões” (TRAQUINA, 2005,
p.34).

No fim do século XIX, o jornalismo sensacionalista passou a protagonizar os periódicos


americanos da época (entre eles New York World e The New York Journal, ambos extintos
em meados do século XX), a Yellow Press, chamada no Brasil de “imprensa marrom” para
denominar a parte da imprensa que usava dos mais diversos artifícios para vender jornal. Esta
“imprensa marrom” não só trazia informações de forma exagerada de maneira sensacionalista,
mas também publicavam fake news. Segundo Danilo Angrimani (1995, p. 22) a guerra entre
Estados Unidos e Espanha, em 1898, pelo domínio de Cuba, Porto Rico e Filipinas, foi fruto
de produção de fake news dos jornais de New York. O repórter James Creelman
(ANGRIMANI, 1995, p. 23 apud EMERY, Michael, 1954) conta que foi enviado um
ilustrador a Cuba para apurar as informações e enviar ilustrações sobre a guerra. No entanto, o
repórter nada encontrou e informou que voltaria aos Estados Unidos. Contudo, seu chefe,
Willian Randolph Hearst, proprietário do jornal, disse: “Por favor, fique. Você fornece as
ilustrações e eu consigo a guerra” (ANGRIMANI, 1995, p. 23). Com isso, após mais uma
devastadora consequência de fake news, percebeu-se que sensacionalismo e fake news andam
em sentido contrário à credibilidade.

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O surgimento de novos meios de comunicação a partir do século XX como o rádio e a
televisão, a comercialização da informação e a profissionalização dos jornalistas foram os
grandes responsáveis para o desenvolvimento do jornalismo no século, e inclusive abrindo
novas fronteiras para o jornalismo online (TRAQUINA, 2005, p;33). A alfabetização da
sociedade, a urbanização e a revolução industrial foram peças fundamenteis e muito
colaboraram para a expansão do jornalismo, ampliando as possibilidades de transmissão e
alcance das notícias em escala global.

Foi com a utilização destas novas tecnologias, neste caso em especial o rádio, através de
uma fake news, das mais bem produzidas, que se originou a segunda guerra mundial. Em
1939, Hitler arquitetou um plano para difundir a notícia que daria a ele o pretexto para invadir
a Polônia. Ordenou aos seus soldados que pegassem alguns presos de guerra no campo de
concentração próximo à fronteira da Polônia com a Alemanha e que providenciassem que
estes presos estivessem vestidos com os trajes do exército polaco. Aplicaram uma injeção
letal nos presos e os levaram até uma rádio alemã, próxima a fronteira com a Polônia.
Também vestidos com o uniforme polonês, os alemães invadiram a rádio alemã, renderam o
locutor e pouco conhecendo do idioma polonês, anunciaram aos microfones da radio para que
toda a Alemanha ouvisse nas suas residências que haviam tomado o controle da cidade,
ocasionalmente interrompido por tiros segundos antes de encerrar a transmissão, e com isso
deixando todos em pânico. Em seguida se desfizeram das roupas do exército polonês, e
deixaram os corpos dos poloneses, já com marcas de tiros, dentro da rádio para que fossem
fotografados e então pudesse ser divulgado nacionalmente que a Polônia havia atacado à
Alemanha. O objetivo, de incriminar os poloneses e iniciar a guerra funcionou, no entanto,
dois dias após, a farsa foi descoberta. O evento ficou conhecido como Incidente de Gleiwitz
(Ladislas, 1961, p.10-14).

No Brasil, em 1983, a Revista Veja repercutiu uma reportagem publicada pela


revista britânica New Scientist, de um mês antes aproximadamente. A reportagem informava
com entusiasmo a recente descoberta que faria com que um tomate fosse modificado
geneticamente e reforçado com células de gado que possuía uma polpa muito mais nutritiva e
tinha “um futuro promissor na alimentação de pessoas”, conforme declaração de Ricardo
Brentane, engenheiro genético da USP à época. O produto era chamado de Boimate. Neste
caso, originalmente não se tratava de uma fake news, mas sim uma brincadeira de 01 de abril

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da revista inglesa que a Veja caiu sem checar as fontes e sem mesmo notar as dicas deixadas
na publicação original, publicando então um fake news. Trinta e cinco anos após a barriga
boimate, a Veja publicou na edição de 14 de março de 2018, um manifesto contra as fake
news, no qual reafirma a sua responsabilidade com as notícias que publica.

Outro exemplo clássico de fake news produzido no Brasil é o da Escola de Educação


Infantil Base, em São Paulo. Em março de 1994, diversos meios de comunicação, provocados
pela declaração do delegado Edélcio Lemos referente à uma queixa prestada por duas mães de
alunos, noticiaram que os donos da escola (Maria Aparecida Shimada e Icushiro Shimada),
promoviam orgias sexuais na casa de outro casal, pais de um dos alunos, e que, além destes,
também estariam envolvidos o motorista que dirigia a Kombi que levava as crianças para casa
e uma professora. A partir desta declaração, em um período de marasmo na imprensa, após o
vácuo deixado pós-cobertura do Impeachment do ex-presidente Collor, um estouro de fake
news, em todos os termos, começou a surgir. A Rede Globo através do Jornal Nacional
chegou a sugerir o uso de drogas e a contaminação das crianças pelo HIV; O jornal Notícias
Populares, editado pelo grupo Folha, dizia que a kombi que transportava as crianças era
utilizada como motel na escolinha do sexo; O Estadão também publicou o “fato” e após
algumas das crianças serem levadas à casa do suspeito Richard Harrod, denunciado
anonimamente; uma delas brincou com um brinquedo de pelúcia que estava na casa. Foi o
suficiente para o Estadão e a Folha da Tarde, publicarem que os alunos reconheceram a casa
do americano, o que resultou na prisão do mesmo. Dias depois descobriu-se que Richard
sequer conhecia os outros acusados e foi inocentado. Quando as primeiras provas de
inocência começaram a surgir o delegado titular foi afastado e assumiram Jorge Carrasco e
Gerson de Carvalho, e em 20 dias do início do caso, todos os acusados foram inocentados. A
partir daí os veículos de comunicação passaram a se retratar, mas o estrago já estava feito e os
danos eram irreparáveis. A escola foi depredada e fechou, os acusados tiveram suas vidas
arruinadas em todos os sentidos, e as crianças com trauma eterno por passar por exames de
corpo de delito à procura de algo que não aconteceu. Os principais veículos do país
noticiaram o “fato”: Rede Globo, Tv Bandeirantes, SBT, Folha de São Paulo, O Estado de
São Paulo, Editora Abril, entre outros. Todos os veículos foram condenados a pagar
indenizações aos acusados. Em 2006 as indenizações já ultrapassavam 8 milhões de reais.

Ambos os casos citados acima, mas especificamente o da “escola Base”, devido às

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gravíssimas consequências produzidas aos envolvidos e pela ampla cobertura jornalística,
contribuíram para que a imprensa em geral, mudasse os rumos do jornalismo no Brasil,
lidando de maneira mais rigorosa e ética com a produção e apuração das notícias, se
responsabilizando mais com a verdade e com a informação dos fatos.

Apesar das fake news terem surgido antes mesmo do próprio termo, esta categoria ganha
expressividade após o advento das redes sociais online, no fim da primeira década do século
XXI. Orkut2, Facebook3 e Whatsapp4 ampliaram o poder instantâneo de disseminação e
recepção de notícias.

Segundo dados das próprias instituições, as redes sociais mais populares (facebook,
whatsapp e instagram5) possuem atualmente 4,4 bilhões de usuários em todo o mundo, e,
excluindo os perfis falsos ou inativos, pelo menos metade da população global estaria
conectada de alguma forma. A disseminação de notícias foi elevada a outro patamar com o
desenvolvimento tecnológico dos smartphones, deixando as notícias em tempo real na mão de
cada um destes usuários. Além disso, os smatphones permitem, de maneira simples, a edição
das notícias (em áudio, texto e vídeo) e sua conexão com a internet possibilita a veiculação
imediata e simultânea em diversas redes sociais. Traquina (2005) ressalta a importância do
poder de decisão estar nas mãos dos jornalistas e alerta para os problemas que podem surgir
quando as notícias são disseminadas sem o profissionalismo e responsabilidade necessários:

O desenvolvimento de um campo jornalístico autônomo tem como fator


crucial a profissionalização das pessoas envolvidas na atividade jornalística
em que é revindicada a autoridade e a legitimidade de exercer um monopólio
sobre o poder de decidir a noticiabilidade dos acontecimentos e das
problemáticas. Perder esse monopólio é pôr em causa a independência do
jornalismo e a competência dos seus profissionais (TRAQUINA, 2005,
p.181).

Porém, com os smartphones, a velocidade de publicação, o poder de disseminação na


palma da mão dos usuários, o público atingido superou qualquer expectativa antes imaginada,

2
Orkut, rede social da Google, de interação por perfis online, iniciada em 2004 e desabilitada em 2014 após ser
ultrapassada pelo facebook dois anos antes e decair na preferência dos usuários. Chegou a ter 43 milhões de
usuários.
3
Facebook, rede social de interação por perfis online, similar ao Orkut, possui atualmente cerca de 2,13 bilhões
de usuários.
4
Whatsapp, rede social de troca de mensagens possui atualmente 1,5 bilhão de usuários.
5
Instagram, rede social de postagem instantânea de fotografias com 800 milhões de usuários atualmente.

19
aumentando o número de fake news criadas e difundidas. Essa disseminação é característica
das redes sociais, pois os meios de comunicação consolidados como rádio, TV e mídias
impressas possuem maior credibilidade e responsabilidade com a sociedade em geral
conforme demonstra o estudo realizado pela empresa de pesquisas Kantar Ibope Media em 04
países (Estados Unidos da América, Brasil, Reino Unido e França) divulgado pela Folha de
São Paulo em 31 de outubro de 2017. A pesquisa mostra ainda que 44% dos 8.000
entrevistados checam as informações das redes sociais pela TV e 42% pelo rádio.

A disseminação, que podemos pensar em termos de “compartilhamento” de fake news


nas redes sociais, podem causar situações irreversíveis ou, no mínimo, criar grandes
transtornos, tanto para os que são parte do objeto compartilhado quanto para os produtores e
também para os que compartilham. Muitos países já possuem leis a respeito. No Brasil a
Câmara dos Deputados analisa proposta (PL 6812/17) que torna crime a divulgação ou
compartilhamento de notícia falsa ou “prejudicialmente incompleta”.

Como exemplo do quão prejudicial pode ser uma fake news, a revista Veja em 15 de
março de 2017, publicou no blog “Me engana que eu gosto” (atual ferramenta da revista para
checagem de supostas fake news) o caso de Leandro dos Santos de Paula, que foi agredido
verbalmente durante uma entrevista anos antes pelo então governador Sergio Cabral, hoje
preso por corrupção. A conjunção da fake news neste caso foi simples: Leandro, suposto
desafeto de Cabral, citado na fake news como atual carcereiro onde Cabral está preso, viria a
gerar uma trama de vingança. História banal se Leandro não morasse em uma das áreas mais
violentas do estado do Rio de Janeiro, local controlado por traficantes conhecido como Faixa
de Gaza. Apesar de não ser carcereiro, Leandro passou a correr risco de morte, tendo em vista
que os traficantes não toleram que nenhum representante militar more na comunidade.

As fake news foram tema central nas eleições americanas de 2016, aliás quando o termo
ficou mundialmente conhecido e difundido por Donald Trump, então candidato à presidência
do Estados Unidos, e no Brasil há indícios da utilização de fake news nas eleições de 2010 e
2014, conforme reportagem da BBC Brasil, de 09 de março de 2018 e existe uma grande
preocupação em relação às eleições de 2018. Para Ivan Paganotti, doutor em Comunicação
pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pesquisador
do MidiAto/ECA-USP, em entrevista ao Observatório da Imprensa em 30 de outubro de

20
2017, as fake news afetam diretamente a credibilidade dos meios de comunicação e
consequentemente os processos democráticos, e conclui:

Nos dados empíricos que temos sobre isso, é difícil colocar se já houve um
impacto palpável sobre a democracia. Porém, a médio e a longo prazo isso
cria uma desconfiança nas instituições. Se a gente perde a credibilidade nos
meios de comunicação, que são um elemento importante na hora de compor
a nossa democracia pelo fato de a esfera pública ser intermediada por esses
meios, pelos quais os cidadãos se informam, estará sendo erodida uma parte
importante da democracia. Isso vale também para os meios alternativos,
como blogs e meios satíricos (BRITO, 2017).

As fake news, em geral, são criadas com intuito persuasivo e finalidade variada, mas
normalmente em benefício de algo ou alguém. A partir daqui inicia-se a era da pós-verdade6 e
da necessidade de checagem sistêmica das informações recebidas.

1.2 - A responsabilidade jornalística com a verdade

Segundo o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, no parágrafo II do Art. 2º “a


produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por
finalidade o interesse público”. Ou seja, a notícia deve ser verídica, ter fundamentos que
comprovem sua veracidade e que tenha por finalidade a informação pública e esclarecimento
do fato, sendo este o compromisso fundamental do jornalista, conforme o Art. 4º do Código
de Ética que cita ainda a necessidade da correta divulgação dos fatos. No entanto, é na
contramão destes artigos, que as fake news se proliferaram nos últimos anos. Para Mino Carta
(2011 apud Pereira, 2008), jornalista ítalo-brasileiro, a verdade factual é uma só, e o ato de
omitir a verdade ou de falsear as notícias de alguma forma, afetam a verdade de maneira que
jamais será recuperada integralmente.

O jornalista tem uma responsabilidade muito grande. Isso não o torna uma
personagem especial [...]. Mas, ao mesmo tempo, sempre com esse
distanciamento crítico, em relação a si próprio, o jornalista tem que ter
consciência da sua responsabilidade. Ele presta um serviço público, um
serviço que pode ter efeitos muito profundos e muito graves. Dentro desse
senso de responsabilidade cabe a ideia de que a tarefa do jornalista é elevar o
leitor, iluminar o leitor (CARTA, 2003, p. 207-208 apud PEREIRA, 2008, p.
100).

6
O conceito de pós-verdade será tratado na seção 2.3

21
A responsabilidade jornalística, por sua necessidade fundamental de levar a verdade às
últimas consequências, está diretamente ligada à ética. De acordo com o dicionário Aurélio, a
ética é “o estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de vista do
bem e do mal”, bem como um “Conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta
do ser humano” (Ferreira, 2005, p. 383).

Eugênio Bucci (2000, p. 31) diz que: “A discussão ética só produz resultados quando
acontece sobre uma base de compromisso. Se uma empresa de comunicação não se submete
na prática às exigências de busca da verdade e do equilíbrio, o esforço de diálogo vira
proselitismo vazio”. Bucci (2000) conclui que não faz sentido discutir ética se não colocar em
questão os padrões de convivência da sociedade, individualmente, em relação ao trato com a
informação de interesse público e com a notícia. Quando Bucci diz “padrões de convivência
da sociedade”, ele se refere especificamente às relações entre jornalistas, patrões e
corporações que veiculam as informações, sendo que os interesses da sociedade é que devem
orientar esta relação.

Para Francisco José Karam (1997), é necessário distinguir ética, moral e deontologia.
Karam (1997) diz que ética e moral tem significados parecidos: o de “caráter”, “costume”,
“maneira de ser”, e já a deontologia significa “o que deve ser”. Ou seja, a deontologia rege
um conjunto de normas que ditam como um profissional deve agir, e está diretamente ligada à
moral, aos conceitos de certo e errado, bem como aos conceitos éticos adquiridos pelo caráter
de cada indivíduo. A ética deve estar atrelada à atividade profissional jornalística diária e deve
ser aplicada principalmente no que se refere ao principal atributo de uma produção
jornalística: o de verdade. Zelar pela verdade na atividade jornalística resulta em manter a
credibilidade do meio junto ao público.

Contraditoriamente, e de maneira provocativa, Bucci (2000, p. 77-78) afirma que: “Ser


ético, enfim, é uma questão de mercado – concepção que se acha em perfeita sintonia com a
ideia de que os mecanismos de mercado são suficientes para indicar as vias do bem comum”.
E cita Assis Chateaubriand como exemplo de jornalista que ficou rico por seu talento, mas
também por atitudes nada éticas. Segundo Bucci (2000) Chateaubriand publicava artigos com
intuito único de denegrir a imagem de suas vítimas, chantageando-as e fazendo com que, de
maneira quase que ditatória, obrigasse os envolvidos a anunciar nos Diários Associados ou até

22
mesmo fazer doações para suas campanhas políticas (Bucci, 2000 apud Morais, 1994).
Contudo, Bucci (2000) conclui que não é possível haver ética enquanto houver conflito de
interesses, e exemplifica que para jornalistas de política e economia é inaceitável aceitar
passagens aéreas, almoços por conta das fontes, etc, mas que para jornalistas de turismo, por
exemplo, é absolutamente normal, deixando a ética pautável ao entendimento individual e não
ao senso comum. O certo ou o errado é relativo a uma atribuição de valores adquiridos,
segundo os conceitos e consciência formada de cada indivíduo durante toda a sua vida.

Um fato que ajuda a explicar a dificuldade de pensar ética em jornalismo é o fato da


área ser relativamente nova, com sua deontologia também muito recente, já que o primeiro
código de ética é datado de 1900, na Suécia. Em 1918 a França homologou o seu código de
conduta e em 1939 a comunidade internacional de jornalistas adotou o seu código de honra
profissional (Traquina, 2005, p.88).

Contudo, além da criação dos códigos de ética, e com o desenvolvimento do processo


jornalístico, também foram criados elementos que poderiam legitimar e comprovar a
veracidade das informações noticiadas. Para Traquina (2005), entre estes elementos, estão os
critérios de noticiabilidade e os valores-notícia7, e conclui:

Assim, os critérios de noticiabilidade são o conjunto de valores-notícia que


determinam se um acontecimento, ou assunto, é suscetível de se tornar
notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em
matéria noticiável e, por isso, possuindo “valor-notícia” (TRAQUINA, 2005,
p. 63).

Para Michael Shudson (apud Peixinho; Araujo, 2017), a sociedade não mais acreditava
puramente nas informações, mas sim nas regras e procedimentos criados, pois naquele
momento “até os fatos eram postos em dúvida. Esta imprensa, ao sustentar estratégias,
epistemologias e técnicas, produziu um modo de falar que contribuiu para que ela própria se
legitimasse como detentora de saber sobre os modos de produção do acontecimento”
(Shudson apud Peixinho; Araujo, 2017, p. 112). No entanto, apesar de continuar com o
controle do processo produtivo, o jornalista constrói seu ponto de vista através das regras,

7
Valores-notícia são as qualificações que permitem a classificação da notícia como mais ou menos importante, e
com isso definir como e em que sessão será publicada. Os valores-notícia de seleção, por exemplo, segundo
Traquina (2005), podem ser de: Morte, notoriedade, proximidade geométrica e cultural, relevância, novidade,
tempo, notabilidade, insólito, inesperado, conflito ou controvérsia, infração, disponibilidade e concorrência.

23
sendo mais passivo em relação ao acontecimento e à linha editorial de sua corporação. Para
Jorge Pedro Souza (1999 apud Baptista, 2013, p.3), as rotinas produtivas “são os processos
convencionalizados e algo mecanicistas de produção de alguma coisa que, sem excluir que
determinadas pessoas tenham rotinas próprias ou que a cultura e o meio social afetem essa
produção, me parece obedecerem essencialmente a fatores socio-organizacionais”.

No entanto, mesmo com as várias normas criadas para regrar a produção de notícias, a
inserção da publicidade no jornalismo, para financiar/custear seu funcionamento, passou a
influenciar diretamente na produção de notícias. Para Traquina (2005, p.36) “o
desenvolvimento da imprensa está relacionado com a industrialização da sociedade e com o
desenvolvimento duma nova forma de financiamento, a publicidade”. Traquina (2005)
conclui que o jornalismo transformou-se num negócio com o intuito de obtenção de lucros e
com o objetivo central de ampliar cada vez mais a circulação dos jornais.

É importante ressaltar o que Traquina (2005, p.125-126) passa a tratar como polos
econômico e ideológico. O polo econômico vê a notícia como mercadoria, como algo que
deve dar lucro e que tem a indústria gráfico-editorial inserida no jornalismo. Já o polo
ideológico trata a notícia como um bem público, elemento fundamental da teoria democrática.
Para Martins e Luca (2008, p.104) o poder econômico sempre se impôs ao idealismo e os
empreendimentos que não eram mantidos por publicidade simplesmente desapareciam.

O idealismo, porém, quase sempre sucumbia diante das exigências do


mercado, condenando ao desaparecimento as pequenas folhas e as revistas
sem estrutura econômica segura. Nesse particular, a questão do
financiamento revelava-se decisiva. A publicidade e o sistema de venda de
assinaturas procuravam garantir o empreendimento (MARTINS; LUCA,
2008, p. 104).

Porém, mesmo com a criação destes elementos que se desenvolveram juntamente com o
jornalismo ao longo dos anos, a sociedade sempre questionou a principal característica do
jornalismo de qualidade: a isenção. Nesta época, segundo Gilson Santos (2005) devido à
veiculação de anúncios que não cumpriam com o prometido (como anúncios de remédios
milagrosos, por exemplo) a publicidade não tinha boa reputação, e isso fazia com que as
pessoas pensassem que, qualquer empresa que anunciasse teria qualidade duvidosa.

24
Foi nesse contexto de necessidade de provação da idoneidade, e com a finalidade de se
destacar dos demais, que o jornal americano LouisVille Times e o Courier Journal (Kentucky
– Estados Unidos), em 1967, implementaram uma importante ferramenta ao jornalismo: a
função do “ombudsman”. Segundo Caio Tulio Costa (2006, p.16), o primeiro ombudsman na
imprensa latino-americana, “o conceito surgiu na Suécia, em 1713, e acabou se oficializando
na reforma constitucional sueca de 1809. Definia o funcionário nomeado pelo governo para
ouvir as queixas dos cidadãos contra os serviços ineptos e os desmandos da burocracia”.

Na imprensa o papel do ombudsman surgiu com o mesmo sentido, dar ouvidos e


respostas ao cidadão, defender os anseios dos leitores dentro da redação, e fazer críticas ao
próprio jornal quando necessário. Em seguida a função do ombudsman se expandiu na
imprensa e também foi adotada na Europa e América Latina. No Brasil apenas a Folha de São
Paulo e o jornal O Povo de Fortaleza mantém a função até os dias de hoje.

1.3 - A criação do Ombudsman e seu papel na mediação público/redação

A palavra ombudsman possui origem escandinava e tem como significado principal


“aquele que representa” ou “representante do homem”, como cita Caio Tulio Costa (2006,
p.15), uma espécie de “ouvidor-geral”. Segundo Helga Maria Saboia Bezerra (2011) apesar de
os termos da função terem sidos pensados anteriormente, na república romana, o cargo foi
instituído na Suécia no século 19, após a queda da monarquia, em 1809, já em sua primeira
constituição, devido ao grande número de queixas sobre a conduta burocrática.

Baseando-se na teoria de Montesquieu, dividiu o poder entre o Executivo, os


Tribunais e o Parlamento, prevendo a existência de um Justititeombudsman
(J.O.), que era apontado por este último com poderes para supervisionar a
administração pública e judicial e para perseguir aqueles que falhassem no
cumprimento de seus deveres oficiais (REIF, 2004, p. 5 apud BEZERRA,
2011, p. 50).

Em sua origem, o ombudsman tinha como principal atribuição controlar os atos do


governo, combatendo qualquer excesso, defendendo a aplicação da constituição e os direitos
da sociedade primordialmente. Bezerra (2011, p.50) conclui que a função ficou restrita à
Suécia por um longo período e que somente ao término da Primeira Guerra Mundial que se
estendeu, ainda no conceito de ouvidor, para os países nórdicos e depois para o restante do

25
mundo e “terminada a segunda guerra mundial cresce a preocupação por garantir os direitos
humanos e dar voz ao cidadão” (Bezerra, 2011, p. 51). Com isso, a partir dos anos 60, vários
países da Europa implementaram o conceito de ombudsman, assim como os Estados Unidos,
que passavam por um momento de escândalos políticos, e que sofria com a falta de
credibilidade do governo, criando um ambiente ideal para implementar da função.

O que começou como um expediente provisório tornou-se um elemento


permanente da Administração sueca. O tempo passou, a monarquia cedeu
lugar à democracia representativa e o Parlamento passou a ter seu próprio
supervisor da conduta administrativa (GELLHORN, 1966, p. 195 apud
BEZERRA, 2011).

Dar ouvido à sociedade era algo tão importante para legitimação da verdade que a
função do ombudsman evoluiu e não era mais apenas governamental, mas principalmente
setorizado, como ouvidor específico das instituições. Então surgiram ombudsmans8
especializados nas áreas militares, administrativas, jurídicas e também da imprensa (Costa,
2006, p.16). A função migrou ainda para as instituições e corporações privadas, com a
finalidade de demonstrarem transparência no atendimento, apesar de sua concepção não
permitir vínculos com corporações (Bezerra, 2011, p.55). Em resumo, o ombudsman é o
profissional que tem a incumbência de atender à sociedade em nome da instituição que
representa, recebendo suas críticas, suas sugestões e reclamações, bem como solucionar os
problemas apresentados. Segundo Bezerra (2011), o ombudsman “atua motivado por queixas
do público em geral, que tem no ombudsman um meio de defesa nos casos de má
administração ou inclusive de excesso no cumprimento dos deveres administrativos”
(Bezerra, 2011, p.55).

Em meio a uma das maiores crises dos Estados Unidos da América, no período do caso
Watergate (que culminou na renúncia do presidente Richard Nixon em 1974), é que o
Louisville Times e o The Courier Journal, pertencentes à um só proprietário, em 1967,
inseriram o ombudsman na imprensa jornalística. No entanto, o The Washington Post foi o
primeiro jornal de relevância nacional a inserir a função em 1970. Segundo Costa (2006), o
primeiro ombudsman John Herchenroeder realizava apenas críticas internas e foi o The
Washington Post com o jornalista Richard Harwood que teve a “ousadia de combinar crítica
interna e pública” (Costa, 2006, p.49-50).

8
Cf. plural sugerido pela Folha de São Paulo a Caio Tulio Costa. O correto seria ombudsmen, do inglês.

26
O The Washington Post manteve a função de 1970 até 2013, quando anunciou que não
mais teria o ombudsman em seu quadro técnico. No entanto, em 12 de setembro de 2017, o
próprio Post publicou o artigo “Bring back the ombudsman” (Trazer de volta o ombudsman)
de David Ignatius (2017) sobre a necessidade de aumentar a credibilidade jornalística devido
ao grande volume de fake news produzidas e veiculadas, principalmente a partir das eleições
presidenciais de 2016, quando o então candidato Donald Trump, utilizou de esquemas de fake
news, descobertas recentemente, em sua campanha presidencial. Ignatius (2017) conclui em
seu artigo que o papel do jornalista não é o de criar amizades, mas sim, responsabilizar
indivíduos e poderosas instituições.

Como podemos ampliar a confiança pública? Uma abordagem que as


organizações de notícias adotaram algumas décadas atrás, quando tinham
mais dinheiro para gastar e menos críticas independentes, era criar um
ombudsman interno ou editor público para representar leitores e
telespectadores. A maioria das grandes organizações de notícias, incluindo o
The Post e o New York Times, abandonaram seus ombudsmen na última
década. Isso foi um erro, eu acho (IGNATIUS, 2017).

Na América Latina, coube à brasileira Folha de São Paulo, ser a primeira a incluir o
ombudsman nas redações jornalísticas. Caio Tulio Costa, jornalista e doutor em comunicação
pela Universidade de São Paulo era correspondente da Folha em Paris e foi o escolhido para
assumir a função em junho de 1989. O diretor de redação da Folha, Otavio Frias Filho, estava
convicto de implantar a função desde 1986, após verificar o sucesso do periódico americano
The Washington Post e do espanhol El País, lá conhecido como “El defensor” (o defensor).

Quando o ombudsman se efetivou no Brasil, a credibilidade do jornalismo impresso era


menor que a do rádio e, portanto, ter alguém que pudesse cuidar para que as notícias tivessem
a isenção necessária passou a ser uma prioridade para os meios de comunicação, pois os
jornalistas se importavam muito em defender suas opiniões, esquecendo o essencial: a
exatidão das notícias (Costa, 2006).

Para Caio Tulio Costa (2006, p. 22) a tarefa principal do ombudsman é ouvir e
investigar as reclamações. Antes do advento da internet os atendimentos eram feitos por
cartas enviadas à redação ou até mesmo recebendo os leitores no gabinete. Os jornais
concorrentes e revistas eram seu material de apoio para comparação das notícias e fontes. Em
geral o ombudsman tem por obrigação verificar as informações truncadas, notícias mal

27
explicadas ou exageros de interpretação Destas análises resultavam críticas diárias, com
aproximadamente duas a três laudas datilografadas, que eram repassadas por volta de meio-
dia para a redação, sucursais e correspondentes (Costa, 2006, p.23-24).

A fim de dar a devida blindagem, necessária à função, o ombudsman se dirigia apenas


ao chefe de redação ou diretamente ao diretor do jornal, levando sempre que possível uma
sugestão de solução para o problema apresentado. É importante ressaltar que a presença do
ombudsman contribuiu para a construção de um espaço de interação público/redação.

Costa (2006, p.22) conta que Nelson Blecher, jornalista da folha à época da inserção
da função, passou um dia inteiro em sua sala e observou a carência da sociedade em se fazer
ouvir. Blecher inclusive salientou a necessidade de aumentar o número de ombudsmans.

É uma experiência impressionante descobrir que o leitor se recusa a ser um


número estatístico. Ele subitamente emerge do anonimato para proclamar
sua afetividade pelo jornal, estabelecendo com o ombudsman um pacto
transferencial de cumplicidade. O ombudsman conforma-se à projeção
recebida. Ele é a Folha personificada, aquela amiga íntima de celulose que
se junta ao café da manhã para segredar as notícias do Brasil e do mundo
(COSTA, 2006, p. 22).

Para a Organization of News Ombudsmen – ONO (Organização dos Ombudsmans de


Imprensa) cada ombudsman trabalha de uma determinada maneira, mas que, em geral,
monitoram, através das técnicas profissionais, as matérias produzidas por suas redações com o
intuito comum de obter “justiça, precisão e equilíbrio”. A ONO, em sua “declaração de
missão9”, relata as atividades relacionadas ao ombudsman:

 Dedicar-se a proteger e melhorar a qualidade do jornalismo, incentivando o discurso


respeitoso e verdadeiro sobre as práticas e propósitos do jornalismo;
 Promover a transparência dentro de sua corporação jornalística;
 Proteger a liberdade de imprensa e promover o jornalismo responsável e de qualidade;
 Receber e investigar reclamações sobre reportagens em nome do público;
 Sugerir as ações mais adequadas para solucionar as questões apresentadas;
 Por ser independente, o ombudsman deve atuar diretamente no interesse do público;

9
Cf. <http://newsombudsmen.org/about-ono>. Acesso em: 05 Abr. 2018.

28
 Permanecer completamente neutro e justo;
 Se abster de participar de qualquer atividade que possa criar conflito de interesses;
 Explicar os deveres e obrigações do jornalismo para o público;
 Mediar entre as expectativas do público e a responsabilidade dos jornalistas.

Para Costa (2006, p.30), para assumir a função de ombudsman é necessário ouvir mais
do que apenas escutar, é preciso dar uma atenção, além da normal, ao que está sendo dito pelo
leitor; É preciso ter perdido a inocência mas mantendo, de certa forma, a ingenuidade, e
acreditando que a bondade ainda existe; Que as pessoas erram mas que ainda possuem
capacidade de corrigir seus erros; Ser capaz até de “pensar contra si próprio”.

29
CAPITULO II

AS REDES SOCIAIS E AS FAKE NEWS

Neste capítulo abordaremos os principais fundamentos das redes sociais e os elementos


que contribuíram para que pudessem transformar estas redes, ou sites de redes sociais, em
uma nova e alargada esfera pública. Também serão abordadas as teorias relativas às redes
sociais como: teoria das redes sem escalas, teoria das redes aleatórias e teoria dos mundos
pequenos, destacadas pela autora Raquel Recuero (2004).

Além dos fundamentos e teorias relativas às redes sociais trataremos também o conceito
de pós-verdade, exemplificado através das eleições presidenciais americanas em 2016.
Veremos ainda a necessidade de provação da verdade das notícias através de ferramentas de
checagem profissional das informações, o fact-checking.

2.1 - Os fundamentos das Redes sociais

O conceito de rede segundo Nicolas Curien (1988, p. 212 apud Santos, 2006, p.176) é
"toda infra-estrutura, permitindo o transporte de matéria, de energia ou de informação" e
Milton Santos (2006) acrescenta que “a rede é também social e política, pelas pessoas,
mensagens, valores que a frequentam. Sem isso, e a despeito da materialidade com que se
impõe aos nossos sentidos, a rede é, na verdade, uma mera abstração”. Portanto, é necessário
entender que os atores são fundamentais para a constituição das redes sociais.

No entanto, para tratarmos das redes sociais, da forma como conhecemos nos dias
atuais, é necessário pensar em conexão global. E para isso precisamos retornar até a invenção
do telégrafo em 1837 por Samuel Morse, pois somente a partir daí é que o mundo começava a
se conectar e a se comunicar diretamente, sem a necessidade de que as mensagens fossem
enviadas fisicamente por mensageiros, levando dias, semanas ou até mesmo meses para
chegar ao receptor. O telégrafo transmitia mensagens codificadas através de sinais elétricos
que imprimia pontos e traços (o código Morse), que deveriam ser decodificados pelo receptor.
Em 1851 foi inaugurada a primeira linha pública de telégrafo entre Reino Unido e França. Em
1858 foi instalado o primeiro cabo transatlântico entre a Europa e os Estados Unidos. Era o

30
início do que Tom Standage (1998) batizou como “internet vitoriana” (Ugarte, 2008, p. 23).
Para David de Ugarte (2008) essas conexões foram importantes para que esses três países
formassem um bloco econômico que perdura até os dias de hoje, pois havia unificado as
bolsas de valores, miscigenado os povos e teria dado início à primeira globalização e também
ao imperialismo. Ugarte (2008) conclui que o poder desta conexão tríade se sobressaiu à
rivalidade comercial competitiva entre os países. Contudo, os recursos do telégrafo eram
limitados e a ampliação tecnológica era uma necessidade inevitável, o que demandou um
grande espaço de tempo entre esta primeira topologia de redes e a segunda, desenvolvida a
partir das necessidades governamentais e econômicas.

Ao final da segunda guerra mundial, o mundo havia desenvolvido


inteiramente a forma descentralizada que subjazia como possibilidade no
telégrafo. De fato, doravante as comunicações superariam o telégrafo. As
próprias necessidades da guerra e das empresas, para a gestão de um mundo
globalmente descentralizado, levariam ao desenvolvimento de novas
ferramentas para o processo de informação (UGARTE, 2008, p. 26).

Com o desenvolvimento tecnológico, a partir de 1865, o pantelégrafo passou a


transmitir imagens. Somente 11 anos depois, em 1876, é que Alexander Graham Bell
patenteou o telefone, capaz de transmitir sons e a voz humana através de sinais elétricos. A
invenção do telefone foi a derivação tecnológica pós-telégrafo, com maior impacto no
desenvolvimento do processo de comunicação entre os governos, empresas e a própria
sociedade em escala global. Após a invenção se espalhar pelo mundo, e estar disponível não
só para o governo e empresas, mas disponível também para os lares é que se globalizou a
comunicação definitivamente, permitindo uma comunicação rápida, eficaz e de qualidade
entre as pessoas.

Contudo, somente em 1944, durante a segunda guerra, no Bletchley Park na Inglaterra,


é que o matemático Alan Turing, estimulado pela necessidade de decodificação dos dados
alemães, desenvolveu o que pode ser considerado como o primeiro computador, Colossus
(Ugarte, 2008). E a partir da máquina de Turing é que surgem os fundamentos da informática
moderna, acelerando o processamento de dados e informações, e transmitindo textos, áudio e
imagens, através de sinais elétricos que resultavam em dígitos binários formando através
destes um código com a informação desejada. No entanto, apesar da alta capacidade de
processamento dos computadores, Ugarte (2008) conclui:

31
Para a eclosão de todo esse sistema alternativo de produção de
conhecimento, seriam necessárias duas coisas: o surgimento de ferramentas
pessoais de computação e uma rede global distribuída de comunicações entre
elas. Isto é: o PC10 e a Internet (UGARTE, 2008, p. 29).

Portanto, mesmo com todo o poder de processamento, se os computadores não


estivessem à mão do usuário, seriam incapazes de resultar benefício, em termos de
comunicação, à sociedade global. O computador precisaria ser popular como o telefone e
deveriam também estar interconectados de alguma forma. Apesar de tentativas anteriores das
empresas Apple, Osborne e Mits, de produzir um PC, com as características desejáveis para
um usuário comum, o primeiro PC, com estas características, surgiu apenas em 1981,
fabricado pela IBM, e tinha como finalidade estar presente não só em grandes empresas, mas
também no dia-a-dia doméstico e no lazer.

Em 1969 já existia uma rede computadores nos Estados Unidos, chamada Arpanet,
restrita a laboratórios de pesquisa americanos ligados ao comando Militar, permitindo a troca
de mensagens entre os computadores. Em 1982 o uso da Arpanet se difundiu no âmbito
acadêmico e posteriormente se expandiu para alguns países da Europa como Holanda,
Dinamarca e Suécia, passando a se chamar Internet, mas ainda restrita ao uso
acadêmico/governamental. Somente em 1987 foi liberado o uso comercial da internet nos
Estados Unidos e em 1992 começaram a surgir empresas provedoras de internet ao usuário
final. No mesmo ano o Laboratório Europeu de Física de Partículas criou a World Wide Web
que é utilizada até os dias de hoje para disponibilizar informações aos usuários da internet11.
Manuel Castells (1999) ressalta a importância histórica das mudanças originadas pelas
evoluções tecnológicas, principalmente com o desenvolvimento da computação e o advento
da internet:

Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação


começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado.
Economias por todo o mundo passaram a manter interdependência global,
apresentando uma nova forma de relação entre a economia, o Estado e a
sociedade em um sistema de geometria variável (CASTELLS, 1999, p. 39).

10
PC - Personal computer ou computador pessoal.
11
Cf. <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u34809.shtml>. Acesso em: 23 Abr. 2018.

32
Segundo pesquisa divulgada em 26 de maio de 2015 pelo portal G112, em 2000, apenas
6,5% da população mundial estava conectada à internet. Atualmente cerca de 53% da
população mundial tem acesso à internet13. E apesar de já termos trocas de emails desde 1971,
somente em 1997 é que surgiram os primeiros sistemas específicos para trocas de mensagens
instantâneas com os chats online (sites de bate-papos) como o AOL, e mais efetivamente com
o programa de troca de mensagens MSN, criados respectivamente pela America On Line e
Microsoft. O MSN já era uma efetiva rede social, de acordo com os padrões atuais onde cada
usuário adiciona outros usuários à sua rede pessoal. Para Ygor Campos (2016, p. 9), a
implementação destes sistemas de conexão social é basicamente “adaptar variações de
necessidades sociais do nosso dia-a-dia para as plataformas digitais e conectadas”, e conclui:

Se analisarmos a história das redes sociais mais populares existentes hoje,


percebemos que a necessidade por trás de seu uso já existia muito antes da
criação da internet. Por isso, quando um aluno ou candidato te segue em uma
rede social, ele está emitindo uma necessidade clara: ele precisa se informar
mais sobre sua instituição de ensino. Mas cada rede social tem suas
particularidades, e, por isso, reflete uma necessidade específica de sua
comunidade acadêmica – seja ela busca por informação, relacionamento,
oportunidades de trabalho, etc (CAMPOS, 2016, p. 9).

Atualmente várias redes sociais estão disponíveis aos usuários na internet, entre as mais
conhecidas estão: Facebook, Twitter, Whatsapp, Instagram e Linkedin14. Somadas chegam a
4,2 bilhões de usuários em todo o mundo. O número de usuários (ou atores como é chamado o
elemento participante) de redes sociais é superior ao número de pessoas conectadas à internet
devido à duplicação de perfis e também à criação de perfis falsos que usam estas “máscaras”
para utilização da rede com intuito de transitar anonimamente ou disseminar fake news.

As redes sociais que conhecemos são segundo Raquel Recuero (2009), na verdade, sites
de redes sociais. Os sites são espaços utilizados para expressão das verdadeiras redes sociais,
compostas por seus atores, ou seja, o site é o espaço público virtual do processo para interação
de seus atores, no entanto, sem estes, inexiste. Como exemplo disso podemos citar o Orkut
que sucumbiu após ver seus milhões de usuários migrarem para outras redes.

12
Cf. <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2015/05/mundo-tem-32-bilhoes-de-pessoas-conectadas-internet-
diz-uit.html>. Acesso em: 23 Abr. 2018.
13
Cf. https://www.tecmundo.com.br/internet/126654-4-bilhoes-pessoas-usam-internet-no-mundo.htm> Acesso
em: 23 Abr. 2018.
14
Linkedin, rede social de compartilhamento de currículos com experiências profissionais.

33
Embora os sites de redes sociais atuem como suporte para as interações que
constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes sociais. Eles podem
apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é importante salientar que são, em
si, apenas sistemas. São os atores sociais, que utilizam essas redes, que
constituem essas redes (RECUERO, 2009, p. 103).

Para Recuero (2004) analisando as redes sociais à luz da sociologia, baseada na teoria
de grafos (que procura analisar o grupo como todo e não o indivíduo pertencente a este ou
àquele grupo), a relação entre duas pessoas seria a menor estrutura relacional da sociedade.
Esta estrutura relacional, chamada díade, faria com que o crescimento das redes sociais
acontecesse de forma ocasional, quando um ou outro ator conhecido se relacionasse com
outro par. No entanto, a citada autora diz que o foco de análise de estrutura relacional para as
redes sociais seriam as tríades, onde atores distintos possuem outros atores em comum e,
portanto, teriam maior possibilidade de fazerem parte do mesmo grupo/rede. Recuero (2004,
p. 3) conclui que a interação é o principal fundamento para estabelecer as relações humanas
entre os atores, originando as redes sociais, e resume: “em uma rede social, as pessoas são os
nós e as arestas são constituídas pelos laços gerados através da interação social”.

Rede social é gente, é interação, é troca social. É um grupo de pessoas,


compreendido através de uma metáfora de estrutura, a estrutura de rede. Os
nós da rede representam cada indivíduo e suas conexões, os laços sociais que
compõem os grupos. Esses laços são ampliados, complexificados e
modificados a cada nova pessoa que conhecemos e interagimos (RECUERO,
2009, p. 4).

As redes sociais podem ser discutidas baseadas em três teorias e modelos segundo
Recuero (2004): Redes aleatórias, Mundos pequenos e Redes sem escalas. No modelo de
redes aleatórias Recuero (2004 apud Watts, 2003, 1999; Barabási 2003 e 2002; Buchanan,
2002) exemplifica as conexões realizadas durante uma festa, onde basta que cada um dos
convidados se conecte com outro para que ao final da festa todos estivessem conectados de
alguma forma. Durante as conexões são gerados o que os autores chamam de cluster, um
grupo de pessoas conectadas e, seguindo este modelo “uma festa, portanto, poderia ser um
conjunto de clusters que de tempos em tempos estabeleciam relações com outros grupos”
(Recuero, 2004, p. 4).

Na teoria dos “mundos pequenos”, todas as pessoas estariam conectadas em algum


nível, como se de fato tivéssemos em um mundo pequeno (Recuero, 2004 apud Dégene e

34
Forsé, 1999; Buchanan, 2002; Barabasi, 2003 e Watts, 2003). Para Recuero (2004), neste
modelo de rede, os laços (links entre atores) fracos são mais importantes que os laços fortes
para a manutenção das redes sociais. Enquanto os laços fracos estão dispostos a conhecer a
tudo e a todos, fazendo conexões aleatórias e em muitas vezes efêmeras, os laços fortes estão
mais conectados às famílias e amigos mais próximos, mantendo seu grupo mais restrito e
formando clusters mais isolados, o que em algum momento poderia deixar de ser rede e se
tornar uma ilha. Para Recuero (2004, p. 5) as conexões nas redes sociais “não são
simplesmente randômicas, existe algum tipo de ordem nelas”.

No modelo das “redes sem escalas” Barabási (2003 apud Recuero, 2004) demonstra que
as conexões não são realizadas de forma aleatória, e que existia lógica nessa estruturação,
tanto quanto leis específicas para tal. Este padrão de estruturação era chamado de rich get
richer (ricos ficam mais ricos) exemplificando o fato de que quanto maior o número de
conexões um ator tiver maior a probabilidade de gerar novas conexões. No entanto, vale
ressaltar que a ideia de conexão preferencial é característica fundamental desta teoria, e
pressupõe que os atores que possuem mais conexões (chamados hubs) tendem a ter mais
conexões e os que possuem menos conexões tendem a se conectar aos hubs.

As redes sociais funcionam através da interação social, segundo Recuero (2004),


conectando pessoas e proporcionando, a partir dela como meio, a comunicação, podendo até
ser utilizados para criar falsos laços sociais. Em geral, o espaço público das redes sociais na
internet é composto por milhões15 de perfis de usuários com vastas informações sobre si,
normalmente conectados através da internet por computadores ou aplicativos para tablets e
smartphones. Os atores utilizam estes espaços para conexão com outros atores (amigos,
amigos de amigos, etc), divulgação de fotos, troca de mensagens, propagação de notícias,
vídeos e os mais diversos tipos de conteúdo de acordo com cada grupo envolvido. Os atores
podem ser pessoas ou até mesmo instituições.

Recuero (2004) ressalta que estes modelos foram desenvolvidos de maneira teórica e
testados em computadores, e conclui que “no mundo real, as redes costumam exibir um grau
de distribuição (conectividade) variado, que não necessariamente funcionam num modelo ou

15
Cf. O facebook ultrapassou a marca de 2 bilhões de perfis em 2018. Disponível em:
<http://link.estadao.com.br/noticias/empresas,facebook-chega-a-2-13-bilhoes-de-usuarios-em-todo-o-
mundo,70002173062> Acesso em: 26 Abr. 2018.

35
outro”. O facebook é um exemplo da teoria dos mundos pequenos. Os perfis de amigos são
divulgados entre os amigos dos amigos, as conexões se aproximam e se multiplicam.
Enquanto isso os laços fracos normalmente aceitam as conexões dos hubs para aumentar sua
rede, buscando normalmente, mais popularidade. No entanto, também pode se enquadrar na
teoria das redes sem escalas de Barabasi (2003) uma vez que quanto maior o número de
conexões o perfil tiver, mais valioso ele é para ampliar a divulgação das informações
desejadas, ou seja, “os ricos ficam mais ricos”.

A grande interação dos atores nas redes sociais fez com que os sites/aplicativos se
transformassem em uma nova esfera pública ampliada pelo desenvolvimento tecnológico com
os computadores e smartphones. E é importante ressaltar que as tecnologias da informação e
comunicação (TICs) acompanharam este desenvolvimento tecnológico, desde o telégrafo até
os dias de hoje, se adaptando aos novos meios. O advento da internet fez com que se passasse
a ter em um só meio todas as outras mídias: impresso, rádio e TV. O volume e a velocidade de
compartilhamentos de informações pelas redes sociais é amplamente superior a tudo que
existiu até então, formando uma nova esfera pública, disponível à maioria da sociedade, e
com espaço para que todas as classes possam discutir e emitir suas opiniões.

Esta nova esfera pública se mostra alargada em relação a outros modelos como a
burguesa e política, por exemplo, devido à amplitude de possibilidades abertas aos seus
integrantes, possibilitadas pelo incremento das TICs, não mais restritas às condições de
aceitação impostas pelo poder burguês/literário/governamental. Para Habermas (1984, p. 42),
a esfera pública burguesa era regulamentada pela autoridade, e tratava-se de um ambiente
aparentemente inclusivo, mas apenas para a burguesia, pois um grande número de cidadãos de
outras classes estavam fora desse contexto.

Contudo, neste novo contexto de esfera pública, os cidadãos que nem sempre teriam
oportunidade de expressar suas opiniões, ganham espaço e liberdade de expressão nas redes
sociais. Podendo, através de uma simples postagem, divulgar sua ideologia política ou opinião
pessoal sobre determinado assunto. E até mesmo, criticar quaisquer postagens de outros
usuários ou de uma organização política ou privada, resultando em uma esfera pública mais
democrática e menos centralizada, uma vez que a possibilidade de produção, réplica e
emissão está nas mãos de cada um dos integrantes das redes.

36
2.2 - A ampliação das fake news com o advento das redes sociais na internet

Conforme explanado nos capítulos anteriores, as fake news, da forma como são
maquiadas ou com intuito de denegrir e de ganhar vantagem, pelos mais diversos motivos,
existem desde que podemos falar e se tornaram uma preocupação global devido à grande
facilidade de se produzir e compartilhar informações após o advento das redes sociais aliadas
ao desenvolvimento dos smartphones.

Em estudo publicado pela revista americana Science16, em 09 de março de 2018, o


Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), demonstra que as novas tecnologias da
informação e comunicação (TICs) não só guiam, mas também facilitam o rápido
compartilhamento de informações em larga escala. Permitindo, portanto, a propagação do que
chamam em seu estudo de “desinformação”, considerando como fake news as informações
imprecisas, enganosas ou com uma distorção intencional da verdade.

O MIT utilizou a rede social “Twitter” como base para análise geral. Entre os principais
resultados encontrados está o fato de as fake news serem até 70% mais compartilhadas que as
notícias verdadeiras. Ou seja, para cada 10 notícias recebidas em uma rede social, até 7
podem ser falsas ou, no mínimo, imprecisas. Durante os estudos, os testes foram feitos com e
sem a influência de bots (robôs que simulam perfis e que disseminam informações
automaticamente nas redes sociais), utilizando algoritmos capazes de identificá-los e eliminá-
los dos cálculos finais da pesquisa, quando necessário. Contudo os resultados encontrados em
ambos os casos foram muito próximos e o MIT concluiu que as fake news se espalham de
maneira mais ampla que as verdadeiras, independente das estruturas de rede, devido,
principalmente, às características do comportamento humano. Quando utilizam os bots, o
sendo de percepção, natural os humanos, não existe, e simplesmente disseminam as
informações conforme seu algoritmo determina. Já os humanos são mais propensos a crer em
mensagens que aguçam suas percepções, e compartilham sem checar as fontes, pois tendem a
dar maior atenção, mesmo que intrinsecamente, ao curioso e sensacionalista, impulsionando a
disseminação de fake news, de maneira quase que automática. Esta percepção é característica
da indústria da pós-verdade, conceito que será tratado na seção 2.3.

16
Cf. <http://science.sciencemag.org/content/359/6380/1146/tab-pdf>. Acesso em: 30 Abr. 2018.

37
Grande parte das fake news é proveniente de boatos, e que, fomentados por seus atores a
cada compartilhamento, circulam próximo à realidade, para que se pareçam com a verdade,
mesmo sem serem de fato. O caso da distribuição gratuita de vacina contra o câncer pelo
Hospital Sírio Libanês é um exemplo. Abaixo, a íntegra17 da mensagem que circulou pelo
whatsapp em 2009:

“Vacina contra o Câncer. Essa eu repasso com maior prazer, e espero que você faça o
mesmo, repasse a todos os seus contatos. Vacina Anti-câncer rins e pele. Boas notícias são
para partilhar. Já existe vacina anti-câncer (pele e rins). Foi desenvolvida por cientistas
médicos brasileiros, uma vacina para estes dois tipos de câncer, que se mostrou eficaz, tanto
no estágio inicial como em fase mais avançada. A vacina é fabricada em laboratório
utilizando um pequeno pedaço do tumor do próprio paciente. Em 30 dias está pronta, e é
remetida para o médico oncologista do paciente. Nome do médico que desenvolveu a vacina:
José Alexandre Barbuto, Hospital Sirio Libanês, Grupo Genoma. Telefone do laboratório:
0800-7737327 – (falar com Dra. Ana Carolina ou Dra.. Karyn, para maiores detalhes)
http://www.vacinacontraocancer.com.br/ Isto sim é algo que precisa ser repassado........
Alguém pode estar precisando!!!!! Por favor, divulguem esta vitória da medicina genética
brasileira!!!! Repassem”.

Esta mensagem é fruto de mistura de informações. O Hospital Sírio Libanês ao perceber


esta disseminação, divulgou nota18 informando que não estava distribuindo vacinas e que
apenas havia auxiliado na pesquisa para desenvolvimento da vacina. A mensagem teve
origem19 através de uma reportagem da Revista Época, de 11 de abril de 200520, que trazia
como notícia a “Primeira vacina contra o câncer, desenvolvida no Brasil, interrompe o avanço
da doença em 80% dos pacientes com melanoma ou tumores de rim”. Portanto, contrariando a
mensagem “viralizada” em 2009, a vacina não cura nem elimina a necessidade de tratamentos
convencionais. O médico responsável é, de fato, o Dr. José Alexandre Barbuto, mas do
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, não do Hospital das Clínicas,
e o medicamento que custava em torno de R$ 3.500,00 à época da reportagem, é
comercializado pelo grupo Genoa, não Genoma como citado. É nítida a inclusão de
“coincidências” entre a notícia de 2005 e a mensagem de 2009, para que a mensagem fique
próxima à realidade. A mensagem de 2009 pode ter sido fabricada como boato para incentivar
a interação, ou como fake news baseada em boatos sem a devida checagem das fontes, ou com
o intuito de recolher dados dos usuários através de vírus disseminados pela mensagem.

17
Disponível em: <http://www.tribunapr.com.br/noticias/brasil/boato-de-whatsapp-hospital-esclarece-que-cura-
do-cancer-ainda-nao-foi-descoberta/>. Acesso em: 09 Mai. 2018.
18
Cf. <https://www.hospitalsiriolibanes.org.br/imprensa/notas/Paginas/default.aspx>. Acesso em: 09 Mai. 2018.
19
Investigação das origens da mensagem realizada pelo autor deste trabalho.
20
Cf. <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT943232-1664,00.html>. Acesso em: 09 Mai. 2018.

38
Para Luiz Carlos Assis Iasbeck (2000, p. 7) “os boatos se espalham tal como as notícias
se espalhavam nas civilizações orais”. Em geral, as notícias “fecham” e concluem
determinado assunto ou fato, a ponto de não deixar qualquer possibilidade de dúvida, sem
relacionar os elementos periféricos da notícia. Em contrapartida, os boatos trazem todos os
elementos periféricos possíveis, acrescidos da visão de cada um que o repassa, fazendo da
notícia um espetáculo. Na maioria das vezes essa “espetacularização” resulta numa
deturpação da notícia, transformando-a em uma desinformação ou fake news, mas que, ao
mesmo tempo, criam amplos debates nas redes sociais.

O efeito da notícia é, portanto, redutor, tal como reconhecem Hanno Beth e


Harry Pross, porque ao afirmar algo a mensagem se reduz a confirmar muito
menos aspectos do que aqueles que exclui. Ao noticiar, por exemplo, que
nenhuma mulher havia desaparecido em Orleáns, a imprensa local,
devidamente escorada pelas investigações policiais, extinguiu toda e
qualquer possibilidade de o boato prosperar. E ninguém duvida de que o
boato era mais rico e surpreendente do que a notícia que o aniquilou. Se a
notícia é redutora e excludente, o boato é complexo e includente. Por isso,
ambas as formas trabalham em sentidos radicalmente diferentes: enquanto o
boato tende a se alastrar, a notícia tende a murchar, atrofiando as
possibilidades interpretantes do ambiente ao qual se reporta (IASBECK,
2000, p. 7).

Para Iasbeck (2000) assim como demonstrou o MIT, as TICs são as principais
ferramentas que propiciam uma rápida propagação de boatos e fake news. No entanto, o autor
alerta para a necessidade de que exista uma proximidade física entre emissor e receptor para
legitimar de alguma forma a mensagem. Contudo, no mundo offline (sem conexão com a
internet mas com conexões humanas reais), para os boatos terem credibilidade é importante
que o receptor conheça quem o está enviando a mensagem ou, no mínimo, que conheça o
autor original do boato. Nas redes sociais na esfera online é um pouco mais difícil ter essa
percepção, devido ao grande número de conexões possíveis, mas, da mesma maneira que no
mundo offline, as fake news ganham mais credibilidade quando são enviadas por alguém que
possua uma conexão mais próxima, devido à rede de influência criada pela internet.

Do ponto de vista do fazer jornalístico, com a possibilidade de qualquer cidadão ter em


suas mãos o poder de produzir notícias, verdadeiras ou falsas, e publicar em suas redes
sociais, é provável que se faça necessária a transformação da função social do jornalista, que é
informar. Para Jenkins (2009 apud Souza 2017), “esta cultura da convergência, transformou o
modo sobre como consumimos notícias e abalou o modus operandi da imprensa”. Neste novo

39
jornalismo o profissional da área não só produz, mas também observa, apura, checa as
informações online, serve de parâmetro aos leitores para as milhares de notícias carregadas
em seu feed (espaço reservado às notícias nas redes sociais) todos os dias.

Recuero (2009) ressalta que esta produção individual dos atores das redes sociais não
possui responsabilidade ou compromisso com a sociedade. “As informações difundidas pelas
redes sociais não precisam, necessariamente, ter um valor-notícia ou um compromisso social,
como teoricamente, as jornalísticas (ou aquelas produzidas pelos veículos) precisam”,
contudo, é possível para o jornalismo trabalhar em conjunto com a informalidade das redes
sociais, “complementando suas funções, filtrando matérias relevantes, concedendo
credibilidade e importância para as matérias jornalísticas através das reverberações”
(RECUERO, 2009, p. 12).

De acordo com Bruns (2005 apud Recuero 2009) “as práticas informativas na Internet
(e, portanto, nas redes sociais online) podem ser classificadas como gatewatching21, e podem
complementar e até substituir o papel do gatekeeping22 do jornalismo tradicional”. Aguiar e
Barsotti (2012) concluem que o conceito de gatekeeper, que na imprensa tradicional, é
baseado na maneira como o editor recebe e filtra as notícias, e, através dos critérios de
noticiabilidade, decide quais devem ser publicadas. Contudo, no âmbito da internet, este
conceito é modificado devido a grande quantidade de notícias disponibilizadas, e segundo
Bruns (2005), o jornalista passa a ser uma espécie de vigia, que ao contrário do gatekeeper,
não recebe as notícias, ele analisa as notícias em tempo real, no momento em que são
disponibilizadas nos sites, e, por isso, a necessidade de adequação do termo para gatewatcher.

Eles observam que material está disponível e é interessante, e identificam


novas informações úteis com o objetivo de canalizar este material para
atualizar e formatar notícias que podem apontar caminhos para conteúdos de
relevância (BRUNS, 2005, p.18).

Carolina Teixeira Weber (2010) ressalta a necessidade de os profissionais


acompanharem essas transformações promovidas pelo desenvolvimento tecnológico (o que

21
Gatewatcher: termo utilizado para definir a prática dos internautas de observar os portões de saída das
publicações de notícias e de outras fontes, a fim de identificar material importante, à medida que ele é
disponibilizado (BRUNS, 2005, p.17).
22
Gatekeeper: aquele que tem direito de decidir se uma notícia vai ser transmitida ou retransmitida de uma
maneira ou de outra (MC QUAIL, 1972 apud GOMIS, 1991, pg. 81).

40
nos faz recordar Traquina (2005) que alertava sobre o perigo de perder o controle sobre a
produção das notícias), pois há a necessidade de o jornalismo profissional combater a
disseminação de fake news.

Segundo Aldé e Chagas (2005), os jornalistas, inseridos em um ambiente de


trabalho onde a internet está sempre disponível, “em frente aos monitores
conectados da redação, (...) passam a funcionar de acordo com a lógica do
meio, baseada na interatividade, acessibilidade e atualização constantes”
(ALDÉ e CHAGAS, 2005, pg. 3-4). E as transformações tecnológicas que
mudam as formas de produção e transmissão de conteúdo também
modificam as exigências e habilidades dos que realizam esse trabalho
(WEBER, 2010, p. 1).

A agência “aosfatos.org” divulgou pesquisa23 em 01 de março de 2018 onde analisou a


disseminação de fake news nas redes sociais. Entre os principais resultados encontrados está o
fato de 43% dos entrevistados não confiarem nas notícias recebidas pelos aplicativos de
mensagem e 30% confiarem apenas quando conhecem quem os enviou. Outro importante
dado coletado é a percepção dos atores quanto à motivação para produção de fake news:
38,6% dos entrevistados entendem que as fake news são notícias manipuladas por sites em
busca de audiência, 36,5% acreditam que são produzidas por sites de notícias em busca de
ganho político ou financeiro e 31,7% dizem ser grupos buscando fortalecer suas ideologias
políticas. Cada entrevistado poderia citar 3 motivos, e, entre outras respostas, também foram
citadas a possibilidade de produção pelas próprias redes sociais em busca de reforçar suas
causas, ou que hackers poderiam estar buscando ganho financeiro através da disseminação de
vírus que recolhem dados dos usuários, e até mesmo que atores sem nenhuma motivação
aparente poderiam criá-las com o simples intuito de fazer humor com o noticiário.

Com a tendência no aumento na disseminação de fake news, principalmente no campo


político, e com a necessidade de checagem de informações, surgem as agências de fact-
checking, que são agencias especializadas na checagem de fake news, onde são confrontadas
as origens das histórias com os dados, pesquisas e informações existentes sobre o fato. O fact-
checking é a ferramenta que está à disposição do público para desqualificar as fake news
através da apuração profissional e técnica jornalística.

23
Cf. <https://aosfatos.org/noticias/leitores-desconfiam-de-noticias-recebidas-por-whatsapp-mas-nao-checam-
informacoes/>. Acesso em: 10 Mai. 2018.

41
2.3 - A era da pós-verdade e do fact-checking

A campanha presidencial de Trump, ao lado da saída do Reino Unido da União


Europeia, que ficou conhecida como Brexit, ambas em 2016, talvez tenham sido os maiores
exemplos de pós-verdade até o momento. A palavra do ano pelo dicionário britânico Oxford24
em 2016, pós-verdade, ainda não é reconhecida pela língua portuguesa. A tradução mais
próxima do original post truth é algo como adjetivos que denotam circunstâncias nas quais
fatos objetivos têm menos influência na opinião pública do que apelos à emoção e a crenças
pessoais. Em tese na pós-verdade, a verdade sobre os fatos não tem mais a relevância que se
deveria ter, pois a verdade fica ofuscada pela forma espetaculosa que envolve as fake news
tanto quanto por sua repetição excessiva. O conceito de pós-verdade se destaca,
principalmente, no âmbito político.

Durante as eleições presidenciais dos Estados Unidos, em 2016, diversos boatos foram
disseminados como fake news através das redes sociais e segundo reportagem do Estadão25,
de 16 de março de 2018, estas fake news influenciaram no resultado das eleições, uma vez que
27% dos eleitores disseram ter acessado pelo menos uma fake news nas semanas que
antecederam as eleições.

Posteriormente veio à tona através de uma reportagem da BBC26, de 20 de março de


2018, que denuncia a Cambridge Analytica, empresa de análise de dados contratada por
Donald Trump para sua campanha de 2016, por ter utilizado dados privados de 50 milhões de
perfis de usuários do facebook. Estes dados foram obtidos sem a autorização dos usuários,
para disseminar fake news a partir de bots27, direcionados a cada usuário de acordo com seu
perfil no facebook. Ou seja, para usuários mais ligados à segurança eram enviados posts
(postagens) desta área, para usuários mais interessados à saúde, posts relativos à saúde, e
assim por diante. Este escândalo fez com que o facebook perdesse 35 bilhões de dólares na
bolsa de valores de tecnologia dos Estados Unidos, a Nasdaq, em apenas um dia.

24
Cf. <https://en.oxforddictionaries.com/definition/post-truth>. Acesso em 19 Abr. 2018.
25
Cf. <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-impacto-das-fake-news-nas-eleicoes-2018/>.
Acesso em: 10 Mai. 2018.
26
Cf. <http://www.bbc.com/portuguese/internacional-43466255>. Acesso em 10 Mai. 2018.
27
Os bots tem capacidade de realizar até 1000 postagens por segundo.

42
O Tribunal Superior Eleitoral28 do Brasil declara ter uma grande preocupação com a
disseminação de fake news durante o processo eleitoral em 2018 devido aos escândalos
apontados pela BBC, envolvendo o roubo de dados do facebook. A preocupação é devida a
mesma empresa Cambridge Analytica ter se associado a um empresário brasileiro do ramo de
marketing político, André Torreta. A empresa promete mudar, através de elementos da
psicologia e cruzamento dos dados, o comportamento de eleitores e consumidores, emitindo
posts direcionados e quase que individuais, assim como foi feito na eleição de Trump em
2016. Em entrevista ao site do El Pais Brasil29, em 15 de outubro de 2017, o empresário diz
trabalhar no limite da ética para mudar o pensamento do eleitorado e exemplifica:

Eu comprei uma praia e não quero que as pessoas entrem. Qual é a melhor
placa para eu fincar na areia? Essa, dizendo que a praia é privada, ou essa,
dizendo que a praia tem tubarão? A que tem tubarão funciona mais. E se não
houver tubarão na praia será uma mentira, certo? Se não tiver tubarão, então
é uma fake news. Eu não vou fazer isso, mas isso existe, é possível e dá para
ser feito, no limite da ética (ROSSI; MARREIRO, 2017).

Reforçando o que foi dito no capítulo deste trabalho que trata a deontologia, ética é o
“conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta do ser humano” (Ferreira, 2005,
p. 383). Em entrevista à Folha de São Paulo30, em 04 de abril de 2017, o ex-ombudsman da
Folha de São Paulo, professor Carlos Eduardo Lins e Silva, diz que “foi o fenômeno global da
polarização política que criou um engajamento sem escrúpulos na difusão de notícias falsas,
vale tudo para prejudicar um inimigo ideológico”. Esta ideia de atingir o outro em benefício
próprio, utilizando mentiras ou meias verdades, são características do conceito de pós-verdade
e disseminação de fake news. Para Lins e Silva “nem a criminalização e a Justiça, nem a
regulação e o governo são caminhos para vencer o desafio”, e cita como exemplo Donald
Trump, que tem desqualificado a imprensa profissional norte-americana por denunciar as fake
news postadas por Trump e sua equipe. O ex-ombudsman destaca que, a tendência é que
aumente o número de fake news, e que a única saída contra esta tendência é o
profissionalismo e a checagem das informações, e conclui que, apesar de as mentiras, boatos e
crítica estarem presentes na política desde sempre, “a novidade é a simplicidade e o baixo
custo, a capacidade de proliferação rápida e com grande abrangência geográfica”. Lins e Silva

28
Cf. <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fux-vai-pedir-investigacao-de-empresas-que-produzem-fake-
news-no-brasil,70002245270>. Acesso em: 17 Mai. 2018.
29
Cf. <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/10/11/politica/1507723607_646140.html>. Acesso em: 16 Mai.
2018.
30
Cf. <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/04/1872684-especialistas-discutem-conceitos-de-verdade-e-
pos-verdade-no-jornalismo.shtml>. Acesso em: 11 Mai. 2018.

43
alerta ainda para a formação de uma "indústria da pós-verdade” nas mídias sociais que, ao
povoarem com anúncios as mídias mais acessadas, premiam a mentira e a notícia falsa.

A pós-verdade se desenvolve através da disseminação de uma mentira, ou de uma


verdade deturpada, que, ao ser reproduzida de maneira excessiva, é tida, pelo receptor, como
verdade absoluta. Conforme reportagem da BBC31, de 14 de dezembro de 2016, a máxima de
que "basta repetir uma mentira para que ela se torne verdade" é uma das regras básicas da
propaganda política. A reportagem traz um experimento realizado por psicólogos, onde foram
apresentadas notícias a um grupo de pessoas. Notícias verdadeiras e notícias falsas, mas
parecidas com as verdadeiras, como são as fake news. E algumas semanas depois o grupo foi
questionado sobre a veracidade destas notícias, acrescidas de outras no momento, e o
resultado foi que o grupo apontou as notícias falsas como verdadeiras, pelo simples fato de
soar mais familiar, pois já haviam ouvido estas notícias anteriormente. Segundo Paul
Kleinman (2015), o cérebro humano utiliza atalhos inconscientes para que possa fazer
julgamentos rápidos sobre as coisas, e isso faz com que, apesar do conhecimento prévio, seja
suscetível aos erros. Estes atalhos, que funcionam de maneira automática, são chamados, na
psicologia, de heurística.

Para interromper este processo, é necessário estar atento ao conhecimento adquirido e


questionar sempre ao receber uma notícia ou mensagem. Nesse contexto, as agências de
checagem de notícias, chamadas fact-checking são fundamentais no combate a disseminação
de fake news nas redes sociais.

Foi em meio ao mundo político, cercado de mentiras, boatos e fake news, que em 1991
o jornalista americano Brooks Jackson, da CNN, por sugestão de sua chefia, passou a
investigar o que diziam os futuros candidatos à presidência, Bill Clinton e George Bush, a fim
de checar sua veracidade. O projeto foi bem recebido pelo público e pela direção da editoria
política da CNN. A partir daí outras emissoras passaram a adotar o mesmo tipo de checagem.
Em 2003, Jackson, após ser demitido, mas ainda inspirado pelo sucesso inicial da checagem
das promessas feitas pelos políticos, lançou o primeiro site de fact-checking, o
“factcheck.org” (Mc Bride e Rosenstiel, 2014, p.64).

31
Cf. <http://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-37852352>. Acesso em: 16 Mai. 2018.

44
Seu sucesso imediato foi uma surpresa agradável para ambos. Ainda mais
gratificante foi a forma como os outros foram inspirados e construíram a
partir do nosso trabalho. No mundo de hoje da mídia digital, onde a falsa
propaganda política pode se espalhar em minutos, eu estou feliz e orgulhoso
de ver que muitos jornalistas com consciência oferecem aos cidadãos os
fatos e as evidências de que precisam, denunciando notícias falsas, porque
são (JACKSON, 2014, p. 3 - trad.nossa).

Atualmente são cerca de 140 plataformas credenciadas pela International Fact-checking


Network, a IFCN (Rede Internacional de Checagem de Notícias), presentes em 47 países. Isso
demonstra a importância desta nova modalidade de jornalismo autossuficiente. Com o
advento das redes sociais, incrementadas pelo desenvolvimento das TICs (como visto nos
capítulos anteriores), a necessidade de checagem de informações foi elevada a potências que
não foram pensadas há 10 anos atrás, quando começaram a surgir as agências de checagem
com intuito de comprovar os discursos políticos.

Atualmente as agências de fact-checking ainda possuem viés político, no entanto, é cada


vez maior a necessidade de checagem de postagens do cotidiano das redes sociais. Para
auxiliar na necessidade de checagem sistêmica, as agências em conjunto com os portais de
notícias e redes sociais, procuram desenvolver ferramentas para que os usuários passem a
fazer essa checagem por meios próprios. Como exemplo, a agência brasileira “aosfatos.org”
anunciou32 em 04 de janeiro de 2018 uma parceria com o facebook para desenvolver um robô
com inteligência artificial capaz de auxiliar os usuários a checarem se as informações no
ambiente web são verdadeiras ou falsas. Este bot se chamará “Fátima” e faz referência a
FactMa, uma abreviação de Fact Machine (Máquina de Fatos).

Além disso, o facebook, no Brasil, em parceria com as agências “aosfatos.org” e Lupa,


implementou uma ferramenta no feed de notícias do perfil do usuário que permite denunciar
se uma postagem é fake news e caso o perfil emissor desta postagem seja recorrente, terá,
como consequência, seu alcance diminuído e não poderá mais impulsionar33 suas publicações.

As agências de fact-checking seguem um código regido pela IFCN. Entre os principais


fundamentos estão: Isenção partidária, transparência das fontes, transparência de

32
Cf. <https://aosfatos.org/noticias/aos-fatos-e-facebook-unem-se-para-desenvolver-robo-checadora/>. Acesso
em: 16 Mai. 2018.
33
Impulsionar uma postagem significa pagar para que esta postagem atinja um número desejado de perfis.

45
financiamento e organização, e transparência da metodologia utilizada. A metodologia de
checagem é inerente a cada agência, e seguem as regras da IFCN. A primeira agência de fact-
checking do Brasil, a Lupa, tem como metodologia34 os 8 passos a seguir:

 Observar diariamente o noticário para selecionar o que é dito por políticos, celebridades,
jornais, revistas, TV e internet, pois é daí que saem sua matéria-prima.
 Selecionar o assunto, adotando critérios de relevância, dando preferência a afirmações
feitas por celebridades de destaque nacional e posteriormente assuntos de interesse
público que tenham ganhado destaque na imprensa ou internet.
 Não checar opiniões ou apontar tendências.
 Verificar qualidade de produtos e serviços, além da veracidade de publicidades.
 A agência pretende ser o lugar onde os brasileiros recorrem quando precisam tomar
alguma decisão.
 Após decidir o que será checado, faz-se levantamento de “tudo” que já foi publicado
sobre o assunto e consultam jornais, revistas, sites e bases de dados oficiais, verificando
ainda as informações públicas, assessorias de imprensa, além de ir a campo se
necessário realizar a apuração.
 Recorrer a especialistas para contextualizar as informações apuradas.
 Após concluir essas etapas a equipe Lupa posiciona o envolvido sobre o fato dando-lhe
oportunidade de se explicar ou apresentar sua versão e somente depois de esgotadas
todas as possibilidades, é que divulga o resultado do fact-checking apresentando todas
as informações colhidas ao leitor para que este possa entender todo o caminho
percorrido até chegar à conclusão.

Outros importantes veículos do Brasil também possuem meios de realização do fact-


checking disponíveis ao seu público. O jornal “O Globo”, por exemplo, tem o Blog “Preto no
Branco”, a revista Veja, conforme citado no capítulo 1 deste trabalho tem o Blog “Me engana
que eu gosto”, entre outros.

35
Brooks Jackson, em entrevista ao Blog “Preto no Branco” do jornal “O Globo”

34
Cf. <http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2015/10/15/como-fazemos-nossas-checagens/>. Acesso em: 16 Mai.
2018.
35
Cf. <https://blogs.oglobo.globo.com/preto-no-branco/post/uma-obrigacao-desafiar-mentira-dos-politicos-diz-
brooks-jackson-554727.html>. Acesso em: 16 Mai. 2018.

46
destaca que “esse boom de fact-checking tem a ver com a era da informação”, basta observar
que durante todo o capítulo falamos de blogs e agências online, e não citamos em nenhum
momento agências físicas que publiquem conteúdo periódico.

Até pouco tempo atrás, não havia internet, não havia canais de TV 24 horas,
Twitter nem redes sociais. As pessoas recebiam informações filtradas pelos
meios de comunicação, que trabalhavam como guardiões, detentores da
notícia. Agora as pessoas são bombardeadas por informação. Quem nunca
recebeu um e-mail dizendo que (Barack) Obama nasceu no Quênia? Ou que
o 11 de Setembro foi obra de George W. Bush? E é aí que a imprensa precisa
se reinventar, virar uma espécie de filtro para tantas histórias descabeladas.
O jornalista é o árbitro (TARDAGUILA, 2014).

Contudo, é possível perceber que há, mesmo que a partir de um dado momento, um viés
mercadológico, uma vez que, em 2014, o número de grupos de fact-checking cresceu 2,5
vezes, só nos Estados Unidos, criando um novo nicho para o profissional de jornalismo. E,
portanto, com o fact-cheking, temos os fundamentos do jornalismo profissional para produção
de notícias como principais aliados para combater a produção de fake news.

47
CAPITULO III

A FUNÇÃO DO OMBUDSMAN FRENTE À DISSEMINAÇÃO DE


FAKE NEWS

Este capítulo trará a evolução do Jornal Folha de São Paulo até a implementação da
função do ombudsman, e destacará a percepção da função pela atual Ombudsman da Folha de
São Paulo, Paula Cesarino Costa36, através de entrevista37 com cerca de 53 minutos de
duração, realizada no Café da Livraria Travessa, em Ipanema-RJ, em 16 de abril de 2018.
Veremos também a visão da ombudsman quanto à disseminação de fake news e os desafios do
jornalismo frente a necessidade de legitimação da verdade nesta nova esfera pública alargada
pelo desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação.

Serão destacados e analisados ainda, dois casos de fake news veiculados pela Folha de
São Paulo e que foram criticados pela ombudsman em sua coluna semanal. O primeiro caso
trará uma postagem no twitter da Folha, onde trazia o seguinte texto: “protestos levam cúpula
militar a avaliar adoção de estado de sítio”. No entanto, o post não informava que se tratava
da seção “Há 50 anos” que traz informações disponíveis no acervo Folha sobre aquele dia
específico há 50 anos atrás. O segundo caso abordará a coluna de Mônica Bergamo que trazia
a declaração feita pela desembargadora Marilia Castro Neves sobre a vereadora Marielle
Franco, que disse o seguinte: “Marielle estava engajada com bandidos e é cadáver comum”,
esta coluna originou uma série de fake news sobre o caso. Os casos serão analisados segundo
os autores citados neste trabalho bem como referencia as citações da ombudsman durante a
entrevista.

3.1 - A Folha de São Paulo e o ombudsman

Em 1921 foi fundado o jornal Folha da Noite, por Olival Costa e Pedro Cunha. Ambos
eram funcionários do jornal O Estado de São Paulo - OESP, quando, por necessidade de

36
Paula Cesarino Costa é ombudsman desde 2016, jornalista com formação na própria Folha de São Paulo, onde
está desde 1987. Foi redatora do caderno Folhetim, antecessor da sessão Ilustríssima. Foi redatora, editora
assistente e editora de Política, editora de cadernos especiais, editora de negócios, editora de treinamento e
diretora da sucursal da Folha no Rio de Janeiro até aceitar o convite para assumir a função de ombudsman.
37
A íntegra da entrevista está disponível no anexo 1 deste trabalho.

48
complementação de renda, propuseram ao seu chefe a edição de um jornal extra chamado
Folha da Noite (Muniz, 1999). A ideia foi aceita na condição de que, caso o jornal fosse bem
aceito pelo público, a produção seguiria, mas caso contrário, ambos deveriam devolver o
investimento feito com seus salários. O desafio foi aceito e bem sucedido. O desafio passa,
então, a se manter no mercado. Em 1925 lançaram a Folha da Manhã e em 1949 lançaram
também a Folha da Tarde. Goldenstein (1986, apud Muniz 1999) destaca o fato de uma
empresa produtora de um conceituado jornal dar à luz um futuro concorrente.

Primeiro, ela surge com o objetivo de angariar lucros e organizada enquanto


empresa, num período em que a imprensa era vista como atividade defensora
de interesses públicos e porta-voz de grupos políticos. Segundo, a
curiosidade de dois jornais, independentes um do outro, serem produzidos
pelas mesmas equipes e com o apoio financeiro e material inicial da direção
do OESP, mantendo ainda toda a equipe como empregada regular, além do
artigo de apresentação da Folha da Noite ter sido escrito por Júlio de
Mesquita Filho, proprietário do OESP (MUNIZ, 1999).

Em 1931, o jornal é vendido para o agricultor Octaviano Alves Lima, e a tiragem


passou de 15 mil para 80 mil exemplares. Em 1945, o controle acionário foi passado por
Octaviano a José Nabantino Ramos. Neste período foi adotada pela Folha a imparcialidade
como política de redação. A atual sede da Folha foi construída e inaugurada em 1950, onde
passou a imprimir todas “as folhas” e em 1960, com a unificação das Folhas é que surge
efetivamente a “Folha de São Paulo”.

Em 1980, a Folha assumiu a liderança no jornalismo impresso brasileiro, sendo o


jornal impresso com maior circulação no país38. Neste período a Folha apresenta o documento
“A Folha e alguns passos que é preciso dar”, que seria o primeiro projeto editorial de
imprensa que fixava três metas a focar: informação correta, interpretações competentes sobre
essa informação e pluralidade de opiniões sobre os fatos. A chegada dos computadores neste
período também influenciou para o desenvolvimento tecnológico do jornal fazendo da
redação da Folha a primeira informatizada no país.
Pioneira no uso de novas tecnologias, a Folha também se destaca pela preocupação
com o desenvolvimento do fazer jornalístico, implementando e atualizando frequentemente,
além do projeto editorial, a Folha também implementou o Manual de Redação, em 1984, que
guia o todo o processo desde sua política editorial até a produção. E como visto nos capítulos

38
Cf. <https://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/historia_80_84.htm>. Acesso em: 23 Mai. 2018.

49
anteriores, inspirada pelo sucesso de jornais americanos e europeus, a Folha inseriu a função
do ombudsman no seu quadro funcional em 1989, a fim de fazer da autocrítica um trampolim
para qualidade do jornalismo produzido.

A função ombudsman foi instaurada, desde sua origem na aristocracia sueca, devido a
necessidade de provação da verdade em alguns momentos políticos da sociedade mundial,
com o excesso de escândalos, e pela necessidade de fazer com que àqueles que detinham o
poder tivessem suas ações vigiadas de alguma forma.

Pela Folha de São Paulo, passaram pela função 12 jornalistas: Caio Tulio Costa, de
setembro de 1989 a setembro de 1991; Junia Nogueira de Sá, de setembro de 1993 a
setembro de 1994; Marcelo Leite, de outubro de 1994 a janeiro de 1997; Mario Vitor Santos
foi ombudsman em dois períodos distintos, de setembro de 1991 a setembro de 1993, e de
janeiro de 1997 a dezembro do mesmo ano; Renata Lo Prete, de janeiro de 1998 a março de
2001; Bernardo Ajzemberg, de março de 2001 a março de 2004; Marcelo Beraba, de abril de
2004 a abril de 2007; Mario Magalhães, de abril de 2007 a abril de 2008; Carlos Eduardo
Lins da Silva, de abril de 2008 a fevereiro de 2010; Suzana Singer, de abril de 2010 a abril de
2014; Vera Guimarães Martins, de abril de 2014 a abril de 2016; e de abril de 2016 até os
dias atuais, Paula Cesarino Costa. O cargo do ombudsman possui independência da direção e,
na Folha, o mandato da função é de 1 ano com possibilidade de renovação por até 3 vezes.

Durante entrevista realizada pelo autor deste trabalho, em abril deste ano, Paula
Cesarino Costa relata que não existem critérios para a seleção do ombudsman na Folha: “É
uma decisão puramente da direção de redação”, e concluiu:

“Não tem nada definido, não precisa ser nada, não precisa, inclusive, nem ser da Folha. A
Folha já tentou em duas ocasiões ter alguém de fora da Folha, é uma coisa mais complicada,
mas seria uma experiência diferente. Até hoje foram todos da Folha. Então tiveram alguns
com mais experiência, outros com menos. Então realmente não tem nenhum... só ter um bom
senso crítico, imagino”.

Segundo a entrevistada, a função de ombudsman é uma das primeiras a começar a


trabalhar, mas que, com a facilidade dos meios digitais não tem mais a necessidade de estar
presente nas redações, e conclui: “Em tese você pode ser ombudsman de qualquer lugar do
mundo hoje em dia”. A ombudsman destaca que a rotina da função, na Folha, se divide em
três aspectos básicos. O primeiro é diário, a crítica interna, que é distribuída internamente, só

50
na redação. Para realização da crítica são lidos, pelo menos, os três maiores jornais: O Globo,
O Estado de São Paulo e mais especialmente a Folha de São Paulo, e verifica os sites. Os
jornais são lidos para efeitos de comparação das edições e do viés adotado. Para Paula
Cesarino Costa “o objetivo é basicamente fazer uma avaliação da edição baseada na minha
leitura crítica, nos comentários dos leitores, e nos emails que chegam até as onze ou que
chegaram no dia anterior”. Além da edição impressa, também é necessário, atualmente,
verificar as redes sociais da Folha. Digo “verificar”, pois devido ao volume de informações
online, conforme explicitado pela ombudsman, ainda não é possível analisar todas as redes.

“Antigamente, o Carlos Eduardo Lins e Silva, por exemplo, só fazia a avaliação do


impresso, hoje não. Hoje tem que fazer a avaliação do impresso, e também do digital. A
crítica de amanhã eu vou falar um pouco de como o jornal se desempenhou durante a tarde,
durante a noite da véspera. Isso tá muito em transição, na verdade, o que precisa mudar no
trabalho do ombudsman hoje é essa avaliação do digital, como fazer ela, porque no fundo ela
não termina. Posso fazer uma crítica do hoje, do agora da home, e daqui a meia hora outra e
outra, então como fazer essa avaliação? Isso está em discussão”.

A crítica interna, devido às orientações, gera consequências efetivas na produção,


contudo o ombudsman não possui poder de decisão sobre o que vai ou não ser publicado. Para
Costa (2018), “o ombudsman não tem nenhuma ingerência sobre o que é publicado”. O
ombudsman sinaliza o que não está correto e a redação é que decide se deve ou não publicar.
Contudo, as críticas internas podem gerar embates entre o ombudsman e os jornalistas,
repórteres e editores. Para Costa (2018), o fato de a Folha ter a função estabelecida há muitos
anos, de forma ininterrupta, resulta numa aceitação maior dos profissionais da redação.

“[...] para redação da Folha já é uma coisa que está tão dentro, tão acostumada, faz
tão parte da rotina, que não existe mais essa resistência. É muito comum chegar pessoas que
vem de outras culturas jornalísticas, repórter contratado vindo de outro lugar, e ele
estranhar. Ele estranha que tenha uma crítica diária que vai lá, bate na turma, critica a
reportagem dele, então existe um certo estranhamento. Há resistência, há discussão, há
contestação. Eu faço críticas que muitas vezes eles não concordam. Mas de uma forma geral,
a redação está muito acostumada a ter uma pessoa que critica diariamente. E dependendo do
ombudsman, dependendo da chefia de redação, funciona melhor ou de forma mais ou menos
tensa. Eu tenho pra mim o seguinte, que o fundamental, isso eu conversei com a Margareth
Sullivan (na ocasião ombudsman do New York Times), que uma das coisas mais importantes
da crítica é o tom. Então o tom que você utiliza numa crítica é muito fundamental. Se você
usar agressividade, ironia, quem é criticado recebe de uma forma. Essa é uma das
dificuldades de ser ombudsman, você tem que acertar o tom”.

O contato com os leitores através de cartas e emails é o segundo aspecto da rotina. A


ombudsman lê e repassa as reivindicações para a redação, “porque o ombudsman tem essa

51
função de advogado intermediador”, ou seja, é preciso receber as perguntas e passar para
avaliação da redação e após essa avaliação é devolvido ao usuário com a posição da redação,
acrescida ou não da opinião da ombudsman.

O terceiro e mais visível aspecto da rotina da função é a coluna dominical. “A ideia é


que seja uma crítica de mídia, não necessariamente só da Folha, mas especialmente da
Folha, mas também de todos os meios de comunicação. E de temas do jornalismo em geral”.
A coluna de domingo é a parte do trabalho do ombudsman que se destaca para o leitor.

Apesar de todo o contexto relacionado à função do ombudsman, e as benesses que sua


atividade produz para o desenvolvimento do fazer jornalístico perante os leitores, a função
ombudsman nunca foi unanimidade nas redações visto que, critica seus companheiros e sua
própria instituição, e, com isso, vem perdendo cada vez mais espaço nas instituições. Grandes
jornais como o The Washington Post e o The New York Times, já não possuem a função ou a
substituíram. Na Espanha, o El Pais, mantém a função até os dias de hoje. No Brasil, apenas
os jornais O Povo de Fortaleza, de circulação regional, e a Folha de São Paulo, de circulação
nacional, possuem a função. Para a ombudsman, a eliminação da função impacta
imediatamente na credibilidade da instituição.

“[...] Ter essa transparência, essa autocrítica, esse espaço, acho que isso é a alma do
jornal e acho que é o que faz o jornal manter leitores e mesmo aqueles que criticam a Folha,
que a relação do leitor com a Folha foi sempre uma relação de amor e ódio, isso dá muito
peso ao jornal. É desagradável? É! Mas por que esses jornais todos pararam? Muitos no
mundo inteiro cortaram a função por corte de custos. Corta-se tanta coisa que corta também
aquela pessoa que está falando mal de você. O The New York Times foi muito criticado ano
passado quando encerraram, no fundo sempre foram muito resistentes à função, até o caso
Jason Blair eles resistiam muito, e só foi colocado por causa do caso Jason Blair, na
primeira oportunidade que deu para acabar eles acabaram, com argumento que, eu
considero falacioso, que as redes sociais cumprem essa função. Não! [...] E o The
Washington Post fez a proposta de ter uma crítica de mídia, justamente a Margareth Sullivan,
que citei [...]. Mas são funções diferentes [...]. Acho que virou quase uma questão de honra
da Folha de manter essa função, porque realmente o jornal considera fundamental”.

O ombudsman é o profissional do jornalismo que zela não só pelos direitos e anseios


dos leitores, mas também pela efetivação da prática jornalística segundo os preceitos éticos
impostos por suas associações de classe e códigos de ética pertinentes à função. Paula
Cesarino Costa, que fez parte da comissão de elaboração do “Novo Manual de Redação da
Folha”, resume de maneira simples o comportamento ético a ser seguido pelo profissional: é

52
necessário que o jornalista “ao apurar uma matéria, não faça nada que depois não possa
contar publicamente”. Contudo, além das preocupações com o que vai ser publicado pela
Folha, através das críticas internas, e com o que foi publicado, através da coluna dominical, o
ombudsman passa a ter que dividir sua atenção com as redes sociais, mas estritamente pelo
que é publicado pela Folha. No entanto, a responsabilidade pelo que é publicado é da editoria
responsável ou da redação. O ombudsman apenas orienta baseado em exemplos e reclamações
dos leitores e faz críticas baseadas no que foi publicado. Contudo, devido à disseminação de
fake news nas redes sociais, é ligado o alerta para uma nova necessidade da função: a de
retratar aos leitores quando a fake news é gerada a partir de seu veículo.

“[...] a função do ombudsman, é apontar como o jornal tem que perceber as fake
news que ele pode estar divulgando ou que ele pode favorecer a divulgação de uma fake
news. Esse ano, minha principal preocupação é, como eu vou acompanhar, nesse momento
de eleição, essa quantidade de produção de informações que não são verdadeiras. Eu não
tenho que acompanhar as informações falsas, tenho que acompanhar o que a Folha publica
de informações falsas. O desafio maior, o problema maior, não é meu não, é da redação.
Você lê os jornais hoje, especialmente as versões digitais, porque acho mais difícil uma fake
news chegar no impresso, porque se tem um tempo maior de crítica, de maturação, do que na
versão digital dos jornais. Então ali, que é onde eu tenho que estar de olho, é muito fácil o
jornal acabar caindo em fake news. Essa é a grande discussão mundial do jornalismo”.

De acordo com a entrevistada, a questão fake news deveria estar em pauta diariamente
em todos os jornais, pois todos os dias há tentativas de produção de fake news, no Brasil e em
todo o mundo, “é uma pauta! Além de ser uma preocupação de procedimento jornalístico,
deveria ser uma pauta obrigatória”. E apesar da tentativa de abranger suas críticas incluindo
as redes sociais, para Paula Cesarino Costa é como se o ombudsman da Folha ainda tivesse no
século passado devido a pouca interação nas redes. Atualmente existe um perfil no facebook
(@folha.ombudsman), sem postagens desde dezembro de 2017 e um perfil no twitter
(@folha_ombudsman) com postagens atuais. A ombudsman destaca ainda a necessidade de
uma estrutura para inserção de um número de whatsapp para maior interação com o leitor.

E, no intuito único de enriquecer a abrangência deste trabalho, e como forma de


prestigiar um dos grandes incentivadores da Folha de São Paulo para inclusão do ombudsman
em seu quadro funcional, o El Pais da Espanha, acrescento a visão da atual ombudsman do
jornal El Pais, La Defensora, Lola Galán, que gentilmente atendeu aos questionamentos39
deste autor, quanto à rotina do ombudsman no periódico El Pais e sua visão sobre as fake

39
Email de 24 de maio de 2018, disponível no anexo 2 deste trabalho.

53
news. Lola Galán vai ao encontro a Paula Cesarino Costa quanto à função do ombudsman no
combate à disseminação de fake news.

“A rotina do ombudsman está contida no estatuto que dá vida à função, criada em


1985. Escuto as reclamações de leitores (principalmente via e-mail) e investigo falhas
denunciadas em suas cartas tanto para edição impressa como no digital. Respondo
individualmente a estas reclamações, e algumas delas, devido à sua importância ou interesse,
discuto mais amplamente no meu blog40 [...]. O El Pais dedicou uma grande quantidade de
artigos e alguns editoriais ao tópico das fake news... Obviamente, o jornal é a favor das
instituições europeias (e espanholas) envolvidas na detecção e na luta contra a disseminação
de fake news. A figura do ombudsman se torna mais importante, na minha opinião, com o
desafio colocado pelas fake news, pois com seu trabalho de revisão e esclarecimento das
publicações, pode ajudar a combatê-las (LOLA GALÁN – trad.nossa).

Portanto, é possível perceber, que tanto quanto as agências de Fact Checking, o


ombudsman tem papel fundamental no combate às fake news. Seja alertando internamente,
seja retratando publicamente, agindo a partir de seu fundamento original de defender os
direitos do leitor e do cidadão, e, principalmente, atualizando seus métodos e ampliando as
condições de análise e observação da produção de seus veículos, através das novas
tecnologias da informação e comunicação.

3.2.1 – Distanciamento histórico – Análise de fake news produzida pelo


Twitter da Folha

O Twitter é uma rede social de postagens rápidas, formada por atores que seguem outros
atores e assim por diante. A rede se enquadra na teoria de redes sem escalas de Barabási,
conforme Recuero (2004). Os atores que possuem mais conexões tendem a ter um número
maior de perfis seguidores e por consequência atraem cada vez mais seguidores. O Twitter
permite que seus usuários postem mensagens com, no máximo, 280 caracteres.

Em 02 de abril de 2018, às 21:43h, o perfil do Twitter @folha, da Folha de São Paulo,


que possui 6,35 milhões de seguidores, postou o seguinte texto41: Protestos levam cúpula
militar a avaliar adoção de estado de sítio. Seria uma grande notícia se não fosse parte de
uma coluna da Folha que retrata o que aconteceu neste dia e mês, só que há 50 anos atrás.

40
Blog de La Defensora do El Pais: <https://elpais.com/agr/defensor_del_lector>
41
Cf. <https://twitter.com/folha/status/981029285820542976>. Acesso em: 24 Mai. 2018.

54
Veja a postagem abaixo:

Figura 1: postagem da Folha no Twitter

A postagem foi compartilhada por 96 perfis somente no perfil @folha, no entanto


podem ter sido compartilhadas, também, nos perfis que compartilharam o post, e neste caso o
valor final de compartilhamento poderá ser algumas vezes maior. Foram 169 comentários
relativos a esta postagem do @folha, entre eles:

 @rodolfovaliati: irresponsável. Em 04 de abril de 2018;


 @fernandissimabr: ta publicando notícia de 64 como se fosse de hoje? O que vocês
estão insinuando? Apoiando um segundo golpe? Vocês não tem vergonha? Em 04 de
abril de 2018;
 @ric155: Cadê o 1968? Fake news folha. Em 04 de abril de 2018;
 @guikanom: #fake news. Em 04 de abril de 2018;
 @juanp07: FAKE NEWSSSSS. Omitiu que a notícia é de 1968 para acharem que é
atual, depois não sabem por que a credibilidade está despencando. Em 05 de abril de
2018;
 @edilopes: Quase infartei. Em 03 de abril de 2018.

55
O comentário “#fake news”42 apareceu diversas vezes e isso significa que este assunto
foi relacionado e inserido no trending topics (uma espécie de ranking para verificar os
assuntos mais comentados no dia) das principais redes sociais e implica diretamente na
posição da Folha de São Paulo quanto à disseminação de fake news, denegrindo sua imagem
colocando em cheque sua credibilidade como meio de comunicação, conforme destacado por
Brito (2017) na seção 1.1 deste trabalho.

Para a ombudsman da Folha, que retratou o caso publicamente através de sua coluna do
dia 08 de abril de 201843, foi um absurdo a forma como foi feita a postagem, mas tem a
convicção de que foi um deslize, e conclui: “Em tese pode ser considerada uma fake news.
Tudo cabe em fake news. Aquilo é um tipo de fake news. Acabou sendo por conta de um erro,
um erro técnico”.

Contudo, na seção 1.2 destacamos a responsabilidade jornalística com a verdade, e


conforme citado no Art.4º do Código de Ética dos Jornalistas, “é necessária e fundamental a
correta divulgação dos fatos”. Não detalhar na postagem que se tratava de uma notícia de
1968, de seu acervo, mostrando um fato ocorrido há 50 anos, produziu fake news que poderia
ter criado problemas diplomáticos e pânico na população, caso não fosse reparada a tempo.
Aliás, as redes sociais possuem esse poder: ao mesmo tempo em que disseminam
rapidamente, também podem corrigi-la rapidamente, no entanto, devido, principalmente, ao
comportamento humano, as informações falsas são até 70% mais compartilhadas que as
verdadeiras, conforme destacado pelos estudos do MIT na seção 2.2 deste trabalho. Nesse
contexto, podemos exemplificar a pós-verdade: a repetição da informação falsa tende a ser
mais valiosa que a própria verdade.

No twitter, especificamente, o erro do @folha teve sua gravidade bastante ampliada,


pois teve sua mensagem relacionada a outras duas postagens do perfil @Gen_VillasBoas, do
General do Exército Brasileiro, Eduardo Villas Boas, no mesmo dia, e no mesmo tema
militar, que renderam, juntas, 38 mil compartilhamentos. A primeira postagem trazia o
seguinte: “Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à

42
# ou hashtag, é utilizada para agrupar todas as informações indexadas com esta palavra com a finalidade de
sintetizar a busca pelo assunto marcado, nas principais redes sociais.
43
Coluna Distanciamento Histórico, publicada em 08 de abril, disponível no anexo 3 deste trabalho.

56
Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais” e na sequência:
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente
está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com
interesses pessoais?”.

Figura 2: postagens do Coronel Eduardo Villas Boas

Ou seja, as mensagens do General, deixam a entender, devido às condições políticas


vividas no Brasil atualmente, que, o Exército brasileiro está atento aos movimentos políticos,
e, leia-se nas entrelinhas que, se fosse preciso, poderia intervir no governo. Obviamente, é
uma posição pessoal do General Villas Boas, mas que é amplamente passível de inserção no
contexto de adoção de estado de sítio, conforme postado horas antes pelo @folha. Para um
leitor desavisado, ao confrontar as duas postagens, poderia se dar conta de que o país, de fato,
poderia estar entrando em estádio de sítio, como em 1968.

Conforme destacado por Mino Carta (2011 apud Pereira, 2008), “a verdade factual é
uma só, e o ato de omitir a verdade ou de falsear as notícias de alguma forma, afetam a
verdade de maneira que jamais será recuperada integralmente”, ou seja, é imprescindível que
informações fundamentais à notícia (O quê? Quem? Quando? Onde? Como? e Por quê?)
estejam sempre bastante claras ao leitor. E, no caso específico, o fato de o “quando” ter sido
omitido contribuiu na geração dessa fake news.

57
Portanto, é possível concluir que, mesmo que de forma não intencional e a partir de
erros básicos, podem ser produzidas fake news. Cabe ao profissional estar atento ao construir
suas notícias, utilizar das técnicas, teorias e elementos da produção jornalística, para que sua
produção não resulte em fake news.

3.2.2 – Das responsabilidades – Análise de fake news originada a partir de


coluna da Folha

Em 16 de março de 2018, o professor de direito da Universidade Federal de Juiz de


Fora, Paulo Nader, publicou um texto, em seu perfil no facebook, sobre o assassinato de
Marielle Franco, dias antes. Em resposta a esta postagem, a desembargadora do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Marília Castro Neves, postou o texto da imagem abaixo:

Figura 3: postagem original de Paulo Nader, comentada por Marilia Castro Neves

Atualmente a postagem de Paulo Nader possui 67 compartilhamentos, 39 comentários


e 414 curtidas e a resposta da desembargadora possui 692 curtidas e 101 respostas ao seu

58
comentário. Números expressivos para perfis pessoais, mas pequenos diante da dimensão que
uma rede social pode tomar dependendo da quantidade de seguidores que o ator possui. No
facebook, Paulo Nader possui 4.722 seguidores e Marilia Castro Neves 10.628 seguidores44.

Conforme citado na seção 2.2, Raquel Recuero (2009, p.12) destaca que “as
informações difundidas pelas redes sociais não precisam, necessariamente, ter um valor-
notícia ou um compromisso social, como teoricamente, os jornalísticas precisam”. E, Nelson
Traquina (2005), na seção 1.1, alerta sobre a necessidade de o poder de decidir a
noticiabilidade dos acontecimentos estarem nas mãos dos profissionais do jornalismo, devido
à responsabilidade necessária na divulgação das notícias e na definição dos critérios de
noticiabilidade para determinar se o acontecimento é, ou não, suscetível de se tornar notícia.

Contudo, ainda em 16 de março de 2018, horas após as postagens citadas acima,


Mônica Bérgamo, colunista da Folha de São Paulo, publicou em seu blog, na página da Folha
de São Paulo, a coluna45 com título conforme abaixo:

Figura 4: Título da coluna de Mônica Bergamo em 16 de março de 2018.

Mônica Bergamo retirou parte do texto da resposta da desembargadora na postagem


do professor Paulo Nader em seu perfil no facebook (Figura 3), e utilizou como título para sua

44
Dados de curtidas, compartilhamentos e seguidores, conforme análise realizada em 25/04/2018.
45
Coluna do blog e impresso disponíveis nos anexos 4 e 5, respectivamente, deste trabalho.

59
coluna no blog (figura 4), e também para a coluna do impresso no dia seguinte com o título:
“Magistrada diz que Marielle tinha elo com bandidos”.

Portanto, a jornalista utilizou dos valores notícia de notoriedade e relevância por se


tratar da declaração espontânea de uma desembargadora e por se tratar do assassinato de uma
vereadora do município do Rio de Janeiro, para produzir sua notícia. Contudo, a partir do
momento em que uma renomada jornalista “pega” uma declaração aleatória em um perfil de
rede social e a inclui como título em sua coluna, em um jornal conceituado perante os leitores,
com mais de 13 milhões de seguidores nas redes sociais, esta declaração cria volumes de
compartilhamento incalculáveis devido ao efeito cascata. Além disso, cria a falsa sensação de
que efetivamente entrevistou a magistrada.

Neste caso não houve erro técnico da colunista, porém, a fake news está na produção
da notícia. O título da notícia traz uma afirmação, que a jornalista sabia que não era
verdadeira, pois checou a declaração com a própria desembargadora, no entanto, não
informou, como deveria, ainda no título, que a declaração era falsa. A notícia foi “vendida”
aos leitores, a partir de seu título, como sendo verdade, pois se tratava da declaração de uma
desembargadora. Para a colunista, a desembargadora disse ter retirado estas informações de
suas redes sociais, e que não confirmou sua veracidade.

A ombudsman da Folha retratou o caso em sua coluna “Das responsabilidades”46, de


25 de março de 2018, e cita o Manual de Redação da Folha:

"Títulos e subtítulos constituem o principal, quando não o único, ponto de contato de


muitos leitores com a notícia. Sua formulação deve ser atraente e responsável, especialmente
nas plataformas digitais, onde se perde a visão de conjunto." E recomenda: "Evite truques
para caçar cliques, como formulações sensacionalistas ou omissões destinadas a iludir o
leitor".

Em sua coluna, Mônica Bergamo, basicamente, replicou o texto da desembargadora,


sem explicar aos leitores, como repórter, e de maneira clara, que a declaração estava baseada
em informações falsas obtidas pela desembargadora em suas redes sociais. Esta fake news

46
Coluna Das responsabilidades, publicada em 08 de abril, disponível no anexo 6 deste trabalho.

60
estava em um patamar relativamente baixo enquanto estava sob o “domínio” das conexões
dos perfis de Paulo Nader e Marilia Castro Neves, no entanto, ao ser publicado pela Folha
este patamar foi elevado a potências incalculáveis.

Até o fechamento deste trabalho, a colunista Mônica Bergamo, lamentavelmente, não


retornou aos questionamentos feitos em relação à sua matéria. Ressalvo previamente que o
trabalho poderá ser revisado, neste trecho, para inserção de suas respostas, se por acaso as
tiver, pois, o posicionamento da jornalista seria de extrema importância para compreendermos
a maneira como foi fundamentada a produção da notícia e se houve a percepção de que
poderia, ali, ter produzido fake news.

Questionada durante a entrevista sobre o grande volume de produção de fake news e


responsabilidades do ombudsman nesta nova era do jornalismo, Paula Cesarino Costa relata
que a matéria da coluna de Mônica Bergamo estava tecnicamente correta, no entanto, nesta
nova era do jornalismo, é imprescindível que as notícias sejam dadas com o máximo de
transparência possível.

“Se numa simples reportagem, que não estava errada, mas que dizia que a
desembargadora tinha dito que a Marielle era ligada aos traficantes, a primeira matéria foi
da Folha, e estava tecnicamente correta, mas o jeito que ela foi usada pelas redes sociais, ela
se transformou numa fake news. A desembargadora falava uma coisa que ela não sabia, que
não era verdadeira, a Folha noticiou aquilo porque o fato de uma desembargadora falar era
importante, só que a Folha noticiou de uma forma que hoje em dia não dá mais pra noticiar.
Ela noticiou que a desembargadora disse aquilo mas não disse logo que aquilo era mentira.
Então, a função do ombudsman, é apontar como o jornal tem que perceber as fake news que
ele pode estar divulgando ou que ele pode favorecer a divulgação de uma fake news”.

A ombudsman cita, na coluna de 26 de março, a reportagem do jornal O Globo47, que


diz que a repetição de notícias falsas sobre a vereadora se deu majoritariamente a partir
do site Ceticismo Político48 (que deu o título "Desembargadora quebra narrativa do PSOL e
diz que Marielle se envolvia com bandidos e é "cadáver comum"), que citou como fonte
a coluna de Mônica Bergamo, da Folha, naquele mesmo dia. Portanto, conforme demonstrado
pelo O Globo, a fake news se difundiu a partir da divulgação do comentário da
desembargadora Marilia Castro Neves pela colunista Mônica Bergamo, no twitter da Folha.

47
Cf. <https://oglobo.globo.com/rio/como-ganhou-corpo-onda-de-fake-news-sobre-marielle-franco-22518202>.
Acesso em: 28 Mai. 2018.
48
Cf. <https://www.ceticismopolitico.org/desembargadora-quebra-narrativa-do-psol-e-diz-que-marielle-se-
envolvia-com-bandidos-e-e-cadaver-comum/>. Acesso em: 28 Mai. 2018.

61
Se o texto da desembargadora tivesse permanecido no âmbito da discussão da rede social de
Paulo Nader dificilmente teria tomado a proporção que tomou.

A responsabilidade jornalística é unicamente com a verdade. O novo projeto editorial


da Folha de São Paulo49 diz que o jornalismo profissional é antídoto para notícia falsa. O
diretor executivo da Folha, Sergio Dávila, questionado pela ombudsman, na coluna de 25 de
março, quanto ao fato, conclui que “é impossível desmentir todas as notícias falsas que se
multiplicam principalmente nas redes sociais. A missão principal do jornalismo profissional
não deveria ser desmentir fake news, mas trazer ao leitor as 'true news', relevantes e
exclusivas." Portanto, oremos pelas “true news”! Ou as notícias verdadeiras não seriam o
objeto primordial e fundamental do jornalismo, constantes no polo ideológico de Traquina
(2005), que nos levaram a ter a credibilidade e profissionalismo que temos hoje?

49
Cf. <https://temas.folha.uol.com.br/projeto-editorial-da-folha/projeto-editorial-2017/introducao.shtml>.
Acesso em: 28 Mai. 2018.

62
CONCLUSÃO

A experiência ao pesquisar o tema proposto, certamente enriqueceu muito a minha


graduação, devido ao amplo conhecimento adquirido nesta área, principalmente, por se tratar
de um tema novo, sem muitos estudos relativos. Além de abrilhantar o fechamento desta
formação acadêmica, este trabalho despertou em mim a vontade de trilhar os rumos da
comunicação e do jornalismo. Um desejo que, por mais de 10 anos, era impensável, devido à
existência de uma carreira prévia. Percebi novamente, com brilho nos olhos, o mesmo
sentimento aguçado pelas palavras de um professor, nas aulas de jornalismo, quando havia me
matriculado para cursar publicidade. Matriculei-me para publicidade por paixão e por
influência de minha irmã, que por muitos anos atuou na área, mas, de fato, fui arrebatado pelo
jornalismo, pelo poder de dar espaço, de maneira justa, aos fatos e acontecimentos da nossa
sociedade. A pesquisa me alertou ainda para a possibilidade de contribuir para a imprensa da
minha cidade, uma vez que, não identifiquei, na cidade, nada relativo ao tema.

Ao questionar as mudanças das estruturas comunicacionais com o paradigma todos-


todos, rompendo as formas clássicas de produção e divulgação, onde qualquer indivíduo pode
criar e divulgar uma notícia, é possível afirmar, a partir desta pesquisa, que o advento da
internet, das redes sociais, e, principalmente, das TICs, mudaram e tendem a modificar ainda
mais o fazer jornalístico.

Castells (1999), na seção 2.1 deste trabalho, diz que “uma revolução tecnológica
concentrada nas tecnologias da informação começou a remodelar a base material da sociedade
em ritmo acelerado”. O contexto desta frase se deu em meio à popularização da internet, que,
nem de longe, se compara ao que existe hoje em termos de tecnologia e velocidade no envio e
recebimento de informações. E, conforme destacado pela pesquisa realizada pelo MIT, na
seção 2,2, as TICs possuem ampla parcela de responsabilidade na divulgação de fake news. O
fácil acesso à internet, bem como os aplicativos disponíveis aos smartphones para edição de
imagem, áudio e vídeo, permitem a produção de notícias por qualquer um, profissional ou
não. Conforme Recuero (2009), as informações difundidas pelas redes sociais não precisam,
necessariamente, ter compromisso social, o que faz com que a imprensa perca o controle da
produção de notícias. Para a atual ombudsman da Folha, o jornalismo profissional deve
aproveitar o momento para se reforçar técnica e qualitativamente, tal qual o ex-ombudsman

63
Carlos Eduardo Lins e Silva cita: “a única saída contra esta tendência é o profissionalismo e a
checagem das informações”.

Também foi possível perceber que, apesar de o ombudsman não ter a função de fact
checking, é ele quem retrata publicamente quando alguma notícia, que não está de acordo com
os preceitos éticos e editoriais, é publicada pelo jornal. A análise crítica é dever do
ombudsman. O papel do Ombusdman da Folha de São Paulo frente ao fenômeno da
disseminação das fake news nas redes sociais foi questionado devido ao fato de duas notícias,
tratadas nas seções 3.2.1 e 3.2.2 terem sido divulgadas pela Folha de São Paulo e que
culminaram em fake news. Para o MIT, a fake news é caracterizada pela desinformação, e
Mino Carta (2003 apud Pereira, 2008) destaca que “o jornalista tem que ter consciência da
sua responsabilidade. Ele presta um serviço público, um serviço que pode ter efeitos muito
profundos e muito graves”. É neste tênue espaço, entre a irresponsabilidade, desvio técnico ou
falta de cuidado de um profissional, que o ombudsman, com extremo bom senso, atua. O
dever do ombudsman, que, inicialmente, seria defender o leitor, passa a ser, também, de
defender a credibilidade da instituição ao qual pertence. E, conforme destacado pela
ombudsman da Folha, esta é a maior dificuldade de ser ombudsman, é necessário ter muita
habilidade e sensibilidade para acertar o tom das críticas.

Contudo, é possível concluir que, em um primeiro momento, o ombudsman não possui


responsabilidade com a produção e apuração de notícias, esta é uma responsabilidade da
redação. No entanto, foi muito importante confrontar a função do ombudsman, o defensor do
leitor, diante de informações falsas produzidas por sua redação, pois, se temos um defensor,
que este nos defenda, e faça com que tenhamos menos acesso às fake news, ao menos das
provenientes de sua instituição. A partir deste momento, conforme citado pelas ombudsmans
da Folha e do El Pais, o ombudsman possui um importante papel no combate às fake news,
pois, no mínimo, as críticas feitas (internas ou públicas) pelo ombudsman, podem produzir
efeitos diretos na maneira como os profissionais do jornalismo produzem.

Lamentavelmente, a função ombudsman perdeu espaço nas redações pelo mundo, no


entanto, conforme Ignatius (2017) cita na seção 1.3, o ombudsman foi uma função criada para
ampliar a confiança pública. E, por isso, deveria estar presente em todas as instituições de
imprensa, principalmente neste momento onde as fake news e a pós-verdade estão
evidenciadas nos feeds de notícias das redes sociais de seus leitores. Seria importante, utilizar

64
o ombudsman como ferramenta de checagem, como ferramenta confiável do público para
esclarecimento das notícias, como àquele que iremos procurar. Para isso seria necessário fazer
um update da função ombudsman, por que não?

É possível questionar, a partir da pesquisa feita neste trabalho, outros temas como, por
exemplo, quais os efeitos produzidos pelas críticas do ombudsman nas redações? Ou como é o
funcionamento de uma redação sem o olhar crítico de um ombudsman? Podemos indagar
ainda se jornais com ombudsman tendem a ter menos fake news produzidas em relação a
jornais que não possuem a função, ou se jornais que retratam as fake news através de um
“defensor” possuem maior credibilidade junto ao leitor. Penso também, se os ombudsmans
devem passar a ter a obrigação de fact-checking ou se é necessário que as redações instalem
uma nova função, específica para isso, visto a grande demanda pública.

65
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68
ANEXO 1

Entrevista com a atual ombudsman da Folha de São Paulo


Paula Cesarino Costa

Local: Livraria Travessa – Ipanema RJ – 17h - 16/04/2018

Entrevistador: Cristiano Azevedo de Oliveira


Entrevistada: Paula Cesarino Costa – Ombudsman da Folha de São Paulo desde 2016

Trabalho acadêmico de conclusão de curso de Jornalismo pela Universidade Estácio de Sá


com pesquisa sobre a ação do ombudsman frente à disseminação de fake news.

A entrevistada, dependendo da pergunta poderá falar como Ombudsman ou como Jornalista


ou até mesmo, caso concorde, em nome da instituição Folha de São Paulo. Julgando
pertinente poderá abster da resposta.

PARTE 1 - A OMBUDSMAN

1 - Paula Cesarino Costa por Paula Cesarino Costa, como surgiu para o jornalismo?

Ombudsman - Minha formação é totalmente na Folha de São Paulo, antes da Folha só


trabalhei em uma editora, que é a Editora Brasiliense. Entrei na Folha em 1987. Entrei como
redatora de um caderno cultural que chamava Folhetim, antecessor do caderno da Ilustríssima.
Trabalhei na política, acho que a maior parte do tempo em política. Fui redatora, editora
assistente, fui editora de política na época do impeachment do Collor. Aí fui editora de
cadernos especiais, editora de negócios, editora de treinamento que era a coordenação do
programa de treinamento que naquela época era uma coisa muito pequenininha, hoje é uma
coisa bem mais complexa. Secretária de redação e diretora da sucursal do Rio. E agora estou
como ombudsman desde 2016, agora esse mês (maio) encerra o segundo ano e é possível que
eu fique mais um terceiro ano, em tese posso ficar quatro anos.

Cristiano - Por vontade ficaria?

69
Ombudsman - Mais um sim, mais dois acho que não. Acho que quatro é muito tempo, três é
um bom período.

2 - Paula Cesarino Costa (jornalista) x Paula Cesarino Costa (ombudsman)


Cristiano - Caio Tulio Costa relata em seu livro “Ombudsman” que a função exige que se
“pense contra si próprio”. Existem autocríticas à carreira de jornalista?

Ombudsman - É difícil, eu acho que, na verdade, a ombudsman hoje é resultado do que eu fui
como jornalista porque eu consigo ser ombudsman hoje pelo fato de ter feito tudo isso que eu
fiz antes, e eu acho que minha atuação foi sempre de edição e muito do que eu fazia é um
pouco do que eu faço como ombudsman, enfim, se critica, você refaz edição, você olha, então
no fundo é muito parecido.

Cristiano – Existe crítica para a jornalista Paula Cesarino Costa? Faria alguma coisa
diferente?

Ombudsman – Talvez a crítica maior que eu tenha na minha trajetória foi o fato de não ter
sido repórter. Foi muito pouco, não deve somar um ano os meses que fui repórter. Não acho
que é o meu perfil. Acho que existem dois perfis muito claros. É quase impossível um ótimo
repórter ser um ótimo editor e vice-versa.

3 - Quais os critérios da Folha para que se possa atuar nesse papel?

Ombudsman – Não tem nada definido, não precisa ser nada, não precisa, inclusive, nem ser da
Folha. A Folha já tentou em duas ocasiões ter alguém de fora da Folha, é uma coisa mais
complicada, mas seria uma experiência diferente. Até hoje foram todos da Folha. Então
tiveram alguns com mais experiência, outros com menos. Então realmente não tem
nenhuma... só ter um bom senso crítico, imagino.

4 - A Paula se candidatou ou foi selecionada para a função? Como se deu esse processo?

Ombudsman – Não, fui convidada. É uma decisão puramente da direção de redação.


5 - Quais as funções diárias do ombudsman na Folha?

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Ombudsman – Talvez o ombudsman seja uma das primeiras pessoas a começar a trabalhar.
Não precisa estar presente na sede da Folha. Trabalho e moro no Rio de Janeiro e sou
ombudsman. Em tese você pode ser ombudsman de qualquer lugar do mundo hoje em dia. Por
que você consegue ver os jornais por meios digitais, mesmo das versões impressas, então não
tem necessidade. Basicamente dá pra dividir em três aspectos a rotina do ombudsman: o
primeiro, diário, é a crítica interna. Todos os dias por volta de meio-dia, uma hora, eu produzo
uma crítica que é distribuída internamente só na redação. Por isso que minha rotina começa
muito cedo. Tenho que ler pelo menos os três jornais, Globo, Folha e Estado, O Valor nem
sempre, às vezes olho só a capa, às vezes leio mais, depende um pouco. E olhar os sites. E a
partir de tudo isso, olho tudo, claro que às vezes leio mais, leio menos, depende muito da
edição, de como eu leio esses três jornais, mas especialmente leio a Folha e os outros para
comparar como foi a edição da Folha. O objetivo é basicamente fazer uma avaliação da
edição baseada na minha leitura crítica, nos comentários dos leitores, e nos emails que
chegam até as onze ou que chegaram no dia anterior. E não é só da edição impressa, na
verdade, hoje em dia, eu e as duas últimas ombudsmans pegamos um pouco a transição da
questão digital. Antigamente, o Carlos Eduardo por exemplo, só fazia a avaliação do
impresso, hoje não. Hoje tem que fazer a avaliação do impresso, e também do digital. A
crítica de amanhã eu vou falar um pouco de como o jornal se desempenhou durante a tarde,
durante a noite da véspera. Isso tá muito em transição, na verdade, o que precisa mudar no
trabalho do ombudsman hoje é essa avaliação do digital, como fazer ela, porque no fundo ela
não termina. Posso fazer uma crítica do hoje, do agora da home, e daqui a meia hora outra e
outra, então como fazer essa avaliação? Isso está em discussão.

O segundo aspecto é o contato com os leitores. A gente recebe os emails, lê e repassa


para a redação, porque o ombudsman tem essa função de advogado intermediador. Então ele
recebe a reclamação, as perguntas, passa para redação, a redação responde, passa pra mim, e
eu devolvo para os leitores, às vezes simplesmente repasso e às vezes acrescento a minha
opinião. São erros pontuais, coisas variadas que os leitores observam.

E o terceiro aspecto visível para o leitor é a coluna de domingo. A ideia é que seja uma
crítica de mídia, não necessariamente só da Folha, mas especialmente da Folha, mas também
de todos os meios de comunicação. E de temas do jornalismo em geral. A rotina é isso.

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6 - O ombudsman interfere no processo produtivo de notícias?

Ombudsman – Em última instância eu diria que interfere, mas ele não tem o poder de
interferir. O ombudsman não tem nenhuma ingerência sobre o que é publicado. Por que eu
digo isso, observações que eu faço na crítica interna elas acabam tendo consequências
objetivas no jornal do dia seguinte ou nos dias seguintes. Então ele interfere, mas não tem
poder de interferir. Interfere porque as críticas dele podem ser ouvidas e consideradas, e terem
consequências, mas é o que falo todo dia, eu não pauto redação: faça isso, redação publique
isso, não, não existe isso. Em tese eu até posso dizer, isso tá errado, e a redação pode decidir
não publicar. Então o ombudsman não tem esse poder.

Cristiano – De qualquer forma existe alguma resistência dos repórteres, dos jornalistas,
quando ocorre de ter alguma interferência da ombudsman?

Ombudsman – A Folha tem ombudsman há 27 ou 28 anos, então para redação da Folha já é


uma coisa que está tão dentro, tão acostumada, faz tão parte da rotina, que não existe mais
essa resistência. É muito comum chegar pessoas que vem de outras culturas jornalísticas,
repórter contratado vindo de outro lugar, e ele estranhar. Ele estranha que tenha uma crítica
diária que vai lá, bate na turma, critica a reportagem dele, então existe um certo
estranhamento. Há resistência, há discussão, há contestação. Eu faço críticas que muitas vezes
eles não concordam. Mas de uma forma geral, a redação está muito acostumada a ter uma
pessoa que critica diariamente. E dependendo do ombudsman, dependendo da chefia de
redação, funciona melhor ou de forma mais ou menos tensa. Eu tenho pra mim o seguinte, que
o fundamental, isso eu conversei com a Margareth Sullivan (na ocasião ombudsman do New
York Times), que uma das coisas mais importantes da crítica é o tom. Então o tom que você
utiliza numa crítica é muito fundamental. Se você usar agressividade, ironia, quem é criticado
recebe de uma forma. Essa é uma das dificuldades de ser ombudsman, você tem que acertar o
tom.

7 - O The Washington Post manteve a função de 1970 a 2013; O The New York Times
inseriu a função somente em 2003 após crise interna de plágio por conta de jornalistas, e c
isso abalando sua credibilidade. E eliminou em junho de 2017. A grande maioria dos veículos
mantém apenas centrais de relacionamento ou até mesmo SACs. Quais os motivos que levam

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a Folha ser um dos poucos veículos de grande porte a manter a função de ombudsman na
imprensa?

Ombudsman – Primeiro acho que assim, ser o único jornal do país de circulação nacional,
basicamente a Folha e o Povo de Fortaleza, eu acho que é uma marca muito importante até
pelo marketing. Isso dá uma credibilidade ao jornal. Faz parte do projeto Folha, tá no DNA do
jornal. Ter essa transparência, essa autocrítica, esse espaço, acho que isso é a alma do jornal e
acho que é o que faz o jornal manter leitores e mesmo aqueles que criticam a Folha, que a
relação do leitor com a Folha foi sempre uma relação de amor e ódio, isso dá muito peso ao
jornal. É desagradável? É. Mas por que esses jornais todos pararam? Muitos no mundo inteiro
cortaram a função por corte de custos. Corta-se tanta coisa que corta também aquela pessoa
que está falando mal de você. O The New York Times foi muito criticado ano passado quando
encerraram, e no fundo sempre foram muito resistentes à função, até o caso Jason Blair eles
resistiam muito, só foi colocado por causa do caso Jason Blair, na primeira oportunidade que
deu para acabar eles acabaram, com um argumento que, eu considero falacioso, de que as
redes sociais cumprem essa função. Não! As redes sociais cumprem uma função que não tem
nada a ver com essa, e importante. E o The Washington Post fez a proposta de ter uma crítica
de mídia, justamente a Margareth Sullivan que citei, eles optaram por ter uma crítica de mídia
e não mais um ombudsman. Mas são funções diferentes, porque ombudsman fala do próprio
jornal e crítica de mídia faz uma coisa mais ampla. Acho que virou quase uma questão de
honra da Folha de manter essa função, porque realmente o jornal considera fundamental.

Cristiano – Hoje, a ombudsman da Folha tem que manter a crítica das redes sociais também,
não funcionaria como essa crítica de mídia da Sullivan?

Ombudsman – Se eu fosse fazer realmente uma crítica de mídia eu teria que ter uma outra
dinâmica de trabalho, por exemplo: Tem o Nelson de Sá, que é o colunista da Folha que
escreve sobre mídia, que ele pode fazer crítica de mídia, eu realmente acabo focando muito na
Folha, fazer tudo não dá certo, óbvio que assim, pra criticar a Folha eu tenho que olhar as
redes sociais, é uma coisa muito complexa isso.

8 - Outros colegas de função tiveram alguns embates, principalmente com outros jornalistas
da casa, e em geral por questões políticas ou pelo enfoque dado aos casos e em algumas vezes

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colocando os pontos de vista de ideologia pessoal à frente do fato a ser observado. Você já
passou por algo do tipo? E como é para o ombudsman quando algo desse tipo acontece?

Ombudsman – Nesses dois anos as minhas “polêmicas” eu tive duas respostas, uma com
Reinaldo Azevedo, que foi meu editor adjunto quando eu era editora de política, foi em um
ocasião quando citei ele na questão da cultura do estupro, e tinha uma frase na minha crítica
que falava que ele dizia que não existia cultura do estupro. E aí ele fez uma grande resposta.
Outra foi durante a cobertura de olimpíada, e o editor de esportes respondeu porque
discordava também. E a polêmica maior foi uma coluna sobre a questão da procuradoria, que
falei sobre a coletiva em off que os procuradores davam, assim, eu nunca tive isso, porque eu
acho que, por exemplo, a Suzana Singer, pra mim, uma das melhores ombudsman de todos os
doze, nunca teve desvios ideológicos, por que eu acho realmente uma coisa problemática para
o ombudsman e aí (ao polemizar, também com Reinaldo Azevedo) acho que ela usou um
termo que passou um pouco do ponto, na verdade. A minha trajetória, pessoalmente, eu não
tenho opinião política, não torço pra ninguém, não voto, então é um pouco resultado disso
também. É muito fácil me manter numa posição de nem isso nem aquilo, isento.

9 - Quem pode intervir quando opiniões e pontos de vista ideológicos pessoais são colocados
por um ombudsman?

Ombudsman – Não, isso não existe, depois pode até falar alguma coisa, fazer algum
comentário, mas jamais, mexer na coluna do ombudsman não existe.

10 - Ainda no tema de “constrangimentos internos”, em 2008 Mário Magalhães não renovou


seu contrato na função pois a Folha condicionou a renovação a não publicar mais as colunas
do ombudsman na internet. Qual a sua visão sobre este caso, uma vez que, em 2008, a internet
já era bastante difundida?

Ombudsman – Eu, pessoalmente, inclusive, desde que fui secretária de redação, eu sempre fui
contra de que a crítica interna fosse pública, por que são funções diferentes. Quando eu faço
uma crítica interna, eu faço pra ela circular internamente, então o jeito que ela vai ser recebida
é um. Se eu for fazer a mesma crítica para o publico geral ela tem que ser diferente. Porque
são função diferentes. Tem coisas que são muito de discussão interna que ao leitor comum
não interessa e não vai entender. Acho que, hoje em dia, você pode pensar em mudar, talvez

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tenha que mudar o formato que existe hoje. O que a Folha faz só a Folha faz. Não tem
nenhum ombudsman no mundo que faça crítica diária interna, nenhum. É um trabalho brutal.
Falo sempre sobre o The New York Times porque acaba sendo nosso modelo. A Margareth
Sullivan colocava críticas sempre públicas, só que ela fazia três vezes por semana. É como se
eu fizesse a coluna de domingo menor, mas algumas vezes. É uma opção. São funções
diferentes, quando você faz internamente você pega alguns detalhes que para o jornal, a
crítica interna fechada é mais útil. Aquilo que você perguntou de ter consequência, a crítica
interna acaba tendo mais consequência, real, para o resultado final do jornal, porque ela é
fechada.

11 - Neste período de pós-verdade, de necessidade de checagem sistêmica de informações,


eliminar o ombudsman que é um instrumento de mediação público/redação, de crítica interna,
e portanto, de legitimação da verdade, pode impactar na diminuição da credibilidade no
veículo?

Ombudsman – Imediatamente, pra Folha impactaria totalmente.

12 - Como lidar com os conflitos de interesses corporativos. Ex.: O que fazer quando um
grande anunciante/patrocinador do jornal está envolvido em algum escândalo e os fatos não
são relatados como deveria?

Ombudsman – Lidar como qualquer outra coisa. Respondendo como jornalista, e não como
ombudsman, você tem vários exemplos da Folha, de reportagens investigativas contra
“anunciantes”. Me lembro o caso Cyrella, uma incorporadora de São Paulo, ela era o maior
anunciante do jornal e tem várias matérias. Caso da Gol, recentemente, matérias de Lava-
Jato, então assim, não acho que isso acontece em todos os jornais. Temos mais cuidados com
notícias sobre banco por que banco se você mexe o banco quebra e quebra o sistema
financeiro. Sempre se teve muito cuidado com noticiário sobre branco. Mas falar: não publica
isso porque é anunciante. Não existe!

13 - A ética e o jornalismo devem andar de mãos dadas, no entanto, nem sempre isso
acontece. Como lidar com os interesses pessoais? Existe corrupção de jornalista?

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Ombudsman – Eu fiz parte da comissão de elaboração do novo Manual de Redação da Folha,
discutimos muito sobre vários momentos em que o jornalista corre o risco de se desviar por
conta de interesses pessoais, de favorecimentos pessoais que alguém possa lhe dar para fazer
uma reportagem tal. Então, acho que existe esse risco, cada um tem que saber como se
comportar e o jornal tem que saber olhar os seus profissionais para que isso não aconteça. Em
jornais grandes é mais difícil de isso acontecer. Tem uma frase que é muito boa no Manual
que diz o seguinte: Ao apurar uma matéria, não faça nada que depois você possa contar
publicamente. (O manual) Tem várias coisas que são dicas que, de fato, se você seguir aquilo,
você tá garantindo um comportamento ético.

PARTE 2 - FAKE NEWS

14 - Talvez as fake news sejam o grande pesadelo de quem deve zelar pela verdade. Para o
Papa Francisco, a primeira fake news foi feita pela serpente à Eva ainda no paraíso; Guerras
começaram devido à fake news (Segunda guerra Hitler e EUA/Espanha); Escola Base,
Boimate, entre outras; Qual o conceito de fake news para a ombudsman ou para a folha?

Ombudsman – O ombudsman está na melhor das posições, porque ele não tem que fazer nada.
O ombudsman não tem nenhuma influência na fake news, ele tem que alertar o jornal de que
ele pode estar (disseminando). O problema não é do ombudsman, o problema é da redação. O
problema é do editor. O mais difícil hoje em dia é como é que as direções de jornal atuam
contra as fake news. Por que como a minha função não entra na produção do jornal, o
ombudsman é fundamental pra isso, pra alertar e apontar coisas que o jornal publicou, e que
podem ser fake news. Aquela coluna que fiz sobre a Marielle, eu falo um pouco sobre isso. Se
numa simples reportagem, que não estava errada, mas que dizia que a desembargadora tinha
dito que a Marielle era ligada aos traficantes, a primeira matéria foi da Folha, e estava
tecnicamente correta, mas o jeito que ela foi usada pelas redes sociais, ela se transformou
numa fake news. A desembargadora falava uma coisa que ela não sabia, que não era
verdadeira, a Folha noticiou aquilo porque o fato de uma desembargadora falar era
importante, só que a Folha noticiou de uma forma que hoje em dia não dá mais pra noticiar.
Ela noticiou que a desembargadora disse aquilo mas não disse logo que aquilo era mentira.
Então, a função do ombudsman, é apontar como o jornal tem que perceber as fake news que
ele pode estar divulgando ou que ele pode favorecer a divulgação de uma fake news.

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Esse ano, minha principal preocupação é, como eu vou acompanhar, nesse momento de
eleição, essa quantidade de produção de informações que não são verdadeiras. Eu não tenho
que acompanhar as informações falsas, tenho que acompanhar o que a Folha publica de
informações falsas. O desafio maior, o problema maior, não é meu não, é da redação. Você lê
os jornais hoje, especialmente as versões digitais, porque acho mais difícil uma fake news
chegar no impresso, porque se tem um tempo maior de crítica, de maturação, do que na versão
digital dos jornais. Então ali, que é onde eu tenho que tá de olho, é muito fácil o jornal acabar
caindo em fake news. Essa é a grande discussão mundial do jornalismo. Eu fui num congresso
de ombudsman na Índia ano passado, e todo mundo questionava o que é fake news. Tem um
estudo do Instituto Reuters de Oxford, que caracterizam fake news como várias coisas:
informações falsas mesmo, por má fé, produzidas pra serem falsas, informações mal apuradas,
então são várias coisas que hoje você coloca dentro dessa palavra bonita que é fake news.

15 - Qual sua percepção jornalística, ou a posição editorial da Folha, em relação à produção


banalizada de fake news? O atores, os motivos e os objetivos de sua produção.

Ombudsman – No caso da Marielle, por exemplo, eu perguntei pra eles (direção) se o jornal
tinha algum tipo de estrutura, de orientação, e eles falaram que vão entrar num projeto, em
conjunto com vários jornais do mundo, para combate à fake news, então eu acho que isso é
muito pouco, pois as fake news passam a ser uma preocupação de todo jornalista, de cada
profissional, cada um tem que estar atento um pouco nisso. E a fake news é notícia.

Cristiano – Todo mundo consegue produzir notícia, como deixar isso na mão do jornalista?

Ombudsman – O problema é isso, aí você vai ter notícias com viés ideológico. Você tem
muito hoje, por exemplo, que são sites informativos, importantes e que o jornal deveria saber
usar mais, mas que são sites que tem uma ideologia por trás. Por exemplo, sites militantes que
trazem informação. Mas essa informação ele tem que ser olhada com olhar mais distanciado,
porque o fato podem ter mil e uma versões. O que hoje a imprensa tradicional tem que fazer é
mostrar que ela é capaz de explicar para o leitor os vários olhares para o mesmo fato.

16 - Já teve algum caso de fake news publicado na Folha e que teve de retratar? Ou de algum
colega anterior, e sendo de um colega anterior, qual sua percepção como ombudsman,
avaliando a ação do colega na época?

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Se não houve ok, mas se hipoteticamente acontecesse, qual seria o posicionamento da
ombudsman?
A entrevistada não recordou quais foram os casos mas apuramos dois casos abordados neste
trabalho.
17 - A coluna da semana passada “Distanciamento histórico”, quando, via twitter, foi
noticiada a intervenção militar sem citar a data real da notícia, pode ser considerada uma fake
news? ou para ser fake news é necessário ter o objetivo principal de enganar o leitor por algum
motivo?

Ombudsman – Foi um absurdo, digamos assim, eu tenho convicção de que, de fato, foi um
deslize. Em tese pode ser considerada uma fake news. Tudo cabe em fake news. Aquilo é um
tipo de fake news. Acabou sendo por conta de um erro, um erro técnico.

18 - Visto que a responsabilidade jornalística é unicamente com a verdade dos fatos, quais os
receios da imprensa (ou da Folha) em relação a crescente disseminação de fake news?

Ombudsman – O ombudsman é muito à parte da discussão interna. Eu sei que há muita


discussão na redação sobre isso hoje. Como jornalista, o receio é um pouco essa questão de
você não conseguir controlar, não saber a informação a tempo, a velocidade das fake news, da
produção de notícias falsas é tão grande que o risco da imprensa é não saber como lidar com
ela. Ou não publica nada, fica imobilizada numa não publicação ou cai nas histórias, então é
muito difícil. As pessoas não sabem ainda como é possível conseguir produzir fake news,
quais são as várias possibilidades de produção. Nem os riscos ainda estão traçados.

19 - Teve algum caso em que os concorrentes publicaram alguma fake news e a Folha, por
observação e checagem própria, não publicou?

Ombudsman – Não. Ainda não

20 - Além dos critérios conhecidos de produção como checagem e apuração, foram criados
métodos pela redação ou pelo ombudsman para combater especificamente este quadro de fake
news?

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Ombudsman – Hoje temos o fact-checking, ontem estava olhando o aosfatos, e ele tem ali um
manual com 10 pontos que todo jornalista deveria checar para não cair em fake news. Acho
que a Folha está um pouco lenta nessa questão da fake news. Até no próprio noticiário de fake
news O Globo está muito mais atento a isso, mostrando muito mais. Teoricamente isso tem
que estar todos os dias nos jornais. Todo dia há um caso de fake news. Todo dia há uma
tentativa, não necessariamente no Brasil mas no mundo todo. Essa é uma pauta! Além de ser
uma preocupação de procedimento jornalístico, deveria ser uma pauta obrigatória.

21 - A atividade jornalística tende a se reforçar (técnica e qualitativamente) devido à


ampliação da necessidade de checagem, apuração, etc?

Ombudsman – Acredito que sim, ou morre. Tudo tende a isso.

PARTE 3 - REDES SOCIAIS

22 - Como fica o trabalho do ombudsman nessa esfera publica alargada e interconectada, com
o advento dos smatphones e das redes sociais, com a produção de notícias surgindo de todos
os lados? todos produzem, todos enviam, todos recebem; Como é vista esta “disputa” entre a
imprensa tradicional com os novos mediadores nesta nova esfera pública?

Ombudsman – Falando exclusivamente do ombudsman da Folha hoje, a gente está muito no


século passado. Eu peguei a estrutura do departamento de ombudsman com facebook (pouco
utilizado), no twiter tem lá o @folhaombudsman mas a gente não atua, eu nunca posto nada.
Essa é uma discussão para um novo mandato porque no fundo a gente precisa de alguma
forma ter uma atuação maior, inclusive muitos leitores pedem pro ombudsman ter um
whatsapp, tem sentido, mas precisa de uma estrutura pra isso. Essa é uma discussão onde o
jornalismo precisa melhorar. Pensar um pouco melhor como ele deve atuar nas redes sociais.
Agora, olhar as redes sociais, a gente tá lá, a minha assistente, a Vanessa, tem essa função de
ficar no twiter, tudo que vai no @folhaombudsman a gente vê, mas a gente ainda não pensou
como seria a presença do ombudsman ali.
Acho que a imprensa tradicional tem muito a aprender em como lidar com os novos
mediadores porque, especialmente, eu acho que a imprensa deveria usar, fazer parcerias, olhar
e ler criticamente. A postura de briga, de disputa é inútil. Hoje em dia, pra saber o que está
acontecendo em vários lugares, só se você for lá e ouvir no “Fala Alemão” e as pessoas se

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informam com isso. Você vê leitores que se informam sobre o que está acontecendo no
entorno deles, por esses grupos locais. Se a grande imprensa não for lá, não tentar interagir
com esses grupos, vai ficar fora do mundo. A gente ainda está muito longe de saber como
lidar, como se relacionar, com esses produtores de notícias que são fundamentais. Precisaria
avançar muito.

23 - No sentido de divulgação de marca e de venda de notícias, qual a importância das redes


sociais para a imprensa?

Ombudsman – A Folha saiu do facebook, na prática não faz muita diferença porque a Folha
está no facebook, as pessoas compartilham a Folha no facebook. (impreciso)

24 - A Folha atualmente publica nas seguintes redes sociais: Twitter, Instagram, e Linkedin.
Twitter é Uma rede social de mensagens curtas com 330 milhões de usuários no mundo, mas
que depende de ser seguido. A Folha tem a substancial quantia de 6,3 milhões de seguidores;
Do ponto de vista da ombudsman, quais os critérios adotados pela Folha para que fossem
mantidas estas redes sociais das quais 2 não possuem o conteúdo jornalístico como atração
principal de suas redes e a maior delas impõe que se use apenas 280 caracteres para informar,
o que nem sempre é possível (haja visto o caso “Distanciamento Histórico”)?

Ombudsman – O twitter é o mais importante para o jornal como informação. No Brasil ainda
é muito menor que nos EUA, lá todo mundo lê o twitter toda hora, e eu tenho a impressão,
impressão pura, nenhuma informação, de que o twitter é muito mais usado por profissionais
jornalistas, não é uma rede popular, é uma rede de quem quer ter informação. Por isso que ela
é mais importante para o jornal. Usado mais como teaser pra chamar pro jornal.

Cristiano - Instagram éuma rede social de compartilhamento instantâneo de fotografias em


que a Folha tem 762mil seguidores, bem abaixo do twitter;

Ombudsman - A Folha está investindo mais no Instagram após sair do facebook. O The
Guardian, por exemplo, usa o Instagram como a principal forma de divulgação. O Instagram
está se transformando e é a rede social pra se olhar.

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Cristiano - E o Linkedin é uma rede social voltada a compartilhamento de currículos e
experiências profissionais com 785mil seguidores.

Ombudsman - Realmente não sei porque a Folha tem essa rede social.

25 - A Folha “postou” em 08 de fevereiro de 2018 o seu último post no facebook, onde


explicava os motivos pelos quais não publicaria mais no Facebook. A ombudsman comentou
a decisão dias depois, com o artigo “Facebook eu acuso!” e disse: “A decisão da Folha tem
forte aspecto político e pode até levar a queda no acesso ao seu site. São quase 6 milhões de
seguidores que deixarão de receber as postagens do jornal. Como ficará a relação deles com
a Folha? Não dá para prever”. Da percepção da ombudsman, as perguntas são as seguintes:

25.1 - Quais são os aspectos políticos que menciona?

Ombudsman – Acho que é uma decisão muito mais política no sentido de desafia o facebook.
A Folha disse o seguinte, não vamos mais estar aqui porque não aceitamos ficar dando de
graça pra vocês e ponto. Política porque não se pensou na questão econômica, de vamos
perder gente. Vamos marcar posição, não vamos dar de graça pra eles a nossa informação que
é o nosso valor maior.

25.2 - Após pouco mais de 2 meses, já é possível perceber algo em relação à decisão?

Ombudsman – Nas manifestações para o ombudsman não, tiveram inicialmente algumas


críticas, mas desapareceu, ninguém mais comenta.

Cristiano – Pode não parecer muito mas cerca de 23mil pessoas estavam seguindo esse
assunto.

Ombudsman – Mobilizou muito mas teve muita gente que apoiou, e a Folha teve a sorte de ter
feito isso antes desse momento trágico do facebook, e o facebook caminha para uma
decadência, então acho que para a Folha, do ponto de vista de imagem, foi ótimo. Porque fez
uma coisa que, eu concordo com a posição do jornal, acho que fez bem em ter feito isso, e
apesar de não ter esses números, com certeza caiu a audiência.

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25.3 - A mudança no algoritmo do facebook, privilegiando que notícias do círculo de amigos
e assuntos de preferência do usuário apareçam primeiro no feed de notícias, não impacta
apenas na vontade do usuário? Ex.: O usuário pode sinalizar, curtindo a Folha, e escolher a
opção “ver primeiro” e assim receber as notícias também em primeiro. Algo como uma banca
de jornais onde tem vários atrativos e o comprador decide ser quer ver revistas, gibis ou
jornais.

Ombudsman – Teoricamente ele pode fazer, mas ninguém faz, a grande maioria das pessoas
não faz isso, ela entra no facebook e como veio veio. (impreciso)

25.4 - Deixar de levar seu conteúdo, por escolha própria, à quase 6 milhões de usuários não
empobreceria (culturalmente e financeiramente) apenas o facebook, mas também à Folha e
principalmente aos usuários?

Ombudsman – Eu acho que não, não tenho esses dados mas, a porcentagem de pessoas que
acessavam a Folha via facebook, não é tão grande assim, o total de pessoas, então, como falei,
é uma decisão política, o custo dela é esse.

25.5 - Segundo o IBGE, ainda em 2014, 80.4% das pessoas que acessavam a internet,
acessavam pelo celular e quase 50% apenas pelo celular. Outro dado da Quartz, de 2014,
mostrava que 55% dos brasileiros acham que o facebook é a internet. Com a decisão da Folha
de deixar de publicar no facebook, assim como o caso de Mario Magalhães em 2008, mesmo
com os argumentos apresentados pela Folha, pode se considerar que a Folha recuou
tecnologicamente, talvez com o seu maior parceiro de divulgação a nível global?

Ombudsman – Acho que não, em nenhum sentido, primeiro que, quando você fala de acessar
o celular, de fato, hoje 60% ou mais das pessoas, é um índice crescente, as pessoas lêem a
Folha pelo celular. Mas não em rede social, nem o facebook, elas lêem o site da Folha, o
aplicativo da Folha, então não faz diferença ter o facebook ou não. O jornal precisa melhorar
sim seu aplicativo. O facebook não é seu maior parceiro, se não me engano o Google é maior,
o acesso da Folha que vem do Google é maior que o que vinha do facebook. Tirar do Google
acho que seria um problema, impedir que o Google dê no Folha, até não existe essa
possibilidade, mas isso seria um problema, então eu acho que não. Acho que esse assunto do
facebook a Folha fez correto, o tempo está dando razão agora acho que ela vai perder leitores,

82
leitores não, ela vai perder acessos, que eram via facebook. Mas não só a Folha, todos os
órgãos de imprensa vinham numa queda de acesso via facebook.

25.6 - A ombudsman diz: “A comparação dos números de acesso originados na rede social
antes e depois revela queda de visualização de sites jornalísticos e aumento da audiência de
sites produtores de notícias falsas”, e conclui “No contexto de luta pela sobrevivência e pela
valorização da notícia verdadeira, a radicalidade da Folha merece ser apoiada”. Uma vez que
estamos em constante desenvolvimento, ter uma referência como a Folha em mãos, como
objeto de “fact checking”, escolhido pelo usuário por ter credibilidade para confrontar as fake
news, não é importante para o desenvolvimento do jornalismo?

Ombudsman – É, eu entendo, mas eu acho que não é necessário, acho que a Folha não precisa
do facebook pra isso, porque a Folha tá no facebook, a Folha é compartilhada no facebook
(através e links). Não acho absurdo, dá pra dizer que sim e não, tem razão, é ruim porque
menos gente acessa, mas ao mesmo tempo o motivo de não acessar tem sentido.

25.7 - Caso o facebook reveja seu algoritmo, a Folha voltaria a publicar na rede?

Ombudsman – não respondido.

83
ANEXO 2

Declaração da atual ombudsman do Jornal El País – Espanha

Lola Galán
2018-05-24 13:34 GMT-03:00 ELPAIS. Defensora <Defensora@elpais.es>:

Estimado señor Azevedo:

EL PAÍS sigue teniendo una Defensora del Lector, que en estos momento soy yo. La
rutina de la Defensora está recogida en el estatuto que da vida a la figura, creada en 1985.
Atiendo las quejas de los lectores (la mayoría vía correo electrónico) e investigo los errores
que denuncian en sus cartas, tanto los relativos a la edición impresa como a la digital.

Respondo individualmente a estas quejas, y algunas de ellas, por su importancia o


interés, las abordó extensamente en mi blog (le envío el enlace de la última cuestión
tratada,https://elpais.com/agr/defensor_del_lector), o en artículos quincenales que se publican
en la edición impresa.

Le remito también un enlace a uno de los artículos en los que he tratado el tema de las
‘fakenews’: https://elpais.com/elpais/2017/12/10/defensor_del_lector/1512927403_157135.ht
ml. EL PAÍS ha dedicado gran cantidad de artículos y algún editorial al tema de las ‘fake
news’ que puede usted encontrar en el buscador google.

Obviamente, el diario es partidario de que las instituciones europeas (y las españolas)


se impliquen en la detección y en la lucha contra la propagación de estas noticias falsas.
La figura del Ombudsman cobra mayor importancia, en mi opinión, ante el reto que
representan las ‘fake news’, ya que su labor de examen y clarificación de lo publicado puede
contribuir a combatirlas.

Atentamente
Lola Galán
Defensora del Lector
defensora@elpais.es

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De: Cristiano Azevedo [mailto:cristiano.azevedo@variac-br.com]
Enviado el: jueves, 24 de mayo de 2018 16:20
Para: ELPAIS. Defensora; ELPAIS. CartasDirector
Asunto: Ayuda Trabajo Académico - El Defensor

Buenos Dias!

Soy brasileño, estudiante de periodismo, mi trabajo final de formación académica cuestiona la


acción del ombudsman en cuanto al gran intercambio de fake news. Me gustaría confirmar si
El País todavía tiene la función de ombudsman, y si me podría informar un poco de su rutina,
tanto como su posición, ou de El Pais, cuanto a las fake news. Anticipadamente agradezco su
atención.

Gracias!!!

Cristiano Azevedo

85
ANEXO 3

Coluna “Distanciamento histórico” da ombudsman da Folha


< https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2018/04/distanciamento-historico.shtml>

8.abr.2018 às 4h14

“Quase caí da cama”, me escreveu uma leitora ao comentar a manchete da Folha que acabara
de ler no Twitter no meio da madrugada: “Protestos levam cúpula militar a avaliar adoção de
estado de sítio”. A postagem, publicada na rede a 1h43 da terça-feira, relembrava fato
acontecido em 3 de abril de 1968. Fazia parte da seção "Há 50 anos", que a Folha publica
diariamente. O tuíte do jornal, no entanto, não tinha nenhuma indicação desse detalhe
temporal fundamental.

86
Para piorar o quadro, às 16h39 do mesmo dia 3, o comandante do exército, general
Eduardo Villas Bôas, escreveu, na mesma rede social, que a força compartilhava “o anseio de
todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à constituição, à paz social e
à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”.

Nos tempos conflagrados em que o país vive, todo cuidado é pouco. O leitor Adriano
Abreu reclamou: “A matéria aparenta ser atual e falar sobre um acontecimento atual,
principalmente no contexto recente de intervenção militar no Rio, protestos a favor e contra a
prisão do ex-presidente Lula e incertezas sobre as eleições deste ano”. Classificou como
“imprudente” a forma como o jornal atuou. “Qualquer coisa hoje, nas redes sociais, é dada
como verdade, sem mesmo as pessoas terem lido. Notícias que se encaixam no contexto em
que vivemos viralizam e têm maior poder de convencimento. Divulgar matéria de 50 anos
atrás, sem indicar explicitamente do que se trata, é uma imprudência enorme.
A Folha espalhou fake news e desinformação.”

Mais leitores manifestaram indignação: “beira a irresponsabilidade”, “chamada que induza


erro na leitura”, “canalhice”, “caça-clique para desavisados”, rotularam.

O editor de mídias sociais da Folha, Ygor Salles, reconheceu que os leitores têm razão na
reclamação e que o título não deixava claro que se tratava de texto sobre evento histórico.
Explicou que “o efeito é ainda maior no Twitter, onde inexistem os elementos gráficos que
permitam sinalizar a diferença”.

Além de assumir prontamente o erro, o jornal decidiu alterar a prática que adotava até então.
Todos os textos originados no Banco de Dados, como os da seção "Há 50 anos" e os posts
do blog acervo Folha, passaram a ter sempre o ano a que se referem já no título. Salles fez
questão de ressaltar que foi erro de procedimento. “Nada tem a ver com algum viés político”.

87
DIMENSÃO HISTÓRICA

O jornalismo tem papel fundamental na construção da história e da memória social.


Sem o registro imediato do jornalista, o trabalho do historiador torna-se mais difícil e mais
impreciso. O registro do cotidiano realizado pela imprensa é elemento essencial para a revisão
crítica dos acontecimentos.

O país tem sido pródigo em acontecimentos políticos que merecem ser chamados de
históricos. Por vezes, a repetição de fatos que separadamente seriam interpretados como
espetaculares provoca saturação no leitor. Por vezes, causa também efeitos anestésicos nos
procedimentos jornalísticos.

Não é a primeira vez que aponto aqui fragilidades da Folha ao minimizar o caráter
histórico dos fatos ou não oferecer em sua edição elementos dessa dimensão histórica.

Foi o que ocorreu na edição de sexta-feira, 6, dia seguinte à decretação da prisão do


ex-presidente Luiz Inácio Lula da silva. A Folha acertou ao oferecer ao leitor um olhar para o
futuro — publicando texto analítico sobre as perspectivas da eleição deste ano. Falhou, no
entanto, no aspecto histórico, ao não trazer informações obrigatórias de contextualização. O
jornal abriu mão de fazer um mergulho nos detalhes que levaram à crise política inédita
causada pela prisão iminente de um ex-presidente da República, condenado por corrupção e
lavagem de dinheiro.

Faltou o básico: não lembrou a trajetória política de Lula nem resumiu o caminho da
denúncia até a sua prisão. Não contou os casos de outros presidentes presos por
razões distintas da atual. Perdeu a chance de ser didático e de fazer uma revisão crítica
necessária dos acontecimentos recentes.

O olhar para o passado serve tanto para entender o presente como para ajudar a
dimensionar as notícias, projetando o significado que terão no futuro. Jornalismo
investigativo não é só denúncias e escândalos. Tem relação com o jornalismo interpretativo
ou analítico. Ao buscar causas e origens dos fatos, coloca luzes sobre o passado, dá base para
o entendimento do presente e aponta os temas relevantes para o futuro. Fazer essa articulação
é tarefa nobre, muito acima da capacidade dos buscadores da internet e de seus algoritmos.

Paula Cesarino Costa

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ANEXO 4

Coluna Mônica Bergamo – Folha online 16 Mar. 2018


<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2018/03/desembargadora-diz-que-marielle-estava-envolvida-com-
bandidos-e-e-cadaver-comum.shtml>

16.mar.2018 às 21h05

Marilia Castro Neves fez o comentário nesta sexta (16) no Facebook.

A desembargadora Marilia Castro Neves, do Rio de Janeiro, escreveu nesta sexta (16) no
Facebook que a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada nesta semana, "estava
engajada com bandidos".

Afirmou ainda que o "comportamento" dela, "ditado por seu engajamento político", foi
determinante para a morte. E que há uma tentativa da esquerda de "agregar valor a um
cadáver tão comum quanto qualquer outro".

A magistrada fazia um comentário abaixo de um texto postado pelo advogado Paulo Nader na
rede social em que afirmava entender a comoção gerada pela morte de uma "lutadora dos
direitos humanos e líder de uma população sofrida".

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A desembargadora então postou o seguinte texto: "A questão é que a tal Marielle não era
apenas uma 'lutadora', ela estava engajada com bandidos! Foi eleita pelo Comando Vermelho
e descumpriu 'compromissos' assumidos com seus apoiadores. Ela, mais do que qualquer
outra pessoa 'longe da favela' sabe como são cobradas as dívidas pelos grupos entre os quais
ela transacionava."

E seguiu: "Até nós sabemos disso. A verdade é que jamais saberemos ao certo o que
determinou a morte da vereadora mas temos certeza de que seu comportamento, ditado por
seu engajamento político, foi determinante para seu trágico fim. Qualquer outra coisa diversa
é mimimi da esquerda tentando agregar valor a um cadáver tão comum quanto qualquer
outro".

Um grupo de advogados que leu o texto começou a fazer campanha nas redes para que
Marilia Castro Neves seja denunciada ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por ter
"ironizado" a morte de Marielle.

A desembargadora afirmou à coluna que apenas deu a sua opinião como "cidadã" na página
de um colega já que não atua na área criminal.

Ela afirma ainda que nem sequer tinha ouvido falar de Marielle até a notícia da morte. "Eu
postei as informações que li no texto de uma amiga", afirma.

"A minha questão não é pessoal. Eu só estava me opondo à politização da morte dela. Outro
dia uma médica morreu na Linha Amarela e não houve essa comoção. E ela também lutava,
trabalhava, salvava vidas", afirma.

Mônica Bergamo

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ANEXO 5

Coluna Mônica Bergamo – Folha Impresso 17 Mar. 2018

91
ANEXO 6

Coluna “Das responsabilidades” da ombudsman da Folha


<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2018/03/das-responsabilidades.shtml>

25.mar.2018 às 5h20

SÃO PAULO - A disseminação incessante de notícias falsas, na semana que passou, levou a
irmã e a viúva da vereadora Marielle Franco a entrarem com ação judicial, pedindo a retirada
do ar de vídeos mentirosos, com base em mais de 16 mil emails que denunciavam
informações falsas. O caso merece reflexão, especialmente porque a difusão das mentiras, em
grande parte, teve como origem reportagem publicada pela Folha no dia seguinte ao
assassinato da vereadora.

O texto, veiculado no site na noite de 16 de março e na edição impressa do dia


seguinte, destacava postagem da desembargadora Marilia Castro Neves em rede social. No
site, título e linha fina afirmavam: "Desembargadora diz que Marielle estava engajada com
bandidos e é 'cadáver comum'; Marilia Castro Neves fez o comentário nesta sexta (16) no
Facebook". No papel, o título era: "Magistrada diz que Marielletinha elo com bandidos".

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A reportagem tinha nove parágrafos. Os cinco primeiros reproduziam e
contextualizavam a origem da declaração. Em um único dizia que grupo de advogados
defendia que a desembargadora fosse denunciada ao Conselho Nacional de Justiça por ter
"ironizado" a morte de Marielle. Nos três parágrafos finais, ouvia a magistrada, que disse
nunca ter ouvido falar dela, que tinha copiado o conteúdo de uma amiga e que era contrária à
politização do assassinato.

Identifico alguns problemas. O primeiro no critério noticioso da postagem, o segundo


na forma como o texto foi construído e o terceiro, e mais importante, os títulos que
a Folha publicou a respeito. De qualquer ponto de vista, o jornal deve refletir sobre sua
parcela de responsabilidade em ser a origem da disseminação de notícia falsa.

Cito o novo Manual da Redação da Folha: "Títulos e subtítulos constituem o


principal, quando não o único, ponto de contato de muitos leitores com a notícia. Sua
formulação deve ser atraente e responsável, especialmente nas plataformas digitais, onde se
perde a visão de conjunto." E recomenda: "Evite truques para caçar cliques, como
formulações sensacionalistas ou omissões destinadas a iludir o leitor".

Segundo reportagem do jornal O Globo, a repetição de notícias falsas sobre a


vereadora se deu majoritariamente a partir do site Ceticismo Político (que deu o título
"Desembargadora quebra narrativa do PSOL e diz que Marielle se envolvia com bandidos e é
"cadáver comum"), que citou como fonte a Folha.

Como bem analisou o jornalista Pedro Burgos, a maior parte dos grandes veículos
reproduziu a acusação sem substância da desembargadora no título. Nenhuma das reportagens
deixava de citar, em algum trecho, que ela não tinha fonte confiável para amparar as
acusações. Algumas até destacaram o disparate em subtítulos.

"Ou seja: em termos de informação, as reportagens estão 'corretas'. Mas podiam ser
melhores. A 'informação' mais importante era que algo patentemente falso estava se
espalhando pelas redes e um dos vetores era uma desembargadora que confiava demais em
coisas do WhatsApp", concluiu Burgos.

A Folha deveria também ter investigado quem era a desembargadora, antes de


publicar a notícia. Poderia mudar sua avaliação. Ela já havia ironizado a primeira professora

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portadora de síndrome de Down, minimizado reclamações de assédio feitas por mulheres e
chamado o CNJ de "órgão espúrio".

Perguntei ao editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, se o jornal tem política


específica em relação às fake news. O assunto preocupa tanto o jornal, respondeu, que consta
de seu Projeto Editorial, onde diz que o jornalismo profissional é antídoto para notícia falsa.

Ele avalia que é impossível desmentir todas as notícias falsas que se multiplicam
principalmente nas redes sociais. "A missão principal do jornalismo profissional não deveria
ser desmentir fake news, mas trazer ao leitor as 'true news', relevantes e exclusivas."

Dávila informou que a Folha, ao lado de outros jornais e sitesnoticiosos, fará parte do
projeto First Draft, consórcio que nasceu na Universidade Harvard e chega ao Brasil para
tentar atacar as fake newsno momento em que começarem a ganhar tração na internet. A ideia
é produzir apurações que desmintam textos de fake news, principalmente durante as eleições.

A iniciativa é saudável. Notícias falsas são ameaças cada vez mais graves. Ocupam o
centro de debate mundial. Cabe aos veículos jornalísticos adequar procedimentos e encontrar
instrumentos e estratégias que possam evitar ou diminuir os danos causados por notícias
falsas a pessoas, grupos, países.

Paula Cesarino Costa

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