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PUC/SP
São Paulo
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
São Paulo
2017
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Keywords: Digital social networks, focus group, meaning core, smartphones, critical social
psychology, potential emancipatory fragments
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 8
Cap. 1 – SOCIEDADE TECNOLÓGICA E MÍDIA ................................................. 12
Cap. 2 – A PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA .................................................... 24
2.1 – Concepção de homem, história, sociedade ......................................................... 24
2.2 – A perspectiva Sócio-Histórica e a mídia ............................................................. 34
Cap. 3 – MÉTODO ........................................................................................................ 37
3.1 - Materialismo Histórico e Dialético ...................................................................... 37
3.2 - Grupo Focal ........................................................................................................... 41
3.3 – Sujeitos da Pesquisa .............................................................................................. 43
3.4 - Procedimentos de Coleta ....................................................................................... 45
3.5 - Procedimentos de Análise ..................................................................................... 49
Cap. 4 – RESULTADOS E DISCUSSÃO .................................................................... 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 143
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 146
ANEXOS ....................................................................................................................... 149
ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .................................... 149
ANEXO B – Perfil dos participantes .......................................................................... 150
ANEXO C – Roteiro para Grupo Focal ..................................................................... 151
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INTRODUÇÃO
Antes de mais nada, vamos imaginar uma situação: é terça-feira, acordamos com o
despertador do celular para irmos trabalhar, conforme fazemos todos os dias úteis.
Demoramos mais do que o tempo esperado no banho e, quando percebemos, estamos
atrasados para o laboro. Pegamos então nosso celular e mandamos mensagem instantânea para
nosso chefe, avisando-o sobre o imprevisto. Dirigimo-nos ao trabalho de metrô e
aproveitamos aquele tempo ocioso do caminho para olhar o celular. Logo de pronto vemos
notificação sobre a resposta de nosso chefe, referente ao nosso atraso, assim como de
chamada perdida do nosso namorado, o bom dia da mãe, e informação de que há atualizações
de contatos em nossa rede social.
Vamos visualizando e respondendo a esses estímulos e interações de nossos
aplicativos, sendo interrompidos, às vezes, pelo empurrão da moça apressada que cochilou e
quase perdeu o ponto, assim como pelo ambulante que oferta três chocolates ao preço de dois.
Pela rede social, aceitamos solicitação de amizade, daquela amiga que não vemos há muitos
anos... Ela logo envia mensagem inbox pelo próprio aplicativo, parece que está online no
mesmo horário que a gente. Após os cumprimentos, conta-nos sobre as atualizações de sua
vida. Sua avó Clotilde faleceu há dois anos, fazendo-a sofrer profundamente. Mesmo não
conseguindo relembrar do rosto dela, para não parecermos indelicados, acessamos seu perfil
em busca de pistas. Na sessão de fotos, localizamos, dentre tantas outras existentes, uma
descrita #luto, com a imagem de uma idosa. Então remotamente surge na memória o ambiente
de uma cozinha. Acho que fomos apenas uma vez, mas nos lembramos perfeitamente dos
bolinhos de chuva mais divinos que comemos. Sim, foi essa avó da amiga quem fez.
Retornamos então ao inbox da rede social e rememoramos nossa camarada de tempos
atrás sobre o dia em que comemos bolinhos de chuva na casa de sua avó. Ficamos tão
entretidos que não percebemos que o ponto passou, e muito! Olhamos ao redor em busca de
alguém que possa nos orientar sobre linhas alternativas de retorno, mas a moça a à nossa
direita está falando ao telefone, o rapaz da frente escreve freneticamente mensagens de texto
enquanto sorri e do outro lado uma mãe tira fotos de sua filha, estimulando-a a sorrir enquanto
fala “vamos enviar ao papai! Ele disse que está com saudades.”.
Introduzimos esta pesquisa com a colocação de situação hipotética, visando ilustrar a
realidade que vivenciamos e de que não podemos mais fugir. A tecnologia veio para ficar e
atravessa nosso cotidiano em casa, no trabalho e no caminho para a padaria. Principalmente
os smartphones tornaram a vivência mais complexa, assim como a internet móvel e pública.
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características, recursos e lugar social.Com base nesse conteúdo, procuramos identificar como
essas experiências impactam a constituição da subjetividade, apontando possibilidades de se
conquistar fragmentos emancipatórios e aspectos que apontam para a estagnação dos
sujeitos.
O trabalho realizado está apresentado nos capítulos descritos a seguir. O primeiro
capítulo discute aspectos da sociedade contemporânea relativos às tecnologias de
comunicação e seu impacto das relações sociais. São apresentados, brevemente, alguns
marcos históricos que representam a evolução tecnológica e suas implicações para a
comunicação social, como o desenvolvimento da internet, dos celulares e dos smartphones.
Também serão apontadas características dos dispositivos de comunicação desenvolvidos, que
levaram às formas atuais das redes sociais digitais, especialmente o Facebook. São
considerados também os usos sociais e culturais dessas tecnologias, no âmbito da divulgação
de conhecimentos, das interações que possibilitam, das práticas de consumo associadas, das
formas de controle que permitem.
Já o capítulo 2 compreende dois principais pontos referentes à abordagem teórica que
orienta a pesquisa, a perspectiva sócio-histórica: sua concepção de homem, história e
sociedade; e elementos da perspectiva sócio-histórica na análise da mídia. No primeiro,
trabalhamos conceitos como o trabalho e a linguagem, ambos importantes para o processo de
construção humana enquanto ser intersubjetivo e histórico. Explicamos significações,
significados e sentidos, que embasa o uso dos núcleos de significação enquanto procedimento
de análise das falas dos participantes, levantadas através de grupo focal. Buscamos também
apontar para contradições do modelo atual de sociedade, bem como indicar as categorias de
análise da Psicologia Sócio-Histórica, com destaque à identidade, aos conceitos de fragmentos
de emancipação e identidade política, categorias que permitem uma análise da constituição da
subjetividade. Já no outro item sobre a perspectiva sócio-histórica e a mídia, articulamos
conceitos da abordagem aos aspectos levantados no primeiro capítulo.
No capítulo 3 apresentamos o método. Em primeiro lugar, os fundamentos do
materialismo histórico e dialético que, como mencionamos, é a base epistemológica deste
trabalho, que embasa a leitura da realidade, em sua complexidade, como processo de
constituição dialética entre indivíduo e sociedade. Em seguida fundamentamos teoricamente a
técnica de grupo focal, utilizada para a coleta de informações, explicando o papel do
investigador. As informações sobre procedimentos de coleta e análise de dados também se
encontram nesse capítulo.
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viabilizando a conexão social em rede, com potencial vínculo entre todos. Isso poderia ser
denominado de uma pós-modernidade, significando alterações em relação às concepções da
modernidade concretizadas com a revolução industrial. 1
Essa alteração produzida pelo desenvolvimento das tecnologias de comunicação é
potencializada com o desenvolvimento da internet, também identificada por ciberespaço, que
viabiliza o acesso ao espaço extraterritorial e imaterial, formado por bites e bytes,
possibilitando a instantaneidade de navegação pela rede, por intermédio das plataformas de
acesso, ou seja, de computadores e derivados, assim como celulares, mais recentemente.
Dentre as mudanças que esse espaço extraterritorial trouxe, consta a possibilidade de troca de
bens imateriais e informações, assim como novas formas de controle, vigilância, poder,
demonstração de solidariedade, resistência, convivência social, etc. A autora coloca que esse
espaço é cenário de novas configurações de atividades da esfera cotidiana, tais como namoro,
bate-papo, trabalho, lazer, informação e educação (NICOLACI-DA-COSTA, 2005).
Antes de explorarmos a internet tal a qual conhecemos hoje, de uso acessível e
facilitado a pessoas comuns, faremos sua contextualização histórica. Para tanto, nos
basearemos em Castells (2003), o qual apresenta o processo de desenvolvimento da internet
de forma complexa. De modo geral, o panorama de desenvolvimento da internet pode ser
compreendido entre as décadas de 1960 e 1990. A Arpanet representa o ícone central de sua
origem. Foi desenvolvida no ano de 1969 em um departamento da agência americana ARPA
(Advanced Research Projects Agency). Esta tinha por objetivo produzir tecnologia militar
avançada, superior à da União Soviética, através da mobilização de recursos científicos do
âmbito universitário.
Podemos interpretar através da leitura de Castells (2013) que o projeto Arpanet não
era dos mais relevantes da agência, descrito como um “pequeno programa”. Apesar da
tecnologia empregada de comutação por pacote ser revolucionária, garantir rede de
comunicação militar descentralizada e adaptável que poderia sobreviver a um ataque nuclear,
o principal objetivo da Arpanet era estimular a pesquisa de forma interativa através do
computador de modo que o tempo online fosse compartilhado.
1
Para a Psicologia Sócio-Histórica, visão teórico-metodológica em que nos basearemos para este estudo
e que será explicada mais detidamente no próximo capítulo, a utilização do termo pós-moderno não é o mais
adequado, havendo preferência ao contemporâneo. Apesar de concordar que estão havendo mudanças históricas,
sociais e culturais, decorrentes da evolução tecnológica e da comunicação, há críticas ao emprego desse termo
para ilustrar o momento histórico em que vivemos, principalmente pela errônea pressuposição de que o modelo
existente no período moderno, o capitalista, foi superado. Pelo contrário, ele permanece vigente, mantendo ou
mesmo aprofundando desigualdades (GONÇALVES, 2003; MAIA E OLIVEIRA, 2011).
14
proporciona o acesso a mundo fluido e nômade, em constante e imediato contato com a rede
social. O desenvolvimento tecnológico contribui não só em termos de transformações
internas, como as mencionadas, mas também de significados, em termos de reconfiguração da
compreensão de antigos sentimentos, a exemplo da solidão. A mudança, o movimento e a
fluidez é o que rege essa sociedade e marca a subjetividade em constante transformação
(NICOLACI-DA-COSTA, 2004).
Em termos de linguagem, temos que considerar que, no meio online, das redes, são
utilizados diferentes recursos comunicativos, se comparados àqueles empregados nas relações
presenciais, pois o corpo físico está ausente na interação. O contato com o outro acontece pela
mediação de dispositivos tecnológicos e não de forma direta, o que desafia os interlocutores a
usarem recursos linguísticos e semióticos próprios desse meio para se compreenderem e
passarem a mensagem que desejam (GALLARDO, 2014).
Outros aspectos em relação ao desenvolvimento da internet devem ser considerados.
Apesar da sua origem não mercadológica, em Jenkins (2006) notamos o processo de
adaptação de empresas e organizações à nova dinâmica de conexão. Se a princípio elas não
vislumbravam retorno financeiro, com a identificação do uso cada vez mais constante pela
população e a convergência entre telecomunicações e computador ligados à internet a
aproximação vai se tornando imperativa para sobrevivência no mercado competitivo
capitalista.
Não nos aprofundaremos nas questões econômicas, porém é importante sinalizar a
dinâmica que atraiu a atenção das empresas para o contexto digital. Sem focarmos no
vocabulário mercadológico de Jenkins (2006), que tende a identificar o usuário como
consumidor, destacaremos a ascensão da população quanto à diversidade de atividades e
maior poder interativo e atuante que se dá por meio da apropriação de mídias, internet,
computador e dispositivos móveis (smartphones).
O autor considera que, com o acesso público à internet, as pessoas adquiriram maior
autonomia, postura ativa e participativa frente às mídias e instituições de poder, alterando a
condição anterior de receptividade e passividade. Aumentou a possibilidade de produção de
conhecimentos e de disseminação de informações. O público ganhou voz, o que inclusive
potencializou ações coletivas. A internet, principalmente as redes sociais digitais, ampliou a
possibilidade de acesso a outros com ideias comuns, inclusive diálogos e combinados que
podem ultrapassar a tela e serem colocados em prática na realidade cotidiana (JENKINS,
2006).
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sabemos até que ponto essa privacidade não é só garantida para nossos contatos, visto que,
conforme dito acima, as informações das pessoas estão sujeitas à proliferação da internet e
outros espaços.
Quanto a isso, temos que considerar que a plataforma em si consiste em um banco de
dados imenso, pois através de seus algoritmos, mapeia informações sobre os indivíduos, que
podem ser usadas para diversos fins, desde a organização e triagem dos conteúdos que serão
expostos no feed de notícias, o mais congruentes possível com seus usos, assim como para
disponibilização para empresas, para a propaganda personalizada em que assuntos são
direcionados conforme ações do sujeito; ou ainda, para o compartilhamento do que as pessoas
fazem em sites parceiros através do Connect. Essa concentração de dados em uma única
plataforma pode levantar questões quanto à privacidade. Será que uma empresa deveria ter
tantas informações agregadas e controladas por ela? Como poderão ser usados no futuro? Será
que esse manejo deveria ser feito pelo governo? São questões, então, que podem envolver
políticas públicas. (KIRKPATRICK, 2010).
Também ressaltamos que, segundo Kirkpatrick (2010), os pressupostos intrínsecos que
regem o Facebook têm base na liberdade do discurso americano. Esse valor pode ser
compreendido como transparência e liberdade de expressão, o que envolve a exposição do
sujeito. Porém, segundo o autor, a liberdade não é total, visto que a própria plataforma pode
retirar conteúdos que façam apologia ao ódio, à violência ou que representem infração de lei
(KIRKPATRICK, 2010).
Outra questão importante de destacarmos em relação ao Facebook é que, o sistema do
feed de notícias, baseado em cálculos de software, tem a capacidade de agrupar conteúdos
sobre o interesse do sujeito. Através dessa funcionalidade, grupos de manifestação são
rapidamente montados, apesar dessa não ter sido a proposta original da ferramenta. É
conveniente participar de manifestações através da rede social digital, pois o sujeito, no
conforto de sua casa, pode contribuir com posicionamentos, mas o autor identifica que essa
ação envolve compromisso público, visto que o perfil do sujeito representa sua identidade
digital, o que poderia ser comparado a assinar petição com nome e endereço
(KIRKPATRICK, 2010).
Já quanto à mídia tradicional, como por exemplo, televisão, o que se percebe é uma
crescente busca de atualização e acesso ao meio digital, através da criação de páginas na
plataforma. Essa adaptação é importante para se manter no meio competitivo capitalista, visto
que o Facebook é um dos maiores geradores de tráfego (KIRKPATRICK, 2010).
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ficar expostas aos olhares e considerações dos diversos sujeitos sociais. Como será que os
usuários lidam com essas novas configurações?
Na concepção de Ciampa (1987) em que identidade é compreendida como
metamorfose, os sujeitos desempenham papeis a partir de personagens institucionalizados que
são aceitos e caracterizados socialmente. Cada personagem é desempenhado em determinado
contexto, bastando ao sujeito identificá-lo para agir de modo congruente. Nas redes sociais
digitais essa configuração muda, considerando que uma única pessoa terá adicionadas muitas
pessoas de seu mundo social, que vão ser representantes de determinados contextos que
exigem desempenhos específicos de personagens.
Cap. 3 – MÉTODO
O grupo focal é uma técnica qualitativa de pesquisa que visa, segundo Carlini-Cotrim
(1996), compreender a construção de percepções e atitudes referentes a determinado tema,
prática, produto ou serviço. Para tanto o pesquisador coloca em pauta ao grupo os assuntos
dos quais pretende colher dados, apoiando-se na interação entre os membros, considerando
que seres humanos tendem a formar opiniões e atitudes a partir das trocas comunicativas. É na
interação e contato com outras opiniões que formam as próprias, podendo mudar de posição
ou mesmo melhor fundamentar os próprios pontos de vista.
De acordo com Gondim (2002), além dos pontos citados, essa técnica possibilita
investigar crenças, opiniões, valores, influências entre os participantes, suas representações
sociais, assim como viabiliza o desenvolvimento de hipóteses, teorias e instrumentos. Então,
diferentemente da entrevista individual, o grupo focal viabiliza acessar aspectos do contato
entre os membros, o que inclui percepção de diferenças e similaridades.
Em termos de condução do grupo focal, Gondim (2002) posiciona o papel do
pesquisador como mediador, ou seja, facilitador no processo de discussão, responsável pelo
estímulo ao diálogo entre os membros, assim como no disparo de tópicos. Cabe a ele
estimular a livre expressão dos elementos do grupo, intervindo em momentos em que deseje
aprofundar alguma questão ou introduzir novo assunto. Para tanto, deve propiciar ambiente
acolhedor a diferentes tipos de manifestação e pontos de vista, visando à troca de experiências
e perspectivas (CARLINI-COTRIM, 1996). Também é papel dele prestar atenção aos
processos psicológicos e sociais emergentes, no movimento de influências mútuas entre os
presentes durante a elaboração de opiniões e pontos de vista a respeito dos temas tratados.
Gondim (2002) cita que convencionalmente em grupos focais há variação de quatro a
dez participantes. Já Carlini-Cotrim (1996) refere como típica a composição entre seis e dez
participantes. Se compararmos a percepção de ambos os autores, notamos que o primeiro
sugere menor número de membros para composição mínima do grupo. Ele justifica ser
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preferível grupos menores para viabilizar a expressão de todos, ainda mais que, quanto maior
a familiaridade que o sujeito tem com o assunto, maior a tendência de se interessar e expressar
as próprias opiniões. Por outro lado, Ressel et al (2008) aponta variabilidade de participantes
entre seis e quinze pessoas, citando que, caso o intuito da pesquisa seja coletar o máximo de
ideias possíveis sobre determinado tema, grupos maiores são recomendados. Já se o objetivo é
aprofundar determinado assunto, é preferível organizar grupos menores.
Quanto ao período de duração do grupo focal, Carlini-Cotrim (1996) menciona como
típico uma hora e meia. Para a escolha dos membros, menciona que devem possuir
características comuns, assim como terem familiaridade com o assunto da pesquisa.
Quanto ao funcionamento do grupo focal, há alguns pontos a serem levados em
consideração, tais como a ética quanto ao sigilo do nome dos participantes, a opção por reunir
membros conhecidos ou desconhecidos, o desenvolvimento de roteiro de acordo com o nível
de estruturação que se deseja empregar no grupo, ponderando entre diretividade e
flexibilidade. Também se considera o período de duração, assim como alguns pontos a serem
observados nos participantes para o melhor desenvolvimento do grupo (CARLINI-COTRIM,
1996; GONDIM, 2002).
De acordo com Gondim (2002), ao optar pela reunião de membros que se conhecem,
ainda mais em contextos formais, deve-se levar em consideração a reprodução de acordos
implícitos do que deve ou não ser dito. Carlini-Cotrim (1996) menciona ser típica a não
familiarização entre os membros e até preferível que não se conheçam, pois há a perspectiva
de que desconhecidos se manifestam de modo mais franco e profundo. A autora também
menciona a importância de os membros reunirem características associadas ao tema de
pesquisa trabalhado.
Já quanto à diretividade do grupo, Gondim (2002) refere que quanto mais estruturado,
maior tendência de manter o foco no tema. Quanto mais flexível, maior possibilidade de o
mediador interagir com os grupos a partir de suas diferenças, porém com maior possibilidade
de afastamento do assunto visado. Gondim (2002) coloca que, quando os assuntos tratados em
diferentes grupos passam a se repetir, há indicação que o tema foi mapeado.
Para a análise do grupo focal devemos considerar as opiniões esboçadas como
totalidades, ou seja, mesmo que não representem a opinião de todos os membros, elas
representam a concretização prevalente, pois a análise ocorre em nível de grupo e não de
indivíduo (GONDIM, 2002).
Com a condução do grupo focal, o mediador obtém material a ser transcrito e
analisado (CARLINI-COTRIM, 1996), que pode contribuir para diferentes objetivos, como,
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TOTAL DE PARTICIPANTES
DISTRIBUÍDOS PELOS GRUPOS
Grupo 1 2
Grupo 2 3
Grupo 3 6
Grupo 4 8
Grupo 5 4
Grupo 6 6
Total 28
CURSANDO SEXO
Graduação 28 Feminino 23
Pós-graduação 0 Masculino 5
Total 28 Total 28
EQUIPAMENTOS DE
ACESSO
Computador 27
Celular 28
Lan House 0
Outros: Tablet
Para a coleta dos dados utilizamos a técnica de grupo focal, cujo estímulo disparador
foram slides contendo charges e imagens baseadas em eixos de análise, sem os títulos abaixo
dispostos, triadas a partir dos assuntos que pretendíamos abordar, conforme segue:
Imagem 4 – Monitoramento
Imagem 7 – Manifestações
Imagem 8 – Conexão
A ordem dos slides não foi estruturada, de modo que as imagens foram apresentadas
conforme a lógica do fluxo de assuntos emergentes nos grupos, ou para estimular a
verbalização de questões ainda não abordadas. Quando notávamos que algum assunto já
estava sendo abordado, tínhamos a opção de omitir um slide ou passa-lo, caso sentíssemos
necessidade, sem interromper o diálogo e as manifestações. Esse funcionamento foi explicado
aos membros do grupo na introdução. Além dos slides, nos baseamos em questões abertas e
semiestruturadas conforme Roteiro para Grupo Focal (ANEXO C).
Visamos com essa atividade levantar discursos e experiências quanto à percepção do
uso das redes sociais digitais e do contexto que o permeia. Para tanto, os participantes foram
convidados e informados sobre o objetivo e o caráter voluntário do processo. Com o aceite,
cada integrante recebeu o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO A) para
assinatura, ficando com uma cópia. Também recebeu formulário para mapeamento do Perfil
(ANEXO B), para identificação das características dos participantes.
A condição básica de participação da pesquisa foi o hábito de acessar plataformas
virtuais de redes sociais tais como Facebook através de dispositivo móvel e ser maior de 18
anos. Utilizamos como recurso gravador de áudio e vídeo para armazenamento das falas
durante o grupo focal, para posterior transcrição dos conteúdos. Como acolhimento aos
participantes, deixamos à disposição dos grupos garrafa de água, copos descartáveis e
bolachas.
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Antes da aplicação definitiva do grupo focal, realizamos grupo piloto para testar o
método proposto. A atividade foi composta de três etapas:
- Falar sobre os usos das redes sociais com base nos slides projetados, conforme já
referido;
- Acessar a rede social através do próprio smartphone, observar os conteúdos e
relacioná-los com a discussão realizada até o momento;
- Falar sobre o significado do uso das redes sociais para a vida, considerando os
aspectos apontados na discussão.
- Núcleo 1 – “...depende de como as pessoas usam - tem muito proveito, mas pode ser muito
prejudicial.”;
- Núcleo 2 – “Sobre o cotidiano – passar o tempo, ver o mundo...”;
- Núcleo 3 – “Você se organiza, melhora a questão da distância” – sobre relações;
- Núcleo 4 – “Pra mostrar uma realidade que não existe... Olha mundo, eu sou pessoa...”;
- Núcleo 5 – “Pela internet você encontra outras pessoas”... sobre encontros e desencontros;
- Núcleo 6 – “O legal dessas redes é que elas são muito mais completas...” – sobre mídias
tradicionais e contemporâneas;
- Núcleo 7 – “Então vai filtrando também, querendo ou não... tem pessoas que têm
consciência disso e tem pessoas que não têm consciência disso.”;
São vários os modos de uso da internet e, mais especificamente, das redes sociais
digitais. O meio de acesso à esfera online é um dos aspectos que contribuem nesse sentido:
[...] porque necessariamente eu acho que a internet de casa deve ser muito
mais rápida do que a do celular [...]. (Bruno, Grupo 2).
Eu acho super prático o computador. Pelo menos aqui, boa parte dos nossos
trabalhos que eu lembro a gente faz, tipo, tudo pela internet mesmo ou no
grupo ou no Skype e meu... Super dá certo! (Júlia, Grupo 5)
Quem tem, por exemplo, o Instagram não usa muito no computador, né, é
bem mais celular. (Amanda, Grupo 6).
Ah, é muito mais prático né. Eu acho que é mais fácil porque, tipo, sei lá,
pelo menos no meu computador você tem que chegar, você tem que ligar,
esperar carregar e o celular já tá aqui, sabe, e você pode levar pra onde você
quiser, não é pesado, cabe no bolso. (Júlia, Grupo 5)
Notamos principalmente o uso dos celulares inteligentes para acesso a redes sociais
digitais tais como Facebook e Instagram, pois suas funções enquanto plataformas são
potencializadas pela portabilidade dos smartphones, que são compactos, assim como pela
combinação de funções nesse dispositivo, tais como câmera de áudio e vídeo e o acesso à
internet. Essa união contribui para a interação constante, de modo fácil e prático.
Em termos de plataformas de comunicação utilizadas:
É, que nem... Eu uso mais o Twitter. Então depende muito de pessoa pra
pessoa. (Marcelo, Grupo 5)
Núcleo 1 – “...depende de como as pessoas usam - tem muito proveito, mas pode ser muito
prejudicial.”
[...] eu não gosto de ver coisa de política. Política, coisas, fotos, é... Eu não
gosto. Eu uso meu... A minha rede para me comunicar, para ver coisas
legais. As pessoas acabam saindo um pouco disso, eu não gosto. (Maria
Eduarda, Grupo 1)
[...] Então para mim eu não tenho interesse em saber o que tá acontecendo,
se você terminou com seu namorado faz um mês, se você tá com outro
namorado agora. Eu sou uma pessoa mais reservada, então no meu ponto de
vista, às vezes, eu acho um pouco desnecessário. (Maria Eduarda, Grupo 1)
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Mas também tem gente que conta a vida inteira no Facebook, né, e isso é
extremamente desagradável assim, tipo. Sei lá, pra mim eu... Eu gosto de
usar mais, tipo, comentando sobre assuntos, assim, da atualidade, assim,
nada muito meu, assim, pessoal, não gosto. Quando eu tenho alguma coisa
minha, através de música assim, mas ninguém vai saber também né, porque
é só linguagem simbólica assim, mas... (Nicole, Grupo 4)
Por exemplo, tem uma página que eu gosto muito e curto muito é a
quebrando tabu. Eu compartilho muita coisa da quebrando tabu porque eu
me identifico. Coisa de grupo, coisa de série às vezes eu posto, tipo, foto
minha, foto dos meus amigos, fotos do meu cachorro, muitas fotos do meu
cachorro. Compartilho muita besteira e muita coisa legal, meio misturado,
assim. (Cíntia, Grupo 4)
Notamos diferenças nos modos de uso, havendo pessoas que atuam mais
contemplativamente, outros que se expressam, mas de modo ameno, em sentido mais
simbólico, e aqueles que ativamente se posicionam na rede. Maria Eduarda e Nicole
ressaltaram as formas de expressão que as incomodam, mas não referiram como lidam com
esses conteúdos na rede ao se depararem com eles, se utilizam recursos para evita-los, se os
toleram, ou se ficam irritadas e não tomam iniciativa. São reflexões que poderiam ser feitas a
respeito do uso
As preferências nos usos, como mencionado, podem estar atreladas a objetivo
especifico pré-determinado pelo sujeito, ou seja, de acordo com os conteúdos que preferem ter
contato, como por exemplo humor, música, conteúdos pessoas, etc.
Enquanto possibilidades de uso, identificamos:
Até porque, hoje em dia, dificilmente você tira foto com o filme e vai revelar
pra ter isso guardado com você, então... (Ricardo, Grupo 6).
Um professor tava falando, meu, “Na minha época tinha que ir, tinha que ver
enciclopédia, tinha que pesquisar pra caramba, tinha que me juntar com a
galera. Hoje em dia vocês fazem um trabalho que a gente faria em uma
semana, em um dia, em uma hora.” (Júlia, Grupo 5).
Mas na internet tem tudo hoje em dia, sabe, a gente não precisa mais do
físico, na internet a gente encontra os livros, a gente encontra as apostilas,
não precisa mais... (Ana, Grupo 5)
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Percebemos que as redes sociais digitais podem servir para agilizar a realização de
tarefas, como por exemplo, tarefas acadêmicas, considerando a fartura de conteúdos
disponíveis e as viabilidades de interação a longa distância em termos de trabalho em grupo.
Por outro lado, essa abundância de conteúdos não é simplesmente considerada
enquanto proveito, mas também refletida em seus riscos e possíveis prejuízos:
Eu acho que essa facilidade também às vezes tem que tomar um cuidado
redobrado por causa que... Às vezes... O livro você ainda tem a fonte, tipo,
para estar ali ele teve que ser aprovado por não sei quantas pessoas,
nãnãnãnãnãnã. Então aquele conteúdo que tá ali é mais... Tem crédito. Na
internet você tem que pesquisar três vezes mais pra poder achar uma coisa
que seja verídica, né. (Larissa, Grupo 5)
Você fica assustado como cada vez mais cedo tem crianças, tipo, com perfis
em redes sociais. Isso é muito perigoso também porque, querendo ou não,
ali, se não tiver a orientação dos pais, ela vai tipo... Ter contato com muita
coisa, e tipo, ver muita coisa. Não sei se isso chega a ser bom, sabe?
(Larissa, Grupo 5)
E a maioria das informações são coisas que tipo... Vem e vai na mesma hora,
sabe. Nem fica para você e você tá passando horas ali com informações que
nem vai... Ou sei lá, 95% pelo menos do que a gente vê no Facebook hoje,
vai embora no mesmo dia. Tipo, a gente nem vai lembrar amanhã, sabe.
Nem é importante tudo, mas a gente gasta muito tempo nisso. (Isabel, Grupo
4)
Quantidade não é sinônimo de qualidade, parece ser essa a leitura que Larissa
realizou sobre a infinidade de informações dispostas na internet. O sujeito deve analisar os
conteúdos, criticá-los, não aceita-los irrefletidamente, sem filtros. Através da rede, foi
facilitado o processo do sujeito se colocar e posicionar, com diversos recursos a seu alcance.
Mas, se por um lado houve essa democratização de meios de expressão, por outro, diminuiu a
análise da veracidade e confiabilidade do que fica disposto, conforme comumente realizado
em recursos tradicionais.
Qualquer um com acesso à internet e com conhecimento básico de manipulação de
suas ferramentas pode criar conteúdos de difícil verificação do sujeito comum em termos de
veracidade, como, por exemplo, de questões gerais sobre a sociedade, distantes da percepção
imediata do sujeito, que envolvem mais a confiança deles nos emissores do que a verificação
empírica propriamente dita.
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Eu acho que, assim, eu acho, né... Não sei se eu tô sendo muito ingênua [...]
É, como se fosse o modo de exaltar uma amizade, por exemplo, sabe, sei lá.
Que faz uma declaração, alguma coisa assim, mas não com o intuito dos
outros, mas talvez com o intuito pra qual pessoa ela tá se declarando, uma
amiga, alguma coisa assim sabe. Sei lá, uma foto, tipo, que você tire com a
sua amiga e você acha postar, mas não pelos outros, mas mais pelo momento
com ela, sabe, sei lá. [...] Mostrar que aquele momento foi importante pra
você e você tá registrando de alguma forma, sabe. (Rebeca, Grupo 6)
Volta novamente a questão do registro, não material, mas eletrônico. Além dessa
questão, Rebeca valorizou a possibilidade de homenagear pessoas queridas através desse
meio, independentemente da repercussão que tal expressão possa causar, pois a demonstração
de afeto visa o alcance de determinado indivíduo. Porém, como contraponto:
Quem está vendo as minhas publicações, né, eu acho que às vezes, você
tomar um posicionamento politico muito acirrado ou às vezes você
compartilhar coisas que diferem muito da opinião de todos pode acabar
criando conflitos no Facebook. E eu acho que o Facebook não é... As redes
sociais no geral não são os melhores lugares pra se discutir assim, sabe.
(Ronaldo, Grupo 2)
Mas é que é difícil você traçar um limite, assim... É muito... Muda de pessoa
pra pessoa o que você se sente confortável postando ou não e como as outras
pessoas vão enxergar o que você tá postando. (Rebeca, Grupo 6).
construídas reagirão de determinada forma frente a certo estímulo, assim como interpretarão
os conteúdos por outros colocados conforme sua parcela de dimensão representativa do todo,
favorecendo construções e conflitos.
A seguir os participantes comentaram sobre a importância da ponderação no uso e a
responsabilidade de cada um sobre a utilização da plataforma, pois ela em si é uma ferramenta
com diversas possibilidades, mas o emprego e o direcionamento dado a ela que poderá ser
benéfico ou prejudicial:
[...] mas depende de algumas pessoas também. Como que ela usa essa
ferramenta. (Bruno, Grupo2)
Ela (a rede social) tem bastante proveito, mas se você desviar esse caminho,
ela pode ser muito prejudicial a você. (Bruno, Grupo 2).
Às vezes você quer meio que esfriar a cabeça, com tanta coisa fazendo e
você “Ah, deixa eu dar uma olhadinha para parar de pensar um pouco.”
(Ricardo, Grupo 6).
Acho que na correria do dia a dia a gente usa para se distrair um pouco, né.
A gente não quer... Às vezes a gente não quer ver coisas muito importantes,
coisa que vai mudar o mundo, a gente só quer distrair um pouco, sair um
pouco da realidade do dia a dia, da correria e se distrair um pouco. Ver
coisas legais, coisas divertidas, vídeo de gatinhos... É legal a gente ver de
vez em quando, sair um pouco da pressão do dia a dia e se divertir um
pouco, se comunicar com pessoas... As pessoas... Ver o que as pessoas
curtem e ver o que vocês têm em comum. Não só no dia-a-dia mas também...
O que só tem na in... na rede social, ver o que as pessoas curtem, o que você
curte. Acho que é isso, se distrair um pouco do dia a dia pesado e relaxar um
60
pouco, dez, quinze minutinhos, ver umas coisas legais, divertidas. (Maria
Eduarda, Grupo 1)
É e você acaba tipo... Só passando assim para distrair a mente e... enfim.
(Marta, Grupo 3)
[...] as mães dão celular para criança para distrair a criança, prender a criança
ali, para criança ficar presa em frente à tela do celular, para criança se
distrair e ficar ali. (Maria Eduarda, Grupo 1).
Essa atitude pode economizar estresse e contribuir para o bem-estar dos pais, para a
hedonia, mas que tipo de pessoas serão formadas com esse modo de educar? Com esse
distanciamento de contato, diluição do trabalho empregado para o desenvolvimento infantil,
tão importante para a formação dos adultos? São reflexões que levantamos e que são
importantes de serem pensadas e até refletidas em pesquisas futuras. De qualquer modo, é
inegável que mudanças estão ocorrendo no âmbito da educação e desenvolvimento infantil. O
contato precoce com as tecnologias, principalmente as touch, contribui, no mínimo, para o
desenvolvimento motor fino das crianças, quiçá em termos psicológicos, interativos, sociais e
culturais.
Por outro lado, há o uso voltado para o aprimoramento de conhecimento do sujeito:
Que tem muitas pessoas que utilizam o Facebook como não só ferramenta de
ficar olhando curiosidades por sei lá, é... O dia inteiro. Mas tem pessoas,
muitas pessoas que utilizam como meio de informação o Facebook também.
Não só pra ficar, sei lá, olhando a foto do que o outro postou e curtindo,
enfim. E comentando o que que ele achou da foto. [...] mas depende de
algumas pessoas também. Como que ela usa essa ferramenta. (Bruno, Grupo
2)
Bruno parece compreender o uso das redes sociais digitais para lazer e contato com
amenidades, voltado a conteúdos que não agregam informações apuradas, como inferior.
61
[...] eu tenho uma amiga no Facebook que ela só posta os animais que ela
resgata, porque ela é protetora. Ela só faz post pedindo coisas pra adoção,
pedindo pra dinheiro. Ela nunca posta nada dela. (Amanda, Grupo 6).
Notamos nessa fala posicionamento de atuação na rede, mas não para falar de si, de
questões cotidianas ou de notícias, mas visando melhorias para a sociedade, mais
especificamente, para animais, incluindo a arrecadação de dinheiro para investimento neles.
Esse é um potencial uso.
Houve a crítica aos conteúdos egóicos e de reclamação encontrados na rede:
Eu acho que isso é o que acontece muito, né. As pessoas exaltarem o ego,
reclamam muito. Eu acho que a rede social não foi criada com esse sentido,
com esse objetivo. A rede social é para se comunicar com as pessoas que
estão longe, para postar coisas legais, o que tá acontecendo na sua vida.
Foi... Mas às vezes as pessoas deturpam um pouco esse objetivo, né. A rede
social, o principal objetivo dela é a comunicação, apesar de as pessoas
deturparem um pouco esse objetivo né. (Maria Eduarda, Grupo 1)
Maria Eduarda compreende que houve objetivo original na rede social que foi
desviado pelo uso cotidiano dos sujeitos. O sentido que ela emprega a essa mudança é
negativo, porém temos que considerar que, na concepção do materialismo histórico e
dialético, necessariamente há transformações decorrentes das relações humanas. A partir do
momento que pessoas utilizam plataformas criadas por determinado sujeito, transformam-se a
si mesmas como também o objeto em si, podendo inclusive gerar novos sentidos a
significados previamente projetados. Por isso a percepção do desenvolvedor é importante para
a atração dos usuários e permanência deles, de modo que a captação de sentido e a elaboração
de conteúdos adaptados é base para a continuidade de acompanhamento e uso pelos sujeitos.
Já Isabel constata que a noção sobre o objetivo que o sujeito tem ao ingressar nesse
espaço e criar perfil pessoal é de extrema importância, conforme segue:
62
Acho que a gente tem que saber também qual que é a finalidade do nosso
Facebook né. Tipo, se eu tenho só para falar com os meus amigos, se eu
tenho por questões de trabalho, entendeu? Tipo, isso filtra bastante também
quem a gente tem ou quem a gente exclui. (Isabel, Grupo 4).
significações presentes nas falas dos sujeitos revelam a maneira como percebem essa
mediação da tecnologia na vida cotidiana e aspectos dessa presença, tanto positivos, como
negativos; ou, ainda, novos e diferentes aspectos, difíceis de avaliar.
Às vezes você espera tanto o final de semana. Você pensa “não, vou sair
fazer alguma coisa”. Daí você acaba ficando em casa e tipo, fazendo “nac”
[...] (Francisca, Grupo 2)
Francisca não especifica o que é feito em substituição aos planos de passear, mas
dentro do contexto da fala do grupo focal, pudemos compreender que se refere ao uso das
redes sociais digitais, que atraem e prendem. Nessa fala percebemos um sentido negativo a
esse investimento de tempo na rede, como se nada fosse feito. É como se o tempo investido
fosse perdido. Essa mudança, portanto, não é compreendida como favorável e agregadora ao
sujeito, mas como outra forma qualquer de perda de tempo.
Então tem meio aquela ideia de que quem fica muito no Facebook não sai
muito e não tem vida social, [...] Ao invés de tá fazendo outras coisas que,
teoricamente seriam mais produtivas do que entrar no próprio Facebook.
(Micaela, Grupo 4).
Mas eu acho que, tipo, esse negócio da futilidade é muito doido né, porque
eu faço coisa fútil e sempre fora do Facebook. Então, tipo, eu sento na
prainha aqui, eu fico uma hora e meia, fuman... Só isso e, tipo, não tô
fazendo nada, não tô lendo, só tô batendo um papo, uns papo idiota assim,
tipo, conversando com um amigo, [...] (Fábio, Grupo 4)
65
Há a percepção de que o tempo passa mais rápido do que quando o sujeito não está
utilizando esse dispositivo. Assim como referido por Sofia, o trajeto passa despercebido. O
sujeito liga o “piloto automático” do percurso cotidiano e se foca na rede social digital. Isso
permite, por exemplo, aproveitar aquele tempo que poderia ser potencialmente inutilizado, em
interações com pessoas que estão distantes fisicamente. Nesse sentido, podemos pensar que,
na contemporaneidade, o sujeito diminuiu seu tempo ocioso e contemplativo. Sempre há algo
a fazer, alguém para conversar, algum ponto para direcionar o foco.
Podemos pensar também que, nesse trajeto, caso não houvesse o dispositivo
intermediador, o sujeito não necessariamente prestaria atenção no entorno. Poderia também
vaguear em pensamentos introspectivos, sem focar no que o tange, mas também, poderia
interagir com alguém que está próximo. O que se pode dizer é que, com os dispositivos
móveis, não se limita ao que o contexto oferece naquele exato momento, mas pode
transcender para outros espaços e interações, talvez mais atrativos, pois é essa a escolha que
acaba fazendo, ou seja, o sujeito tende a se atrair pelo que lhe dá prazer.
Você perde um pouco a noção de tempo, que você fica assim... Você fala
“Nossa, deixa dar só uma olhada e tal”, mas você tá... Às vezes você vai
fuçar uma coisa e você vai parar em outra e você vai parar em outra. Você
não tem... Você vai ver, você passou a tarde né fazendo isso assim. Você tá
muito superficialmente, uma coisa atrás da outra, sabe, aí... e o tempo vai
passando de um jeito que você não percebe, assim, muito rápido. (Cibele,
Grupo 3)
Tem aquele comentário que todo mundo fala que... Se ficar na frente do
computador perde muito tempo. (Fabrícia, Grupo1).
Sendo do celular ou no computador você pega para dar uma olhada e isso
fica ali passando o tempo e você nem percebe... (Rebeca, Grupo 6)
É, isso, aconteceu mesmo comigo. Eu almocei hoje, falei “Vou estudar para
prova”. Tinha cinco textos para ler. Aí falei “Mas para começar a estudar eu
preciso estar tranquila, saber que não tem nenhuma notificação importante.”
Aí entrei no celular às 14:00. Saí das redes entre WhatsApp, Twitter e
Facebook. Ainda você compartilha uma coisa, só para “Ai, isso eu tenho que
compartilhar”. Aí os colegas começam a comentar e você tem que responder
os comentários. É uma onda, é uma bola de neve. Aí eu terminei de ver
67
Às vezes você pode passar dez minutos estudando e parece que você passou
uma eternidade. Aí você fala “Meu Deus, não, deixa dar uma pausa aqui”.
Mas você vai ver, passaram dez minutos. Aí no Facebook não, assim, no
Facebook você viu tudo lá e você falou “Ah, dez minutinhos e eu já chequei
assim”. Daí você vai ver passou meia hora. Você fica num tempo, parece
hipnose, sabe, você fica, eita... (Cibele, Grupo 3)
Às vezes você tá lendo, estudando, você sabe que você tem que fazer
trabalhos e você não consegue. Pega o bendito celular, quando você vê já
passou meia hora, uma hora ali. Você “Gente não produzi nada, tô aqui
nessa rede social, tenho que sair disso, me libertar”. Então vira um hábito um
vício né, como diz. (Sabrina, Grupo 3)
Essas falas reiteram a ideia da diferente percepção de tempo experimentada no uso das
redes sociais digitais, como se transcorresse em velocidade maior do que o sujeito imagina
estar vivenciando. Aqui se encontram também referências à diversidade de conteúdos
disponíveis e à migração constante entre eles no meio digital, aspectos que também
caracterizam a relação com esses meios de comunicação e informação. Merece destaque a
colocação de que os conteúdos disponíveis são superficiais, feita por uma participante. Esse
aspecto será retomado adiante.
Houve a comparação da percepção de tempo entre o uso da rede social digital e a
leitura de um texto, havendo clara identificação de que a segunda atividade é mais morosa do
que a primeira. Podemos refletir que essa diferença pode estar relacionada ao interesse do
sujeito pelo conteúdo em questão, assim como às propostas de cada um:
[...] eu acho que ler um texto exige muito mais concentração do que as
informações que a gente recebe do Facebook. [...] a timeline ela é corrida
então você vai passando tudo rapidinho e o texto não, ele tá parado, não é
nada dinâmico. (Fábio, Grupo 4)
do que se trata ali, de forma mais específica. Há uma linha de raciocínio definida a ser
seguida. Essa disposição em si já pode interferir na experiência do sujeito em cada um desses
âmbitos, assim como em sua percepção de tempo e espaço. Talvez por isso possa haver a
propensão de ele acessar esse meio durante as atividades a que se propõe:
Eu tenho costume de abrir várias abas, né. Então eu entro com foco e perco
totalmente, né. Por exemplo, né, para entrar para estudar. Eu entro para
estudar, mas já abre o F... Várias abas que não... Não se relacionam com o
meu assunto principal, meu foco. Acontece muito comigo isso, esse desfoco
né, de você entrar com um objetivo e acabar se desviando. (Maria Eduarda,
Grupo 1)
Você tem uma esperança que a próxima coisa que vai vim, tipo, vai ser legal,
entendeu? Então tipo... Essa esperança que faz você, tipo, ficar horas ali e
não perceber sabe? Tipo, ai, será que a próxima coisa... E se eu parar aqui? E
se a coisa que tiver em baixo me interessar, sabe? No texto não tem isso.
Tipo, a gente já sabe qual que é o assunto e a gente só vai tá concentrado
lendo aquilo e, tipo, aprofundando. Já o Facebook não, tipo, você vai
passando e se não me interessa tomara que a próxima me interesse,
entendeu? (Isabel, Grupo 4)
Percebemos uma expectativa de experiência de prazer com conteúdos que possam ser
atrativos. Esse é um dos pontos que podem manter o sujeito horas nessa plataforma, sem que
perceba. Além disso, a renovação de conteúdos é constante, diferente da proposta do texto,
que já é formatado enquanto tal, em configuração estática, segundo a percepção dos sujeitos.
Na rede social digital há movimento, o que inclusive pode ser motivo de ansiedade para saber
o que está sendo atualizado.
Outro elemento de atratividade levantado, para a permanência no uso das redes sociais
digitais, foi a busca de contato, a fuga da solidão:
A pessoa ela tem que, ela sente essa necessidade de ficar em uma rede
social, é... Especificamente o Facebook, porque muitas pessoas elas sentem
um vazio existencial assim. Meio que fala “Meu, que que eu vou fazer
agora?” e então, é... Se eu não tiver, sei lá, interagindo com as outras
pessoas, eu vou estar solitário, então não vou estar fazendo parte desse meio.
[...] Isso também auxilia as pessoas a ficarem com uma certa... Com um
certo tempo a mais no Facebook. (Bruno, Grupo 2)
Aqui aparece a menção a uma possível dificuldade de lidar com a solidão, consigo
mesmo, urgindo a ânsia pela interação, pelo reconhecimento, por relações. Mas, o quanto
seriam efetivas, é difícil avaliar. O participante parece estar se referindo a dificuldades em
estar consigo mesmo, talvez até a uma falta de sentido para a vida quando fora de situações de
interação.
Percebemos que, pela visão dos participantes, está havendo mudança na percepção do
mundo, assim como do dia, no que se refere ao tempo e espaço. Em termos do último, o
acesso às plataformas via smartphones possibilita a mobilidade de acesso à internet e redes
sociais, atravessando âmbitos antes definidamente separados, de modo que a atenção ao meio
presencial ou digital pode envolver preterir um ao outro, caso seja prolongada. Já em termos
da mudança na percepção do tempo, também pelo acesso intermediado por esses dispositivos
70
móveis, foi identificada que os participantes reconhecem que sua percepção de tempo se
alterou e que ela parece fluir mais rapidamente quando estão conectados.
No trabalho de Martins e Jesuina (2005) consta a descrição de sensação de ritmo de
tempo desigual por estudantes, ou seja, no que se refere a passagem mais rápida ou lenta.
Geralmente a primeira está relacionada a atividades prazerosas e interessantes e a segunda a
chatas ou de espera. Compreensão similar podemos ter quanto a essa diferente percepção no
uso dos dispositivos celulares durante acesso à rede, pois agora constantemente as pessoas
possuem à sua disposição infinidade de conteúdos e conhecimentos, que podem ser facilmente
selecionados conforme interesses do sujeito, tornando a experiência prazerosa, transcendendo
para outros espaços.
Além disso, cabe dizer que Zuckerberg aplicou essa lógica na rede social Facebook,
pois através dos algoritmos que compõem sua estrutura, mapeia as ações dos indivíduos na
rede, direcionando, dentre outros fins, conteúdos congruentes ao perfil de uso do indivíduo,
aumentando as chances de atração dele e permanência, estimulando o uso como num estado
de transe. (KIRKPATRICK, 2010).
Consta nas verbalizações que há uma espécie de atratividade e expectativa para as
próximas atualizações da rede. Além de que, outra questão atrativa referida foi a
retroalimentação de interações, em que o sujeito fica alerta para respondê-las, mas que
possuem potencialidade de contínua renovação, pois cada interação pode gerar a tensão de
resposta. Sentimentos de solidão e a fuga de situações adversas no contexto presencial,
também podem se configurar como estímulos para seu acesso de modo mais intenso.
Os participantes referiram-se também a recursos da tecnologia criados para atrair e
manter a atenção dos usuários das redes, como as notificações, que podem interferir na
vivência cotidiana do uso da internet no geral e das redes sociais, produzindo desfoque:
[...] não é que ela fica ligada o tempo todo no Facebook, mas, pelo... É
principalmente pelo smartphone, quando chega uma notificação, alguma
coisa assim, sei lá, “Ah fulano tá interessado em algum evento”. Cê vai lá e
cê ve. Aí cê fala “Meu”, aí depois você pensa “Que que eu tô vendo que o
cara tá interessado em tal evento” sabe, isso às vezes me importa, mas às
71
vezes não me interessa muito sabe, então às vezes você tá mais prendido a
isso porque meio que o seu smartphone avisou. Então você tem que conferir
pra você não deixar pendente essa, essa, essa notificação. (Bruno, Grupo 2)
Às vezes um grupo ele tinha lá uma função, mas enfim, ele acaba, tipo, se
dispersando e daí você fica, sabe, “Não, sabe, num vou ver...”, mas aí você
acaba vendo. (Francisca, Grupo 2).
Você vai na sua página inicial, tem três, quatro novas notificações, que eu
acho também que é muita informação ao mesmo tempo também pra uma
pessoa só. (Ronaldo, Grupo 2)
Eu recebo muito e-mail. Muito. E às vezes eu não consigo ver porque muita
gente me carrega. Aí eu vejo notificação, eu só passo do lado, ignoro e só
vou ver bem depois. Porque cansa. Cansa, é muita informação, é muita coisa.
E às vezes não é algo necessário sabe, pro momento. (Francisca, Grupo 2)
Mas também tem hora que você fala “Meu, eu não quero mais ver
notificação! Chega sabe, tô cansado disso. Tô cansado de ser tipo, meio que
um escravo do meu celular.” [...] Pelo menos uma parte do meu dia eu tento,
assim, não ficar tão na neura de ficar olhando as notificações. Eu meio que
desligo o meu pacote de dados, desligo o wi-fi e deixo lá. Só quando que eu
ligo de novo eu vou e olho o que que tá acontecendo. Mais pra num ter essa
escravização do smartphone sabe. Então eu tento me fazer isso pra eu não
ficar tão complexado assim. (Bruno, Grupo 2)
72
Dentre as reações frente às notificações e ao próprio uso dos smartphones que reúnem
diversas funcionalidades, mencionaram a atitude de ignorar temporariamente o alerta de
novidade, o que envolve a consciência do que é prioridade para o momento, além de empenho
no foco do que deseja ter priorizado. Outra forma citada de evitar essa escravização é desligar
qualquer acesso à internet, inclusive pacote de dados, seguindo a lógica de que “o que os
olhos não veem, o coração não sente”. Também houve menção de excluir ou nem fazer o
download de aplicativos, assim como utilizar outros recursos que não o celular para a
realização de tarefas, como formas de evitar as notificações e consequentemente distração,
assim como para a superação da necessidade de usar a todo o momento esses dispositivos:
Eu acho que dá para perceber como a gente é suscetível a isso, porque, por
exemplo, quando eu preciso fazer alguma coisa muito importante eu tenho
que desligar as coisas e às vezes eu acabo excluindo aplicativo do meu
celular para que, tipo, eu consiga fazer sem interrupção, sabe. Porque se
você abre o negócio, você passa tipo, minutos ali. Você fala “Ah, só vou ver
isso”, mas não é só isso que você vai ver. Isso sempre acontece. (Isabel,
Grupo 4)
Para mim, né, que eu acho que tem algumas pessoas que conseguem separar
as redes sociais e coisas que não são das redes sociais, tipo, ler livro, jornal,
revista, essas coisas. Tem gente que consegue fazer e também... Também
conseguem usar a rede social, mais ou menos controlar o que você quer fazer
com a rede social e fora da rede social.[...] Quando eu quero fazer outra
coisa que não seja na rede social, ou seja, fora da frente do computador, às
vezes eu consigo pegar um livro e ler, quando eu tô no metrô, no ônibus, eu
consigo fazer isso.. (Fabrícia, Grupo 1)
tempo e espaço está transformada. O sujeito cada vez mais, também, está sendo chamado a
acessar a rede, em função das notificações. Esse é um recurso de atratividade adaptativo,
desenvolvido pelas plataformas, e que tendem a estimular a conexão constante do sujeito.
Além disso, conforme verificamos, a retroalimentação de conteúdos postados, ou seja, as
interações decorrentes de manifestações nas plataformas, é outro aspecto atrativo, assim como
a diversidade de conteúdos. Experiências que, na verdade, já começaram com os
computadores, quando permitiram o acesso à internet e se potencializaram com os
dispositivos móveis.
Mas antigamente era bastante assim, né, eu lembro que é... Quando não era
esses celulares assim de smartphone, nossa! Era o dia inteiro grudado no
computador assim, qualquer momentinho que você passasse por um
computador que tivesse internet você parava por um momentinho. (Rebeca,
Grupo 6)
O acesso ao computador já era atrativo. Essa não é, portanto, uma vivência particular
do desenvolvimento dos smartphones. Provavelmente estes tornaram mais complexas essas
experiências, mas, como vimos, o nível de envolvimento não é homogêneo.
Na fala de Rebeca, percebemos o uso contínuo e prolongado, ao se referir ao acesso ao
computador. Ronaldo critica a visão de permanência longa nesse meio, apesar de concordar
com o poder de captura e atração das redes sociais digitais:
Eu não acredito que uma pessoa passaria o feriado inteiro, três dias por
exemplo, conectado no Facebook, [...] Por ser uma ferramenta que tenha
notícias, vídeos né, muita informação e são informações aleatórias, uma hora
você tá vendo uma coisa interessante, outra hora você vê, pode ver outra
coisa interessante. Eu acho que o Facebook tem essa capacidade de prender,
mas não por tanto tempo [...] (Ronaldo, Grupo 2)
O participante não se referiu aos smartphones, mas podemos refletir que esses
dispositivos contribuíram para uma nova forma de uso. A atratividade já existia no manejo do
computador, conforme mencionado por Rebeca. Com os celulares inteligentes, está se
adaptando e reconfigurando, tornando-se mais complexa. O tempo dispendido no aparelho
deixa de ser longo e ininterrupto, e passa a ser persistente, porém fragmentado, em constante
interlocução entre meio presencial e digital, de modo híbrido.
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Temos que levar em consideração então, que os smartphones estão contribuindo para
novas formas de percepção e aproveitamento do cotidiano, as quais, principalmente, podem
estar atreladas à concentração de recursos nesses dispositivos:
E o celular [...] tem relógio, a gente tem o nosso telefone, a gente tem...
praticamente tudo o que a gente precisa durante o dia, a gente tem em um
aparelho só. (Natacha, Grupo 3).
[...]celular já tá aqui, sabe, e você pode levar pra onde você quiser, não é
pesado, cabe no bolso. (Júlia, Grupo 5)
E agora tem essa praticidade que, aonde você vai, você tá ali, ó, conectado
24 horas. (Sabrina, Grupo 3)
[...] “Você fica parado”, mas é como se ao mesmo tempo que você tá parado,
vem um monte de coisa para você, porque no Facebook aparece notícia,
vídeo de gatinho, que eu acho que todo mundo é ligado... (Micaela, Grupo 4)
Nesse meio há relógio e há celular; fotografia, vídeo, voz, aplicativos, assim como o
acesso à internet; em um diminuto aparelho que pode ser carregado no bolso e transportado
para onde o sujeito vai, como um mini computador.
A disponibilidade de wi-fi para além do meio residencial, através da expansão da
internet pública e redes móveis, também amplia a mobilidade dos recursos do celular em
termos de comunicação e interatividade. O sujeito cada vez mais está livre das amarras do
tempo e espaço, podendo interagir, se comunicar, realizar trocas quando bem quiser, desde
que possua os recursos de acesso.
Se olharmos em perspectiva, percebemos evolução constante da tecnologia, tornando-
se mais complexa em grau de atratividade e experiência. Do computador para os smartphones,
identificamos a mudança de uso em termos de tempo e espaço, um fixo, outro móvel.
Conforme colocado por Jenkins (2006), o atravessamento cada vez mais constante com o
meio digital vai sendo configurado como importante mercado competitivo pelas empresas,
75
que vislumbram nesse acesso de maior interatividade com os internautas, fonte competitiva
em termos mercadológicos.
Por outro lado, as pessoas estão crescentemente com maior acesso à informação, com
mais recursos de posicionamento e interação, o que se configura como desafios às empresas,
demandando atualizações complexas de atração. Então, se adaptam e investem em recursos de
atratividade e interação específicas, das quais destacamos, conforme levantado pelos
participantes, as notificações, como convite ao acesso constante.
Quando da utilização do smartphone pelo sujeito, ele pode não perceber essas
mediações de interesses mercadológicos permeando as funcionalidades desse dispositivo, que
cada vez se tornam mais complexas. Mas de qualquer modo, é uma adaptação que, se
administrada pelo sujeito de forma consciente e crítica, pode favorecê-lo em termos de
atualizações informativas e interacionais, ou prejudica-lo tornando-o escravo dos afetos
intencionalmente incitados de atração.
Temos que considerar que, nessa dinâmica de interconexão digital e presencial,
viabilizada principalmente pelos smartphones, a possibilidade de movimento é tanto física
quanto de investimento mental. No uso do celular pode transparecer que o sujeito está
estanque, inerte, quando na verdade está em constante movimento ao navegar na rede ou
utilizar seus dispositivos; mas agora não mais como ocorria com o computador, em um único
espaço, mas em qualquer meio em que o sujeito se locomova.
No caso do Facebook, tipo, redes sociais em geral, não fica restrito a, tipo,
um ambiente, tipo, minha casa, meu quarto. Acho que você tá num lugar
assim socializando com os amigos, mas ao mesmo tempo conectado muitas
vezes. (Larissa, Grupo 5).
[...] porque antes os celulares tinham menos design, menos cor, eram muito
grandes. E aí ele falava que o ser humano tinha que se interessar pelo que
tava ali. Então todas as transformações que ele fez no Iphone, no celular,
eram pra que ficassem mais a cara do ser humano. “Ah vou mudar o papel
76
de parede, deixar minha foto, deixar o que eu gosto.” Assim, pra deixar cada
vez o celular mais característico da pessoa. (Ronaldo, Grupo 2)
É duas coisas. Uma delas é: as redes sociais estão com um caráter muito
personalizado, você consegue agregar todos os seus interesses. Por exemplo,
no Facebook você curte as coisas que você quer ver, as notícias que você
quer ver, então é natural que a hora que você vai abrir, não é um site
qualquer, não é uma página qualquer, é uma coisa que você foi construindo
ali para você. Então é interesse atrás de interesse. Então você tá ali vendo
tudo que você gosta, lendo sobre o que você gosta, vendo só o que você quer
e aí realmente a gente tem essa tendência maior ainda de procrastinar, de
nem pensar em alguma coisa melhor pra gente fazer. (Natacha, Grupo 3)
Quando o sujeito cria perfil em redes sociais, como por exemplo, Facebook, faz a
personalização colocando fotos, informações pessoais, dentre outros. Mas não é só a esse tipo
de customização que Natacha se refere. Segundo ela, cada interação na rede vai contribuir
para o sujeito ter acesso a mais do mesmo, com pequenas variações. Por exemplo, ao seguir
uma página, a pessoa receberá conteúdos daquele assunto específico, que foi conscientemente
escolhido. Ela refere também que as curtidas contribuem para a apresentação de determinados
conteúdos, o que já envolve a interferência da plataforma em sugerir conteúdos similares,
assunto este de que trataremos mais detidamente mais adiante. Esse contexto digital, então,
não é aleatório, mas permite a construção do que é interessante para aquele sujeito.
Por outro lado, essa convergência de conteúdos ao gosto do sujeito que o acessa, pode
também ser limitante, conforme crítica de Cibele:
Eu li um texto que, assim, depois que o Dória foi eleito, assim, no primeiro
turno, isso foi um marco. Tipo, aí eu fiquei postando no Facebook que tava
triste né, falei que eu tava desolada, postando meme “São Paulo em
Chamas”. E aí, tipo, eu li um texto de uma amiga do Direito da São
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Se você não desligar esse negócio aqui você não consegue se desconectar,
você fica 24 horas lá, olhando. [...] Sempre vai ter alguém, sempre vai ter
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uma interação. Não é que você vai, assim, “Ah se eu mexer vai estar o
marasmo aqui”. Não! Vai ter gente, tipo, mexendo também. E se você não
mexe, parece que você não acompanha. Se você fica, sei lá, você vai viajar,
você vai ficar três dias e você fala “Ah não vou usar o Facebook...”, você
volta, assim “pá”, várias coisas que você perdeu. Você fala “Meu...”
(Sabrina, Grupo 3)
A gente tem um professor que ele fala assim, essas empresas como Google,
Omelete, que você tem pipoqueira dentro da empresa, você pode terminar o
trabalho em casa, ele fala “Foge, foge, porque eu tenho amigos que passam
final do ano na praia e não passam final do ano na praia, eles estão
trabalhando.” Porque é maravilhoso você ter a possibilidade de trabalhar a
partir do celular em qualquer lugar do mundo. Para mim que tô fazendo
jornalismo, jornalista faz muito freelancer, então eu posso realmente estar no
churrasco, mas estar trabalhando lá através... E eu acho que o smartphone
ele possibilita isso. No caso, eu tenho o Windows Phone, então tem toda
uma ferramenta de edição de trabalho que eu posso tá fazendo matérias, ou
seja, eu posso estar no evento de família, como já aconteceu, editando um
trabalho de faculdade. Posso estar nas minhas férias e, ao invés de estar
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curtindo o sol e o calor, eu estou ali preso nas redes sociais fazendo um
trabalho via smartphone. Então, ao mesmo tempo que liberta, porque você tá
na rua, você tá longe da sua família e você consegue falar com ela. Mas
também aprisiona, porque você perde a noção do que é trabalho, do que é
hora de estudar. Você mistura com a sua hora de lazer, você perde não só a
noção de tempo, mas a noção do que fazer em determinado tempo e espaço.
(Sandra, Grupo 3)
Porque a gente sabe que o Facebook é uma plataforma muito, é... Com muito
acesso. Então as pessoas estão meio que se desdobrando para entrar nessa
plataforma, né. Então é tanto um padre, quanto o dentista, quanto um
psicólogo, não sei. Então tá todo mundo querendo entrar sim cara, “Vamos
tentar puxar gente, clientes de lá”. Então, talvez essa imagem possa remeter
a isso, como as pessoas tão entrando de cabeça no Facebook porque é onde
tem gente né, é onde tá todo mundo 24 horas do dia praticamente.(Luciana,
Grupo 4)
smartphones e para as redes sociais digitais, conforme identificado nas falas dos participantes.
Interessante percebermos a dialética entre a sensação de individualidade gerada, para funções
que são coletivas.
A apropriação de recursos e mídias pelos sujeitos, concentrados nos smartphones,
favorece, ainda, essa personalização do próprio dispositivo. Também as redes sociais são
favorecidas em termos de manifestações diretas dos sujeitos, mas temos que estar cientes de
que a diferenciação vai além, pois os algoritmos que regem o sistema identificam ações nesse
meio e encaminham conteúdos de provável interesse do internauta (KIRKPATRIK, 2010;
ASSANGE, 2013).
Referente a essa concentração de estímulos condizentes com os gostos dos sujeitos,
houve percepção de que pode favorecê-lo ou prejudica-lo. Por um lado, contribui para a
sensação de prazer, pois o sujeito se percebe rodeado de estímulos agradáveis e pessoas com
interesses comuns, contribuindo inclusive para a sensação de pertencimento. Por outro, cria
realidade ilusória, por não abranger outros pontos de vista.
Podemos aqui refletir a respeito do mito de felicidade colocado por Gontijo (2009) e
toda a ideologia construída para que os sujeitos continuem contribuindo para a manutenção do
consumo desenfreado que alimenta o capitalismo. Pensando na busca do prazer imediato, de
modo irrefletido, é confortável ao sujeito só se ver rodeado de informações que o agradam,
mas isso realmente pode limitá-lo se não usado de modo refletido. Pode acabar passando
tempo em demasia nesse espaço, assim como ficar com visão mais restrita de mundo,
facilitando manobras.
A esse respeito, temos que considerar que as transformações tecnológicas que
propiciam mobilidade, são atrativas e são compostas por gama farta de conteúdos, têm
também seu par dialético de aprisionamento. Ter a consciência crítica disso é perceber os
ganhos, as potencialidades desse uso, mas também outras questões que paradoxalmente
podem proporcionar a dependência e consequente poder de dominação do que na verdade
deveria ser utilizado enquanto instrumento.
Foi comentada a angústia, sensação de desadaptação e atraso gerados pela
impossibilidade de uso desse aparato tecnológico, correspondendo a estar desatualizado de
suas constantes mudanças, como se estivesse excluído. É como se além de sua rotina
cotidiana, o sujeito tivesse que estar a par de todas as transformações que constantemente
ocorrem no meio digital.
Outros ganhos e perdas identificados quanto à superação espaço-temporal referem-se
ao trabalho, mais especificamente quanto à liberdade de poder trabalhar independentemente
81
do espaço físico, visto que seu ferramental é móvel e a internet garante o contato necessário;
mas, por outro lado, ter que estar sempre potencialmente disposto a tal, pode criar situações
em que vivências presenciais podem não estar sendo aproveitadas, pelo atravessamento de
atividades de outros âmbitos.
Temos que considerar, entretanto, que os sujeitos são seres ativos, com poder de
transformação do que é previamente projetado, podendo promovê-lo ou redirecioná-lo, o que
vai gerar tensão da outra parte de também agir de forma a manter o que foi transformado ou
de realizar nova manobra.
Temos que considerar que, até o desenvolvimento da tecnologia móvel, era
reconhecidamente clara a divisão entre meios online e offline. Conforme já mencionado, com
o computador, o uso da rede ocorria em determinado espaço, estanque e delimitado, e a
interação com outros poderia envolver aspectos imaginários e criativos, sem necessariamente
condizer com a realidade presencial, visto haver poucos recursos de interconexão entre esses
meios e ferramentas, de checagem da veracidade das falas dos sujeitos.
Porém hoje, com as diversas funcionalidades convergentes nos aparelhos móveis,
aspectos cotidianos são facilmente colocados na rede, tais como imagem, voz, vídeo, etc. A
rede social se aprimorou com esse desenvolvimento, agilizando a troca de conteúdos
interativos nessa plataforma. Mudou então a forma de encarar a rede, agora mais fluida e com
interatividade que exige maior representatividade do sujeito em termos de realidade
presencial. Mas como será que os sujeitos percebem a relação entre esferas digital e
presencial? A seguir colocamos algumas significações encontradas, que analisaremos sob esse
olhar:
Porque todo mundo acha que a rede social é, tipo, uma vida real, né. (Luana,
Grupo 6).
Luana por exemplo compreende a rede social digital como instância separada da vida
presencial cotidiana. Sua percepção parece ser de que essa esfera não deve ser tão levada a
sério, generalizando que essa é a visão de todos, mas problematizando que não é tão
representativa quanto as ações presenciais.
A gente vê também pessoas que se libertam pela internet, pela rede social
[...] É diferente, vai de caso para caso, de pessoa para pessoa. [...] Assim, a
gente vê pessoas que sofrem bullying na vida real e só conseguem conforto
ali na vida virtual, né, conseguem com força sair... Que nem eu falei, sair do
82
pesado do dia a dia, do sofrimento do dia a dia para se libertar na internet né.
Conseguir se distrair, conseguir... Uma forma de distração, libertação pra
algumas pessoas. (Maria Eduarda, Grupo 1)
Podem ter pessoas que tenham mais dificuldade sim de se associar no meio
social, de ter amigos, que precisam ficar mais tempo no Facebook porque
talvez seus amigos estejam mais lá do que na vida real por exemplo.
(Ronaldo, Grupo 2).
É muitas vezes essa questão de [...] você se manter no mundo virtual tá tão
presente em você, porque a pessoa tá do seu lado e você tá conversando com
ela no celular. Então... E você não tem a capacidade de olhar na cara da
pessoa e falar com ela pessoalmente. Então... Mas isso tá se tornando cada
vez mais comum. (Bruno, Grupo 2)
Eu acho que a gente também tem que saber dosar, né? A gente tem que
dosar o tempo que a gente... Às vezes a gente passa muito tempo na frente da
tela do computador, na tela do celular. Saber dosar essa... Limitar um pouco
também, porque tem outras formas de se comunicar, de se... De ver o que tá
acontecendo no mundo. A gente também pode abrir a janela, ver o que tá
passando na rua, ver o que tá acontecendo ao nosso redor também. Que tem
ao nosso redor, não só em frente à tela. (Maria Eduarda, Grupo 1)
Eu vejo como desvalorização das redes soc... Da tecnologia, que é “Ah, sai
do Face, vai ler um livro, vai fazer outra...”. Eu acho que eu vejo como uma
desvalorização, como se tudo que as pessoas vissem ali no computador fosse
inútil e só aquilo que tá no papel fosse mais importante, valesse mais, fizesse
a pessoa mais intelectual. Eu vejo assim, como uma desvalorização da
tecnologia, colocar como se fosse mais importante ler um livro. Eu vejo
assim. (Maria Eduarda, Grupo 1)
Muitas vezes você perde essa habilidade de lidar com a pessoa. Você... Tem
um momento em que você tá tão focado no mundo virtual que você fala “Ah,
vou ter que falar com determinada pessoa, nossa, como que eu vou agir?”
Você perde essa habilidade de saber como agir e saber como o que falar, [...]
(Bruno, Grupo 2)
Podemos refletir que a distância proporcionada pela mediação traz outra sensação ao
sujeito, outro nível de percepção representativa, correndo o risco de se esquecer de que aquele
meio é interface da realidade cotidiana e presencial. Por mais que possibilite outro nível de
experiência, ainda assim está conectada a essa esfera.
Referente ao distanciamento e de consequente sensação de proteção viabilizada pela
intermediação tecnológica, foi apontada percepções quanto ao aumento de coragem nas
interações realizadas nesse espaço:
Uma coisa que a gente ouve muito, né, porque na internet as pessoas se
sentem mais corajosas para falar as coisas, mas na vida real não falam. [...] O
contato pessoal é diferente do que o contato na rede social. [...]
Principalmente para criticar, né, as pessoas se sentem mais confortáveis para
criticar na internet do que pessoalmente. (Maria Eduarda, Grupo 1)
[...] por exemplo, se você pensa que a pessoa vai discordar de você, eu acho
que ela não vai falar isso na sua cara. Ela vai postar no Facebook, ela vai
falar isso pela internet. Né, eu acho que não é só pessoalmente, mas as
pessoas também estão evitando conversar ao telefone. As pessoas estão...
Preferem conversar por mensagem do que conversar por telefone ou até
pessoalmente. Isso vai desde casos sei lá... De términos de namoro por redes
sociais, até casos de discussão, de briga. Né, então eu acho que tá
acontecendo isso, talvez uma desumanização das relações, assim, de reação
né. De discordância de, me sentar e conversar. Preferem ser virtualmente.
(Ronaldo, Grupo 2)
Sim, muitas vezes essa questão de coragem, por exemplo, uma pessoa ela é
tímida ou na realidade, na vida real mesmo ela não... Ela não interage com as
pessoas, [...] Só que é... Na internet ela fala tudo. Então é uma ferramenta
pra ela se expressar melhor. Porque na vida real ela sente medo. Então é esse
paradoxo da... atrás da internet você é corajoso e na vida real é o extremo
medo. Então fica meio que nessa dualidade eu acho. (Bruno, Grupo 2)
Pode servir como uma coisa no sentido de a pessoa não consegue apresentar
o trabalho, não consegue ir lá na frente e assumir uma posição. Mas pela
internet sei lá ela escreve texto, então tem esse lado positivo, querendo ou
não. (Francisca, Grupo 2)
85
Já a escrita não abarca a comunicação não-verbal, tais como expressões faciais, tom de
voz, etc. Caso o sujeito queira demonstrar seu afeto, pode utilizar emoticons ou mesmo
descrevê-lo, o que ocorre de forma intermediada, de outra forma representativa que não a
direta.
Você olhar e realmente saber conversar com a pessoa e meio que sentir o
que a pessoa tá sentindo na sua fala. Então tem muito essa questão também
de “Ah, vou falar no celular porque eu vou estar mandando uma mensagem e
eu não vou estar...” A pessoa não vai tá expressando o sentimento dela. [...]
Sei lá. Eu acho que pra mim é uma forma mais fácil, então, é uma forma
bem mais fácil de lidar com a pessoa falando no celular, porque você não
precisa expressar sua entonação em voz, é tudo uma mesmice. Então fica
nessa. (Bruno, Grupo2)
Por outro lado, assim como mencionado por Ronaldo, as pessoas podem evitar o
contato presencial para conversarem sobre assuntos sérios e conflituosos, preferindo o meio
digital, visando o afastamento da dor e do contato com o sentimento do outro, como em casos
de término de namoro e discussão. Busca a resolução rápida, sem grandes mobilizações.
É que falando por celular você evita de ter que lidar com a pessoa. Vai,
igual, você, sei lá, vai terminar o namoro. Você termina pelo celular, daí
você vê que a pessoa vai reagir, você só bloqueia ela e acabou. Você não vai
ter que lidar com esse problema. É aquilo e ponto. Você não vai ter que
conversar ou explicar pra pessoa, sei lá, ter o trabalho de esboçar alguma
coisa, se a pessoa vai te julgar errado por um gesto ou uma coisa assim. É
aquilo e acabou sabe. Você não vai ter que lidar com o resto. (Francisca,
Grupo 2)
[...] pessoalmente você vai ter muito mais influência, as duas pessoas vão
ter. E por mensagem, não necessariamente. (Francisca, Grupo 2).
Tipo, eu tinha um amigo que ele era muito suave assim. Ele era muito
tranquilo e tal. A gente ia nas festas, tinha aula com ele e assim... Na rede
social ele era muito monstro, assim. Eu falava “Meu, que que aconteceu né
velho... Que que tá falando?”. Tipo, quem é essa pessoa que solta essas
coisas que a gente não sabia, assim, tipo... Num grupo que tem...A gente
tinha amigos que tipo, a gente tinha um casal gay no nosso grupo assim, dois
caras. E aí ele soltava umas coisas homofóbicas que tipo... “Oh meu, por que
você não fala isso na frente do [Miguel] então que tipo... Que é um dos
caras, sabe?”. Porque é seu amigo tipo. E a gente não entendia muito bem
isso. E tipo, essa coisa de estar distanciado também às vezes é bom, porque a
pessoa se sente um pouco mais confortável, um pouco menos, sabe... Aquela
coisa do grupo, aquela pressão. Às vezes você consegue fazer a denúncia
que você precisava fazer e tudo mais. Ou às vezes você tipo... Vira um
monstro, tipo um monstro. Você mostra sua face que a gente fala... “Não faz
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sentido nenhum você estar fazendo isso sabe”. Tipo, que identidade é essa?
(Cibele, Grupo 3)
Eu sinto que tipo, o mundo virtual não deixa de ser uma ramificação. Tipo,
ele continua sendo vida real, então, tipo, se uma pessoa curte uma página
homofóbica, por exemplo, no Facebook, tipo, eu não vou querer um contato
com ela. Tipo, na real, porque eu sinto que a internet e a vida real, tipo, são a
mesma coisa. Porque a internet é a vida real. E eu sinto que a gente tem
muito essa ideia de que online as coisas que a gente faz é uma outra
realidade e tipo... Não é, é a mesma realidade. Tudo o que você vai fazer
online tem consequências na vida offline, porque tipo... Tudo isso é vida real
e tipo, tudo o que você faz é você fazendo.(Fabiane, Grupo 3)
Tem que ter esse cuidado com o que você faz ali na rede. Tem gente que não
pensa que é uma continuação da sua vida, embora digital, mas é uma vida
real. E as pessoas às vezes confundem e acha que ali vive um personagem às
vezes, entendeu, se confunde muito. (Sabrina, Grupo 3)
Tanto Sabrina quanto Fabiane compreendem que a representação na rede é real, traz
consequências para o cotidiano e as relações presenciais, pois os espaços se ramificam. Então
o sujeito deve ter cuidado sim com o que coloca, pois inclusive relações de amizade podem se
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basear no tipo de conteúdos postados, assim como relações de trabalho podem se tornar
desastrosas, conforme exemplo colocado por Sabrina.
Quanto a proveitos da interface entre meio presencial e digital, foi colocado que:
E é meio que uma forma de você fugir às vezes, sabe, por exemplo, uma aula
chata que que você vai fazer? Você vai mexer no celular. (Ana. Grupo 5).
Também podemos refletir que o acesso à rede pode viabilizar o desvio de situações
embaraçosas ou mesmo de insegurança, em que, por exemplo, o sujeito não conheça ninguém,
alterando a forma de vivência dessas situações.
O aproveitamento cotidiano pode estar relacionado ao sujeito juntar-se a outros para
reivindicações, o que é potencializado por recursos tecnológicos contemporâneos:
É... Não, eu acho que o Facebook é uma ferramenta boa tanto pra você se
manifestar, por lá mesmo, mas também pra você mobilizar a galera e, tipo, ir
pra rua. Pelo menos nas últimas manifestações eu acho que foram
movimentos que começaram na internet, né. Não sei se é tão fácil de levantar
tanta gente assim... Fora assim né. (Marcelo, Grupo 5)
Temos que considerar que o uso da rede social para esse fim, de agrupamento de
pessoas para a defesa de ideias, segundo Kirkpatrick (2010), não foi projetado pelo
idealizador da plataforma Facebook, mas foi uma potencialidade percebida pelos internautas
durante o uso do feed de notícias, dando novo sentido à ferramenta. Percebemos nesse
exemplo uma possibilidade de atuação social pela apropriação das mídias, desafiando os
especialistas da comunicação.
Então, com a evolução tecnológica, fica mais desafiador também a manutenção de
configurações sociais e de ideologias, assim como a atração do público que, com o acesso a
vários serviços, ganhou voz e aumentou sua potencialidade em ações coletivas. Configura-se
diariamente, então, uma tensão entre a manutenção do status quo e novas reações da
sociedade, que se apropria dos recursos da mídia para transformá-la.
De modo geral, identificamos transformações na percepção do mundo e do dia,
decorrentes dos atravessamentos tecnológicos. Com a mobilidade e borramento de fronteiras
possibilitados pelo uso dos smartphones, mudam-se as noções de tempo e espaço. Há aqueles
que têm mais consciência sobre essas transformações e outros menos, de acordo com as
vivências de cada um e dos impactos vislumbrados.
Aquele tempo ocioso do caminho, já é investido em ações na rede, que, por sua
característica de infinidade e realimentação de conteúdos, assim como de reunião de assuntos
atrativos ao sujeito, de forma personalizada, o prendem, quase que de forma hipnótica,
garantindo a sensação de fluidez do tempo, sem que perceba, transcorrendo de modo
frenético.
As tarefas cotidianas, dentre as quais trabalho e estudos, continuam, e as tecnologias
contribuem em sua complexidade, mas também desafiam o sujeito a lidar com os
atravessamentos interacionais do meio digital, constantes e em crescente transformação,
quando em atividades que exigem sua atenção.
A tentação de acessar a rede é frequente. Está nas notificações, que chamam para o
dispositivo, nas atualizações, que são incessantes, gerando para aqueles que não podem
acessá-la, angústia e sensação de exclusão. Seu trabalho agora, em termos de dispensa de
energia, é constante, pois no movimento de deslocamento também está sendo demandado para
a atuação digital.
São geradas diversas percepções paradoxais: mergulhar no prazer das ideias afins
reunidas nas plataformas das redes sociais digitais ou entrar em contato com a realidade, que
inclui posicionamentos contrários? Deleitar-se com o prazer imediato, ou fazê-lo de modo
refletido e consciente das possíveis consequências? Aceitar a díade liberdade e
91
Ai eu curto só, tipo, muito evento, porque parece que agora você só sai de
casa, tipo, porque tem evento no Facebook. Porque não dá para você
descobrir nada, tipo, festa, tipo, evento cultural essas coisas. Tá tudo lá.
Então tipo... É meio assustador assim. [...] Mas eu entro basicamente por
causa de evento, porque parece que todos os eventos estão lá e é muito fácil
porque tem o horário, tem tudo. Você se organiza muito por lá. Eu acho isso
ótimo, eu acho muito bom. (Fábio, Grupo 4)
Por exemplo, eu acho que é muito difícil, sei lá, você ficar sabendo das
coisas, sei lá, show, manifestação, qualquer coisa que não fosse por evento
de lá. Eu acho que isso até chega a ser ruim um pouco. (Larissa, Grupo 5)
Você consegue ver quem vai no evento. Se é uma festa, por exemplo, você
não quer ir numa festa que vai um pessoal nada a ver com você né. Então...
E outra coisa também é que eles colocam o lugar e o lugar, se você clicar, já
coloca no seu GPS. Então, tipo assim, não sei como é que faz para chegar lá.
Em vez de, sei lá, pesquisar, não, você só clica lá que ele já te coloca no GPS
e ele vai embora. É mais fácil. (Luciana, Grupo 4)
Eu acho que eu tô no Facebook assim, só por esse motivo que ele falou,
sério, porque eu não tinha Facebook até pouco tempo. Eu era a única pessoa
do mundo que não tinha Facebook, assim, e aí eu acabei criando por isso
assim. Primeiro porque eu esquecia aniversário, então o Facebook ajuda
nisso, e por que as pessoas convidam tipo pra evento, pra festas, tipo, coisas
que vai ter só pelo Facebook assim. (Sofia, Grupo 4)
É, muita notícia você vê que tem 1.000 comentários. Você vai lá nos
comentários, é tudo nome de alguém que a pessoa marcou a pessoa pra ela
ver a notícia no comentário da notícia. Isso enche o saco, eu quero ler
comentário da notícia, só tem nome de pessoa. (Luana, Grupo 6).
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O cara vai lá, monitora a sua rede social e sabe aonde você tá exatamente.
(Amanda, Grupo 6).
Eu acho que eu tenho, tipo, parente que mora longe e, tipo, minha avó,
minhas tias, todas usam Facebook e elas trocam, tipo, muito contato assim
com a galera que tipo, mora sei lá, em BH. Então é... Tipo, eu acho isso uma
coisa boa, uma troca positiva né, porque a minha vó fica, tipo, horrorizada
assim, ela acha o máximo ver, tipo, a menininha que tá crescendo, tipo
mudando assim a cada ano, crescendo mais, tipo. (Fábio, Grupo 4)
Dá que o Facebook também, não sei, é aquele contato com as pessoas que
você nunca mais vai ver na vida ou dificilmente vai ver. Como quando acaba
a escola. Dificilmente você vai ver aquelas pessoas de novo na mesma rotina
que você via antes, eu acho, eu não sei. No tempo dos meus pais, perderia o
contato totalmente assim... Mesmo tendo o telefone, você não taria sabendo
simultaneamente assim o que tá acontecendo na vida dela. Só se você ligasse
pra ela. Agora no Facebook não, acho que ainda mantém esse laço fininho,
assim, de... De você saber como que a pessoa tá, mas por questões da vida se
afasta assim. (Larissa, Grupo 5)
Conforme podemos ver, o acesso às redes sociais digitais via smartphone transformou
algumas experiências dos sujeitos, das quais destacamos as organizações de eventos, passeios
e encontros, as marcações de pessoas para que visualizem determinadas publicações, o check-
in que identifica a localização das pessoas e a proximidade de amigos, além da possibilidade
de manter contato com aqueles que estão distantes fisicamente. Assim como colocado por
Pellanda (2009), com essa configuração, fica clara a experiência social da cidade mediada
pelo uso tecnológico.
Toda essa complexidade das interações atravessadas tecnologicamente é
compreendida de diferentes formas pelos participantes:
Percebemos nessa fala uma visão de que a esfera presencial e a digital, através das
redes sociais digitais, possibilitam diferentes formas de relação, principalmente devido à
questão de papeis sociais. As plataformas de redes sociais digitais favorecem, por sua
configuração, a convergência de papeis, diferentemente do meio presencial, onde eles são
mais definidos. Essa concentração de familiares, amigos, colegas de trabalho, de faculdade,
95
entre outros, em um único espaço, facilita interferências e reações não desejadas ou esperadas
entre usuários.
Temos que considerar que o Facebook foi desenvolvido em 2004 (KIRKPATRICK,
2010), então tem treze anos. Houve outras plataformas anteriores, mas esta é uma das
pioneiras em termos de compartilhamento de conteúdo, com recursos de linha do tempo
individual e feed de notícias. No primeiro constam as publicações do sujeito e as marcações
realizadas por outros em seu perfil, organizadas cronologicamente e no segundo há os
conteúdos colocados pelos contatos adicionados e pelas páginas seguidas, sugeridas ou de
publicidade. Apresenta, dessa forma, novas possibilidades para interações. Os participantes
parecem perceber isso, e elaboram o significado da vivência digital e presencial, suas
diferenças e aproximações. Conforme colocado por Cibele, por exemplo, há a consciência de
que dispor conteúdos na rede social digital é diferente do meio presencial, no que se refere ao
âmbito de papeis.
Você tá falando com o seu ex-namorado, né, e ele vê que você arranjou um
novo namorado e aí ele fica bravo porque, né... Quer tentar de novo. E aí
começa aquele conflito entre casal. (Fabrícia, Grupo 1)
Nossa, quando eu vejo meu irmão eu fico, tipo... “Mas vive no mesmo teto
que eu, sangue do meu sangue... por quê?” (Laura, Grupo 3)
Eu acho super legal. Me ajuda a pensar que o meu professor é gente como a
gente assim. (Júlia, Grupo 5)
Por exemplo, tem professores, aqui da PUC. Aí esses dias uma amiga postou
um meme de uma mulher que tava com uma arma e falando para a
professora “Vai dar sete, vai aumentar a minha nota ou não vai?”. Aí a
minha amiga “Joga na roda, joga na roda”. “Você tá louca? As notas ainda
não fecharam... Não joga na roda não!” (Sandra, Grupo 3)
“Então, é engraçado sabe. Às vezes a pessoa acaba postando uma coisa que é
para ser engraçada, mas ela esquece que ela tem chefe, que ela tem o pai,
uma mãe, uma tia, avó, ou que... Aí posta.” (Sandra, Grupo 3).
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Identificamos nessas falas conflitos efetivados ou potenciais com pessoas que fazem
parte da teia de contatos digitais do sujeito. Desde figuras que já foram significativas e, ao
terem contato com novidades da vida da pessoa, querem retornar relações; até a indignação
decorrente da visualização de postagens de familiares, que divulgam gostos e
posicionamentos que não se conhecia, causando decepção. Pela convergência de papeis nesse
espaço, podemos ter contato com outros papeis do sujeito, que comumente não temos na
perspectiva presencial. Por um lado, isso pode gerar desapontamento, conforme mencionado,
ou mesmo quebrar a imagem criada; mas também pode servir para conceber o outro enquanto
humano em sua globalidade.
Dentre as possibilidades interacionais nas redes sociais digitais, foram destacados
conflitos e dificuldades nas interações:
Eu trabalhei num lugar que assim, a ideologia que eu tinha não batia, assim,
com praticamente ninguém do local. E eu sempre pensava nisso. A partir do
momento que eu tivesse as pessoas e publicar as coisas que eu publico, as
coisas que eu defendo iria ter um atrito, então a minha relação com eles no
trabalho iria modificar totalmente, poderia me prejudicar, poderia criar um
ambiente meio chato. (Rebeca, Grupo 6)
Isso ainda na época do Orkut que a minha prima postou uma foto. Sabe
aquele filme Labirinto do Fauno? Não sei se vocês assistiram, tipo, tá o
fauno abraçando a menininha e a minha prima imprimiu e postou. E tipo,
imprimiu e colocou na mão da minha tia “Sua filha está fazendo apologia ao
satanismo. [...] Você tá fazendo apologia... Tipo, meu... Uma foto que a
menina postou no Orkut, a minha tia imprimiu e tipo, sabe, acabou com o
laço de família ali. Desde que... Faz muito tempo, por uma coisa besta. E
minha tia interpretou errado e tipo, meu, sabe? Por isso que tipo, eu tenho
minhas tias no Facebook, aí fica aquele negócio, pra não ser deserdada. Mas
sabe aquele negócio de tipo, não deixar a pessoa ver, acho isso super legal.
Facebook tem várias ferramentas assim que dá pra você... (Júlia, Grupo
5)
97
Essas situações levam a reflexões sobre a amplitude das interações que as redes sociais
digitais permitem; exemplificam conflitos de papeis que podem ser desencadeados; assim
como a necessidade de alguns cuidados e de mecanismos de privacidade.
Participantes do grupo 5 relacionaram a potencialidade de conflitos na rede social
Facebook devido a abarcar diferentes faixas etárias, com destaque aos mais velhos:
Tem os caras de quarentão. [...] Mas acho que também não chegou tanto no
Twitter ainda pra terceira idade. (Larissa, Grupo 5)
Porque parece que o Facebook é muito mais sério, sabe, tipo... Se a sua tia
pega e manda parabéns para você e você não responde, você é deserdado da
sua família. Agora no Twitter, tipo, eu não vejo as pessoas mais sérias.
(Júlia, Grupo 5).
Eu acho que em relação a postar para um postar ou postar para outro ver eu
acho que acontece muito em relação à família, né. Por exemplo, um paquera
a gente não quer que os pais saibam, a gente posta só pro paquera. (Maria
Eduarda, Grupo 1)
98
É, isso fica pra você. Talvez não seja uma coisa muito relevante pra todas as
pessoas que são seus amigos verem. E ultimamente tô fazendo muito isso.
Em vez de compartilhar alguma coisa, eu simplesmente guardo pra mim e eu
não sei... Talvez isso... Eu não sei se é um problema, porque a questão né,
questão, tipo, do medo de todo mundo ver aquilo ou sei lá, talvez a gente
fala... Os contatinhos né – risos – a gente quer compartilhar alguma coisa de
amor, aí todo mundo já “Ah, tá apaixonado”, ah, não sei o que, sabe. Então
assim, eu tenho essa de prestar atenção no que eu tô compartilhando mesmo.
Mas muitas pessoas, assim, são sem filtro, assim. Tudo que veem já vai
compartilhando. (Ronaldo, Grupo 2)
É que eu sou uma pessoa muito pública, no sentido de tipo... Eu não ligo
muito das pessoas saberem, tipo, as coisas. Eu não ligo mesmo. E até coisas
que, tipo, minha família não sabe eu posto. E tipo... E vai descobrir pelo
Facebook mesmo. E é isso aí, porque são coisas que eu acho que são
importantes. Tipo, eu tenho um canal no YouTube. Então eu não posso
muito... Tipo, eu não tenho muito filtro. Que eu tenho já é permeado, tipo,
por todas as questões nas quais eu me envolvo. Então tipo, como eu tenho
um canal no YouTube, eu já sou tipo... Não uma figura pública, porque eu
tenho tipo, duas pessoas que me assistem, minha mãe e uma amiga minha.
Mas no sentido de tipo... A minha vida tá muito mais aberta. Então sempre
que eu posto as coisas eu sei que vai ter muita repercussão. Então tipo, eu
sempre escolho o que eu vou postar e eu posto coisas que eu acho que eu
tenho que postar e tipo, que são importantes. E se as pessoas olharem e
falarem “Nossa isso é idiota, eu não quero falar com essa pessoa” tipo... Tá
tudo bem para mim. Porque eu não quero, tá. Eu sou muito das causas
sociais né, então, tipo... Eu não quero tá perto das pessoas que, tipo, vão
contra as coisas que eu acredito. E sei lá, eu sou muito de eu comprar a briga
e eu compro as consequências. Eu acho que tem coisas que têm que ser
faladas e eu falo elas. (Fabiane, Grupo 3)
99
Tipo eu não me posiciono, eu... [...] Eu uso bastante, mas eu quase não faço
nada, tipo, não posto, não comento e tal. E também porque não sei, pelo
menos no meu Facebook tem um movimento separado, entendeu, então
dependendo do que eu posto, do que eu comento a outra parte vai ver e
sabe... Pode dar esses conflitos assim então... Mas sei lá, nem esquento, tipo,
eu gosto de ver... (Júlia, Grupo 5)
Temos dois exemplos de participantes que preferem não se posicionar, uma por receio
de que aqueles com ideias diferentes tenham acesso a seus conteúdos devido à expansividade
da rede, e a outra buscando deixar seu perfil com aspecto neutro, com conteúdos mais gerais,
sem posicionamentos acirrados, evitando potenciais conflitos.
[...] Tipo, dá uma clicada no dedão positivo, eu acho que muitas vezes não é
muito bom. [...] porque vai que tem alguém que você não conhece e clica ali.
[...] Aí a pessoa fica muito assustada assim, tipo... Não sei. (Fabrícia, Grupo
1).
Fabrícia, nessa fala, demonstra perceber a expansividade dos conteúdos das redes
sociais digitais para além de sua rede de amigos, pois identifica que pessoas além daquelas
que possui adicionadas podem interagir com postagens dela, apesar de não deixar tão claro se
está se referindo a si mesma, mas é essa ideia que parece passar. Essa dimensão aparenta
assustá-la.
Ainda essa mesma participante coloca como riscos das interações da rede social, as
ameaças, conforme segue:
100
[...] o namorado sabe e pode postar o que ex-namorada fez com ele e
tals. Tem essas coisas, né, em repostagens, e que falam muito dessas
ameaças em redes sociais. Ameaçar, né. Às vezes amigos ou gente que você
tem no Facebook, [...] e começa te ameaçar porque sabe o que você faz, o
que você fazia ou... Essas coisas. (Fabrícia, Grupo 1)
Então a gente tem que ter esse cuidado sempre, porque a rede social ela é
facilitadora muitas vezes, mas também ela é uma armadilha, ela é perigosa
no sentido das relações. E você vê que acontece muitas coisas sim, que
muitas pessoas mal intencionadas que utilizam pra cometer crimes, por
exemplo. (Sabrina, Grupo 3).
Aí a empresa vasculha realmente entendeu. [...] Imagina por uma foto, por
uma publicação que você fez, você não vai ser contratado na empresa. Então
isso é uma coisa muito... Muito preocupante. Então por isso tem que tomar
muito cuidado com o que você posta e com o que você deixa de postar.
(Bruno, Grupo 2).
Hoje as empresas elas buscam muito no seu perfil o que você tá postando, o
que você tá defendendo, se é mais brincalhão, “É perfil da nossa empresa?”.
Outro dia conversando com amigo ele falou que fez numa entrevista de
emprego no Citibank e não passou. O amigo dele trabalhava lá dentro falou
“Ai amigo, é que você defende posicionamentos políticos que não condiz
com a empresa. Provavelmente buscaram no seu Facebook porque eles
fazem isso e viram lá os seus posts.” E aí ele brincou comigo “Eu vou fazer
um fake, eu vou fazer um fake...” [...] Vou ter um perfil fake, deixar bem
neutro para minha família, para as empresas e vou por um apelido, assim, só
para os amigos. (Sandra, Grupo 3)
Eu tenho amigos que tem tipo, o perfil deles, que é tipo, com o nome inteiro,
e o perfil que, tipo, ele só adiciona os amigos, tipo... E é o perfil que eles de
fato usam. (Fabiane, Grupo 3).
No exemplo acima referido por Fabiane, há pessoas que criam mais de um perfil para
lidar com a convergência de papeis na rede, tendo aquele específico e mais controlado para a
criação de imagem que transmite, supostamente, seriedade, e outros em que adiciona amigos e
age espontaneamente.
Sabrina fundamenta através de exemplo consequências que postagens colocadas
impulsivamente podem gerar.
Analisamos a questão dos papeis e sua convergência nas redes sociais digitais em
termos de complexidade das interações. Há ainda outras questões que configuram essa
complexidade de relacionamentos possibilitada pela tecnologia. O modo de seleção de
contatos nesse espaço é uma delas.
102
É que às vezes a gente faz isso porque, também prezando mais a saúde
mental né, porque... Antes eu tive que fazer uma limpa no Facebook, assim,
excluir umas pessoas que sim, eu conhecia a pessoa. Mas por exemplo... Mas
a pessoa postava umas coisas que você abria aquilo todo dia e você ficava
“meu Deus” sabe, não faz bem para você. Então você não é obrigado a ver.
Então você acaba, tipo, tirando a pessoa. Porque tem umas pessoas que elas
pensam diferente, realmente elas mostram assim, sei lá... Elas têm uma certa
formação sabe, é a visão delas, mas você vê que não, realmente, a pessoa tá
falando umas coisas que são sérias. Mas tem umas pessoas que elas
reproduzem muito o que elas pegaram por aí e elas não... (Laura, Grupo 3)
Mas não, aí eu falei “Ah, às vezes a pessoa tem o pensamento diferente, mas
ela é tem fundamento?” Se ela tem fundamento elas ficam sabe, é outra
visão. Agora se a pessoa só tá falando de senso comum, de achismo, falando
de feminoódio, então vamos tirar, excluir mesmo aí... que ele vai lá falar em
outro Feed de Notícias. (Nicole, Grupo 4)
103
Aí, quando eu não falo mais, tipo, já faz dois anos que eu não vejo a pessoa,
eu não tenho porque ter ela na minha rede social, tipo... Não faz sentido para
mim. Eu uso as redes sociais mais tipo... Para me comunicar com as pessoas
que eu quero me comunicar e tal. Eu acho o Facebook um ambiente muito
tóxico muitas vezes. Então, tipo, eu prefiro deixar ele o menos tóxico
possível, então eu tipo vou tirando pessoas e não aceito ninguém. (Fabiane,
Grupo 3)
Todo final de ano [...] é dia de limpeza “Vamos excluir aquele pessoal que
você não vai conversar nunca mais, fechou o ciclo, não vai mais tipo...
Acabou.” É porque, por exemplo, você está na faculdade todo mundo da sala
te adiciona. Aí acabou, você não vê mais aquele povo de novo, todo mundo.
Você talvez nem... Tem gente que eu tenho no meu que não fala comigo oi
aqui, tipo, eu fico muito p*** com isso, tipo... Não, ela não fala oi
pessoalmente, tipo. Aí eu fico assim... Tá, acabou, eu sei que eu vou excluir
porque a pessoa não fala nem oi comigo no dia a dia, mas tem lá, pareço que
só mais um números, sabe. (Larissa, Grupo 5)
[...] eu vou periodicamente fazendo a limpa. Então, tipo, eu sempre tento ter
o menos gente possível. Só as pessoas que eu realmente falo ou que tipo, eu
realmente gosto. [...] Então tipo, eu tenho muita notificação de gente que me
adicionou que era do meu colégio e que, tipo, eu me formei, eu tirei todo
mundo. Porque não era mais uma obrigação social ter eles. Então, tipo, eu
tirei todo mundo menos as pessoas com quem eu falava. E aí essas pessoas
notam e elas adicionam de novo. Só que tipo... “Eu tirei você, eu não vou te
aceitar de novo”. (Fabiane, Grupo 3)
Eu vejo assim que tem tanto lado positivo quanto negativo. Porque pode ser
que você deixe de falar com alguém, mas é bom você ter o contato de uma
pessoa que fez parte em algum momento... (Rebeca, Grupo 6).
104
Ai, eu sou muito chata com isso. Tipo, eu não aceito... Eu sou muito chata.
Tipo, eu não aceito ninguém no Facebook. Eu não adiciono ninguém no
Facebook. Tipo, as pessoas que eu tenho são majoritariamente do meu
colégio antigo e aí tem, tipo, pessoas da faculdade que estão na minha sala.
Sandra, Grupo 3)
Tem alguns primos que a gente não gosta e, para manter aquele clima,
manter o clima amigável, a gente se obriga a conviver para manter esse
clima mais agradável. (Maria Eduarda, Grupo 1).
Na verdade muita gente e não só família você tem porque se você excluir vai
vim perguntar. (Helena, Grupo 6).
105
A mesma coisa que primo né, o pai e a mãe também são uma obrigação
porque, né? São seus pais [...] (Fabrícia, Grupo 1).
[...] pessoas da faculdade que estão na minha sala. Então, é meio que eu me
sinto obrigada socialmente a aceitar aquelas pessoas. Então tipo, família eu
me sinto, tipo, obrigada socialmente a ter a minha família no Facebook. Por
mais que, tipo, a nossa relação seja uma bosta. (Fabiane, Grupo 3)
[...] ou senão “Ai do meu trabalho... se eu deleto aí vai causar uma coisa
meio chata dentro do trabalho” sabe... (Luciana, Grupo 4).
E aí você fala “Nossa, mas você tá online, você não precisa ser tão formal
assim, você não precisa fingir amizades.”. Mas quer ou não, sim, você
precisa, porque a gente usa sempre o tempo inteiro. Eu no meu trabalho
preciso de Facebook. Então eu não posso descartar todo mundo porque
realmente, em algum momento, eles podem me adicionar alguma coisa.
Então acho que todo mundo tem que pensar o seguinte: se você tá dentro do
Facebook, todo mundo dalí é contato. Querendo ou não a pessoa pode te
agregar alguma coisa. Mas aí... Você precisa entrar mais na conversa,
conversar mais e etc. Mas todo mundo lá dentro vai oferecer alguma coisa,
você só precisa identificar o que e se você realmente quer isso ou não. Então
acho que é legal ter as pessoas chatas, ter as pessoas legais, porque todos são
contatos. Essa é a conclusão do Facebook. (Luciana, Grupo 4)
É, a pessoa não sabe. Então tem como você parar de seguir. Mas tem gente
que, por causa disso, diferenças ideológicas de... E tal, você para de seguir
que é esse, um recurso pra você não ficar vendo mas... Excluir é um negócio
que parece que pega pesado sabe, eu não sei por que exatamente, qual o
motivo. (Helena, Grupo 6)
É, tipo, essa coisa da colega chata. Tipo, se ela é chata, você não gosta dela,
por que você adicionou? Aí às vezes... Eu por exemplo, fiz isso com várias
106
Na compreensão dos participantes, são ações menos extremas, mas que distanciam o
sujeito indesejado de visualizar seus conteúdos e atualizações, porém de modo que não saiba
que assim está identificado. Não percebe, portanto, a rejeição, como ocorreria quando
identifica que não é aceito.
Conforme verificamos nas falas dos participantes, o gerenciamento dos contatos vai
depender bastante da relação que se tem com eles, além dos conteúdos que colocam. Há maior
facilidade de deletar e gerenciar aqueles que não são tão conhecidos do que aqueles da esfera
social cotidiana. Apagar alguém da família ou da própria faculdade pode ser desastroso, sendo
preferível gerenciá-los enquanto obrigações sociais. Apesar de essa ser a visão predominante,
houve também a percepção de rede enquanto meio onde se faz contatos, aos quais se pode
recorrer em momentos de necessidade, sendo ressaltada a importância de cada um,
independentemente do afeto envolvido, diferentemente da forma anterior de manejo.
Em termos da qualidade das relações mediadas tecnologicamente, foram mencionadas
relações de afinidades e de aproximação, assim como percepções diferentes, fundamentando
com argumentos ou reproduzindo falas prontas, e de haters, que correspondem a pessoas que
interagem de modo grosseiro, chulo e depreciativo, com expressões de ódio.
Não, a briga tem que ser boa. É porque tem muitas pessoas que, não... Tem
muitas pessoas que você olha e pensa “Realmente tem uns argumentos,
vamos debater!”. Mas tem umas pessoas que você olhe e fala “Ah, não vou
nem... Deixa quieto.” (Laura, Grupo 3).
Dá para perceber pelo o que elas argumentam que não pesquisam nada sobre
o assunto, não leu além de comentários de notícias da Veja ou sei lá, tipo,
você... Dá para entender pelo que a pessoa usa como argumento se ela leu
fontes ou não, tipo, você cita quando você fala sem propriedade sobre o
assunto, não quando você fala superficial, e eu acho que tá tendo muito esse
movimento de você comentar sobre tudo, ter opinião sobre tudo, mas não...
Não se aprofundar sobre o assunto, sabe, só fala sobre o superficial só pra
dizer que você falou sobre. (Larissa, Grupo 5)
107
Porque agrega, né, você saber a opinião do outro. Por mais que você vê
diferente, você consegue ver o outro lado. (Ana, Grupo 5).
Mas uma coisa é você ouvir uma pessoa que tem uma opinião diferente,
outra coisa é você ficar ouvindo uma pessoa, tipo, te xingando, te ofendendo.
E tipo... É crime de ódio, tipo, não é uma opinião diferente, é crime de ódio.
Tipo, então são questões diferentes. E eu acho que tipo tem como a gente
ouvir a oposição, ouvir gente que pensa diferente e ainda se manter na
socialidade. (Fabiane, Grupo 3)
Muita gente faz fake porque quer ofender, mas sabe que pra preservar a
integridade faz um fake para tipo... Vomitar tudo o que tá sentindo e que
pensa e sabe que é errado e faz. (Júlia, Grupo 5)
“Tem gente que dá a cara a tapa, mas eu vejo muito fake, eu vejo... Você vê
o perfil não tem foto, o perfil é, tipo, nome nada a ver, é o fake. Fake vai lá
só pra postar “Vocês são burros e ignorantes”. Ele não tem coragem de botar
a carinha dele lá e ele causa espanto, dele, verdadeiro.” (Amanda, Grupo 6).
Por vezes os haters criam perfis falsos, ou seja, fakes, para despejarem todos seus
pensamentos sem filtro, sem limites, sem cuidados com os sentimentos do outro.
108
[...] por exemplo, uma página de feminismo e a pessoa é machista, [...] ela é
contra aquilo. Por que que ela curte a página? Só para ela poder receber as
notificações e ela ir lá e comentar algum comentário contra aquilo. Por
exemplo, podia ser um post sobre a favor da legalização do aborto. Ela é
contra. Ela vai lá e comenta, faz um textão falando sobre contra, mas ela
sabe que todo mundo que curte aquela página, pelo menos... Não se for a
favor, mas pelo menos, sabe, pensa naquilo e tudo mais e já é uma página
direcionada pra isso. Por que? É só para causar conflito mesmo. É só ser
hater, é só para ser hater. (Helena, Grupo 6)
E quando eu fui levar minha cachorra para castrar, por exemplo, eu consegui
ter tipo contato com uma menina que eu não via há muito tempo. E o lugar
onde minha cachorra ia castrar era muito longe e precisava ir de carro, só
que ninguém da minha família aqui no Brasil tem carro. Então eu entrei em
contato com essa menina e ela se ofereceu. Tipo a menina vai até lá então,
você vê que sei lá... Sempre que acontece alguma coisa, a fulana de tal tá
perdida no lugar tal aí aparece uma pessoa e tipo... “Ah, eu posso ir lá
ajudar”, sabe. Claro que depende muito da pessoa que vai... Como é que ela
tá intencionada, né. (Laura, Grupo 3)
Laura pondera que a rede não é totalmente segura e há a necessidade de ter cuidado
com as relações estabelecidas, porém, percebe como meio potencial de oportunidades e
superação de dificuldades.
Pela facilidade de auto-expressão na internet, todos que possuem dispositivos
mediadores podem fazê-lo. Por mais que haja mecanismos na estrutura do Facebook que
direcionem conteúdos afins aos sujeitos, em comentários de reportagens, por exemplo, ele
pode se deparar com o diferente e com grande diversidade de posicionamentos. Parece haver
menor tolerância por posicionamentos considerados não fundamentados, assim como há
pessoas que têm dificuldade de entrar em contato com outros pontos de vista.
Por outro lado, foi mencionado também apreço pelo contato com o diferente, que
favorece outros pontos de vista. Já os haters, com perfil fake ou não, parecem “vomitar”
109
conteúdos reprimidos nesse espaço. Aqueles que escondem a própria identidade, parecem ter
consciência dos riscos ao fazer manifestações desse tipo. Já os outros, demonstram não ter a
mínima noção da representatividade e da interconectividade da esfera digital ou, talvez,
assumam abertamente esses pontos de vista ofensivos, mas que podem gerar consequências.
Em contrapartida, a rede social digital pode facilitar contato com pessoas potencialmente
apoiadoras, contribuindo em atividades cotidianas.
Identificamos diversas transformações viabilizadas pelo uso das redes sociais digitais,
pelo acesso via smartphone, que claramente potencializam e modificam as relações. A
organização da agenda das pessoas, em termos de passeios, parece estar bastante atrelada aos
eventos do Facebook. Com as diversas facilidades que são oferecidas, a efetividade dos
planejamentos é mais garantida.
Por outro lado, como o Facebook é uma plataforma com grande adesão de público,
promoveu o encontro entre papeis sociais diferentes, gerando inseguranças quanto a
expressões e manifestações de modo espontâneo, assim como ponderações na forma de lidar
com aqueles da convivência cotidiana.
De acordo com Ciampa (1987), os papeis sociais são definidos de conforme atividades
institucionalizadas. O indivíduo é uma totalidade, enquanto sujeito, porém, em cada ambiente
desempenhará determinado personagem de acordo com as determinações do ambiente. Nesse
sentido, percebemos que antes do desenvolvimento dessas tecnologias móveis com acesso à
internet, atreladas às redes sociais digitais, era claro e definido ao sujeito como deveria atuar,
conforme o contexto em que se apresentasse. Na contemporaneidade, com esses borramentos
entre espaços e convergências de papeis, parece que perdeu aquela antiga referência,
deparando-se com a necessidade de se adaptar à nova situação. Talvez ele nunca tenha sido
tão exigido em termos de coerência entre papeis, assim quanto a desenvolver uma identidade
holística.
Pode ser que, por isso, vários sujeitos manifestaram a preferência por postagens
genéricas ou mesmo pela omissão, sendo que a única participante que mencionou se
posicionar de forma livre, ressaltou que assume as consequências, coincidindo com a
colocação de Kirkpatrick (2010) de que a expressão nesse espaço exige responsabilidade.
Essas convergências também vão impactar no modo de gerenciamento dos contatos do
sujeito nas redes sociais digitais. Percebemos tendência à compreensão e ações menos
drásticas em relação àqueles com quem convivem cotidianamente.
Além disso, vivemos em sociedade com índices de violência que podem ser fruto das
desigualdades sociais, permeadas pelo desejo do consumo, estimulado pelo mito da felicidade
110
que rege a sociedade capitalista. Nesse contexto, a colocação de dados verossímeis, de modo
irrefletido, pode ser perigoso para o sujeito, expondo-o.
Há de se considerar também, que nesse meio digital, que amplia interações, o sujeito
vai se deparar com diversas expressões e posicionamentos. O contato com o diferente acaba
sendo inevitável, havendo desde colocações que demonstram fundamentação e pensamento
crítico e reflexivo, até reproduções ideológicas e mesmo colocações de ódio. Mas também
essa plataforma pode favorecer o encontro de pessoas que podem se auxiliar mutuamente, o
que pode ser bastante saudável e agregador.
Núcleo 4 - “Pra mostrar uma realidade que não existe... Olha mundo, eu sou pessoa...”
[...] a sua capa é pública, a sua foto de perfil é publica, o seu estado de
relacionamento é público [...] as informações básicas que são públicas e,
tipo, qualquer um pode ver. Então isso é meio exposição assim, se você for
pensar. Mas se você se sujeita a isso, tipo, ok. (Cíntia, Grupo 4)
[...] as pessoas não querem se expor tanto, mesmo assim, sabendo que elas
estão se expondo demais além do social. (Fabrícia, Grupo 1)
É que podem dar print, tipo, nada... Tudo que você posta já está no Google.
Querendo ou não, que você... que o outro veja ou não... Já tá tipo... Já é de
todos. (Cibele, Grupo 3).
111
É por isso que tem o anônimo inclusive, porque aí não tem como saber
quem é que mandou aquilo. Mas às vezes a pessoa vai lá e posta “Olha,
aconteceu tal coisa”. Aí tiram... “Ah aconteceu tal coisa com meu pai”, aí
tiram um print e aí adicionam o pai da menina, sei lá, manda por mensagem
para o pai da menina “Olha o que sua filha tá falando”, sabe. Nossa, já deu
muitas confusões lá. Eu tava lá há pouco tempo e eu via muitas confusões e
eu pensava “Ai meu Deus”. Era um grupo de 20 mil pessoas e era fechado,
assim, para 20 mil mulheres. Era para ser um grupo assim... Mais focado
para as mulheres, assim e... Sei lá... Você posta uma coisa, às vezes o
namorado da menina... Era para ser confidencial né, para nenhum homem
estar sabendo daquilo. Mas às vezes o namorado da menina tem acesso ao
Facebook dela, então muitos caras... (Laura, Grupo 3)
Tipo aquele Share your PPK... Não sei se vocês conhecem, tem várias coisas
assim, tipo, desabafo, umas coisas pesadas assim, vários relatos. E a galera
dá print, tipo, um relato de uma menina que tá reclamando de um abuso de
um namorado assim... Ela vai lá, sei lá, pedir ajuda, e não vai no anônimo e
tipo... Tira um print e dão pra pessoa. (Cibele, Grupo 3)
Há formas de driblar os recursos de segurança das redes sociais digitais. Ainda, a ideia
de privacidade pode ser ilusória, visto que há a percepção de que as plataformas se
interconectam e os dados não ficam isolados em um único meio, mas são compartilhados.
Então, eu não sei, mas, assim... É uma coisa que a gente perde o controle
mesmo. Você não sabe quem vai estar postando foto sua ou não, mesmo que
você não tenha o Facebook, alguém pode tirar uma foto com você e colocar.
Você não vai ficar sabendo, talvez. (Cibele, Grupo 3)
É difícil fugir da inserção de informações no meio digital, mesmo que o sujeito não
faça perfil em rede social, pois terceiros podem postar fotos e conteúdos independentemente
de seu consentimento. Há insegurança nesse sentido.
Sabe o que que dá ruim nesse negócio? É que [...] Ele (Facebook) pergunta
para saber se ele pode postar aquela foto no seu perfil também, para quando
qualquer pessoa apertar, tá lá fulano de tal, aí tá lá fotos que te marcaram.
Mas... As outras pessoas elas conseguem ver a partir do momento que você é
marcada, porque um dia me marcaram numa foto e eu não tinha autorizado,
mas assim... Meu pai já tava sabendo. E eu não tinha autorizado ainda. Meu
pai vai ver minha roupa e vai falar “É ela!”. (Laura, Grupo 3)
112
[...] por causa das redes sociais você perdeu um pouco o controle [...] Da
divulgação dos acontecimentos da sua vida, porque não necessariamente eu
tô, eu... É... Se resume a eu escolher ou não postar um assunto, mas você tem
pessoas envolvidas no processo. Um caso: Uma vez teve um problema na
família, para mim é particular. Eu não ia postar isso nunca na internet. Aí
uma envolvida... Nem foi de má-fé... Ela pediu uma oração “Vamos orar
pelo casal, aconteceu isso, isso.”. Eu sou... Estávamos em Sorocaba. Eu sou
de Sorocaba. Estávamos em Sorocaba na noite. E aí aconteceu “Por favor
gente, vamos orar para Deus”. Aí eu tô passando e falei “Porque que foi
postar isso?” Tipo... Era particular, era familiar, ela não tinha o direito. Aí
falei... Aí falei com a minha mãe. Daí ela falou “Ela tá postando porque ela
também estava presente. Ela não tá falando da sua vida, mas quando ela fala
da vida dela você tá envolvida no acontecimento, aí passa a fazer parte disso
também.”. Ou então você tá numa festa, aí quando você chega você tá
marcado em 2000 fotos. Nossa... Me marcaram na foto, não queria que me
marcassem , não é para saber que eu tava aí. Então você perde o controle.
Não é só “Eu decido se eu vou postar ou não”, mas você perde o controle
através das outras pessoas também. (Sandra, Grupo 3)
Como nossa vida é interacional, nossas experiências são compartilhadas, não sendo
possível definir divisões a esse respeito. Por isso o risco constante de termos questões de
nossas vidas compartilhadas por outros que também são co-participantes. Esse pode ser um
dos motivos da dificuldade de controlar o que vai para a rede, pois o que podemos não querer
colocar sobre a nossa vida, outro que conviveu pode querer fazê-lo. A sensação que fica,
então, é a de perda de controle sobre a divulgação da própria imagem. Ainda referente a esse
assunto:
Quanto é assustador, por exemplo, sei lá... A mulher ficou grávida, ela
publica o ultrassom da criança na rede social. Tipo, isso me assusta porque a
criança nem nasceu, não tem nenhum poder de escolha, tipo, se eu quero
participar disso ou não, sabe, já tem os dados dela aí exposto. (Larissa,
Grupo 5)
Isso ocorre também em termos de crianças e recém nascidos, representados por seus
pais ou responsáveis legais. É outro tipo de exposição de dados e informações independente
do interesse e aval do sujeito.
113
E a imagem é a sua imagem né, que você tá na internet a todo momento, por
mais que você não necessariamente tenha uma foto sua. Mas, que você tá
traçando caminhos de acordo com o seu perfil. (Bruno, Grupo 2).
Então eu acho que a gente tem que tomar cuidado com o que a gente coloca
na nossa página justamente pelo número de pessoas tanto conhecidas quanto
desconhecidas que vão... (Ronaldo, Grupo 2).
Por isso que [...] você publicar, [...] você tem que pensar [...] a maneira certa
de escrever no Facebook. (Bruno, Grupo 2).
Com a consciência desse processo de criação de imagem, o sujeito pode ficar inseguro
quanto às consequências de sua expressão na rede e das possíveis interpretações que pode
gerar. Publicações, ao invés de serem compreendidas enquanto partes, podem ser percebidas
enquanto totalidades, exagerando sua dimensionalidade:
E às vezes você acaba por julgar uma pessoa pelas publicações dela, sendo
que pessoalmente ela é outra coisa, sabe. Não, quer dizer, as pessoas
entendem necessariamente que você partilha o que você é, só que nem
sempre é assim. Às vezes é um ponto de vista diferente ou algo que te chama
a atenção. (Francisca, Grupo 2)
Eu sinto que tipo, o mundo virtual não deixa de ser uma ramificação. Tipo,
ele continua sendo vida real, então, tipo, se uma pessoa curte uma página
homofóbica, por exemplo, no Facebook, tipo, eu não vou querer um contato
com ela. Tipo, na real, porque eu sinto que a internet e a vida real, tipo, são a
mesma coisa. Porque a internet é a vida real. E eu sinto que a gente tem
muito essa ideia de que online as coisas que a gente faz é uma outra
realidade e tipo... Não é, é a mesma realidade. Tudo o que você vai fazer
online tem consequências na vida offline, porque tipo... Tudo isso é vida real
e tipo, tudo o que você faz é você fazendo.(Fabiane, Grupo 3)
Às vezes você tá, sei lá, estudando pra caramba, meio cansado não sei o que
e você posta o meme engraçado, sabe, tipo. Nossa, e as pessoas vão rir e tal,
mas as pessoas não sabem muito bem que você tá lá acabado, que você
queria estar de férias, mas você não tá, sabe. E aí... (Cibele, Grupo 3)
Que a pessoa faz um vídeo, que ela posta uma foto, não necessariamente ela
tá naquele estado. [...] Pode contar as vezes que, enfim no... Instagram, no
Facebook que você vai publicar uma foto “Nossa, eu tô morrendo, nossa eu
tô mal, nossa eu tô um lixo hoje.” Você não tem foto assim. A maioria que
você tem “Ah... que que é, tô na praia. Nossa tô numa festa. Nossa aqui eu tô
esbanjando com o meu carro.” Então é isso, “Tô sorrindo”. Mas na verdade
você não tá sorrindo. Você só tá sorrindo praquela determinada foto, pra
outras pessoas verem que você tá feliz, no caso. Mas não necessariamente
aquilo que tá acontecendo com você. (Bruno, Grupo 2)
Teve um caso daquela flogueira sei lá, australiana, que ela expos a vida. Ela
falou “Ah, essa roupa aqui me pagaram pra usar e eu nem saí como ela.
Botei, tirei a foto pro Instagram, já tirei a roupa e fiquei de pijama vendo
TV”. E assim... Você se arruma toda, tira fotinho “Eu saí à noite gente”, mas
não, Netflix... (Amanda, Grupo 6)
[...] eu tenho uma amiga minha que ela briga com o namorado dela todos os
dias, mas todos os dias tem uma foto deles dois abraçadinhos sendo um casal
feliz. Quem vê de fora acha que tá lindo, maravilhoso, mas quem conhece
ela sabe que eles brigam todo dia, entendeu? Todo dia eles tão brigando e
todo dia tem uma foto linda, maravilhosa. Então é uma realidade utópica que
não existe. (Helena, Grupo 6)
A temporalidade das imagens também não precisa corresponder ao período real, pois
há possibilidade da postagem ocorrer depois dos acontecimentos:
Às vezes, eu tenho amigos meus que postam uma foto, tipo, saiu no dia 24
de agosto, no dia 24 de novembro ela posta uma foto e aí você fica “Mas ela
tava comigo hoje o dia inteiro, como que ela saiu?”. Não, a foto é, tipo, de
outro dia, sabe? Só que quem vê de fora não conhece, não convive né... “Ah!
Nossa, fulano sai muito hein!”. (Helena, Grupo 6)
Um caso estranho é que a minha amiga, a minha melhor amiga, ela sabia
quando eu tava triste porque eu postava foto minha quando eu tava triste,
com filtro, cabelo... A pessoa deve achar que eu tô feliz postando, mas não,
eu tava triste, eu queria likes, eu queria que falassem “Ah, você tá tão
bonita.”. (Amanda, Grupo 6)
Que é criar uma realidade que não existe, tipo... É utópico. Você posta um
negócio que... Justamente esse pessoal que costuma postar muito a vida,
sabe, postar no dia-a-dia, tipo, não é assim, sabe. Não é daquele jeito.
Costuma não ser pelo menos, mas o pessoal publica. (Helena, Grupo 6).
Ele não tá se divertindo, ele não... Ele só tá postando para ganhar like ou
pra... Pra mostrar uma realidade que não existe, alguma coisa assim...
(Helena, Grupo 6).
117
Mas tem muita gente até que... Sei lá, meio que mostra uma realidade que a
pessoa não vive, sabe, só para... Por exemplo, eu vejo muitos blogueiros que
[...] Para tirar uma foto boa, a pessoa tá na lua de mel. Poderia estar curtindo
a lua de mel, mas a cada cinco minutos está atualizando alguma coisa para
mostrar “Olha o que eu estou fazendo”, sabe. Muitas vezes a vida da pessoa
nem é aquilo, mas... Sabe, para mostrar, para passar uma imagem de que tá
tudo ótimo, de que “Olha, seja assim”, sabe, “Olha só o que fazem”, então...
Isso acontece muito nas rede sociais sabe, tipo muito mesmo. Às vezes a
pessoa posta uma foto, você pensa que ela tá bem e na verdade ela não deve
tá bem sabe. (Laura, Grupo 3)
Nessas falas há a percepção de ilusão nos conteúdos das redes sociais digitais, pois
não necessariamente correspondem à realidade cotidiana. Os sujeitos podem investir tanto
tempo e expectativa nas imagens que desejam transmitir, na construção delas, que não curtem
a experiência do momento ou, pelo menos, não a vivenciam de modo tão atrativo quanto
fazem transparecer.
Houve também, pelos participantes, a percepção de transmissão de imagem para
ostentar e obter atenção:
Também tem muito daquela questão de que tipo, você posta as coisas da sua
vida meio que para ter atenção sabe. Tipo... Ah eu vou postar isso aqui,
quantas curtidas eu vou ter ? É aquela questão de, tipo, precisar de atenção
em alguns casos. (Micaela, Grupo 4).
Nas redes sociais digitais, as pessoas podem competir em termos de quem recebe mais
curtidas e comentários, por exemplo. Há formas de aumentar esses números, conforme
colocaram os participantes a seguir:
Muitas vezes é pra mostrar nossa imagem né. Porque se você mostrar que
você é uma pessoa triste, aí sei lá, uma pessoa infeliz, aí você pensa “O que
que as pessoas vão pensar de mim?” [...] A rede social [...] serve como uma
ferramenta de estudo e tal. Mas também ela serve pra você mostrar, pra você
se... falar assim “Olha mundo, outros indivíduos, eu sou essa pessoa.” [...]
Por isso que a maioria das vezes você vai compartilhar alguma coisa que
você tá feliz [...]
Mas eu tô falando, não necessariamente só esse aspecto das curtidas mas, é...
esse aspecto de que você tá vendendo a sua imagem pra população. Você..
tá fazendo “Olha, eu sou esse cara”, então eu entendo assim, “Eu sou uma
pessoa legal. E feliz.” A maioria, pelo menos eu acho, a maioria dos
indivíduos tentam passar essa imagem. (Bruno, Grupo 2)
É então, puxando a questão, né, que a tela do computador faz com que nós
sejamos mais corajosos, é... eu acho que... se torna mais corajoso quando
você tem um algo pra falar pra alguém. Mas agora quando é algo pessoal,
quando é algo que trata só de você mesmo, uma coisa triste ou um conflito
interno que você tá passando na sua vida, aí as pessoas têm consciência que
isso não é tão legal assim de colocar nas redes sociais. E isso acontece na
vida real também. Às vezes tá acontecendo um conflito enorme na sua vida
e... Mas você tá com um sorriso no rosto, olhando pras pessoas, tentando
disfarçar o máximo que você está mal. É uma questão de, sei lá, de ascensão
social mesmo assim. Né, de a pessoa parecer o tempo todo bem, tanto na
vida real quanto pela internet. (Ronaldo, Grupo 2)
Muitas vezes essa tristeza, a tristeza ela é mais contagiante do que a alegria.
[...] por isso que muitas vezes as pessoas tentam disfarçar essa tristeza.
(Bruno, Grupo 2)
E às vezes se você ficar triste e pensar isso, você vai acabar sendo de certa
forma isolado e isso acaba te deixando ainda mais triste. (Francisca, Grupo
2).
E se tem postagens, vai, sei lá, com coisas tristes, às vezes nem liga, acha
que é drama, acha que “Ah, nossa, porque que a pessoa vai fazer isso e
colocar no Facebook que ela tá triste”, sabe. Se tá triste de verdade, sabe,
ninguém faria isso [...]. (Francisca, Grupo 2)
Por outro lado, notícias de acontecimentos tristes, quando colocadas pela mídia,
trazem repercussão:
Agora assim... Esses casos de... Tipo... Do menino sírio que apareceu lá na
praia, é... [...] uma situação de tragédia e teve, tipo, muito compartilhamento
e muito, tipo, muita repercussão né. Então eu não sei se... É uma coisa ruim,
mas ao mesmo tempo é um espetáculo, né, eu não sei aonde que fica, tipo
[...] E aquela imagem ali causa, tipo, comoção mas ao mesmo tempo, tipo,
você tá passando a timeline ainda. Então acho que é meio complexo isso,
porque quando você tá no individual eu acho que é mais fácil você lidar com
120
a situação. Então, tipo, ela tem uma amiga e a nega tá passando por um
problema, você pode curtir, você pode conversar e não sei o quê. Agora
quando é uma dimensão maior assim, eu acho que o Facebook até atrapalha,
nesse sentido, porque a imagem eu acho que fica... Começa a
ficar banalizada assim, não sei... (Fábio, Grupo 4)
A esse respeito, identificamos que o sujeito possa estar aderindo e contribuindo ao mito da
felicidade associada ao consumo, dependendo do conteúdo que esteja veiculando e
relacionando à felicidade. São bens materiais? São produtos? Há de se considerar também que
a sociedade do consumo visa a beleza, a alegria, o sucesso a jovialidade. Mesmo que não seja
humanamente possível atingir tal felicidade apregoada, por que não construir a imagem de
que a está vivenciando? Além do mais, as redes sociais podem ser a oportunidade de o sujeito
divulgar e mostrar aos outros todos os investimentos de capital que está fazendo em si
mesmo, para atingir os padrões ideais colocados pela mídia, de roupas a vestir, pessoas a
amar, como viver, etc. É um modo de conseguir reconhecimento e de mostrar que está tendo
sucesso na vida e está sendo feliz, talvez sendo um modo de consolação por não ser bem
assim. (GONTIJO, 2009)
É como se a rede social também pudesse representar um mercado competitivo, mais
especificamente de likes e comentários. O sujeito, nessa dinâmica, acaba por se tornar produto
também.
Quanto à imagem de tristeza, ela não aparenta ser comum nesse meio. E o sujeito
parece recear ter sua imagem relacionada a tal sentimento e expor as próprias fragilidades,
pois a exposição nesse meio significa registro de um momento. Não costuma trazer status, não
é um fim perseguido assim como a felicidade e, por ir contra a ideologia hedonista do prazer
imediato, pode afastar os outros.
Já notícias de catástrofes tendem a gerar repercussão, segundo os participantes, mas
aparentemente só em termos de comoção momentânea e sem possibilidade de interferência.
Por outro lado, compreendem que solicitações de ajuda de pessoas mais próximas tendem a
gerar resultados mais concretos de auxilio, para além do simples espetáculo.
Outro fenômeno presente nas formas de interação possibilitadas pelas redes é o
stalkear, um tipo de “perseguição” daquele de quem se deseja saber mais a respeito.
Considerando que nas redes sociais digitais a imagem das pessoas está exposta, é
facilitado o processo de coletar informações e dados de quem se deseja:
E como a curiosidade é inerente ao ser humano faz sucesso. E é por isso que
as redes sociais estão aí. (Sabrina, Grupo 3)
122
Consigo muita informação de quem é a tal pessoa, nã, nã, nã, que aconteceu
antes com ela e é isso. Porque o Facebook ela é uma grande fonte de
informação da pessoa, mesmo que a pessoa nunca tenha falado com você,
você consegue saber bastante coisas em geral, onde ela mora, com que ela tá,
quem é a mãe dela, sabe. Você vê quem... Ah, tipo, a mulher velha que
comentou na foto dela. [...]Tipo, o quê que ela estuda, onde ela estudou.
Você consegue muita coisa, sabe, chega até assustar, né. (Júlia, Grupo 5)
E uma mínima informação que você coloca no Facebook dá pra pessoa saber
sobre muita coisa sobre você, assim. Eu tenho um exemplo de uma amiga
que ela começou a gostar de um cara e em uma semana assim stalkeando ele
de entrar no perfil dele, aí encontrar o perfil da mãe, encontrar o perfil do
pai, encontrava o perfil da vó, e ela descobriu aonde os pais dele
trabalhavam, onde ele morava, ela descobriu que ele iria passar as férias no
lugar x. E ele nem postava muita coisa. [...] Dá para saber... Mesmo se você
não quiser mostrar muito sobre você, sempre tem alguém que tem mais
informações sobre você e assim... É uma porta de entrada para muita coisa.
(Laura, Grupo 3)
Tipo, tem uma página no Facebook que eles pegam os tweets do Neymar lá
de 1900 e tralalá e aí eles ficam colocando na internet. Eu acho
engraçado, mas tipo... É isso que ela falou que tipo, as pessoas mudam. E
tipo, são os tweets, tipo, muito tipo nada a ver, tipo, que eu acredito que não
tenha muito mais a ver com ele agora. (Micaela, Grupo 4)
Você pode nunca mais falar com cara, mas você vai stalkear ele, alguma
hora você vai stalkear ele. E aí a gente não exclui, ou exclui porque...
(Cíntia, Grupo 4)
Às vezes é uma cilada né, você monitorar. Porque parece que o outro tá
muito melhor do que você e aí você começa a ficar “meu Deus, tipo... Olha
quanta coisa essa pessoa tá fazendo e eu tô aqui... Nã, nã, nã. (Cibele, Grupo
3)
124
E nesse processo de observar como estão os contatos, caso sejam feitas comparações
com a vida do outro, pode gerar baixa auto estima.
Como as redes sociais, com destaque ao Facebook, são ferramentas de
acompanhamento do que os outros estão fazendo, é um “prato cheio” para bisbilhotices
(KIRKPATRICK, 2010). Podemos refletir a esse respeito quanto ao processo de stalkear o
outro. Como as imagens são construídas nesse meio, não só pelo sujeito de forma direta como
indireta por outros, diversas são as formas de obtenção de dados, até porque, mesmo com a
utilização de recursos de privacidade, sempre há informações que não são contempladas por
tal função.
Nem mesmo é preciso conhecer o sujeito de forma direta, desde que se consiga o
nome e sobrenome dele. Com esse contato prévio, já é possível vislumbrar imagem sobre o
sujeito, apesar de haver receio de que seja feita de modo a superestimar os conteúdos
dispostos, podendo incorrer em erro ao julgá-lo.
Já quanto ao acompanhamento de conhecidos, pode trazer frustração pois, conforme
verificamos, há valorização da felicidade nesse meio e, a comparação com a imagem
projetada pelo sujeito, geralmente de felicidade e sucesso, pode provocar mal estar.
A imagem do sujeito, além de ser formada pelas publicações e interações que realiza
na plataforma, também é pela quantidade de amigos que possui na rede:
Aí tanto é que falam né, é tipo muito clichê isso, mas isso é uma coisa
verídica. Que fala assim, meu, eu tenho dois mil amigos no Facebook, mas
quantas pessoas são amigos seus de verdade, que você pode contar, sei lá,
dez. É, isso é uma triste realidade, mas é o que realmente acontece. [...] Mas
enfim, tá lá amigo, então é seu amigo, então você vai relevando, você vai
excluindo e vai falando “Ah tudo bem”. Eu aceito isso, mesmo sabendo que
a realidade é outra. (Bruno, Grupo 2)
E sei lá... Eu tenho a sensação que esses números assim de amigos é mais
um número de depósito entre aspas. Tem um monte de gente que você pode
até ter falado por muito tempo e tal, mas que hoje em dia você nem sabe
como a pessoa tá, onde ela tá, mas ela tá ali marcando mais um desse
numerozinhos. (Rebeca, Grupo 6)
125
“Tipo, de falar assim eu não falo nem com 10% das pessoas que eu tenho no
Facebook.” (Larissa, Grupo 5).
“Tenho mais de 2.000 eu acho. [...] Nossa, eu falo com uma, só falo com
uma, só falo com uma pessoa.” (Ana, Grupo 5).
Porém notamos que, apesar da grande quantidade de amigos ser um objetivo visado,
ser motivo de status, é questionado o quanto realmente esses amigos contribuem para o
sujeito ou são significativos para ele. O termo amigo em si é questionado enquanto conceito,
visto que seu significado difere da proposta de adição de contatos das redes sociais digitais,
que por vez são comparadas a depósito, demonstrando que nem todos que ali estão são
relevantes. O próprio contato com essas pessoas adicionadas é reconhecidamente limitado.
Percebemos que a construção da imagem do sujeito, é resultado não só de ações do
próprio, como de seus pares, podendo gerar, portanto, sensação de descontrole do que fica
formalizado nesse meio, pois não depende dele unicamente. Como essa imagem digital é
construída por conteúdos que ficam registrados, há o receio de julgamento sobre eles, de
modo descontextualizado, desconsiderando o momento específico da vivência do sujeito. Ao
mesmo tempo, não deixa de ter o peso como representatividade da identidade do sujeito, e por
isso a responsabilidade dele na postagem de conteúdos.
Imagens colocadas podem não corresponder à mesma temporalidade do
acontecimento, assim como ao sentimento dele, podendo inclusive representa-lo
simbolicamente. Elas também podem ser usadas para estimular afetos no outro, assim como
para alimentar o mito da felicidade ligado ao consumo, permeando ideais de beleza, modos de
vida, etc., onde os sujeitos acabam por se tornar produtos para a obtenção de likes e interações
de reconhecimento. A quantidade de amigos também pode representar índice de sucesso,
independentemente do contato efetivo com ele. Quanto a tristezas e fragilidades, há
preferência por escondê-las. Os espetáculos de tragédia tendem a gerar comoção, mas sem
tanta possibilidade de intervenção direta quanto o pedido de ajuda de um colega próximo
poderia possibilitar.
E por fim, com essa disponibilidade de dados referente aos sujeitos nas plataformas de
redes sociais digitais, representando imagem digital, fica muito mais fácil encontrar
desconhecidos e acompanhar conhecidos.
Núcleo 5 – “Pela internet você encontra outras pessoas”... sobre encontros e desencontros
126
As redes sociais digitais, com seus vários recursos, além de possibilitarem contato e
interações com pessoas do cotidiano, também viabilizam o encontro de outros com ideias
afins, principalmente através dos grupos e páginas, conforme falas dos participantes.
Tipo, eu não sei se todo mundo aqui se identifica como mulher, mas tipo,
como mulher o Facebook e a internet no geral, me deu ferramenta de, tipo,
aceitação, e de tipo... Eu combater várias visões machistas que, tipo, eram
internalizados em mim. Tipo coisas que eu falava que, tipo, é e que eu fui
percebendo por causa da internet, por causa do contato que eu tive com
pessoas que, tipo, pensavam diferente, tipo, mulheres que eram feministas e
eu tive contato com isso por causa da internet. Então, tipo... Facebook
também tem esse lado que é muito positivo. Não só Facebook né, todas as
redes sociais. (Fabiane, Grupo 3)
É e tipo, você se sente tão sozinha e aí do nada você olha e fala tipo “Nossa,
tem pessoas que passam por isso também” tipo... E tem um motivo pelo
qual a gente tá passando por isso. Tem, tipo, todo um contexto e faz muito
sentido, a gente não tá sozinha. (Fabiane, Grupo 3).
Os grupos no Facebook viabilizam contato com pessoas que possuem ideias comuns
ao sujeito, e que no cotidiano, aleatoriamente, seria muito mais difícil de identificar. Para
tanto, basta dispositivo de acesso e internet, não havendo necessidade de se locomover, nem
pagar, podendo a todo o momento interagir e se deparar com pessoas que querem conversar e
tratar sobre o mesmo assunto. Essas trocas viabilizam inclusive contato com outras
experiências de vida, assim como o acesso a outros pontos de vista, que aumentam o escopo
de conhecimento do sujeito, podendo contribuir para o processo de mudança de paradigmas,
de combate de estigmas, tais como ideias machistas, conforme comentado por Fabiane. Toda
essa intensificação de trocas de conhecimentos, experiências e interações, potencializam
mudanças de percepções e reflexões do próprio sujeito, que antes poderiam demorar muito
mais tempo para acontecer.
127
Tem coisas que são muito pesadas e que, sei lá, é melhor você não postar.
Mas tem situações em que a pessoa, por exemplo, não tem ninguém que
você, sei lá, confie muito para falar sobre certos assuntos ao seu redor,
assim. Então pela internet você pode encontrar outras pessoas que talvez
você se sinta mais segura para falar aquilo, sabe. Foi inclusive assim que eu
encontrei minha psicóloga, sabe. [...]
Então às vezes ajuda, sabe. Às vezes você quer falar certas coisas com
pessoas que você não conhece, porque você sabe “Essa pessoa não vai me
queimar tanto” sabe. E já tem pessoas que você conhece que se você contar
aí ela pode fazer um estrago ainda maior sabe. (Laura, Grupo 3)
A rede social digital pode ser recurso para encontrar ajuda externa, e, em certo sentido,
de uma maneira mais protegida. Segundo os participantes, apresenta potencialidades também
em relação a articulação em torno de ações, campanhas; para oferecer ajuda; enfim,
possibilidades de contato diversas.
[...] tem o projeto cão feliz [...] Os projetos de arrecadação para ajudar a
comprar ração essas coisas é tudo divulgada pela internet. Eles conseguiram
arrecadar, conseguiram vender as camisetas, conseguiram mais roupa de
venda. Inclusive o número de adoções aumentou bastante. Eu tenho vários
amigos lá que fazem parte dessas ONGs, assim. E o número de adoção
aumenta muito com o alcance que tem a rede social. (Natacha, Grupo 3)
uma reunião para ir lá fazer assembleia, debater. Hoje não precisa mais
disso. É muito legal, você tem uma assembleia na Prainha. Mas você pode
debater suas ideias num grupo de Facebook. Claro, é fácil também pro
Estado, o aparelhamento, tá te monitorando, mas é...
(Sandra, Grupo 3)
[...] a força de alguns movimentos parece que vai ser gigante, todo mundo
marca presença no Facebook, assim, vamos, aí chega lá e não tem ninguém.
(Amanda, Grupo 6).
Porque as pessoas se escondem atrás das redes sociais, né. [...] Então elas
jogam tudo o que pensam nas redes sociais, mas na hora de ir, de agir, elas
se escondem. (Ricardo, Grupo 6).
E eu acho que a rede social funciona como um ouvido para uma queixa.
Você ganha expressão dentro da rede social, que você não teria talvez
coragem antes disso. (Sandra, Grupo 3).
Teve uma questão aqui na PUC, que já foi resolvida, mas... De eu sofrer um
assédio de um professor. E eu postei sobre isso no Facebook, porque é algo
que eu acredito que tem que ser divulgado, que as pessoas têm que saber. Eu
postei no Twitter, eu posto mais no Twitter. (Fabiane, Grupo 3)
Pode ser inclusive meio para a realização de denúncias, tanto em nível do núcleo
cotidiano do sujeito, como em termos de sociedade.
Então, hoje, eu posso falar mal do Estado, eu posso pôr o meu pensamento
ali na rede social. É diferente de eu ir na frente da prefeitura causar,
protestar, que eu sei que vai ter... Vai chegar polícia, vai me tirar, eu vou
sofrer agressão. (Sandra, Grupo 3).
[...] às vezes eu não vou ter coragem de chegar, ir falar, denunciar uma ação
da polícia que eu vi, mas eu posso de repente ter filmado e postar isso. Dá
129
Que antes das redes sociais nem todo mundo tinha coragem de falar de um
problema. Medo de retaliação física, moral. (Sandra, Grupo 3).
Pela ação mediada, as pessoas não percebem risco físico imediato, o que facilita o
posicionamento e colocação de ideias a respeito do que não concordam, o que justifica a
sensação de proteção. Os recursos de mídia, tais como foto e vídeo, podem chamar a atenção
e fundamentar a gravidade do assunto em questão, contribuindo para maiores resultados.
E dá muita voz também né. No caso eu vejo a questão dos imigrantes. Tem
imigrante que chega aqui e ele não pode sair na rua e começar a falar o tipo
de violência que ele sofre. Mas pela internet, se ele grava um vídeo, se ele
faz um texto, é... Vai atingir muito mais gente sabe.[...] É... Pessoas que
sofrem abuso e que não têm coragem de falar aquilo, elas pedem ajuda pela
internet sabe. (Laura, Grupo 3)
A população menos representada também pode recorrer à tecnologia das redes sociais,
assim como das ferramentas de áudio e vídeo dos smartphones, para denunciar abusos e
reivindicar direitos. Não necessariamente ela precisa ter essas tecnologias, visto que não são
acessíveis a todos em termos financeiros, mas transeuntes que as possuam podem flagrar
injustiças, irregularidades e dispará-las na rede, disseminando-as, podendo atingir
representantes que a defendam.
força tem aquela comunidade cara a cara com essa empresa imensa
entendeu? Não tem nenhuma força. Eles podem parar a estrada, ficar com
umas plaquinhas lá, vai comover quem está passando ou não, mas qual que é
a expressão, a força? Até onde vai essa força? Eu acho que dentro das redes
sociais o positivo é que ela da voz e dá força, não é só dar voz. Você pode
sair na rua e na ir na Sé protestar. Só que qual que é a extensão daquilo?
Qual é o tamanho que vai tomar aquele fato? Já a rede social ela amplia isso
e é benéfico para algumas minorias. (Sandra, Grupo 3)
Na relação presencial pode haver a comparação entre a quantidade de pessoas que está
reivindicando, ou mesmo a roupa e o modo de se portar podem ser pontos de observação e
consideração na escuta das partes. Já nas redes sociais digitais há outra configuração
relacional, outras formas de representação, com base nas linguagens de imagem, áudio e
vídeo. Pode-se discutir em que medida tais recursos possibilitam um enfrentamento que
questione as bases de poder de um grupo sobre outro. Ou em que medida potencializam as
ações e reivindicações das minorias. De qualquer forma, os participantes apontam que as
redes sociais representam possibilidades nessa direção.
Ações circunscritas na rede impactam, incomodam, mesmo que, por vezes, essa
potencialidade seja superestimada.
Não, eu acho que esse ponto é inegável, né. Tem muita gente que discursa
bastante no Facebook, mas é... Não tá disposto a agir de fato, né. [...] Tem os
dois lados, né. Um do que é o Facebook, que realmente, querendo ou não,
por mais que tenha muita gente que não vá, virou um ponto. Virou um ponto
agora de organização e que tem dado muito resultado.(...) Mas também tem
esse outro lado da questão das pessoas que só estão ali falando, falando,
falando, mas também não estão dispostas a agir. Então eu acho que me vem
essas duas interpretações assim. (Rebeca, Grupo 6)
Então, temos que considerar que há diferentes usos e diferentes impactos provenientes
desses usos das redes sociais digitais. Há aqueles que se posicionam, colocam as próprias
131
ideias nesse meio que faz uma intermediação nas relações sociais, a partir de uma sensação de
proteção que eles provocariam; mas há também aqueles que, presencialmente, não agem de
modo coerente ou mesmo se omitem. Por outro lado, há pessoas totalmente congruentes
nesses dois espaços, em termos de expressão e ação. De qualquer modo, como já verificamos
em falas anteriores, a expressão em si na rede é potencialmente geradora de impactos, não
sendo obrigatória a ação presencial para efetivação.
Acho que eu falei, né, que as pessoas usam a rede social para falar sobre
assuntos sociais, assuntos políticos e usam isso como ferramenta para
discutir isso também, enfrentar os problemas sociais, políticos, mas que
muitas vezes não resolvem. (Maria Eduarda, Grupo1)
Sem falar que o meu pai ele sempre pega muito no meu pé porque eu posto
coisas tipo “A polícia militar tá fazendo tal coisa...” e ele fala “Você não
sabe o que eles podem fazer, você não sabe do que eles são capazes”, sabe. E
eu acho que entra um pouco nessa parte de até que ponto a sua segurança ela
tá... Ela tá garantida por meio das coisas que você fala e da forma de você se
impor, porque infelizmente a gente vive num país, num mundo totalmente
violento, né. As pessoas acreditam que tudo se resolve, sei lá, com armas e
enfim... Então eu acho que entra muito nessa parte de não querer se
posicionar pra algumas coisas, pra algo... (Ana, Grupo 5)
Núcleo 6 - “O legal dessas redes é que elas são muito mais completas...” – sobre mídias
tradicionais e contemporâneas
[...] Eu não assisto jornal, não vejo televisão, [...] eu me conecto com o
mundo e eu fico sabendo das notícias por lá. (Ana, Grupo 5).
Por exemplo, não tem como eu acompanhar uma grade de uma emissora.
(Larissa, Grupo 5).
133
E o legal dessas redes é que eu acho que elas são muito mais completas que
o jornal por exemplo. Porque o jornal, querendo ou não, ele vai ter é... A
maior parte deles, eles tem um viés político, sabe. Eles vão estar postando
aquilo que, tipo eles... sei lá, que tipo eles têm que postar sabe, do lado
político deles. Já o Facebook não. [...] Eu tava seguindo a página do Mães de
Maio e elas estavam postando aquilo. Era um vídeo de sete pessoas negras
na periferia. Coisa que você não vai ver no jornal, porque envolve um tipo...
Envolve a política de uma forma muito forte, entendeu. [...]
Então você acaba vendo formas de repressão, assim, coisas que estão
acontecendo na sociedade, que tão acontecendo bem do seu lado e que,
querendo ou não, quando você pega o jornal eles não querem te mostrar
aquilo, sabe. Mas tem outras pessoas que não, elas querem que você veja.
Então é uma forma muito mais acessível, muito mais completa de receber
notícias também. (Laura, Grupo 3)
Como vemos, foram identificadas diferenças entre as redes sociais digitais, em termos
de veiculação de notícias, e as mídias tradicionais como televisão e jornal. Há a percepção de
que nas plataformas digitais de interação não há tanta influência de interesses políticos na
veiculação de notícias quanto acontece nos outros meios de comunicação referidos,
propiciando o contato com variados vieses, além de que a oferta de conteúdos é muito maior,
possibilitando que o sujeito filtre as notícias de seu interesse.
Que é super fake ou tem aquelas notícias super sensacionalistas de... (Júlia,
Grupo 5)
E asneira não só povão, tipo, asneira tipo, é... Jornalista, é... Tipo, tem
credibilidade, como pessoas que são formadores de opinião no país às vezes
falando muita m****, né. (Larissa, Grupo 5).
Tem uma modalidade dentro do jornalismo [...] que é media resourcing. Que
é uma pessoa que dentro da redação, que a função dela é rede social... [...]
Então uma denúncia. Eu já vi vários... [...] “Gente tá acontecendo isso no
meu bairro, vai fazer dois dias que tá jorrando água que a Sabesp não vem”.
Então tem uma pessoa dentro da redação que ela quer achar exatamente esse
tipo de denúncia, porque ela vai montar reportagem lá. A reportagem vai até
o local, faz a matéria, aí depois disso o órgão público, a empresa, a Sabesp, o
envolvido vai “Ah, porque agora tá na mídia!”. Então muitas pessoas usam
para denúncia, para pedir ajuda da mídia e a mídia fica sabendo através da
rede social principalmente Facebook. (Sandra, Grupo 3)
É... Tipo... Você abre comentário do G1, do Uol, do Terra... (Helena, Grupo
6).
Eu acho que isso é uma característica da integração, né, das redes sociais.
Cada vez mais a gente tá vendo menos por onde fugir. Tipo, algumas marcas
estão lançando relógio digital, então você consegue acessar a rede social,
integrar o seu relógio com o seu celular, com seu computador, daqui a pouco
com a sua geladeira, com não sei o que... Então você vai ficando cada vez
menos... Com um local para você poder se desintoxicar, digamos assim.
(Natacha, Grupo 3)
Núcleo 7 – “Então vai filtrando também, querendo ou não... tem pessoas que têm consciência
disso e tem pessoas que não têm consciência disso.”
Porque a princípio o Facebook passa pra gente uma ideia de rede social, de
dividir dados com amigos, de conversa com amigos, de entretenimento.
(Ronaldo, Grupo 2).
O Facebook, enquanto rede social digital, é plataforma que aparenta neutralidade. Suas
interfaces possibilitam ações como adicionar amigos, colocar postagens, criar e seguir
páginas, dentre outras funções, ficando aberto às pessoas interagirem e atuarem dentro dessas
possibilidades. Ele inclusive estimula interações, com sugestões e ações na rede.
E aí eu não sei, mas agora o Facebook tá naquela de que ele vai filtrando as
coisas, mesmo que você não peça, de acordo com que você curte, com as
coisas que você clica pra ver. Então, querendo ou não, a gente fala dessa
liberdade que você tem no Facebook de ver várias perspectivas
diferentes, mas ao mesmo tempo ele tá começando a filtrar agora, tipo, você
não vê tudo de todo mundo, você vai ver só das pessoas que você conversa
mais, das páginas que você acessa mais. Então vai tipo filtrando também,
querendo ou não. (Larissa, Grupo 5)
De acordo com o que você publica, o Facebook ele sabe o que você tá
publicando [...] Então, de acordo com a sua atividade, ele vai sugerir
algumas coisas pra você. Por exemplo, algumas páginas, alguns produtos,
algum comércio... [...] Então, de acordo com a sua atividade, aí [...] você fala
“Nossa que coincidência”. Não... não é coincidência. O Facebook já tá ali
monitorando você. (Bruno, Grupo 2)
[...] que fala que havia manipulação, igual, vai, nesses regimes socialistas,
nazistas que eles usavam de ferramentas para induzir as massas. Daí se torna
muito paranoico aquilo e, querendo ou não, como sempre vai ter uma câmera
te observando e vai ter... Vai, se você fizer uma coisa errado... Se você
pretender ir contra o mundo, você vai sofrer coerção. (Francisca, Grupo 2)
serem mais ou menos expostos, conforme interesses. É um tipo de manipulação com nível
mais difícil de identificação, pois envolve o manejo de dados e de recursos da plataforma.
Ainda em termos de manipulação de dados, a identificação de usuários que realizam
determinadas postagens é facilitada, de modo que paradoxalmente ao aumento de
possibilidades de ação dos sujeitos, ele passa a ter suas atividades monitoradas.
[...] a gente pode partir do princípio que existem vários perfis de pessoas
diferentes usando as redes sociais, né. Existem pessoas conscientes da
questão se é monitorado ou não né, existem as pessoas que “ah, não, falam
mesmo”, existem as pessoas que interagem mais, existem as pessoas que
interagem menos, então tipo eu acho bacana a gente observar como cada
pessoa reage diferente nas redes sociais. (Ronaldo, Grupo 2)
Tipo, o Facebook é uma rede social enorme. [...] tem acesso às nossas
preferências, tem acesso às coisas que a gente vai comprar, às coisas que a
gente tá fazendo, porque todo mundo já deve saber que quando você tá no
Facebook, no Google, fica toda informação. Então você imagina se alguém
meio que hackeia o seu Facebook, quanto conteúdo ele não tem acesso com
relação a você, sabe. É um negócio que... (Cíntia, Grupo 4)
[...] eu acredito que existem pessoas que sabem que o Facebook é um lugar
em que pode existir uma coerção... Em que pode existir empresas que vão no
seu perfil olhar o que você publica e que também existe a parte em que
pessoas acreditam que o Facebook é só uma rede de comunicação e que não
existe monitoramento e que elas podem postar qualquer coisa porque vão
estar... Porque não estão olhando no olho da pessoa, falando isso diretamente
para alguém. Elas só estão falando isso virtualmente e não vai existir
nenhuma coerção, né. Eu acho que existem as pessoas que tem consciência
disso e as pessoas que acabam não tendo consciência disso. (Ronaldo,
Grupo 2)
138
Enfim então muitas pessoas fazem isso porque acham que não vai ter uma
punição. Mas hoje tá bem diferente. Por exemplo, é... qualquer momento, é...
se você for pedir você pode... É... Rastrear sei lá um computador, um
smartphone que... deu determinada mensagem. Então a pessoa não imagina
essa dimensão. (Bruno, Grupo 2)
Nem no próprio chat, que é um pouco mais privado, você dá uma segurada.
(Cibele, Grupo 3).
[...] tem um caso de uma amiga nossa que, por exemplo, que ela chegou
para... Acho que a tia dela falou assim “Ah porque você não veio morar aqui
em tal país?”. Isso foi tudo em inbox. Daí a menina falou “Ah não, não tô
afim, agora não dá, beijo e tchau.”. No dia seguinte o Facebook mostrou para
ela a passagem de avião para tal lugar. (Luciana, Grupo 4)
Tem coisas que você tem que falar pessoalmente para pessoa. Não tem esse
negócio de rede social, que é perigoso. (Sabrina, Grupo 3).
139
Até o chat das redes sociais digitais, que propõem conversas privativas e não
divulgadas a todos os contatos, são apontados como potenciais meios de obtenção de dados e
monitoramento. Isso, pois mesmo que o conteúdo não esteja aberto a todos os sujeitos, ainda
assim é acessível à plataforma, onde ficam todas as informações formalizadas. Além de que,
mesmo em termos de relações pontuais e diretas com poucos sujeitos, as informações
encontram-se registradas, em termos de áudio, vídeo, escrita, dentre outros recursos
interativos, que facilmente podem ser compartilhados.
Esses dias eu vi uma reportagem, não lembro, uma coisa eu li sobre que, até
quando você passa devagar assim no seu touch, numa notícia, eles já sabem
o que te interessa na sua linha de tempo e eles já vão naquilo mesmo. E
realmente isso acontece. (Nicole, Grupo 4)
O que você quer encontrar, ele vai de acordo com as suas opções e vai
sugerindo algumas coisas pra você. [...] Ele é um monitoramento 24h.
(Bruno, Grupo 2).
[...] tem o AdBlock que você meio que é... Elimina essas propagandas. Mas
por mais que não apareça essas propagandas, [...] o próprio Facebook vai tá
atrelado na página sabe. Então mesmo que você “Ah, vou adicionar AdBlock
então tudo tá tranquilo.” Não. Mesmo assim você vai estar continuando
recebendo coisas e sendo monitorado. (Participante 3, Grupo 2)
[...] se você escrever alguma coisinha errada, alguma crase errada você...
Não, essa pessoa vai vim aqui, vai me criticar por eu ter escrevido tal palavra
errada. Aí você vai lá e pensa, “Não, vou escrever outra palavra, porque se
140
não essa pessoa vai se sentir mal que eu escrevi isso e tá errado.” Então é
muito isso. Não só das pessoas, é um monitoramento das pessoas e um
monitoramento mundial. Então às vezes você fica meio que sem escapatória.
(Bruno, Grupo 2)
[...] nosso professor de política [...] fala assim pra gente que não tem
Facebook, porque o Facebook é uma ferramenta dos EUA usado pra
monitorar as pessoas, separar as pessoas, né, então assim, me preocupa
muito porque... [...] Eu lembro em 2013 que eu assisti uma palestra de um
cara formado em relações internacionais e ele tinha um... E ele fazia política
de esquerda, né. Uma política mais voltada pro socialismo, comunismo. E
ele foi pros EUA. E quando ele chegou nos EUA [...] Ele passou por todo
interrogatório, quase chegou a sofrer tortura pelas coisas que ele postava e
assim... Até explicar tudo foi bem difícil . Ele passou por uma situação bem
complicada nos EUA justamente pelo o que ele postava nas redes sociais e o
que ele compartilhava. (Ronaldo, Grupo 2)
O monitoramento pode servir não só para a plataforma em si, mas pode ser utilizada
por governos de modo investigativo e para triagem, como por exemplo, em situações de
traslado.
Então, tem uma lei que impede que... Vai sei lá. Eu não sei se entrou em
vigor. Uma lei que impede que certos comentários, certas coisas vá pra
plataforma ou vá pras mídias. Então querendo ou não a lei vai proibir isso e
a plataforma vai restringir isso, entendeu. (Francisca, Grupo 2).
O uso das redes sociais digitais é relativamente novo e o modo de lidar com esse meio
ainda não está totalmente desenvolvido, principalmente no que se refere a conflitos, como por
exemplo, casos de cyberbullying, racismo, dentre outras atividades depreciativas do outro na
rede. A sociedade está buscando se articular e limitar formas de uso abusivo, através de leis,
identificando consequências e se articulando com esse propósito. Por outro lado, nem todos
ainda digeriram os riscos e consequências da exposição exacerbada. Percebemos que,
gradualmente, a cada problema identificado, medidas são tomadas, e a população vai
gradualmente identificando que os meios presencial e digital estão articulados. Mas é questão
que ainda tem muito a ser trabalhada.
Mas o Facebook não faz nada sabe. Quando você... Eu já até vi uma foto da
criança lá que ela tava... Uma criança negra e tava postando um negócio de
representatividade. Meu, o Brasil rachou aquela menina de chamar ela de
macaca e tudo mais assim. E era uma criança, sabe. Mesmo se fosse um
adulto, tavam rachando. E você denunciava os comentários e logo depois
aparecia lá Facebook falando que não, a pessoa não violou nenhum... Ou
seja, as pessoas saiam assim mesmo. O jeito é levar para a polícia, mas tenha
tempo você de imprimir os comentários, tudo mais, entregar lá “Oh moço.”.
Isso se eles forem fazer alguma coisa, sabe, com relação a isso. (Laura,
Grupo 3)
os outros usos que realizam. Há o receio de que ela possa manipular o sujeito de forma
indireta, para alcançar objetivos estranhos aos sujeitos.
Essas ideias coincidem com Assange (2013) que destaca a não neutralidade das redes
sociais digitais, apesar da aparência, e alerta para a censura sobre os conteúdos, assim como o
sumiço de informações. Percebemos então, que pode ser um risco toda essa concentração de
dados em uma única empresa, como no caso do Facebook, para maior controle, por exemplo.
Então, paradoxalmente ao aumento de possibilidades de ação, aumenta também o
monitoramento e possíveis interferências que nem percebemos. E ele não se limita só às redes
sociais digitais, pois as plataformas estão se interconectando e obtendo mais informações
sobre o sujeito. Há dúvidas também se as conversas de chat do aplicativo não são monitoradas
também. Os sujeitos percebem que, apesar da sensação de proteção proporcionada pela
mediação tecnológica, ele está colocando diversos dados nesse meio, que estão sendo
monitorados e que podem gerar consequências.
Nesse sentido, podemos refletir que os recursos de monitoramento possam servir em
termos de barrar visualizações entre usuários, mas não para a plataforma. As pessoas, então,
estão totalmente expostas em termos de monitoramento destas. E com esse banco de dados,
passam a ter grande poder, inclusive de manipulação do público de uma forma nunca vista,
através de manipulação dos conteúdos direcionados. Também para a triagem e investigação.
Há essa potencialidade para tal e Assange (2013) destaca que ações desse tipo são tomadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da discussão teórica dos núcleos de significação a respeito das redes sociais
digitais, cabe-nos identificar, conforme objetivo proposto para a finalização deste trabalho,
quais as possibilidades de conquistar fragmentos emancipatórios e quais questões apontam
para processo de estagnação, conforme análise das falas dos sujeitos.
Percebemos novas contradições aparecendo com o uso das redes sociais digitais. Por
um lado está potencializando interações, facilitando encontros e o conhecimento do outros,
favorecendo o aprimoramento de conhecimentos, favorecendo o acesso a outros pontos de
vista, jornalísticos ou não, e o desenvolvimento de tarefas acadêmicas pelo seu ferramental,
contribuindo para a organização de reuniões e eventos, proporcionando lazer, facilitando
interações de auxílio a outra pessoas ou mútuo, assim como viabilizando registros eletrônicos
que dispensam a versão material, o que facilita a mobilidade.
Por outro lado, entretanto, o monitoramento está muito mais vigoroso, principalmente
pelas plataformas que têm acesso a todos os dados dos sujeitos, por vezes além da própria
rede social digital, ou seja, de outros sites acessados. O que é feito com todos esses dados? A
publicidade é claramente veiculada por intermédio dessas informações. Mas, estarão as
pessoas sujeitas a riscos? De que tipo? São questões que deixamos para reflexão. Além disso,
há a possibilidade de que as plataformas possam manipular o sujeito de forma indireta, para
alcançar objetivos, por exemplo, através de retirada de conteúdos e/ou direcionamento.
O monitoramento também acontece pelos próprios pares e empresas, favorecido pela
convergência de papeis que a rede social digital favorece. A partir disso parece se configurar
144
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ANEXOS
___________________, ____/____/____
______________________________ ________________________________
Assinatura do participante Pesquisadora: Adriana Recher de Freitas
CPF: __________________________ CPF: 362.975.538-07
150
Idade: ______________________________________________________________________
Sexo:
( ) Feminino ( ) Masculino
Escolaridade:
( ) Cursando Graduação ( ) Cursando Pós Graduação
Qual curso? _________________________________________________________________
Equipamentos de acesso:
( ) Computador ( ) Celular ( ) Lan House
Outros: _____________________________________________________________________
151
Orientações iniciais aos participantes: O assunto da pesquisa gira em torno do uso da rede
social digital Facebook, escolhida como representante das outras redes devido a seu alto
acesso de usuários. Neste grupo é importante que cada um fale e exponha as próprias ideias e
pensamentos a respeito do assunto, independentemente de coincidir ou não com a opinião dos
colegas. Não há respostas certas ou erradas. Debates e discussões são bem-vindos.