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REPENSANDO A HISTÓRIA

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HISTORIA IBERICA
DEDALUS - Acervo - FFLCH-HI APOGEU E DECLíNIO
946 Historia iberica :
C198h
e.6 ;-. TOMBO: 121363
11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111
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SBD-FFLCH-USP

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FLAVIO DE CAMPOS

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Copyríght © 1991 Flavio de Campos
coteçêo: REPENSANDO A HISTÓRIA GERAL ,
Projeto de Capa: Sylvio de Ulhoa Cintra Filho._
lIustraç§o de Capa: Detalhe do Portal de Bisagra, Toledo, 1602
Fotos das Reproduções dos Quadros: Alderon Pereira da Costa
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s u M A R o
Revís§o: Maria Aparecida Monteiro Bessana
Luiz Roberto Malta
compostçêo: Veredas Editorial
Impress§o: Prol Gráfica e Editora Ltda.

Dados de Catalogação na Publicação (ClP) Internacional


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Campos, Flavio de.


História ibérica: apogeu e declfnlo I Flavio de Campos. - São Paulo: Con- 11
texto, 1991. - (Repensando a história)

Bibliografia.

1. Espanha - História 2. Portugal - História I. Trtulo. li. Série o autor no contexto 7

ISBN 85-85134-90-9
Introdução 9
90-2469 CDD-946

1. Composição Social. . •••..•.....•...•.....•. ,... 12


(ndices para catálogo sistemático:
1. Espanha e Portugal: Hist6ria 946 2. Aproximação 23
2. Hist6ria ibérica: 946
3. Península ibérica: Hist6ria 946
4. Portugal e Espanha: Hist6ria 946 3. O Império dos Três Oceanos 34

4. O Império Com balido .........••.....•.......•.• 46

5. O Cativeiro de Sessenta Anos 64

1991 "l
Proibida a reprodução total ou parcial. 6. A Restauração -! •••••••••••••••••••••••••••••• 80
As infrações serão processadas na forma da lei.
Todos os direitos reservados
. Conclusão ....•........•..••••...•..•.•..•••..•• 87
â

EDITORA CONTEXTO (Editora Pinsky Ltda.)


Rua Acopiara, 199 ~ 05083 - S. Paulo - SP
Fone: (011) 832-5838 - Fax: (011) 832-3561
Sugestões de Leitura

,li O Leitor no Contexto ••••••••••••••••••••• I •• , I •••

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o AUTOR NO CONTEXTO

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, Flavio de Campos é formado em Hist6ria pela PUC de São Paulo e é
p6s-graduando em história social na USP, onde desenvolve uma pesquisa
de mestrado sobre o Padre Antônio Vieira.
Para Miriam É também professor: trabalhou na rede de ensino municipal de São
Paulo, lecionou história do Brasil colonial na Faculdade de Hist6ria da
F.V.E. em São José dos Campos e atualmente ministra aulas de hist6ria
geral no Curso Universitário. ,
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Gosta muito de cinema, sobretudo dos filmes de Kurosawa, Fassbin-
der, Hitchcock, Ettore Scola, Saura e Woody Allen. Suas predileções mu-
sicais são também bastante eclétícas, incluindo desde a música clássica e
o canto gregoriano até o rock'n roll e a música popular brasileira.
Mas uma de suas principais paixões ainda é o velho e insubstiturvel
futebol, que procura praticar com certa regularidade com um grupo de ami-
gos. Momento de relaxamento e lazer, que seria completo se o Palestra
ltálla conseguisse ser novamente campeão •••
A seguir, Flavio de Campos responde a três questões:

1. Embora o tftulo de seu livro seja Hist6ria Ibérica: Apogeu e Declínlo vo-
cê não trabalha com esses conceitos tão habituais na historiografia ibérica.
1 Será algum preconceito com relação a "Decumo"?
R. Na verdade, o titulo do livro procura remeter a uma discussão sobre os
destinos de Portugal e Espanha, sobre as visões e algumas interpretações
desses destinos realizadas por homens que viveram nos séculos XVI e
XVII e acerca da compreensão que os historiadores habitualmente têm da
Histórla Ibérica. Nenhum preconceito com relação a Decf(nio ou Deca-

7
d~ncia mas sim um certo rigor com relação ao uso desmedido de um termo
que não é, de forma alguma, isento de questionamentos, principalmente no .~
caso ibérico. Como é observado na Introdução, muitas vezes a aparente-
mente precisa expressão "decadência dos povos ibéricos" camufla uma INTRODUÇÃO
interpretação moralista (e também idealizadora), na qual os historiadores
acabam por aceitar, sem problematizarem, os testemunhos e os senti-
mentos que nutriam aqueles agentes históricos. Não raro, essa postura
"passiva" de investigadores contemporâneos leva a uma viciada relação
I
entre Presente e Passado, que acaba fazendo da História um tribunal onde i
.11'I
se julgam os destinos dos povos. A Decadência deve anteceder um perb- !

do áureo e, conseqüentemente, numa postura nostálgica e inflexrvel, deve-


se descobrir as causas e os responsáveis por esse resultado indesejável.
Dessa maneira, o sentimento do historiador confunde-se com sentimentos
e representações culturais historicamente locallzáveis, expressando um
mesmo "desgosto" com relação à sorte das sociedades em questão.

2. De que forma um melhor conhecimento a respeito da história ibérica po-


de nos esclarecer enquanto seres históricos no presente brasileiro?
R. A compreensão das caracterfstlcas da sociedade brasileira no presente
não se realiza sem o resgate da história luso-espanhola. Lidar com o pas- ~, Na segunda metade do século XIX, discursando na sala do
sado evidentemente não si,gnifica aprovar o estabelecimento da escravi-
dão, a dizimação das populações indrgenas ou a perseguição a judeus e Cassino Lisboense, onde habitualmente reuniam-se intelectuais
heréticos. Lidar com o passado é compreender as condições e as razões portugueses, Antero de Quental procurava refletir sobre as causas
que levaram a esses procedimentos, identificar os movimentos de resis- da decadência dos povos peninsulares nos três séculos anteriores.
tência, confrontar as perspectivas conrlltlvas da sociedade e examinar as A história de Portugal e de Espanha, após um destino brilhante na
permanências, os elementos que, após uma série de transformações, ain-
Antiguidade, na Idade Média e no Renascimento, apresentava pa-
da são problemas com os quais devemos nos defrontar e podemos tentar
resolver. ra o autor um "quadro de abatimento e insignificância".
As causas seriam de três espécies: moral, em virtude do ca-
3. O sebastianismo é apontado por voc~ como uma dessas permenên- tolicismo do concílio de Trento; política, devido ao Absolutismo;
cias. Qual a importância deste tema nos dias atuais?
~conômica, ~ razão dª~ conq~i~stas_ultramarirÍàs. Uma idade de
R. Além da mais imediata relação do sebastianismo com o movimento de
Canudos e com a religiosidade e o pietismo que marcam diversas regiões ouro teria sido maculada, no entender do autor, no momento em
do Brasil, discutir o messianismo e o milenarismo nos remete à própria que se transformou a expressão cri ~p-iradora da religião
problemática da utopia nas sociedades contemporâneas. Ap6s a crise teõ- cristã numa instituição dogm tica e repressiva.~e-
rica do marxismo e das transformações do Leste europeu, uma das maio- r~sentad_Q_aIY.f[la_dª-!i5eraãde das munas ~dasjr-lsillui-
res angústias atuais é a dificuldade em se formular uma resposta teõríco-
ções locais, ~lJLdª--ª!:@staI....Q$....p-ºll.(L~ara as insB;nas
polrtica de transformação da sociedade capitalista. Num pals como o Brasil,
onde as diferenças sociais são tremendas e nefastas, buscar uma alterna-
aventuras da conquista da,.lDglaterra" por Filipe li, e de Alcácer-
fíva passa também por reelaborar uma utopia de igualdade polrtica e eco- por D~Sebastião. O heroísmo da fiaãlgÚia, o luxo, a depre-
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nômica, que necessariamente tem implicação com as utopias messiãnicas ciaçab-aOtrabalho manual, combinados aos rendimentos do co-
presentes e passadas. merciOdo-ültrâirlar, .teeíam sido os responsáveis pela inibIção das
irílc~ indústria e da agricultura. A conclusão de Quental
eraresolúta: "Gememos sob o peso de nossos erros históricos. A
nossa fatalidadeé a nossa história".

8 j,j 9
Diversos outros autores peninsulares, ao longo dos últimos Algumas interpretações e testemunhos ao longo dos últimos
séculos, também se indignaram perante a sorte de sua história. O séculos, atribuíram essa pretensa culpa, sucessivamente, à ação
pioneirismo ibérico quase sempre foi e é associado à decadência, de jesuftas e clérigos, à inabilidade e incompetência de alguns
cujas causas e responsáveis tornaram-se o ponto de chegada das monarcas, à presença dos judeus e muçulmanos nas sociedades
mais variadas reflexões. Trata-se de uma definição geral que pare- peninsulares ou às possessões e conquistas de além-mar, verda-
ce querer prescindir de uma análise mais aprofundada das caracte- deiras. miragens nefastas. No caso de Portugal, a perda da indj ~
rfsticas específicas das sociedades ibéricas. O caso português é pendência, durante os sessenta anos de dornlnio espanhol, foi
ainda mais sintomático: descobridor de novas terras, desbravador muitas vezes apontada como a razão fundamental para a sua "de-
de novos mundos, sua história é muitas vezes esquecida pelos es- cadência".
tudiosos de outras nacionalidades, preocupados com o feudalismo Afastando-nos de perspectivas como essas, entendemos que
e com o Absolutismo francês, com a revolução industrial inglesa, a união das coroas ibéricas, além de um acontecimento histórico
com as questões culturais e políticas do resto do continente euro- digno de ser analisado, representa o momento de interseção das
peu. Descobrimentos e esquecimentos formam um binômio, um histórias particulares de Espanha e Portugal. Momento privilegia-
tanto preconceituoso, que envolve a história lusitana. do, porque fomece os elementos indispensáveis à compreensão
A premissa da decadência, presente até nos estudiosos pe- de suas características específicas, que as diferenciavam (e dife-
ninsulares mais naci~, implica" pele:>"
menos dois aspectos renciam) das demais nações européias. Por outro lado, o inrcio

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~. sr:

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quedifícultam o tra6ãi5"õ do historiador. ~Em primeiro lugar, fica su-
~
bentendido Cl!J~ o período da história que yãi até meados do sé-
- dessa interseção deu-se num período de aparente hegemonia in-
ternacional das forças peninsulares, e marca, por assim dizer, o
culõ XVI é marcadõ por um profundo aQõgeu, e um inequívOCo de- processo de alteração da correlação das forças européias, que fa-
s~.ivõlvJmerltõ,~ª idealização romântica-semelhante à d~AOi~ I
i{ ria brilhar o poderio da Holanda, da França e da Inglaterra, em de-
ro de Oúental.Por o':!-tro lado, a aceltaçãode-urríá suposta idade trimento dos reinos ibéricos.
d~QurO impõe uma questão: quais teriam sido as razões da deca- O objetivo deste livro é tentar apreerider alguns dos meca-
dência? Muitas vezes, até mesmo em análises mais recentes, as nismos que constítuíam as condições históricas que as sociedades
cãusas são atribuídas a elementos estranhos às condições históri- ibéricas dos séculos XVI e XVII tiveram de enfrentar, unidas sob a
cas tratadas. Mesmo quando presente em depoimentos da época, dinastía dos Habsburgos, num processo de intensa. ut~ela he-
qúe constituem um valioso material para o estudo do imaginário e gemonia internacional. Não serão procuradas as ca as de sua
da cultura dessas sociedades, a proposição da decadência não dec-ãOér'ícía; mas os-ritmos-pâRíéüTares de a guns os asPectos
precisa ser, necessariamente, compartilhada pelos pesquisadores. econômicos, polméos e mentais de sua história, e as representa-
Quando incorporada às anáílses da historiografia, tal pressuposto ções culturais que os ibéricos elaboraram, principalmente sobre
acaba por conferir, via de regra, um sentido moralista às interpre- úma..Q.Yêlão,que-..Os..atligia..r:les~e~odo;a qec~d~nci~.
taçoes. Procura-se, muitas vezes, identificar os "erros" dos ante- Uma outra intenção dest~ho é trans!!Jitir-a-.e.xtensa
passados ou busca-se os "culpados" pela trajetória dos países ibé- gama de ques~ muitas delas ainda ~~~ aberto para as refle-
ricos, como se fosse tarefa do historiador proceder a um julgamen- xões dospesquisad~-ª não'~lexa e
to do passado, transformando a investigação analítica numa inves- atraente qu~as grandes potências atuais e que é fundaméntal
tigação judicial. A noção de decadência, muito atraente, torna-se para a compreensão da nossa cultura e do nosso presente. Atraente
bastante vulnerável a esse tipo de postura, que acaba por arbitrar e bela, não pelo que lhe falta, mas pelo que apresenta
no lugar de compreender.

10 11
Habsburgos. Para tanto será necessario analisar inicialmente al-
gumas das característlcas fundamentais das formações sociais
1_ peninsulares.
COMPOS rAO SOCIAL
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A SOCIEDADE HIERÁRQUICA
v ;6" r .r,----...,. , O J-f '<\-
r ';,{)<.. (r fh ,'lI L r ~'(' 'k..r -( ../ '-'\ \ (
Numa definição genérica, as sociedades européias perten-
centes ao período que se estende de meados do século XV até o ..q
final do XVIII são conhecidas como "~fV'i~dades de/Antigo Regi-
, ~ '-- ~
_l}1e'JA cenomínação, apesar de amplamente dttundída na nisto-
riografia, não oferece uma caracterização que esteja isenta de al-
gumas ponderações. Em primeiro lugar, porque a própria designa-
ção Ancien Régirne não é contemporânea da sociedade que pro-
cura conceituar, tendo sido encontrada pela primeira vez numa
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brochura, na França, em 1788. A sua difusão inicia-se em 1790 e,
Mais do que o mero resultado de uma sucessão real, a União
durante os anos subseqüentes à Revolução Francesa, constitui
das Coroas de Portugal e de Espanha, ocorrida em 1580 sob o
uma forma de referência pejorativa a todo um conjunto de caracte-
comando do monarca Habsburgo Filipe 11, foi o desdobramento po-
rísticas de uma sociedade que se pretendia derrubada. Vislumbra-
lítico de toda uma evolução histórica que envolveu as sociedades
va-se uma "nova" sociedade, um "novo regime", em contraposição
ibéricas desde o final do século XjL. Tanto em seus elementos es-
ao "velho regime" de ordens e privilégios. O conceito assume, por-
truturais, como no desenvolvimento conjuntural que marcou esse
tanto, um certo negativismo, conferido pelos revolucionários à so-
perfodo, os reinos ibéricos tenderam à unificação. Uma composi-
ciedade. Em segundo lugar, o termo, em sua origem, refere-se às
ção social intema semelhante, que pode ser identificada nas diver-
caracterfstlcas do reino francês, e não necessariamente a todas as
sas características comuns dessas sociedades, permitia um conta-
nações européias do período.
to polítlco e cultural bastante estreito. Por outro lado, em nível in-
Apesar desses reparos, a denominação Antigo Regime ainda
ternacional, o fato de ocuparem uma posição pioneira nas conquis-
nos parece útil para a compreensão das estruturas sociais das na-
tas e nos negócios do ultramar levou as monarquias ibéricas a
ções européias, nesse período de_transição do feudalismo para o
um~aQ.!:Q&r.r:~.ação, em defesa de intere~ comu~~_ além
capitalismo, ainda que cada país apresente um ritmo diferenciado
do mais, acabou por permitir uma certa relação de complementari-
em termos dessa transição. Alguns elementos básicos podem ser
daaeentre ambos os impérios coloniais.· - -
identificados como pertencentes às mais diversas formações s0-
--
-C,omposiçao
...•...••--- ... --
social e aproximação
-•...... -
dinástica formaram o
binômio que dirigiu o entrelaçamento da história ibérica até o
ciais européias durante a modemidade (Estado Absolutista, polltí-
ca econômica mercantilista e sociedade estamental), e que com-
momento da efetivação do domínio filipino. Para compreendê-lo,
poriam um conceito geral, suficientemente elástico para abrigar em
procuraremos apontar as origens estruturais das práticas polí-
si mesmo as diversas expressões dos elementos caracterlstícos
ticas e econômicas de ambas as sociedades, que acabaram por
íessas sociedades. Nesse sentido bastante amplo utilizaremos essa
culminar na inclusão do reino português entre as possessões dos

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definição também para os reinos ibéricos, procurando apreender
alguns dos aspectos importantes para a análise do processo histó-
ção recaía, portanto, sobre os setores produtores e sobre o cornér-
cio, Artesãos, lavradores, camponeses e comerciantes arcavam
com as necessidades fiscais das coroas ibéricas. Além da isenção,
1
rico que permitiu a união das duas coroas.
_ A sociedade de Antigo Regime, tanto na Península lbérica o clero podia ainda contabilizar em suas receitas diversas modali-
como nas demais formações sociais da época, caracterizava-se dades de rendimentos, obtidos através de uma tributação particu-
por uma estratificação hierárquica, que distinguia juridicamente o lar, como o d{zimo (1/10 da produção nacional) e as prim{cias (0-
clero, a nobreza e os membros do terceiro estado. A desigualdade ferta dos primeiros frutos produzícos). Para que se tenha uma no-
era a marca sensível desse ordenamento social, cuja distinção ção do que representaria o peso dos privilégios do clero, haveria,
fundamental se processava entre a massa plebéia e as pessoas no século XVII, uma proporção estimada de um eclesiástico para
de "mor qualidade". De acordo com a qualificação social de cada cada 36 habitantes em Portugal, e para cada 33 na Espanha. Ou
indivíduo, estabeleciam-se privilégios e prerrogativas, que estavam seja, uma população ociosa bastante extensa, que onerava as ati-
presentes em todos os níveis da vida coletiva, e que incidiram de- vidades produtivas.
cisivamente em seus valores, nas estruturas econômicas e nos Essa população parasitária cresceu no decórrer dos séculos
elementos culturais. XVI e XVII, com a ampliação das fileiras da fidalguia ibérica. As
Até mesmo as formas de tratamento (Vossa Excelência, necessidades financeiras da Coroa espanhola, que analisaremos
Vossa Senhoria) eram regulamentadas por leis, que procuravam mais adiante, levaram-na a recorrer, por diversas vezes, à venda
vedar e punir o seu uso indevido. Nas mais simples situações do de títulos de nobreza, que eram adquiridos por pessoas enriqueci-
cotidiano, como nos atós públicos e cerimônias religiosas, o pres- das, normalmente saídas dos grupos mercantis. No nível mais
tígio hierárquico determinava a disposição e a precedência. Sentar- imediato, essas vendas eram importantes paraaliviar o desequilf-
se num bom lugar nas igrejas ou poder aproximar-se do monarca brio econômico da monarquia, mas a médio prazo deixavam se-
eram maneiras de exibir e desfrutar do poder e dos valores sobre qüelas profundas no país, uma vez que se ampliava a população
os quais se erigira a sociedade. isenta de tributos, corroendo e. minando sua capacidade fiscal.
As punições e as penas eram também escalonadas de acor- Uma forma de ascensão ao círculo da fidalguia era a compra de
do com a condição social do infrator. Um mesmo delito, cometido senhorios - patrimônios da Igreja, das ordens militares ou mesmo
nas mesmas circunstâncias, poderia ter uma pena diferenciada, reais - que foram postos à venda pela Coroa, e que, uma vez ad-
caso os infratores pertencessem a ordens diversas. O clero gozava quiridos, permitiam o enobrecimento, ainda que não mantivessem
de jurisdição privativa, regida pelo direito canônico. O fidalgo por- os direitos jurisdicionais da velha nobreza, decorrentes da posse
tuguês (hidalgo na Espanha), não deveria ser submetido ao mes- do patrimônio. Trata-se, portanto, de uma sociedade hierárquica,
mo cárcere que os homens da plebe. Tinha a prerrogativa de ser mas não completamente impermeável à mobilidade social. Qyem
preso em um castelo ou até mesmo de ser confinado em uma ci- tinha dinheiro comprava títulos e terras. Em Portugal, a burguesia
dade, e de jamais ser açoitado ou condenado às galés. Se a pena enriquecida também procurava ascender à nobreza pelos mesmos
aplicada a um fidalgo estabelecesse a morte, ele deveria ser de- caminhos, tanto pela compra de títulos como pela aquisição dos
capitado, e não enforcado, pois a forca era considerada uma morte senhorios.
infame, destinada apenas aos homens comuns e "sem honra"; Não apenas pela ampliação de seu contingente, mas princi-
Mas o privilégio essencial assentava-se na isenção tributária. palmente pelo seu fortalecimento no âmbito. econômico, a nobreza
O imposto, para a nobreza, além de um enorme desprestfgio mate- ibérica viveu nos séculos XVI e XVII um período de franca expan-
rial, era' concebido como uma desqualificação inaceitável. A taxa- são. A fortuna nobiliárquica, fundada basicamente na propriedade

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I
1/ fundiária (mas não exclusivamente), pôde elevar-se de acordo com ção da sociedade: iriam pertencer ao corpo eclesiástico os filhos se-
as oscilações gerais dos preços. Sua hegemonia pode ser demar- gundos (não primogênitos) da nobreza. Os altos postos da hierar-
cada, no caso espanhol, a partir do primeiro quartel dos Quinhen-
tos, com a derrota das revoltas dos "comuneros" em Gastela (que
expressavam os interesses da grande burguesia castelhana, ligada
ao comércio internacional, e das classes médias e urbanas) e das
"germanías" em Valência (de acentuado caráter anti-senhorial). Em
Portugal, em torno de meados do mesmo século, ocorreu uma
reação nobiliárquica, que estabeleceria seu controle tanto no nrvel
dos cargos do aparelho de Estado, como também nas esferas da
cultura e comportamento, visando a limitar a ação dos setores
burgueses, ao mesmo tempo em que atacava o humanismo e a
cultura laica. Reação senhorial, que . trazia consigo o bínôrnío ca-
racter.ístico das sociedades peninsülãres nesse período: opulência
e miséria. Sobre a massa plebéia, e principalmente pobre, recsla
toda a carga tributária, de sociedades em que se. afirmava, cada
vez de maneira mais decisiva, a aspiração à fidalguia, e conse-
qüentemente, a seus pr'ivilégios, por parte de letrados, burgueses e
membros das classes urbanas.
Além da distinção fundamental entre o nobre e o plebeu, na
sociedade de Antigo Regime o grupo nobiliárquico apresentava-se
também com algumas subdivisões. O estrato mais baixo era ocu-
pado pelos fidalgos, em geral sem muitos bens. Fixavam-se prin-
cipalmente nas regiões rurais em Por:tugal e viviam nas zonas ur-
banas de Espanha. Quando dispunham de terras, ascendiam à
condição de cavaleiros, daí a denominação cavaleiro-fidalgo. Os
cavaleiros eram normalmente os membros de ordens militares, se-
nhores de vassalos possuidores de senhorios ou pertenciam à oli-
garquia urbana Também nessa categoria tentavam se inserir os
letrados e os aristocratas espanhóis. Em Portugal temos a chama-
da nobreza de toga, constituída por membros dos tribunais de jus-
tiça, advogados, professores universitários e ocupantes de cargos
administrativos. No topo, encontraremos os Tftulos e os Grandes,
conhecidos em Rortugal como a nobreza de espada ou nobreza de
corte. Tratava-se dos detentores de enormes extensões de terras e
dos principais títulos de nobreza (marqueses, duques, condes).
A composição social do clero também refletia essa hierarquiza-
Fig. 1 - o Enterre do Conde Orqaz, EI Greco. Pintura que revela a mentalidade religiosa
e aristocrática das sociedades ibéricas

16 17
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quia da Igreja eram geralmente ocupados por representantes dos cehlvel aos setores da nobreza, o trabalho depreciado contribuiu
f'\ setores aristocráticos. ,Havia, no entanto, uma possibilidade real de para marcar o posterior desenvolvimento das sociedades ibéricas.
\\ ascensão social, no interior do aparelho eclesíástico, para os filhos Eor outro Jado, foi ele, paradoxalmente, a fonte de riqueza que ha-
de artesãos e camponeses, o que revela mais um dos poros de
I mobilidade na sociedade do Antigo Regime.
,
11
via permitido a alguns o enobrecimento. A ambigüidade barroca
fazia-se presente.
O aumento crescente das fileiras da nobreza acarretou uma
~R[~ci~ção da condição dos hidalgos. A partir de então, começou-
se a considerãr realmente como nobres apenas os seus estratos
superiores. Umª-_ reação dos Grandes à constante íntiltração de o ESTADO FEUDAL
elementos da plebe em suas hostes. Uma maneira de operar uma
outra desej~vel distinção entre as pessoas "honradas" e as pes-
soas "vis", eram os costumes luxuosos que as modas de corte O correspondente político às estruturas hierárquicas da so-
iriam desenvolver, sobretudo ao longo do século XVII. O assédio ciedade. de Antigo Regime na península Ibérica foi o Absolutismo
dos setores enriquecidos junto à nobreza, dava-se também pela Monárquico. Em razão das lutas contra os muçulmanos, durante a
imitação dos gestos e das roupas. A fidalguia respondia então chamada Reconquista, as monarquias ibéricas se fortaleceram e
através de duas formas: proibindo o uso de 'determinados tecidos, estiveram na dianteira do processo de centralização política dos
regulamentando, como vimos, as formas de tratamento, ou então, Estados modernos. Em Portugal poderfamos identificar o inicio do
inovando, criando modas, que os ávidos burgueses não hesitariam Absolutismo desde pelo menos o reinado de D. Manuel

º
em tentar copiar.
luxo e a os!enJ.~-ªpJaztat!l parte do cotidiano e da menta-
lidade nobiliárquica. Gastar, exibir-se à altura de sua honra, inde-
(1495-1521), enquanto na Espanha costuma-se apontar o seu sur-
gimento com os Reis Católicos (1474-1516).
O pano de fundo dos percursos históricos das sociedades
pendentemente do que poderia arrecadar, era motivo de orgulho ibéricas de Antigo Regime foi o fortalecimento dos setores aristo-
para o fidalgo da península Ibérica. ~ão bastava a essa altura ser cráticos, nomeadamente, o clero' e a nobreza. Com a expansão
nobre: era necessário tornar visível, através da suntuosidade, o marítirna, levada a cabo por Portugal e Espanha, não se constituiu
bom nascimento e a boa sorte. em solo ibérico uma sociedade em que a burguesia mercantil ti-
Uma verdadeira civilização teatral;') em que o cerimonial de vesse o controle e assumisse a hegemonia. Pelo oontrário.Jortal
corte era deliberadame~le' 'complexo e minucioso, buscando refletir cidos com as novas fontes de rendimentos, os setores aristocráti-
o esplendor do poder nobiliárquico. Cada um representava o seu cos e a Coroa imprimiram à sociedade seus valores e a sua dorni-
papel, nesse grande palco que era a sociedade do Antigo Regime. Q~ueles que se dedicavam aos serviços
m7!Ç.ªº,J!.!!1i~ª-!Jd.2--ª--ªçãQ
O prestrgio deveria inebriar os olhos, ser visível e ostensivo, numa mecânicos e aos negócios mercantis. O Estado Absolutista foi a
sociedade ainda analfabeta. Como afirmou Eduardo d'Oliveira expressão, no plano polltico, dessa afirmação senhorial.
França, "um hidalgo deveria apresentar-se a cada instante à altura A nobreza e o clero continuavam a ser as classes dominan-
de sua condição, ainda que às vezes por causa disso ficasse em tes, como o foram na sociedade medieval. A sua dominação resi-
I'
~"
jejum dias seguidos". dia na posse da terra e na produção de tipo feudal, o que não iria
Com todo esse ambiente, não é de se estranhar a recusa e a se alterar com a centralização do Estado . .!:,elo contrário, de acordo
desonra que cercava o trabalho manual. Antes de tudo, ele era a com Perry Anderson, o Absolutismo "era um aparelho ,de domina-
antftese da virtude e da honra. Necessário. à sociedade, mas incon- ção feudal alargado e reforçado". Desse modo, o essencial no pro-
-,,---
18 19

i~·~' -~ = ~= ~
\~
cesso de consolidação das monarquias centralizadas não foi a as- das variações de preços, que ocorreram a partir do século XVI, a
cen~guesia, e sim o fortalecimento da aristocracia feudal. aquisição de propriedades fundiárias aparecera sempre como um
Não significa dizer que o Estado não tenha permitido o desenvol- investimento mais seguro, além do mais prestigiado. Os números
vimento das atividades mercantis e manufatureiras, desatendendo relativos à distribuição das terras na penfnsula são reveladores.
os interesses dos setores burgueses. Mas antes de mais nada, Em termos globais, cerca de 95% das propriedades estariam nas
ainda de acordo com o referido autor, o Estado Absolutista "repre-
'. mãos do clero, da nobreza e da Coroa. Ou seja, uma parcela mino-
sentava fundamentalmente um aparelho de proteção da proprie- ritária detinha quase a totalidade dos "bens de raiz",
dade e privilégios aristocráticos". Em toda a península coexistiam várias formas de relações de
Se existiu uma grande semelhança em relação ao processo produção. Desde a relação mais caracteristicamente feudal, e
que deu origem à afirmação da Coroa e que conferiu à nobreza o também dominante no período tratado, pela qual o camponês de-
controle social na península Ibérica, os Estados Absolutistas de veria entregar ao senhor uma certa renda, fosse através de produ-
Portugal e Espanha não apresentavam, por outro lado, um mesmo tos, trabalho ou mesmo em dinheiro, até aquela em que trabalha':
grau de centralização e organização. No reino lusitano, o monarca, dores livres ganhavam por jornada de trabalho Uornaleiros). Tam-
apesar de não ser "sagrado" nem "ungido" como um instrumento bém era utilizado o trabalho escravo, que nunca deixou de ser uma
de Deus, não tinha, em termos legais, quaisquer restrições autên- opção secundária nas metrópoles ibéricas.
ticas. Deveria manter e respeitar as tradições e os privilégios dos A expansão ultramarina, e com ela a crescente mercantiliza-
povos, sem se colocar acima das leis do reino (apenas à época de ção da economia, fundamental para o surgimento do capitatisrno,
Pombal o rei será posto acima de qualquer lei), mas na prática, até foi permeada pelas caracteristicas feudais dessas sociedades.
a União Ibérica, os órgãos de representação social ~ Cortes e Trouxe consigo a possibilidade da renovação das receitas para os
Conselhos - não conseguiam tornar-se independentes da vontade setores senhoriais. A hierarquia social, que distribuía privilégios e
e controle do rei. A autoridade das instituições governamentais e distinguia direitos, reanimava-se com os altos rendimentos dos
administrativas derivava do monarca. Na Espanha a .situaçâo era negócios do ultramar. Eram_inúmeros os cargos públicos e ecle-
mais complexa. O poder da monarquia variava de acordo com o siásticos dos vastos impérios católicos. Num movimento de senti-
grau de autonomia de cada reino que compunha a dinastia. Em do inverso ao que permitia o enobrecimento de burgueses enri-
algumas regiões as Cortes eram meros instrumentos da vontade quecidos, o grupo senhorial se alojava nos empreendimentos mer-
do rei. Em outras, o monarca tinha que enfrentar resistências, capi- cantis, resguardando para si, através do funcionamento da máqui-
taneadas principalmente pela aristocracia nobiliárquica, às suas na estatal, a maior parte de seus rendimentos e constituindo-se
tentativas de centralização. como um instrum~Dl~d~Lad1Dinistração central. O Estado Absolu-
I tista, de Portugal e de Espanha, estimulava e dirigia os negócios
!f l ultramarinos, que acabavam por garantir à aristocracia uma par-
I, cela nada desprezível desses lucrativos negócios.
AS BASES DA DOMINAÇÃO ARISTOCRÁTICA Chefiada pela Coroa, junto à qual se colocaram setores da
burguesia mercantil, a conquista do ultramar provocou um certo
enrijecimento das estruturas econômicas na península Ibérica. A
A terra constitufa o grande bem econômico e o principal in- riqueza obtida com o tráílco das especiarias, de escravos, dos me-
vestimento realizado nas sociedades ibéricas. A nobreza caracteri- tais americanos, e da produção de gêneros tropicais redundou, a
zava-se, sobretudo, como uma classe detentora de terras. Diante médio prazo, no estrangulamento das manufaturas e na cristaliza-

20 21
ção da distribuição fundiária. Uma enorme vulnerabilidade econô-
2
mica cercou os empreendimentos peninsulares: as rendas, conti-
nentais e do ultramar, advinham da comercialização de ~êneros A p R o x I M A ç A o
primários, sujeitos às oscilações do mercado internacional. Por ou-
tro lado, a grande parte das importações consistia de manufatura-
dos, de países que iniciavam, num ritmo maior, as alterações es-
truturais que caracterizariam a transição para o capitalismo. A
economia estivera quase que completamente sujeita aos azares
conjunturais, enquanto suas estruturas básicas resistiam e limita-
vam as possibilidades de alterações.
e. edificação dos impérios. ultramarinos requeria uma infini-
dade de gastos com a defesa e com a burocracia, vitais para a
manutenção do monopólio e das possessões reais. As necessida-
des fiscais das Coroas ibéricas eram em grande parte dirigidas pa-
ra esses tipos de gastos. Em ambos os. países as colônias servi-
ram ~o _sul?êt~utO$para uma unificação fiscal, que nunca che-
Os dois impérios ultramarinos estavam já em crescente in-
ou a ocorrer na Espanha. Possibilitavam um ganho extraordinário,
terligação desde o começo do século XVI. A Espanha de Carlos V
fünaãFiiental para os gástos de guerra. A tributação interna, que
~ a rande provedora monetária da Eurõ a, devidõà rodu ão
completava as necessidades de receita, prejudicava sobremaneira
do Peru e do México, e tam m das minas de ~de....cobr.a.de
o desenvolvimento das atividades manufatureiras. A tal ponto que
seus _domfnios naJ:!imgri-ª...o.ã..e~êroiâ-ª-..o.a..s.llési.a•.Os port!!gl!9-
alguns prOdutos no mercado metropolitano chegavam a ter um
ses Ple_cisay~~ra.!a e ouro para os ~eu..§..neg6ci0.2..comas I~-
preço superior ao das colônias.
gias. Eram facilmente encontrados nos mercados coloniais espa-
As possibilidades de afirmação de uma burguesia, mercantil
nhóis contrabandeando especiarias e outros gêneros, em troca dos
ou industrial, achavam-se bastante limitadas por essas caracterís-
metais cobiçados. Uma outra altemativa, além de partilhar as lu-
ticas. Não significa dizer que não tenha havido, ao longo dos sé-
crativas atividades castelhanas, eram as expedições em busca dos
culos XVI e XVII, enriquecimento e fortalecimento de determinados
minérios, realizadas na África e no Brasil desde os primeiros mo-
setores burgueses. Um movimento desigual, em que prevaleceram
ritmos diferenciados nas diversas regiões da península, presidiu a mentos da ocupação lusitana.
Apesar do abastecimento de metais das minas da África,
evolução da burguesia em solo ibérico. No entanto, a trajetória que
gradativamente foram os reales espanhóis que permitiram a manu-
se consolidava visava ao enobrecimento e à reinversão dos rendi-
tenção do comércio português com as índias.i? império de cadcs
mentos na aquisição de terras. O investimento produtivo não se
V, no qual "o sol jamais s~punha~,..,Çonstitura-se ~a maior pQtên~ia
tomou a regra. Uma série de entraves culturais, políticos e econô-
européia, reunindo, sob a dinastia dos Habsburg9§J!,.f.&panba,.ps
micos condicionaram essa sua reduzida existência.
pãrSeS Bâixos, a Áustria, NápOles, á Sardenha, a Slcília, a Alema-
nh~~ ~UiQ. àlém das.posse§soos americªnãs;-Tãídispe~o geo-
gráfica, característica também do império colonial português, acar-
retava crescentes gastos com a máquina burocrática e com a

23
22
defesa militar. Boa parte do tesouro americano era consurnida
nessas empresas e nas guerras travadas no território europeu. Os
rendimentos do ultramar, como veremos mais à frente, faziam da
península Ibérica uma região de trânsito de riquezas, que teriam
por destino banqueiros estrangeiros que financiavam as expedi-
ções e o crescente déficit das finanças dos reinos.
Os plÍIDeiros_s~ de dificuld~des econômicas em Portuqal
jª_ eré~rrUlerceptíveis~ em, torno de .meados do século XVI, provo-

--
.C_andocrfticas de alguns contemporâneos, que viam no comércio
Qj:l espectarias um fator-de decadência nacional. Os portugueses
tiveram~.de_abandonar ..v.árias_praçªs e cidades marroquinas, em
fY.!lC,ªQ_d~é,.dio_dos muçulmanos; e em retirada do norte, trans-
formaram Angola em mercado de escravos, onde seria regular a
presença e a concorrência de inqleses.-Outra concorrência, que
envolvia as especiarias do Oriente, seria levada a cabo pelos mer-
cadores muçulmanos. Os negócios portugueses em Bassorâ, Or-
muz, Diu e Goa eram disputados por mercadores turcos e vene-

_.
zianos. Por outro lado.Icorn a insolvência da feitoria de Flandres
observa-se uma inicial depressão decorrente dos custos e investi-
mentos necessários à manutenção da ,empresa marítima. A ex-
pansâo portuguesa através do oceano .Indico encontrava-s.e_~
c'§§nte_parada, -aiQda-que-s.uaJleg~-'lavaJ con~ª9ui..sse.
manter-se, J;m compensação, os portugueses conseguiram esta- Fig. 2 - o Império de Garlos V. As possessões européias da dinastia dos Habsburgos.
belecer-se em Macau em 1557 e manter relações econômicas com Fonte: Kinder, H. e Higelmann, W., Atlas Histórico Mundial. Ed. Istmo, p, 250.
o Japão.
Lisboa e os seus negócios hipertrofiaram-se em comparação
às outras cidades-portos, fortalecendo e privilegiando poderosos .expa~sã~ ~~n~e _~arte graças à~~x~~[i~obtellç~o_da
comerciantes em detrimento de boa parte dos pequenos e médios metais ••Mesmo aSSIm, Já em~l552-ocorrena a taíêncía de dols dos
mercadores. O ritmo de crescimento açucareiro de São Torné per- quatro maiores bancos de Sevilha, revelando a precariedade e a
deu intensidade se comparado ao período anterior. de 5 mil arro- fragilidade dos alicerces da economia de Castela. Todo um con-
bas .em 1529 para mais de 150 mil em 1550-54 (2.900%), enquan- junto de elementos, entre os quais encontram-se o crescimento
to. em torno de 1580 a produção subiria no máximo para 200 mil demográfico, problemas de colheitas de cereais e o afluxo metáli-
(33%). É possível detectar duas características básicas em todos co, participam de uma "alta geral dos preços", que faria baixar o
esses dados: tendência ao decllnlo relativo dos negócios do ultra- valor dos meios metálicos em relação às mercadorias. Uma certa
mar e concentração de forças e capitais nos empreendimentos tendência à retração pode ser constatada, em comparação àquela
metropolitanos em tomo de grandes mercadores. expansão mundial inicial, que interligara as economias européias
A econornia_e~P2~h,Qla, por.. seu turno, mantinha-se em às terras do leste e do Oriente. Com isso, uma onda de miséria

24 25
I
I
I
I
assolou não só a Espanha, como também outras regiões da Euro- Esse quadro greliminar permite com~ue a. União
pa, recaindo, principalmente sobre os estratos mais baixos da po- das Coroas de Portugal e de Espanha, sob Filipe li, consagrou, pa-
pulação, a chamada "arraia miúda". Em terras lusitanas, um cronis- ra usarmos a feliz expressão do historiador português Vitorino Ma-
ta deixaria em versos o testemunho dessa inflação: "vemos o pão galhães Godinho,_~a viragem de estrutura de meados do século".
mais valer / vemos tudo levantar / mantimentos maus de achar / Significa dizer que as condições econômicas alteradas em torno
oficiais, mercadores, logreiros, alugadores, tudo mui caro custar (.•.)". da metade dos Quinhentos, expondo já a fragilidade das econo-
Q§..úLtimos lfinte e. cioco anos dQ séculq)$VI f2ram ~~~~_ mias ibéricas, bem como a concorrência, também militar, de outras
~r seguidos abalos na econo,!!1iaportug~esa~~ alt~ões fun- nações européias que estavam "fora" da expansão marítima, aca-
damentais
..•. no curso- dos
_ neg6cios
n. - do reloo...A.crise
... abatia-se prin- baram por aproximar, decisivamente, os interesses de ambos os
cipalmente sobre o Império oriental e acarretaria a mudança do ei- lmpérios católicos.
xo geográfico da economia portuguesa em direção ao Atlântico. A A confluênciãdas economias ibéricas era, já em torno <10 úl-
situação dos neg6cios com as índias declinou pela concorrência timo quarto do século XVI, uma realidade. Em detrimento da anti-
dos mercadores venezianos - que junto com mercadores muçul- ga ligação entre Lisboa e Antuérpia, afirmava-se agora uma outra
. manos conseguiram abastecer a cidade mediterrânea do Cairo - e linha de comércio: Lisboa-Sevilha. O comércio interno na penín-
pelo restabelecimento das vias terrestres das especiarias em dire- sula se aquecia e a navegação portuguesa compartilhava a expan- \ f
ção à China e à Pérsia - o que redundou numa diminuição da '"':' são do império espanhol, no trato mercantil e nos embates com _Y--
oferta desses produtos em portos onde eram normalmente adqui- adversários comuns - franceses, ingleses e holandeses - que es- 7J \
ridos pelos portugueses acarretando, conseqüentemente, um au- tavam em segundo plano em relação às conquistas ultramarinas e
mento ainda maior de seus preços. Paralelamente a essa situação que, de agora em diante, procurariam sua parte no domlnio inter-
I, I, de estagnação e reveses nas índias, o .Brasil passava a adguirir nacional. Além disso, uma outra articulação econômica começava
uma importância cada vez maior para as finanças lusitanas, devido a surgir e revelava que os interesses comerciais não estavam res-
'ao sucesso de sua produção açucareira. O eixo báSICOda ~o- tritos a uma única bandeira: uma conexão que escoava a prata di-
miado Império português começava a estabelecer-se na articula- retamente para o Oriente pelo Paqifico, e que envolvia espanhóis
ção entre o Brasil, produtor de tabaco e de açúcar, e Angola, um de Acapulco (México) e Manila (Filipinas) e portugueses de Macau
dos principais pontos do apresamento de escravos, ainda que se (China). Isso prejudicava os negpcios dos portugueses envolvidos
mantivessem os negócios com o Oriente.
...---- com a rota do Cabo e com o entreposto de Goa e de espanhóis de
r;.,mmeados do século XVI, o Império de Filipe 11, sucessor de Sevilha, que se utilizavam da rota do.Atlântico central.
garfos V, recuara em suas possessões européias (já não estão sob
sua tutela a Alemanha, a Boêmia e a Áustria - em breve também
a Holanda se separariada monarquia espanhola), mas continuava
ainda ase favorecer do afluxo de metais american~:-- A APROXIMAÇÃO DIPLOMÁTICA
rta a garantir a supremacia internacional. Continuaria a ser um im-
pério que tinha seu eixo R~inçlQalnas téiTãSéüropéia~nEs--panfla, /.

Sieflia,Nái)oles, Milâõ-ê Holan~). O envóTviiTIãnto nas continuas A aproximação entre Portugal e Espanha intensificou-se com
gue;ás' dO'continenteeuropéu e os decorrentes gastos militares a montagem de seus impérios ultramarinos e apoiou-se naquele \ ;+-
da monarquia espanhola levariam as finanças reais à bancarrota conjunto de caracterfsticas sociais que vimos' no primeiro capitulo.
em 1557. - -, - __ ":-.~
Deveu-se sobretudo à necessidade de defesa de ambos os reinos

26 27

t
r-~ ~ J,,;fq .t ~)I I ,
!
que tiveram seus domínios no novo mundo legitimados pelo poder, seria esse o seu ..w:gumento leg~ara pleite_é!!"o tron<~portugiJ.9s

tI papal, e que se autoproclamavam os povos escolhidos por Deus


para a sagrada e escatolóqica missão de evangelização de todo o
planeta Vários tratados entre os reinos ibéricos foram elaborados
em 1580); D. João 11I casou-se com uma irmã de Carlos V e D.
João" casara seu filho, D. Afonso, com a filha dos reis de Castela
e Aragão, visando à incorporação da Coroa vizinha. A unificação
e sancionados pelo papado, garantindo-Ihes a partilha e a exclusi- da península Ibérica já fora tentada pelos espanhóis em 1383-85 e
vidade sobre as' terras de além-mar. Os demais Estados europeus, pelos portugueses em 1476, ocasião em que Afonso V foi derrota-
que não aceitavam essa exclusão da herança de Deus, realizaram • do na batalha de Toro.
freqüentes incursões nas possessões ibéricas, até mesmo se utili- IAs ações diDlomáticas acabararrLpOr....apIDl<imaros doi~. rei-
, zando da pirataria como forma de acesso às riquezas ultramarinas. nos, através dos sucessivos matrimônios, gue haveriam de culmi-
p. política de casamentos era então uma maneira de estreitar nar coro....a..u(llfi.Ç.QÇ.ã.o~d~_duas..mais..lmpO.Lt~t~ªç.9~S_ do s~culô '
os laços entre/reinos que eram .êliados "naturais", devid9 às amea- _,XY1."p.§l[alelamente à confluência política ocorria também ~ lrite-
çasaedütras ,- s Aliança que garantiria a mánutenção dos gração cultural, num período em que a. existência de diferentes
~ privil gios da partilha intemacional através da ação conjunta das costumes e valores não eram, necessariamente, empecilhos para
forças ibéricas. A d]?lomacia, e como parte integrante desta, o ca- o estabelecimento dos potentados absolutistas. Estes formavam-
samento, tornou-se uma das principais características da política se em função do controle de, territórios. As identidades regionais e
absolutista. Menos oneroso do que a guerra, o casamento visava a língua não delimitavam suas conquistas. A dispersão geográfica
também ao alargamenJo das possessões territoriais (e conseqüen- combinava-se com a dispersão cultural, fazendo desses impérios
temente, do prestígio senhorial) do Estado e do monarca. Sem dú- verdadeiros mosaicos étnicos. Carlos V, com suas diversas pos-
vida uma espécie de jogo político de contornos senhoriais, que es- sessões nas regiões centrais da Europa, representa o exemplo ca-
tava sujeito à imprevisibiJidade e ao acaso da sucessão hereditá- bal da lógica expansionlsta do Absolutismo. O nacionalismo. tal
ria. Na lapidar definição de Perry Anderson, era "um artefato su- como o concebemos hoje, era estranho à racionalidade do Antigo
premo do mecanismo feudal de expansão política". , ' Regime, ainda que possam ser ídentificadas manifestações de
Os diversos reinos cristãos localizados ao norte da ~'enínsula sentimentos separatistas e localistas, como é o caso do sebastia-
durante a conquista muçulmana, mantinham viva e idealizada a nismo português, do qual trataremos no capítulo 5. Uma identifica-
memória de uma Hispania (que era uma designação latina para ção bastante intensa entre seus valores espirituais favoreceu a
toda a região da península Ibérica) unificada, da qual seriam os Ie- formação do Império ibero-cristão. Apoiada na perspectiva missío-
gftimos herdeiros. Fosse a Hispania pagã dos romanos ou a cristã nária da propagação da fé e da doutrina, essa identificação tomou
do baixo império e do reino visigótico, o anseio permaneceria ma- vulto a partir dos ataques a que estivera submetida a Igreja de
I Roma com a Reforma Protestante. A península Ibérica tornou-se a
nifesto na intensa polltica de alianças e casamentos, que adentra-
I1I
ra a Idade Moderna. base da contra-ofensiva católica. '
r As ligações dinásticas entre Portugal e Espanha, ao longo do Além dessa comunhão religiosa, a cultura espanhola irradia-
'r-.'jSécUIO XVI" foram freqüentes e insistentes, resultando ,na união va-se por toda a Europa e também influenciava as elites portugue-
sob a dinastia dos Habsburqos, Vejamos uma pequena amostra- h("Uj
sas. Durante o século XVI os maiores nomes da cultura lusitana
gem dessa intrincada rede político-famiJiar: D. Manuel I, o Venturo- escreviam e falavam castelhano. Gil Vicente, o grande destaque
so, casou-se com três princesas espanholas; Carlos V, monarca de do teatro português, escreveu 1/4 de suas obras no idioma de Cer..;
Espanha, casou-se com a filha primogênita de D. Manuel (B!i,~JI vantes. Camões também teria escrito boa parte de seus versos,
seria o filho dessa última uoião,,,,ª-,émdisso tio ~_~. Sebastlão,e cartas e sonetos em língua castelhana. Havia também o intercâm-

28 29
bio de estudantes portuoueses que iam estudar nas universidades conjecturas mágicas de que estaria vivo e que re:tornaria para seu
da Espanha e mestres espanhóis que se ligavam às universidades reino.
portuguesas. Em çQntrapartida..a..essa.disposjÇ-ªº .•Qill.n9Ü~~ !::lite Com o desaparecimento de D. Sebastião, retomou ao trono o
cultural gortuguesa Qco.o:i.a-uma-ceFt'a-hustilidtrde:al'ttieastelhana cardeãí D. t:leorigue,.,Já cO~S'§lJta e seis anos e, dada a sua
nas classes. gQp,ylares. Um..fosso-cultural-qt:JêéõTn"cidia com o fos- condição de clérigQJ.§~1l1.fUhqs_ILé!Cas\Jcedê:Ip.J2~~dE~Õ se~ reto~.:
-
so. social, como afirmol,! G,odint:Jo.
•... ...,- n<11'eabnu-se a guestão dª sucessão do trono português. !=Dtre os
ály~rsQsgost.!!@~s destacavam-se: D. Antônio, Rriou!0_Crato,1i-
lfio ilegítimo de D. Luís, e portantõ,'neto de D. Manuel; filie~J~
também neto de D. Manuel; Ranuccio, futuro guque de"par
A DERROTA DE ALCÁCER-QUIBIR EA bisneto deDo MamiêT; eDo Catariõa,..duquesa de...BragânÇ.ª .•...
SUCESSÃO PORTUGUESA O cangidato m--ªi~Uorte_era Fillpe li, neta de D.~Manuel e rei •
d~.E.0dã.rQsa ~sl?aQ~. O rei espanhol despachou e~baixadores ~-:)J
enviados a~ãalr os po~uguese~, at~aves. d~ argu~~- ~
o elemento circunstancial que faria com que toda essa en- tâÇãoregãl e· financeira a aclamarem-no como mon~a. Diante ~ -,
greoª9"ãi:rLô&Lapj:5xió1ªÇ;ôês e come.ôSiiõ~s J~~~§ena_
n União dãs pressões_dou.andTdátos;:'õ ,cardéal=réi deg9,iu ~nvocar as :h.;;fo-
Ibérica foí.a.morte do rei 1?0rtuguês_em-Alcácer:.•Ouibír. Em 1568, CO~7.-9:80), .lncumbíndo-as de solucionarem a disputã, não
aos catorze anos de idáde~ nÓ. Sebastião assumira o trono portu- sem antes emitir a sua posição, que reconhecia a existênçict.ge
guês, que estivera sob'reçêncía (inicialmente de D. Catarina e de- apenãSdofs- pretendentes legítimos: a duquesa de Braqança e' o
pois de D. Henrique) desde 1557. Educado pelos jesuítas e envolto rei de Espanha. a quem considerava com mais direitos no pleito.
numa atmosfera cruzadista, o rei alimentava como meta funda- - O cardeal-rei nomeou uma junta governatiVãComposta de
mental a conquista da Marrocos, em mãos dos infiéis. Essa em- cinco membros, como uma saída provisória para o impasse de que
preitada, atribuída muitas vezes simplesmente a um capricho ou a se cercaram as discussões nas Cortes. Acabou morrendo em janeiro
uma aventura do monarca, estava em concordância com o am- de 1580.
biente missionário de que se cercara a monarquia portuguesa, Apesar de contar com grande aceitação QQQ.Ular,9_fxior do
combinando, antes de tudo, a perspectiva religiosa, de defesa e Crato não tinha com-ºi~er rrente.a Filipe II,-pos,suidotde umfuIle
expansão incondicional da fé "verdadeira", com os interesses se- exérc~ princIPalmente, de um enorme I~strq econômco, Q.ye
I
nhoriais, de conquista de terras e de estabelecimento de um vasto e~Q Império ESp'anhõl. Como vimos anteriormente, a interdepen-
domínio lusitano no norte da África. dência econômica entre ;;;Snações ipéricas e_,!s.semelhanç-ªs_de
lill:
I
Para sua "cruzada", D. Sebastião contraiu emprésti- ordem cultural fomêciam as condições históricas para uma união
mos junto a estrangeiros, tentou o apoio de Filipe " e afiou- também no nível político. Essas loram as principais armas com
- «.~. -' "----

se a dissidentes muçulmanos. Por fim, em 1578, o rei tinha d.§.HÍ.§E..ar!§.


que c~ll...f:"jHpe 1I.P'ªra..s_eJQrnpIJ.êi
à sua disposição um exército, segundo alguns estudiosos, bas- O país .encontrava-se m~ido •..Ao...taee.Ef0-mo-
tante frágil, no qual somavam-se aos portugueses mercená- narca espanhõl estavam os }l;velro, que constituíam uma das majQ-
rios alemães, espanhóis e italianos, além dos liderados por res casàs dal1õbreza-tasilana.:-L\~qs"a díÜlr9gãõ'Ça aêfil1ira-s;por
Mulay Muhammad, o ex-sultão. A derrota foi fragorosa. Milhares D. CatarliiaOs condeSêiiStribuíam seu apoio peJq,strês pretenden-
de nobres foram mortos ou aprisionados. O rei, que nenhum teso NCLalto clero a maioria teMia ao monarca espanhol, mas
dos poucos sobreviventes viu morrer, desapareceu, dando início às uma parcela considerável esposava' a causa da duquesa de

30 31

il
/
do clero lusitanos. Uma série de elementos conjunturais e estrutu-
BLaganç.? As ordens regulares se encontravam ainda mais dividi-
raís aproximou Ossetores dirigentes-portuguêsesda -mõn-arquia
das: com D. Catarina estavam os jesuítas (que depois adeririam à
espanholã, através das perspectivas d~ortalecimento do sistema
causa da unificação e que se tornariam importantes aliados da po-
financeiro do Estaqo, de aberturade novQ.s.J!1ercado~ELdofim das
lítica do Império ibero-cristão em todo o mundo) e parte da Ordem
barreiras alfandegárias.
de Cristo; com Filipe 11, membros desta última ordem e uma par-
Por seu. turno, os interesses da monarquia espanhola são até
cela dos dominicanos.
certo ponto bastante evidentes. Uma mentalidade nobiliárquica e
.•.• -Astropãs- espanholas entraram em Portugal, comandadas
feúdal orientava as ações doqrande reino. Uma mentalidade que
pelo duque de Alba, em junho de 1580, enquanto a esquadra' es-
sê obstinava por conquistas e espólios, dos quais as grandes ex-
panhola costeava as terras lusitanas. O prior do Crato proclamara-
tensões de terra eram o bem mais precioso, seguindo de perto ,a
se rei em Lisboa, Santarém, Setúbal e outros lugares. Derrotado
lógica política e econômica da sociedade de Antigo Regime e do
em Alcântara, D. Antônio acabaria por refugiar-se na França, e as
Absolutismo, que fazia do Estado, nas palavras de Perry Anderson,
forças castelhanas não levariam mais que dois meses, ao todo,
uma "máquina construída predominantemente para o campo de
para pacificarem o país. Filipe 11 entrou em Portugal em dezembro
batalha". Ainda de acordo com a visão do estudioso inglês, a no-
do ,mesmo ano, Rermanecendo.até 1583. Uma frase do-monarca
breza seria umã crasse que tinha na guerra "uma função intrínseca
de certo modo sintetiza a conquista de Portugal: "Eu o herdei, eu o
de sua posição econômica" de detentora de terras. A articulação
cornprel,.J!!)o "&QQquistei".-
das duas Coroas fornecia à Espanha um império de dimênsões
D. Antônio, contando com o auxflio de forças francesas e in-
jamais vistas na história, e conferia à sua_nobreza o prestígio des-
glesas (inclusive o famoso pirata-real Francis Drake), tentava con-
sas conquistas.
quistar o trono de Portugal. Nas ilhas dos Açores, onde a sua cau-
sa recebeu aceitação, a rendição às forças de Filipe (( só se daria
em 1583. As forças rebeldes do prior do Crato organizaram. então
diversos ataques a navios e tentativas de conquista de cidades
portuguesas, inclusive chegando a estabelecer um cerco a Lisboa
que durou várias semanas. Com sua morte, ocorrida em 1595, en-
cerrou-se a oposição armada ao monarca espanhol.
A incorporação da Coroa portuguesa ao"império Habsburgo
não ocorreu simplesmente em razão dos direitos sucessórios de
Filipe 11, ou devido à conquista militar, empreendida pelo monarca
espanhol, caracterizando uma usurpação que feriria uma pretensa
"identidade" nacional lusitana. T ampouco foi fruto da irresistível
cobiça -individual do monarca de Espanha, mas sim o resultado
político de práticas perfeitamente ajustadas às condições históri-
_ cas da sociedade de Antigo Regime e do Absolutismo Monárquico.
por outro lado, se não se pode explicar a unificação ibérica

..• ~-----
exclus~amente pelas nê'êeSsidades econÔmicas do reino portu-
-- '""
guês, é indiscutível que a carência _ctemetais na economia possi-
~

'Qiillo!:Ja Fifípe li áfrair a m~ior parte da burguesia, da nobreza e


~-_..........--.-.- -
33
32

3 Com a União Ibérica começa a ocorrer uma rotação geográfi-
o I M p É R I o D o s ca do Império espanhol: o Atlântico e os mares do Oriente come-
çam a sobrepujar o Mediterrâneo em termos de importância eco-
T R Ê S O C E A N O s nômica. O Mediterrâneo foi perdendo gradativamente o papel de
encruzilhada de diversas civilizações ao longo de tantos séculos, A
partir de então, o "mar aberto" habiJitaria um contato mais comple-
xo entre os diversos povos, onde seriam traficados escravos, espe-
ciarias, metais, produtos manufaturados, açúcar e outros gêneros
tropicais. Portugal já operara uma guinada semelhante: o Império
passava gradativamente do Oriente para o Atlântico meridional,
onde lançaria suas bases mais profundas. Mesmo assim a polltíca
externa de Filipe li, assentada em Madri, insistiria nos conflitàs ter-
restres e dirigia-se para a manutenção de sua hegemonia no con-
tinente europeu.

Pierre Vilar, um dos grandes historiadores contemporâneos,


definiu o ano de 1580-como o "verdadeiro ponto culminante da his-
tória peninsular". De fato, a essa altura, o Imp~rio de Filipe" pare- o
JURAMENTO DE TOMAR
cia concretizar todas aquelas aspirações messiânicas de uma mo- E A ORGANIZAÇÃO DO PODER IMPERIAL
narquia universal cristã, atriburdas anteriormente a seu pai, Carlos
V. º-l1!onarcéU!a União Ibérica d"e~Renhou-e-papel-de_"cam-
peão da contra-reforma", identificando os interesses da CQrQacom Filipe 11 se fez aclamar como rei 'de Portugal pelas Cortes,
-Qs::a~c1i.§tãõ.dade católica~ co';batendo prolestàn!es e muçulma- que convocara para a lõcálidade de Tomar, em 1581-83:As condi::
I)OS.Ainda centrada nõoonliriente europeu, mas agora eStendendo ções em que se efetivava a unificação ibérica, prescritas p~as
seus braços por toda a América, África e Ásia, a dominação espa- Cortes, garantiam ao reino português uma grande autonomia. O ju-
nhola parecia não ter fim. ramento de FiliPtl.QQDG..Sdia o me.smQ..Qu~~~Iy~ra e~ipYÚ7@pa-
Com a incorporação de Portugal'l seriam acrescentados um raãmonarquia cas!mbana,_ªj@vé.s de uma lei de 1499, de D. Ma-
milhão de novos súditos e uma frota oceânica quê somaria 100 mil n~el,_~Y-ªDd-º_e§t~~foraproclamado príncipe-déCãstei~Aãdníinis-
toneladas. Combinadas, as frotas portuguesas e espanholas eram tr.~_ão do -reino lusitélno ficava intejralJl.e~m Tãos de portug.l;Le--
muito maiores que a de qualquer outro país europeu. Seu exército, ses, ~RLOlbi~O ?os espanh9i§.. Sl}9 n2~a9~p~~j:§gQ.S_ge
sobretudo em razão da sua infantaria, era o mais ocoeroso e temi- 'aaffiimstração civil, eclesiástica ou judiciOOa. ~golltica externa
do do continente. Entre 1580 e 1600 a produção das minas mexi- PãSSãva a ser CQ..mum,o que representava u.mélyamagem na de-
fesa das possessões católicas. f\1antinhª-seJambérrLQ português
canas atingiu o seu clrmax, fazendo chegar a Sevilha cerca -de - - ~
2.700 toneladas de prata. Madri tornara-se um dos maiores centros ---
como Ifngua~oficial. A moeda,- as
pe.rmaneciam separadas.,
_ -
...~, receitas e as despesas
... públicas
europeus, para onde eram atraídos artistas, embaixadores e letra-
dos. O Império ibero-cristão ditava a polftica econômica mundial. Qs diversos oodid..Q.s-feitos-nas-CGr:teS-..de Tomar revelam
bem ds interesses dos_~etoces-dorninaot~ociedade Qortu~
34
t 35
guesa que levaram à aceitação do monarca espanhol. A burguesia "NÓ~ que somos tão bons como vós, juramos a vós que não
mercantil solicitava o fim dos impostos sobre as compras' e"··as· sois melhores que nós que vos aceitamos como nosso rei e sem-
vendas (sisas); a liberação das proibições de pesca e de caça em pre soberano, contanto que observeis todas as nossas liberdades e
determinadas regiões e em certos- períodos do ano; IibêrçLaqe de leis; se não, não."
comércio com as possessões do além-mar, inclusive as cas!elha-;. A obediência do imperador para com os costumes das pro-
nas. Junto com a fl>br~za, solicitava o pagamento dos resgates víncias aragonesas precedia a obediência desses domínios ao im-

--
dos cativos em Alcácer-Quibir. 5sta última, como de praxe, pedia
cargos, comendas e remunerações. Solicitavam também que o
monarca tomasse Lisboa como centro dos domfnios dos Habsbur-
perador. Chegou-se até a afirmar que os reis Habsburgos eram ab-
solutos em Castela e apenas monarcas constitucionais em Aragão.
f,.Qrtugal resguardava sua autonomia e seus costumes como
gos. Além de implicar uma melhor adaptação à nova disposição mais um dos elementos do Irnpério. Mais do que isso, o .arquidu-
g~gráfica do Império ibero-cristão, voltado para o Atlântico, essa que Alberto, nomeado governador em 1583 por Filipe 11, além de
proposta revela os -interesses da nobreza, acostumada à vida da seguir as normas estabelecidas em Tomar, empreendeu uma bem
corte. cuidada administração, visando sanear a justiça e organizar a de-
\ A incorporação de Portugal seguiu de perto a orientação bá- fesa e os negócios uLtramarinos.~on~absb_urgo_prQmoveu
sica que presidia a organização do Estado espanhol. Sob Filipe 11 u!!lfl ree§truturaç-ªo da l~gisléWªP de Portuqal, que ficou conh~.9-ida
os domfnios dos Habsburgos contavam, ao final do século XVI, como as'"OrdenaçÕ9s Filipinas")Toda a estrutura judiciária, tanto
com um sistema de conselhos e de vice-reis que garantia a auto- da metrópole como das colônias: , passou por uma reformulação
I' nomia de cada um dós membros do Império: além de Portugal, que visava dar rlJ,aior agilidade aQS processos e apelações, Tam-
havia os Conselhos de Aragão, da Itália, de Castela, de Flandres e bém foram afastados os julzes que haviam abusado-de suas prer-
das índias. A autonomia e o preenchimento dos cargos públicos rogativas ou estivessem envolvidos em atos ilícitos. Nas terras
I por indicação das aristocracias de cada possessão foram ca- brasileiras, foi criado o Tribunal da Relação da Bahia (que só c0-
ractedsticas que possibilitaram a manutenção desse imenso impé- meçaria a funcionar em 1609), instância que resolvia determinados
rio. Traziam, como contrapartida, obstáculos à centralização pollti- recursos na própria colônia. As novas medidas procuravam reequi-
ca, necessária para o enfrentamento de questões como o recolhi- librar a situação do tesouro, agravada com as despesas da desas-
mento de recursos e de tropas para as necessidades bélicas. As- trosa empreitada de 1578, o que facilitou a aceitação interna' do
sociada à instituição maior que era o Império, cada unidade tinha novo governo .. Filip~deu_bGa~J:)arte-Ela5 solicitaç,Ões..,ç\flS,eli-
sua própria legislaçãó, sua lingua, sua moeda e suas Cortes. tes portuguesas, pagou .pelo resgate_.dos prlsiçneircs ~ Alcácer-
.~ O grau de centralização polltica e administrativa variava des- Óuibir, concedeú títulos e privil{.>giQs,como uma estratégia qúe vi
t de a situação de menor autonomia, como era o caso da Coroa de sava obter partid~rios e diminuir o risco de socessãó portuguesa,
I
Castela, mais integrada e controlada pelo imperador, até as mais ~mas que síqnltlcava- também aumentar o poder crescente~d;;is-
! complexas, como a Coroa de Aragão, composta pelo principado da tQCfâcia e seu alargamento, em número, como gmpo social. ,.-
í Catalunha e pelos reinos de Aragão e Valência. Em cada uma A Inquisição portuguesa e o clero foram grandes benelici~i.os
dessas unidades estava estabelecido um sistema próprio de Cor- CQm a União Ibérica. O~ue Alberto ocupou também,.S.,Çar-
~ go de hlqui~idor=-moL(1_586-1596). Um outro clérigo, D.Pedre>, de
tes independentes, subordinadas à Coroa de Aragão e depois ao
Império de- Filipe 11. A autonomia e a defesa de suas leis locais es- Castilho, vice-rei de portugal em duas oportunidades (1605-1608 e
tavam, de forma contundente, explicitadas no juramento de fideli- 1612-1614), acumularia também o governo do reino e a vigilância
dade feito ao monarca: das almas. Dispondo de uma - imensa burocrâcia, o Tribunal do

36 37
Santo Offclo assumiu o papel de uma das principais forças gover- troca de ~de-de-atuação e de ci!culação nos domínios ibéri-
nadoras em terras portuguesas. O clero, em particular, num perlo- cos. Evidentemente esses acordos provoca'Vàm -manifestações
do de 78 anos, a contar a partir de 1562 (quando pela.prlrneíra vez contrárias dos inquisidores. Estabelecia-se uma luta aberta, em
teve o controle direto do trono, através da regência do-cardeal D. que as necessidades pragmáticas da Coroa redundavam numa
Henrique), até 1640 (ano da Restauração), governou durante 41 certa tolerância para com os comerciantes portugueses. O senti-
anos, como lembrou Oliveira Marques. mento antijudaico era, no entanto; uma das armas com que conta-
vam os inquisidores. Disseminado nas. camadas populares, que
afirmavam sua identidade cristã pela exclusividade de sua fé, e
estimulado ainda mais pela ação mquísltoríal, o anti-semitismo
FINANÇAS DO IMPÉRIO provocou sérios conflitos em diversas localidades portuguesas e
espanholas, constituindo-se num obstáculo às decisões dos
monarcas.
A grandiosidade imperial dissimulava a sua debilidade. A A crjse maior das finanças imperiais se faria sentir mais for-
dispersão geográfica dificultava as comunicações e a defesa. Os temente a partir do séCulo XVII, mas seus sintomas já aparecem
tesouros americanos permitiam a continuidade das lutas na Euro- no reinado de Fili~ 11. Quase imperceptíveis, esses sintomas se
pa contra as pretensões das nações rivais, o que levaria, gradati- tornariam ofuscantes quando a produção da prata americana c0-
vamente, ao enfraquecimento
.., do Império Habsburgo.l.teCoJ1omia meçasse a declinar e outras nações, com uma capacidade produti-
achava-se estrangulada, .ern termos gerais, pela tributação que va maior, estivessem prontas para relegar à península Ibérica o
isentava os setores nobiliárquicos. A tendência de longa duração papel de sócios menores de seus empreendimentos econômicos.
das altas dos preços trazia consigo, por um lado, a concentração Pioneiras na expansão ultramarina, unidas sob Filipe. 11, as monar-
de riquezas, e a miséria crescente por outro. A venda de cargos quias peninsulares partilhariam também um destino muito seme-
administrativos e tftulos de nobreza minava a capacidade fiscal lhante ao longo dos Seiscentos.
do Estado, cujas finanças apresentavam um constante déficit. Já
em 1575, ano da primeira bancarrota do reinado de Filipe 11, os
compromissos monetários da Coroa junto aos banqueiros eram es-
timados em 70 milhões de ducados aproximadamente. A guerra, A INVENCíVEL ARMADA
vital para a manutenção dos domfnios imperiais, dilapidava a eco- E A REVOLTA DOS PAíSES BAIXOS
nomia real. Se as riquezas americanas permitiam um ganho ex-
traordinário, que financiava as intervenções bélicas, paralisaram,
no entanto, a possibilidade de unificação fiscal do Império Habs- Mas se 1580 foi o momento máximo doJ.ortalecimento do
l
burgo. Um círculo vicioso cruel tornava-se a dinâmica das monar- poderio "ibérico, alemâõSS&iõseé~ôni~sproblemas fiscais, o
uias ibéricas, combinando opulência e ruína A expansão do Im- Im~Hab§1>urgo sofreria dois abalos militares nos anos que se

G pério Habsburgo, como apontou Perry Anderson, ultrapassou a sua seguiram: a derrota qa "Invencfvel Armada" e a .!!:volta dos Países
capacidade de integração e ajudou a deter o processo 8e centrali-
zação administrativa dentro da pr6pria Espanha.
Nos momentos de dificuldades financeiras apelava-se para
Baixos. As forças navais deFliTpe -11 haviam obtido, ainda antesda
i~ração de Portugal, uma importante vitória no Mediterrâneo
na batalha de Le,Q,é!~t9.detendo o avanço das forças turcas. Como
I *"
os "cristãos-novos" lusitanos, que socorriam com empréstimos, em já foi referido, a União Ibérica aumentou ainda mais ôPoderio das

38 39
I • !

/
forças do Império, possibilitando a Filipe" almejar também a ane- protestante. A r.eligião serviu como elemento de coesãodasdiver-
xação da Jngiateriá. Dispunham de uma frota muito superior' em sas classes, em oposição à política contra-reformista e imperial de
tamanho, mas extremamente lenta e pesada, adequada aos confli- . Filipe II,~num movimento que, apoiado pela França e Inglaterra,
tos do mar "fechado". O crescimento da marinha inglesa já come- acabou por conduzir a burguesia ao poder.
çava a perturbar os domínios ibéricos e os piratas Drake e As dezessete províncias, em 1579, após quase vinte anos de
Hawkins constituíam-se numa ameaça constante à navegação reveses de parte a parte, dividiram-se, então, em dois grandes blo-
atlântica. Além disso, a conquista da Inglaterra parecia um impor- cos: ao sul, as prov,íncias católicas, pacificadas pelas tropas cas-
tante passo para o domínio completo do norte da Europa e, em telhanas, a "União de Arrás"; ao norte, os çfomfnios protestantes,
especial, dos Países Baixos, foco de conflitos religiosos e separa- capitaneados pela Holanda A pacificação cat6lica custou a perse-
tistas, que eram auxiliados e alimentados por forças inglesas. Por guição e a expulsão de importantes grupos de artesãos e traba-
flrn, o fato de D. Antônio, o prior do Crato, ter recebido auxílio !hadores urbanos protestantes, que se dispersaram pelo Norte e
e refúgio da rainha Isabel também serviu de justificativa para a in- pelo ~este da_E~pa, em regiões de maior tolerância religiosa. A ~
tervençâo miiitar. '~O de Utrecht"J)como se chamou a aliança das provlncias do
Para essa conquista foi montada uma poderosa esquadra, Norte,~m6'ü,ém 1581, a deposição de Filipe 1/,constituindo a
que ficou conhecida como a "Invencível Armada". Composta por República das Provtnciss Unidas, contando com a adesão de parte
130 naus - sendo 12 portuguesas -, e 27 miihOmens, zarpou do a nQ.br:.e_za
que aderira ao calvinismo, inclusive do príncipe da ca-
porto de Belém em maio de 1588 em direção ao Canal da Man- sa de Oranqe, Guilherme de Nassau, Em 1596, pelo Tratado de
cha Não houve apenas urna batalha, mas Lima série de encontros Greemvich, a França, a Inglaterra e a Holanda estabeleceriam uma
favoráveis aos ingleses que, à distância, e com navios mais r~i- aliança que visava opor-se ao poderio filipino. As lutas s6 cessa-
dos e ágeis, evitavam um confronto direto, (ÇOmoo de Lepanto~ O riam em 1609, quando foi' estabelecida uma trégua de doze anos,
desastre foi total. A armada foi quase completamente destrüida;
Como conseqüência, estreitou-se ainda mais a cooperação naval .
entre ingleses e holandeses que, com forças bem menores, pude-
ram sustar o avanço de Filipe 11,além de representar um duro gol-
pe no prestígio do Império e nas suas pretensões expansionistas.
*
Jlra recomeçarem em 1621, agora como parte dos conflitos da
_~Guerrados Trinta Aº,O~ Repúbiica seria reconhecida pela Espa-
nha apenas com a F?azde Westfália, em 1648 ....•

Em Portugal, a derrota das forças ibéricas repercutiu desfavora-


velmente para o monarca, devido à perda de todas as embarca- A IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DOS PAíSES BAIXOS
ções lusitanas que haviam participado da empreitada.
As derrotas no Norte ainda iriam prolongar-se. Desde 1560
as atenções de Filipe /I voltavam-se para os Países Baixos. I)m.ê Na opinião do cardeal Granvelle, um dos principais colabora-
complexa combinação de conflitos religiosos, econômicos e políti- dores de Filipe 11,os Países Baixos eram "vinte vezes mais impor-
cos redundaria na "primeira revolução burguesa da história", na tantes que o reino de Portugal", apesar dos imensos domínios in-
opinião de diversos autores.. Uma revolta que a princípio parecia corporados com a União Ibérica. Em termos geopoliticos, a França,
restringir-se à resistência da nobreza local contra a centralização perigosa adversárla, deveria permanecer "cercada" pelas posses-
administrativa e fiscal do monarca espanhol, acabou por aglutinar sões dos Habsburgos. Mas a razão determinante para tamanha
o descontentamento da burquesia, dos artesãos e dos. trabalhado- consideração do cardeal era a integração da economia espanhola
res urbanos, através de um mesmo sentimento anticasteihano e, com a dos Paises Baixos. Havia um intenso comércio que envolvia

40 41
I
a produção castelhana de lã e grande parte do ouro americano,
enquanto eram importados para a Espanha têxteis, ferragens, ce-
reais e equipamentos navais. Amsterdã, ao norte, era, a partir da
segunda metade do século XVI, o principal centro do comércio in-
ternacional de cereais e de madeira, graças à supremacia que
exercia no Mar Báltico. Uma importante indústria naval pôde ali
estabelecer-se, o que seria fundamental para o seu desenvolvi-
mento econômico e que acabaria por produzir um novo tipo de
embarcação,· o fluyt, um navio bastante rápido que podia levar car-
gas pesadas com uma pequena tripulação.
Os seguidos anos de lutas acabariam por destruir a econo-
mia dos Países Baixos do Sul. Em meados do século XVI, Antuér-
pia era um brilhante centro internacional de finanças e do comér-
cio de produtos preciosos como as especiarias, os tecidos ingle-
ses, as sedas italianas e a prata e o cobre alemães. Nessas re-
giões as tropas de Filipe " e a ofensiva da Contra-Reforma obte-
riam êxito à custa da ruína dessas atividades. Ao final do século,
Flandres seria apenas/uma pálida imagem do outrora poderoso en-
treposto comercial. -
Os Países Baixos do Norte que tiveram, a princlpio, um de-
senvolvimento mais lento e menos brilhante, a partir da última dé-
cada dos Quinhentos, integraram, sistematicamente, seu comércio
externo com o setor manufatureiro, constituindo uma primeira e in-
clpiente experiência do capitalismo moderno. Efetuavam o acaba-
mento ou o aperfeiçoamento de matérias-primas importadas ou de
produtos parcialmente manufaturados. Faziam o corte e a embala- Fig. 3 - Rembrandt: "Os Negociantes de Tecidos ",
gem do tabaco, a tecelagem da seda, o refino do açúcar. Fundiam
o cobre para a fabricação de armas, e até mesmo o vinho, adquiri-
do junto à França, era misturado e revendido, a preços menores,
no mercado internacional. A ECONOMIA PORTUGÚESA
Com a proclamação dos princfpios de tolerância religiosa, re-
ceberam artífices, marinheiros, mercadores, financistas, membros
das profissões liberais das provfncias do Sul e judeus (muitos de- A União das Coroas não foi o ponto de partida para o acesso
les oriundos da península Ibérica), que com suas riquezas e sua dos portugueses aos mercados espanhóis mas, depois de 1580, a
experiência para os negócios aceleraram o seu crescimento eco- presença portuguesa na América espanhola se tornaria uma cons-
nômico. As Províncias Unidas preparavam-se para se tornar o tante. A participação dos comerciantes lusos se consolidou quando
grande centro econômico e financeiro do mundo da primeira meta- lnes foi concedida a prerrogativa do fornecimento de escravos afri-
de do século XVII. canos. Ironicamente, Godinho indagou se não deveríamos pensar

42 43
.1

L
lU ma anexação de Filipe 11e de seu império pelas classes domi- desenvolvimento da economia da região de São Paulo, assentada
nantes portuguesas. no apresamento de indígenas e na procura dos veios auríferos. Em
A partir de então, apresentaram-se novos empreendimentos Buenos Aires e na região do ~rata, estabelecera-se uma rota mer-
para a burguesia mercantil de Portugal. Houve uma migração in- cantil com os portos brasileiros, através da qual, eram traficados
tensa de cristãos-novos para Castela nos finais do século XVI e na escravos, tecidos, metais preciosos e manufaturados.
década de vinte da centúria seguinte, onde podiam se sentir me- Essa prosperidade brasileira não tardou a atrair os concorren-
nos perseguidos. Foi permitido o livre trânsito de mercadorias atra- tes de Filipe 11.Os ingleses saquearam Santos e S. Vicente em
vés dos portos secos - locais de passagem terrestre. entre os dois 1591. Em 1595 os holandeses atacaram o Recife e em 1599 a
reinos - e foram suprimidas as barreiras alfandegárias nas frontei- Bahia. A luta pela hegemonia intemacional perpassava todos os
ras além do tácito consentimento das navegações de portugueses continentes._O Império dos Habsburaos, envolvido simultaneamen-
nas possessões espanholas. tê em diversos conflitos. e combatido eOL~as frentes, ex-
Presentes na península e nos domfnios de alérn-mar, os por- ~tava suas fragilidades na virada do século. A partir de então,
tugueses dedicavam-se ao comércio de escravos e de açúcar, durante os governos dos chamãdõs "Áustrias Menores", as dificul-
concediam empréstimos ao Estado espanhol e conseguiam uma dades assumiriam proporções cada vez máTores;-até culminarem
posição proeminente nos negócios de todo o império. A tal ponto com a dispersão de muitos de seus domínios. -
que o português começava a ser identificado com o judeu. Antônio
José Saraiva apontou.que a forte presença dos comerciantes lusi-
tanos em terras espanholas foi, inclusive, um dos detonadores do
crescimento dos processos inquisitoriais a partir de 1620 nos seus
domínios.
No entanto, os empreendimentos portugueses, nos últimos
anos do século XVi, apresentavam uma tendência um pouco di-
versa daquela que havia possibilitado a união dinástica. Os neg6-
cios dos grandes comerciantes de Lisboa começaram a declinar,
ao mesmo tempo em que uma média burguesia se fortalecia. A
concorrência e a pirataria de holandeses, ingleses e franceses de-
terminou um recuo acentuado nas possessões e nas rotas maríti-
mas do Oriente. Por outro lado, aumentaram os lucros da produ-
-+ aqressões estrangeiras
ção de vinho e azeite de Setúbal e Aveiro. Os escravos de Angola
abasteciam as Américas e o Brasil, onde o fabrico do açúcar e a
"
plantação de fumo se consolidavam, impulsionando o crescimento Fig. 4 - Possessões do lmpérlo Ibérico em-1580 •
demográfico da colônia e da economia metropolitana - Fonte: Kinder, H. e Higelmann, w., op. cit, p. 258.

~- A União Ibérica favoreceu a expansão econômica da coloni-


zação portuguesa na América do Sul. O Brasil tornou-se refúgio de
judeus e cristãos-novos, devido a uma atuação menos organizada
• e sistemática do Tribunal do Santo Ofício. Na prática, a delimita-
ção de Tordesilhas foi ignorada, o que representou um estfmulo ao

44 45

1\
I.
por sucessivos e rentáveis negócios e conquistas durante o Antigo
Regime. Não eram apenas características pessoais, eram a ex-
t
4 pressão dos valores noblíiárqulcos da época.
o IMPERIO COMBALIDO Em linhas gerais, Filipe 11Ie Filipe IV mantiveram a política
imperial dos primeiros Áustrias. Os dois sucessores priorizaram,
em sua política externa, a manutenção da hegemonia continental
espanhola, o que é demonstrado pela importância dada aos territó-
rios do Norte e do centro da Europa. O~ério Habsburgo conti-
nuou a seL.QJ:~ial de prestígio e poder nesses reinados, CÇ>-
mo ~9fª-ªnt~rmente, apesar da rotação do eixo' da economia
mundial em direção ao Atlântico. A paz internacional, firmada nos
primeiros anos dos Seiscentos, resultante de um momentâneo
equilfbrio de forças entre as demais nações européias, fora já deli-
neada nos últimos anos do governo de Filipe li. Dando seqüência
às medidas de seu pai, o reinado de Filipe 111caracterizou-se por
uma pausa nas campanhas militares, conhecida como Pax Hispa-
Os problemas ecgnômicos e polfticos da Espanha, vividos ao nica. O envolvimento da Espanha na guerra dos Trinta Anos, a
longo do século XVII, são muitas vezes associados à decadência partir da década de vinte, representaria não s6 uma nova tentativa
moral de seus govemantes. Suas caracter;fsticas pessoais são de recuperar as províncias rebeldes do Norte, como também a revi-
talização de funções econômicas características da nobreza: a ati-
apontadas, por alguns autores, como um dos elementos funda-
I vidade guerreira. Os conflitos externos prolongados agravariam
mentais para o sucesso ou frãcasso do reino em determinadas
I épocas. De fato, as figuras estôícas e imperiais de Carlos V e Fili-
ainda mais uma tendência crônica da fazenda real, que já se mani-
festara várias vezes no século anterior.
\ pe 11contrastavam com a prodigalidade e o alheamento de seus
Além do problema fiscal e do prestígio do Império, os suces-
sucessores. Estes últimos são normalmente denominados, depre-
sores dos primeiros Áustrias receberam como herança um quadro
ciativamente, de "Áustrias Menores". Joseph Pérez, por exemplo,
de crescente pauperização da maioria da. população. O início do
ao iniciar um interessante capítulo sobre os monarcas do século
reinado de Filipe 111 foi marcado por uma grave epidemia, que teve
XVII, transcreve uma passagem de G. MaraFi6n que afirma: "Dos
conseqüências drásticas nos níveis demográficos castelhanos, e
cinco Áustrias, Carlos V inspira entusiasmo: Filipe li, respeito; Fili-
que está ligada diretamente à fome e à desnutrição das camadas
pe lII,indiferença; Filipe IV, simpatia; e Carfos li, lástima". A perso-
populares. Miséria e opulência, como já foi afirmado, eram caracte-
nalidade de cada um dos referidos reis está muito longe de ter si-
rísticas das sociedades ibéricas' do Antigo Regime, presentes nos
do decisiva para a hlstérta ibérica ou para qualquer outro reino
reinados vitoriosos de Carros V e Filipe li, mas que teria matizes
coetâneo. Se um ou outro contribuiu para aumentar o déficit das
finanças reais, ao cercar-se de aristocratas num clima de suntuosi- brutais nos de seus sucessores.
Se o século XVII foi, por um lado, um "século de ferro" para a
dade e desperdícío, apenas estimulou uma tendência, já presente
economia espanhola, paradoxalmente presenciou um desenvolvi-
desde os reinados tidos como "respeitosos", quando a expansão
dos domínios dos Habsburgos iniciara-se. Além disso, os gastos e mento artístico e cultural que lhe valeu o epíteto de "século de ou-
II
ro" pelo seu esplendor. Até mesmo nessa antítese, independente-
o luxo excessivo eram, então, uma marca dos grupos enriquecidos

47

J
46
mente do estilo e das visôes de mundo que esses artistas exprimi-
ram, foi um século barroco. manter a aparência de uma certa tranqüilidade, já que, logo no ini-
cio do novo reinado, dos 9 milhões de ducados que ingressaram
na fazenda real, quase a metade estava comprometida com o pa-
gamento de juros da dívida pública Nesses primeiros anos, gran-
des banqueiros e mercadores de Sevilha e de Madri faliram em ra-
OS "ÁUSTRIAS MENORES"
zão da situação econômica geral. Uma tendência de contração
começava a se evidenciar nessa conjuntura
Para enfrentar os problemas financeiros da Coroa, foram ten-
A partir do reinado de Filipe IJI começou a ocorrer a diminui-
tadas, de inicio, duas estratégias: a venda de indultos aos judeus
ção da participação pessoal dos reis nos assuntos de Estado. Se
portugueses, pelos quais suas culpas religiosas eram "aliviadas", e
Filipe 1/e Carlos V tratavam diretamente as questões de govemo,
,o aumento da cunhagem de uma moeda que era uma mistura de
no per,rodo posterior esta função estava entregue às mãos de vali-
prata e cobre, o vellón. Essa moeda, apenas para o uso interno na
dos, nobres que à semelhança de primeiros-ministros, desempe-
nhavam na prática as obrigações governamentais. Espanha, visava manter o preço da prata mais alto, enquanto esta
última seria destinada ao pagamento das dividas bancárias e aos
Coroado com apenas vinte anos de idade, Filipe 11Iteve co-
negócios internacionais. Contudo, em 1607 ocorreu uma nova
mo valido o duque de Lerma até 1618, que transmitiria essa fun-
quebra da fazenda real que, sobrecarregada pelos gastos da corte,
ção a seu filho, o duque de Uceda. A alta nobreza, apesar de be-
era incapaz de arcar com as despesas gerais do Império,
neficiada pela polftica econômica, esteve afastada do centro de
O novo reinado havia se iniciado sob a égide da peste de
decisões e da ingerência direta no governo de Filipe 1/.A ela, habi-.
1598-1600. O despovoamento, causado pelas epidemias, cercou a
tualmente, eram confiadas apenas as missões diplomáticas e as
região castelhana, provocando uma desorganização geral das suas
intervenções militares. Com o novo monarca, no entanto, pUderam
atividades produtivas. Os campos de cultivo foram abandonados,
assumir as atividades de mando e os principais cargos burocráti-
cos do Estado. ocorrendo uma grande migração para as cidades. A população
. buscava a proteção de grandes senhores ou de conventos e mos-
A Pax Hispanica não garantiu o controle sobre o déficit da
teiros, engrossando as hordas de mendigos e desvalidos. As or-
ecgnomia real: a interrupção dos conflitos trouxe consigo o dis-
dens eclesiásticas receberam um grando número de novos inte-
pendioso aparato de uma corte suntuosa, ampliada em relação ao
grantes, fugidos da fome e da miséria, reforçando ainda mais a
número de seus integrantes. Somente os gastos pessoais de Filipe
tendência às atividades não-produtivas e à queda demográfica. A
111representavam mais de 10% da arrecadação do reino de Caste-
entrada nessas ordens não requeria muito: apenas algumas no-
Ia. A despesa da corte era extremamente elevada, pois tinha de
ções de latim e da doutrina, sendo uma alternativa relativamente
arcar com os salários e soldos dos palacianos, carruagens para os
acessível para escapar da miséria.
nobres, provisões e guardas. Além disso, a alta nobreza era agra-
Para reforçar ainda mais esse despovoamento, em 1609 foi
ciada com todo o tipo de subvenções, soldos, dotes e ofícios. Os
decretada a expulsão dos mariscos - mouros forçadamente con-
altos custos dos Conselhos e Chancelarias, bem como da manu-
vertidos ao cristianismo mas que continuavam a manter suas raí-
tenção das armadas e das guarnições, também pesavam negati-
vamente sobre as finanças pllblicas. zes culturais - de todo o território peninsular. Os mouriscos repre-
sentavam um problema que se arrastara durante todo o século an-
Se o afluxo de prata ainda mantinha seus nfveis elevados
terior. Formavam uma espécie de proletariado rural, dispersos pe-
nos primeiros vinte anos do século XVII, isso servia apenas para
las regiões de Castela, Valência, Aragão, Catalunha e principal-

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49
h
\

mente Granada, constituindo uma mão-de-obra fundamental para


as mais diversas atividades. luxo, para uma minoria que conseguira conservar seu poder
Pesava sobre eles o fato de continuarem a manter o culto aquisitivo.
islâmico, o que alimentava as pressões dos grupos eclesiásticos. Ainda assim, a atividade pastoril castelhana conseguia man-
Havia também o temor de que os mouriscos pudessem aliar-se ter-se. Em outras regiões houve até a introdução de novos cultivos,
aos exércitos turcos no caso de uma invasão islâmica. Em 1580 como o milho e a batata, que permitiam uma relativa estabilidade
foi anunciada na cidade de Sevilha uma conspiração entre essas no abastecimento. Não se tratava de um declínio uniforme em to-
populações e tropas muçulmanas do Marrocos. Em 1608 foi a vez das as regiões, mas um desequilJbrio econômico, sobretudo em
dos mouriscos valencianos serem acusados de estarem envolvidos Castela, que arcara com os conflitos do século anterior e que sus-
numa trama semelhante. tentara em grande parte as despesas do Estado.
Em 1609, no mesmo dia em que se estabelecia R trégua de Como contrapartida, os negócios do ultramar lhe estavam di-
doze anos com as Províncias Unidas, iniciou-se a expulsão de' retamente subordinados e Sevilha tinha sido a grande receptora da
quase 300 mil mouriscos dos territórios espanhóis, apesar das prata americana. A América tinha sido um negócio de Castela. En-
queixas dos senhores valencianos e aragoneses. O reino de Ara- tretanto, as relações comerciais entre a América e a Espanha so-
gão perdeu cerca de 15% de sua população. Valência algo em tor- freram algumas mudanças a partir do início do século XVII. As co-
no de 25%. Os sistemas de irrigação, mantidos por essas comuni- lônias começaram a tomar-se auto-suficientes com relação a pro-
dades, sofreram uma forte deterioração. Os grandes senhores ob- dutos que eram normalmente importados da metrópole: cereais,
tiveram como contrapartida pela expulsão dos mouriscos o perdão vinho, azeite e tecidos grosseiros. O comércio intercolonial e o
de suas dfvidas. A expulsão desse contingente de trabalhadores contrabando constituíam uma forte concorrência e acabariam por
limitou, ainda mais, a capacidade de crescimento dos setores pro- diminuir os lucros do comércio ultramarino espanhol. Uma aristo-
dutivos da sociedade espanhola. cracia colonial enriquecida, vinculada principalmente à agroindús-
Em suma, a ocorrência de várias epidemias (1616, 1630-31), tria, tomava-se consumidora de produtos manufaturados, sendo
a fome e a expulsão dos mouriscos resultaram num grave declínio atendida por contrabandistas das mais variadas nações. A cons-
populacional. Uma queda de 10% só nos anos do reinado de Filipe trução naval e a participação da navegação americana prospera-
11I.A ausência de mão-de-obra foi, como afirmou Pierre Vilar, a vam, retendo boa parte dos lucros em reinvestimentos locais, em
sentença de morte da economia castelhana. O trigo andaluz subira vez de transferi-Ios para a península.
quase cinco vezes entre 1595 e 1598; o castelhano duplicara seu
preço nesse mesmo perfodo. De 1599 a 1601, "a fome que subia
da Andaluzia" se entrelaçava com "a peste que descia de Caste-
Ia", como salientou o mesmo autor. A desorganização da produção o REINADO DE FILIPE IV
deu-se em diversos níveis, Campos de cultivo foram abandonados. E AS REFORMAS DE OLIVARES
A produção de cereais apresentava uma tendência de decllnio en-
tre 1590 até 1620. O artesanato e a indústria re-
traíram-se e a fabricação de panos de lã, em queda, transfe- Filipe IV foi aclamado rei em 1621. Contava com dezesseis
riu-se para as regiões rurais, voltando-se basicamente para o auto- anos e teria como valido o conde-duque de Olivares. A situação da
consumo ou para os mercados contíguos. Em Casteta-as indús- fazenda real tornava-se cada vez mais crítica, tanto pelo esgota-
trias que restaram converteram-se em produtoras de artigos de mento econômico da região de Castela, a principal base de sus-
tentação do fisco do Império, como pela crise da produção da pra-
50
i1 51
/

não renovar a trégua com os rebeldes. Procurava-se resgatar a


ta americana, que se ressentiu da diminuição das populações indí-
imagem hegemônica do lmpério, que entendiam ter sido ofuscada
genas -- um verdadeiro extermínio, provocado pela submissão aos
no reinado anterior.
trabalhos forçados e pelas epidemias. A queda drástica do afluxo
Contudo, as condições econômicas internas não favoreciam
metálico está relacionada à ocorrência de uma nova bancarrota
a retomada dos conflitos. A escassez dos metais intensificou, em
em 1627, pois, a partir desse momento, o déficit público superaria
contrapartida, a cunhagem do vellón, composto cada vez com me-
a capacidade de amortização da prata americana, além de não
nos prata até transformar-se em cobre puro. A existência de dois
mais possibilitar o financiamento das campanhas militares.
sistemas monetános, a prata para os banqueiros e grandes mer-
Olivares tentou estabelecer, ao longo de seu govemo (até cadores, e o vellón para os negócios internos, aumentava ainda
1643), uma política de reformas na estrutura do Estado espanhol. mais o fosso social entre os grupos privilegiados e o restante da
Foram criadas as Juntas Transitórias, que visavam dar maior agili- população. O poder aquisitivo desta maioria era determinado pelo
dade no trato de diversas questões específicas, havendo um gran- depreciado valor do vellón. Havia dois preços para os diversos
de número delas encarregadas dos problemas fiscais. Através de produtos: um relativamente estável e com tendência deflacionária
seus Capítulos de Reformación procurou sanear a ruína da agricul- para quem comprasse com a prata, e outro, vulnerável às oscila-
tura, diminuir o luxo excessivo e a hipertrofia da corte, pôr fim às ções conjunturais, com tendências à elevação, para aqueles que
provas de limpeza de sangue e redistribuir os gastos das finanças dispunham apenas do vellón, a "má moeda".
reais. O conde-duque tentou minimizar a influência da alta nobreza A prata tornou-se o lastro, a referência monetária dos neg6-
nos assuntos da Coroa; chegando mesmo a instituir impostos que cios que se realizavam pela moeda inferior. Conseqüentemente,
pressupunham uma certa eqüidade fiscal, pois recaíam sobre os quem possuía a prata tendia a entesourá-Ia e imobilizá-Ia. Esta era
nobres e sobre as grandes fortunas de eclesiásticos e particulares. uma atitude compartilhada tanto pelos grandes comerciantes e
No entanto, o déficit crônico das finanças impelia às vendas de pela Igreja, como também pelos setores mais pobres, que procura-
cargos, títulos e propriedades senhoriais, o que acabava por forta- vam manter, como patrimônio, um objeto qualquer feito de prata,
lecer ainda mais os grupos nobiliárquicos e as elites enriquecidas. como um candelabro ou uma simples bandeja.
A compra de cargos transformava-se cada vez mais num ex- O problema das finanças reais residia, essencialmente, no fa-
celente investimento. Muitos viriam a adquiri-Ios para depois ar- to de não haver uma distribuição equânime das despesas impe-
rendá-Ios a terceiros, ampliando a burocracia do aparelho estatal. riais entre as suas diversas unidades. As guerras eram sustenta-
O Estado transformava-se num grande balcão de negócios: eram das basicamente pelos recursos do reino castelhano. Portugal não
vendidos perdões para delitos (inclusive homicídios); permissões fornecia rendimentos a Madri, cuidando somente de suas colônias.
para a emancipação de aldeias de suas vilas originárias; e até Suas embarcações, diminuídas após o desastre da invencível Ar-
mesmo o direito de representação e voto nas Cortes, pelos quais mada, mal conseguiam defender as possessões do Atlântico e do
tinham de ser desembolsadas enormes somas. Oriente, sendo freqüentemente auxiliadas por frotas espanholas.
Flandres arcara com o peso dos conflitos separatistas e sua eco-
A década de 20 marcou uma alteração na política extema do
nomia encontrava-se decaída. As possessões da Itália fomeciam
Império. A trégua com as Províncias Unidas tinha expirado e havia ~.
tropas, mas não colaboravam com recursos. A contribuição máxi-
descontentamento entre alguns dos antigos colaboradores de Fili-
ma dos reinos de Navarra, Aragão e Valência foram alguns peque-
pe iI com o pacifismo de Filipe 111
e do duque de Lerrna. O Conse-
nos empréstimos nos momentos de emergência. A resistência
lho de Estado, pressionado pelo Conselho de Portugal, em razão
maior concentrava-se na região da Catalunha que, além de não
do assédio dos holandeses às possessões lusitanas, decidiu

53
52 j/\
I

'----
contribuir com rendimentos, não permitia nem o movimento de
tropas para fora das suas fronteiras. Nem ao menos havia, por ou- tóes poifticas locais e fronteiriças. Alguns principatJos alemães pro-
tro lado, uma atuação articulada das forças navais. As frotas de testantes, membros do Império Germânico, da dinastia ausnlaca
Espanha e Itália cobriam a defesa do Mediterrâneo. A Europa Oci- dos Habsburgos, reuniram-se em 1608 sob a União Evangélica,
dental ficava sob a guarda da Armada do Atlântico. como forma de garantir sua autonomia pollnca e o culto da religião
Em 1624 Olivares, na tentativa de alterar essa situação, pro- protestante. Em contrapartida, as províncias católicas do Império
curou dividir o peso da política imperial entre as várias Coroas da unirarn-se em tomo da Santa Liga, chefiada por Maximiliano da
dinastia Propôs a equiparação dos encargos fiscais e a adoção de Baviera, mantendo estreitas relações com os govemantes de Ma-
leis unitánas, semelhantes às de Castela, em troca do acesso re- dri. A Guerra dos Trinta Anos foi na verdade um conjunto de guer-
gular aos altos postos do aparelho burocrático do Estado. Em 1626 ras, sucessivas ou simultâneas, que envolveram a maior parte dos
foi proposta a União das Armas, estabelecem.lo a formação de um países europeus.
exército único, que deveria ser recrutado e custeado por todos os O estopim do conflito generalizado foi a questão das liberda-
reinos. Os obstáculos a essas tentativas de centralização do Esta- des religiosas, na região da Boêmia, que levou a uma revolta de
do residiam na autonomia e particularismos jurídicos e políticos de nobres protestantes que proclamaram como rei, em 1619, Frederi-
cada província. A oposição das Cortes da: Catalunha e o desenro- co V, sobrinho de Maur.ício de Nassau e chefe da União Evangéli-
lar da guerra dos Trinta Anos acabariam por redundar numa revolta ca. Os exércitos católicos de Maximiliano, atendendo ao imperador
separatista nessa região. O descontentamento com os monarcas alemão Femando li, auxiliados pelas tropas espanholas acantona-
espanhóis tomava corpd em Portugal. A centralização pretendida das nos Países Baixos e por regimentos vindos da Polônia, derro-
por Olivares, vital para o fortalecimento do Império, explicitaria os taram os rebeldes em novembro de 1620. Frederico fugiu para a
limites e as fragilidades do poderio espanhol. Holanda. A perseguição aos protestantes foi irripíacável. Maximi-
Iiano recebeu, pela sua intervenção militar, o norte da Áustria e o
Palatinado, região central da Alemanha que permitia o acesso aos
Países Baixos espanhóis, à França e ao Norte da Itália. Acrescen-
A GUERRA DOS TRINTA ANOS tadas essas possessões à Baviera, o chefe da Santa Liga possuía
agora o centro geopoUtico da Europa e dos conflitos que se
iniciavam.
A paz européia dos primeiros vinte anos dos Seiscentos não Com o fim da trégua entre Espanha e as Provínclas
havia resolvido as questões religiosas e políticas que haviam pro- Unidas em 1621, essa região central tomava-se ainda mais impor-
vocado os conflitos do século anterior. A soberania das Provfncias tante para as intenções espanholas. Se, por um lado, a guerra con-
Unidas era ainda uma questão em aberto para os espanhóis, inte- tra a Holanda representava o desejo de recuperar as antigas pos-
ressados em recuperar seus antigos domínios. A França permane- sessões, da parte holandesa o conflito adquiria novo matiz. Não
cia dividida entre a doutrina do Concílio de Trento e a religião de era mais a luta de uma burguesia em defesa de sua autonomia
lutero e Calvino. Essas mesmas divisões não eram menores nas polftica e de liberdades religiosas, mas sim de uma burguesia for-
'lI
regiões centrais do continente: Potônia, Suécia, Alemanha, Dina- talecida, com interesses nas colônias e nos mercados ibéricos.
marca. Com exceção das possessões dos Habsburgos espanhóis Até o início da década de 30 a vitória parecia sorrir às tropas
e das regiões italianas, as tensões entre católicos e protestantes da Contra-Reforma Wallenstein, o principal general de Feman-
ameaçavam desencadear guerras civis, combinanda-se às ques- do 11, conseguira derrotar os dinamarqueses (auxiliados pela Ingla-
terra e Holanda) no Norte da Alemanha. O comandante espanhol
54
55
Espínola avançara vitoriosamente sobre o território das Províncias no enfraquecimento dos Habsburgos da Áustria e de Madri. Am-
Unidas. Os holandeses eram batidos nos confrontos terrestres, pliara seu território, anexando as regiões de Alsácia e Lorena. Em
mas venciam a Espanha nos combates navais. breve, viria a assumir uma posição hegemônica no continente. A
A França, que até então apenas financiara as tropas suecas corte de Luís XIV substituiria, em esplendor, a corte dos Filipes.
contra os católicos, entrou efetivamente na guerra em maio de Dois reinos protestantes, a Holanda e a Inglaterra, ascendiam no
1635, atacando as regiões fronteiriças alemãs e, em 1638, blo- domínio dos mares. A soberania das Províncias Unidas era reco-
queava novamente o caminho das tropas espanholas entre o Norte nhecida pela Espanha e os holandeses mantinham sob seus do-
da Itália e as Províncias Unidas. A esta altura praticamente todas mínios diversas possessões dos países ibéricos. O seu poderio
as potências da Europa participavam do conflito. econômico combinava-se com uma extraordinária riqueza cultural,
A guerra prolongada foi minando as forças da Espanha. A da qual participaram, por exemplo, Rembrandt e Espinosa. A Ingla-
Catalunha, que se recusara a fornecer soldados para o exército, terra, distante dos conflitos continentais, passava pela revolução
passou a ser uma região estratégica, pela ligação com o território de Cromwell (apesar de não ter sido liderada apenas pela burgue-
francês através dos Pirineus. Em 1638, tropas francesas avança- sia, lançou as bases definitivas para o surgimento do capitalismo),
ram sobre alqurnas localidades catalãs. O exército espanhol, com- que acabaria por limitar os poderes do Absolutismo e que impul-
posto de mercenários e de soldados originários de outras regiões sionaria ainda mais o seu desenvolvimento econômico. A Suécia
do Império retomou os territórios e ocupou o reino. Ocorreram sa- consolidava seu poder no mar Báltico, além de somar às suas
ques e distúrbios. Os catalâes reagiram à presença das tropas im- possessões territórios germânicos do centro da Europa.
periais e revoltaram-se contra Madri. O vice-rei, partidário de Filipe A essa nova disposição política continental corresponde um
IV, foi assassinado em julho de 1640. As últimas forças da penín- novo ordenamento ideológico. As tensões religiosas não redunda-
sula foram deslocadas para sufocar a rebelião separatista. Estava riam mais em confrontos internacionais generalizados. A Contra-
aberta a guarda para a rebelião portuguesa, que se iniciaria em Reforma e as várias ramificações do protestantismo, pertencentes
dezembro. Um ano depois, o reino da Catalunha jurava fidelidade à chamada "Internacional Calvinista", perderiam sua capacidade
ao rei da França. O conde-duque de Olivares, derrotado, foi desti- aglutinadora, desgastadas pela guerra e pela emergência de novas
tuído de suas funções em 1643. O Império católico sofria os reve- perspectivas de convlvio social. A idéia de Império Cristão foi sen-
ses externos da Guerra dos Trinta Anos e padecia das dificuidades do substituída pela noção unificadora, mais ampla, de uma Civili-
decorrentes de sua grandeza. Sua poderosa infantaria era derrota- zação Européia. A religião foi tornando-se cada vez mais "nacio-
da pelos franceses. Estouraram revoltas populares em Nápoles, nal", como apontou Trevor-Raper, contrapondo-se ao internaciona-
Pai ermo, SiGÍlia e Castela. Após vários anos de negociações, e di- lismo que presidira o século XVI e que dera início à Guerra dos
versos levantes de camponeses, que reagiam contra a miséria em Trinta Anos, a última grande guerra de religião da modernidade.
inúmeras regiões do continente, a paz é firmada em 1648 pelo
Tratado da WesUália.
A paz não significou o fim completo dos conflitos europeus,
mas marcou um novo equilíbrio de forças. A França surgia como o ESPLENDOR DA CULTURA ESPANHOLA
uma das grandes potências intemacionais. Vencera nos campos
de batalha e, principalmente, na arte da diplomacia, costurando ao
longo dos anos de lutas uma sucessiva polltica de alianças e tra- O "decllnio" da Espanha foi a ternatica privilegiada de uma
tados, com protestantes e católicos, que acabaram por redundar incipiente literatura de natureza econômica, desenvolvida no

56 .( 57
século XVII, denominada arbitrismo. Essas análises buscavam as dalgo repousava na sua incapacidade de lidar com o mundo. Um
razões da "decadência" do reino espanhol e procuravam apresen- mundo que Cervantes vai descrevendo em seus pormenores, nu-
tar as soluções para os problemas econômicos da época. Em suas ma sátira que oferece um panorama de diversos problemas da so-
perspectivas combinavam, de um lado, elementos de ordem reli- ciedade espanhola. Segundo Pierre Vilar, Cervantes possuía uma
giosa e moralizadora, e de outro, problemas de cunho eminente-
mente laico. Uma verdadeira diluição do sagrado no profano, como
observou Jacques Le Goff.
Esses arbitristas produziram um conjunto de ponderações
sobre os mais variados aspectos da economia espanhola. Francis-
co de Alarcón, por exemplo, questionou os aumentos de preços de
uma maneira significativa: "Que tem a ver para que cessem as he-
resias que nós paguemos tributos sobre a farinha? Porventura se-
rão França, Flandres e Inglaterra tanto melhores quanto Espanha
for mais pobre?". Para uma grande parte da população, a Espanha
era "as índias do estrangeiro", porque permitia o enriquecimento
das' outras nações, ao mesmo tempo que empobrecia. Lope de
Vega afirmaria que a E2spanha só tinha sido verdadeiramente um
reino vigoroso "quando esta Monarquia terminava em seus mares
e nos Pirineus". Um embaixador veneziano reproduziu uma das
opiniões correntes na época: "acerca desse metal precioso que
das índias vem para Espanha, dizem os espanhóis e não sem ra-
zão que ele é em Espanha como a chuva nos telhados - escorre
por ela e corre para fora".
Outros testemunhos, igualmente importantes, que também
mantinham a premissa da "decadência" espanhola, podem ser en-
contrados nas obras üterárlas. A crise econômica do século. XVII
não implicou um obscurecimento das artes e da cultura. Pelo Con-
trário, a Espanha viveu um "século de ouro", com Cervantes, Que-
11,(
vedo, Gracián, Lope de Vega, Velásquez, Góngora, ao mesmo
tempo em que a economia passava por seguidos abalos. O inte-
ressante é que boa parte dessa literatura descrevia e retratava as
condições sociais do reino. Para se ter um exemplo, Cervantes, no
célebre D. Quixote de La Mancha, ironizou não só o modo de viver
de seus contemporâneos, seus valores feudais, os ideais de cru-
zada e de cavalaria, mas principalmente a insistência dos espa-
Fig. 5 - Muri/lo:
nhóis em manter esses ideais que eram incompatíveis com as "Os comedores
transformações que iam ocorrendo na realidade. A "loucura" do hi- de frutas"

58 59
interpretação da "decadência" da Espanha, expressa em D. Ouixo- apenas apontar para a diversidade do reino, como também inserir
te, obra que fora elaborada nos primeiros quinze anos do século os problemas específicos espanhóis nesse panorama mais amplo,
XVII, período em que as dificuldades da monarquia já eram, de conhecido como a crise geral do século XVII.
certo modo, perceptíveis.
Nas mais diversas expressões artísticas estavam contidos os
problemas e as aspirações dos mais variados grupos da socieda-
de. O jesuíta Baltasar Gracián, no seu EI Criticón, apresentou um ASPECTOS DA "CRISE GERAL"
missionarismo melancólico, através da história de um nobre espa- DA ECONOMIA EUROPÉIA
nhol, vítima de um naufrágio, que se defrontara com selvagens
numa ilha, a quem transmitia seus conhecimentos e sua cultura
Velásquez ressaltava as virtudes do poder e do mundo cavalhei- As dificuldades econômicas desse século, para todo o .con-
fQ. sco, ao reproduzir diversas vezes, pelos seus pincéis, as poses junto do continente, têm sido objeto de uma acirrada polêmica, du-
lt;J Itivas de FiIipe IV, do conde-duque de Olivares e de outros mem- rante quase trinta anos. Por um lado, alguns historiadores de inspi-
=> ros das cortes européias. Murillo, por sua vez, retratou em suas ração marxista, como Eric Hobsbawm, acreditam ter ocorrido uma
.•••••.telas a pobreza e a fome de crianças mendigas - uma paisagem "crise geral", produzida pelas contradições intemas da economia,

3.:r bastante comum para seus contemporâneos. A literatura picares-


ca, de caráter mais "popular", apresentava o mundo da miséria, do
1L. banditismo, do parasitismo e da vagabundagem, elementos carao-
de caráter ainda acentuadamente feudal. Países como Holanda
e Inglaterra teriam sido mais favorecidos nesse contexto geral,
pois neles as mudanças qualitativas, no sentido da transição para
ta. terísticos do cotidiano da maioria da população. O que estava o capitalismo, apresentavam um ritmo mais intenso. Os problemas
.•.•••. sendo criticado de forma satlrica pela literatura era uma concepção econômicos do século seriam a expressão da "crise permanente
~ de mundo nobiliárquica, arraigada em toda a sociedade. O Império do Antigo Regime", que só iria deter-se com o desaparecimento
tO formara-se, expressara-se e padecia sob esses valores. dessas sociedades a partir do século XVIII.
A Espanha perdeu, no século XVII, a hegemonia internacio- Num outro extremo, autores como Trevor-Roper e Carlo Ci-
nal que exercera nos tempos de Carlos Vede Filipe li. Por razões polia, por caminhos diversos, acabam por discordar da existência
internas de seu Império, mas também pela ação e desenvolvimen- de uma "crise geral" na economia. Para o primeiro existiram uma
to de outros países europeus, num contexto maior da transição das série de revoluções em meados do século, que apresentam carac-
relações feudais para o capitalismo. O problema apresenta-se en- ter.fsticas comuns, e que "quase parecem uma revolução geral".
tão de uma maneira muito mais complexa, que a denominação de Além disso não haveria dados nem pesquisas que respaldassem a
"decadência" tende a simplificar. Não ocorreu uma paralisação tese de uma regressão generalizada no nível da produção. Have-
completa da economia espanhola. Ela fora duramente golpeada ria, na realidade, uma crise geral das relações entre o Estado e a
em diversos níveis, é certo, mas as conseqüências da crise varia- sociedade, concretizada numa rebelião contra o aparato e o paras i-
ram muito entre as regiões e mesmo entre cada atividade produti- tismo das cortes e da Igreja, completamente vitoriosa na Inglaterra
va. Além do mais, nesse período várias outras nações européias e na Holanda, e parcialmente na França Na Espanha, o Antigo
atravessaram dificuldades semelhantes às da Espanha, apresen- Regime não foi transformado e o resultado acabou sendo o esma-
tando quedas demográficas, desgastadas pelas guerras e revoltas gamento de sua vitalidade econômica. Cipolla, por seu turno, par-
internas, arcando com os custos do Estado Absolutista e com o tindo da perspectiva do crescimento da economia de cada país,
parasitismo do Antigo Regime. Assim, torna-se necessário não entende que não cabe uma interpretação global unívoca, tanto em

60 61
mos provinciais e assaltos ao poder de nobres e burgueses. Ávido
termos de uma depressão generalizada, como de uma fase de por rebater as teses marxistas, parece deixar escapar a dimensão
prosperidade. Argumenta que ao mesmo tempo em que ocorria um da dinâmica da sociedade do Antigo Regime e de seus determi-
crescimento da Holanda, Inglaterra e Suécia, a Espanha passava
nantes estruturais.
por um período de decllnio. O século XVII, com uma periodização que varia conforme a
Sem entrar nas rninúcias desta complicada discussão (que visão de cada autor, ainda é um campo bastante amplo para refle-
além do mais envolve vários outros autores), parece-nos que os xões e pesquisas. As transformações da economia das nações eu-
indicadores básicos da tese de Hobsbawm ainda permanecem vá- ropéias (e também das regiões coloniais), realizadas em ritmos di-
lidos. É bastante claro que os nomeados países do norte da Euro- ferenciados, mais integrados através do mercado intemacional,
pa, onde as transformações econômicas, no sentido do estabele- permanecem como questão fundamental para o trabalho dos histo-
cimento do capitalismo, foram ocorrendo com maior desenvoltura, riadores. É seguro afirmar, todavia, que nos Seiscentos ocorreu
tiveram um crescimento maior do que as regiões onde as formas
uma alteração no equilíbrio de forças do continente, decisiva para
de produção feudais encontravam-se mais enrijecidas. A Espanha,
os destinos da história modema.
além de esgotada pelas sucessivas guerras imperiais, apresentava
uma estrutura interna predominantemente senhorial, com suas
manufaturas limitadas pela taxação violenta, pela concorrência de
produtos estrangeiros mais baratos, pela contração do mercado in-
terno e colonial e pela diminuição da mão-de-obra disponível. O
ritmo de transformação- de sua economia para uma produção capi-
talista foi mais lento e sinuoso, pelas características históricas que
vimos anteriormente. Como afirmou Pierre Vilar, "por posição e
conjuntura (não por religião ou temperamento) a sociedade espa-
nhola de 1600, antítese da sociedade puritana, volta suas costas à
economia [no sentido de contenção de gastos] e ao investimento
produtivo". Na Espanha, a concorrência entre os produtos nacio-
nais e estrangeiros significava também a competição entre socie-
dades que tinham ritmos diversos na transformação de suas estru-
turas. As dificuldades espanholas eram as dificuldades de uma
economia envolta numa configuração ainda feudal, em contato
com sociedades que começavam a desencadear as forças do
capitalismo.
Ao salientar as tensões permanentes entre a Coroa e o res-
tante da sociedade, Trevor-Roper supervaloriza de tal maneira es-
ses conflitos, que acaba por não verificar as diferenças entre a re-
volução inglesa de 1640, as revoltas separatistas catalãs, a inde-
pendência portuguesa e a Fronda ocorrida na França. Sob o mes-
mo conceito de "Revolução", extremamente elástico e vago, en-
volve num único processo levantes de camponeses, separatis-
63
62
I.
I
crises econômicas €i a concorrência de QUt[a8...Jlaçães-soiapéUlélm o
5 RQ"d.ed.cLas:panbQL A chamada arraia-miúda mantivera-se imune
o C AT V E··I R O D E' aos encantos financeiros de Filipe 11.Sua situação de miséria, ~
~ra decorr:.ente_.daSj:-ªfacte!J.sticas~urãisd~ociedade EQ[tu-
S E S S E N T A A N O S guesa do é.ntigo 8egime, agravafa-se-alllaaJ!1~ no contexto 9a
crise geral do século XVII. As m~didas fiscais dos governos espa-
nMis s6 aumentariam sUãimpopüiàridade:-A-nutJrãza, aistante da
Corte de-tvfãClfi, recoll1la-se-a-soss-ptopri'éQ.ades rurals.e.era. abati-
da pela nostalgia dos tempos glorio;.9ã-~etores da_burg!,L9_siae
das classes urbanas também viam .seus empreendimentos J!ecUna e,
rem. As condições que haviam permitiQQ.2 integração dos reinos.
peninsulares alterava!TI:§.e,_transformando as intergretaçoos dos
portugue~s sobre a União IbéricCh

A integração de Portugal aos domínios de Filipe 11não havia


A CONJUNTURA DE AFASTAMENTO
desencadeado uma fcfrte opõSiÇão por parte dós habitantes do rei-
Dg. Com ~~o dos aliados do prior do C rato, fi de manifes~a:'
das classes populares, a Uniao Se a união das Coroas tinha sido um negócio proveitoso para
çoes de desagrado_de_~mbros
_ ...,-. ----.../ .- os grupos dominantes de Portugal, trouxera, por outro lado, alguns
Ibérica não fora contestada. Se o país dividira-se às vésperas da
problemas para o seu reino. Pertencer ao Império espanhol signifi-
sucessão do cardeal D. Henrique, em breve já estava saudando o
Qª-v-ª--..§.nfren~o assédio dosinimigosão-s-rtaOSOOT:9os.., É certo
monarca espanhol, em razão da habilidosa política de "convenci-
que estes já frequentavam as suas possesSõesesuas rotas c0-
mento" que envolvera argumentos legais, militares e monetários.
merciais, mas a partir de 1580, no lugar de haver uma contenção
Mas, ~çÉ.o_estLvera contida no final dos anos Quinhentos,
dessas disputas, em virtude da articulação de uma defesa comum,
o século seguinte seria marcado pelo ãgravãilíento das tensões
ocorreria exatamente o contrário. 8s perdas portuguesas na Ásia
por parte ~os -portugueses. Cada vez mais, o período filipino seria
foram gradativamente maiores, suas forças navais díriíTiíúfram
conhecido como o do cativeiro do reino. Escreveria o padre Antô-
após o desastre dãlnvencíverAfmada e: cõiiiomovimento sepa-
nio Vieira: "E porque nossos cativeiros começaram onde começa a rà.tistà-dasProv,rncias Unidã5,ãéfÇfuirífafrt um I)Qvo e 'poderõso-i~i-
África, ali permitiu Deus a perda de el-rei D. Sebastião, a que se migo. Oantigo comércio entre-pQrtugueses e holarldesesTóiproi-
seguiu o cativeiro de sessenta anos no mesmo reino". biaõ Põr Filipelr,-mas-não"'se-verif~OO uma completa interrupçáo
A imagem do período seria retratada como resultado da tira- dessas ~Iaçõês ecõnômtcas;-sobfetl:ldo--aolbngo aa tregua de do-
nia castelhana, que maculara os brilhantes destinos do reino de ze anos estabelecida no reifiãClõêJe Filipe 11I.Grande parte do açú-
Camões. Um provérbio corrente nos domínios portugueses referia- éar produzido ooBraSil continuava a ser enviado para as refinarias
se pejorativamente à união das Coroas: "de Espanha nem vento da Holanda que também, além de distribuir o produto pela Europa,
nem casamento". financiava, através de seus banqueiros (muitos dos quais eram
Na verdade, a oposição aurnentava na.mecida em que.as, cristãos-novos portugueses), a instalação dos engenhos.
- -- - - ---
64 65
A década de 20 marcou uma viraO--ª-Dasrelações luso-caste- mente de uma burguesia média, talvez a base social do movimen-
lhanas. A crise no Império espanhol retletiu-se também.sobre p'qr- to restaurador.
tugal. Eru.primeiro lug..ar,começou a ocorrer a escassez dos metais Internamente, a situação do reino também não era tranqüila
americanos, cujo afluxo,.JJuare.ntª_arlosantes, tinha sido o principal A miséria afligia o povo miúdo. A concentração de riquezas, de um
aj@fivo Rara ª-Uoião_lbérica.j'J-E.. Peru, México e no_Hrata,-õsp"ór-_ lado, e a extrema pauperização da maioria da população, de outro,
tugueses eram, cada vez mais, hostilizados e perseguidos pela In- traduzia-se num sentimento anticastelhano, fazendo crescer o nú-
q~-®çao:- O contraba~dó!_ que solapava os rendimentos de Espa- mero de levantes populares, sobretudo a partir de 1628. Segundo
nha, provocando uma queda do comércio metropolitano, precisava uma apreciação do historiador português Armando Castro, nos
sercontido. Os r;Qócios de Sevilha com mercadores lusitanos sessenta anos da união dinástica a carga fiscal teria quase trtpli-
t51mbémdeclinavam. - cado em Portugal. As Cortes foram convocadas apenas uma vez
O fim da trégua com os holandeses, em 1621, e a retomada dos no reinado de Filipe 111 e, mesmo assim, apenas para reconhecer o
conflitos europeus, colocaram em risco os domínios portugueses herdeiro do trono, que a seu tempo jamais as convocou. Algumas
dispersos pelo mundo, O_comé!fiQ..EOm o Oriente decaIa_de_ma- normas estabeleci das pelas Cortes de Tomar também foram que-_
n_eiraacentuada.As especiarias, o ouro africano e ºl~rso~ ~utros bradas: castelhanos formavam uma comissão destacada para
produtos abasteciam os mercados europeus, trazidos por navios acompanhar a Casa da índia e as finanças do reino e participavam
hQiandeses e' ingleses. Os- rendimenlPs da Coroa reouzíam-se.A - também do Conselho de Portugal.
situ;ção~ravõU:Se-aiíída mais co"'matomada de Ormuz pelos - A escalada da guerra no século XVII, com a multiplicação
persas e ingleses, corn-os ataques de holandeses a Macau, Goa e crescente dos efetivos militares, fazia com que os Estados absolu-
Moçambique e õõrn o fecnamento do lucrativo comércio com o Ja- tistas europeus procedessem a uma maior burocratização dos car-
pão em 1631. Em 1623~ Bahia, cãpital do Brasil, foi conquistada gos, ao aumento da tributação e à restrição gradativa dos poderes
pelõs holandeses, que só seriam. expulsos no an-o seguinte: Em intermediários entre a monarquia e o povo. As condições do Impé-
1630, os flãfflE:!"ngos
ocuparam C>lindae Pernarnbuco, estabelecen- rio Habsburgo impeliam, efetivamente, a uma maior centralização
do seu domlnio sobre a principahegião canavieira da colônia. O do Estado. As medidas de Olivares, que feriam ti autonomia do
açúcar, cada vez mais, ia-tornandcrselJt'!foeg.óéio_holandês. reino, não eram simplesmente fruto de uma maquinação autoritá-
A burguesia lusitana de porte intermediário, enriquecida pela ria, desejosa da castelhanização completa da penfnsula. Eram
exploração e comercialização do açúcar brasileiro, teve seusneg6- fundamentais para a sobrevivência e consolidação do Absolutismo
cios ameaçados. Como demonstrou o historiador V. Magalhães espanhol.
Godinho, o movimento que serviria de pano de fundo para a Res- No decorrer da primeira metade do século, aumentaram os
tauração (que iria marcar a separação de Portugal do Império descontentamentos dos portugueses, em razão das dificuldades
Habsburgo) era o inverso daquele que aproximara os dois reinos. A econômicas e da polltica de Olivares. A situação de crise era, cada
União Ibérica ocorrera no momento de uma crescente hipertrofia vez mais, associada à "opressão castelhana". As revoltas popula-
dos tráficos de Lisboa e de outros poucos portos, levando ao for- res, contra a fome e a alta tributação, intensificavam-se. Em 1628
talecimento de uma grande burguesia ligada ao Estado, em detri- estourava a revolta do Porto; em 1635 registraram-se movimentos
t.-
mento dos setores mercantis médios. Pelo contrário, por volta de em Évora, Viana do Castelo e Arcozelo; em 1636 foi a vez de Vila
1640, com a conclusão do processo de rotação do lrnpério do Real; em 1637/38 ocorreram levantes no Algarve, novamente em
Oriente para o Atlântico, e com o açúcar tornando-se o eixo da Évora, em Lisboa e no Alentejo; em 1639/40 em Moura, Coruche e
economia ultramarina no lugar das especiarias, ocorreu o fortaleci- Serpa.

66 67
Pelas suas proporções e pela radicaJidade que apresentou, o celência (da qual as Nações estrangeiras tinham tão grande satis-
movimento iniciado em Évora, no verão de 1637, oferece um ex- fação e as vizinhas tão grande inveja), retirados os titulos pelas
celente exemplo dessas revoltas. Iniciado, como tantos outros, vilas e lugares do Reino, e os fidalgos e cortesãos por suas quin-
como um protesto contra o aumento da tributação, acabou por se tas e casais, vieram a fazer corte nas aldeias renovando as sauda-
estender pelo resto do Alentejo, pelo Algarve e até pelas regiões des da passada com lembranças devidas àquela dourada idade
do Norte do reino. Os levantes populares contaram com a partici- dos portugueses".
pação, em diversas localidades, de elementos do clero (nomea- Como apontou Eduardo d'Oliveira França, o recolhimento dos
damente os jesuítas), de grupos de artesãos, e de pequenos e nobres portugueses representava uma atitude de fuga. Fugiam de
médios comerciantes. Lisboa, que se tornava cada vez mais uma cidade de burgueses e
Em Vila Viçosa, onde a nobreza de Bragança estabelecera que, com a ausência da corte, não Ihes permitia a manutenção dos
sua "corte", os revoltosos não questionavam apenas a carga fiscal. padrões de vida à altura de sua pretensa dignidade. Fugiam da
Gritavam pela retomada do comando do reino por parte daqueles derrota de Alcácer-Ouiblr e do fim de seus sonhos expansionistas.
que consideravam como os legitimos herdeiros da Coroa No en- Reviviam em determinadas regiões, como Vila Viçosa, os hábitos
tanto, o alto clero e a nobreza não emprestaram seu apoio a essa e os prazeres de uma discreta vida cortesã, Revitalizavam seus
valores sociais pela leitura dos épicos - em especial dos Lusfadas
movimentação. A crise econômica e o aumento dos encargos tri-
- e dos romances de cavalaria, pela caça, pela música e pelas fes-
butários, que se abatia sobre a maioria da população, isentavam \'
tas. Fugiam do presente, apoiando-se nos sonhos e esperanças do
aqueles de "mor-qualidade". Mantinham-se, por isso, distantes da
passado, porque a participação nas decisões polfticas do reino era-
plebe e dos interesses" dessas pessoas sem qualificação social.
lhes relativamente restrita O desgosto e a melancolia comoina-
Estiveram ao lado das forças repressivas que em alguns meses
vam-se com o bucolismo de seu cotidiano.
esmagaram os distúrbios. As tensões sociais representavam um
Mesmo assim, o sentimento anticastelhano não repousava
risco para os seus privilégios.
numa imagem de tirania (que aliás não ocorria) dos soberanos de
Madri. Era antes de mais nada uma reação triste contra suas con-
dições de existência, uma pálida imagem frente à idealização
grandiosa feita sobre o passado. Sua maior aspiração não era a
OS NOBRES PORTUGUESES
emancipação politica do reino e sim o retorno da corte para Lis-
E .4. "CORTE NA ALDEIA"
boa. A rivalidade não os opunha aos castelhanos e sim a Madri ..•
Era muito dif.fcil conseguir privilégios na corte do Império.
Concorriam membros de todos os reinos e Portugal era somente
Apesar dos insistentes apelos dos nobres de Portugal, a sede
mais uma dentre as diversas provfncias dos domfnios dos Habs-
do Império espanhol não foitransladada para Lisboa. A cidade
burgos. Além disso eram necessários muitos gastos, porque a re-
fransformara-se numa mera capital dentre as inúmeras provfncias gra era ostentar e impressionar pelo luxo e pela soberba, o que le-
do Império. Para a nobreza restavam duas alternativas: ou tentava varia àruina diversos pretendentes de mercês. No entanto, alguns
transferir-se para a corte de Madri, em busca das benesses dos de seus talentosos representantes obtinham sucesso, afastando-se
monarcas, ou então recolhia-se, nostálgica, às suas propriedades do reino e desfrutando da suntuosidade dos Habsburgos. Outros
rurais. Essa situação foi belissimamente retratada em 1619 por conquistavam a indicação para importantes cargos e funções, a
Rodrigues Lobo, no seu livro Corte na Aldeia: "Depois que faltou a serem desempenhadas em terras pátrias. A provincialização não
Portugal a corte dos. Serenfssimos Reis, ascendentes de V. Ex- chegava a ser completa. .

68 69
~

Os portugueses participavam dos exércitos e das·guerras jun-


tamente comos espanhóis. No entanto, lutar nas regiões do centro
da Europa, defendendo os interesses de Filipe IV, não Ihes pare-
cia, necessariamente, uma honra, senão até uma afronta Comba-
ter pelo monarca espanhol, por interesses que muitas vezes só in-
diretamente diziam respeito a Portugal, significava lutar como
mercenários, uma posição indigna para a alentada honra de seus
nobres. Nas forças marítimas a situação era diferente. Os portu-
gueses assumiram o comando de esquadras e navios. Participar
da guarda das possessões atlânticas e orientais garantia a manu-
tenção das conquistas dos seus antepassados, de seus domínios,
não havendo, assim, nenhuma desonra ..
A integração dos nobres portugueses ao Império espanhol
não era, portanto, completa. A posição ambígua, decorrente da
ocupação de funções de mando na hierarquia do Estado, ao mes-
mo tempo ern que muitos padeciam pelo dlstanclamento da corte,
sem contudo nutrir a aspiração de autonomia política, faria com
que a nobreza permanecesse reticente em relação ao separatismo,
até os últimos momentos que antecederam à Restauração. As
tensões sociais provocadas pelos movimentos populares tratariam
de convencê-Ia.

Fig. 6 - A vida é um sonho


de António de Pereda
A LITERATURA AUTONOMISTA

com o fortalecimento das noções de identidade nacional forjadas


Por uma qrande coincidência, o ano de 1580, além de marcar ou ree!aboradas ao longo da união dinástica. Paradoxalmente, pa-
o início da União Ibérica, é a data da morte de Camões, o mais rece ter havido um incremento maior dessas perspectivas, durante
ilustre expoente das letras portuguesas. Em Os Lusfadas encon- o contato mais estreito com o vizinho peninsuiar. A confluência
tram-se exaltados os valores e as glórias do povo e do Império lu- das economias ibéricas redundara também numa confluência cul-
sitano. Publicado em 1572, o texto épico foi dedicado a D. Sebas- tural, na qual a corte espanhola exercia uma maior atração. Con-
tião, o "novo temor da maura lança". De 1580 a 1640 calcula-se sumada a filiação de Portugal, vai ocorrendo uma espécie de rea-
que foram realizadas cerca de trinta edições do épico português, ção que procurava gradativamente afirmar e salientar as. peculiari-
havendo pelo menos três em língUa castelhana. dades e superioridades do reino sobre todas as outras nações, não
A grande circulação deste livro, que é considerado a "biblia só da época, como de todos os tempos. A confluência cultural pa-
da nacionalidade portuguesa", estã profundamente relacionada rece ter então dois sentidos; de um lado uma certa castelhaniza-

70 71

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ção dos letrados lusitanos, de outro a preocupação e a insistência nos, que acompanharam à Itália uma filha de Atlante (personagem
de parte desses letrados em afirmar e construir sua identidade. rriitológica,' filho de Júpiter), chamada Roma. Até mesmo a prima-
A trtulo de hipÓtese, esses dois sentidos podem ser dirnen- zia religiosa caberia a Portugal, porque Santiago teria iniciado
sionados com relação aos movimentos conjunturais que presidem suas pregações em Braga e não em terras espanholas.
tanto a aproximação. entre os dois reinos como o seu afastamento. . Através da idealização do passado procurava-se mostrar os
A tendência de castelhanização parece ser mais forte na segunda portugueses como os legítimos herdeiros do espfrito heróico das
metade do século XVI, enquanto o segundo movimento adquire tradições ocidentais. De acordo com o livro Flores de Espana, Ex-
maior intensidade a partir da segunda década do século seguinte, celências de Portugal, de 1631, EI Cid, o herói espanhol, teria sido
exatamente o momento em que ocorreu o agravamento das rela- vencido por um português, D. Rodrigo Forjaz. Seu jovem e erudito
ções entre os reinos ibéricos. autor, Antônio de Souza Macedo, não hesitava em chamar Home-
A ambigüidade dessa confluência cultural estava presente a ro e Virgílio de "os primeiros Camões" ...
todo momento. Se para muitos a Ifngua portuguesa era superior a Uma outra elaboração do frei Bemardo de Brito tomou-se uma
todas as outras, a utilização do castelhano constitufa-se uma ne- das mais marcantes e difundidas no período, Uma antiga lenda, da-
cessidade. Para boa parte dos letrados era justificada pelas vanta- tada do século XV (que se referia a uma aparição de Cristo a Afonso
gens de divulgação. Em 1618, no poema Espana Libertada, a au- Hellriques, antes da batalha de Ourique, prometendo aos portu-
gueses a vitória contra os muçulmanos) ganhou um novo alento:
tora desculpava-se pela preferência do idioma estrangeiro de uma
com a publicação da Chronica de Cister em 1602, escrita a partir
bela maneira:
" de um manuscrito, supostamente do próprio punho de D. Afonso,
pelo qual Deus revelara-se como o verdadeiro fundador do Império.
Y tu, mi patrio Reyno Lusitano,
Que de muchos de Europa eres corona,
A origem da monarquia não era apenas heróica, mas sagrada. O
Si por escrevir esto en Castelhano primeiro monarca de Portugal teria ouvido de seu Deus: "não po-
He dexado tu lengua, me perdona; nhas dúvida em nada (...) porque eu sou o fundador e o destruidor
Que es el origem de Ia historia Hispano, ~. dos Impérios e Reinos, e quero fundar em ti e em tua geração um
Y quiero que mi Musa, pues Ia entona, Império, para que meu nome seja levado a gentes estranhas".
Tambien alo Espaõol vaya vestida, O povo português era concebido como o povo escolhido por
Para ser mas vulgar y conocida •.
Deus, à semelhança dos hebreus no Antigo Testamento. Essa
prOmessa 'somava-se às profecias bfblicas do livro de Daniel que
Na literatura, na épica, nas crônicas históricas e nos estudos anunciavam ao mundo a chegada, no futuro, de um Quinto Império
teológicos procurava-se fundamentar à identidade portuguesa, que Universal, o último antes do final dos tempos. A interseção desses
assumia cada Vez mais as feições do "reino escolhido por Deus'" dois vaticínios estimulou a crença de que o Império de mil anos,
para seu instrumento na Terra A superioridade sobre Castela e prOfetizado por Daniel, seria o Império português. Apresentando
sobre todas as outras nações era um princfpio que estava presente inÚmeras variações e interpretações, a crença milenarista difundiu-
nas lendas correntes a respeito da fundação de Portugal. Para o se por todo o reino durante a União lbénca.
frei cisterciense Bemardo de Brito, T~bal, neto de Noé, teria esco- ( \

lhido as terras portuguesas, após o dilúvio, para estabelecer no-


vamente a civilização; e o nome da cidade de Set~bal atestaria a AS TROVAS DO BANDARRA
presença do ilustre personagem biblico. A própria cidade de Roma, Uma das mais fecundas expressões do milenarismo portu-
ainda segundo o patriótico autor, teria sido fundada pelos lusita- guês são os escritos, compostos entre 153040, por Gonçalo Anes,

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conhecido como Bandarra, um sapateiro da localidade de Tranco- anos de glória e de fartura Nos primeiros anos dos Seiscentos, as
so. As Trovas do Bandarra, cuja elaboração fora contemporânea interpretações sobre o livro de Daniel e sobre o Apocalipse irradia-
de uma revolta anti-senhorial, nessa mesma localidade, criticavam vam-se tanto entre os protestantes como entre os católicos.
os defeitos da Igreja, sua corrupção e maldade, a falta de justiça e A proibição das Trovas não impediu o surgimento de cons-
a decadência dos costumes. Profetizavam a vinda de um rei "en- tantes indagações sobre o "encoberto" e o Quinto Império. A in-
coberto", que traria a justiça e a lei, para instaurar na Terra o Quin- fluência das tradições judaicas é indiscutível. Mas também o
to Império profetizado por Daniel. A partir de então haveria uma envolvimento das lendas do ciclo arthuriano, cristãs e célticas, não
real universafização da fé em Cristo, a qual todos os povos esta- de,vem ser esquecidas. As caractedsticas das estruturas mentais
riam submetidos. da sociedade portuguesa eram favoráveis à proliferação desse tipo
As Trovas tiveram então uma circulação notável, ultrapas- de perspectiva. O rei "encoberto" permitia diversas interpretações:
sando os limites de Trancoso. Por todo o reino podiam ser encon- poderia ser esperado como um novo Messias, pelos cristãos, ou
tradas cópias manuscritas que davam conta do presente e anun- como o verdadeiro Messias, do ponto de vista da tradição judaica.
ciavam os acontecimentos futuros. A difusão das Trovas levou a
Inquisição a proibir o sapateiro de tratar de assuntos bíblicos, con-
denando seus escritos por judaísmo. Em seu processo inquisitorial,
Bandarra foi descrito como uma pessoa de condição humilde, D. SEBASTIÃO: DE REI DESEJADO A REI ENCOBERTO
"mais para ser ovelheirq que para falar palavra alguma de razão
natural". No entanto, para seus ouvintes, muitos dos quais judeus
e cristãos-novos, era tido como um grande "teólogo". Desde o seu nascimento, a vida do monarca português fora
Bandarra não foi o ~nico sapateiro a se envolver com as pe- cercada de uma enorme expectativa. A sucessão de D. João 11I
rigosas passagens bíblicas. Em Setúbal, em 1542, Luís Dias foi cercava-se de preocupações. Todos os seus filhos haviam morrido
julgado por ter se proclamado messias. Ao final do século Simão ainda na infância, exceto D. Maria e D. João. A princesa era casa-
Gomes era considerado, por suas profecias, o "santo sapateiro", da com um filho do rei de Espanha, Filipe, que mais tarde viria a
Alguns movimentos de resistência à União Ib~rica, em Lisboa e se tornar o monarca de toda a península. O príncipe D. João, de
Santarém, também foram liderados por esse tipo de artesãos. Pe- debilitada saúde, faleceria no segundo dia de 1554. Seu filho, D.
ter Burke, em um recente estudo sobre cultura popular, sugere a Sebastião, para a alegria daqueles que temiam pela falta de um
existência de uma "cultura sapateira", composta por elementos herdeiro português, nasceu a 20 de janeiro do mesmo ano. Houve-
que, pelas características de sua rotina de trabalho, conseguiam ra, desde a véspera, uma proliferação de preces por várias partes
um tempo livre para se dedicar à leitura e a reflexões. do reino e de procissões, que seguiam para o palácio real. Era
A crença em profecias, relacionadas ou não a um rei messiâ- o Desejado, um pr.fncipe que daria continuidade à realeza da casa
nico, não era uma característica restrita às terras portuguesas. No de Bragança
século XVI espalhararn-se por toda a península Ibérica alguns vati- A derrota portuguesa em Alcácer-ouibir e o desaparecimento
cínios atribuídos a Santo lsidoro de Sevilha. Por outro lado, a revol- l~1I do rei seriam, então, relacionados às profecias do sapateiro de
ta dos "comuneros" de Valência, esmagada em 1523, criaria tam- Trancoso. O rei encoberto era D. Sebastião, que não morrera, c0-
bém uma variante da figura do "encoberto". Um século depois a mo vulgarmente se poderia pensar. Estava preso em Marrocos
revolução inglesa de 1640 era tida para muitos como a guerra do pelos muçulmanos, na Espanha pelos espanhóis ou na ilha encan-
fim do mundo, descrita no Apocalipse, à qual se seguiriam os mil tada de Avalon, de onde retomaria, auxiliado pelo rei Arthur, com

74 75
as nove tribos perdidas de Israel, para instaurar o Quinto Império. Espinosa, foi o escolhido para representar o papel de D. Sebastião
A crença no retomo de D. Sebastião propagava-se e trazia um no- numa trama que envolvia um frei agostiniano português e que in-
vo sentido às Trovas de Bandarra. Tinha inicio o sebastianismo, a tentava organizar um levante contra Filipe 11. Ambos foram enfor-
expressão mais célebre do milenarismo português. cados. Um último "encoberto" nem conhecia a Ungua portuguesa.
Tanto nas camadas populares, a chamada "arraia-miúda", O napolitano Marco Túlio Catizone tentou assumir, em Veneza, a
como nos estratos mais "altos" da sociedade lusitana, o sebastia- condição de legftimo rei. Foi preso e enforcado com vários de seus
nismo conseguira obter adeptos. Um dos mais conhecidos· sebas- adeptos. Esse foi, no entanto, o verdadeiro "O. Sebastião" para D.
tianistas, D. João de Castro, neto do vice-rei da índia e partidárío João de Castro, que se entregou à propaganda e à defesa do na-
do prior do Crato, na disputa pelo trono de Portugal, acabaria por politano.
produzir alguns dos documentos mais interessantes para o estudo Mais do que aventureiros e charlatães, esses "encobertos"
do sebastianismo e da inter-relação entre a cultura "erudita" e a revelam muito das caracteristicas da sociedade portuguesa doAn-
"popular" na sociedade lusitana. Na sua Paráfrase e Concordância tigo Regime. De acordo com as reflexões de Joel Serrão, o sebas-
de Algumas Profecias de Bandarra, sapateiro de Trancoso, de tianismo, em sua vertente "popular", seria a expressão do descon-
1603, procurava demonstrar que o rei D. Sebastião não estava tentamento de setores que conviviam com a miséria contra uma
morto e que os cristãos portugueses deveriam esperar, para breve, ordem social injusta. Uma sociedade que se consolidara, a partir
o tempo das maravilhas de Deus, que escolhera Portugal, "humil- .. da segunda metade do século XVI, e que resguardava a proprie-
de e cativo", como "Ca~eça de sua Conquista". Transcreveu algu- dade fundiária quase exclusivamente para as camadas dominan-
mas partes das Trovas, alterando certas palavras, de forma a pos- tes, além de cercear as atividades mercantis através da ação in-
sibilitar uma interpretação mais próxima .de seu desejo, o que aliás quisitorial. A intensa proliferação do sebastianismo relaciona-se di-
seria comum em muitos dos que se dispuseram a compreendê-Ias. retamente com as condições de vida dessas populações.
Um outro estudo partiu do ilustre matemático e astrólogo Num ambiente de profundo pietismo e milagrismo, a ação
Manuel Bocarro Francês, cristão-novo que, nos primeiros vinte pioneira dos grandes descobrimentos tomava-se apenas uma p~li-
anos do século XVII, comporia o poema Anacephaleosis da Mo- da sombra sobre a realidade do presente. Alimentado pela ideali-
narquia Lusitana, pelo qual expressava a opinião de que o rei en- zação religiosa, esse passado se revestia de glórias. Os tempos vi-
coberto anunciado seria o duque de Bragança, D. Teodósio. Este toriosos da monarquia combinavarn-se, nas elaborações imaginá-
autor marcou um novo momento nas interpretações das Trovas, rias dos portugueses, com as noções de uma "idade de ouro" que
por vincular as profecias, não à pessoa de D. Sebastião, mas à deveria retomar, graças à intervenção divina O tempo hist(>rico da
nobreza de Bragança. Esta perspectiva iria servir para fortalecer monarquia portuguesa confundia-se com o tempo biblico judaico-
a imagem da Restauração e do monarca D. João IV, que também cristão: o Quinto Império anunciado pelo profeta Daniel tornava-se
viria a ser identificado como o "encoberto". revitalizado pelas profecias do Bandarra. Era o Império de Deus
Durante o período em que transcorreu a união das Coroas por Portugal.
ibéricas, várias pessoas tentaram se fazer passar por D. Sebastião, Os acontecimentos posteriores à morte de D. Sebastião sõ
aproveitando-se da febre messiânica. O primeiro. foi um noviço serviram para reforçar ainda, mais a expectativa no advento do
carmelita, que anunciou em 1584, em Penamacor, ser o "encober- "encoberto", A União Ibérica confirmou a hegemonia e o controle
to". Seu destino foi as galés. Depois, Mateus Álvares, eremita que aristocrático na sociedade portuguesa. A miséria da imensa maio-
conseguiu arregimentar defensores armados. O levante foi esma- ria da população, nessa sociedade de ordens, expressava-se por
gado e o falso rei enforcado. Um pasteleiro, de nome Gabríel de uma série de levantes que, como vimos, intensificararn-se a partir

76 77
do começo do século XVII. O sebastianismo, ou outras formas No começo do século XViII, é curiosa a afirmação atríbulda a
messiânicas que possam vir a ser identificadas, também expres- um embaixador estrangeiro: "Que se pode esperar de uma nação
sava a revolta e '0 protesto contra a estruturação da sociedade por- em que metade anda à procura do Messias e a outra metade. à
tuguesa. Existia um conteúdo conflituoso nessas crenças milena- espera de D. Sebastião, morto há quase dois séculos?"
ristas que confrontavam a sociedade real com a sociedade que se Em tempos do marquês de Pombal, a perseguição se abateu
desejava e que se idealizava. violentamente contra jesuftas e sebastianistas. COm a invasão das
Por outro lado, o sebastianismo acabou se tornando uma lin- tropas napoleônicas, no começo do século passado, uma nova
guagem comum aos diversos setores da sociedade lusitana, ainda reinterpretação das Trovas fez com que alguns grupos da socieda-
que cada grupo social expressasse, através dessa linguagem, inte- de lusitana esperassem a libertação nacional por D. Sebastião.
resses antagônicos. Defini-Io como uma forma de nacionalismo No Brasil, algumas permanências sebastianistas são dignas
místico pode ser um pouco epressado, mas sem dúvida o estudo de nota: na insurreição de 1817, no Nordeste; e no final do mesmo
do desenvolvimento e maturação do nacionalismo português não século, na mesma região, na revolta de Canudos.
pode ser efetuado sem referências ao sebastianismo. A noção de Ainda no final do século passado temos a interpretação que
identidade portuguesa foi fortemente rnarcada, ao longo de muitos o historiador Oliveira Martins viria a fazer do sebastianismo e da
anos, pelas perspectivas messiânicas e milenaristas. sociedade portuguesa do Antigo Regime. A História teria que se
enfrentar com a crença sebástica e procurar entendê-Ia. Outro
exemplo, já no inicio deste século, é de João Lúcio de Azevedo,
cuja romântica visão sobre o tema foi muito difundida: "Nascido da
UMA PERMANÊNCIA CURIOSA: O SEBASTIANISMO dor, nutrindo-se da esperança, ele é na história o que é na poesia
NA HISTÓRIA E CULTURA PORTUGUESAS a saudade, uma feição inseparável da alma portuguesa".
Na literatura e nas artes, o sebastianismo também persistiu.
Em algumas belas partes da obra do poeta Femando Pessoa é
A crença sebastianista não se encerrou com o fim da União possivel encontrar uma perspectiva nacionalista, que resgata tanto
Ibérica. Suas rafzes eram mais profundas. Prolongou-se pelos sé- o sebastianismo como o Quinto Império. Outros poetas também
culos seguintes, tanto em Portugal como no Brasil. Com a morte podem ser lembrados: Antônio Nobre e Teixeira dePascoaes. O
do rei D. João IV, o monarca da Restauração, muitos, capitanea- tema é tratado também pelo teatro. Almeida Garrett é dos exem-
dos pelo jesufta Antônio Vieira, acreditavam que o rei deveria ain- plos mais ilustres. Natália Correia, dos mais recentes.
da ressuscitar para cumprir os desrgnios estabelecidos nas Trovas.
Outros, argumentando que D. João nunca fora o "encoberto", rea-
Iimentavam a esperança do retorno de D. Sebastião. Outros ainda
j~ começavam a atribuir a D. Afonso VI o papel de o "encoberto".
Ao aproximar-se do ano de 1666 as expectativas messiânicas vol-
tam-se para o número caoalístlco e apocallptico 666; não sõ em
Portugal, como por toda a Europa se esperava pelo Messias.
O padre Vieira, em 1664, já alterava suas formulações: o rei
encoberto seria D. Afonso VI, sucessor de D. João IV. Alguns ánbs
mais tarde, o papel de o "encoberto" seria atríbuldo pelo jesuíta
sucessivamente a D. Pedro e a seu primogênito, D. João.

78 79
nomia do pais. Em novembro de 40 o duque de Bragança aderiu
6 ... ,)., efetivamente ao levante que estava sendo planejado. Em 1Q de
A R E S T A U H A ç A o dezembro o movimento foi desencadeado, e poucos dias depois, o
duque, aclamado como D. João IV, entrava em tísboa, Com exce-
ção de Ceuta, todas as possessões ultramarinas' de Portugal aderi-
ram à Restauração. Do Brasil foi enviado o jesulta Antônio Vieira,
com mensagens do vice-rei, apoiando o movimento insurgente.
A rnlsfica milagrista e a messiânica envolvia o novo monarca.
Correra pelo reino a notfcia de que na cerimônia de aclamação
uma imagem de Cristo soltara um de seus braços da cruz e o es-
tendera, como uma bênção, em direção ao rei. Teria sido visto em
Lisboa, Coimbra, Porto e Bragança a aparição de uma imagem do
Santfssimo Sacramento sendo adorado por dois anjos na Lua. No
dia da aclamação de D. João IV, uma imagem do sapateiro de
Trancoso foi colocada em um altar da S~. O Bandarra era o profe-
ta da Restauração. Seus ossos foram transladados de Trancoso e
.o alto grau de instabilidade política e econômica que o reino receberam uma sepultura condizente com a sua posição. D. João
português apresentava, próximo a 1640, teve como desenlace a lu-
IV era o rei "encoberto".
ta pela separaçjo do Império Habsburgo. O movimento rebelde
contou com a colaboração da França, interessada no enfraqueci- Nos anos seguintes ocorreu uma intensa proliferação de es-
mento da Espanha. Desde a década de 1630, agentes franceses critos sobre a monarquia lusitana e seu rei "encoberto", que final-
vinham a Portugal para verificar as possibilidades de uma revolta e mente se revelara: EI Pttncip« Encubierto, de Lufs Marinho de
tentavam estimular e incitar os portugueses para a secessão. Em
)
Azevedo; Ressurreição de Portugal e Morte Fatal de Gastela, de
1638 foi-Ihes prometida ajuda material para a luta contra Filipe IV. Fernão Homem de Figueiredo; Restauração de Portugal Prodigio-
sa, escrita sob o pseudônimo de Greg6rio de Almeida; Lusitania
No final desse mesmo ano iniciou-se uma conspiração, envolven-
do membros da nobreza. O chefe aventado para líderer-o movi- Liberata, de Antônio de Souza de Macedo.
mento era D. João, duque de Bragança, descendente de D. Sebas- A Restauração, que levou novamente ao trono a casa de
tião, que não se mostrou entusiasmado com a sedição, ao menos Bragança, não representou uma ruptura com as caracterfsticas
. num primeiro momento. aristocráticas da sociedade portuguesa O esforço em identificar o
A revolta da Catalunha, iniciada em junho de 1640, mantinha rei rec~m-aclamado à figura do "encoberto" talvez se explique pela
as tropas castelhanas bem distantes da fronteira com Portugal. necessidade de obter aceitação popular para o novo reinado. O
Envolvido na prolongada Guerra dos Trinta Anos, o Império espa- poder real, ao contrário das condições em que o exerceram os
nhol achava-se numa posição vulnerável às pretensões separatis- monarcas portugueses do século anterior, adquirira um sentido ele-
tas do reino lusitano. A gota d'água nas relações entre os dois rei- tivo, no nfvel da nobreza, por ter sido o rei escolhido entre seus pa-
nos foi a exigência de Olivares de que os fidalgos portugueses res. Álérn do mais, com a União Ibérica havia ocorrido um aumen-
se dirigissem para a Catalunha a fim de desbaratar o movimento to dainnuência dos localismos provinciais, fortalecidos pela rurali-
revoltoso, Setores da nobreza reagiram à missão evocando a auto- zação da nobreza, as chamadas "cortes na aldeia". Revestir a no-

80 81
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va monarquia de um manto messiânico significava também habili- dirigidos no sentido de garantir a independência do reino, comba-
tar e reforçar a autoridade central em seu processo de reafirmação, tendo os espanhóis na Europa e os holandeses nas possessões
buscando sua legitimação a partir das perspectivas religiosas do marftímas, principalmente no Brasil. Os recursos do reino estavam
povo português. Mesmo assim a centralização foi bastante mode- comprometidos com os custos da defesa do Império. Houve uma
rada, havendo, na prática, uma transferência do poder para a aristo- efetiva participação de cristãos-novos e judeus que, através de
cracia, que partilhou-o juntamente com D. João IV e seus sucessores. empréstimos, possibilitaram a aquisição de armamentos, navios e
º
O povo esteve ausente dos acontecimentos de 1 de dezem- tropas mercenárias para a guerra.
bro de 1640, como afirmou com precisão Vitorino M. Godinho, mas A situação das forças lusitanas era, no entanto, bastante ditr-
interferiu decisivamente no processo de separação das monar- cil: o exército não era moderno, seus efetivos escassos, seus me-
quias ibéricas com as revoltas populares de toda a década, sobre- lhores generais lutavam na Guerra dos Trinta Anos pela Espanha,
tudo as de Évora, que impeliram a nobreza a se rebelar. O movi- em diversos lugares da Europa. Por seu turno, o Império Habsbur-
mento da Restauração, apesar de dirigido por setores nobiJiárqui- go tinha que defender-se em diversas frentes: na Catalunha, devi-
cos, contou com o apoio das camadas populares. Sobretudo, ap6s do à rebelião separatista que se estenderia até 1652~em Nápoles
sua deflagração, foram elas que provocaram a adesão de várias e na SicrJia, onde uma revolta camponesa iniciara-se em 1647; na
localidades. Uma grande parte da burguesia também se colocou Andaluzia, em 1641, quando esta tentara separar-se de Castela, a
ao lado dos separatistas, em particular os grupos ligados ao co- e. exemplo de Portugal.
rnérclo brasileiro e aqueles que mantinham seus neg6cios no Nor- Como resultado das dificuldades de ambos os países, a guer-
te da Europa Ainda segundo o ilustre historiador português, os se- ra, apesar de manter-se constante, não era intensa. Muitas vezes
tores mercantis que estavam ligados a Sevilha ou com outros as lutas limitaram-se a escaramuças fronteiriças, saques e aldeias
mercados espanh6is obviamente não saudaram o rompimento e devastações em pequenas localidades. Entre 1649 e 1653 viveu-
com Madri. Por sua vez, o clero apresentava uma divisão bem di- se uma virtual paz nas fronteiras metropolitanas, mas entre 1662 e
ferente daquela que permitira a aceitação de Filipe 11, sessenta 1665 intensificaram-se as ofensivas espanholas. Com a Espanha
v
anos antes. Os jesuftas, em conflito com o Tribunal do Santo Ofi- já esgotada pelos conflitos nos quais se envolvera desde a década
cio, tinham tomado parte em várias revoltas populares e apoiaram de 20, a tentativa de restabelecer a União Ibérica viria a se frus-
.decisivamente D. João IV. Por outro lado, a Inquisição manteve-se trar com a derrota das tropas espanholas em 1665, na batalha de
favorável à permanência da união dinástica, que lhe garantira, na Montes Claros.
prática, o governo do reino português. O baixo clero e parte dos al- No decorrer das lutas contra os castelhanos as ações da di-
tos escalões eclesiásticos também cerraram fileiras ao lado da re- plomacia portuguesa tentavam obter a paz com a Holanda e arti-
belião. culavam alianças com as demais nações inimigas dos Habsbur-
gos. No entanto, a conquista, por parte dos flamengos, de diversas
possessões que haviam pertencido ao reino lusitano, dificultava a
possibilidade de entendimentos. Desde 1641 os holandeses man-
A GUERRA E A DIPLOMACIA tinham sob seus domínios Malaca, Ceilão e a importante praça de
Angola (que só seria reconquistada em 48), fundamental para o
abastecimento de escravos para o Brasil e para o funcionamento
A luta contra a Espanha estendeu-se por todo o reinado de : da empresa açucareira. Os holandeses permaneciam instalados
D. João IV, s6 vindo a encerrar-se em 1668. Todos os esforços foram' em Pernambuco, comandados desde 1637 por Maurfcio de Nas-

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sau. Entre as diversas propostas de trégua apresentadas, cogitou- independência portuguesa pela Espanha só foram estabelecidos em
se no reconhecimento dos territóríos ocupados no Brasil em troca 1668, devido às ações dos diplomatas ingleses, interessados no
de um acordo de paz. A situação era bastante ambígua: enquanto fim dos conflitos ibéricos e preocupados com o poderio francês. A
no Oriente e no Atlântico holandeses e portugueses encontravam- guerra e a diplomacia da Restauração custaram muito caro a Por-
se em guerra, na Europa mantinha-se um comércio regular entre tugal.
as duas nações. Se ingleses e holandeses disputavam o controle sobre o Im-
As alianças internacionais, por sua vez, mostraram-se tam- pério português, a França priorizou o espólio castelhano. A guerra
bém de dificil concretização. Os franceses em nada ajudaram na entre os dois reinos, iniciada em 1635, iria se prolongar até 1659.
guerra contra a Espanha. Pelo contrário, interessavam-se na conti- Até o final do século o Império espanhol recuaria' em seus domí-
nuidade do conflito que ia solapando as forças espanholas. A si- nios dos Países Baixos e perderia o Franco Condado para os fran-
tuação agravou-se ainda mais entre 1650 e 1654, com a declara- ceses. A França passava a se constituir na principal potência eu-
ção de guerra feita pelos ingleses, em razão do apoio dado por ropéia, em termos de forças continentais. Durante o reinado dó úl-
Portugal aos opositores de Cromwell, durante a revolução inglesa. timo Habsburgo, Carlos 11(1665-1700), a Espanha passou à órbita
O papado recusava-se a reconhecer a independência portuguesa, do poderio francês. O testamento do monarca espanhol nomeava,
apesar das freqüentes incursões diplomáticas. De concreto, até como seu sucessor, o duque de Anjou, Filipe, neto de Luís XIV, o
1650, foram obtidas apenas algumas tropas mercenárias da mo- A,
"rei-sol" da França. Nos primeiros anos do século XVIII Inglaterra,
narquia sueca ,- Holanda e o Império austríaco procurariam interferir na sucessão
Com o Império atacado praticamente em todas as suas par- espanhola, com receio do fortalecimento demasiado do reino fran-
tes, a Ásia foi sacrificada em função da manutenção da Metrópole cês, desencadeando na Europa a chamada "Guerra da Sucessão
e das possessões atlânticas. Os ingleses conseguiram um impor- Espanhola". A partir de então, Espanha e Portugal serviriam como
tante acordo comercial em 1654, pelo qual rompia-se o monopólio peças dos interesses e das disputas entre Inglaterra e França.
das possessões portuguesas, com a franquia de seus portos à In-
glaterra. Suas manufaturas iriam, a partir de então, abastecer os
mercados lusitanos. Além disso, eram cedidas as praças de Tân-
ger e Bombaim, como dote do casamento de Dona Catarina de AS DIFICULDADES ECONÔMICAS DE PORTUGAL
Bragança com o rei inglês Carlos 11,em 1662. A partir de então,
em troca de apoio militar e político, a economia portuguesa ficaria
hipotecada aos interesses britânicos, assumindo uma posição se- O comércio lusitano sofrera com os constantes ataques às
cundária em relação às forças internacionais. O Tratado de suas embarcações. O tráfico peninsular retraíra-se em função da
Methuen, de 1703, considerado o marco da dependência de Portu- guerra, mas não se encerrara de todo, sendo ainda o meio princi-
gal com a Inglaterra, foi na verdade tributário dos acordos comer- pal para a aquisição da prata espanhola. No entanto, o Mediterrâ-
ciais entre os dos países à época da Restauração. neo, controlado pelos mercadores espaméis, encontrava-se fecha-
A trégua definitiva com os holandeses só viria a ser firmada do aos portugueses. O comércio com o Oriente permanecia em
em 1661, após a sua expulsão do Brasil e por meio de um tratado acentuado decLfnio. Os acordos firmados com Inglaterra e Hoianda
que também corcedía-lhes liberdade de comércio em todas as estimulavam a concorrência de produtos estrangeiros, que foram
possessões lusitanas. Como afirmou Godinho, o ano de 1661 "é o limitando ainda mais o crescimento da indústria e da manufatura
ponto ínfimo do poder português". A paz e o reconhecimento da nacional. O açúcar, principal produto da economia ultramarina, e

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também o tabaco, sofriam agora a concorrência da produção das


Antilhas, realizada por franceses, ingleses e holandeses, provo-
cando uma profunda crise nesses setores. Os preços desses pro- CONCLUSÃO
dutos registraram grandes quedas. Para agravar a situação da
agroindústria colonial, o preço dos escravos africanos subia, em
virtude do desenvolvimento da produção antilhana, que provocava
um aumento considerável na procura dessa mão-de-obra,
Como alternativa a essa situação procurou-se fortalecer o
controle metropolitano sobre a economia colonial, de forma a man-
ter o máximo de sua rentabilidade. Em 1647 foi fundada a Com-
panhia Geral do Comércio do Brasil, por influência de Antônio Viei-
ra, que restringia o comércio brasileiro à ação dos mercadores au-
torizados pela Coroa. Em 1642, D. João IV criou o Conselho Ul-
tramarino, órgão centralizado que visava encaminhar a política
colonial, esvaziando e limitando os poderes das instituições locais
do território brasileiro.
A base polftica e.social de sustentação do governo separatis- Entre os séculos XV e XVIII, a Europa presenciou o processo
ta foi, portanto, se alterando. A média burguesia, dispersa pelos de transformação que acabou por permitir o surgimento da moder-
vários portos lusitanos, que se envolvera no desenvolvimento da na sociedade industrial, consolidada diferentemente em cada um
indústria açucareira, e que estivera ao lado de D. João IV e do mo- de seus países. O papel dos reinos ibéricos nessa transição foi
vimento separatista, foi sendo paulatinamente alijada dos princi- fundamental. Permitiu o contato com outras formações sociais dis-
pais negócios e das decisões do monarca Os grandes comercian- tantes do continente europeu, auxiliou o estabelecimento de um
tes de Lisboa, antigos colaboradores e financiadores dos monarcas mercado em escala mundial e recolheu uma quantidade de rique-
espanhóis, aproximaram-se dos negócios do Atlântico, beneficia- zas até então inigualável, através do comércio de especiarias, do
dos por concessões e privilégios, sobretudo através da Companhia tráfico de escravos. da agroindústria açucareira e dos metais ame-
de Comércio. Ocorria uma nova guinada nas disputas entre a alta ricanos; No entanto, após um primeiro período de pujança e enri-
burguesia lisboeta e a burguesia dos portos provinciais, agora fa- quecimento, as monarquias ibéricas, já no século XVI. começaram
vorável aos comerciantes da capital. O dado característico da eco- a apresentar alguns sinais que evidenciavam a fugacidade de sua
nomia portuguesa, na segunda metade do século XVII, é a sua su- opulência. Apesar de ser uma verdadeira alavanca do desenvolvi-
bordinação aos interesses ingleses. Quando o ouro do Brasil vies- mento capitalista. a península constituiu-se numa zona de trânsito
se a provocar uma febre de suntuosidade e luxo na Corte de Lis- de riquezas, que circulavam por Portugal e Espanha, mas eram in- -
boa, a exemplo do que ocorrera antes com a monarquia espanho- vestidas e reintegradas ao processo de acumulação de capitais em
la, a Inglaterra já teria consolidado sua penetração e seu domfnio outras regiões. como Inglaterra e Holanda
sobre os negócios portugueses, desenvolvendo em ritmo acentua- Os sessenta anos de união dinástica são uma espécie de di-
do a sua indústria, Seria a vez de Portugal ver o ouro escorrer so- visor de águas entre dois contextos opostos, entre a hegemonia
bre o seu país e ser recolhido pelo estrangeiro. dos reinos ibéricos e a passagem a uma posição secundária em
termos da correlação de forças intemacionais. Por essa razão fo-

86 87
ram tão freqüentes as opiniões de estudiosos, geralmente de ori-
gem portuquesa, que apontavam a União Ibérica como a respon-
SUGESTÕES DE LEITUR
sável pelo declfnio ou "decadência" de seu pals, O mero enca-
deamento dessas duas situações pode levar a uma percepção,
aparentemente 16gica, que elege o domfnio flllpino como a causa
de todos os males.
Na realidade, como tentamos demonstrar, a situação polítlco-
econômica dos reinos ibéricos acabou por culminar na incorpora-
ção de Portugal aos domfnios dos Habsburgos. Não foi apenas o
ponto máximo da história peninsular, mas também o ponto máxi-
mo de convergência de interesses em ambas as partes. São os in-
teresses de setores da sociedade portuguesa e a retração econô-
mica que explicam e justificam a União Ibérica e não o contrário. É
também uma eonjuntura polftico-econômica diversa que elucida o
seu afastamento e não a ação heróica em defesa dos interesses
"nacionais" de setores da sociedade lusitana.
A União das Coroas inseriu-se na polftica imperial dos Habs- Para a elaboração deste livro foi fundamental a utilização de algumas
burgos e assim participÓu dos abalos do poderio imperial que mar- obras que, pelas caraoterlsficas da coleção, não puderam ser devidamente
citadas. Segue então uma lista comentada desses estudos.
cou o segundo quartel do século XVII. A força da Holanda, Inglater-
ra e França baseava-se sobretudo no desenvolvimento de seu po- I) Obras Relativas à União Ibérica
derio e dinamismo econômico intemo, onde as possessões territo- CASTRO, Armando. Lições de História de Portugal - 2, Lisboa, Editorial
riais assumiam um papel relativamente auxiliar. Foi esse dina- Caminho, 1983.
mismo que iria permitir a sua hegemonia sobre os reinos ibéricos e Apesar de um nacionalismo exacerbado, o estudioso português ofe-
sobre os demais países do mundo. rece, em uma linguagem bastante acessível, um bom trabalho sobre
as condições históricas dos reinos ibéricos nos séculos XVI e XVII e
Por seu turno, a aproximação diplomática, possibilitada por
a posição das classes sociais diante da unificação de 1580 e da I"
afinidades geopolíticas e praticadas desde os tempos medievais Restauração. Oferece uma ótima seleção de documentos ao final.
(tinha uma origem afinal comum), vai ser completamente encerra- CIDADE, Hemani. A Literatura Autonomista sob os Filipes, Lisboa, Sã da
da com o movimento separatista Mais do que uma simples luta Costa, 1948.
pela independência, a. guerra da Restauração afastou e distanciou Um valioso e pioneiro estudo sobre as expressões culturais na so-
ciedade portuguesa durante os anos da União Ibérica. Permite o
definitivamente Portugal e Espanha. O resultado da união dinásti-
acesso a inúmeros representantes da cultura do período.
ca foi, paradoxalmente, o rompimento de uma aliança que talvez
DAVIES, R. Trevor. The Golden Age of Spain, London, MacMillan, 1957.
tenha sido fundamental para a hegemonia ibérica ao longo do sé- Estudo importante para a compreensão do Império espanhol até a
culo XVI. E também, como conseqüência, a incorporação de cada primeira década do século XVII.
um desses reinos à órbita e às zonas de influência das poderosas
--- La Decadencia Espaflola (1621-1700), Barcelona, Labor, 1969.
nações emergentes. Rompeu-se, portanto, não SÓ a sua hegemo- Um bom trabalho sobre as caracterfsticas da sociedade espanhola a
nia, como também o próprio "bloco ibérico-cristão". partir do governo de Olivares e da diminuição do afluxo metálico ori-
ginário da América.

/
88 89
FRANÇA, Eduardo D'Oliveira. Portugal ne Época da Restauração, São Leitura obrigatória sobre a presença dos flamengos no Nordeste bra-
Paulo, s/ed., 1951. sileiro.
Um trabalho pioneiro de leitura indispensável para a compreensão da BOXER, Charles Ralph. Salvador de Sã e a Luta pelo Brasil e Angola
cultura e das mentalidades presentes na sociedade portuguesa da (1602-1686). São Paulo, EDUSP - Cia. Ed. Nacional, 1973.
época. ' Também um livro fundamental para a compreensão dos conflitos
GODINHO, Vitorino Magalhães. Ensaios 11,Lisboa, Sá da Costa, 1968. com os holandeses.
Obra fundamental para o estudo da economia portuguesa nos sécu- BRAUDELL, Femand. EI Mediterraneo e EI Mundo en Ia Época de Felipe 11,
los XVI e XVII, realizada por um dos maiores nomes da historiografia México, Fondo de Cultura Econômica, 1953.2 vols.
de Portugal. Dentre os excelentes artigos que compõem o livro des- Estudo clássico sobre a economia européia e sobre o Império espa-
tacamos sobretudo aquele intitulado 1580 e a Restauração que diz nhol. Muitas de suas conclusões ainda permanecem válidas. Existe
respeito mais diretamente à União Ibérica. uma tradução em português.
GOIMARD, Jacques (org.) - L' Espagne Aux Temps de Philippe 11,Collec- CHAUNU, Pierre - Sevilha e América nos Séculos XVI e XVII, São Paulo,
tion Ages d'Or e Béalités, s/1, Libraire. Hachette, 1965. . Difel, 1979.
Bellssima coletânea que reúne excelentes textos de alguns Obra clássica sobre o comércio atlântico de Espanha. Muito rica em
dos maiores historiadores contemporâneos, como, por exemplo, Fer- informações quantitativas.
nand Braudel, Pierre Vila r e Pierre Chaunu, discorrendo sobre aspec- CIPOLLA, Carlo M. História Econômica da Europa Pré-Industrial, Lisboa,
tos sociais, polfticos e culturais da sociedade edo Império espanhol. Ed. 70, 1984.
MAURO, FRÉDERIC. Portugal, o Brasil e o Atlântico (1570-1670), Lisboa, Um bom texto introdut6rio sobre a economia européia anterior à Re-
Estampa, 1988. volução Industrial. Em seu capítulo décimo apresenta um interes-
Uma obra de fôlego a respeito da economia portuguesa, com muitas sante panorama da evolução econômica da Espanha, da Itália, dos
informações quanntejívas. Pafses Baixos e da Inglaterra.
S5RRÃO, Joaquim Verfsslrno, Do Brasil Filipino ao Brasil de 1640, São DEFOURNEAUX, Marcelin. A Vida Cotidiana em Espanha no Século de
Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1968. Ouro, Lisboa, Livros do Brasil, s/d,
Trabalho extremamente descritivo sobre as conseqüências da União Apresenta elementos culturais e cotidianos da sociedade espanhola.
Ibérica para as terras brasileiras. Trabalho interessante.
VILAR, Pierre. "EI tiempo dei Quijote" in Crescimento y Desarrollo, Barce- DOMINGUEZ ORTIZ, Antônio. EI Antiguo Regimen: Los Reyes Católicos
lona, Ed. Ariel, 1964. Ensaio em que estão muito bem combinadas as Y los Austrias. Madrid, Alianza, 1977.
reflexões sobre a economia espanhola e os valores culturais dessa Excelente estudo sobre os monarcas Habsburgos e sobre a socie-
sociedade, bem como os testemunhos do período. dade espanhola.
ELLlOT, J. H. La Espana Imperial (1469-1716), Barcelona, Ed. Vicens-Vi-
11) Obras Gerais . ves, 1976.
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista, Porto, Afrontamento, Trabalho lrnprescindlvel para o estudo da sociedade espanhola e do
1984. Império Habsburgo.
Importante trabalho que procura caracterizar o Absolutismo a partir ---La Europa Dividida (1559-1598), Madrid, Siglo Veintiuno Editores,
de suas caracterfsticas feudais e nobiliárquicas. Remete-se à Espa-
1973.
nha, à França, à Inglaterra, à Itália, à Suécia e à Europa Oriental. Obra importante que traça um quadro das questões polrticas intema-
Existe uma edição brasileira. cionais e da economia durante a segunda metade do século XVI.
ASTON, Trevor (org.). Crisis en Europa (1560-1660), Madrid, Alianza Edi- GODINHO, V. M. A Estrutura na Antiga Sociedade Portuguesa. Lisboa,
torial, 1983. Arcádia, 1971.
Uma excelente coletânea qúe apresenta várias visões historiográfi- ..! Apresenta um conjunto de reflexões sobre as caracterlsticas fun-
(~
cas sobre a crise do século XVII. O prefácio é de Christopher Hill e dantes da sociedade portuguesa e de sua evolução desde o século
ainda contém textos de Trevor Roper, Hobsbawm, J. W. Elliot e ou- XV. Constitui uma das obras clássicas da historiografia portuguesa.
tros estudiosos. MELLO, Evaldo Cabral de. Oúnde Restaurada, Rio de Janeiro, Forense
BOXER, Charles Ralph. Os Holandeses no Brasil (1624-1654), São Paulo, Universitária, 1975.
Cia. Ed. Nacional, 1961. Um ótimo estudo sobre as guerras atlânticas entre holandeses e

90 91
f
luso-brasileiros, visando ao controle da produção do açúcar, e as OLIVEIRA MARQUES, Antônio Henrique de. História de Portugal, 2 vols.,
implicações polfticas e diplomáticas desse conflito durante a Restau- Lisboa, Ágora, 1973.
ração. Ainda um dos melhores estudos gerais sobre a Hist6ria portuguesa.
RIBEIRO, R. Janine - A Etiqueta no Antigo Regime: Do Sangue à Doce SERRÃO, Joaquim Verfsslrno - História de Portugal, 5 vols., Lisboa, Ver-
Vida, 2ª ed., Brasiliense, 1987, São Paulo. bo, 1978-80, vol.IV.
Interessante ensaio acerca das caracterlstlcas da vida nas cortes e . Apresenta uma grande carga informativa e factual, mas é pouco in-
dos valores da nobreza européia. Uma leitura extremamente agradá- terpretativo.
vel. TUNON DE LARA, Manuel (org.). Historia Geral de Espana, 10 vols., Bar-
SARAIVA, Antônio José - Inquisição e Cristãos-Novos, 5ª ed., Lisboa, Ed. celona, Labor, 1984, vol. V.
Estampa, 1985. Um bom manual que procura dar conta das questões e reflexões
Uma referência obrigat6ria sobre a questão dos judeus e da burgue- mais recentes da historiografia espanhola.
sia em Portugal. VILAR, Pierre. Hist6ria de Espana, Lisboa, Livros Horizonte, s/d,
SERRÃO, Joel (org.). Dicionário de História de Portugal, Lisboa, Iniciativas Manual demasiadamente sintético.
Editoriais, 1971, 4 vols. VIVES, J. Vicens (org.) Historia de' Espana y América, 2ª ed., 5 vols., Bar-
Uma monumental obra sobre a Hist6ria portuguesa. Consulta obrl- celona, Editorial Vicens-Vives, 1971, t. 11I.
gat6ria. . Uma das obras clássicas da historiografia espanhola. Os colabora-
---- Cronologia Geral da História de Portugal, 4ª ed., s/1, Livros Ho- dores geralmente conseguem combinar o extenso volume de infor-
rizonte, 1980. mações com análises bem cuidadas.
Valiosa ferramenta factual para o estudo da Hist6ria portuguesa.

---- Do Sebastianismo ~o Socialismo, s/1, Livros Horizonte, 1983.


Uma excelente obra introdut6ria sobre o pensamento polrtico em
Portugal, que discorre sobre sebastianismo, liberalismo, republica-
nismo, socialismo e anarquismo. A respeito do messianismo sebas-
tianista apresenta uma série de pertinentes reflexões e questiona-
mentos, procurando articular o que chama de Mito à Hist6ria.
TREVOR-ROPER, HUGH (org.) História de Las Civilizaciones Vol. 8 - La
Época de La Expansión, Madrid-Barcelona, Alianza-Labor Ed., 1988.
Reúne 6timos artigos sobre vários países da Europa no perfodo de
1559 a 1660, permitindo uma análise comparativa entre Espanha,
. Palses .Baixos, Império Germânico, França, Inglaterra, Polônia e
Rússia. Apresenta ainda dois artigos referentes aos Impérios islâmi-
cos e aos Impérios asiáticos.
WALLERSTEIN, Immanuel. EI Moderno Sistema Mundial, 2ª ed., México,
Siglo XXI, 1979.
Trabalho inovador e polêmico acerca da transição do feudalismo pa-
ra o capitalismo. Redefine a posição dos palses ibéricos nessa tran-
sição.

111)Manuais, de História Ibérica

GARCIA, José Manuel - História de Portugal - Uma Visão Global, Lisboa,


Ed. Presença, 1981.
Um bom manual que consegue ser informativo e reflexivo.

92

J
Lusfadas de Camões, Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de
Cervantes e Os Sermões do padre Antônio Vieira. Deste último'
o L E I T O R N O· C O N T E X T O salientaríamos os seguintes escritos: Sermão da Sexagésima (on-
de expressa seu estilo predicatório); O Sermão de S. Sebastião
(no qual está contida a esperança do retorno do rei D. Sebastião);
Sermão dos Bons Anos (no qual o papel do rei encoberto é atri-
buído ao monarca D. João IV) e a História do Futuro. (onde procura
apresentar suas reflexões a respeito do Quinto Império anunciado
pela Biblia).

4. Faça uma pesquisa entre alguns manuais didáticos e procure


observar como a União Ibérica é muitas vezes descrita como um
momento de opressão por parte da Coroa espanhola. Reflita e dis-
cuta a respeito das interpretações nacionalistas da história.

5. Tente relacionar as análises colhidas nos manuais didáticos


o estudo sobre a bistória de Portugal e Espanha, particular- com as diversas interpretações sobre a União Ibérica, elaboradas
mente durante a União Ibérica, permite a discussão de uma série ao longo da história, desde o século XVII. Procure verificar o papel
de elementos indispensáveis para a compreensão de algumas ca- do historiador na construção de seu objeto de análise e de suas
racterfsticas da sociedade brasileira Apresentamos, então, algu- conclusões.
mas sugestões para atividades que possam levar adiante e apro-
fundar a discussão dessas características:

1. Procure relacionar os valores aristocráticos das sociedades ibé-


ricas, principalmente a depreciação do trabalho manual, com a es-
cravidão estabelecida nas colônias americanas.
I F F LC ~ I U S P
2. Identifique o papel da religiosidade nas. expressões políticas 1l1$-rtO~11J
dos paises ibéricos e suas ex-colônias. No caso especifico de Por-
tugal e Brasil, procure verificar as implicações sociais das manifes-
tações de movimentos e perspectivas messiânicas, que têm como
referência o sebastianismo.
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VALOR

O
OATA.f27 "

il!I 3. Procure tomar contato com as obras literárias e pictóricas do pe-


riodo como documentos históricos que podem, além do prazer es-
tético, servir como fonte para o estudo e interpretações históricas.
Relacionado diretamente com o tema deste livro destacamos Os

94 95
REPENSANDO A mSTÓRIA GERAL

tem por objetivo desenvolver a visão


crítica através da discussão, análise e reformulação
constante dos temas históricos.
Pretende, também, estimular a participação de todos
. no processo de elaboração do saber histórico,
tanto através do tratamento desmistificador de visões
consagradas, como pela abordagem de questões
que fazem parte do dia-a-dia das pessoas "comuns",
sistematicamente postas à margem da história.

Títulos já publicados:

CULTURA POPUlAR NA ANTIGÜIDADE CLÁSSICA,


de Pedro Paulo Funari
REFORMAS REliGIOSAS,
de Flávio Luizetto
OS MUÇULMANOS NA PENINSUlA IBÉRICA,
" de Ruy Andrade Filho
GUERRAS E GUERREIROS NA IDADE MÉDIA,
de Cyro de Barros Rezende Filho
A MULHER NA IDADE MÉDIA,
de José Rivair de Macedo
ANTIGUIDADE ORIENTAL: POmICA E REliGIÃO,
de Ciro Flamarion S. Cardoso
ESTADOS UNIDOS: DA COLÔNIA À INDEPENDÊNCIA,
de Leandro Karnal
O MERCANTIliSMO E A AMÉRICA,
de Cleber Cristiano Prodanov
ESTADOS UNIDOS E AMÉRICA lATINA,
de Gerson Moura
A REVOLUÇÃO FRANCESA E A MODERNIDADE,
de Berenice Cavalcante
DESCOBRIMENTOS E RENASCIMENTO,
de Janice Theodoro
A PRIMEIRÃ GUERRA MUNDIAL,
de Augustin Wemet
HISTÓRIA IBÉRICA: Apogeu e Decltnio,
de Flavio de Campos
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