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CRIAÇÕES ARTÍSTICAS E NARRATIVAS: EXPERIÊNCIAS ETNOGRÁFICAS NO

CAMPO DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL


Artistic creations and narratives: ethnographic experiences in the field of psychosocial
care
Thomas Josué Silva 1
___________________________
Artigo encaminhado: 15/03/2016
Aceito para publicação: 06/09/2016
RESUMO

Este artigo trata de uma experiência etnográfica no campo da atenção psicossocial no


contexto da desinstitucionalização psiquiátrica no Sul do Brasil. A experiência
etnográfica desenvolveu-se por meio de uma etnometodologia constituída por criações
artísticas (pinturas e desenhos) de usuários de Saúde Mental que suscitaram a reflexão
sob uma perspectiva socioantropológica, dimensões acerca da desinstitucionalização
psiquiátrica, medicalização da experiência do sofrimento mental, formas de tratamento
em Saúde Mental e biografias. São temas presentes no estudo das narrativas verbais e
visuais dos informantes da pesquisa.
Palavras-chave: Etnografia e Saúde Mental; Etnografia e Arte; Criação artística e
Saúde Mental.

ABSTRACT

This article is an ethnographic experience in the field of psychosocial care in the context
of psychiatric deinstitutionalization in Brazil. The research has been developed through
an iconographic device constituted by ethnomethodology (paintings, drawings and
creations of images) of Mental Health users that raised a reflection under a social
anthropological perspective, dimensions about psychiatric deinstitutionalization,
medicalization of the mental suffering experience, forms of mental health treatment and
biographies. These are themes present in the study of verbal and visual narratives made
by the survey informants.
Keywords: Ethnography and Mental Health; Ethnography and Art; Artistic creation and
Mental Health.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, ISSN 1984-2147, Florianópolis, v.8, n.20, p. 24-44, 2016.
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1 INTRODUÇÃO

O campo da atenção psicossocial instaura uma polissemia de perspectivas


teóricas e de uma transversalidade de saberes que não se poderia reduzir este
pluralismo a uma categorização unívoca de interpretação ou a uma hermenêutica ligada
somente a uma tradição do conhecimento. Tal questão é evidenciada por Amarante
(2007) ao pensar sobre os territórios e fronteiras que a Saúde Mental instaura a partir
de sua natureza complexa e interdisciplinar, exigindo novas abordagens
epistemológicas e novos processos de reflexão e de práticas para o campo.
Portanto, considera-se que os avanços e as aproximações das Ciências
Humanas e Sociais, assim como das Artes, no campo ajuda a refletir sobre práticas e
políticas de cuidado à Saúde Mental tomando como ponto de partida estudos
qualitativos, onde o fazer artístico no cenário da atenção psicossocial evidencia a
riqueza e a complexidade das narrativas de vida de pessoas acometidas por sofrimento
mental que buscam sua afirmação subjetiva e que deflagram modelos de atenção em
Saúde Mental que não respondem mais a estas complexidades, e tão pouco as
respostas do modelo tradicional psiquiátrico podem elucidar um outro caminho.
A experiência com a produção artística e as Ciências Sociais, através da
constituição de novas formas de fazer etnografia no cenário da atenção psicossocial,
mostrou outros caminhos de produção de saberes sobre a desinstitucionalização
psiquiátrica, a partir da aproximação com as narrativas dos informantes ao
evidenciarem que as criações artísticas produzidas nestes segmentos remetem a uma
visão mais polissêmica e analítica do fenômeno criador humano e sua relação com os
contextos culturais e sociais de onde são originários, da mesma forma que denunciam
formas verticalizadas e hegemônicas do modelo biomédico e psiquiátrico ainda vigentes
no contexto da atenção à Saúde Mental contemporânea.
Todavia, a posição que nós adotamos sobre as criações iconográficas
produzidas no cenário psicossocial preconiza uma visão crítica acerca do conceito
burguês de arte hegemônica e institucionalizada (BOURDIEU, 1996) em favor de um

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Mestre em Teoria e Crítica da Arte. Doutor em Antropologia Social Universidade de Barcelona.
Professor e pesquisador Universidade Federal do Pampa. thomasjosuesilva@gmail.com

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fazer artístico emic à margem dos sistemas das artes oficiais, como se evidencia nas
narrativas e representações visuais dos informantes acerca daquilo que concebiam e
entendiam como sendo arte. Observou-se na fala de um informante: “Esta é minha arte,
eu expresso aqui o que sinto. Isto é minha arte”
Portanto, as criações iconográficas elaboradas pelos informantes dão pistas de
um fazer artístico contextual e próprio, a partir da escuta de narrativas verbais e da
observação de criações visuais que brindam a uma riqueza de representações acerca
das vivências do sujeito acometido por sofrimento psíquico e de sua interface com o
mundo.
Esta experiência etnográfica foi valiosa por vislumbrar-se que o objeto de
pesquisa, por sua natureza complexa, foi constituído a partir de um verdadeiro mosaico
narrativo, composto por fragmentos de criações iconográficas, narrativas verbais e
contextos biográficos, tomando como empréstimo as ideias metodológicas da pesquisa
social de Howard S. Becker (1999, p. 104) ao mencionar: “Diferentes fragmentos
contribuem diferentemente para nossa compreensão; alguns são úteis por sua cor,
outros porque realçam os contornos de um objeto.” Os fragmentos narrativos, sejam
criações iconográficas ou verbais, constituíram a construção de elementos biográficos
que permitiram o acesso à cosmovisão que formou parte importante do itinerário
etnográfico no contexto da atenção psicossocial.
A interação com fragmentos narrativos de sujeitos em situação de
vulnerabilidade psíquica, que resultou no desenvolvimento do estudo etnográfico, foi no
Atelier de Expressão (ATE), local destinado ao desenvolvimento de atividades artísticas
para usuários de Saúde Mental provenientes de um Centro Público de Atenção
Psicossocial que era subsidiado pela Secretaria de Saúde da cidade de Novo
Hamburgo, Estado do Rio Grande do Sul, região Sul do Brasil. O referido Centro de
Atenção Psicossocial, fundado nos anos 90, preconizava um atendimento
descentralizado, extra-hospitalar, baseado em uma perspectiva de política de
desinstitucionalização psiquiátrica.
Privilegiou-se para o estudo etnográfico o recorte analítico de um estudo de caso
que se acompanhou no período de 1991 a 1994, sendo revisitado o campo da pesquisa
na década de 2000. O informante se chamará Pedro, usuário do ATE, que através de

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suas criações iconográficas e narrativas verbais, nos brinda com temas importantes ao
campo dos estudos qualitativos em Saúde Mental e para a Desinstitucionalização
Psiquiátrica, como: discurso hegemônico acerca do tratamento da doença mental,
modelos de atenção em Saúde Mental, institucionalização e desinstitucionalização da
doença mental, subjetividade e experiência com o fenômeno do sofrimento psíquico.

2 ARTE E SAÚDE MENTAL: possibilidades etnográficas no campo psicossocial

A discussão sobre criações artísticas no campo psicossocial não é recente. Os


estudos inaugurais do psiquiatra e historiador de arte Hans Prinzhorn (1922, 1984)
sobre iconografias produzidas por doentes mentais, reunidas nos princípios dos anos
20 em sua coleção magistral na Universidade de Heidelberg, apontam para uma rica e
importante fonte de pesquisa tanto do ponto de vista da humanização do tratamento da
doença mental como da qualidade artística observada nas produções estéticas
oriundas desses contextos psiquiátricos.
Também, os movimentos da arte ocidental moderna receberam forte influência
de manifestações estéticas oriundas de segmentos psiquiátricos, manifestações
artísticas não institucionalizadas pelo circuito oficial da crítica de arte consagrada.
Como exemplo disso, nos meados dos anos 40 o artista francês Jean Dubuffet,
interessado por criações estéticas produzidas em segmentos psiquiátricos à margem
dos sistemas das artes dominantes, nomeou-as como Arte Bruta. Já nos anos 70,
Roger Cardinal cunhou tais produções como Outsider Art.
Todas as tentativas de capturar ou definir conceitualmente esses eventos
estéticos na esfera psiquiátrica não conseguiram reduzir de forma unívoca ou disciplinar
a diversidade e a densidade estética encontrada nas narrativas iconográficas de
pessoas acometidas por sofrimento mental ou em situação de vulnerabilidade psíquica.
No presente estudo, porém, o interesse em particular não se limita a abordar o
fenômeno da criação iconográfica no contexto psicossocial de forma a encontrar uma
ressonância conceitual com filiação estética determinada. O estudo privilegia uma
produção iconográfica que se aproxima da produção de uma etnografia visual como
fonte hermenêutica que vislumbra um contexto semântico no cenário psicossocial, na

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interface entre produção simbólica visual e experiência com a dimensão do sofrimento
psíquico.
Contudo, seria utópico dizer que mesmo uma Arte Bruta, segundo sua histórica
conceitualização, estaria livre das normas do campo artístico, como apontou Pierre
Bourdieu (1996, p. 278) acerca das regras do mundo artístico, em especial, em sua
análise sobre a Arte Bruta:
[...] os teóricos da Arte Bruta não podem constituir as produções
artísticas de crianças ou dos esquizofrênicos como uma forma limite da
arte pela arte, por uma espécie de contra senso absoluto, senão porque
ignoram que elas só podem aparecer como tais para um olho produzido,
como o deles.

Assim, compartilha-se a perspectiva de Bourdieu no sentido de que a referência


no presente estudo não foi buscar uma norma estilística, ou classificar as produções
dos informantes do ATE, numa corrente da história da arte, pois não se pode ignorar,
retomando as reflexões de Bourdieu, que qualquer classificação segue um consenso
hegemônico, uma doxa, uma crença compartilhada que vai estruturar um campo
determinado e estabelecer relações de poder.
Também Gorsen (1977), referindo-se ao estudo da arte e da psicopatologia,
aponta para algumas questões ideológicas que permeiam relações de poder presentes
na esfera da criação estética em segmentos psicossociais e dos contextos institucionais
clínicos, pertinentes ao estudo em questão. O autor aponta:

Em síntese, pode-se dizer que a atitude segredista das clínicas


psiquiátricas e dos seus arquivos começa finalmente a se dissolver em
favor de uma pesquisa interdisciplinar, e não mais apenas diagnóstica
da expressão. (GORSEN, 1977, p. 279).

A partir das reflexões de Gorsen, depara-se com manifestações iconográficas e


narrativas que o levam a questionar formas ideológicas de classificação e de
segregação, tanto no âmbito estético como no da atenção psicossocial. Por
conseguinte, a pesquisa social nestes segmentos deverá contemplar novas formas de
abordagens teórico-metodológicas de base interdisciplinar para a compreensão deste
fenômeno tão diverso e complexo.

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Da mesma forma, a etnografia constituída por meio da expressão artística do
informante aponta para uma abordagem hermenêutica onde as imagens possuem vida
própria carregada de uma infinitude de possibilidades semânticas. A partir disso, não se
pode esgotar a análise iconográfica em interpretações unidimensionais (JOLY, 1994).
Como as imagens visuais não podem ser decifradas em sua totalidade, pensar o
dispositivo iconográfico é, também, pensar no discurso verbal que o acompanha, pois
uma imagem necessitará sempre, ainda que somente de forma provisória, de uma
mediação verbal para agregar-lhe um sentido. Jacques Aumont ([1990], 1993, p. 248)
esclarece sobre o problema do sentido da imagem: “[...] a relação entre imagens e
palavras, entre imagem e linguagem... não existe imagem pura, puramente icônica, já
que para ser plenamente compreendida uma imagem precisa do domínio da linguagem
verbal.”
Quando se utiliza o dispositivo iconográfico para estudos qualitativos em
Ciências Sociais, busca-se um recurso interpretativo que não seria possível somente
com o uso de uma etnografia clássica constituída pelo texto escrito. Este tema é tratado
por Erving Goffman (1991, p. 138-142) em uma importante contribuição teórica sobre
seus estudos sobre representação social, onde o autor, utilizando o recurso
iconográfico no estudo da interação social, aporta a seguinte questão: “Observemos,
además, que el texto, que explica más o menos lo que passa, suele ser, con frecuencia,
algo superfulo, pues la imagen cuenta por si misma su própria historia.” O autor segue:

La capacidad social de la vista es enorme y, el acuerdo de los videntes,


impresionante […] Le ofrecen, en efecto, la posibilidad de considerar
claramente figuras conductivas que la insuficiencia de talento literario no
le permitiría citar por medio de las palabras. Estas, al no tener que
restituir ya la totalidad del problema, pueden limitarse a dirigir la mirada
a lo que hay que ver. (GOFFMAN, 1991, p. 138).

Desta forma, o presente estudo centra-se em narrativas verbais e visuais que


não buscarão uma classificação artística, nem psicopatológica, da expressão, mas
abrirão possibilidades de encontros etnográficos possíveis. Assim, a experiência de
campo suscitou um caminho etnometodológico, aqui compreendendo o prefixo etno,
não reduzindo o estudo aos fenômenos de etnicidade, mas ao universo de mundos

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sociais que coexistem dentro de uma mesma sociedade, de subculturas específicas.
(LAPLANTINE, 1996).
O caminho etnometodológico foi trilhado na experiência com a criação
iconográfica em Saúde Mental num contexto psicossocial específico, que oportunizou o
contato e a interação com universos subjetivos, com biografias e representações de
mundo. Uma experiência local, mas substancialmente capaz de produzir uma amplitude
do conhecimento acerca do “outro”. Como aponta Geertz (1983, 2001), todo “saber
local” é substantivo, é de alguém e, portanto, pode representar uma abertura
significativa de conhecimento.

3 REVISITANDO UMA HISTÓRIA DA DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: O aletier de


expressão de Novo Hamburgo como lugar de encontros com a criação artística e
de escuta social

Historicamente, o Atelier de Expressão (ATE) foi um espaço público criado no


ano de 1991 com o objetivo de desenvolver um programa social de desenvolvimento de
atividades de expressão artística destinado a usuários de Saúde Mental do Serviço
Municipal de Saúde Mental (SMSM), subordinado administrativamente à Secretaria de
Saúde da cidade de Novo Hamburgo, que pertence ao Estado do Rio Grande do Sul,
localizado na Região Sul do Brasil.
Inicialmente, o ATE funcionava juntamente ao ambulatório do Serviço Municipal
de Saúde Mental (SMSM), e no ano de 1991 passou a funcionar no Atelier Municipal de
Arte (AMA), onde permaneceu até 1994. Neste novo local, o AMA destinava salas para
o funcionamento das atividades de expressão artísticas do Atelier de Expressão (ATE),
compartilhando no mesmo espaço atividades de oficinas de artes plásticas com a
comunidade artística e com outros frequentadores da localidade.
O AMA é uma instituição pública que abriga atividades artístico-culturais e,
também, promove a formação em Artes Plásticas para os cidadãos da municipalidade.
Esta instituição é mantida atualmente pela Secretaria de Cultura do Município de Novo
Hamburgo.

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A filosofia norteadora de trabalho no ATE seguia uma perspectiva de interação
social dos usuários de Saúde Mental do município com a comunidade artístico-cultural e
no desenvolvimento de uma atenção integral e interdisciplinar em Saúde Mental que a
Reforma Psiquiátrica Brasileira definia como:

[...] a busca de outros recursos de Atenção Integral na comunidade fora


do âmbito restrito do ambulatório de Saúde Mental, fomentando a
integração com outros profissionais de diversos campos do
conhecimento, como, por exemplo: trabalhadores das áreas de
produção cultural, Artes e Educação (BRASIL, II CNSM, 1992, p. 15).

Assim, o ATE, embasado nesses princípios norteadores da Reforma Psiquiátrica


Brasileira, assim como nos princípios da desinstitucionalização psiquiátrica (BASAGLIA,
1982; ROTELLI, 1990), não era, evidentemente, uma escola de arte nem tampouco um
espaço de arteterapia, ou um espaço de oficinas de reabilitação psicossocial; todavia, o
Ateliê configurou-se como um lugar de interação social, de convivência e de trocas
sociais, mediado pelo vetor da criação visual (iconográfico) de seus frequentadores com
a comunidade artística da cidade. Esta questão fica notória na fala de um frequentador
do ATE: “Aqui eu convivo com muita gente diferente, eu gosto muito, artistas, gente
diferente lá do ambulatório de saúde mental,... Aqui eu pratico minha arte. Eu convivo
com meus colegas, eu converso com eles.”
Nesta direção, o ATE antecipou historicamente uma série de discussões acerca
da busca de recursos comunitários não centrados exclusivamente no cenário
assistencial tradicional dos serviços de Saúde Mental, mas buscou integrar usuários de
Saúde Mental na comunidade, fugindo da perspectiva de criar oficinas terapêuticas
dentro e isoladas nos serviços especializados de Saúde Mental, com um cunho
normativo e disciplinador. O ATE sai do ambulatório de Saúde Mental do Serviço
Municipal de Saúde Mental e migra para outro espaço social mais amplo, para outras
formas de sociabilidade, outras formas de relações com a doença mental e o social.
Essa discussão é atualizada nos estudos sobre a Saúde Mental e atenção
psicossocial a partir do paradigma da desinstitucionalização psiquiátrica, proposto pelo
pesquisador Paulo Amarante (2007, p. 85) ao se referir de forma crítica a determinadas
práticas realizadas em oficinas ou ateliês de arte no interior dos serviços de Saúde

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Mental que não estabelecem relações com o espaço sociocultural e comunitário mais
amplo, quase sempre vinculadas a uma noção meramente de ofício terapêutico, de
adaptabilidade normativa. O autor enfatiza a importância da criação de novos espaços
de trocas sociais para os usuários de Saúde Mental, fora do âmbito restrito do campo
psiquiátrico.
A partir das questões suscitadas por Amarante, pode-se considerar que os
trabalhos nas oficinas do ATE não se caracterizavam como práticas terapêuticas
através da criação iconográfica, mas como um lugar fora do âmbito clínico e
ambulatorial, preconizando o desenvolvimento da expressão criadora de seus
frequentadores e, também, na promoção de novas formas de expressão subjetiva, do
resgate de singularizações que são absolutamente negligenciadas pela lógica da
doença, do clínico.
A questão fica evidente nas falas e nas representações visuais dos
frequentadores sobre temas sobre cotidiano, memórias de vida, questões sociais e,
sobretudo, das experiências subjetivas com a estigmatização do fenômeno saúde-
doença mental, como fica expresso na fala de uma das frequentadoras do ATE: “Aqui
no ATE eu falo de mim, daquilo que eu sofro e sou discriminada... sabe... desenho e
pinto também... diferente de lá do ambulatório de Saúde Mental, onde eu sou só
tratada, só minha doença.” Outro frequentador expressa: “O Atelier de Expressão é uma
inovação para o acompanhamento de cultura e de informação. No ambulatório é só
doença; aqui eu expresso livremente minhas ideias e pensamentos.”
A observação das falas dos informantes neste novo espaço, longe das marcas
da doença e da normatividade clínica vivenciadas no ambulatório de Saúde Mental do
município, faz lembrar as reflexões dos trabalhos de Felix Guattari (1992, p. 17) nas
oficinas de arte da Clínica La Borde, na França:

O que importa aqui não é unicamente o confronto com uma nova


matéria de expressão, é a constituição de complexos de subjetivação:
indivíduo – grupo -máquina- trocas múltiplas, que oferecem à pessoa
possibilidades diversificadas de recompor uma corporeidade existencial,
de sair de seus impasses repetitivos e, de alguma forma, de se
resingularizar.

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Transfigurando as marcas nosológicas presentes no território ambulatorial do
Serviço Municipal de Saúde Mental, este estudo etnometodológico cede lugar a uma
nova perspectiva: um território de resgate de narrativas transpatológicas, de narrativas
biográficas, representações subjetivas sobre saúde-doença mental, de formas visuais
que expressavam ideias, memórias e multiformas de comunicação com o mundo,
espaços possíveis de acolhida das singularizações dos sujeitos. O ATE possibilitou um
lugar de trocas sociais e de singularização, sem sombra de dúvida, o que aproxima das
ideias de Rotelli (1990, p. 91-92) ao refletir sobre a necessidade de romper com a lógica
patologizante no campo da atenção psicossocial, e que se faz necessário criar nestes
cenários psicossociais laboratórios de oportunidades onde o sujeito recupere sua
singularidade e sua subjetividade, “espaços de vida” e não de doença.
Pensando o ATE como um laboratório de oportunidades, este trabalho
etnográfico vivenciado nas oficinas de expressão artística do ATE pode oferecer a
percepção de um espaço não medicalizado a partir de uma dialética social que figurou
uma territorialidade habitada por expressões iconográficas multiformes, por expressões
simbólicas, que revelaram cosmovisões de mundo; da mesma forma, é um lugar de
convívio social distinto daquele do ambulatório, onde as relações eram pautadas por
papéis fixos, numa relação de poder entre aqueles que tratam – os médicos e os
terapeutas – e aquele que é tratado: o usuário marcado pela doença que recebe a
assistência. Tal premissa fica evidente na fala desta usuária: “No ambulatório eu sou
tratada, ninguém sabe de minha história de vida. Aqui no ATE posso falar de minha
vida, de minha história. Aqui eu desenho, eu pinto, eu converso com meus colegas.”
Esta pesquisa etnográfica foi desenvolvida a partir do estudo das criações
iconográficas e do discurso verbal dos frequentadores do ATE do Serviço Municipal de
Saúde Mental de Novo Hamburgo. Considerado um lugar descontaminado do
psicopatológico, o ATE caracteriza-se como sendo um espaço de interação social que
possibilitou uma escuta social distinta daquela escuta nosológica presente nos espaços
de atenção psicossociais tradicionais. Assim, a criação iconográfica e o discurso verbal
dos informantes levaram a uma polissemia rica de significados e representações que
ajudou a construir um caminho etnometodológico particular, para refletir sobre a
experiência do sofrimento psíquico e sua relação com o campo da atenção

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psicossocial, como se observará em seguida, na análise do estudo de caso do
informante Pedro.

4 O MUNDO ICONOGRÁFICO DE PEDRO: criações visuais que falam

“O desenho é a restauração do paraíso... O desenho me faz


bem. Necessito desenhar.”

“Uma viagem ao mundo desconhecido... que mundo


desconhecido é este... dentro de nossa limitação não é
possível conhecer.” (Pedro, 1994).

Neste segmento do artigo, apresenta-se um breve relato de caso. É a história de


Pedro, um frequentador do ATE que acompanhamos no trabalho de campo durante os
anos de 1991 a 1994, revisitando o campo de investigação etnográfica no ano de 2000.
Nas entrevistas com Pedro, e também revisando notas e escritos de campo,
encontram-se alguns dados sobre sua biografia capturados inicialmente nos
documentos do ambulatório de Saúde Mental do Serviço Municipal de Saúde Mental,
datados do ano de 1991. Segundo os documentos, Pedro havia sido diagnosticado
psiquiatricamente como esquizofrênico sem maiores especificações (CID 10.F20.9),
com data de nascimento em 8 de abril de 1961 na cidade de Novo Hamburgo, situada
no Vale-do-Sinos, Sul do Brasil, onde vive até hoje. Sua família, de classe média, é
constituída por cinco irmãos e a mãe, sendo o pai falecido.
Sobre sua escolaridade, sabe-se que cursou até o 7o ano primário. Na mesma
época, sua família enfrentou uma crise econômica que obrigou Pedro a ingressar no
mercado de trabalho aos 14 anos. Seu primeiro emprego formal foi numa empresa de
metalurgia, onde permaneceu somente por alguns meses. Após a saída deste trabalho
formal, Pedro inseriu-se na rede informal, sem vínculos laborais institucionais.
Segundo o relato de Pedro, após sua frustrante experiência com o mundo do
trabalho, na idade de 16 anos desejou seguir a carreira militar na Marinha Brasileira.
Seu sonho era participar do Programa Militar da Marinha Nacional. Para tanto,
esmerou-se muito a enviar carta de intenções e documentos para seu alistamento
militar. Seu esforço, no entanto, foi em vão, pois logo recebeu uma carta de

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contestação por parte da Marinha Nacional, negando seu pedido de incorporação.
Pedro comentou na época: “Eu desejava seguir a carreira militar da Marinha, mas não
consegui” (ATE, 1991).
Após este depoimento, Pedro desenhou a figura de um grande navio de combate
e escreveu no verso da folha em que havia desenhado a figura da nave: “Horizonte
aberto. Mistério é o que vem antes do horizonte aberto... Bonanza que existe depois da
tempestade. Navio de combate.”

Ilustração 1: “Navio de Combate” (ATE, 1991).

Aos 18 anos, Pedro teve seu primeiro surto e foi encaminhado para internação
em um hospital psiquiátrico próximo à cidade de Novo Hamburgo, onde permaneceu
internado durante três meses. No mesmo período, relatou que as atividades que mais
lhe agradavam no Hospital, durante sua internação, eram aquelas realizadas nas
oficinas de criação plástica.
No mesmo período das primeiras interações com Pedro no ATE (1991),
narrativas da infância mesclavam-se em criações visuais e depoimentos verbais, como
se observa neste fragmento de sua fala e na criação de uma iconografia que representa
um parque infantil da cidade, onde brincava quando criança. Pedro segue narrando:
“Fugi da realidade... do local, e fugi para minha infância.”

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Ilustração 2: “Meu tempo de criança” (ATE, 1991).

Neste mesmo momento, nos anos que se passaram da interação com Pedro no
ATE, imagens e narrativas verbais figuravam uma sucessão de recordações de sua
biografia infantil.
Sobretudo nas iconografias associadas ao discurso verbal, observa-se a
presentificação de um tempo biográfico vivido que o informante resgatava a cada
momento no curso da interação com ele no campo, como se observa na ilustração que
segue, onde o informante representa mãos que narram: “mãos que brincam no ar...
tempo da infância.”

Ilustração 3: “Mãos que brincam no ar” (ATE, 1991).

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Da mesma forma em que o processo interacionista avançava com o informante
no ATE e apareciam temas da memória infantil que vislumbravam narrativas de sua
história de vida, outros temas de suas experiências biográficas ganhavam lugar em
suas expressões visuais e narrativas verbais. Essas novas temáticas falavam de suas
vivências em instituições psiquiátricas e de suas representações acerca de temas de
saúde-doença mental, como se observará no próximo segmento do artigo.

5 CRIAÇÕES ICONOGRÁFICAS E NARRATIVAS: vivências com as instituições


psiquiátricas e com a doença mental

Observe-se a imagem de uma cabeça desenhada ladeada por ondas circulares e


com o acréscimo na composição por palavras que se mesclam ao desenho que ajudam
a perceber as ideias e as vivências de Pedro acerca do fenômeno do sofrimento
psíquico: “Um doente mental é um doente intelectual.” E logo comenta: “Só há um
espaço quando a gente faz parte deste espaço.”

Ilustração 4: “O doente mental” (ATE, 1992).

A representação da figura de um “doente mental” desenhada e as palavras


agregadas ao conjunto da composição formal de Pedro expressam, indiscutivelmente, a
vivência do informante com o fenômeno do sofrimento psíquico, pois nesse período de
estada no campo Pedro apresentou narrativas que falam de suas vivências em
instituições psiquiátricas e de sua vivência com a própria dimensão do sofrimento
psíquico.
No seguimento da observação de suas narrativas acerca da dimensão da
doença mental, Pedro vai buscar representar sua experiência no campo do tratamento

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da doença. Neste segmento, ele desenha um consultório psiquiátrico e logo comenta:
“O que é a esquizofrenia?”. Pedro manifesta uma preocupação com a ontologia de sua
doença. Assim, ele representa uma mãe que vai dar a luz uma criança doente.
Desenha esta figura feminina grávida, que ele diz “ser uma mãe”, e logo narra: “a
doença... temos que prevenir antes que ele nasça.”

Ilustração 5: “Origem da doença mental” (ATE, 1992).

Importante ressaltar que o tema de suas narrativas acerca de doença mental e


tratamento, como de sua ontologia, são recorrentes na sequência dos anos em que
estivemos em contato com Pedro no ATE, sobretudo quando se observa que sua
narrativa verbal-iconográfica enfatiza lembranças dos territórios institucionais onde
vivenciou os processos de suas primeiras internações psiquiátricas. Observa-se neste
relato do período: “Eu tinha 18 anos... eu chorava muito... queria sair de lá. Toda
semana minha família me visitava. Eu tinha medo, ficava só lá, eu queria sair de lá.”
Ao mesmo tempo em que se observa nas narrativas visuais-verbais de Pedro a
presença de relatos do passado que expressam as experiências de internação vividas
na instituição psiquiátrica, também se percebe na observação de campo o presente de
suas vivências e representações no cenário da atenção psicossocial fora do âmbito
hospitalar tradicional, como figura esta imagem criada pelo informante intitulada:
“Ontem e hoje”.

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Ilustração 6: “Ontem e Hoje” (ATE, 1992).

Esta criação iconográfica traduz uma narrativa visual-verbal importante do ponto


de vista da investigação etnográfica por evidenciar a capacidade do informante de
comparar temporalmente suas experiências psiquiátricas vividas no passado e aquelas
que figuram as novas vivências com o tratamento psiquiátrico no contexto presente,
distinto do aspecto hospitalocêntrico do passado. Esta questão evidencia-se na criação
de uma composição que representa através de um traçado divisório, como uma
fronteira, uma linha divisória de tempo, as experiências passadas nas instituições
psiquiátricas e, já na parte inferior do desenho, representaria seu momento presente,
seu tratamento no Serviço de Saúde Mental de Novo Hamburgo e de sua vivência no
ATE, como se observa nas duas frases agregadas na composição: “ontem hospital...
hoje liberdade.”
Na mesma temática, observa-se Pedro (ATE, 1994) elaborando uma iconografia
que representa um manicômio. Nesta criação visual ele expressa o interior de um
manicômio, agregando frases que denotam as vivências e as concepções do
informante sobre o contexto manicomial.

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Ilustração 7: “O manicômio” (ATE, 1994)

Após concluir o desenho intitulado “O manicômio”, o informante comenta: “Eu já


fui internado em um hospital psiquiátrico e chorava muito, desejava sair.” E continua:
“Manicômio não é vida. As pessoas lá são abandonadas, ninguém quer saber delas lá.
Eu digo... hospício não.” Pedro (ATE, 1994) segue narrando:

Os hospitais psiquiátricos são isolados. Existe o jardim e o edifício que


são o termo de acesso limitado. Janela com vidro e a moldura. A saúde
mental é o convívio junto com a sociedade.

Observando a riqueza das criações iconográficas e do discurso verbal de Pedro


acerca da instituição psiquiátrica, das formas de tratamento e de sua relação com o
sofrimento mental, pode-se dizer seguramente no campo de investigação que são
construtos narrativos que traduzem fragmentos biográficos e formas semânticas que
buscam dar significado e sentido a experiências com a dimensão do sofrimento
psíquico que o informante expressa de forma muito particular.
Deste modo, refletindo sobre o repertório narrativo-visual-verbal de Pedro no
período do trabalho etnográfico, pode-se aproximá-las de uma espécie de estratégia
narrativa (GOOD, 1994) encontrada pelo informante para dar sentido às experiências
existenciais que marcaram sua biografia.

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Seria interessante mencionar, portanto, as contribuições teóricas de B. J. Good
para o campo da Antropologia Médica, sobre as estratégias narrativas que o sujeito
encontra para relatar e, ao mesmo tempo, para dar significado e sentido ao que está
vivenciando na dimensão do sofrimento. Good (1994, p.139) reflete sobre o tema:
“Form in which experience is represented and recounted… in which activities and events
are described along with the experiences associated with them and the significance that
lends them their sense for the persons involved.”
Considerando as reflexões suscitadas por Good (1994), pensa-se que o caso de
Pedro oferece um rico exemplo de uma estratégia narrativa no campo da atenção em
Saúde Mental, onde imagens e discurso verbal se fundem num construto narrativo que
expressa ideias e sentimentos sobre vivências com a doença mental e com a instituição
psiquiátrica, transcendendo uma mera perspectiva unidimensional de escuta
psicopatológica do fenômeno.
Todavia, esta experiência etnometodológica possibilitou a abertura para uma
escuta social e intersubjetiva do sujeito que sofre e de suas estratégias narrativas para
dar sentido e significado às experiências do sofrimento psíquico. Estas narrativas
ajudam a compreender que as vivências com a doença-saúde mental não são vividas
de forma fragmentada no sujeito, mas dentro de contextos e de relações intersubjetivas
do sujeito com seu entorno sociocultural, uma questão bastante discutida pela tradição
da Antropologia Médica nas últimas décadas (KLEINMAN, 1988; HERNÁEZ, 2008) e
contemplada por uma perspectiva fenomenológica sobre a natureza da vivência
intersubjetiva do sujeito com seu entorno social, como esclarece Alfred Schütz (1993, p.
75-104), a partir de seus estudos fenomenológicos no campo sociológico, a partir do
termo alemão “Erlebenis” para ilustrar o conceito do significado de vivência, e de sua
extensão no campo das relações sociais na construção dialética de um conhecimento
compreensivo dos fenômenos.
Neste sentido, pensar na própria vivência com o sofrimento psíquico remete a
pensar nas formas de dar significados a vivências extremas num processo dialético com
o mundo social e real em que se vive, naquele contexto sociocultural em que se
estabelecem relações com o outro, onde as vivências subjetivas se estendem no
mundo existente, gerando alteridades.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência etnográfica plasmada por criações iconográficas e narrativas


verbais dos informantes demonstrou, no percurso do trabalho de campo, a necessidade
de se desenvolverem pesquisas qualitativas no cenário da Atenção Psicossocial que
privilegiem uma postura dialógica em favor de uma escuta social mais contextual acerca
da experiência do sujeito com o sofrimento psíquico e de sua complexa interface com a
instituição psiquiátrica, nos diferentes contextos culturais onde estes eventos estejam
sendo vividos, diferentemente da escuta monológica centrada somente no aspecto
nosológico, que desconsidera as complexidades socioculturais e a intersubjetividade do
sujeito que sofre.
São necessárias etnometodologias que promovam abordagens interdisciplinares
que levem em consideração as dimensões intersubjetivas dos sujeitos que vivem a
experiência da enfermidade mental, considerando a relação com os contextos
institucionais de assistência e cuidado e com os microcosmos socioculturais dos
sujeitos, como se evidenciou nos relatos e nas criações iconográficas de Pedro acerca
de suas vivências nesses segmentos. Da mesma forma, esses estudos podem ajudar
na constituição de uma reflexão crítica sobre os processos de medicalização e de
institucionalização da doença mental na sociedade atual.
Portanto, a necessidade de outras abordagens teóricas não filiadas
necessariamente ao campo psi possibilitará uma renovação do debate sobre a Atenção
Psicossocial no meio acadêmico e nas formas de cuidado dos sujeitos em situação de
vulnerabilidade psíquica, contra a excessiva medicalização da experiência da doença
mental no contexto contemporâneo.
Assim, ao revisitar o contexto do Atelier de Expressão de Novo Hamburgo,
cenário onde esta pesquisa foi desenvolvida, a partir de uma postura interacionista
dialógica deparamo-nos com uma riqueza narrativa composta por imagens e biografias
que levaram a tensionar as formas tradicionais e históricas de tratamento psiquiátrico
(FOUCAULT, 1990), considerando, entretanto, que a Desinstitucionalização Psiquiátrica
conduz a uma reflexão permanente dos dispositivos ideológicos e axiológicos das

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formas de cuidado e de desmedicalização do sofrimento mental, fator presente nos
relatos biográficos e nas representações iconográficas dos informantes da pesquisa.
Deste modo, quando se escuta a voz e se observam as criações iconográficas
de Pedro, pode-se pensar que, por mais que esta experiência tenha sido local num
lugar demarcado, ela se torna importante (GEERTZ, 1983, 2001) por ter possibilitado
pensar que uma outra desinstitucionalização é possível, como um caleidoscópio que
convida a uma experiência imaginativa constante, que nunca cessa de oferecer novos
arranjos formais, sempre em movimento, nunca inerte. Isso, sem dúvida, foi o espírito
norteador deste estudo etnográfico e desta experiência no campo psicossocial.

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