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Do restauro à recriação
Juliana Cardoso Nery e Rodrigo Espinha Baeta
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como em ações práticas nas diferentes escalas e objetos da salvaguarda do
patrimônio, do material ao imaterial. Esse despreparo de alguns agentes
responsáveis pelas tomadas de decisão – entre gestores, autores de
projetos e a vasta gama de profissionais envolvidos – podem causar danos
irreparáveis ao patrimônio cultural. Um grande risco está na dificuldade
e/ou inabilidade desses agentes de discernir entre os interesses da
preservação-conservação e aqueles da reprodução do capital, bem como
identificar os conflitos gerados nos delicados enlaces entre eles. As
tangências efetivas desses enlaces são bem menores e mais tensas que
aquelas defendidas pelos discursos da sustentabilidade, em particular
àquelas voltadas para a economia do turismo como principal estratégia
para garantir a perpetuação do patrimônio cultural. A inabilidade dos
agentes em valorar os interesses envolvidos, bem como a recorrente
colisão entre eles, geralmente leva à prevalência da resolução das
questões em favor do capital em detrimento das efetivas preocupações do
patrimônio e sua preservação. O resultado muitas vezes é a pasteurização
patrimonial – em certa medida, facilitada e legitimada pela relativização
e fragmentação das formas de pensar na contemporaneidade – da qual restam
apenas caricaturas artificiosas ou pálidos espectros do que um dia foram
saberes e fazeres, longa e ricamente tecidos na espessura da história de
um lugar e de um povo, responsáveis pela configuração dos elementos
materiais e imateriais de interesse de preservação.
Logo, esse trabalho tem, por objetivo, tratar de uma pontual, porém
central discussão voltada especificamente para o princípio guia das
intervenções projetuais em patrimônios edificados, sejam eles edifícios
isolados ou conjuntos históricos. Parece, nos dias de hoje –
eventualmente com algumas louváveis exceções –, que qualquer ação sobre
uma preexistência de interesse de preservação vem sendo nomeada como
restauro e que dentro dessa então alargada categoria se estabeleceriam
graus variantes da disciplina. Esse tipo de entendimento vem criando
complicados posicionamentos que, em alguns casos extremos, levam a
completa descaracterização do objeto de preservação sem nenhuma
consciência do que se está realmente criando. Frequentemente,
referenciais teóricos são equivocadamente aplicados ou outros
descartados, não por seu esgotamento, mas pela inadequação de seu uso ao
objeto em questão. E é nesse momento que nos parece ainda mais necessário
o debate de caráter teórico que nos permita minimamente estabelecer as
bases e condições de embate.
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arquitectos a modificar los lugares en vez de mejorarlos, sin reparar en
que la mejora no siempre acompaña a la modificación” (2).
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incipiência do deslocamento da centralidade da matéria nas preocupações e
embates – e a posterior ampliação do universo da preservação.
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bem mais plausível de se tornar realidade e os discursos contemporâneos,
consciente ou inconsequentemente, vem legitimando essa direção:
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tendem a um resultado bem semelhante e que pode ser chamado de
‘espetacularização’ das cidades contemporâneas.
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As diversas possibilidades de intervenção no patrimônio edificado
[...] Puede ser útil aclarar, sin embargo, que las diversas
posiciones del debate actual sobre la restauración, en especial
en lo que concierne al aspecto eminentemente técnico y de grados
de intervención […] si sitúan en puntos no definidos precisamente
porque prefieren recorrer el camino de la ambigüedad, mutando de
una esfera a otra sin complejos y sin asumir posiciones radicales
o perfectamente delineadas” (17).
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brandiana. Falar que se filiou a Brandi em uma suposta operação de
recuperação do patrimônio edificado é fácil – isso não quer dizer que o
arquiteto tenha, de fato, compreendido e transferido para o seu projeto o
cerne do pensamento do crítico italiano.
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A restauração é uma intervenção na preexistência que objetiva,
unicamente, restabelecer a unidade artística plena da obra, não
redefinido seu caráter figurativo, não interferindo na imagem que ainda é
apreendida – apesar da deterioração do material componente da obra – e
também não comprometendo a legitimidade artística e histórica do
monumento: “O restauro deve dirigir-se ao restabelecimento da unidade
potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um
falso artístico ou um falso histórico, e sem apagar nenhuma referência da
passagem da obra de arte no tempo” (21).
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Praça onde seria construída a Galeria Myslbek, antes da demolição dos sobrados,
Praga, 1929
Uma das fachadas da Galeria Myslbek voltada para a Praça OvocnýTrh, em Praga,
2007
Foto dos autores
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Uma das fachadas da Galeria Myslbek voltada para a Praça OvocnýTrh, em Praga,
2012
Foto dos autores
Casa do Bispo, em Mariana, com destaque para a alvenaria cobrindo as bases dos
pilares metálicos que enquadravam e soltavam graciosamente a fachada pós-
moderna. Uma intervenção feita por iniciativa da cúria que prejudica
imensamente a hábil concepção de É
Foto dos autores
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Palácio do Louvre, Paris, com a pirâmide de vidro de Ieoh Ming Pei, 2006
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Mesmo que a escolha entre restaurar, privilegiar o antigo ou modernizar
certa obra possa parecer uma opção arbitrária, não o é. Qualquer escolha
parte inevitavelmente do próprio objeto da intervenção como elemento
crucial e central na definição dos caminhos a serem seguidos. Do restauro
à recriação, são muitas e legítimas as possibilidades de intervir. Muito
poucos são os objetos que pedem e merecem um restauro, como por exemplo,
o caso do claustro do Convento de São Francisco em Salvador ou a Igreja
de São Francisco da Pampulha em Belo Horizonte. A esmagadora maioria das
intervenções se dá no alargado hall das transformações. Porém também é
preciso advertir que mesmo no campo das metamorfoses o próprio objeto
deverá ser o principal norte nas decisões de preservação e/ou na maior ou
menor liberdade de inovação da ação.
“Caixa” branca que resgata a ambiência das casas islâmicas na área arqueológica
do Castelo de Lisboa, 2012
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Considerações finais
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dos pensamentos contemporâneos, nos parece que debater e dar cada vez
mais intensidade aos conceitos que tenham real poder instrumental como
guia das intervenções é fundamental. A consciência de que são muitos os
agentes, fatores, condicionamentos e interesses que interagem na
preservação do patrimônio edificado é sem dúvida crucial para
enfrentarmos a diversidade do campo hoje. É preciso, porém, ficar claro
que o condensador de tão diversas naturezas sobre o mesmo objeto, no caso
do patrimônio edificado, ainda é a sua materialidade e o que ela é capaz
de emanar e aceitar entre signo e significados. Portanto, nesse caso
específico, ressalta-se que o elemento agregador e sintético continua
sendo a matéria e sua imagem, e seu lugar de importância deve ser
devidamente compreendido, respeitado e valorado.
notas
1
JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São
Paulo, Ática, 2004.
2
GRACIA, Francisco de. Construir en lo construido. Madrid, Nerea, 1992, p. 20.
3
DOURADO, Odete. Contingência e transitoriedade das construções modernas. In:
BIERRENBACH, Ana Carolina; GALVÃO, Anna Beatriz Ayroza; NERY, Juliana Cardoso
(org). Cadernos PPGAU. Desafios da Preservação: referências da arquitetura e do
urbanismo modernos no Norte e Nordeste. Salvador, número especial, PPG/FAUFBA,
2009, p. 136-152.
4
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo, Editora da Unesp, 2001.
5
BRANDI,Cesare. Teoria da restauração. Cotia, Artes e Ofícios, 2004.
6
PEREIRA, Honório Nicholls. Tendências contemporâneas na teoria da restauração.
In: GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras; CORRÊA, Elyane Lins
(org). Reconceituações contemporâneas do patrimônio. Salvador, EDUFBA, 2011, p.
105.
7
MUÑOZ VIÑAS, Salvador. Teoría contemporánea de la restauración. Madri,
Síntesis, 2003.
8
Ver discussão sobre operadores de valor em PEREIRA, Honório Nicholls.
Tendências contemporâneas na teoria da restauração. In: GOMES, Marco Aurélio A.
de Filgueiras; CORRÊA, Elyane Lins (org). Op. cit.
9
Artigo contido em BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Revista do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional: Cidade, n. 23, Rio de Janeiro, Graphos, 1994.
10
WENDERS, Ernst Wilhelm Win. A paisagem urbana. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque
de. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Cidade. Rio de
Janeiro, Graphos, n. 23, 1994, p. 186.
11
GRACIA, Francisco de. Op. cit., p. 24.
12
LAGUNES, María Margarita Segarra. La restauración después de Cesare Brandi. In:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.179/5534 21/22
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GOMES, Marco Aurélio A. de Filgueiras; CORRÊA, Elyane Lins
(org). Reconceituações contemporâneas do patrimônio. Salvador, EDUFBA, 2011,
p.38
13
JEUDY, Henri-Pierre. O destino dos patrimônios. In: COSTA, Francisco de Assis
da (org). Cadernos PPGAU, ano X, n. 1, Salvador, PPGAU UFBA, 2012, p. 15-16.
14
JACQUES, Paola Berenstein. Espetacularização urbana contemporânea. In:
FERNANDES, Ana; JACQUES, Paola Berenstein (org). Cadernos PPGAU. Territórios
Urbanos e políticas culturais, número especial, Salvador, PPGAU UFBA, 2004, p.
23.
15
ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995.
16
PEREIRA, Honório Nicholls. Op. cit., p. 113.
17
LAGUNES, María Margarita Segarra. Op. cit., p. 30-31.
18
Idem, ibidem, p. 29.
19
PEREIRA, Honório Nicholls. Op. cit.
20
CAPITEL, Antón. Construir en lo construido. In CAPITEL, Antón.
Construir. Metamorfosis de monumentos y teorías de la restauración. Madrid,
Alianza Forma, 1988; LAGUNES, María Margarita Segarra. Op. cit.
21
BRANDI,Cesare. Op. cit., p. 14.
sobre os autores
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