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Resumo: O artigo tem por objetivo Abstract: The purpose of this article is to
analisar as interpretações dos significativos analyze the interpretations given to the
desastres socioambientais no sul de Santa most significant socioenvironmental
Catarina de 1974 a 2004, no intuito de disasters in the south of Santa Catarina
perceber quais as formas e estratégias para State, between 1974 and 2004, in order to
compreensão dos eventos são produzidas e perceive the consequences of
suas consequências. Nesse caminho são comprehension ways and strategies. In this
utilizadas entrevistas de História Oral dos sense, were used Oral History interviews
moradores das áreas de risco que with inhabitants from risk areas who
vivenciaram estas situações extremas. experienced these extreme situations.
Apesar de diversas formas de compreender Several ways of understanding disasters
os desastres surgirem nas entrevistas, é a come out in the interviews, however it is
religiosidade que emerge de forma implícita religiosity that emerges implicitly or
ou explicita como um dos elementos explicitly as one of the central elements in
centrais na significação das ocorrências, o the significance of the occurrences, which
que leva produção de uma consciência leads to the production of a historical
histórica pautada na imutabilidade do consciousness based on the immutability of
tempo. time.
1 Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-doutorando em Letras pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - campus Três
Lagoas. Professor Adjunto 2 da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - campus Pantanal.
Introdução
2 RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência histórica. Brasília: Editora UNB, 2001. p.78.
3 HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiência do tempo. Belo Horizonte: Autentica editora, 2015.
4 REINHART, Koselleck. Estratos do tempo: estudos sobre História. Rio de Janeiro: Contraponto: PUC-Rio, 2014.
5 STEINBERG, T. Acts of God - The Unnatural History of Natural Disaster in America. Oxford: Oxford University Press, 2006.
6 SEDREZ, Lise. Desastres socioambientais, políticas públicas e memória. In.: NODARI, E. S.; CORREA, S. M. de S. Migrações e Natureza. São Leopoldo: Oikos,
2013. p.185-202.
SEDREZ, Lise MAIA, Andreia C. N. 2011.Narrativas de um Dilúvio Carioca: memória e natureza na Grande Enchente de História Oral, v. 2, 1966. p. 221-254.
ferramentas culturais usadas para interagir com a situação de risco, em que fica
evidente o alargamento da ideia de normalidade. Neste contexto, o desastre não é
compreendido como anormal, diferente do que as ciências sociais ocidentais têm
preconizado.7
Nas entrevistas realizadas no sul de Santa Catarina de 2011 a 2015 surgiram
diversas formas de compreensão dos desastres. De forma geral, o entendimento do
entrevistado estava circunscrito ao local onde morava e trabalhava (meio urbano ou
rural); aos tipos e quantidade de desastres experienciados. Entretanto, em todas as
entrevistas o componente religioso surgia, seja como forma de dar sentido à narrativa,
para justificar as privações sofridas ou, ainda, para fortalecer a fé dos afetados. A
consciência histórica produzida com base nessa forma de entendimento do desastre que
é o foco principal de análise deste artigo.
O recorte cronológico de 1974 a 2004 tem como base os desastres mais
marcantes na memória dos entrevistados no sul de Santa Catarina. Receberam
destaque: a enchente e os deslizamentos de 1974 espalhados por toda a região sul; a
enchente e os deslizamentos de 1995 no extremo sul; e, finalmente, o Furacão Catarina
que chegou à costa catarinense em 2004. Diversos outros desastres menos impactantes
foram arrolados pelos entrevistados como importantes, mas estes três podem ser vistos
como desastres arquétipos, calamidades que devido às suas proporções ou a
características especiais solapam a memória de outros eventos.8
A Natureza do Desastre
7 BANKOFF, Greg. Cultures of Disaster, Cultures of Coping: Hazard as a Frequent Life Experience in the Philippines. In: MAUCH, C.; PFISTER, C. (Orgs.). Natural
disasters, cultural responses: case studies toward a global environmental history. Plymouth: Lexington Books, 2009. p.137-169
8 STEINBERG. Op cit, p. 25.
9 HERRMANN, Maria L. de P. (Org.). Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: IOESC, 2005.
10 HERRMANN. Op cit, p. 127.
11 Idem, p.135.
12 LOPES, Alfredo R. S. Desastres socioambientais e memória no sul de Santa Catarina (1974-2004). Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa
Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2015.
13 OLIVER-SMIYH, Anthony. “What is a Disaster”: Anthropological perspectives on a persistent question. In.: OLIVER-SMITH, A.; HOFFMAN S. M. (Orgs.). The
Angry Earth: Disaster in Anthropological Perspective. London: Routledge, 1999. p.20.
14 Idem.
15 Ibidem. p.23.
16 PADUA, J. A. As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, São Paulo, v. 24, n. 68. 2010, p.83.
17 Idem. p.86.
18 Ibidem. p.91-92.
19 MAUCH, C. Introduction. In: MAUCH, C.; PFISTER, C. (Orgs.). Natural disasters, cultural responses: case studies toward a global environmental history.
Plymouth: Lexington Books, 2009. p.3.
20 Idem. p. 7.
21 Idem.
22 MAIA; SEDREZ, Op cit, p.254.
23 SEDREZ, L. Desastres socioambientais, políticas públicas e memória. In.: NODARI, E. S.; CORREA, S. M. de S. Migrações e Natureza. São Leopoldo: Oikos,
2013. p.186.
24 Idem. p. 196.
como são lembrados, e a geração das imagens representativas são fundamentais para a
definição de políticas públicas”.25
Como evidenciado anteriormente, a análise central deste artigo repousa sobre a
percepção e o entendimento dos afetados sobre os acontecimentos desastrosos. Para
dar conta dessa questão, procura-se compreender a consciência histórica que tais
indivíduos tecem em suas narrativas. Entende-se consciência histórica nos moldes do
proposto por Jörn Rüsen, como o atributo desenvolvido pelos seres humanos para
compreensão da experiência temporal, no intuito de orientar a vida prática. 26
Nesse sentido, torna-se necessário entender como a apreensão da temporalidade
é produzida no contexto da vida humana. Na abordagem de François Hartog, os regimes
de historicidade são as compreensões de diferentes ordens e formas de percepção do
tempo. Em Regimes de Historicidade, demonstra que tais maneiras de conceber o
tempo variam entre lugares e épocas. Apesar de o historiador produzir esse conceito
para endossar a ideia de um presentismo fortemente influenciado pela aceleração do
tempo, o regime de historicidade pode ser utilizado de uma forma mais ampla para
engrenar concepções de passado, presente e futuro.27
Destaca-se ainda, que no conceito de regime de historicidade relaciona-se com o
tempo exógeno e objetivo, um tempo da astronomia, entretanto o conceito de Hartog
não se baseia em uma realidade dada, mas especialmente nas estruturas produzidas
pelas sociedades nas mais diversas culturas para compreender a passagem do tempo.
Este tempo é uma ferramenta para compreender as definições de tempo e as
consequências sociais produzidas por essa definição.28
25 Ibidem. p. 200.
26 RÜSEN. Op cit. p.57.
27 HARTOG. Op cit. p. 11.
28 Idem.
29 Ibidem. p. 37.
trazido por Hartog para demonstrar uma peculiar forma de apropriação do tempo na
atualidade, o tempo do meio ambiente. Neste regime de historicidade, a noção de
progresso que corrobora com a ideia de uma aceleração acumulativa, benéfica e
civilizacional já cai por terra, à medida que se caracteriza por uma forma violenta de
apropriação de recursos naturais, produtora de degradações ambientais capazes de
colocar em risco a vida humana.30 A percepção de um tempo progressivo e benéfico que
conforme passava alargava o conhecimento da humanidade sobre si mesma e sobre o
planeta foi solapada por um cronômetro regressivo, que vai caminhando para o seu fim,
enquanto os recursos naturais vão sendo consumidos. Nas palavras de Hartog:
30 Idem. p. 239.
31 Ibidem. p. 245.
32 KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto/Editora PUCRio, 2006, p. 306.
33 Idem. p.309.
34 Ibidem.
dessa perda do caráter narrador, que se revelaria tanto no romance quanto na própria
imprensa”, pois estes nem
Isto ocorre pelo fato de que segundo Benjamin, “[...] a sabedoria – o lado épico
da verdade – está em extinção”.43 Entretanto, Montenegro não se apropria dos “medos”
de Benjamin, não por falta de sensibilidade ou por possuir uma postura “oficialesca” da
história. O receio de Benjamin da esterilização da experiência repousava na crença de
que a memória, como elemento marginalizado do fazer histórico, pudesse trazer à tona
a história dos vencidos e fazer uma história mais verdadeira. Montenegro não se
apropria do discurso do marginal como verdade indiscutível, ele se apropria deste
discurso como mais uma verdade, que constitui uma totalidade fechada em si mesma,
mas que dialoga com outras memórias nas mais diversas formas de se compartilhar a
experiência.
A filósofa Jeanne Marie Gagnebin também se vale das reflexões de Benjamin
para debater memória, esquecimento e narrativa, ao enfatizar a necessidade de “não
esquecer dos mortos, dos vencidos, não calar mais uma vez suas vozes”.44 Mas, também
destaca uma outra influência, busca seguir as pegadas de Nietzsche para “não cair na
ilusão narcísica de que a atividade intelectual e acadêmica possa encontrar sua
justificação definitiva nesse trabalho de acumulação”,45 pois a vida no presente também
exige que se saiba esquecer.
Essa noção, defendida por Gagnebin, de uma memória que saiba equilibrar a
ânsia de lembrar com a necessidade de esquecer repousa sobre as leituras de Paul
Ricoeur, principalmente de A memória, a história, o esquecimento. A obra, tida como
“suma” das pesquisas do filósofo, dentre outras coisas, debate a ideia de que a memória
pode atuar como remédio e como veneno, fazendo alusão às considerações de Platão
em Fedro. A “justa memória” vem em resposta à exacerbação dos lugares de memória,
que se perdem na demasiada comemoração e, portanto, conservação de algumas
memórias em especial. A ideia de uma política justa da memória também dialoga com
a aspiração do “dever de memória” fruto do Holocausto Nazista, que não abdica a
presentificação do trauma, como se a vida não pudesse seguir adiante, ficando presa à
42 Idem. p.49-50,
43 BENJAMIM, W. 1985. Magia e técnica. Arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985. p.201.
44 GAGNEBIN, Jeanne. M. Lembrar escrever esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006. p.11.
45 Idem.
49 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
50 Idem. p. 33-34.
51 Idem. p.38.
52 CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. p.161.
Porque foi assim uma enchente que levou, uns 40 dias chovendo, até
parecia o da Arca de Noé. É choveu muito, muito dai de repente a terra...
No sábado, para amanhecer no domingo, se não me foge a memória...
choveu torrencialmente durante todo o dia, era como se fosse assim, água
derramada. E daí, lá pelas tantas o meu marido me disse, chega a me dar
um arrepio, “arruma as coisas aí, vamos sair de casa porque o rio
tá...”[silêncio]. É que a praça estava cercada, o rio passava no lado e abria
mais em cima e cercava a praça, uma pracinha pequena onde tem a Igreja,
e eu morava perto da Igreja. Ai a gente saiu, já para sair foi ajudado... a
gente já foi ajudado por outras pessoas.55
E.: E a senhora ainda tem mais alguma coisa para contribuir? Algo que a
senhora ainda queira falar? Ou sobre o Furacão Catarina que passou por
aqui.
A. da R. C.: Esse passou por aqui, mas graças a Deus, na Praia Grande,
claro que tirou umas telhas de umas casas, faltou a luz - o meu esposo
naquela época era o presidente da CEPRAG que é também no São João do
Sul e Passo de Torres.56
como um dilúvio. A cidade virou o rio. Nunca acontecia isso. Mas, hoje já
está mais avançada as coisas, né?
E.: O senhor acha que é possível evitar essas enchentes aqui? Tem alguma
coisa que poderia ser feita?
A.M. da S.: Eu acho que não, eu acho que não. Eu acho que na minha
opinião só Deus mesmo, por que isso daí é natureza, né? Eu acho assim.
As vezes fala, “é matação, desmatação”, mas não tinha desmatação
naquela época em 1974. Era bem mais mato. Aí hoje, “ah, por que tá
diminuindo a água, a água tá acabando”, é por que é “desmatação”. Aí, de
vez enquanto vem a FATMA, “ah tem que plantar árvore na beira do rio”.59
Considerações Finais
62 Idem. p.19.