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4 Rua
A alma encantadora do Calçadão
14 Trem
Uma história de ferro em três atos
24 Relógio
Se for viajar no tempo, faça com estilo
32 Quarto
A mulher que sempre esteve lá
Sinédoque
Os passos do
flâneur nas páginas da
Sinédoque
Essa turma escreveu tão bem que ma. No entanto, em algum momen-
me deixou com uma responsabili- to, nós jornalistas ficamos apressa-
dade enorme para apresentá-los. dos demais (que não se confunda
Após a aventura da primeira edi- pressa com agilidade, esta uma ca-
ção, percebeu-se que a Sinédoque racterística essencial do trabalho
precisava reforçar a sua identidade. jornalístico) e a nossa capacidade
Impor um tema para os alunos seria de olhar uma segunda vez para a re-
uma solução intrusiva demais. Não alidade ficou um pouco embotada.
que o exercício não seja válido, mas Nossa intenção foi recuperar um
vai de encontro ao espírito experi- pouco desse jeito antigo.
mental da revista. Revisitar o passado não significa
Porém, no regulamento imaginá- necessariamente andar para trás. É
rio da Sinédoque, que guia todas as importante saber de onde viemos
decisões editoriais, não existia ne- para seguirmos em frente, diz o jar-
nhuma restrição quanto à perspec- gão, e nós assinamos embaixo. Da
tiva das reportagens. Elas poderiam mesma forma, propomos um mer-
partilhar um método, uma visão de gulho em mais de uma dimensão.
mundo. Sim, o flâneur da Sinédoque esteve
A ideia surgiu durante uma via- presente na aula sobre a Teoria da
gem de estudos na qual houve uma Relatividade e também se desloca
palestra sobre o flâneur. Decidimos, no tempo. Ele é incansável na busca
naquele momento, que os repórte- por pistas e referências. O resultado
res da Sinédoque seriam investidos de todas essas andanças vocês po-
das características do flâneur, ou dem conferir nas páginas a seguir.
seja, circulariam pelas ruas em bus- A Sinédoque continua com a
ca da matéria-prima de suas repor- percepção de que a realidade não é
tagens. Com isso, não inventamos a uma faixa estreita, mas que pode ser
roda, é importante dizer. Repórter e afunilada ou ampliada conforme o
flâneur são figuras que se confun- nosso olhar.
dem na história do jornalismo, vide Embarque nessa aventura que a
o exemplo clássico de João do Rio. boa leitura os alunos do Curso de
Os espaços e as funções da repor- Jornalismo da Unicruz garantem.
tagem podem mudar ao longo do
tempo, mas a arte continua a mes- Prof. Diego Eduardo Dill
A alma
encantadora
do Calçadão
Mais do que o centro comercial e coração da cidade, o calça-
dão de Cruz Alta é também um inventário cultural, artístico e
histórico, onde pessoas simples são conhecidas como poetas e
prédios em ruínas ainda lembram Paris
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“Somente um tolo é capaz de entediar-se em meio à
multidão.” (Costantin Guys)
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Poeta
As tantas palavras e ideias que pas- - Por força do destino, me tornei po- entrada do banheiro não chama tanta
saram pela Gráfica ao longo dos mais eta. Na prisão, não queria me envolver O Calçadão e la bohème atenção como o aviso pendurado na
de 30 anos são contundentes em outro com o que acontecia lá. Encontrei re- parede desgastada. “É proibido fumar
personagem do calçadão. fúgio nos livros e, após várias leituras, O calçadão abriga diversos bares e durante o almoço.” A lei que proíbe o
surgiu a ideia de escrever poesia. Foi cafés. Entre todos os estabelecimentos, fumo em lugares fechados é descarta-
O Flâneur do Calçadão um recomeço. apenas um faz menção ao local que o da, os antigos cinzeiros, por sua vez,
De alguma forma, o poeta lembra abriga. O Calçadão Lanches carrega a emprestam charme às mesas, lembran-
Um morador de rua conhecido Baudelaire e sua aura de maldito. As homenagem (ou falta de criatividade) do as antigas tavernas parisienses.
como Poeta é uma das figuras mais semelhanças decorrem tanto pela rua na escolha do nome. Tendo uma vez O local fica aberto até às quatro ho-
conhecidas do Calçadão de Cruz Alta. ser sua “casa” quanto por sua vida, posto lá o pé, o cliente tem uma visão ras da manhã. Nesse horário, é o único
Jorge Roberto Nunes - este é seu nome ociosa e boêmia, não lhe trazer lucro de como viviam os homens do círculo estabelecimento a funcionar no calça-
verdadeiro - hoje sobrevive da reci- enquanto poeta. Sua poesia, reconhe- de vida descrito por Walter Benjamin, dão. A quietude que ocupa o lugar du-
clagem e da contribuição de comer- cida em Cruz Alta, pode ser ouvida em na Paris do Segundo Império, o qual rante o período matutino, é substituída
ciantes. O olhar do “Poeta das Ruas” meio ao calçadão por algumas moedas. ele denominou como la bohème. à noite pela algazarra, familiar aos que
- como prefere ser chamado - revela O repertório traz assuntos que com- As diversas bebidas em destaque de- lá encontram a maneira ébria de cons-
os muitos anos de luta e a vivacidade preendem a luta social, a condição de nunciam a principal especialidade do pirar contra os problemas individuais.
das suas ideias. Ele afirma já ter escrito poeta e de ser humano. local. A uma solicitação de café, a aten- Mas essa não é a única forma de
mais de 300 poemas ao longo dos seus Poeta sabe de cor apenas seis dos dente reage com espanto. O relógio na conspiração existente no calçadão.
58 anos. seus poemas. Ele revela não possuir
Singular em meio aos transeuntes uma boa memória, por isso está sem-
tomados pela pressa no calçadão, o Po- pre com seu caderno. Em uma vida Canon EOS REBEL T3i f/5.6 1/4s ISO 100
eta traz consigo uma história de queda marcada por tantas passagens contur-
e redenção que procura traduzir para badas, o esquecimento talvez seja uma
os seus versos. A voz calma do já grisa- boa opção.
lho homem é contrastada com sua his- No calçadão de Cruz Alta não fal-
tória de vida, marcada por muitos des- tam lugares para o Poeta distrair-se de
caminhos e uma passagem pela cadeia. seus problemas.
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Conspiradores e Barricadas
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A mescla de estilos arquitetônicos, famosa na
capital francesa na Belle Époque, também
pode ser admirada no calçadão de Cruz Alta
também pode ser admirada no calça- sidera um visionário, com a vida nas
dão de Cruz Alta. mãos e muitos projetos. O sotaque car-
O ecletismo arquitetônico, estilo regado e os ornamentos em seu hotel -
que mistura outros para a criação de o mais caro de Cruz Alta - revelam sua
uma nova manifestação, ainda sobre- origem grega.
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Canon EOS REBEL T5i f/513 1/20s ISO 100
Uma história Para Karl Marx, os operários são homens de vanguarda: assim
como as máquinas, eles são uma invenção da Modernidade.
três atos
Reportagem e fotos: Davi S. Pereira e Oscar van Riel
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A cidade e o ferro
Em todo horário de pico, no Se para muitos o trem em Cruz Alta
cruzamento das ruas Domingos Ve- hoje simboliza atraso e decadência, no
ríssimo e General Câmara, nas ime- passado representou a chegada do de-
diações da antiga Estação Férrea, uma senvolvimento. A Estação Ferroviária
campada pela Rede Ferroviária Federal para outros, como Seu Adão, é parte da
S.A; o transporte de passageiros aca- vida de Cruz Alta que deve ser preser-
bou em 1983; por fim, em 1997, o Go- vada:
verno Federal decide pela privatização - A ferrovia não precisa sair do cen-
da Rede Ferroviária. Foi um impacto tro. Por que não investirmos em viadu-
na economia, mas que também abalou tos e pontes? Isso melhoraria inclusive
identidades e o cotidiano da cidade. a infraestrutura do trânsito da cidade!
- Nós achávamos que como tudo - sugere, enquanto esboça a ideia em
era de ferro, nunca ia acabar – con- uma folha.
fessa Maria Eneida Quevedo, 66 anos Segundo o secretário de desenvolvi-
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mento econômico de Cruz Alta, Fran- empresas para o município e poten-
cisco Noronha, a necessidade de tirar cialize o agronegócio local, gerando
os trilhos do centro é convicção do po- empregos e renda. Até mesmo o des-
der público, mas esbarra no alto valor locamento de vagões seria mais ágil: a
envolvido: ferrovia opera numa bitola de trilhos
- São R$ 2,8 milhões para cada qui- maior e o trem pode atingir uma velo-
lômetro de trilho. Mas com a chegada cidade de até 80 Km/h.
da Ferrovia Norte-Sul, esperamos que Exatamente 120 anos depois, os
a mudança seja possível - afirma o se- cruz-altenses têm na chegada de ou-
cretário. Opiniões à parte, a expectati- tra ferrovia a esperança da cidade vi-
va em torno da Ferrovia Norte-Sul une ver novamente uma onda de desen-
a todos. Seu Adão, por exemplo, faz volvimento, não a ponto de voltar a
questão de explicar através do mapa da ser a “Pequena Paris”, pois as relações
malha ferroviária que possui por onde sociais, culturais e econômicas são
a ela deve passar. diferentes. O senso comum diz que
O traçado da nova ferrovia a ser Cruz Alta parou no tempo e tem no
construído deve ligar o extremo oeste fim da Rede Ferroviária o marco para
paulista ao porto de Rio Grande. De a estagnação. Mas, na verdade, Cruz
acordo com Noronha, o investimen- Alta recorre ao passado para salvar o
to gira em torno de R$ 500 milhões a futuro. Apesar do incômodo, o trem
R$ 2 bilhões e a construção, que deve precisa continuar correndo em suas
iniciar em 2016, movimentará mais de veias de ferro. A cidade ainda respira
mil trabalhadores. Espera-se também o Século XX, o último século da Mo-
que a nova infraestrutura atraia novas dernidade.
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Se for viajar
no tempo, faça
com estilo
O rock sobrevive como estilo e com lembranças em uma so-
ciedade quase desconhecida. Um nicho cultural que sobrevive
sem estardalhaço em alguns cantos de Cruz Alta. Vamos viajar
para conhecer os viajantes do tempo. Mas não se preocupe
em arrumar as malas nem em pegar as chaves do carro, afinal
para onde vamos não precisamos de estradas
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“Tell me, doctor, where are we going this time
Is this the 50’s, or 1999…” Huey Lewis and The
News - Back in Time
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“…’Cause I’m a lonely stranger
In this time bomb town…” Time Bomb Town -
Lindsey Buckingham
colecionador, categórico. sua coleção. Os dois se conheceram há
Cada objeto tem um valor históri- quase 20 anos trocando discos de vi-
co inestimável para os colecionadores nil. Se a paixão pelo passado os uniu,
A Ford F350 que Maier dirige foi ples, apenas com o essencial e afastado
restaurada por suas próprias mãos a das tecnologias atuais. Ele não possui
partir de uma carroceria e um motor. celular – tornando quase impossível a
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tarefa de encontrá-lo - e gosta de ouvir fogueira, um vinho e queijo são o sufi-
música no disco de vinil. Uma das pou- ciente para que meus acampamentos se
cas exceções para o uso de tecnologia tornem confortáveis – afirma.
recente é o rádio com pen drive no pai- Uma nova geração está sendo atraída
nel da camionete, que quando ligado já por essa paixão pelo passado. Miguel, o
começa com as palavras sugestivas do filho de Mauricio, tem dez anos e gosta
Guns ‘N’ Roses: “Take me down to the de passar o tempo na oficina. Ele exibe
Paradise city, when de grass is green and com orgulho a coleção de bicicletas dos
the girls are pretty, take me home”. anos 80 do pai e explana sobre os cuida-
Apesar disso, Maier sempre encontra dos no processo de restauração de um
uma maneira de se manter informado Fusca que, depois de pronto, será seu.
sobre o que está acontecendo no mun- Como diria Bill Haley em Rock Arou-
do. Quando precisa de alguma infor- nd The Clock, hit de 1955, para esses ca-
mação da internet recorre a algum ami- ras também não tem hora, só lugar: na
go ou parente. oficina “De volta ao passado”, e de pre-
Uma de suas atividades preferidas ferência, ao som de um vinil. O estilo
são as viagens. Ele leva todo o material de vida de Maier e de Mauricio é sim-
necessário para as viagens na caçamba ples, amigos que se reúnem em torno
da F350. da música e histórias relembradas com
- Conheço praticamente todas as nostalgia, como se vivessem em uma
cidades do Rio Grande do Sul. Uma máquina do tempo.
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A mulher
que sempre
esteve lá
Em um quarto de hospital qualquer nada se espera além de
leitos comuns, lençóis brancos e enfermos. Lugar onde muitas
pessoas não desejam estar e quando estão ficam aflitas para
voltar para casa. Maria Beatriz nunca voltou para casa
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Não fossem as notícias que chegam do
A imagem de Maria Beatriz la. Quando a porta do pequeno cômo-
no espelho mostra uma mulher peque- do está aberta, pode-se observar um mundo exterior, pareceria que o tempo
ambiente familiar e aconchegante, uma
na, franzina, quase triste. Mas, ao enca-
rar o espelho, ela contempla uma tra- pequena casa adaptada, com cama, rou- parou naquele quarto
jetória de vida singular marcada pelo peiro, cozinha improvisada e televisão.
abandono e pelo carinho daqueles que Através das imagens do pequeno apa-
tomou um rumo completamente inu- diferente do de qualquer outra criança
a acolheram: o reflexo mostra uma pes- relho, Beinha está sempre conectada
sitado. Acolhida pelas freiras respon- da sua idade.
soa que é, antes de tudo, feliz. ao mundo. Não fossem as notícias que
sáveis pela administração do hospital, Aos 4 anos, Beatriz foi levada para
O espelho fica no corredor de um chegam do mundo exterior, pareceria
Maria Beatriz começou a sua vida no um lar de meninas localizado na ci-
prédio anexo ao Hospital São Vicente que o tempo parou naquele quarto.
ambiente hospitalar. dade de Passo Fundo, onde passou a
de Paulo, maior hospital de Cruz Alta, De acordo com o seu documento de
Acompanhada dos médicos, enfer- infância e parte de sua adolescência.
responsável por uma área que engloba identidade, Maria Beatriz nasceu no
meiros e funcionários, Maria Beatriz Com 18 anos, Beatriz voltou para o
1,3 milhões de pessoas na região das dia 15 de maio de 1937. Os pais aban-
Kurtiz – assim registrada pela mãe Rita Hospital São Vicente de Paulo para
missões e noroeste do Rio Grande do donaram a menina no hospital, supos-
Kurtiz - deu seus primeiros passos den- entender a sua história. Lá recebeu
Sul. tamente devido ao fato de a criança
tro do hospital. Sob os cuidados dos instrução e trabalhou em vários seto-
Mas, vista da janela do quarto de ter nascido com os lábios leporinos. A
funcionários da instituição, a menina res. Mais de sete décadas depois, ela
Beinha, a rotina do hospital é tranqui- partir desse fato, o destino de Beinha,
cresceu em um ambiente totalmente continua lá.
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Canon EOS REBEL T5i f/5 1/2s ISO 100
Expediente
Fundação Universidade de Cruz Alta
Presidente: Enedina Teixeira da Silva
Vice-presidente: Rosane Giacomini Pascualeto
Curso de Jornalismo
Coordenadora: Fabiana Iser
Sinédoque
Professor Responsável: Diego Eduardo Dill
Reportagem: Artur Azeredo, Danieli Broch, Davi S.
Pereira, Fernando Batista, Matheus Abreu, Mayara
Batista Fagundes, Oscar van Riel e Patrícia Medeiros
Projeto Gráfico: Jéssica Maiara Trennepohl e Pedro
Henrique Amarante
Agradecimentos: Jeison Ertel Costa, Vinicius
Campos, Vagner Geschwind Basso e
Jedson Fontoura
sinedoque@unicruz.edu.br
https://www.facebook.com/RevistaSinedoque
@_Sinedoque