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Gandra
KABALLAH
e ROSA-CRUZ
na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra
Manuel J. Gandra
KABALLAH
e ROSA-CRUZ
na Biblioteca do Palácio Nacional de Mafra
Mafra
2018
Editores: Manuel J. Gandra & Centro Ernesto Soares de Iconografia e Simbólica-
Cesdies
Mafra
Tel.: 963075514
Email: manueljgandra@gmail.com
Sites: www.cesdies.net e www.idegeo.pt
4
engenho de Thoth, investindo-o como Hermes Trismegistus, deus,
rei, sacerdote e profeta, alegado contemporâneo de Moisés.
Tal imagem perdurou durante toda a Antiguidade Tardia:
Tertuliano (c. 160- c. 220) apelida Hermes, respeitosamente, de
“magister omnium physicorum”, enquanto Jâmblico (c. 275- c. 330)
descreve no De Mysteriis Aegyptiorum uma forma de filosofia que
denomina “a via de Hermes”, reputando o filósofo egípcio como autor
de inúmeros livros, repositório das suas revelações, as quais são
expostas em tratados breves, sob a forma de diálogo, protagonizados
pelo deus iniciador e por um discípulo que acede à iniciação por via de
uma dispensação epifânica.
Em plena Idade Média, Hermes Trismegisto seria apresentado
no Testamentum, atribuído a Lúlio, como “Philosophorum et
Alchymistarum pater”, i. e., pai dos filósofos e dos alquimistas, os
quais, por seu turno, se autodenominavam filli Hermetis (filhos de
Hermes) e denominavam a disciplina que professavam Magisterium
Hermetis.
Em setecentos, o termo hermetismo tornar-se-ia, por
contaminação, sinónimo de esoterismo, extensão semântica que,
contudo, não convém reduzir ou confundir, como
contemporaneamente, amiúde, se usa, com o ocultismo,
intrinsecamente distinto, apenas urdido nos cenáculos da Aufklärung e
só sistematizado nas formas correntes e baptizado durante o século
XIX.
Hodiernamente, o substantivo esoterismo assume diferentes
acepções e sentidos de que se destacam os seguintes:
2Fundada por René Guénon (1886-1951), autor de cerca de duas dezenas de obras
publicadas nos anos posteriores à 1ª Grande Guerra. A primeira organização
Tradicionalista surgiu antes da 2ª Grande Guerra, congregando em torno de René
Guénon um núcleo de pensadores da estirpe do barão italiano Julis Evola (1896-1974) e
5
transcendente” de todas as religiões e tradições, acepção sinónima de
gnose (modo de conhecimento mais experiencial que racional).
o hermetismo filosófico;
o hermetismo ocultista;
o hermetismo postmodernista ou New Age 3.
6
HERMETISMO FILOSÓFICO
(gnose e iniciação)
Outros as [letras] atribuem a Moisés, outros a Mercúrio Egípcio [i. e., Hermes
Trismegisto].
DUARTE NUNES DE LIÃO
(Origem da Língua Portuguesa, Lisboa, 1606, cap. 4)
7
com o Pai, mediante o trânsito pelas esferas (CH I); o conhecimento
do cosmos que conduz ao conhecimento de Deus (CH III); o nous, ou
visão intuitiva que desvela a coerência entre as diferentes coisas,
enquanto dom e mercê divina (CH IV); Deus, apesar da sua
invisibilidade, é susceptível de ser conhecido pelas suas obras (CH V);
ignorância como o maior dos males (CH VII); a morte entendida
como uma mera transição, ou mudança (metabolé) (CH VIII); a
aceitação da unidade que subjaz a tudo como condição para o
conhecimento de Deus (CH XI); a necessidade do renascimento (CH
XIII); o auto-conhecimento e a ascese como via de acesso ao
conhecimento de Deus (CH I); a matéria enquanto obstáculo à
reintegração na fonte divina (CH I).
Com efeito, não é unívoco o teor dos Tratados Herméticos e do
Asclepius, porquanto contêm evidentes elementos gnósticos e
hebraicos (discussões sobre a alma, um paralelismo com o Genesis, o
Nous correspondendo ao tão característico pneuma dos gnósticos,
etc.), além de contributos egípcios, inspirados em hinos religiosos.
Apesar de tudo, o hermetismo distinguir-se-á das doutrinas
gnósticas pela sua escatologia optimista e, designadamente, pela recusa
de considerar o Demiurgo a origem do Mal. De resto, o próprio
hermetismo tentará escapar das posições dualistas, cerrando fileiras
com Porfírio, Jâmblico, Heraiskos, Damascius e outros discípulos de
Plotino.
Face ao cristianismo, o hermetismo constituirá um dos
derradeiros bastiões do paganismo, graças à crença na astrologia e nas
simpatias que ligam as coisas entre si e as coisas aos seres, bem como à
relativa indiferença quanto à salvação. Todavia, ideias como a de um
Deus único, da beleza do mundo e da bondade essencial do homem, da
ascese e da oração como meios para a descoberta e união com Deus,
aproximá-los-ão, originando conversões como as de Arnóbio e Firmino
Materno, por exemplo.
Por uma questão de método e pragmatismo, Antoine Faivre
sugere que se chame hermetista ao pensador - seja ou não cristão - que
valorize (quer em bloco quer separadamente) a analogia (linguagem
simbólica), a teosofia (emanação, androginato e reintegração) e a Igreja
interior (liberta de quaisquer constrangimentos confessionais).
Um tal pensador, preocupando-se mais com o quid sit Deus (a
essência do Divino) do que com o an sit Deus (a existência de Deus),
insere-se num corpo de doutrina que contempla uma cosmogonia, uma
8
cosmologia e uma escatologia, as quais pretende elucidar, ora por via
da sua própria reflexão, ora pela da iluminação interior. A busca
individual ou iniciação resultante, pressupondo uma inevitável
regeneração depende, todavia, mais de uma gnose do que de uma
Igreja. Aliás, a busca de uma verdade para além dos dogmas oficiais,
que caracteriza o hermetismo, e a sua insistência no tema da destruição
próxima da Igreja material, profetizando frequentemente o Reino
vindouro da Igreja invisível, tornou-o, compreensivelmente, suspeito
de heresia.
Com efeito, as igrejas cristãs dominantes invariavelmente
assumiram uma posição de negação da vigência de um esoterismo no
seio mesmo do cristianismo primitivo, motivo por que trataram com
certa desconfiança os escritos de Padres tão celebrados quanto
Orígenes e Clemente dito de Alexandria, justamente o centro onde, na
confluência das culturas egípcia, judaica e helenística, se originou e
desenvolveu o hermetismo cristão, como bem demonstrou Isaac
Casaubon 4, em pleno séc. XVII. De resto, a descoberta, em 1945, de
textos herméticos na Biblioteca gnóstica de Nag Hammadi, viria
corroborá-lo.
De forma geral, considera-se o Pseudo-Zózimo de Panópolis o
testemunho mais significativo do hermetismo durante o séc. III, não
obstante a sua atitude eclética na origem de uma profunda
transformação doutrinal. À medida que se assiste à dissolução do
hermetismo filosófico, o cristianismo assimilar-lhe-á a espiritualidade,
colocando Hermes entre os seus profetas e precursores, a ombrear com
os Magos e as Sibilas, aliás, motivo por que o seu prestígio perdurou.
Entre os Padres da Igreja encontram-se referências a Hermes
Trismegisto e ao Asclepius em Lactâncio 5, Santo Agostinho 6 e
Clemente de Alexandria 7.
perdeu-se.
6 Cidade de Deus, 410-426: VIII, 23-26; XVIII, 39.
7 Stromata, VI, 4, 35-38.
9
Estobeu não terá tido acesso ao Corpus Hermeticum sob a forma
como actualmente o conhecemos 8. O primeiro a referir-se-lhe foi
Miguel Psellus (1020-1078), platónico bizantino e preceptor do
Imperador Miguel Ducas, o qual utilizaria os escritos herméticos e
órficos para explicar a Sagrada Escritura 9.
No entanto, haviam de ser os muçulmanos quem, tendo
recolhido o legado do hermetismo (por via de escritos gregos, das
respectivas versões síriacas, da tratadística astrológica sânscrita
introduzida por Kanasa em Bagdad, no séc. VIII, e dos sabeus de
Harrân), impulsionou a efectiva circulação da sua literatura no
Ocidente.
O primeiro indício do conhecimento do Corpus Hermeticum aí,
mais concretamente na Península Ibérica, remonta ao séc. X. A Tabula
Smaragdina, supostamente descoberta no túmulo de Hermes, já então
era, e pela primeira vez, usada como colofon de um livro de alquimia, o
Sirr Al-Jaliqa ou Kitab Al-´Ilal, o qual fizera a sua aparição no Al-
Andalus durante o califado do omíada Al-Hakam II († 976). Traduzida
para latim pelo bispo hispânico Hugo de Santalla, seria difundida além
Pirinéus por Alberto Magno, ao incorporá-la no De Rebus Metalicis et
Mineralibus.
As escolas de tradutores de Toledo e Sevilha terão tido um papel
não negligenciável no processo em apreço. O denominado
"Renascimento" do séc. XII andou de mão dada com o interesse pelo
hermetismo. O Asclepius garantiu a continuidade da Tradição
hermética antes da descoberta do Corpus Hermeticum. Evidenciam-no
autores como Teodorico de Chartres, Alberto Magno, Bernardo
Silvestre, Alain de Lille, Vicente de Beauvais, Guilherme d'Auvergne,
Tomás Bradwardine, Rogério Bacon, Bernardo de Treviso ou Hugo de
10
São Victor. O mesmo se podendo afirmar da literatura dos ciclos
arturiano e do Evangelho Eterno joaquimita.
Foi, sem embargo, vago e fragmentário o conhecimento acerca
do Hermetismo na Europa, durante a Idade Média.
Alberto Magno conheceria o Asclepius (Liber XXIV philosophum
Asclepius – sobre a natureza de Deus), bem como alguns fragmentos de
escritos herméticos, tal como haviam sido transmitidos por Lactâncio e
Cirilo.
No De Voluptate (cap I), redigido em 1457, Marsílio Ficino
(1433-1499) dá mostras de se encontrar familiarizado com Hermes
Trismegisto, quando cita com admiração, porventura por influência de
Lactâncio, o epílogo lírico do Asclepius latino.
Todavia, uma vez traduzido para latim (1463-1464) por Ficino e
impresso sob o título de Mercurii Trismegisti Pimander, seu liber de
Potestate ac Sapientia Dei, no ano de 1471 (Treviso) 10, o manuscrito
grego do Corpus Hermeticum descoberto na Macedónia, cerca de 1460,
por Leonardo de Pistóia e adquirido por Cosme de Médicis 11, tornar-
se-ia decisivo para o renovo do interesse pelo hermetismo e pelas
doutrinas mágico-astrológicas correlatas, mesmo no seio da Igreja.
Assim se explica que, no ano 1488, Giovanni di Maestro
Stephano haja gravado nas lajes da Catedral de Siena a efígie de
Hermes Trismegisto, ladeado por Moisés e as Sibilas.
De resto, do advento do Renascimento até inícios do século
XVIII, as correntes esotéricas ocidentais jamais se afirmaram como
contra-cultura ou “contra-tradição” face ao poder religioso instituído,
integrando ainda a história geral do cristianismo e veiculando valores
da cultura cristã. Só ulteriormente esta havia de ser adversada por
filósofos e críticos cripto-católicos, responsáveis pela redução das
correntes esotéricas modernas a heresias marginais, ou a superstições
mais ou menos condenáveis 12.
10 Esta e não a versão revista, impressa no ano seguinte de 1472, tornou-se a referência
para a maioria das ulteriores reedições. Tommaso Benci realizou uma tradução italiana
a partir da de Ficino no mesmo ano. A tradução espanhola [Escorial: cast. B. IV.29],
realizada em 1485 por Diego Guillen permaneceu inédita.
11 O monge Leonardo de Pistóia chegou a Florença, no ano de 1463, com os escritos
11
*
* *
neoplatónico Apuleio de Madaura (séc. III)] diz assim deus fazedor de todos os deuses
fez um segundo deus e porque ele fez este deus primeiro e só e verbo foi visto a ele bom
comprido de todos bens bemaventurado é e amou-o muito assim como um seu filho
gerado de boa vontade o nome do qual não pode ser recontado por boca humanal"
(Ovídio da Velha citado no Livro da Corte Enperial).
15 Crónica de Guiné, cap. LXXIV; Crónica da Tomada de Ceuta, cap. XCVI; Crónica do
Conde D. Duarte de Meneses, parte I, cap. I. Joaquim de Carvalho assevera que "Zurara
não citou o Pastor de Hermas, mas uma comparação comummente atribuída a Hermes
Trismegisto e que encontrara no Tratado da Virtuosa Benfeitoria [liv. VI, cap. XI]". Cf.
Obras Completas, v. 4, p. 196.
16 Trata-se de um diálogo entre o franciscano e o Infante D. Henrique (Dominus
12
religioso português autor do incunábulo e o humanista itálico, terão
bebido numa fonte comum: o Asclepius 18.
Não colhe, por consequência a assunção de Pina Martins,
segundo quem não se dispõe de “elementos para poder documentar a
existência em Portugal de textos herméticos, anteriores à citação de
Frei António de Beja [...]”, em 1525 19.
de Letras de Lisboa, (1965). Frei António de Beja cita Hermes (Discurso de Iniciação
de Asclépios, in v. 2) fielmente a partir de Pico na Breve Doutrina e Ensinança de
Príncipes, 1525. Cf. Pina Martins, Pico della Mirandola e o Humanismo Italiano nas
Origens do Humanismo Português, in Estudos Italianos em Portugal, n. 23 (1964), p.
25.
13
falsos bens, cap. 2), cuja dedicatória ao duque de Bragança (que
constituíra “a sua Vila Viçosa em universal academia, e fazendo dela
outra Atenas") termina com a referência aos três prisci theologi da
genealogia neoplatónica ficiana, além de Hermes Trismegisto:
Pitágoras, Orfeu e o divino Platão (I, p. XIII-XIV).
O mesmo acontece com Frei Sebastião Toscano na Oração
fúnebre de Afonso de Albuquerque (Lisboa, 1566) e na Mistica
Theologia (Lisboa, 1568) 20.
Hermes e o Segredo, no Livro das Idades (De AEtatibus Mundi Imagines (fl.
26v / LII / 45) de Francisco de Holanda, inspirado no emblema 62 do
Symbolicarum quaestionum de Achiles Bocchi
14
Durante toda a sua vida, Francisco de Holanda fará profissão de
fé no neoplatonismo e na cultura hermética. Com efeito, Holanda funde
a tradição do hermetismo filosófico (Hermes, Platão e Pseudo-Dionísio
Areopagita) com os textos bíblicos, à maneira de Ficino, detectando-se
nas suas Imagines numerosas analogias com os comentários do
humanista itálico. Cita o Asclepius no Da Pintura Antiga (livro I, cap.
XII: De alguns preceitos da Antiguidade – e primeiro: da Invenção),
apresentando o artista como oficiante e mago, participando do divino e,
sobretudo, dotado de dom divino. No Da Ciência do Desegno (fl. 37)
sustenta o carácter inato do génio do artista, sublinhando o papel
paradigmático da Criação do Mundo relativamente à criação artística.
É-lhe, ainda, devida a, tanto quanto foi possível apurar, única
iconografia portuguesa explícita disponível de Hermes Trismegisto.
Ocorre no De AEtatibus Mundi Imagines, surgindo associada à cena da
Deposição de Moisés no túmulo pelos Anjos 21. Observa-se num
medalhão situado em baixo, à esquerda, ladeado por Cadmus e Baco e
colocando um dedo sobre os lábios, tal qual o Hermes Mercúrio do
emblema LXII das Symbolicarum quaestionum, de universo genere,
quas serio ludebat, libri quinque (Bolonha, 1555) de Aquiles Bocchi
(1488-1562), bolonhês, amigo dos emblematistas Pierio Valeriano e
Lilio Gregorio Giraldi.
D. Francisco Manuel de Melo, por seu turno, citará Mercúrio
Trismegisto a partir das leituras de Marsílio Ficino, na carta que
remeteu ao Dr. Manuel Temudo da Fonseca, em 1650 22.
21 Fl. 26v / LII / 45. A genealogia neoplatónica da prisca pictura holandiana, a bem
dizer a sua “família sacerdotal”, assenta em personagens como Hermes Trismegistus,
Apeles, Protogenes, etc. Sylvie Deswarte considera Francisco de Holanda precursor no
que respeita à representação geométrica da Criação do Mundo, a qual só durante o séc.
XVII (Fludd e Boehme) aparecerá em tratados alquímicos e herméticos. Les «De
Aetatibus Mundi Imagines» de Francisco de Holanda, in Monuments et Mémoires
publiés par l´Académie des Incriptions et Belles-Lettres, t. 70 (1983), p. 67-190.
22 Cf. Cartas Familiares, Lisboa, 1981, n. 414, p. 410.
15
IDEIAS-CHAVE DO HERMETISMO
ANALOGIA
TEOSOFIA
(Emanação, Androginato, Reintegração)
Emanação
23René Alleau, La Science des Symboles, Paris, 1976 (trad. port.: A Ciência dos
Símbolos, Lisboa, 1982, cap. IV).
16
Androginato
17
lascivo en su baxez, y assi para cada uno conocer el amor que sigue y
el provecho que ha de sacar del, dize San Agustin sobre el psalmo 64,
no tiene mas sino darse al consideracion de la calidade dellos
"Jerusalem abraça al amor divino al humano Babilonia: examine cada
uno en si qual dellos sigue, y verá el lugar que habita" 24.
Reintegração
ESOTERISMO
Platão
24Noches Claras Divinas y humanas Flores, Lisboa, 1674, 1ª Noche, Palestra IV, p.
280.
18
Carta II ( 314a): “Toma cuidado para que as minhas doutrinas não se
difundam entre os iletrados”.
Carta VII (344c): “E eis a razão porque todo o homem sério que se
ocupa de temas realmente sérios há-de evitar escrever e lançar o seu
pensamento como pasto para a inveja e a incompreensão do público”.
Plotino
“Aquilo que é divino é inefável e aquele que não teve a dita de vê-lo está
impedido de falar acerca dele”.
19
PRÁTICAS DO HERMETISMO
INICIAÇÃO
20
O extâse que sucede à revelação é designado por “silêncio
divino” num tratado do Corpus Hermeticum. A visão epifânica do
Nous (Deus) ocorre em estado de vigília, porém o alheamento do
corpo e a suspensão da consciência sensível, bem como a inibição dos
sentidos corporais, são característicos de um estado de sonolência. Só
no decurso de uma tal identificação, de Deus com a actividade
psíquica superior do gnóstico, o pensamento deste poderá projectar-
se na divindade, conduzindo-o a um despertar.
De outro modo, continuará adormecido.
21
HERMETISMO OCULTISTA
(materialismo e massificação)
22
O idílio com o hermetismo explicará ainda a nomeação de
Eugénio de Castro como consul da Rosa-Cruz em Portugal 27 e, do
mesmo modo, boa parte das vidas e das obras de Sampaio Bruno, João
Antunes, Fernando Pessoa 28, Raúl Leal (Vertiginismo), António Maria
Lisboa ou Lima de Freitas. E, na actualidade, a do poeta Vasco da
Gama Rodrigues († 1993), bem assim como o magistério do alquimista
Estêvão Miranda (†).
27 Por iniciativa de Sar Péladan, organizador do Salão da Rosa-Cruz, realizado seis vezes
(a partir de 1892), com o objectivo de difundir a verdade por intermédio da arte. Gaspar
Simões, Vida e Obra de Fernando Pessoa, p. 555-556.
28 Luís Filipe B. Teixeira, A Dimensão Hermética e Esotérica do pensamento pessoano:
23
KABALLAH
24
Kaballah fonética, baseada na magia dos sons, letra-expressão
oral ou Sipur (notárica);
Kaballah gráfica baseada na magia das formas, letra-expressão
escrita ou Sefer (temura);
Kaballah numeral baseada na magia dos números, letra-
algarismo ou Sefar (guematria).
Uma das suas fontes nucleares, o Sefer Yetsira ou Livro da
Formação, remonta ao século V ou VI, todavia o primeiro texto de
Kaballah, propriamente dita, é o Bahir, surgido cerca de 1180 no Sul
da França. Sucede-lhe, em finais do século XIII, o Sefer Ha-Zohar ou
Livro do Esplendor (1ª edição: Mantua, 1559), atribuído
tradicionalmente ao Rabi Simeon bar Yochai, mas considerado pela
crítica moderna uma compilação realizada por Moisés de Leão (1240-
1305).
Foi sobretudo após a expulsão dos judeus de Espanha (1492)
que se principiou a "Kabbalizar" num contexto cristão, numa palavra,
se tentou encontrar com os métodos dos Kabbalistas hebreus
argumentos a favor do cristianismo ou tendentes a provar o
cristianismo.
Pico de la Mirandola e Blaise de Vigerère (1523-1596), tão
influenciados por correntes hermenêuticas oriundas da Península
Ibérica, prefiguram tal atitude, surgida no decurso do Renascimento e
cujas repercussões ainda não se acham totalmente rastreadas em
Portugal.
Pico da la Mirandola afirmará mesmo que “nenhuma ciência
apresenta mais provas da divindade de Cristo do que a magia e a
Kabbalah".
Um dos terrenos em que a pesquisa pode vir a revelar-se
frutuosa é o da profunda influência exercida por IV Esdras, também
denominado Apocalipse de Esdras, cujo versículo 6 do capítulo XIV
aqueles autores adoptaram para demonstrar que além da Lei Escrita
existe uma ciência, a Kabbalah, destinada a explicar os mistérios
contidos na Torah.
A título de curiosidade, recordarei que Frei Nicolau Coelho do
Amaral considera, "conforme se lê em Esdras", que os Livros do
Antigo Testamento são para os dignos e indignos, enquanto os
25
setenta livros da Kabbalah são estritamente reservados aos sábios 29.
Por seu turno, Francisco de Holanda aplica uma paráfrase de IV
Esdras à Pintura, como "pego e rio e fonte", citação textual que Pico
usa para definir a Kabbalah na sua Oratio de Hominis dignitate
(1486) 30.
Além dos supracitados, foram expositores da Kabbalah cristã,
em Portugal, entre outros: João de Barros 31, o jesuíta Sebastião
Barradas (1543-1615) 32, Luís de Camões 33, o franciscano da Província
do Brasil, Frei Rafael da Purificação (1619-1744), o Padre Rafael
Bluteau, crismado com o epíteto de Hermes Católico, Matias Pereira
da Silva (Notícia da Arte cabalística) e, designadamente, D.
Francisco Manuel de Melo, autor do celebrado e póstumo Tratado da
Sciencia Cabala (Lisboa, 1724), muito influenciado por Johannes
Reuchlin (1455-1522).
historiador, i. e., descobrir "a prefiguração do Cristo futuro nas acções dos Patriarcas,
Profetas e Reis". Já no Da Pintura Antiga, escreve: "A Árvore do homem que tira as
suas raízes do céu" (I, 2).
31 No Prólogo da Década Primeira escreve: "[...] e as letras sendo uns caracteres mortos
e não animados, contêm em si espírito de vida, pois a dão acerca de nós a todas as
coisas". A propósito de uma passagem do Diálogo Evangélico (p. 14), Leonor Buescu
admite que o autor "conhece a Cabala e a utiliza judiciosamente, como argumentação
dialéctica, numa senda que, aliás, vinha já da Idade Média". Cf. Babel ou a Ruptura do
Signo, Lisboa, 1983, p. 61.
32 Ver F. Secret, Les Kabbalistes Chrétiens de la Renaissance, Paris, 1964, p. 224.
33 Que Camões inclua na sua obra significações cabalísticas, como demonstrou Jorge de
Sena (A Estrutura dos Lusíadas, p. 65-176), tal não significa necessariamente que
judaízasse, porque pode ter sido cabalista cristão. Fiama Hasse Pais Brandão encontra
na estrutura de Os Lusíadas (10 Cantos) e em outros aspectos do mesmo poema
vestígios de Kabbalah. Cf. Os Lusíadas e a Cabala Judaica, in O Jornal (29 Fev.-6
Mar. 1980).
26
KABALLAH HEBRAICA E CRISTÃ
Anónimo
*In Siphra de Zeniutha seu librum Mysterii, s. l., s. d. [BPNM: 2-49-4-10
(1º)]
*Adumbratio Kabbalae Christianae idest Syncatabasis Hebraizans, sive
brevis applicatio Doctrinae Hebraeorum Cabbalisticae, Francoforte, 1684
[BPNM: 2-49-4-10 (2º)]
Aquino, Filipe de
Também autor de Interpretation de l’Arbre de la Cabale (1625).
27
Barradas, Sebastião (1543-1615) S. J.
Padre jesuíta.
Bongus, Petrus
*Mysticae Significationis Numerum Liber [...], Bergoni, 1585 [BPNM: 1-20-
5-2]
Bluteau, Rafael
Clérigo teatino.
Brocardo, Jacobo
Autor proibido por Trento.
28
*Protheoria [BPNM: 2-18-1-2]
Buxtorf, João
Também autor da Dissertatio de Literis Hebraeorum (Basileia, 1643).
Cesar Aevolius
*De Divinis Attributiis, quae Sephirot ab Hebraeis Nuncupata. Ad
Maximilianum II. Imperatorum Romanum, Veneza, 1580 [BPNM: 2-40-2-
29 (2º)]
Fludd, Robert
Introdutor da Kabbala em Inglaterra. No seu Summum Bonum quod est
verum magiae, cabalae, alchymiae (1629), trata da "verdadeira Kabbala", i.
e., Bereschit e Mercabah, que é necessário distinguir da Kabbalah
supersticiosa, denominada Guematria, Notarikon e Temura.
29
*Philosophia Moysaica. In qua Sapientia et scientia creationis et
creaturarum sacra vereque Christiana (ut pote cuius basis sive
Fundamentum est unicus ille Lapis Angularis Iesus Christus) ad amussim et
enucleate explicatur, Gouda, 1638 [BPNM: 2-49-13-3]
Tradução inglesa: Mosaicall Philosophy: Griunded upon the Essential Truth,
or Eternal Sapience, Londres, 1659
Consulte Rosa-Cruz e Teosofia
Gaffarell, Jacob
Também autor de Abdita divinae cabalae mysteria (1625), obra dedicada a
Richelieu.
Galatino, Pedro
Franciscano de Otranto.
*De Arcanis catholicae veritatis libri 12, s. l., 1603 [BPNM: 1-49-9-9]
A edição príncipe é de 1516. Proíbido pelo Index tridentino. Inclui o De
Cabbala, seu de Symbolica receptione Dialogus, de Reuchlin. Utiliza a
Epistola Secretorum de Paulo Herédia. Foi uma das obras sobre Kabbalah
mais populares no Renascimento (Ver Anna Morisi, Galatino et la Kabbale
Chrétienne, in Kabbalistes Chrétiens, Paris, 1978, p. 211-227).
30
(1506); De Accentibus et Ortographia Linguae Hebraicae (1517); Arte
Cabalistica.
31
*Letras Symbolicas e Sibylinas, Obra de Recreaçam, e Utilidade, chea de
erudição sagrada, e profana, de notícias antigas, e modernas, Lisboa,
Francisco da Silva, 1747 [BPNM: 2-25-14-1]
Ricciardi, António
*Commentaria symbolica in quibus explicantur arcana, Veneza, 1591
[BPNM: 1-54-3-12 / 13]
Sobre os Anjos e as línguas.
32
espanhola, apenas o Aesch Metzareph (Barcelona, 1986) 1986), do qual
subsistem ms. no Wellcome Institute (Londres) [ms. 1737, 1763, 1764 e
2950], na Glasgow University Library [ms. Ferguson 68] e Orléans [ms.
1034]; na biblioteca de Fernando Pessoa existe a tradução inglesa de S. L.
MacGregor Mathers (Kabbalah Unveiled), que erroneamente considerou a
obra como parte integrante do Zohar.
2-49-4-8
33
ROSA CRUZ e TEOSOFIA
34
ROSA-CRUZ e TEOSOFIA
35
críticos de Isaac Casaubon acerca da datação pós-cristã dos tratados, a qual
constitui a definitiva demolição da teoria da 'pia filosofia' proposta por Ficino.
Publicada por John Bulwer, precursor da utilização da linguagem gestual
para comunicar com surdos-mudos. Os termos quiromânticos são ilustrados
com diagramas de espantosa modernidade, tal como o texto, de resto,
reimpresso por João Praetorius no Ludicrum chiromanticum [BPNM: 2-51-
4-16]
1-51-13-6
36
Da História Prenatural de ambos os Mundos. Inclui: "Discurso Teosófico,
Cabalístico e Fisiológico de ambos os Mundos"; Fasciculus Geomanticus, in
quo varia variorum opera Geomantia continentur, Verona, 1687 (Ver C. H.
Josten, Robert Fludd's Theory of Geomancy and his Experiences in Avignon
in the Winter of 1601 to 1602, in Journal of the Warburg and Courtauld
Institutes, 27, 1964, p. 327-335. P. V. Piobb editou o capítulo relativo à
Geomância do Tractatus Secundus De Naturae Simia [...], in Traité de
géomancie, Paris, 1947 [BUC])
*Responsum ad Hoplocrisma-Spongum M. Fosteri Presbiteri, ab ipso, ad
unguenti armarii validitatem delendam ordinantum / Resposta ao
Hoplocrisma-spongus, do presbítero W. Foster, composto por ele para
destruir a validade do unguento armarium, Londres, 1631 [BPNM: 2-49-13-
3 (encadernado junto com Clavis Philosophiae et Alchymiae Fluddanae, sive
Roberti Fluddi Armigeri, et Medicinae Doctoris, ad Epistolicam Petri
Gassendi Theologi Exercitationem Responsum, Frankfurt, 1633)]
*Clavis Philosophiae et Alchymiae Fluddanae, sive Roberti Fluddi Armigeri,
et Medicinae Doctoris, ad Epistolicam Petri Gassendi Theologi
Exercitationem Responsum, Frankfurt, 1633 [BPNM: 2-49-13-3 e 4] (= 2
exemplares)
Refutação definitiva de Mersenne e Gassendi. Tem encadernado junto:
Responsum ad Hoplocrisma-Spongum M. Fosteri Presbiteri, ab ipso, ad
unguenti armarii validitatem delendam ordinantum / Resposta ao
Hoplocrisma-spongus, do presbítero W. Foster, composto por ele para
destruir a validade do unguento armarium (Londres, 1631) e Philosophia
Moysaica. In qua Sapientia et Scientia creationis et creaturarum sacra
vereque Christiana (ut pote cuius basis sive Fundamentum est unicus ille
Lapis Angularis Iesus Christus) ad amussim et enucleate explicatur, Gouda,
1638
*Clavis Philosophiae et Alchymiae Fluddanae, sive Roberti Fluddi Armigeri,
et Medicinae Doctoris, ad Epistolicam Petri Gassendi Theologi
Exercitationem Responsum, Frankfurt, 1633 [BPNM: 2-49-13-3 e 4 = 2
exemplares]
Inclui: Responsum ad Hoplocrisma-Spongum M. Fosteri Presbiteri, ab ipso,
ad unguenti armarii validitatem delendam ordinantum, i. e., Resposta ao
Hoplocrisma-spongus, do presbítero William Foster, composto por ele para
destruir a validade do unguento armarium (Londres, 1631) [BPNM: 2-49-
13-4(3º)]
*Philosophia Moysaica. In qua Sapientia et Scientia creationis et
creaturarum sacra vereque Christiana (ut pote cuius basis sive
Fundamentum est unicus ille Lapis Angularis Iesus Christus) ad amussim et
enucleate explicatur, Gouda, 1638 [BPNM: 2-49-13-3(2º) e 2-49-13-4(2º)]
Consulte Kabbalah
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Gebelin, Court de
Pastor da Igreja Reformada. Membro da Loja maçónica Philalethes,
colaborou com B. Franklin e, no fim da vida, com Mesmer.
38
Origem da língua e da escrita; IV. História civil, religiosa e alegórica do
calendário; V. Dicionário etimológico da língua francesa; VI. e VII. Dicionário
etimológico da língua Latina; VIII. Dissertações sobre diversos assuntos
respeitantes à História, Heráldica, Numária, Jogos, Viagens dos fenícios,
línguas americanas, etc.; IX. Dicionário etimológico da língua grega,
precedido de pesquisas e novas perspectivas sobre a origem dos gregos e da
sua língua. No v. VIII (p. 365-410) dá pela primeira vez, notícia do Tarot, cuja
invenção atribui a Hermes: “Du Jeu des Tarots, où l’on traite de son origine,
òu on explique ses allégories […]”.
Libavius, André
*Analysis confessionis fraternitates de rosea cruce pro admonitione et
instructione eorum [...], Francfurte, Pedro Knoffli, 1615 [BPNM: 2-51-13-11
(2º)]
Consulte Alquimia
Mynsicht, Hadrian a
Consulte Alquimia
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Swendenborg, Emanuel (1688-1772)
Cientista, filósofo e místico, filho de um bispo luterano, a quem Balzac
chamou “Buda do Norte”. Doutor em Filosofia por Upsala, com 21 anos de
idade. Em 1716 foi nomeado assessor da Comissão de Minas pelo rei da
Suécia, Carlos XII. Antecipou muitos factos científicos, sendo notáveis as suas
ideias sobre o átomo, o magnetismo, a luz, a paleontologia e a
cristalografia.Trabalhou em Inglaterra com Newton. Entre 1743 e 1744, uma
sucessão de visões e sonhos fê-lo ficar convicto de ser dotado da capacidade
de contactar com os espíritos e anjos e haver sido eleito para uma missão
sagrada. A partir de 1747 renunciou a todos os cargos oficiais, passando a
dedicar-se exclusivamente à absorção mística e às viagens pelos mundos
invisíveis. Não aceita os dogmas da Trindade e da Redenção, advogando a
existência de uma única ordem de coisas sob aspectos diferenciados: um só
mundo sob duas formas, a terra reproduzindo o céu e vice-versa. A sua obra
originou a criação da Nova Igreja, tendo exercido enorme influência sobre
escritores e pensadores de todas as tendências. Foi precursor do espiritismo,
a que chamou pneumatologia. Em 1757 anunciou ter assistido ao Juízo Final.
Faleceu a 23 de Março de 1772, exactamente no dia em que previra que tal
ocorreria. Autor de vastíssima obra, da qual se destaca: Prodromus
Philosophiae Rationantes de Infinito et Causa Finali Creationis (1734) ;
Oeconomia Regni Animalis (1740-1741); Regnum Animalis (1744-1745); De
Culto et Amore Dei (1745); Arcana Coelestia (1749); De Caelo et Inferno
(1758) ; De Equo Albo (1758); De Nova Hierosolyma (1758); De Divina
Providentiae; De Ultimo Juditio (1758); Apocalypsis Revelata (Amesterdão,
1766); Delitiae Sapientiae (1768); Vera Christiana Religio (1771)
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*Regnum Subterraneum, sive minerale de cupro et orichalco, Dresden e
Lipsia, Friderici Hekelli, 1734 [BPNM: 1-20-11-14 (1º)];
*Regnum Subterraneum, sive minerale de cupro et orichalco chymicis
praeparatis [...], Dresden e Lipsia, Friderici Hekelli, 1734 [BPNM: 1-20-11-14
(3º)].
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