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Luís Fernando Veríssimo é escritor brasileiro. Famoso por suas crônicas e contos de humor. É também jornalista,
tradutor, roteirista de programas para televisão e músico. É filho do escritor Érico Veríssimo.
Crônicas:
1 - Minhas Férias
Eu, minha mãe, meu pai, minha irmã, Su, e meu cachorro, Dogman, fomos fazer camping. Meu pai decidiu fazer camping este ano
porque disse que estava na hora de a gente conhecer a natureza de perto, já que eu, a minha irmã e o meu cachorro nascemos em
apartamento, e, até cinco anos de idade, sempre que via um passarinho numa árvore, eu gritava “aquele fugiu!” e corria para avisar um
guarda; mas eu acho que meu pai decidiu fazer camping depois que viu os preços dos hotéis, apesar da minha mãe avisar que, na
primeira vez que aparecesse uma cobra, ela voltaria para casa correndo, e minha irmã insistir em levar o toca-disco e toda a coleção
de discos dela, mesmo o meu pai dizendo que aonde nós íamos não teria corrente elétrica, o que deixou minha irmã muito irritada,
porque, se não tinha corrente elétrica, como ela ia usar o secador de cabelo? Mas eu e o meu cachorro gostamos porque o meu pai
disse que nós íamos pescar e cozinhar nós mesmos o peixe pescado no fogo, e comer o peixe com as mãos, e se há uma coisa que eu
gosto é confusão. Foi muito engraçado o dia em que minha mãe abriu a porta do carro bem devagar, espiando embaixo do banco com
cuidado e perguntando “será que não tem cobra?”, e o meu pai perdeu a paciência e disse “entra no carro e vamos embora”, porque nós
ainda nem tínhamos saído da garagem do edifício. Na estrada tinha tanto buraco que o carro quase quebrou, e nós atrasamos, e
quando chegamos no lugar do camping já era noite, e o meu pai disse “este parece ser um bom lugar, com bastante grama e perto da
água”, e decidimos deixar para armar a barraca no dia seguinte e dormir dentro do carro mesmo; só que não conseguimos dormir,
porque o meu cachorro passou a noite inteira querendo sair do carro, mas a minha mãe não deixava abrirem a porta, com o medo de
cobra; e no dia seguinte tinha a cara feia de um homem nos espiando pela janela, porque nós tínhamos estacionado o carro no quintal
da casa dele, e a água que o meu pai viu era a piscina dele e tivemos que sair correndo. No fim conseguimos um bom lugar para armar
a barraca, perto de um rio. Levamos dois dias para armar a barraca, porque a minha mãe tinha usado o manual de instruções para
limpar umas porcarias que meu cachorro fez dentro do carro, mas ficou bem legal, mesmo que o zíper da porta não funcionasse e para
entrar ou sair da barraca a gente tivesse que desmanchar tudo e depois armar de novo. O rio tinha um cheiro ruim, e o primeiro peixe
que nós pescamos já saiu da água cozinhando, mas não deu para comer, e o melhor de tudo é que choveu muito, e a água do rio subiu,
e nós voltamos pra casa flutuando, o que foi muito melhor que voltar pela estrada esburacada; quer dizer que no fim tudo deu certo.
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2 - Inimigos
“O apelido de Maria Tereza, para Norberto, era ‘Quequinha’. Depois do casamento, sempre que queria contar para os outros uma de sua
mulher, o Norberto pegava na sua mão, carinhosamente, e começava:
- Pois a Quequinha...
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
-Ora, Beto!
Com o passar do tempo o Norberto deixou de chamar a Maria Tereza de Quequinha. Se ela estivesse ao seu lado e ele quisesse se
referir a ela, dizia:
-A mulher aqui...
Ou, às vezes:
-Esta mulherzinha...
(O tempo, o tempo. O amor tem mil inimigos, mas o pior deles é o tempo. O tempo ataca o silêncio. O tempo usa armas químicas.)
Deve-se dizer que o Norberto, a esta altura, embora a chama-se de Ela, ainda usava um vago gesto de mão para indicá-la. Pior foi
quando passou a dizer ‘essa ai’ e a apontava com o queixo.
- Essa ai...
(O tempo, o tempo. Tempo captura o amor e não o mata na hora. Vai tirando uma asa, depois cura)
Hoje, quando quer contar alguma coisa da mulher, O Norberto nem olha na direção. Faz um meneio de lado com a cabeça e diz:
- Aquilo...”
VERÍSSIMO, Luis Fernando. Novas comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1996.
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3 - A bola
O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar sua primeira bola do pai. Uma número 5 oficial de
couro. Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola. O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “legal”, ou o
que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à
procura de alguma coisa.
O pai começou a desanimar e pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros.
- Ela não faz nada, você é que faz coisas com ela.
- O quê?
- Controla, chuta...
Uma bola, bola. Uma bola mesmo. Você pensou que fosse o quê?
- Nada não.
O garoto agradeceu, disse “legal” de novo, e dali a pouco o pai o encontrou na frente da TV, com a bola do seu lado, manejando os
controles do vídeo game. Algo chamado Monster Ball, em que times de monstrinhos disputavam a posse de uma bola em forma de Blip
eletrônico na tela ao mesmo tempo que tentavam se destruir mutuamente. O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e raciocínio.
Estava ganhando da máquina.
O pai pegou a bola nova e ensinou algumas embaixadinhas. Conseguiu equilibrar a bola no peito do pé, como antigamente, e chamou o
garoto.
- Filho, olha.
O garoto disse “legal”, mas não desviou os olhos da tela. O pai segurou a bola com as mãos e o cheirou, tentando recapturar
mentalmente o cheiro do couro. A bola cheirava a nada. Talvez um manual de instrução fosse uma boa ideia, pensou. Mas em inglês pra
garotada se interessar.
Veríssimo, Luis Fernando. A bola. Comédias da vida privada; edição especial para as escolas. Porto Alegre: L&PM, 1996. P. 96-7
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https://www.tudonalingua.com/news/cronicas-de-humor-de-luis-fernando-verissimo/ 2/38
30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
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5 - PAPOS
“- Me disseram...
- Disseram-me
- Hein?
- O quê?
- Lhe digo?
- Que você tá sendo grosseiro, pedante e chato. E que vou te partir a cara. Lhe partir a cara. Partir a sua cara. Como é que se diz?
Aaahh
- Partir-te a cara.
- Dispenso as suas correções. Vê se esquece- me. Falo como bem entender. Mas uma correção e eu...
- O quê?
- O mato.
- Que mato?
- Eu só estava querendo...
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
- No caso... Não sei.
- Esquece.
- Depende.
- Depende. Perfeito. Não o sabes. Ensinar- me- lo- ias se o soubesse, mas não sabes-o.
- Agradeço-lhe a permissão para falar errado que me dás. Mas não posso mais dizer-lo-te o que dizer-te-ia.
- Por quê?
Veríssimo, Luis Fernando. Novas comédias da vida pública – a versão dos afogados. Porto Alegre: L&PM, 1997.
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Na volta do jogo, o pai dirigindo o carro, a mãe ao seu lado, o garoto no banco de trás, ninguém dizia nada. Finalmente o pai não se
aguentou e falou:
- Foi a bola do jogo. Você não dividiu, perdeu a bola e eles fizeram o gol.
- Não. Deixa o menino não. Ele tem que aprender que, numa bola dividida como aquela, se entra pra rachar. O outro, o loirinho, que é
do mesmo tamanho dele, dividiu, ficou com a bola, fez o passe para o gol e eles ganharam o jogo.
- Não interessa, Margarete. Nessas horas não tem amigo. Em bola dividida, não existe amigo.
- E se machucasse? O Rubem teve medo de machucá-lo? Não teve. Entrou mais decidido do que ele na bola, ficou com ela e eles
ganharam o jogo.
- Você está dizendo para o seu filho que é mais importante ficar com a bola do que não machucar um amigo?
- Estou dizendo que em bola dividida ganha quem entra com mais decisão. Amigo ou não.
- Aí é que você se engana. Não é apenas futebol. É a vida. Ele tem que aprender que na vida dele haverão várias ocasiões em que ele
terá que dividir a bola pra rachar e….
- O quê?
- Ah, agora estão corrigindo meu português. Muito bem! Eu não sou apenas o pai insensível, que quer ver o filho quebrando pernas pra
vencer na vida. Também não sei gramática.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
- Luiz Otávio…
- Pois fiquem sabendo que o que se aprende na vida é muito mais importante do que o que se aprende na escola. Está me ouvindo,
Rogério? Um dia você ainda vai agradecer ao seu pai por ter lhe ensinado que na vida vence quem entra nas divididas pra valer.
- O quê?
- Você dividiu muitas bolas pra subir na vida, Luiz Otávio? Não parece, porque não subiu.
- Ora, Margarete…
- Conta pro Rogério em quantas divididas você entrou na sua vida. Conta por que o Simão acabou chefe da sua seção enquanto você
continuou onde estava. Conta!
- Margarete…
- Conta!
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7 - O nariz
Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem
opiniões surpreendentes, mas de uma sólida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço.
Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos,
sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho
Marx. Sentou-se à mesa de almoço – sempre almoçava em casa – com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz
postiço.
- Isto o quê?
- Esse nariz.
Depois do almoço ele foi recostar-se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.
- Por quê?
Sesteou com o nariz de borracha para o alto. Depois de meia hora, levantou-se e dirigiu-se para a porta. A mulher o interpelou:
- Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. – Se fosse uma gravata nova, você não
diria nada. Só porque é um nariz...
Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risadas (“Logo o senhor, doutor...”), fizeram perguntas, mas
terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.
- Ele enlouqueceu?
- Não sei – respondia a recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos. – Nunca vi “ele” assim.
Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.
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- Porque não!
Dormiu logo. A mulher passou metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele
enlouquecera. Era isto. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por
um nariz postiço.
- Papai...
- Podemos conversar?
- Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer
que ninguém note?
- Mas por que, papai? Você não se dá conta de que se transformou no palhaço do prédio? Eu não posso mais encarar os vizinhos, de
vergonha. A mamãe não tem mais vida social.
- Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O seu pai. Continuo o mesmo homem. Um nariz de borracha não faz nenhuma
diferença. Se não faz nenhuma diferença, por que não usar?
- Mas, mas...
- Minha filha.
- Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!
A mulher e a filha saíram de casa. Ele perdeu todos os clientes. A recepcionista, que trabalhava com ele há 15 anos, pediu demissão.
Não sabia o que esperar de um homem que usava nariz postiço. Evitava aproximar-se dele. Mandou o pedido de demissão pelo correio.
Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.
- Você vai concordar – disse o psiquiatra depois de concluir que não havia nada de errado com ele – que seu comportamento é um
pouco estranho...
- Estranho é o comportamento dos outros! – disse ele. – Eu continuo o mesmo. Noventa e dois por cento do meu corpo continua o que
era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar. Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido,
bom pai, contribuinte, sócio do fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam todo o resto por causa deste nariz. Um simples
nariz de borracha. Quer dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz?
O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for, não se entregou. Continua a usar o nariz postiço. Porque agora não é mais
uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios.
Veríssimo, Luís Fernando. O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994.p.73-74. Coleção para gostar de ler.
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8 - Brincadeira
- Eu sei de tudo.
- Vou pensar.
- Sei de tudo.
- Co- como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
- Você sabe.
- Depende de você.
- De mim, como?
- Certo.
- Eu sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
- Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
- Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre nada daquilo.
- Aquilo o quê?
- Você sabe.
Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
- Ainda não.
- Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era
enorme.
- Por quê?
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para falar de ninguém. Além de bem-informado, um
gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
- Sei de tudo.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
- Co- como?
- Sei de tudo.
- Tudo o quê?
- Você sabe.
Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigara. O que ele estaria
tramando? Finalmente foi descoberto numa praia remota. Os vizinhos contam que em uma noite vieram muitos carros e cercaram a
casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos contam que mais se ouvia era a dele, gritando:
Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o
motivo.
Sabia demais.
(Luis Fernando Veríssimo. Comédias da vida privada. Porto Alegre: L&PM, 1995. P. 189-91.)
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Começou na mesa do almoço. A família estava comendo – pai, mãe, filho e filha – e de repente a mãe olhou para o lado, sorriu e disse:
- Para a minha família, só serve o melhor. Por isso eu sirvo arroz Rizobon. Rende mais e é mais gostoso.
O pai virou-se rapidamente na cadeira para ver com quem a mulher estava falando. Não havia ninguém.
- Tá doida, mãe?
Mas dona Dolores parecia não ouvir. Continuava sorrindo. Dali a pouco levantou-se da mesa e dirigiu-se para a cozinha. Pai e filhos se
entreolharam.
- Brincadeira dela...
A mãe voltou da cozinha carregando uma bandeja com cinco taças de gelatina.
Ninguém respondeu. Estavam constrangidos por aquele tom jovial de dona Dolores, que nunca fora assim.
- Acertaram! – exclamou dona Dolores, colocando a bandeja sobre a mesa. – Gelatina Quero Mais, uma festa em sua boca. Agora com
os novos sabores framboesa e manga.
O pai e os filhos começaram a comer a gelatina, um pouco assustados. Sentada à mesa, dona Dolores olhou de novo para o lado e
disse:
- Bote esta alegria na sua mesa todos os dias. Gelatina Quero Mais. Dá gosto comer!
Mais tarde o marido de Dona Dolores entrou na cozinha e a encontrou segurando uma lata de óleo à altura do rosto e falando para uma
parede.
- A saúde da minha família em primeiro lugar. Por isto, aqui em casa só uso o puro óleo Paladar.
- Dolores...
O marido achou melhor não dizer nada. Talvez fosse caso de chamar um médico. Abriu a geladeira, atrás de uma cerveja. Sentiu que
dona Dolores se colocava atrás dele. Ela continuava falando para a parede.
- Todos encontram tudo o que querem na nossa Gelatec, agora com pratileiras superdimensionadas, gavetas em Vidro - Glass e muito,
mas muito mais espaço. Nova Gelatec Espacial, a cabe - tudo.
Pai e filhos fizeram uma reunião secreta, aproveitando que dona Dolores estava na frente da casa, mostrando para uma platéia invisível
as vantagens de uma nova tinta de paredes.
- Isso. É nervos.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
Mas dona Dolores não parecia nervosa. Ao contrário, andava muito calma. Não parava de sorrir para seu público imaginário. E não
podia passar por membro da família sem virar-se para o lado e fazer um comentário afetuoso:
- Todos andam muito mais alegres desde que eu comecei a usar Limpol nos ralos.
Ou:
- Meu marido também passou a usar desodorante Silvester. E agora todos aqui em casa respiram aliviados.
Apesar do seu ar ausente, dona Dolores não deixava de conversar com o marido e com os filhos.
- Vocês sabiam que o laxante Vida Mansa agora tem dois ingrediente recém-desenvolvidos pela ciência que o tornam duas vezes mais
eficiente?
- O quê?
- Sim, os fabricantes de Vida Mansa não descansam para que você possa descansar.
- Dolores...
Mas dona Dolores estava outra vez virada para o lado, e sorrindo:
- Como esposa e mãe, eu sei que minha obrigação é manter a regularidade da família. Vida Mansa, uma mãozinha da ciência à
natureza. Experimente!
Naquela noite o filho levou um susto. Estava escovando os dentes quando a mãe entrou de surpresa no banheiro, pegou a sua pasta de
dente e começou a falar para o espelho:
- Ele tinha horror de escovar os dentes até que eu segui o conselho do dentista, que disse a palavra mágica: Zaz. Agora escovar os
dentes é um prazer, não é, Jorginho?
- Mãe, eu...
O marido de dona Dolores acompanhava, apreensivo, da cama, o comportamento da mulher. Ela estava sentada na frente do toucador e
falando para uma câmara que só ele via, enquanto passava creme no rosto.
- Marcel de Paris não é apenas um creme hidratante. Ele devolve à sua pele o fresco que o tempo levou, e que parecia perdido para
sempre. Recupere o tempo perdido com Marcel de Paris.
Dona Dolores caminhou, languidamente, para a câmara, deixando cair seu robe de chambre no caminho. Enfiou-se entre os lençóis e
beijou o marido na boca. Depois, apoiando-se num cotovelo, dirigiu-se outra vez para a câmara.
- Ele não sabe, mas estes lençóis são da nova linha Passional da Santex. Bons lençóis para maus pensamentos. Passional da Santex.
Agora, tudo pode acontecer...
[...]
(Luis Fernando Veríssimo. O nariz e outrcaas crônicas. São Paulo: Ática, 1994.p.48-50.)
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Minha esposa e eu temos o segredo pra fazer um casamento durar:duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma
comida gostosa, uma boa bebida, e um bom companheirismo.Ela vai às terças-feiras, e eu às quintas .
Nós também dormimos em camas separadas. A dela é em Fortaleza e a minha em São Paulo .Eu levo minha esposa a todos os lugares,
mas ela sempre acha o caminho de volta. Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento. "Em algum lugar
que eu não tenha ido há muito tempo!" ela disse. Então eu sugeri a cozinha.
Minha esposa e eu sempre andamos de mãos dadas. Se eu soltar, ela vai às compras.
Ela tem um liquidificador elétrico, uma torradeira elétrica, e uma máquina de fazer pão elétrica.
Então ela disse: 'Nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar'.
Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica.
Eu me casei com a 'Senhora Certa'. Só não sabia que o primeiro nome dela era 'Sempre'.
Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la.
Mas tenho que admitir, a nossa última briga foi culpa minha.
Ela perguntou: 'O que tem na TV?' E eu disse 'Poeira'.
Quando o nosso cortador de grama quebrou, minha mulher ficava sempre me dando a entender que eu deveria consertá-lo. Mas eu
sempre acabava tendo outra coisa para cuidar antes, o caminhão, o carro, a pesca, sempre alguma coisa mais importante para mim.
Finalmente ela pensou num jeito esperto de me convencer.
Certo dia, ao chegar em casa, encontrei-a sentada na grama alta, ocupada em podá-la com uma tesourinha de costura. Eu olhei em
silêncio por um tempo, me emocionei bastante e depois entrei em casa.
Em alguns minutos eu voltei com uma escova de dente e lhe entreguei.
'-Quando você terminar de cortar a grama, ' eu disse, 'você pode também varrer a calçada. '
Depois disso não me lembro de mais nada. Os médicos dizem que eu voltarei a andar, mas mancarei pelo resto da vida'.
'O casamento é uma relação entre duas pessoas na qual uma está sempre certa e a outra é o marido... '
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
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11 - O lixo
Encontram-se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
- Bom dia...
- Bom dia.
- A senhora é do 610.
- E o senhor do 612
- É.
- Pois é...
- O meu quê?
- O seu lixo.
- Ah...
- É que eu tenho que fazer minha própria comida. E como não sei cozinhar...
- Entendo.
- A senhora também...
- Me chame de você.
- Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim...
- É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra...
- No Espírito Santo.
- Ela é professora?
- Pois é...
- É.
- Más notícias?
- Sinto muito.
- De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
- É verdade. Mas consegui parar outra vez.
- Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
- Ah.
- É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
- Namorada?
- Não.
- Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
- Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
- Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
- Vi e gostei muito.
- Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
- Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela?
- Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O
lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
- O quê?
- Eu adoro camarão.
- Jantar juntos?
- É.
- Trabalho nenhum.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
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12 - A aliança
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também
não tem nada a ver com a crise brasileira [...] Situa-se no terreno mais baixo das pequenas aflições da classe média. Enfim. Aconteceu
com um amigo meu. Fictício, claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma hora. [...] Furou-lhe um pneu. Com
dificuldade ele encostou o carro no meio fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o
desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância. Mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria,
resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas
quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança do asfalto, mas sem
querer a chutou. A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos,
nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pode, entrou no carro e seguiu para casa. Começou a pensar no que
diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
– O quê? [...]
– Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
– Não.
– Olhe
– O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando no
bueiro e desaparecendo. [...]
– Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança.
Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de
inventar uma história em que só um imbecil acreditaria.
– Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-
vergonha!
Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Por que essa cara?
E ele disse:
– Tirei para namorar. Para fazer um programa. E perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento
agora, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava
uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom-senso, a venceriam.
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13 - MOTEL
Mirtes não se agüentou e contou para a Lurdes: - Viram teu marido entrando num motel.
- Ontem. No Discretissimu's.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
Quando o Carlos Alberto chegou em casa e ... Lurdes anunciou que iria deixá-lo. E contou por quê.
- Mas que história é essa, Lurdes? Você sabe quem era a mulher que estava comigo no motel. Era você.
- Pois então?
- Pois então que eu tenho que deixar você. Não vê? É o que todas as minhas amigas esperam que eu faça. Não sou mulher de ser
enganada pelo marido e não reagir.
- Mas você não foi enganada. Quem estava comigo era você!
- Vou.
Mais tarde, quando a Lurdes estava saindo de casa, com as malas, o Carlos Alberto a interceptou. Estava sombrio.
- Fez mil rodeios, mas acabou me contando. Disse que, como meu amigo, tinha que contar.
- O quê?
- O quê? Para que os meus amigos pensem que eu vou a motel com a minha própria mulher?
- E então?
- O quê?
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14 - O casamento
— Ótimo.
— Não tenho certeza, mas acho que era Mendelssohn. Ou Mendelssohn é o da Marcha Fúnebre? Não, era Mendelssohn mesmo.
— Mendelssohn, Mendelssohn...
— Ah, não?
— Não. Um amigo do Varum tem um sintetizador eletrônico e ele vai tocar na cerimônia.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
— Quem?
— O Queen.
— Não é a Queen?
— Só o síntetizador ou...
— Não. Claro que precisa ter uma guitarra elétrica, um baixo elétrico...
— Isso.
*
— Eu sei que não é da minha conta. Afinal, eu sou só o pai da noiva.
Se ainda me derem gorjeta, tudo bem. Mas alguém pode me dizer por que
— Eu sabia...
— O quê?
Pelo menos eu imagino que seja cabeça o que ele tem debaixo do capacete.
— É um belo rapaz.
— E eu não sei? Há quase um ano que ele freqüenta a nossa casa diariamente.
que ele me peça uma mesada. Um belo rapaz. Mas por que Varum?
— E o apelido e pronto.
— Aí xará!
— Ôi, Varum, como vai? A sua noiva está se arrumando. Ela já desce.
— Essa noivinha...
— É. Qual é o galho?
— Saquei. Você está pensando que só nós dois, no meio do mato, pode pintar um lance.
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— Mas qualé, xará. Não tem disso não. Está em falta. Ôi,gatona!
— Vamos?
— Vamos lá?
— É o que eu costumo fazer às três da manhã, todos os dias. Você não dormiu?
— Não tem perigo nenhum. O máximo que pode acontecer é entrar um sapo na tenda.
— Vai dormir.
— Tão envenenado que morreu, nas minhas mãos. Um dia levei num mecânico
Ele disse que a bateria estava boa, o resto do carro é que tinha que ser trocado.
— Hmmmm.
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— “Hmmmm” o quê?
está sempre bem protegida. Sim. Kid Gordini ataca outra vez...
— O quê?
— Bom dia.
— Bom dia.
— Essa.
— Não, Padre Tuco. E que a Ga... A Maria Helena me disse que ela
É isto que está atraindo os jovens de volta à Igreja. Temos que evoluir com os tempos.
— Tuco.
— Padre Tuco, tem uma coisa. O pai da noiva também tem que dançar?
— Agora não, obrigado. Quer dizer, dançava. Até ganhei concurso de chá-chá-chá.
Acho que você ainda não era nascido. Mas estou meio fora de forma e...
— Ensaie, ensaie.
— Certo.
— Claro.
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— Eu estou bonita?
— Não é um barato?
— Um brinde, xará!
— Um brinde, Varum.
— Muito bem!
— Do quê?
— Chá-chá-chá. Uma dança que havia. Você ainda não era nascido.
— Eu tinha um Gordini envenenado. Tão envenenado que morreu. Um dia levei no...
— Tinha um quê?
— Ah.
— Esquece.
— Vacilou.
— Vacilei. Mas aí vi que o Padre Tuco estava de boné e pensei, tudo bem.
Texto extraído do livro "O analista de Bagé", L&PM Editores – Porto Alegre, 1981, pág. 13
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15 - O Desafio
Um publicitário morreu e, como era da área de atendimento e tratava mal o pessoal da criação,
foi para o inferno. O Diabo, que todos os dias recebe um print-out com nome e profissão de
todos os admitidos na data anterior, mandou que o publicitário fosse tirado da grelha e
levado ao seu escritório. Queria fazer-lhe uma proposta.
Se ele aceitasse sua carga de castigos diminuiria e ele teria regalias. Ar-condicionado, etc.
— Qual é a proposta?
— Temos que melhorar a imagem do inferno — disse o Diabo. — Falam as piores coisas do inferno.
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O publicitário topou. Era um desafio. E as regalias eram atraentes.
Quis saber algumas coisas que diziam do Inferno e que mais irritavam o Diabo.
— Bem. Dizem que aqui todos os cozinheiros são ingleses, todos os garçons são italianos,
— E é verdade?
— É.
é tão ruim que é o local ideal para emagrecer. Além de tudo, já é uma sauna.
— Bom, bom.
— Ótimo.
— Muito bom!
Os humoristas, como se sabe, não têm qualquer função social. Eles só servem para
de perigosa alienação. Isso não acontece com os humoristas alemães, cuja falta de graça
— Espere um pouquinho — disse o publicitário. — Temos que combinar algumas coisas, antes.
Você pode tratar com eles. E aproveitar para acertar também o seu contrato.
Texto extraído do livro "A Mãe do Freud", L&PM Editores, Porto Alegre, 1985, pág. 93.
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16 - Os Moralistas
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— Pensei. Já estou decidido. Agora não volto atrás.
Assim que souberam do seu divórcio iminente, correram para visitá-lo no hotel.
A solidariedade lhe faz bem. Mas não entende aquela insistência deles em dissuadi-lo.
nossa casa por causa da Margarida. Depois que ela chamou vocês de bêbados e expulsou todo mundo.
— E fez muito bem. Nós estávamos bêbados e tínhamos que ser expulsos.
— Olha, Paulo. Eu não sou moralista. Mas acho a família uma coisa importantíssima.
— Mas isso é um absurdo! Vocês estão falando como se fosse o fim do mundo.
— Muda tudo!
— Muda o quê?
— Bom, pra começar, você não vai poder mais frequentar as nossas casas.
— O quê?!
— E no "solteiros contra casados da praia", este ano, ainda teremos ele no gol.
— Também, a ideia dele. Largar o gol dos casados logo agora. Em cima da hora.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
— Podia.
— Impensável.
— É.
— Outra coisa.
— O quê?
Texto extraído do livro "As Mentiras que os Homens Contam". Editora Objetiva - Rio de Janeiro, 2000, pág. 41.
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17 - Clic
sabia mais viver sem celular, ficou furioso. Deu parte do roubo,
depois teve uma ideia. Ligou para o número do telefone. Atendeu uma mulher.
— Alô.
— Quem fala?
— Alô.
— Você é a...
— Uma amiga.
— Primo do Amleto?
— É. De Quaraí.
— Pois é.
— Carol.
— Hein?
— Mas vocês...
— Ahh!
— Vem cá. Como você sabia o número do telefone dele? Ele recém-comprou.
— Por quê?
— Porque ele não comprou, não. Ele roubou. Está entendendo? Roubou. De mim!
— Não acredito.
— Ah, não acredita? Então pergunta pra ele. Bate na porta do banheiro e pergunta.
— Alô.
— Carol, é o Tobias.
— Quem?
— Por quê?
— Carol, você parece ser uma boa moça. Eu sei que você gosta do Amleto...
— Mas você simpatizou. Estou certo? Você não quer acreditar que ele
O Amleto pode ter muitas qualidades, sei lá. Há quanto tempo vocês saem juntos?
— E você nem sabe o endereço dele, Carol. Na verdade você não sabe nada sobre ele.
— Ai está, Carol. Isso diz tudo. Um cara que se faz passar por goiano...
— Está.
Esse negócio pode acabar mal. Você pode ser envolvida. — Saia daí enquanto é tempo, Carol!
— Mas...
— Eu sei. Você não precisa dizer. Eu sei. Você não quer acabar a amizade.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
Vocês se dão bem, ele é muito legal. Mas ele é um ladrão, Carol.
Um bandido. Quem rouba celular é capaz de tudo. Sua vida corre perigo.
Clic.
— Alô.
— O Amleto está aqui do meu lado e pediu para lhe dizer uma coisa.
— Carol, eu...
— Carol, não...
—Alô.
Pelo ruído o cidadão deduziu que ela estava dentro de um carro em movimento.
— Carol, é o Torquatro.
— Quem?
Nem conheço esse cafajeste. Ele esta mentindo para você, Carol.
— Carol...
Clic.
— Amleto?
— Primo! Muito bem. Você conseguiu, viu? A Carol acaba de descer do carro.
Ela está desiludida com todos os homens, para sempre. Mandou parar o carro e desceu.
Em plena Cavalhada. Parabéns primo. Você venceu. Quer saber como ela era?
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
— Morena clara. Olhos verdes. Não resistiu ao meu celular.
— Ladrão
— Executivo
— Devolve meu...
Clic.
— Ahn?
— Quem fala?
— É o Trola.
— Não quero saber de sua vida. Estou pagando uma recompensa por este telefone.
Ela chegou com o índio e o Marvão, os três com a cara cheia, e...
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— Compreendo.
— Sou. O Juquinha. Todo mundo ficou sabendo das minhas histórias, virei anedota.
— E aí você disse…
— Eu disse: "Me concentrar como, se o senhor não para de mostrar figurinha erótica?".
O senhor está rindo porque não foi com o senhor. Fiquei anos em tratamento.
— Como não tinha educação, fui ser mecânico. Não deu certo.
— Por quê?
— Foi você?
— Só que para ouvir direito, você precisava levantar o braço! Essa é ótima.
vinham em sentido contrário. Só por farra, resolvi passar com a minha entre as duas.
Quando o médico disse quanto ia custar o tratamento, eu disse que não podia pagar.
— E ele?
— É uma beleza.
— Me casei. Não durou muito. Minha mulher estava convencida de que era um refrigerador.
— O pior não era isso. O pior é que ela dormia com a boca aberta e a luz não
— Para esquecer tudo, fui fazer uma viagem. Quando o avião estava a dez mil metros de altura,
ouviu-se uma voz que dizia: "Isto é uma gravação. Este avião não tem piloto.
temporada numa ilha deserta com uma mulher. Só que a mulher era a Betty Friedman.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
— Pois é. Aí fui salvo e ainda passei por várias anedotas até resolver me matar.
Não conseguia fazer nada certo. Só restava o suicídio. Dei um tiro na cabeça.
— Não. Errei o tiro. Depois fiquei tão contente de ainda estar vivo que dei um tiro para o ar.
Aí acertei na cabeça. E aqui estou eu. Livre, finalmente, das anedotas. O senhor ainda está rindo!
— Meu filho, você sabe quantas anedotas de São Pedro na porta do céu existem?
— O que é que eu posso fazer? Esta é uma delas. Houve um maremoto em Copacabana,
Luís Fernando Veríssimo. "Sexo na Cabeça", L&PM Editores - Porto Alegre, 1982, pág. 15.
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19 - Pneu furado
O carro estava encostado no meio-fio com um pneu furado. De pé ao lado do carro, olhando desconsoladamente para o pneu, uma
moça muito bonitinha.
Tão bonitinha que atrás parou outro carro e dele desceu um homem dizendo
"Pode deixar". Ele trocaria o pneu.
Terminou no momento em que chegava o ônibus que a moça estava esperando. Ele ficou ali, suando, de boca aberta, vendo o ônibus se
afastar.
- Coisa estranha.
(Luís Fernando Veríssimo. Livro: Pai não entende nada. L&PM, 1991).
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_ Um biquíni novo?
_ É, pai.
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_ Não serve mais, pai. Eu cresci.
_ Como não serve? No ano passado você tinha 14 anos, este ano tem 15. Não cresceu tanto assim.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
D - Delegado
L - Ladrão
D - Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!
L - Não era para mim não. Era para vender.
D - Pior, venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!
L - Mas eu vendia mais caro.
D - Mais caro?
L - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas galinhas não. E que as do galinheiro botavam ovos brancos
enquanto as minhas botavam ovos marrons.
D - Mas eram as mesmas galinhas, safado.
L - Os ovos das minhas eu pintava.
D - Que grande pilantra... (mas já havia um certo respeito no tom do delegado...)
D - Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega...
L - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar
os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiros a entrar no nosso esquema. Formamos um
oligopólio. Ou, no caso, um ovigopólio..
D - E o que você faz com o lucro do seu negócio?
L - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no tráfico de drogas. Comprei alguns deputados e senadores do PT. Dois ou três ministros do
PMDB, PDT, PSB. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os
preços.
O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois
perguntou:
D - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
L - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
D - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
L - Às vezes. Sabe como é.
D - Não sei não, excelência. Me explique.
L - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma
coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora fui preso,
finalmente vou para a cadeia. É uma experiência nova.
D - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.
L - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
D - Sim. Mas primário, e com esses antecedentes...
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23– O Tempo
Dizem que todos os dias você deve comer uma maçã por causa do ferro.
Todos os dias deve-se tomar ao menos dois litros de água. E uriná-los, o que consome o dobro do tempo.
Todos os dias deve-se tomar um Yakult pelos lactobacilos (que ninguém sabe bem o que é, mas que aos bilhões, ajudam a digestão).
Um copo de cerveja, para... não lembro bem para o que, mas faz bem.
O benefício adicional é que, se você tomar tudo isso ao mesmo tempo e tiver um derrame, nem vai perceber.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
E nunca se esqueça de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada.
Ou seja, você tem que escovar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e, enquanto tiver dentes, passar fio
dental, massagear a gengiva, escovar a língua e bochechar com Plax.
Melhor, inclusive, ampliar o banheiro e aproveitar para colocar um equipamento de som, porque entre a água, a fibra e os dentes, você
vai passar ali várias horas por dia.
Há que se dormir oito horas por noite e trabalhar outras oito por dia, mais as cinco comendo são vinte e uma. Sobram três, desde que
você não pegue trânsito.
As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia. Menos você, porque todos os dias você vai caminhar ao menos meia
hora (por experiência própria, após quinze minutos dê meia volta e comece a voltar, ou a meia hora vira uma).
E você deve cuidar das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz pensar em quem vai
cuidar delas quando eu estiver viajando.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo.
Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina.
Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo e nem estou falando de sexo tântrico.
Também precisa sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, pratos e espero que você não tenha um bichinho de estimação.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo!!!
Tomar banho frio com a boca aberta, assim você toma água e escova os dentes.
Ainda bem que somos crescidinhos, senão ainda teria um Danoninho e, se sobrarem 5 minutos, uma colherada de leite de
magnésio.Agora tenho que ir.
É o meio do dia, e depois da cerveja, do vinho e da maçã, tenho que ir ao banheiro. E já que vou, levo um jornal.
Tchau....
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Luiz Veríssimo
Aeroporto Santos Dumont, 15h30min, senti um pequeno mal estar causado por uma cólica intestinal, mas nada que uma urinada ou
uma barrigada não aliviasse. Mas, atrasado para chegar ao ônibus que me levaria para o Galeão, de onde partiria o vôo para Miami,
resolvi segurar as pontas. Afinal de contas são só uns 15 minutos de busão. "Chegando lá, tenho tempo de sobra para dar aquela
mijadinha esperta, tranqüilo." O avião só sairia as 16h30.
Entrando no ônibus, sem sanitários. Senti a primeira contração e tomei consciência de que minha gravidez fecal chegara ao nono mês e
que faria um parto de cócoras assim que entrasse no banheiro do aeroporto. Virei para o meu amigo que me acompanhava e, sutil,
falei: "Cara, mal posso esperar para chegar na merda do aeroporto porque preciso largar um barro."
Nesse momento, senti um urubu beliscando minha cueca, mas botei força de vontade para trabalhar e segurei a onda. O ônibus nem
tinha começado a andar quando, para meu desespero, uma voz disse pelo alto falante: "Senhoras e senhores, nossa viagem entre os
dois aeroportos levará entorno de 1 hora, devido a obras na pista."
Aí o urubu ficou maluco querendo sair a qualquer custo! Fiz um esforço hercúleo para segurar o trem merda que estava para chegar na
estação ânus a qualquer momento. Suava em bicas. Meu amigo percebeu e, como bom amigo que era, aproveitou para tirar um sarro.
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
O alívio provisório veio em forma de bolhas estomacais, indicando que pelo menos por enquanto as coisas tinham se acomodado.
Tentava me distrair vendo TV, mas só conseguia pensar em um banheiro, não com uma privada, mas com um vaso sanitário tão branco
e tão limpo que alguém poderia botar seu almoço nele. E o papel higiênico então branco e macio, com textura e perfume e, foi quando,
senti um volume almofadado entre meu traseiro e o assento do ônibus e percebi, consternado, que havia cagado.
Um cocô sólido e comprido daqueles que dá orgulho de pai ao seu autor. Daqueles que dá vontade de ligar pros amigos e parentes e
convidá-los a apreciar na privada. Tão perfeita obra, dava pra expor em uma bienal.
Mas sem dúvida, a situação tava tensa. Olhei para o meu amigo, procurando um pouco de solidariedade, e confessei sério: "Cara,
caguei." Quando meu amigo parou de rir, uns cinco minutos depois, aconselhou-me a relaxar, pois agora estava tudo sob controle. "Que
se dane, me limpo no aeroporto." - pensei. "Pior que isso não fico."
Mal o ônibus entrou em movimento, a cólica recomeçou forte. Arregalei os olhos, segurei-me na cadeira, mas não pude evitar, e sem
muita cerimônia ou anunciação, veio a segunda leva de merda. Desta vez, como uma pasta morna. Foi merda para tudo que é lado,
borrando, esquentando e melando a bunda, cueca, barra da camisa, pernas, panturrilha, calças, meias e pés. E mais uma cólica
anunciando mais merda, agora líquida, das que queimam o fiofó do freguês ao sair rumo a liberdade. E depois um peido tipo bufa que
eu nem tentei segurar, afinal de contas o que era um peidinho para quem já estava todo cagado?
Já o peido seguinte, foi do tipo que pesa. E me caguei pela quarta vez. Lembrei de um amigo que certa vez estava com tanta caganeira
que resolveu botar Modess na cueca, mas colocou as linhas adesivas viradas para cima e quando foi tirá-lo levou metade dos pêlos do
rabo junto. Mas era tarde demais para tal artifício absorvente. Tinha menstruado tanta merda que nem uma bomba de cisterna poderia
me ajudar a limpar a sujeirada.
Finalmente cheguei ao aeroporto e saindo apressado com passos curtinhos, supliquei ao meu amigo que apanhasse minha mala no
bagageiro do ônibus e a levasse ao sanitário do aeroporto para que eu pudesse trocar de roupas.Corri ao banheiro e entrando de boxe
em boxe, constatei a falta de papel higiênico em todos os cinco. Olhei para cima e blasfemei: Agora chega, né? Entrei no último, sem
papel mesmo, e tirei a roupa toda para analisar minha situação (que concluí como sendo o fundo do poço) e esperar pela minha
salvação, com roupas limpinhas cheirosinhas e com ela uma lufada de dignidade no meu dia. Meu amigo entrou no banheiro com
pressa, tinha feito o "check-in" e ia correndo tentar segurar o vôo.
Jogou por cima do boxe o cartão de embarque e uma maleta de mão e saiu antes de qualquer protesto de minha parte. Ele tinha
despachado a mala com roupas. Na mala de mão só tinha um pulôver de gola "V" (A temperatura em Miami era de aproximadamente
35 graus).
Desesperado comecei a analisar quais de minhas roupas seriam, de algum modo, aproveitáveis. Minha cueca joguei no lixo. A camisa
era história. As calças estavam deploráveis e assim como minhas meias mudaram de cor tingidas pela merda. Meus sapatos estavam
nota 3, numa escala de 1 a 10. Teria que improvisar. A invenção é a mãe da necessidade, então transformei uma simples privada em
uma magnífica máquina de lavar.
Virei a calça do lado avesso, segurei-a pela barra, e mergulhei a parte atingida na água. Comecei a dar descarga até que o grosso da
merda se desprendeu.
Estava pronto para embarcar. Saí do banheiro e atravessei o aeroporto em direção ao portão de embarque trajando sapatos sem meias,
as calças do lado avesso e molhadas da cintura ao joelho (não exatamente limpas) e o pulôver gola "V", sem camisa. Mas caminhava
com a dignidade de um lorde. Embarquei no avião, onde todos os passageiros estavam esperando o "RAPAZ QUE ESTAVA NO
BANHEIRO" e atravessei todo o corredor até o meu assento, ao lado do meu amigo que sorria.
A aeromoça aproximou-se e perguntou se precisava de algo. Eu cheguei a pensar em pedir 120 toalhinhas perfumadas para disfarçar o
cheiro de fossa transbordante e uma gilete para cortar os pulsos, mas decidi não pedir:
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
Estava tão emocionada! Deveria estar pensando que fiquei louco, agora penso que estava me testando quando pediu também uma
raquete de tênis, porque nem tênis ela joga.
Acredito que acabei com seus esquemas e paradigmas quando falei que sim. Ela estava quase excitada sexualmente depois de tudo
isso; Vocês tinham que ver a carinha dela, toda feliz!
Quando ela falou: "Vamos passar no caixa para pagar" tive dificuldade para me segurar ao falar com ela:
"Não, meu bem, acho que agora não quero comprar tudo isso".
Ela ficou pálida.
Ainda falei: "Só quero que você me abrace. Me abrace, mas me abrace forte".
No momento em que começou a ficar com cara de querer me matar, falei:
"Você não sabe se conectar com as minhas necessidades financeiras como homem..."
Acredito que o sexo acabou para mim até o natal de 2020...
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– Você falou Murilo… Ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto
psicótico?
– Você vai ter uma nora. Só que uma nora… Meio macho.
– Ou um genro meio fêmea. Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro
quase fêmea… E quando eu vou conhecer o meu. A minha… O Murilo?
– Por quê?
– Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.
– Mãe, que besteira … Hoje em dia … Praticamente todos os meus amigos são
gays.
– Só espero que tenha sobrado algum que não seja… Pra poder apresentar pra
tua irmã.
– A Bel já tá namorando.
– A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada… Quem é?
– Veruska…
– Ah! bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.
– Mãe!!!…
– Tá.., tá…, tudo bem…Se vocês são felizes. Só fico triste, porque não vou
ter um neto ..
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30/05/2019 CRÔNICAS DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO :: Tudo na Língua
– Namorada da Bel…
– “Peraí”. A ex-namorada do teu atual namorado… E a atual namorada da tua
irmã . Que é minha filha também… Que se chama Bel. É isso? Porque eu me
perdi um pouco…
– Da Bel.
– Mas . Logo da Bel?! Quer dizer então… Que a Bel vai gerar um filho teu e
do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é
a Veruska.
– Isso.
– Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito,
filha da Veruska e filha da Bel.
– Em termos…
– A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a
Bel.
– Por aí…
– Por outro lado, a Bel….,além de mãe, é tia… Ou tio… Porque é tua irmã.
– Exato. E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra
com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska…
Com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.
– Só trocar, né? Agora o óvulo vai ser da Bel. E o ventre da Veruska.
– Exato!
– Agora eu entendi! Agora eu realmente entendi…
– Entendeu o quê?
– Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!
– Mas…
– Mas uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior… Com incesto
no meio..
– Nós ajudamos.
– Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai
ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero,o
espermatozóide. .. A única coisa que eu entendi é que…
– Que…?
– Fazer árvore genealógica daqui pra frente… vai ser F***.
Palavras-chave:
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