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17/07/2019 O Sacrifício de Animais no Candomblé - Candomblé sem Segredos

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O Sacrifício de Animais no Candomblé
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Parte II - O Aspecto Antropológico Buscar

Publicado por Gill Sampaio Ominirò em 14/07/2016 às 04h07


RÚBỌ
 
Antropologia
Àṣẹ
Cultura
Rituais
Sacrifício de animais
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O aspecto antropológico  
Por Gill Sampaio Ominirò
 
Na segunda parte da série O Sacrifício de Animais no
Candomblé, vamos abordar o pensamento antropológico de
alguns cientistas importantes que se debruçaram sobre o tema
“sacrifício”. Nesta perspectiva, a Ìwé Ìmọ̀ irá, na medida do
possível relacionar as teorias apresentadas em contextos gerais
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com a especificidade do sacrifício nos rituais das religiões afro-


brasileiras que o praticam, com ênfase, é claro, no candomblé,
religião alvo do nosso site.
 
A tal da Antropologia
 
Apesar dos estudiosos que ao longo da História observavam os
povos de vários lugares mundo a fora, fazendo-o do conforto de
seus locais de trabalho, somente em meados do século XVIII é
que a Antropologia começa a aparecer como ciência. Ela é a
ciência que estuda as culturas humanas e investiga as origens, o
desenvolvimento e as semelhanças das sociedades assim como
as diferenças entre elas.
 
A palavra
 
O termo sacrifício vem do latim, sacrificium, composto de sacer
e ficium, palavras aparentadas ao contexto das antigas
celebrações ritualísticas da cultura indo-europeia, significando
exatamente o "ato de fazer o sagrado", ou seja, o ato de passar
da esfera do profano para a esfera do sagrado. Daí o erro
crasso de se chamar a morte de animais em estado de terminal
de sacrifício.
 

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O sacrifício na Grécia Antiga era de origem alimentar,


envolvendo um animal doméstico como os que hoje nos servem
de alimento. 
 
Mitologia e sacrifício
 
Em uma entrevista, fizeram a Claude Lévi-Strauss a seguinte
pergunta: "O que é um mito?". E o antropólogo assim
respondeu: "Se você perguntasse a um índio americano, é muito
provável que ele respondesse: é uma história do tempo em que
os homens e os animais ainda não se distinguiam. Esta
definição me parece muito profunda”.
 
É importante destacar, assim, o papel dos mitos no fomento da
prática do sacrifício. É o mito que, em geral, relaciona a sorte, a
bem-aventurança com os sacrifícios necessários e pertinentes.
Observem abaixo o cântico ao òrìṣà Ògún, o qual faz referência
a um sacrifício necessário para a continuação de sua jornada:
 
Ògún àjó ẹ mọ̀riwò
Alàkóró àjó ẹ mọ̀riwò
Ògún pa lépa’nọ̀n
Ògún àjó ẹ mọ̀riwò
Ẹ máa tu ẹiyẹ
  Tradução:
Ògún que viaja vestido com o mọ̀riwò (folhas novas do
dendezeiro desfiadas)
O Senhor do Àkóró viaja vestido com o mọ̀riwò
Ògún limpa os caminhos
Ògún que viaja vestido com o mọ̀riwò
  E faz o sacrifício com o pássaro
 
A mitologia, de uma forma geral, elabora representações do
divino, mas não o faz a partir de dados arbitrários. Os mitos
conservam o vestígio de sua origem: um sacrifício forma o
episódio central da vida legendária das divindades que provêm

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de um sacrifício. No mito do Àdàbà (streptopelia semitorquata),


por exemplo, o qual alicerça o èèwọ (interdito), em relação aos
sacrifícios de ẹiyẹlé (pomba) para Ọ̀ṣun, fica muito evidente a
relação do mito com a prática de um ritual ad eternum. Ou
seja, o mito proíbe, eternamente, que haja sacrifícios de pomba
para Ọ̀ ṣun, por causa de sua gratidão ao animal que lhe ajudou
a se liberar do cárcere privado no qual ela se encontrava.
Portanto, esse episódio determinou a forma do ritual de
sacrifício à divindade. Observem o cântico que encerra a
proibição estabelecida no mito: 
 
Àdàbà orò ma fẹ
      Ò fẹ́ lẹ (ẹiyẹlé) ó
Tradução: 
É Àdàbà que ela quer para o sacrifício
Ela não quer pomba
  
Noutro mito, de imensa popularidade, a mãe de Ọ̀ ṣọ́tokanṣoṣó
(Ọ̀ṣọ́ọ̀sí), temendo pela vida do filho, foi a um bàbáláwo
(sacerdote do oráculo de Ifá),  e este recomendou que ela
fizesse um ẹbọ (oferenda), para agradar as àjẹ́ (feiticeiras
divinas), as quais enviaram um terrível mostro para aterrorizar
a cidade de Ifẹ e ele teria de matá-lo ou seria condenado à
morte pelo Ọ́ ọ̀ni (rei da cidade). A mãe de Ọ̀ ṣọ́tokanṣoṣó
sacrificou, então, uma adìẹ (galinha) para as àjẹ́ e seu filho
conseguiu matar o monstro. Aqui, observamos a necessidade do
sacrifício animal com o intuito de abrandar uma fúria divina
que reclamava de uma injustiça, pois as àjẹ́ se rebelaram por
não terem sido convidadas para a grande festa da cidade, elas
que são as mães primordiais.
 
É fato que o sacrifício precisa se repetir periodicamente porque
o ritmo da natureza exige essa periodicidade. Portanto, o mito
faz a divindade viva sair da prova para submetê-la novamente a
ela, de modo que constitui sua vida como uma cadeia
ininterrupta de paixões e ressurreições.
 

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Sacrifício védico (hindu) de um cavalo - asvamedha.


 
O sacrifício no culto afro-brasileiro
 
Sacrifício é a prática de oferecer alimento ou a vida de animais
às divindades como forma de culto. Ele não é sinônimo de
matar. Apesar da linha tênue que os separa, o sacrifício está
fundamentado na troca.
 
O sacrifício de animais nas religiões afro-brasileiras é milenar,
tendo em vista terem herdado esta prática das antigas religiões
africanas de culto aos òrìṣà, voodoo e nkisi. Ele é um uma
modalidade de cultura que não separa o divino, o humano e o
natural nem mesmo no sofrimento. Neste sacrifício, há uma
única pessoalidade em metamorfose e renascimento. Por
estarem o divino, o humano e o natural congregados numa
unidade, o sacrifício perfaz um momento especial de fusão de
destinos e renascimentos em uma unidade, simultaneamente
animal, humana e divina. Ele só ocorre quando não há a recusa
destas três partes que se entregam ao acontecimento cósmico.
 
Ademais, as apuradas sensibilidades desenvolvidas nestas
religiões para o cuidado do animal não podem ser substituídas
por técnicas veterinárias, porque aquelas são de tradições
religiosas antigas, mais sensíveis, sofisticadas e, sobretudo,
abertas a insondáveis dimensões cósmicas.
 

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Entendo que o sacrífico de animais, diferentemente do sacrifício


de vegetais, restabelece o poder energético do sacrificante,
equilibrando estas energias metafísicas para que se alcance a
plenitude espiritual. Traduzindo para o plano afro-religioso,
trata-se da consecução e estabilidade do àṣẹ. Por outro lado, o
ẹ̀jẹ̀ ewé, o “sangue das folhas”, ou seja, a clorofila na seiva
elaborada, não tem esse poder, pois é frio e desprovido de vida
ao ser a folha, seu receptáculo, retirada da planta. No entanto, é
o ẹ̀jẹ̀ ewé pós sasányìn (ritual de encantamento das folhas), que
dá condições para que esta estabilidade do àṣẹ aconteça.
 
O àṣẹ é, inequivocamente, o intuito primaz das religiões que
cultuam òrìṣà, voodoo ou nkisi, seja em África ou na diáspora.
Assim, o restabelecimento e o equilíbrio pleno do àṣẹ é o
momento sublime do encontro com a divindade suprema destes
cultos, com Olódùmarè, Mawu ou Nzambi Mpungu (Deus, nas
diferentes línguas rituais de cada culto mencionado acima,
respectivamente).
 

Momento em que um adepto do candomblé estabelece, através


de um cumprimento ritual, a troca de cabeça.  
 
Os pensadores e o sacrifício
 

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Segundo o antropólogo inglês Edward Burnett Tylor “o sacrifício


é originalmente uma dádiva que o selvagem faz aos deuses, aos
quais é conveniente a ele se ligar”. Tylor diz que estes mesmos
deuses começam a se afastar dos homens e para que isto não
aconteça, criam-se os ritos sacrificiais os quais têm como
objetivo fazer chegar aos seres espirituais as coisas sagradas,
mantendo assim um contato entre eles. No entanto, apesar de a
teoria de Tylor descreve bem as fases do desenvolvimento moral
do fenômeno, ela não explica o seu mecanismo, o qual os
antropólogos franceses Marcel Mauss e Henri Hubert julgavam
necessário fazê-lo. E vão muito além, fazendo uma profunda
análise do sacrifício.
 
Eles definem, então, o sacrifício como um “ato religioso que,
mediante a consagração de uma vítima, modifica o estado da
pessoa moral que o efetua”. Esta modificação sacraliza o ato
que se autojustifica pela purificação que executa. Os autores
apontam a “natureza e função social do sacrifício”. Que há nele
uma força motriz que provoca a comunhão, além de ter uma
finalidade na sociedade na qual ele se realiza. Segundo eles, há
que se destacar a presença de um esquema para a realização do
sacrifício que ocorre com poucas variações, em muitos povos.
 
Mauss e Hubert propõem-se alcançar o núcleo da questão, ou
seja, a natureza e a função de fenômenos diversos classificados
sob o rótulo “sacrifício”. Eles se concentram em dois exemplos
da Antiguidade, anunciados como “típicos”: o judaísmo e
hinduísmo. Para tanto, valem-se das informações contidas nos
livros sagrados, como o Pentateuco Judaico e os textos Védicos
Hindus. Se o monoteísmo judaico supõe uma divindade única e
transcendente, o panteísmo védico concebe uma relação de
imanência entre a divindade e o mundo.
 
Se seguirmos a filosofia religiosa yorubá, o candomblé, que dela
descende, é uma religião monoteísta, pois cultua os òrìṣà a fim
de se chegar a Olódùmarè (Deus Supremo) e, portando, o
exemplo judaico nos contemplaria. Por outro lado, os que
entendem que o candomblé é uma religião politeísta, o exemplo
hindu, por sua vez, contemplaria essa forma de visão.
 

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O antropólogo Edward Burnett Tylor  (Londres, 2 de outubro de


1832 - Wellington, 2 de janeiro de 1917). 
 
De volta aos autores, observamos que eles concordam
parcialmente com Tylor, no momento em que entendiam que o
sacrifício constituía uma forma de dádiva (alimento) do fiel à
sua divindade, conferindo àquele algum direito sobre esta. Além
disso, eles entendiam que o sacrifício era uma forma de
consagração, uma espécie de passagem do domínio comum ao
domínio religioso. Mais que uma oferenda, o objeto do sacrifício
é total ou parcialmente consumido, igualmente como é no caso
do candomblé.
 

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Mauss e Hubert explicam um aspecto muito particular do


sacrifício religioso. Eles argumentam que no sacrifício há um
ato de abnegação, já que o sacrificante se priva e dá. E
geralmente essa abnegação lhe é mesmo imposta como um
dever, pois o sacrifício nem sempre é facultativo. As divindades
o exigem em benefício da cura. De natureza igual, sabe-se que
no candomblé os sacrifícios regulares são chamados
popularmente de “obrigações” e não à toa. Estes rituais
temporais são obrigatórios para o restabelecimento do vínculo
com a divindade, dentre outras coisas.
 
Mas essa abnegação e essa submissão não suprimem o
interesse quanto ao retorno: o sacrificante dá algo de si e é em
parte para receber e quando recebe, ele serve novamente às
divindades. O sacrifício se apresenta, assim, sob as leis da
dádiva. É uma forma de contrato: as partes envolvidas trocam
seus serviços e cada uma tem a sua parte, pois as divindades
também têm necessidade dos humanos.
 
Mauss e Hubert, aparentemente, veem o sacrifício externo aos
vínculos sociais, mas através de uma concepção mítica e
religiosa por estar relacionado a motivações sobrenaturais,
sendo ele “considerado a própria condição da existência divina.
É ele quem fornece a matéria imortal de que vivem as
divindades. Assim, não só é no sacrifício que algumas
divindades nascem, mas é ainda pelo sacrifício que todos
mantêm sua existência”.

Mauss, estudando as trocas entre os homens e divindades,


observa que  um dos primeiros grupos de seres com os quais os
homens tiveram que  contratar e que, por definição, ali estavam
para contratar com eles foi, antes de  tudo, o dos espíritos dos
mortos e das divindades. Com efeito, são eles os  verdadeiros
proprietários das coisas e dos bens do mundo. Era com eles que
era  mais necessário trocar e mais perigoso não trocar.
Inversamente, porém, era  com eles que era mais fácil e mais
seguro trocar. O sacrifício tem  precisamente uma finalidade de
doação que é necessariamente retribuída.
 
Ele estabelece um contrato entre o homem e a divindade,
obrigando esta a retribuir, através de determinados atos em
troca dos sacrifícios. E jamais simplesmente por amor ou boa
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vontade. As divindades estendem aos fiéis sua proteção na


permuta do sacrifício. Não existe uma vontade divina livre de
“doar”, pois só existe a “doação” à medida que existe o
sacrifício.
 
Para Mauss e Hubert, “se o sacrificante dá alguma coisa de si,
ele não se dá; ele se reserva prudentemente. O sacrifício se
apresenta, portanto, sob duplo aspecto: É um ato útil e é uma
obrigação. O desinteresse se mistura aí com o interesse. As
duas partes em presença trocam serviços e cada uma tem aí
sua conta”. Notem que os autores, apesar de desconhecerem as
religiões afro-brasileiras, exprimem o cerne do sacrifício ritual
nestes cultos: sacrificar um animal em troca de si: 
Orí ẹran ẹ gbà e máṣe gbà orí mi.
Receba a cabeça do animal, deixe a minha.
 

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O antropólogo  Marcel Mauss  (Épinal, 10 de Maio de 1872 —


Paris, 10 de Fevereiro de 1950).
 
É fato que um sacrifício sempre implica numa consagração, que
modifica o estado das coisas. Passa-se do domínio do profano
para o do sagrado. O inverso também ocorre; basicamente, o
sacrifício é um processo de sacralização e dessacralização de
algo. Importante destacar que, após o sacrifício, os contatos
com o sagrado não são rompidos. É necessário, portanto, uma
série de procedimentos a fim de que os envolvidos no ritual
possam voltar ao âmbito do profano. Mais uma vez as teorias
contemplam o candomblé, se lembrarmos de que no paná
(metaforicamente “o fim do sofrimento”), ritual pelo qual o
ìyawó (iniciado), passa no término de sua iniciação, ocorrem

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procedimentos a fim de que ele possa se reintegrar ao espaço


profano, ou seja, à vida comum fora do sagrado.
 
Cabe ressaltar que, segundo Mauss e Hubert, todo sistema
sacrificial pode ser reduzido a quatro elementos: sacrificante,
vítima, divindade e sacrificador. O sacrificante é, antes de tudo,
aquele que se submete aos efeitos e colhe os benefícios do
sacrifício. Ele pode ser um só indivíduo, toda uma coletividade
ou mesmo um objeto.
 
Isso se deve, segundo Claude Lévi-Strauss que volta a esse tema
em “O pensamento selvagem”, à possibilidade de substituição
dos termos postulados pelos sistemas sacrificiais. A vítima, em
suma, deve ser um intermediário, um elo entre o sacrificante e
a divindade referida na mitologia. Já o sacrificador ou sacerdote
é simplesmente aquele que propicia essa intermediação.
 

O antropólogo Claude Lévi-Strauss  (Bruxelas, 28 de novembro


de 1908 — Paris, 30 de outubro de 2009).
 
Em linhas gerais, Mauss e Hubert sugerem que todo sacrifício
propicia a comunicação e a produção de uma continuidade
entre os homens e o mundo divino. E isso ocorre mediante a
presença do ser vivente que se submete a um processo de
sacralização, ou seja, de contato com uma realidade separada ou

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sobre-humana. O aniquilamento de esse ser vivente significa a


liberação de uma espécie de substância sagrada, que é
transferida ao sacrificante. Nesse sentido, os ritos sacrificiais
devem findar com atos de purificação, pois o que foi unido deve
ser novamente separado.
 
Mauss e Hubert finalizam sua obra nos mostrando que se
tomássemos o sacrifício como algo pertencente apenas à esfera
imaginária e que  tudo isto é um  jogo de imagens, ficaríamos
cegos para o fato de  que todos estes ritos são realidades
verídicas. Pois as noções religiosas, por serem objetos de crença,
existem objetivamente como fatos sociais. As coisas sagradas
são coisas sociais. Assim, compreendemos que a função social
do sacrifício está nos símbolos sociais que o crente exprime
para si mesmo.
 
Estas teorias não estabelecem um fim à discussão, ao debate,
mas nos dá algumas dimensões bastante concretas. Uma delas é
que, qualquer que seja a diversidade do ato, o sacrifício remete
sempre à representação e à introjeção da morte na constituição
de um sistema social e simbólico na manutenção da vida. Vida
e morte, então, estão estreitamente interligadas no ritual do
sacrifício.
 
É preciso ressaltar que a obra de Mauss e Hubert deixa
evidente, no que diz respeito ao candomblé, que este deve ser
avaliado com base na manifestação de uma cultura legítima, a
qual não se estrutura nem se legitima na tortura ou nos maus-
tratos aos animais, pretextos pelos quais ele é sistematicamente
difamado.
 
Enfim, repito que o sacrifício é a ação que sacraliza este ato e
que se autojustifica pela purificação que executa.
 
 
Bibliografia 
 
LÉVI-STRAUSS, Claude & Eribon, Didier. De perto e de longe –
entrevista com Claude Lévi-Strauss. Rio de Janeiro, Nova

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Fronteira, 1988;
LÉVI-STRAUSS, Claude.  O pensamento selvagem. Campinas.
Papirus, 1990;
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva, in Sociologia e
Antropologia. São Paulo. Cosac Naify.  2003;
MAUSS, Marcel e HUBERT, Henri. Esboço de uma teoria geral
da magia, in Sociologia e Antropologia. São Paulo. Cosac Naify. 
2003;
MAUSS, Marcel e HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício. São Paulo.
Cosac Naify. 2005;
TYLOR, Edward Burnett. La Civilisation Primitive. Paris. 1876.
 
 

Capa do livro "Sobre o sacrifício", originalmente publicado em


1899 sob o título  “Essai sur la nature et la fonction du
sacrifice”.
 
 

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animais, Transmissão de
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Parte I - O Aspecto Religioso


Publicado por Gill Sampaio Ominirò em 10/06/2016 às 18h00

 
 

O aspecto religioso
  Por Gill Sampaio Ominirò
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De início, é importante esclarecer que o sacrifício de animais
não é uma prática exclusiva das Religiões Afro-brasileiras. Ela é
adotada, por exemplo, por parte dos muçulmanos quando se
finda o período chamado de Ramadã, no qual um cordeiro é
degolado, e na  religião  judaica existe o kosher, um ritual de
abate para a preparação de alimentos. O termo
hebraico  kosher  significa “bom” e “próprio”, sendo utilizado
para designar alimentos preparados de acordo com as leis
judaicas de alimentação. A Torá exige que bovinos e frangos
sejam abatidos de acordo com essas Leis, num ritual chamado
Shechita. Apenas uma pessoa treinada, denominada Shochet, é
apta a realizar esse ritual. Antes do Shechita é realizada uma
oração especial chamada Beracha.
 
O objetivo do ritual é proporcionar a eliminação máxima de
sangue possível no sacrifício do animal, sem que este sofra. Isso
é obtido pela degola do animal de forma a conferir uma rápida
inconsciência e insensibilidade. A degola é feita pelo corte das
artérias carótidas e veias jugulares, sem, no entanto, atingir as
vertebras cervicais.
 
Encontram-se ainda notícias de sacrifício de animais por toda a
bíblia, embora os Cristãos não se utilizem mais dessa prática
depois da morte de Cristo. Os Incas e os Astecas, em honra ao
deus Sol, sacrificavam humanos no topo de pirâmides, como
forma de oferendas, pois pensavam que, assim, aplacariam sua
ira e evitariam calamidades. Atualmente, encontra-se o sacrifício
de animais no Hinduísmo, no Islamismo, como já dito, e nas
religiões afro-brasileiras, como o Candomblé da Bahia, o Xangô
do Recife, o Batuque do Rio Grande do Sul e, em geral, na
Umbanda.
 
A turba da ignorância
 
Pretendo me ater à prática do sacrifício para o candomblé, pois
é o foco central deste site. Assim, nele, de uma forma geral, o
sacrifício em destaque é o de ordem animal, apesar de também
ocorrer na ordem vegetal (oferenda de frutas, verduras, legumes,
grãos etc.).
 
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Mas é no sacrifício de ordem animal que se encontra a


polêmica no seu ritual, por parte de não integrantes desta
religião, os quais, julgam que o sacrifício sagrado se dá num ato
de crueldade e tortura com os animais. Este argumento, baseado
na ignorância, no desconhecimento da prática do ritual, é um
dos alicerces da falácia daqueles que, na verdade, pretendem
alicerçar sua intolerância religiosa contra as religiões negras.
 
Vale destacar que neste seguimento religioso brasileiro cujas
divindades, os Òrìṣà, são de origem yorubá, animais são mortos
de forma muito diferenciada. São imolados. O sacrifício não é
um simples extermínio do animal sem a preocupação com seu
sofrimento. Pelo contrário, o animal não pode nem deve sofrer.
De tal modo, antes de ser sacrificado ele deve estar limpo e
alimentado, além de ser saudável, adulto e bem cuidado até o
momento da imolação.
 
O estanque da dor
 
É fato que os animais, ao serem preparados para o sacrifício,
são devidamente manuseados sem que haja qualquer forma de
tortura e, ao serem sacrificados, têm a cabeça separada do
corpo de imediato. Neste momento, seu cérebro, o qual recebe
informações sensoriais, como o medo, é desativado. Assim, o
sistema nervoso central, agora sem ação, não permite que haja
a sensação da dor. Inversamente, o sistema nervoso autônomo,
este que envia impulsos nervosos dos órgãos viscerais para o
sistema nervoso central também é interrompido e, portanto, não
permite que o animal sofra nenhuma aflição.
 
Além disso, os cuidados com o sangue e o corpo do animal são
absolutamente observados. Essencialmente, ambos foram
sacralizados e, como tal, não podem entrar em contato com o
profano. Mesmo morto, o animal é respeitado, limpo, cozido e
servirá de alimento para toda a comunidade religiosa. As
vísceras, igualmente sagradas, serão limpas e preparadas como
oferenda aos Òrìṣà.
 
O sacrificador
 

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Importante ressaltar que a pessoa que fará o sacrifício deve


estar preparada para tal finalidade. Em geral é um sacerdote
consagrado a Ògún, o àṣògún, que organiza, gerencia e efetiva o
sacrifício. Trata-se de uma pessoa instrumentalizada para o
sacrifício e observará com muito cuidado o animal e seu corpo.
O processo se dá em clima de fé, concentração e disciplina.
 
Outro dado importante é o local do sacrifício. Para ocorrer, sem
que haja contaminação com o profano, o sacrifício deve ser
realizado em local específico e em horários determinados. Se a
cerimônia for realizada fora do local estabelecido, a imolação
não é mais do que uma eliminação da vida, o que desvincula
completamente o sacrifício do sagrado. O lugar onde se
sacrificam os animais é parte do esquema sagrado e é de
extrema importância, pois não se pode sacrificar em qualquer
lugar, ou ainda, utilizar instrumentos que não estejam
devidamente purificados para a realização da cerimônia.
 
O que diz Mãe Stella?
 
Em artigo de 2013, Mãe Stella de Ọ̀ṣọ́ọ̀sí, sacerdotisa do Ilé Àṣẹ
Opò Àfonjá, Salvador – Bahia, diz o seguinte sobre o sacrifício
de animais:
 
Oferecemos aos deuses¹ tudo aquilo que
nos mantém vivos e alegres: alimentos,
flores, perfumes, água limpa e fresca.
Tranquilizo os leitores dizendo que no
dia em que os homens deixarem de ter
na mesa galinha, galo, carneiro, porco,
boi… naturalmente esses animais
deixarão de ser ofertados aos deuses. Se
um dia o sacrifício humano existiu foi
porque as tribos se alimentavam de seus
semelhantes. Se a desculpa para crítica
de sacrifício de animais se deve ao fato
de eles serem seres vivos, gostaria de
lembrar que laranja, alface, couve
também são seres vivos.²
 
Não há desordem
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Destaca-se que os animais que serão usados variam e
dependem do Òrìṣà a quem a oferta é feita. Enquanto algumas
espécies podem ser sacrificadas em honra de mais de uma
divindade, outras são específicas a determinadas divindades.
Algumas têm funções específicas como de limpeza, são
oferecidas aos Òrìṣà como parte de um ritual de cura ou são
usados para o bọrí, por exemplo, um ritual de oferenda à
cabeça espiritual da pessoa.
 
Por outro lado, o candomblé tradicional não admite o sacrifício
de animais domésticos, como cães, gatos e de animais silvestres,
tendo em vista as proibições legais. Esta questão do uso e
proibição de espécies animais ficará mais clara na Parte III
deste assunto, quando abordarei o aspecto jurídico-legal do
sacrifício de animais nas religiões afro-brasileiras.
 
O sacrifício e a encruzilhada
 
Ao descrever o sacrifício de forma tão asseada de mistificações
com o objetivo de minimizar preconceitos, muitos irão se
perguntar: “e os animais mortos nas ruas e encruzilhadas
urbanas?”. Uma pergunta muito complexa, mas necessária,
pertinente.
 
Em primeiro lugar é preciso esclarecer que não faz parte do
ritual do candomblé tradicional o ẹbọ (sacrifício, oferenda), nas
ruas urbanas, feitos em geral para entidades catiças ou até para
Èṣù. Pois, Èṣù nas casas de candomblé tradicionais recebe seus
sacrifícios dentro do espaço do terreiro, numa casa específica
para ele, o Ilé Èṣù, a casa de Èṣù. É fato que há um caminho de
Èṣù que rege, domina o espaço da encruzilha, mas não
necessariamente ele precisa receber sacrifícios animais nela. A
encruzilhada, em yorubá ìkóríta, é o local físico no qual se
encontram duas dimensões, a saber, o Ọ̀run e o Àiyé. Nesta
perspectiva, o Èṣù específico denominado para cuidar deste
portal é o Ìkóríta Mẹ́tà. Portanto, se faz necessário lhe agradar
sempre, saudá-lo, mas não necessariamente com sacrifícios no
espaço urbano. Tanto podem ser feitos no espaço interno
sagrado dos terreiros, como também em espaço não urbanos,

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17/07/2019 O Sacrifício de Animais no Candomblé - Candomblé sem Segredos

em encruzilhadas de terra, mais distantes, desde que o local


seja sacralizado antes do ato.
 
A importância do sangue
 
A vida do animal está essencialmente no sangue e, portanto,
oferecê-lo é oferecer vida, com o fim de promovê-la e preservá-
la, estabelecendo um vínculo de união com a divindade. O
sangue é o elemento mais importante do sacrifício e, assim, não
se imola nenhum animal diretamente na cabeça de uma pessoa.
O sangue é recolhido num vasilhame sacralizado para somente
depois de misturado com outros elementos igualmente
sacralizados, ser colocado sobre os símbolos das divindades.
 
O animal e o seu sangue são oferecidos em troca da vida da
pessoa que os oferta, tendo em vista que os sacrifícios humanos
foram abolidos há séculos. No sacrifício se estabelece, então,
uma troca, uma dádiva, algo que será explanado do ponto de
vista da antropologia na Parte II desta trilogia sobre o sacrifício
de animais.
 
Assim, existe uma noção de manutenção do equilíbrio das
forças que permeiam toda a relação dos adeptos com a
natureza. Nesse sentido, ao se realizar uma oferenda, entende-se
como um pagamento a algo que o Òrìṣà deu e precisa ser
devolvido.
 
O provérbio yorubá a seguir define este processo de troca:
  
Orí ẹran ẹ gbà e máṣe gbà orí mi.
“Receba a cabeça do animal, deixe a minha.”
 
 
Enfim, o sacrifício no candomblé, e por extensão nas religiões
afro-brasileiras, não se trata de uma carnificina sem sentido.
Nele, o animal é mais observado em seu direito do que num
abatedouro que o mata sem que haja a preocupação, em
nenhum momento, com seu sofrimento.
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17/07/2019 O Sacrifício de Animais no Candomblé - Candomblé sem Segredos

 
Fica o questionamento, a dúvida de saber se os que condenam o
sacrifício de animais em rituais religiosos dispensam a carne do
boi ou porco abatidos com crueldade ou a do frango que foi
morto de cabeça para baixo num aviário.
 
 
Notas: 
1. Não utilizamos a expressão “deuses” para nos referirmos aos
Òrìṣà nessa página e em nosso site. Utilizamos a expressão
“divindades” por compreender a religião dos Òrìṣà como
monoteísta.
2. Santos. Maria Stella de Azevedo. Balaio de Ideias: Ritual e
Sacrifício, 31 de agosto de 2013. Link:
http://mundoafro.atarde.uol.com.br/balaio-de-ideias-ritual-e-
sacrificio/
 
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Categoria: Antropologia, Àṣẹ,


Cultura, Rituais, Sacrifício de
animais, Transmissão de
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