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A reconstrução de África

Diante de barreiras como pouca comercialização, conservadorismos e racismo, literatura africana


busca seu espaço entre leitores brasileiros

Por: Marcos Neves Jr.

Foto: Cícero Oliveira

No poema Deixo-te a maior missão: a reconstrução de África, Paulina Chiziane mostra


grandiosidade africana

“Aqui houve grandeza destruída pela bárbara invasão/Aqui reside o útero da vida e o umbigo do
mundo/Aqui é o berço da História/Do Cabo ao Cairo o vento geme como quem ri e chora”. Os versos
do poema Deixo-te a maior missão: a reconstrução de África, da escritora moçambicana Paulina
Chiziane, apresentam o sentimento de quem sabe reconhecer o quão grandiosa é a terra que abriga
o seu povo e entende a responsabilidade de resgatar a própria trajetória a partir de suas narrativas.

Apesar de todo o tipo de revisionismo que se tem tornado moda atualmente, África, africanos e
seus descendentes não deixam que a história seja negada. Da barbárie promovida no continente
pelos invasores colonialistas às execuções em periferias de grandes cidades brasileiras, o negro sofre
na pele e por causa da cor da pele as consequências do racismo, seja velado ou institucionalmente
declarado, e diversos outros preconceitos que matam, discriminam, tolhem o direito à voz e
inferiorizam sua cultura ao longo dos séculos.

Certamente esse é um povo que tem muita história para contar, mas quão atentos estão os
leitores? Potencialmente, a capacidade africana de transformar um papel em branco em escrito
poético ou suas tradições, lendas e cotidianos em literatura é a mesma de trovadores portugueses,
formalistas russos, modernistas brasileiros e tantos outros integrantes de escolas literárias ao redor
do mundo. Por que, então, autores daquele continente não são tão populares e lidos no Brasil?

Para a professora de Literatura e Linguística Espanhola da Universidade Federal do Rio Grande do


Norte (UFRN), Izabel Nascimento, a questão passa necessariamente pelo mercado editorial. “Poucas
editoras têm cardápio de literatura africana. Publica-se, como nos demais casos, apenas autores
consagrados, e estes normalmente não são africanos. Há nomes poderosíssimos, mas ainda sem
capilaridade entre o público não especializado. É preciso divulgar que esses autores são excelentes
para criar demanda”, explica a docente.

Além de excelentes, como diz Izabel, são laureados. Ainda que algumas controvérsias envolvam
premiações como o Nobel e o Camões, especialmente em relação ao júri e aos critérios de escolha,
nomes importantes da literatura de África já receberam esses reconhecimentos. Entre os
vencedores do Nobel estão Wole Soyinka (1986), Naguib Mahfouz (1988), Nadine Gordimer (1991) e
J. M. Coetzee (2003). Já o Camões, exclusivo para a produção literária de língua portuguesa, tem em
sua galeria de honra Jorge Craveirinha (1991), Pepetela (1997), Luandino Vieira (2006), Armênio
Vieira (2009), Mia Couto (2013) e Germano Almeida (2018).

Se por um lado, com algumas raríssimas exceções, as editoras negligenciam esses autores, as
universidades também precisam mudar algumas posturas nesse aspecto. Na opinião do diretor geral
da Associação Internacional de Estudos Culturais e Literários Africanos (Afrolic), professor Sávio
Fonseca de Freitas, muitas universidades têm optado por um conservadorismo teórico, privilegiando
o estudo mais tradicional da literatura.

“A língua portuguesa deve ser pensada em suas mais diversas formas de manifestação artística e
literária. Por isso não podemos omitir ou tornar invisível a literatura africana escrita nesse idioma,
principalmente pelo fato de ser a literatura brasileira uma fonte de recorrência de leitura por parte
de escritores africanos, que veem em nossa literatura um modelo estético e ideológico de sistema
literário”, alerta Sávio, que é professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Foto: Anastácia Vaz


Entre autores da literatura africana há nomes premiados com o Nobel e o Camões

Desinteresse mercadológico de editoras e pouca atenção da academia podem ter, no entanto, um


elemento mais amplo como pano de fundo. “No Brasil, foi preciso implantar uma lei para que
fossem apresentadas nas escolas a cultura e a literatura africanas. Esse é o peso do racismo no
país”, afirma a professora do Departamento de Letras da UFRN, Tania Lima, que também é vice-
presidente da Afrolic.

Confira aqui áudio da entrevista com a professora Tania Lima

Sancionada em 2003, a lei em questão é a de n°10629/2003. Ela inclui na Lei de Diretrizes e Bases da
educação nacional a obrigatoriedade de que os currículos abordem o assunto História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena, além de instituir o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, como
data oficial no calendário escolar. Mas mesmo 16 anos depois de entrar em vigor, ainda há muito a
avançar na representatividade de negros na sociedade e no enfrentamento ao racismo.

Construção da Afrolic

Em meio a esse cenário de reconstrução da identidade africana no Brasil, por meio do combate ao
racismo, da promoção da cultura afro e da educação, nasceu, em 2010, a Afrolic, uma associação de
professores envolvidos com o estudo das Literaturas Africanas. A entidade está cadastrada no CNPq
como um grupo de pesquisa que acolhe estudiosos de todo o mundo e tem como principal meta
disseminar o conhecimento sobre o continente africano com base nas diversas áreas das
Humanidades.
Desde a sua fundação, a Afrolic vem realizando a cada cada três anos um congresso internacional,
em associação ao Encontro dos Professores de Literaturas Africanas, evento que acontece desde
1991 e originou a associação. Sediado anteriormente nas universidades federais do Rio Grande do
Sul (2013) e de Pernambuco (2016), este ano o congresso aconteceu na UFRN durante os três
últimos dias de julho e recebeu pesquisadores de diversos países.

Sob o tema Literatura, desigualdade e ensino, o evento debateu como a escola e as universidades
têm lidado com a relação África-Brasil, o racismo e a contribuição da literatura africana na formação
do sistema literário brasileiro. “Essa cultura precisa ser reconhecida, precisa ser lida. É interessante,
os africanos nos leem”, ressalta a professora Tania.

Foto: Thamise Cerqueira

Afrolic reuniu pesquisadores em literatura e cultura africanasnos últimos três dias de julho

Desconstrução do eurocentrismo

Uma das grandes questões que permeiam os debates sobre África atualmente e que foi suscitada no
encontro é o eurocentrismo, com base em estudos do teórico camaronês Achille Mbembe.
“Africanos vão para outras partes do mundo estudar. Vêm para o Brasil, vão para Alemanha,
Portugal, França, Estados Unidos. Então, eles acabam bebendo direto na fonte eurocêntrica.
Quando voltam, ficam na comparação entre Europa e África, entre o sistema colonizador e o
colonizado, e não saem disso, o que aprisiona a própria construção do universo do negro”, explica.
Para reconstruir África é necessário desconstruir a visão europeia do continente, o que não parece
uma tarefa tão simples diante de séculos de acreditação pouco contestada. Quando a poeta escolhe
a palavra “missão” para definir a restauração africana, certamente tem em conta quão árdua ela
pode ser. Afinal, menos de meio século atrás havia países cuja independência não era reconhecida
ainda por colonizadores. A “grandeza destruída pela bárbara invasão” necessita da reavaliação de
certos paradigmas teóricos.

Na opinião de Tania Lima, no Brasil, um desses casos é a obra Casa-Grande & Senzala, do sociólogo
Gilberto Freyre, publicada em 1933. “Naquele momento foi importante porque ele diz que negro é
uma categoria cultural, não biológica, que precisa ter a linguagem, a religiosidade entendidas, mas
isso tem um limite. Da mesma forma que ele traz isso como algo positivo e insere o negro na cultura
brasileira, tanto em Casa-Grande & Senzala como em Sobrados e Mucambos, por outro lado, nas
entrelinhas dessas obras, percebe-se um racismo incutido, que vem da casa-grande. Isso se
manifesta ao dizer, por exemplo, que o negro comia melhor quando estava na senzala”, pondera.

Ou seja, para a professora o ensino de literatura africana tem de pensar a partir do seguinte
questionamento: como esse sujeito se percebe? Do ponto de vista europeu? “Eu vejo como Lévi
Strauss, Gilberto Freyre ou de acordo com o pensamento indígena, do filósofo africano? Ainda
prevalece um olhar dual; ou é casa-grande ou é senzala, mas e o quilombo? Quilombo é a revolta, a
indignação, a não subserviência. Precisamos ver essa filosofia para nos emanciparmos”, afirma
Tania.

Reconstrução de África no Rio Grande do Norte

Nos últimos nove meses, a UFRN sediou dois dos maiores congressos sobre estudos africanos do
país. Além do encontro da Afrolic, a universidade recebeu, em novembro de 2018, o IV Congresso
Internacional de Literaturas e Culturas Africanas (Griots), que teve como temaLiteraturas e Direitos
Humanos. Mas alguém pode questionar: existe essa ligação toda do Rio Grande do Norte com
África? Fala-se muito sobre os holandeses do período colonial e dos estadunidenses durante a II
Guerra Mundial, porém africanos nem sempre são lembrados.

“É preciso mostrar uma relação do estado com a África que é negligenciada. Temos leituras de
Câmara Cascudo, que esteve em África e fez um livro sobre isso, Made in Africa. O congolês
Kabengele Munanga, uma das maiores autoridades nos estudos africanos e que hoje é titular na
Universidade de São Paulo, estabeleceu-se no Brasil como professor da UFRN, nos anos 1980,
quando deu aulas de antropologia. Há mapeados cerca de 60 quilombos em terras potiguares e
muita gente esquece disso. Sim, nós temos muito de África aqui”, afirma contundentemente Tania.

Foto: Anastácia Vaz


"Não existe combate ao racismo sem investimento em educação", afirma professora Tania Lima

Em 2015 foi criada uma especialização piloto no Rio Grande do Norte nesta área que envolvia, entre
outros assuntos, o combate ao racismo nas escolas. Esse projeto teve a primeira perna, quando
foram capacitados mais de 200 professores de colégios públicos do Seridó, todo ele patrocinado
pelo Ministério da Educação. A experiência deu certo e foi relatada no livroTessitura de Vozes,
lançado em 2018, mas diante das seguidas diminuições dos recursos federais destinados à área da
educação, o curso ainda não teve uma segunda edição.

Enquanto esse projeto segue em compasso de espera, outros desafios permanecem na pauta diária
de docentes, especialmente o de promover o conhecimento dessa literatura. “Vejo que entre os
alunos existe uma demanda muito grande. Infelizmente ainda estamos no ponto de despertar a
curiosidade, mas essa é uma briga contínua”, relata a professora Izabel Nascimento.

No mesmo sentido, dizendo que é uma batalha infinda, Tania Lima ressalta a importância da
inclusão. “Não existe combate ao racismo sem investimento em educação. É necessário pensar em
inclusão. A política da exclusão de negros, indígenas, crianças, mulheres só pode ser enfrentada a
partir de um processo educacional sério”.

Aliás, não só leitores, mas autores negros também precisam ser incluídos. No Brasil, escritores
consagrados como Machado de Assis e Lima Barreto são apresentados em ilustrações e fotos
manipuladas com um tom de pele bem mais claro que o real. Em África, entre os laureados com os
prêmios Nobel e Camões pouquíssimos são negros. Imagina-se que não seja por falta de opções,
pois Sónia Sultuane, Paula Tavares, José Luis Mendonça e Paulina Chiziane são nomes que
certamente merecem o reconhecimento dentro e fora da academia e do meio especializado.
E, nessa digressão entre construções, desconstruções e reconstruções, há muito mais poetas,
romancistas, contistas e cronistas a serem descobertos. Do Cabo ao Cairo, existe literatura tão cheia
de subjetividade e beleza como tantas outras distribuídas nos países que se podem encontrar nos
mapas. “Nós que pensamos às margens temos de fazer essa leitura”, afirma Tania, que conclui: “o
mundo precisa de leitores e nós temos de abrir a sociedade a partir do livro”.

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