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Aproximadamente 50% dos pacientes com cirrose com- considerado quando o número de polimorfonucleares for
pensada irão desenvolver ascite em um período de 10 superior a 250 células/mm3. O exame bacteriológico, no
anos de observação. Uma vez que a doença se desenvol- entanto, é gold standard no diagnóstico dessa enfermi-
va, a mortalidade esperada em 2 anos é de 50%. Tendo dade. Embora não seja utilizado como parâmetro inicial
em vista a incidência e o mau prognóstico que a ascite de tratamento da PBE (pela demora no resultado e pela
acarreta ao paciente, fica clara a necessidade de com- percentagem significativa de resultados falso-negativos),
preender a sua patogenia e de ofertar um diagnóstico e serve para uma eventual readequação terapêutica. É
um tratamento adequado para o seu controle. A patogê- apregoada sua realização com a inoculação do material
nese, representada pela teoria da vasodilatação arterial, coletado em frascos de hemocultura, o que possibilitaria
pode ser apreciada na figura 1. uma positividade ao redor de 60% a 90% dos casos.
No diagnóstico diferencial das ascites, a despeito do va- Diante de suspeita de ascite maligna ou pancreática,
lor do exame bioquímico, citológico, bacteriológico e cito- deve ser realizado o exame citopatológico e a determi-
patológico, um destaque inicial deve ser dado à determi- nação da amilase. Após terem sido afastadas outras
nação dos níveis de proteína na ascite e do gradiente de causas de ascite e confirmado que ela decorre de uma
albumina soro-ascite. Tendo em vista a correlação que hepatopatia crônica, torna-se fundamental que se inicie
observamos entre a presença de hipertensão portal e o tratamento.
um gradiente elevado, poderíamos afirmar que níveis De grande importância no manejo dos pacientes com der-
≥1,1 g/dL associados a níveis de proteínas inferiores a rame peritoneal é identificar e afastar ou tratar, quando
3,0 g/dL sugerem o diagnóstico de cirrose. Naqueles possível, a causa da hepatopatia. Assim, por exemplo, em
casos em que o gradiente fosse <1,1 g/dL e os níveis um paciente com hepatopatia decorrente de alcoolismo
de proteínas elevados, dever-se-ia pensar em doença pe- é fundamental que esse hábito seja suspenso.
ritoneal (p. ex. tuberculose ou carcinomatose peritone- Em regra, os pacientes com ascite necessitam de hos-
al), e quando ambos os parâmetros estivessem acima pitalização, embora aqueles com derrame peritoneal de
dos níveis críticos discriminativos propostos a hipótese pequeno volume possam ser manejados em nível am-
a ser considerada seria a de hipertensão portal pós-sinu- bulatorial.
soidal (p. ex. insuficiência cardíaca congestiva). Por outro A restrição de sódio nos parece um passo fundamental
lado, quando tanto o gradiente quanto o nível de proteí- do tratamento, preconizando-se uma limitação ao redor
nas estivessem diminuídos, a causa da ascite não esta- de 2 g, devendo o clínico adequar a dosagem do diurético
ria relacionada nem a hipertensão portal nem a doença quando necessário.
peritoneal (p. ex. síndrome nefrótica). Obviamente esses O déficit de excreção hídrica é um achado freqüente
diagnósticos devem ser respaldados por investigação no cirrótico. A ingestão de água, no entanto, só deve
complementar. Seriam, então, o gradiente de albumina ser restringida naqueles em que a concentração séri-
e os níveis de proteínas do líquido de ascite divisores de ca de sódio for inferior a 130 mEq/L. Caso o paciente
águas a orientar o clínico nos passos propedêuticos a apresente importante hiponatriemia (120 mEq/L), a
serem seguidos. despeito da restrição de líquidos, os diuréticos devem
Ressaltamos o papel da contagem de células do líquido ser suspensos.
de ascite e sua análise diferencial, tendo em vista sua im- A resposta inicial à dieta com restrição de sódio ocor-
portância na sugestão diagnóstica da peritonite bacteria- re somente em 5% a 15% dos pacientes. Em função
na espontânea (PBE). Em recente reunião de consenso, disso, seu uso isolado parece ter pequeno papel tera-
foi definido que o diagnóstico presuntivo da PBE deve ser pêutico. Como a absorção da ascite é limitada, toda vez
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A colestase intra-hepática da gravidez (CIP) é uma hidrófilo e não gera o ácido litocólico, metabólito na-
condição clínica pouco comum, resultante de alte- tural do QDCA e hepatotóxico.
rações no metabolismo dos sais biliares não eluci- A administração contínua de UDCA leva a uma mo-
dadas completamente. Dessas alterações resultam dificação do perfil dos sais biliares, com aumento da
dois problemas principais: a) prurido, a partir do concentração deste ácido e redução do QDCA, melho-
segundo trimestre da gestação, por vezes intenso rando as características físico-químicas da bile. Essa
e incapacitante, e b) maior freqüência de prematuri- propriedade levou à introdução da molécula UDCA
dade e de mortalidade fetal, de causa também pouco como um agente para “dissolver” cálculos biliares.
esclarecida. Do ponto de vista fisiopatológico, trata- Logo verificou-se que essa estratégia não apresenta-
se de um distúrbio primário na gênese da força os- va vantagem em relação à clássica colecistectomia
mótica de propulsão biliar em nível canalicular. Esse e a idéia foi abandonada. Tornou-se então clara a sua
distúrbio é induzido pelos elevados níveis de estróge- utilidade no tratamento das doenças colestáticas e
nos, aparentemente por interferência na formação de algumas outras condições crônicas do fígado de
de micelas pelo complexo sais biliares/colesterol/ patogenia pouco compreendida, como a esteatoe-
fosfolipídeos. patite não-alcoólica. Entretanto, foi na cirrose biliar
Alterações qualitativas e quantitativas nos sais bilia- primária que o UDCA encontrou sua aplicação mais
res têm sido relatadas, como o aumento da relação importante, sendo hoje o medicamento de primeira
ácido cólico-ácido quenodesoxicólico e da relação escolha para o tratamento dessa condição.
glicina-taurina entre os sais biliares conjugados. Do Um estudo publicado na edição de setembro de 2005
ponto de vista histopatológico, trata-se de um exem- da Gastroenterology apresenta dados contundentes
plo de colestase pura, ou seja, uma estrutura hepáti- que dão suporte à segunda grande indicação desse
ca normal com plugs biliares visíveis em canalículos fármaco, a colestase intra-hepática da gravidez. Até
biliares, grânulos de bilirrubina em hepatócitos e cé- então, a droga mais eficaz para a doença, a colestira-
lulas de Kupfer e ductos biliares normais. O trata- mina, na melhor hipótese controlava o prurido, porém
mento dessa condição tem se baseado no alívio do nada fazia pelo feto. O UDCA é a primeira droga que
prurido com a resina colestiramina, no intuito de es- consegue, além de controlar o prurido (com vantagem
tender a gestação o máximo possível para diminuir em relação à colestiramina), reduzir significativamen-
os problemas com o feto. A doença regride total e te a prematuridade e a mortalidade fetal e neonatal.
imediatamente com a interrupção da gravidez. Humberto Reyes, um dos grandes estudiosos do as-
O ácido ursodesoxicólico (UDCA), um isômero espa- sunto, apresentou dados semelhantes em recente
cial do ácido quenodesoxicólico (QDCA), componente congresso brasileiro (Hepatologia do Milênio, Salva-
principal da bile do urso, tem concentração margi- dor-BA, julho de 2006), com base em sua experiên-
nal na bile humana. Em comparação com o QDCA, cia de 12 anos em Santiago do Chile, cuja leitura re-
principal componente da bile humana, é muito mais comendamos aos interessados no assunto.
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