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ISSN: 0103-4979
revcrh@ufba.br
Universidade Federal da Bahia
Brasil
O texto tem por objetivo analisar as especificidades e novidades presentes nas manifestações de
Junho de 2013 no Brasil, por meio de algumas questões-chave, a saber: como eram compostas,
as identidades, o pertencimento, os valores e as ideologias que tinham; o que demandavam,
como se articulavam no plano interno e internacional; quais as relações com estado, partidos e
outros movimentos sociais; como surge a violência nas manifestações; qual a concepção de
democracia dos ativistas; como foi pautada a ideia de reformas etc. Uma questão central é
colocada: por que uma grande massa da população aderiu aos protestos em Junho de 2013?
Inicialmente, faz-se a reconstrução dos momentos iniciais das manifestações, especialmente
em São Paulo, analisando-as a seguir segundo seus impactos na sociedade e na política. As
fontes dos dados advêm de arquivos sistematizados via diferentes mídias, entrevistas, pesqui-
sas de opinião pública, e publicações recentes.
PALAVRAS-CHAVE: Manifestações. Protestos. Movimentos sociais. Mobilização da sociedade civil.
Ativismo sociopolítico.
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des sociais, e a grande mídia contribuiu para a ade- renças dos jovens em ação, há uma questão signi-
são da população ao noticiar a agenda, os locais e a ficativa. Por que uma grande massa da população
hora das manifestações. Há uma estética particular aderiu aos protestos? Ou seja: Que sentido e sig-
nas manifestações: em cima da demanda-foco, sem nificado esses jovens atribuíram aos acontecimen-
carros de som o batuque ou as palmas são utiliza- tos para transformá-los em movimento de massa
dos no percurso das marchas. Os jovens com ampla legitimidade?
organizadores das chamadas para as manifestações Quais as fontes de motivação desses movi-
atuam em coletivos organizados na última década. mentos? Que ideologias os inspiram? Inspiram-se
Muitos dos jovens que respondem às convocações em variadas fontes, segundo o grupo de
e vão às manifestações estão em fase de batismo na pertencimento de cada um. Como rejeitam lideran-
política. Os coletivos inspiram-se em variadas fon- ças verticalizadas, centralizadoras, não há hegemonia
tes, segundo o grupo de pertencimento de cada um. de apenas uma ideologia, utopia ou esperança que
Como rejeitam lideranças verticalizadas, os motive. Alguns retiram, da esquerda,
centralizadoras, também não há hegemonia de ape- ensinamentos sobre a luta contra o capital e as for-
nas uma ideologia ou utopia. O que os motiva é um mas de controle e dominação do capitalismo con-
sentimento de descontentamento, desencantamen- temporâneo, na busca da emancipação. Do
to e indignação contra a conjuntura ético-política anarquismo e do socialismo libertário, grupos res-
de dirigentes e representantes civis eleitos nas es- suscitam e renovam leituras sobre a solidariedade,
truturas de poder estatal, assim como as priorida- a liberdade dos indivíduos, a autogestão, e a esque-
des nas obras e ações selecionadas e seus efeitos na cida fraternidade, retomada nas ações de
sociedade. O movimento acontece “em se fazendo” enfrentamento à repressão policial. Há também um
e não via grandes planos de organizações com coor- novo humanismo na ação de alguns, expresso em
denações verticalizadas. Há processos de visões holísticas e comunitaristas, que critica a so-
subjetivação na construção dos sujeitos em ação. ciedade de consumo, o egoísmo, a violência cotidi-
Cada um leva seu cartaz em cartolina; uma nova ana – real ou monitorada pelo medo nas manchetes
mensagem pode gerar uma decisão tomada no calor diárias sobre assaltos, roubos, mortes etc., a des-
da hora, em cima da demanda-foco; sem carros de truição que o consumo de drogas está causando na
som, o batuque ou as palmas são utilizados no per- juventude e outros. Busca-se reumanizar os indiví-
curso das marchas, como já mencionado. Na estéti- duos, promover a paz, combater a violência. Mui-
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ca individual, predomina o preto, máscaras de gás tos não têm formação alguma, estão aprendendo na
ou outras (como a de Guy Fawkes, do Anonymous), luta do dia a dia, formatando seus valores confor-
e eventuais piercings. Os ativistas também constro- me o calor da hora. D. Cohn-Bendit (2013)1 obser-
em seu “capital militante” (Bourgeois, 2008) antes, vou, a respeito das manifestações no Brasil: “Nos
durante e depois das ações. anos 60 prevalecia a defesa dos ideais, socialismo,
Os ativistas dos movimentos sociais deste anarquismo, alguns lutavam em nome de Cuba, da
novo século foram e continuam a ser alvos de ações China. Hoje não há a questão ideológica. Isso é bom:
violentas por parte da repressão policial. lutar por escola melhor, transporte melhor”.
Conectam-se às redes de apoio internacional, e a Que reivindicações sintetizam as palavras de
solidariedade entre eles é um valor e um princí- ordem das atuais manifestações? Quais são os gran-
pio. São laboratórios de experimentações de no- des temas que mobilizam esses jovens? No início,
vas formas de operar a política. Dirigem suas rei- sabemos que o foco esteve nos transportes públicos,
vindicações a personagens específicos da cena que, no Brasil, constituem o transporte coletivo, por-
público-política de cada país.
1
Para compreender essa onda de mobiliza- D. Cohn-Bendit. “Violência em protesto reduz influen-
cia, diz líder de Maio de 68" entrevista à Fabio Brisolla.
ções, além de identificar as especificidades e dife- Folha de São Paulo, 06 nov. 2013, p. C7.
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que o caráter público se esvai com as concessões às a violência sempre esteve presente na história dos
empresas privadas, na sua operacionalidade. Depois, movimentos sociais no Brasil, quer na forma como
o leque de demandas ampliou-se para outros servi- muitos foram tratados pelas forças policiais, quer
ços públicos (saúde e educação). Com a adesão de na forma de resistência pelos próprios movimen-
multidões às manifestações, as demandas ampliaram- tos, especialmente na área rural, onde as relações
se mais ainda, e o alvo passou a ser “contra tudo”, sociais historicamente têm sido pautadas por for-
além da denúncia sobre a violência da polícia. Os mas de violência. A novidade, em 2013, é que a
slogans dos cartazes, a maioria deles escritos à mão, violência entra em cena nas manifestações de rua
rudimentares, são emblemáticos para ilustrar essa por duas vias: a policial, várias vezes de forma
questão: “Nossos sonhos valem mais que 0,20”; “De- brutal, tratando os manifestantes tal como enfren-
mocracia já”, “Desculpem o transtorno, mas estamos tam uma ocupação de marginais em uma favela,
construindo outro Brasil”, ou “Desculpem o trans- com todo aparato da repressão; e a violência no
torno, estamos mudando o país”, “A Juventude acor- comportamento de alas dos manifestantes, apre-
dou”, “O povo não deve temer o governo, o governo sentada como violência simbólica, como tática do
deve temer o povo”, “O Gigante acordou”, “Ou para movimento (Black Blocs), uma ala pequena e ativa
a roubalheira, ou paramos o Brasil”, etc. Observa-se no conjunto mais geral dos manifestantes. Embo-
que há doses fortes de conteúdo moral e ético nas ra os Black Blocs não se denominem movimento,
enunciações. Alguns analistas viram nacionalismo mas tática, sua visibilidade performática domina a
na frase “O gigante acordou” (li essa frase também cena quando eles se manifestam. Nas manifesta-
em Istambul, onde me encontrava ao final de Junho ções de 2013, pode-se indagar se ela ressurge como
de 2013, em manifestação dos turcos em apoio às nova forma de luta social ou internacionalização
manifestações no Brasil); outros afirmaram que ele (o de formas de protesto. O fato novo é a violência
país) nunca esteve dormindo. O fato é que frases ser apresentada e justificada por essas alas dos
proferidas expressam um grande recado: não estamos manifestantes como forma predominante da ação
satisfeitos, não queremos esse modelo de desenvol- no protesto, e esse fato reforça a hipótese de mu-
vimento. As frases também expressavam ideias: “O dança na composição e no caráter dos movimen-
povo unido não precisa de partido”, “Parem de falar tos nas ruas. A violência performática como nor-
que é pela passagem. É por um Brasil melhor”. No ma de conduta é um registro de formas de movi-
caso de São Paulo, um ativista do MPL deixou claro mentos de protestos internacionais deste novo sé-
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partidos de esquerda: PSOL, PSTU, PCO e alguns funciona para eles como uma forma de se expres-
militantes do PT.2 Todas as bandeiras partidárias sar socialmente. Ela os caracteriza como de “classe
foram rejeitadas nas manifestações, gerando, in- média baixa, a maioria trabalha, alguns são forma-
clusive, tumultos entre os que insistiram em dos ou estão se formando em universidades parti-
desfraldá-las. Grupos anarquistas (Black Bloc, culares”. Esther Solano e Rafael Alcadipani (2013,
Anonymous e Kaos) estiveram presentes, com p.C7) ainda afirmam:
máscaras ou não. Houve também a presença de
alguns punks. Os novíssimos movimentos sociais Muitos Black Blocs já me disseram que, para eles,
a violência é a única forma de expressão pela
dos indignados das praças, ruas e avenidas, em qual, de fato, são ouvidos. É difícil contestar esse
várias partes do mundo, contam com a presença raciocínio. Se a imprensa só dá voz às formas de
protestos violentos, se o governo reage com mais
de grupos anarquistas, e alguns reagem com vio-
força diante do fator violência, como impedir que
lência à violência policial, em dadas circunstânci- a violência se torne uma forma de protesto gene-
as. Eles são parte das novas formas de movimen- ralizada? A violência como forma de protesto não
estaria sendo legitimada e reforçada por toda a
tos. Representam a “resistência” – expressão usa- sociedade que joga o jogo da espetacularização?3
da nos países da Primavera Árabe e outros para
indicar os que não desistem, os que enfrentam e A prática sistemática da violência nas dife-
afrontam o poder constituído. Muitos são presos, rentes manifestações ocorridas ao longo de 2013,
feridos ou mortos, pois são alvos prediletos das após Junho de 2013, ofuscou a legitimidade das
ações de repressão da polícia. Quando ocorrem ações, afastou as grandes massas das manifesta-
ações violentas, os confrontos são desiguais, por- ções e contribuiu para o isolamento e segmentação
que a maioria dos manifestantes porta apenas equi- dos ativistas. Vários analistas concordam com es-
pamento de autoproteção – máscaras, água, vina- sas ponderações. D. Cohn-Bendit, na entrevista
gre, bolinhas de gude para atrapalhar a cavalaria acima citada, disse “O emprego da violência é algo
etc. O fato de os movimentos serem constituídos que reduz a influência de uma manifestação sobre
por coletivos diversificados e diferenciados causa a sociedade”. O poder das ruas, construído em
problemas internos quando um dos grupos Junho, passou a ser desconstruído, pois, como
implementa ações próprias, ou quer se destacar – alerta H Arendt, poder e violência não se confun-
mostrando suas bandeiras partidárias, por exem- dem: a violência não cria poder, o destrói.
plo, ou usando a violência, depredando bens pú-
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Analistas têm se referido a eles como “jornadas”. tegoria mais ampla). E construíram esses novos
Eu considero que, em Junho, houve algo mais que significados porque novos sujeitos entraram em
jornadas ou atos. Houve “protestos”. E causa cena, com práticas diferenciadas, valores, formas
estranhamento a ausência da palavra movimento de ação e procedimentos discursivos (bastante
nas referências, assim como não se usa mais o ter- modernos, quando on line, antigos e rudimenta-
mo “marcha”, comum nas ações dos sem-terra e res, quando em cartazes).
outros específicos, como a Marcha da Maconha, a
Marcha das Vadias etc. Alguns analistas nominaram-
nos como “ondas”. Essa questão é importante, por- A QUESTÃO DA DEMOCRACIA E AS MANI-
que remete à identidade do movimento, e é o nome FESTAÇÕES
que as manifestações adotam ou ganham pelo mun-
do. Desde logo, registre-se: encontrar eixos Uma das questões profundas que está em
identitários é possível, mas unidade é impossível, causa nas manifestações de Junho é a discussão
pois são blocos diferenciados internamente. A esse da democracia. Esse contexto denota que a demo-
respeito, assinala Rodrigo Guimarães Nunes (2013): cracia representativa está em crise, e a democracia
direta é um ideal viável apenas em pequenos gru-
Há alguns anos, Alain Badiou se perguntava sobre pos ou comunidades. A democracia deliberativa
o sentido de maio de 68 ser conhecido na França
como “eventos de maio”: “se dizemos que um even- poderia unir as duas anteriores, mas ainda é um
to tem ‘evento’ por nome, isto quer dizer que ain- modelo frágil, que padece de arranjos clientelistas
da não encontramos seu nome”. [1] Talvez para
nos poucos casos onde ocorre. Mas, apesar de a
situá-los confortavelmente no passado, alguns co-
meçam a falar no Brasil dos “eventos de junho”. O democracia estar em crise, há certo consenso de
fato é que nenhum nome (Revolta do Vinagre, que ela é necessária. Sendo assim, podem-se bus-
Revolta da Tarifa, Inverno Brasileiro...) pegou; ao
contrário da Primavera Árabe, do Occupy Wall car, nas atuais manifestações, os indícios de novas
Street, do 15M espanhol, do YoSoy132 mexicano formas de organização política, nos marcos de uma
e do Diren Gezi turco, o movimento brasileiro, se
nova forma – a democracia analógica, aquela que
assim se pode chamá-lo, não tem nome. Qual é o
nome de uma legião, quando legião é seu nome? tenta dialogar com a geração digital, que poderá
Não é apenas questão de reconhecer uma identi- combinar a democracia representativa com a de-
dade (“quem é essa gente?”), mas de identificar
uma vontade (“o que eles querem?”). mocracia direta via on line. Os novos movimentos
sociais dos jovens são movimentos sociais e só
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políticos atuais. Por isso o tema de uma reforma e em membros da sociedade, que não estavam aten-
política inicialmente não os atraiu – a reforma se- tos aos sinais emitidos há mais de dois anos, logo
ria feita pelos políticos que estão aí, os que eles partiram para recuperar o terreno e fazer propos-
estão contestando. Não se sentem representados tas de reformas. Mas que reformas? “Uma reforma
no quadro político institucional existente. Eles não que amplie as possibilidades e oportunidades de
têm canais de expressão. Com isso, detecta-se tam- participação, e seja capaz de incluir e processar os
bém uma crise de representação social desses gru- projetos de transformação que sujeitos políticos
pos e uma crise de legitimidade das instituições historicamente excluídos dos espaços de poder
públicas. A linguagem política dos manifestantes trazem para o cenário político. Foi essa a principal
é outra. Seus códigos não se enquadram em lição que as manifestações de junho nos coloca-
planilhas, organogramas, planejamentos, siglas de ram.” (Caccia-Bava, 2013, p.1) completa:
planos e projetos.
Querem mudanças na política via atuação A democratização da gestão tornou-se um impe-
rativo para legitimar e revigorar nossas institui-
diferenciada do Estado no atendimento à socieda- ções ainda chamadas de democráticas. Ou essas
de. Não negam o Estado, mas querem um Estado velhas instituições se abrem para uma reforma
política, ou as mobilizações não vão parar. Tam-
mais eficiente. Apresentam-se como apartidários,
bém está em xeque toda a “arquitetura da parti-
mas não antipartidários. cipação”, dos conselhos de políticas públicas e
Resta, portanto, buscar, nos atuais movi- de direitos, assim como das conferências sobre
políticas públicas. Consideradas por muitos um
mentos, os indícios de novas formas de organiza- avanço na democratização da gestão, se elas não
ção política, nos marcos da democracia. Seriam ouvirem as vozes das ruas, se não abrirem para
receber novos atores, renovarem as representa-
eles movimentos sociais em transição para movi-
ções e as agendas, criarem novas regras de funci-
mentos políticos, que construiriam novas formas onamento, podem estar chegando ao seu fim como
de representação? Talvez sim, desde que se enten- canal de diálogo e negociação com a sociedade.
da a política de forma diferente da atualidade. A
política como arte da negociação para a construção Reformas políticas estiveram na pauta das
do bem comum. Aqueles que decretaram a morte sugestões. Perry Anderson (2013), em entrevista ao
das utopias precisam rever suas ideias. A nova Estado de São Paulo afirmou: “[...] a chave para a
geração de jovens que se organizou e foi às ruasreforma política precisa ser uma transformação do
em Junho de 2013 não se identifica com as formassistema político, cuja involução para uma ordem
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das classes e lutas sociais, em países da América internas, a diversidade de perfis de seus compo-
Latina como o Brasil ou a Bolívia ou a Venezuela, nentes, os matizes ideológicos. Fazem uma leitura
na última década, são bastante diferentes das cri- com os óculos de uma dada abordagem e, como
ses dos países europeus ou dos Estados Unidos a não encontram os elementos dessa abordagem nas
partir de 2008. Em segundo lugar, deve-se obser- manifestações, descaracterizam-nas. Não querem
var também que muitos dos que não encontraram ver ou não aceitam que elas têm outros pressupos-
programas ou estratégias claras nas manifestações tos, outros referenciais. Por exemplo, podem-se ob-
o fazem sob a ótica teórica da esquerda, da luta de servar, nas diferentes manifestações da atualidade,
classes etc. as influências antes citadas da Internacional
Entretanto, vários desses movimentos se Situacionista dos anos de 1960 que, entre outras coi-
inspiram mais nos ideais dos anarquistas do que sas, tinha uma proposta de criar situações para que
nos da esquerda tradicional. É interessante resga- novos fatos e mudanças viessem a ocorrer (vide Guy
tar alguns dos princípios do anarquismo do sécu- Debord, Manifesto da Internacional Situacionista).
lo XIX, na figura de Proudhon e Kropotkin, por
exemplo, para observar as similaridades com ideias
e ideais contemporâneos. A ideia de anarquia sur- MANIFESTAÇÕES DE JUNHO E ATIVISMO
ge a partir do desejo de liberdade, igualdade, jus- INTERNACIONAL
tiça e independência, de um governo que não é
governo. A reorganização de sociedade deveria O campo de luta dos atuais movimentos de
ocorrer através de associações livres de contato. protesto no Brasil em 2013 é diferenciado, quer se
As mudanças econômicas deveriam ter primazia trate dos Occupy nos Estados Unidos, dos Indig-
em relação às políticas. As “Sociedades de Ajuda nados da Europa, ou dos árabes e sua primavera
Mútua” seriam os principais meios de realizar a de 2011. Confundi-los ou trata-los sem distinções
mudança social sem violência, dado seu caráter. significa ignorar a conjuntura política de cada país:
Seu objetivo deveria ser a ação e a cooperação eco- uns têm a democracia como regra do jogo político;
nômica, e não a associação para a propaganda po- outros estão lutando contra o autoritarismo, bus-
lítica. O sistema que caracterizaria essa nova soci- cando a democracia. De toda forma, o horizonte
edade foi denominado por Proudhon de dos jovens rebeldes, na atualidade, situa-se no
mutualista. Além do mutualismo, outras corren- plano democrático. O igualitarismo democrático
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vigente, como o Movimento Occupy Wall Street, que as pessoas não aguentam mais. (Castells,
2013b, p.4)
iniciado em Nova York e que se espalhou pelo
mundo. Os manifestantes não têm utopias grandio-
Realçando que isso pode ser motivado pela
sas do passado, mas eles têm novas, as do momen-
construção de um shopping para turistas, na praça
to presente. A esse respeito, Tarik Ali relembra O.
Taksim na Turquia, ou o aumento de centavos nas
Wilde: “Um mapa do mundo que não inclua Uto-
passagens de ônibus, em São Paulo. “Centenas de
pia não merece ser olhado.” (Ali et al, 2012, p. 65).
milhões de pessoas já participaram destes movi-
Além de ocorrerem em tempo histórico co-
mentos”. Continua afirmando que:
mum, de terem, nas redes e mídias sociais, um
poderoso aliado e contarem com grande participa- [...] são movimentos que podem ter saído das ruas,
ção de jovens, há grandes diferenças entre as três mas não desapareceram. Eles continuam online.
Quando vem a repressão física, eles se retiram das
formas mencionadas. Por isso, concordamos com
ruas, rediscutem online. Não têm líderes nem pro-
a crítica feita por Contardo Calligaris (2011, p. E14), grama, mas têm a capacidade de resistir e de re-
que disse: nascer a qualquer momento. Isso só acontece por-
que há a capacidade de autocomunicação de mas-
sa que os permitiu existir. (Castells, 2013b, p.4)
[...] esses movimentos e manifestações têm uma
só coisa em comum: todos juntos, eles permitem
uma espécie de ‘pauta projetiva’. Ou seja, eles E conclui: “A palavra ‘dignidade’ aparece
não têm pauta comum (e, às vezes, não têm pauta em todos os países, em todos estes movimentos,
alguma), mas, uma vez reunidos, constituem um
conjunto suficientemente incerto para que nós, em diferentes países e culturas. Eles não têm uma
observadores, possamos lhes atribuir uma pauta reivindicação concreta, mas querem o reconheci-
que é da gente.
mento da própria dignidade, pois as pessoas não
se veem reconhecidas como pessoas ou cidadãos”.
Para Castells (2013b, p. 3), movimentos como
Castells (2013b) reforçou que as semelhanças en-
o que propôs a criação coletiva da constituição da
tre movimentos que partem de causas tão distin-
Islândia, os Indignados na Espanha, o Occupy Wall
tas apenas enfatizam seu papel no século 21 – e
Street nos Estados Unidos, a Primavera Árabe e o
compara o que está acontecendo nos últimos anos
grupo Anonymous são parte de um mesmo movi-
com o que aconteceu nos últimos 40 anos no que
mento, coletivo e global, que não é político, e sim
diz respeito às mulheres, sem se referir a um au-
social. “São estes movimentos, sociais e não polí-
tor, ideologia ou movimento feminista específico.
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The aim of this article is to analyze both L’objectif du texte est d’analyser les aspects
specificities and novelties in the June 2013 spécifiques et nouveaux des manifestations de juin
demonstrations in Brazil by means of a few key 2013 au Brésil par le biais de quelques questions-
questions, namely: what their composition was, clés, à savoir: comment étaient-elles composées,
what identities, belonging, values, and ideologies quelles étaient leurs identités, leur appartenance,
they had; what they demanded, how they were quelles valeurs et quelles idéologies avaient-elles;
articulated both internally and on an international quelles étaient leurs revendications, comment
level; what relations they had with the State, étaient-elles articulées au niveau national et
parties, and other social movements, how violence international; quel rapport avaient-elles avec l’état,
emerges in the demonstrations, what concept of les partis et d’autres mouvements sociaux; comment
democracy the activists had, how the idea of la violence surgit-elle au sein des manifestations;
reforms was guided, etc. One central question is quelle est la conception de démocratie des
posited: why did a large mass of the population activistes; comment l’idée de réforme a-t-elle été
join the protests in June 2013? Initially, we présentée, etc. Une question centrale est posée:
reconstruct the demonstrations’ initial moments, pourquoi un tel nombre de personnes a-t-il adhéré
particularly in São Paulo, as well as subsequent aux protestations de juin 2013? Tout d’abord, c’est
moments, according to their impacts on society une reconstitution des moments qui sont à l’origine
and politics. Data sources are from systematized des manifestations qui est faite, tout spécialement
archives obtained through several media, à São Paulo, ensuite elles sont analysés en fonction
interviews, public opinion surveys, and recent de leurs impacts dans la société et dans la politique.
publications. Les données proviennent d’archives systématisées
via différents médias, interviews, enquêtes
d’opinion publique et de publications récentes.
Maria da Glória Gohn - Doutora em Ciência Política. Pós-Doutorado pela New School University, N. York.
Bolsista I do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Professor titular da
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Membro do board de coordenação
do Comitê Social Movements and Social Classes da Associação Internacional de Sociologia (ISA). Parecerista
ad hoc da avaliação de periódicos SciELO. Parecerista do CNPq, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Tem
experiência na área de Sociologia, Educação e Políticas Sociais, atuando principalmente nos seguintes temas:
movimentos sociais, participação social, educação não formal, associativismo e cidadania. Publicou 18 livros
de autoria individual e inúmeros capítulos em coletâneas. Dentre seus livros, destacam-se: Sociologia dos
movimentos sociais (Cortez, 2014, 2a ed.); Historia dos movimentos e lutas sociais (Loyola, 2013, 8a ed.);
Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo (Vozes, 2013, 7a ed.); Movimentos
Sociais e Educação (Cortez, 2012, 8a ed.); Teorias dos movimentos sociais (Loyola, 2012, 10a ed.).
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