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Aula 1 – RETÓRICA DA ARGUMENTAÇÃO: ORIGENS E

ESPAÇOS DE AÇÃO

Apresentação
Vejo que tudo na vida dos homens é a palavra, e não
a ação que conduz tudo.
(SÓFOCLES apud RODHEN, 2010, p. 18)

Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) ao mundo da retórica da argumentação!


Sabemos que o ser humano é retórico por natureza. Nesse sentido, a
epígrafe que coroa esta apresentação, em que pese a sua idade, mostra-se
extremamente atual. A preocupação, inaugurada pelos gregos, com o discurso e,
consequentemente, com a retórica, essa instituição bimilenar, justifica-se ainda
hoje, principalmente por vivermos em uma era caracterizada por um império da
retórica absolutamente novo na história: as relações midiáticas. As ágoras gregas
transformaram-se em redes sociais e provocaram uma reconfiguração das
estratégias de persuasão.
A palavra retórica, originária do grego rhetoriké (arte da retórica), tem sido entendida
historicamente em diferentes acepções. Quando surgiu, possuía a significação
fundamental de a “arte de falar”, método de construir o discurso artisticamente. Ao
longo de sua história, adquiriu outras significações: arte de persuadir (levar a crer)
pelo discurso, teoria do discurso argumentativo ou persuasivo e estudo de
possibilidades e recursos com vistas à persuasão e a seus efeitos.
Para compreender melhor a retórica contemporânea, ou melhor, as retóricas
contemporâneas, você está convidado a percorrer, nesta aula, de uma forma
relativamente breve, a longa história da retórica, tendo como fio condutor a
cronologia das grandes épocas culturais. Em seguida, você será conduzido a
fazer uma reflexão sobre os espaços de atuação do império dessa arte de
persuasão.

Objetivos
São objetivos desta aula:
• analisar as relações existentes entre retórica e argumentação, refazendo
um percurso histórico guiado pela cronologia das grandes épocas culturais;
• estabelecer relações sistemáticas entre a disciplina “retórica” e as suas
atualizações por parte de autores contemporâneos;
• identificar os campos de ação da retórica contemporânea, reconhecendo a
sua importância na vida social do cidadão do século XXI.

1 RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO: UM BREVE PERCURSO


HISTÓRICO
Antes de iniciarmos nossa viagem pelo tempo, leia o texto que segue.
“No início, Eva não queria comer a maçã.
− Come − disse a serpente − e serás como os anjos!
− Não − respondeu Eva.
− Terás o conhecimento do Bem e do Mal − insistiu a víbora.
− Não!
− Serás imortal.
− Não!
− Serás como Deus!
− Não, e não!
Irritadíssima, quase enfiando a maçã goela abaixo, a serpente já estava
desesperada e não sabia mais o que fazer para que aquela mulher, de princípios
tão rígidos e personalidade tão forte, comesse a maçã. Até que teve uma ideia, já
que nenhum dos argumentos havia funcionado... Ofereceu-lhe novamente a fruta
e disse com um sorrisinho maroto:
− Come, boba!!! Emagrece!
E assim [dizem] surgiu a argumentação...”
Disponível em: <http://wwwgestar-linguaportuguesa-leize.blogspot.com>. Acesso em: 8 abr. 2013.
Fonte: <http://atritocinetico.blogspot.com.br/> Acesso em: 10 jun.2013.

Você, com certeza, não teve dificuldade em perceber que o diálogo acima
constitui uma forma humorística de mostrar como o discurso da persuasão
sempre esteve presente na vida do homem em sociedade. Brincadeira à parte,
vamos agora à versão séria dos fatos, registrada pelos estudiosos do tema.
Como bem afirma Reboul (1998, p. 1), “a melhor introdução à retórica é sua
história”. E, antes de iniciar a fazer esse breve percurso, o referido autor faz duas
observações importantes.
A primeira é a de que “a retórica é anterior à sua história” (REBOUL, 1998,
p.1). O autor parte do pressuposto de ser inconcebível a hipótese de que os
homens não tivessem utilizado, antes, a linguagem para persuadir. Embora
considere a existência da retórica entre outros povos (hindus, chineses, egípcios,
hebreus), ele apresenta os gregos como os inventores da técnica retórica
(habilidade ensinada com a finalidade de defender qualquer causa e qualquer
tese) e, posteriormente, da teoria retórica (reflexão necessária à compreeensão
de outros discursos).

técnica  
Retórica  
teoria  
A segunda é a de que “a história da retórica termina quando começa”. Para
justificar tal proposição, ele nos fornece uma explicação: diferentemente do que
ocorreu com outros campos de conhecimento (música, pintura, filosofia...), que
foram modificados ao longo do tempo, a retórica teve alguns de seus aspectos
enriquecidos, mas o sistema apresentado pelos gregos manteve-se praticamente
o mesmo. Por essa razão, até hoje, a grega é a retórica de referência.

Na Idade Grega
Os estudiosos do assunto apontam duas origens para a retórica: uma,
judiciária, e outra, literária.

judiciária  
Origens  da  
retórica  
literária  

Costuma-se apresentar como marco histórico de nascimento da retórica o


período que sucede a batalha de Salamina (480 a.C.), quando finalmente os
persas foram expulsos da região. Por volta de 476 a.C., encerrado o período de
tirania a que foram submetidos por Trasíbulo, os cidadãos que haviam sido
despojados de suas terras instauraram diversas causas com o objetivo de reaver
suas propriedades, fato que gerou inúmeros conflitos judiciários cujas propostas
de acordos eram discutidas e aprovadas em júris populares. A garantia da justiça
nessa sociedade democrática que nascia sustentava-se no ato de o cidadão fazer
valer seus direitos por intermédio da linguagem, o que, até então, vinha sendo
realizado por ações de força ou violência físicas. Em defesa de suas causas, não
era suficiente a um pleiteante apenas expô-las, anunciá-las; era-lhe necessário
saber contradizer, refutar o discurso de um outro pleiteante. Nesse contexto,
portanto, saber persuadir passou a ser uma necessidade urgente a ser suprida,
um dever do homem livre anunciado um século depois por Aristóteles (isso será
retomado mais adiante).
Em auxílio aos camponeses sicilianos, surge Córax com o objetivo de lhes
ensinar a arte de persuadir, ou seja, a arte de estabelecer seus direitos como
cidadão, de refutar os argumentos do oponente, de buscar o acordo dos juízes.
Segundo Declercq (1992), enquanto Córax ensinava, Tísias, seu discípulo, redigia
o primeiro manual de argumentação judiciária.
Considerados por Aristóteles como os verdadeiros fundadores da arte
retórica, Córax e Tísias alcançaram o mérito de não só ter ensinado maneiras e
formas de falar bem por meio de um ensino sistemático da eloquência como
também de ter fundamentado a arte da inventio, que permitia ao retórico
pesquisar argumentos para embasar seu discurso. A Córax, para quem o objeto
da retórica era persuadir, deve-se a divisão do discurso em cinco partes (o
exórdio, a exposição, a argumentação, a digressão e o epílogo) e, a Tísias, a
continuidade dessa estruturação da arte retórica, com a fundação de uma escola
em Siracusa (ROHDEN, 2010).
Não podemos ignorar as transformações sociais e políticas enfrentadas pela
Grécia a partir dos séculos VII e VI a. C.: o desaparecimento de antigos reinos, o
surgimento de governos aristocráticos e tiranias e o despontar da democracia.
Dotado de espírito político e de espírito litigioso, o povo enfrentava essas
transformações sob o comando de homens que além de bons governantes eram
excelentes oradores. Ao longo do século V, período agitado por guerras civis
principalmente contra o império persa, todas as questões políticas, financeiras e
militares, entre outras, eram objeto de análise em discursos, predominantemente,
do gênero deliberativo-judicial.
Essa história do nascimento da retórica com uma conotação ética, ou seja,
com o objetivo de assegurar o bem dos cidadãos, leva-nos às seguintes
conclusões acerca de sua natureza e sua função (DECLERQ, 1992, p. 20-21):
1) “a retórica é uma reflexão com finalidade prática” – trata-se de um
processo especulativo e pedagógico sobre a arte de persuadir, o qual se
concretiza pelo ensino e por uma prática social e cultural;
2) “a argumentação está parcialmente ligada ao direito” – a arte oratória
funda o primeiro modelo democrático ocidental, ou seja, o ordenamento
de uma cidade que, formada por cidadãos livres e responsáveis, respeita
as leis e as instituições;
3) “a retórica transpõe a violência no campo social e cultural” – ela se insere
no universo social do discurso polêmico, lugar das opiniões contraditórias.
Nesse modelo de sociedade democrática, as atividades sociais são
determinadas pelo discurso: confronto entre linhas políticas, petições
contraditórias nos tribunais, negociações comerciais entre concorrentes e assim
por diante. Como podemos ver, a argumentação é funcionalmente polêmica.
Corroborando com Declercq (1992), podemos afirmar que esse uso social da
retórica evidencia a característica essencial da argumentação: todo argumento
pressupõe a existência de um argumento contrário. No âmbito das relações
humanas e sociais, tal espaço de negociação não leva em conta a verdade, pois
esta é inacessível ou sem pertinência. Por essa razão, a argumentação baseia-se
em premissas verossímeis, ou seja, que parecem verdadeiras a um determinado
auditório (a quem se dirige a argumentação). Esse é o principal fundamento da
retórica sofística, que passou também a se preocupar com a construção de um
discurso sedutor e belo.

• A retórica sofística
Na seção anterior, vimos como a retórica nasce com uma conotação ética, ou
seja, com o objetivo de assegurar o bem comum. Com o passar do tempo, ela
redireciona sua reflexão para si mesma ou para fora de si (ROHDEN, 2010). No
primeiro caso, teríamos uma preocupação com o desenvolvimento de todos os
meios ornamentais possíveis para persuadir, sem levar em conta o bem dos
cidadãos (escola de Górgias), e, no segundo, uma atenção voltada para o ensino
das técnicas de argumentação a fim de persuadir os ouvintes de um determinado
discurso (Protágoras e Isócrates, principalmente).
No século V, período marcado pela transição da eloquência espontânea para
a erudita, a retórica conduzia a vida humana (FERREIRA, 2010). Nesse contexto,
Górgias, o Sofista, nascido na Sicília, chegou a Atenas em 427 a.C., em
companhia do retor Tísias, com uma missão: solicitar para seus compatriotas a
aliança de Atenas contra Siracusa. A partir desse momento, os atenienses
passaram a conhecer a grande eloquência de um dos mais ilustres
representantes da sofística antiga. Inicialmente, o termo sofista era sinônimo de
sophos, que significava sábio e cientista simultaneamente.

Saiba mais
Você sabe a origem etimológica da palavra sofista?
“Etimologicamente, sofista é professor de sophia, ou seja, um mestre de
ciência e sabedoria, o que o distingue do filósofo (este último termo foi inventado
pelos pitagóricos), que se contenta em aspirar a um saber que não possui. Mas
muito cedo, sob a influência das críticas socráticas, repetidas e ampliadas por
Xenofonte e Platão [como você verá mais adiante], o termo adquire conotação
polêmica, até mesmo pejorativa, que conservou até hoje, principalmente porque o
sofisma é tido por argumento enganador, falso tanto no fundo quanto na forma,
destinado a impor qualquer tese ao adversário, seja ela verdadeira ou falsa, justa
ou injusta”.
(DUMONT, 2004, p. 446)

Com Górgias, surge uma nova fonte da retórica: estética e literária.


Inaugura-se a retórica a serviço do belo, transformando a arte oratória em uma
arte do estilo. É importante você saber que, até então, os gregos só identificavam
a literatura com poesia (épica, trágica...), pois a prosa era puramente funcional, ou
seja, mera transcrição da linguagem oral.
Com sua prosa grandiloquente, impregnada de múltiplas figuras e
argumentações capciosas, o pai da sofística cria o discurso epidítico (discurso do
elogio), do qual Elogio de Helena é um belo exemplar. A defesa da personagem
mítica constitui, segundo Reboul (1998), uma defesa da retórica. Nesse mesmo
sentido, Barilli (1983, p. 15) sustenta a ideia de que essa obra se situa mais na
esfera do judicial do que na do laudatório, por tratar-se de “um discurso em
defesa do fatal personagem mitológico”, fundamentado em uma argumentação
direcionada para “os poderes emotivo-irracionais da palavra”. O relevo excessivo
dado a esses poderes do significante verbal foi alvo da ferrenha crítica à retórica,
encetada por Platão (como veremos mais adiante).
O fragmento que segue é bastante emblemático da retórica gorgiana,
responsável, em uma certa medida, por formar a ideia de que “o sofista é acima
de tudo um retor, capaz de impor simplesmente pela linguagem a tese política ou
jurídica que lhe permita silenciar o adversário” (DUMONT, 2004, p. 446).

“O discurso é um tirano poderosíssimo; esse elemento material de pequenez


extrema e totalmente invisível alçam à plenitude as obras divinas: porque a
palavra pode pôr fim a medo, dissipar a tristeza, estimular a alegria, aumentar a
piedade”.
(GÓRGIAS apud REBOUL, 1998, p. 5)
GÓRGIAS (487-380 a.C.)
Fonte: <http://culturahumana.ning.com/profiles/blogs/humanistas-em-todos-os-tempos-da-
terra-editar> Acesso em: 10 jul. 2013.

Leituras Complementares
A fim de conhecer um pouco mais sobre a retórica gorgiana, sugerimos a
leitura do artigo Logos, ethos e pathos no Elogio de Helena: relações entre a
sofística e a análise do discurso, de Melliandro Mendes Galinari, publicado em
2009 e disponível em http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab2/l432.pdf.

Górgias foi professor de eloquência e filosofia e, pelos seus serviços, exigia


um alto salário (como outros retores): por um dia de trabalho, ele ganhava o
equivalente à soma dos salários de dez mil empregados (REBOUL, 1998). Por
essa razão, os sofistas são considerados os primeiros professores de ensino
particular. Aos sofistas, deve-se a implantação de “um ensino intelectual
aprofundado, sem finalidade religiosa ou profissional, sem outro objetivo senão a
cultura geral” (REBOUL, 1998, p. 6), ou seja, a formação do cidadão grego
(paideia).
Voltemos agora a nossa atenção para Protágoras, o mais antigo dos sofistas
gregos (viveu no séc. V, mas as datas de seu nascimento e de sua morte são
imprecisas), que se tornou conhecido por sua posição subjetivista e relativista das
coisas. Você, com certeza, já ouviu ou leu a frase abaixo (ou parte dela),
expressão de um dos princípios basilares da retórica protagoriana, marcada pelo
relativismo pragmático.

“O homem é a medida de todas as coisas, da existência dos existentes e


da não existência dos não existentes”.
(PROTÁGORAS apud DUMONT, 2001, p. 807)

PROTÁGORAS (séc. V a.C.)


Fonte: <http://culturahumana.ning.com/profiles/blogs/humanistas-em-todos-os-tempos-da-
terra-editar> Acesso em: 10 jul. 2013.

Analisemos agora essa tese basilar da retórica protagoriana. De acordo com


esse pensamento, se cada um é medida para si mesmo, então cada um tem uma
imagem de um mundo egoísta, cada um mantém-se isolado em seu próprio bem,
ignorando o interesse de todos. Compreendido isso, uma indagação torna-se
inevitável: como seria possível a vida em sociedade? Protágoras possuía a
resposta: caberia ao sofista, como o homem melhor e o mais sábio, impor a
ordem política aos membros da comunidade, ação que só seria possível pela
palavra, ou seja, pela arte oratória, a retórica.
A retórica protagoriana, no entanto, não poderia se resumir a uma simples
arte de persuasão, à imposição de um pensamento apenas pela “força do
discurso”, como pretendido por Górgias. Fundamentado no relativismo universal,
para Protágoras, o sofista deveria considerar a natureza do seu ouvinte e, em vez
de contradizê-lo, tentar, com astúcia, modificar o seu ponto de vista. Nesse
sentido, o ideal do sofista era educar os sentidos do cidadão a fim que a sua
prática espontânea de julgamento e de crítica se transformasse em uma prática
aculturada. Como defende Dumont (2004, p. 810), “toda a ação política e todo o
empreendimento educativo de Protágoras têm origem e sentido nessa tentativa
de salvar a humanidade através da cultura e da ciência”.
Na posteridade, no entanto, a sua genialidade foi um pouco obscurecida por
sua imagem de grande argumentador, mais conhecido como fundador da erística
(mais tarde, dialética), arte de vencer uma discussão contraditória (éris,
controvérsia). Essa arte baseia-se na técnica que se fundamenta no seguinte
princípio: todo argumento pode opor-se a outro, qualquer tese pode ser
sustentada ou refutada.
À semelhança de Górgias, Protágoras também foi um mestre itinerante,
professor de eloquência e filosofia. No apogeu de sua carreira (em torno de 444
a.C.), foi responsável, como legislador, pela elaboração da constituição da cidade
de Túrios (construída no golfo de Tarento, após destruição sofrida no início do
século), quando esta foi fundada. Em uma época marcada pela reconstrução das
cidades após o fim das guerras médicas, era necessário que uma ordem política
correspondesse à nova ordem de urbanismo.
No quadro que segue, apresentamos, de forma sintética, as principais ideias e
principais contribuições dos sofistas (REBOUL, 1998).

Para os sofistas,
• a palavra estava associada ao poder – e não ao saber –, à manipulação,
ao domínio pela palavra (sedução enganadora), daí o emprego de um
discurso ornamentado;
• o ponto de vista e os interesses de um cidadão deveriam ser defendidos,
em primeiro lugar, a fim de triunfar sobre os adversários durante os
debates políticos;
• o seu mundo era sem verdade, ou seja, privado de uma realidade objetiva,
o logos; sem a pretensão de ser verdadeiro, o discurso só poderia ser
eficaz, próprio para convencer e deixar o interlocutor sem réplica.
Apesar de sua imagem negativa, fato perfeitamente compreensível se
considerarmos que a história que conhecemos deles foi escrita pelos seus
opositores, os sofistas se sobressaíram na história da humanidade por terem
• sido os verdadeiros professores da Grécia, inventores da ideia de cultura
associada à formação do cidadão;
• preenchido várias lacunas da civilização grega ao organizarem as
principais estruturas educativas nos diversos domínios da filosofia, da
gramática, da eloquência e mesmo das ciências, sem contar com sua
influência no desenvolvimento do espírito crítico;
• elaborado teoricamente e legitimado o ideal democrático da nova classe
em ascensão, a dos comerciantes enriquecidos: a justiça era a maior das
virtudes e todos deveriam ter direito ao exercício do poder;
• desenvolvido os primeiros conceitos teóricos relativos à persuasão por
meio da linguagem verbal, como, por exemplo: polytropia, a adequação do
discurso ao interlocutor, e psicacogia, o poder encantador das palavras;
• criado a retórica como discurso persuasivo, objeto de um ensino
sistemático e global que se fundamentava numa visão de mundo.

Como podemos ver, a retórica surgiu para atender a algumas necessidades


dos cidadãos gregos: de técnica judiciária, de prosa literária, de filosofia, de
ensino. No entanto, no final do século V, o termo adquiriu uma conotação
pejorativa (que ainda perdura).
Dando continuidade ao nosso périplo histórico, iremos acompanhar, a partir
de agora, o surgimento das primeiras reações à retórica sofística, capitaneadas
por Isócrates e, principalmente, por Platão, um de seus mais ferrenhos
adversários.

• Reação à retórica sofística


De acordo com Barilli (1979), talvez Isócrates (436-338 a.C.) tenha sido o
primeiro a esboçar uma reação contra os sofistas: em seu Elogio de Helena,
critica o excesso de tecnicismo desses retores, a sua pretensão de construir
discursos intrinsecamente válidos. Para o “elegante estilista da arte de dizer”, a
beleza dos discursos está condicionada não apenas à sua adequação às
circunstâncias e ao tema como também à originalidade com que se apresenta,
sem falar na observância da ordem moral.
Isócrates, cuja timidez e cuja voz fraca impediram-no de ser orador, foi
extremamente admirado como professor em uma das duas escolas de
preparação de cidadãos para a vida pública (a outra era de Platão) existentes em
Atenas. A esse mestre da oratória, coube introduzir a retórica no ensino de
Atenas, conferindo-lhe unidade entre a sua utilidade prática e a educativa,
tornando-a instrumento da paideia grega. Para ele, a disciplina retórica
correspondia a uma escola de estilo, de pensamento e de vida (REBOUL, 1998).
Leia algumas das ideias de Isócrates.
“A capacidade discursiva é, pois, o sinal mais importante da razão
humana”.
A palavra é “a condição de todo progresso, tanto nas leis como nas artes e
nos inventos mecânicos; ela proporciona ao homem o meio de promover a justiça,
de exprimir a glória, de incrementar a civilização e a cultura”.
(ISÓCRATES apud ROHDEN, 2011, p. 32)
A palavra é “a única vantagem que a natureza nos deu sobre os animais,
tornando-nos assim superiores em todo o resto”.
(ISÓCRATES apud REBOUL, 1998, p. 12)

Desses pequenos trechos de suas palavras, podemos depreender que, para


ele, a retórica era um exercício formal da verdadeira arte política e, ao mesmo
tempo, uma técnica de educação e desenvolvimento da humanidade do homem.
Preocupado com a formação da juventude inculta ateniense, em suas mãos a
retórica transmudou-se em ética. Na tentativa de moralizar a retórica, redirecionou
o seu emprego para a defesa das causas nobres e justas, isentando assim a
retórica de ser censurada pelo mau uso que dela alguns faziam. Utilizando-se, em
suas fundamentações, da opinião, da doxa, e não das infindáveis indagações dos
filósofos, Isócrates chegava a ideias não só aceitáveis como úteis.
Como era então a prosa do filósofo ateniense que se autodeclarava anti-
sofista? Diferentemente de Górgias, ele criou uma prosa distinta da poesia, que
deveria se apresentar com as seguintes características: clareza, sobriedade,
precisão e isenção de metáforas brilhantes, mas com beleza e profunda
harmonia.
Como você percebeu, Isócrates enalteceu a retórica, considerada por ele
como toda a filosofia. Na direção contrária, Platão, em nome da filosofia, dedicou-
se a criticar ferrenhamente essa arte de persuasão. Ao filósofo da dialética,
atribui-se a responsabilidade pelo processo mais rigoroso de apagamento ou de
redução sofrido pela retórica BARILLI, 1983).

“Os oradores e os tiranos são os mais fracos dos homens.”


“A autêntica arte do discurso, desvinculada do verdadeiro, não existe e não
poderá jamais existir.”
(PLATÃO apud REBOUL, 1998, p. 17-18)

PLATÃO (427-347 a.C.)


Fonte: <http://www.livius.org/greece.html> Acesso em: 10 jul. 2013.

Esses excertos do pensamento de Platão são exemplares de sua crítica à retórica, por ele
considerada uma mera prática mundana de agradar ao povo, na qual se desvaloriza a verdade em
benefício da aparência. Enquanto os sofistas se preocuparam unicamente com a doxa (opinião da
maioria, que, no ponto de vista de Platão, seria infundada e irrefletida), Platão afirmou, sobre esta,
a episteme, ou seja, o conhecimento verdadeiro.
Embora tenha escrito diversas obras (Protágoras, Eutidemo, República, entre
outras), é principalmente nos diálogos Górgias e Fedro que o filósofo se dedica à
crítica aos retores e à retórica, de uma forma geral.

Leituras Complementares

Leia a versão on-line desse diálogo disponível em


http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/gorgias.pdf.
Em Górgias, composto pela encenação de um debate entre Sócrates e
Górgias, Platão realiza as seguintes ações (REBOUL, 1998; PLEBE, EMANUELE,
1992):
• sanciona o divórcio entre a filosofia e a retórica;
• tenta mostrar que a retórica não satisfaz as condições necessárias para
que seja considerada uma technê, constituindo apenas uma habilidade um
tanto perigosa de se ter, tanto para o próprio orador como para seu público,
pois dá a um ignorante o poder de parecer ter mais conhecimento do que
alguém que efetivamente o tem;
• apresenta a retórica como imoral, no sentido de que apenas lisonjeia sem
se preocupar com o verdadeiro bem;
• defende a dialética (diálogo em que dois participantes buscam a verdade),
método da verdadeira filosofia, o qual “capacita a falar e a pensar”.
Em Fedro, suavizando um pouco a sua crítica, Platão defende a verdadeira
retórica, a dos fundamentos, presente na dialética, constituída de um discurso
racional, controlado, adaptado à procura da verdade, e condena a retórica
sofística, ou seja, a retórica dos efeitos, dos ornamentos, da aparência, da
demagogia. Em outras palavras, a linguagem só tem valor “se objetivar atingir a
verdade intelígel”, o que só é possível pela dialética, método da verdadeira
filosofia (SÖHNGEN, 2011, p. 39).
Vejamos agora como seu discípulo Aristóteles instaura um movimento de
reabilitação da retórica.

Atividade 1
Nesse início de nosso percurso, pudemos constatar que a rivalidade entre
retórica, dialética e filosofia é antiga. Entre os homens de cultura da Antiguidade
greco-romana, uma das controvérsias dizia respeito aos respectivos papéis que a
retórica e a filosofia exerciam na educação da juventude: quem deveria ser o
responsável pela formação dos jovens cidadãos: o retor ou o filósofo?
Responda a essa questão, fundamentado(a) na leitura do capítulo intitulado
Retórica e filosofia, do livro Retóricas, de Chaïm Perelman (1998, p.177-186).

• A retórica aristotélica
Aristóteles, que nasceu em Estagira (parte do reino da Macedônia e atual Stravos),
além de ter sido um dos mais brilhantes discípulos de Platão é considerado um dos maiores
pensadores de todos os tempos. Autor de escritos que versam sobre quase todas as
ciências conhecidas na Antiguidade, Aristóteles escreveu, entre outras, as
seguintes obras: Organon (coletânea de diversos escritos), Ética a Nicômaco,
Ética a Eudemo, Política (conjunto de oito livros), Metafísica, Tópicos, Analíticos e
Arte poética.
Com o objetivo de contrapor-se às concepções de retórica construídas nos manuais
empíricos elaborados por seus predecessores, o filósofo grego escreve Arte retórica, obra
composta por três livros. No Livro I, Aristóteles analisa os três gêneros retóricos: o
deliberativo, que procura persuadir ou dissuadir; o judiciário, que acusa ou defende, e o
epidítico, que elogia ou censura. Além disso, apresenta argumentos em favor da utilidade
da retórica e uma análise da natureza da prova retórica que é o entimema, um silogismo
derivado. No Livro II, analisa a relação existente entre o plano emocional e a recepção do
discurso retórico, enfocando elementos como a ira, amizade, confiança, vergonha e seus
contrários, bem como o caráter dos homens (o ethos). Nesse livro, também discorre sobre
as formas de argumentação, apresentando uma série de tópicos argumentativos (valores), e
sobre o uso de máximas e de entimemas na argumentação. No Livro III, os objetos de
análise são o estilo e a composição do discurso retórico. Nesse sentido, aborda questões
como clareza, correção gramatical e ritmo, além do uso da metáfora, e arremata com uma
série de considerações sobre as partes constitutivas do discurso (exórdio, narração,
demonstração e peroração).
Como afirma Mazzali (2008, p. 6), com essa obra “Aristóteles lança as bases da
retórica ocidental. Teoricamente, a evolução da retórica ao longo dos séculos representou
muito mais um aperfeiçoamento da reflexão aristotélica sobre o tema do que construções
verdadeiramente originais” (confirmaremos essa ideia na continuidade de nosso percurso).

Atividade 2
Leia os capítulos XIV, XV, XVI, XVII, XVIII e XIX do Livro III de Arte retórica e
redija, de forma sintética, as definições de cada parte constituinte do discurso
(exórdio, narração, demonstração e peroração) apresentadas por Aristóteles.

Em Arte retórica, Aristóteles constrói uma teoria da argumentação baseada


em três elementos: o ethos (o caráter do orador), o pathos (o estado emocional do
auditório) e o logos (o argumento propriamente dito). Nas palavras do próprio
autor (1964, p. 22): “Entre as provas fornecidas pelo discurso, distinguem-se três
espécies: umas residem no caráter moral do orador; outras, nas disposições que
se criaram no ouvinte; outras, no próprio discurso, pelo que ele demonstra ou
parece demonstrar”.
Na sistematização desses três tipos de provas (representada na figura que
segue), primeiro esboço ocidental de uma lógica da argumentação em língua
natural, reside a originalidade do pensamento aristotélico.
EFICÁCIA DA PERSUASÃO
LOGOS
(domínio da razão: convencer)

ETHOS PATHOS
(domínio da emoção: emocionar)

Eis aqui alguns excertos de A arte retórica, de Aristóteles (1964):


• “A Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode
ser capaz de gerar a persuasão” (p. 22);
• “Usamos os discursos persuasivos para provocar um juízo; pois não há
necessidade de discursos para os pontos que conhecemos e sobre os
quais já temos juízo formado” (p.141);
• “[...] quer numa deliberação, quer no tribunal, quem fala em primeiro lugar
deve começar por expor suas próprias provas e continuar atacando os
argumentos contrários, ora destruindo-os, ora rebaixando o alcance deles”
(p. 244).

ARISTÓTELES (384-322 a.C.)

Fonte: <http://filosofonet.wordpress.com/2011/07/02/aristoteles-a-felicidade-como-sabedoria-
pratica/> Acesso em: 10 jul. 2013.
O filósofo estagirita restaura o caráter utilitário da retórica, apresentando-a −
diferentemente dos sofistas − não como um instrumento de poder, mas como um
instrumento de defesa, o que garantia assim a sua legitimidade. Para defender-
se, o cidadão, que não só fazia parte de uma entidade nacional como também
participava da vida comum e da tomada de decisões da comunidade em todos os
planos (político, militar ou religioso), precisava conhecer a arte de achar os meios
de persuasão que cada caso comportava. Assim, diante de situações de incerteza
e de conflito provocadas por algum desacordo, a retórica oferecia ao cidadão
todos os meios para construir um discurso persuasivo e convincente, necessário à
obtenção de um acordo.
Qual seria, então, a essência da retórica aristotélica? Sem sombra de
dúvidas, a arte da controvérsia (DECLERQ, 1992, p. 32). Como defendia
Aristóteles (1964, p. 20), é preciso “estarmos habilitados a reduzir por nós
mesmos ao nada a argumentação de um outro, sempre que este em seu discurso
não respeite a justiça”. Na prática, com essa habilidade, seremos cidadãos
capazes de ponderar, escolher e decidir nosso destino.

Saiba mais
Você pode visualizar, no quadro abaixo, o projeto aristotélico de constituição
de uma teoria geral do raciocínio humano.

PREMISSAS E PROVAS CORRELATIVAS

PREMISSSAS VERDADEIRAS PREMISSAS VEROSSÍMEIS


necessárias e permanentes prováveis e discutíveis

DEMONSTRAÇÃO ARGUMENTAÇÃO

em ciências em disputa contraditória em discurso persuasivo

LÓGICA DIALÉTICA RETÓRICA

PROVAS PROVAS PROVAS

Silogismo Indução Silogismo Indução Entimema Exemplo


dialético dialética

Analíticos Tópicos Arte retórica

Fonte: DECLERQ, Gilles. L’art d’argumenter: structures rhétoriques et littéraires. Paris:


Editions Universitaires, 1992. p. 35. (texto adaptado, tradução nossa)
A interpretação desse quadro revela como Aristóteles, contrariamente a
Platão, nega a possibilidade de a dialética cumprir o papel de instrumento do
pensamento verdadeiro. Este, para o restaurador da retórica, exige
procedimentos de prova ou de demonstração, o que extrapola a simples
argumentação. Explica Chauí (1999, p. 193-194):
Por esse motivo, Aristóteles reserva a dialética para os campos
em que a argumentação e a persuasão eram importantes, mas
colocava a lógica (a analítica) como instrumento indispensável do
pensamento científico e filosófico, isto é, do pensamento que
demonstra a verdade das suas teses e conclusões. A lógica era
assim o instrumento demonstrativo do pensamento verdadeiro.
A seguir veremos como o legado grego da retórica e a sua sistematização
propagaram-se no mundo romano.

Os romanos não demoraram a aderir à retórica grega. Conforme alguns


estudiosos do assunto, devemos aos retóricos latinos a elaboração completa da
arte da invenção e das suas técnicas, direcionada particularmente ao discurso
forense. Dentre seus mais importantes representantes, destacam-se Cícero (106-
43 a.C.) e Quintiliano (35 a.C- ? ), considerados os responsáveis pela latinização
e difusão da retórica grega.
Era uma época em que o sistema judiciário se desenvolvia e a produção de
legislação era intensa. Nesse contexto, os dois advogados militantes não só
praticaram a retórica judiciária como a desenvolveram, promovendo a sua reordenação
e a sua reelaboração a partir do modelo aristotélico.
Foquemos agora nossa atenção em Cícero − um orador, mas, acima de tudo,
um homem de ação comprometido com a luta política. Responsável pela
reconstrução histórica da retórica clássica, ele defendeu (em suas obras Orator,
De oratore, Brutus) a tese de que a eloquência é ao mesmo tempo saber e
palavra, devendo este estar adaptado pela arte oratória às circunstâncias e aos
homens de cada época. Em sua teoria da palavra, ele constrói as seguintes
proposições: 1. a retórica não pode ser separada da filosofia; 2. nessa concepção,
a retórica implica uma teoria argumentativa; 3. tal fato implica, por sua vez, uma
reflexão sobre a cultura (conjunto geral de princípios e conhecimento de filosofia
e de literatura). Ao acrescer às letras e à literatura, as disciplinas história e direito,
Cícero funda o que hoje se denomina de ciências humanas (MICHEL, 2004).
Ao reconstruir historicamente a retórica clássica, Cícero estabelece uma
relação entre as três provas aristotélicas com os três deveres do orador, como
indica o quadro abaixo.

PROVAS RETÓRICAS E DEVERES DO ORADOR

PROVAS INSTÂNCIAS FUNÇÕES ou


OPERATÓRIAS DEVERES
Ética caráter do orador agradar
(imagem moral)
subjetivas
(ordem da Patética paixões despertadas emocionar
interlocução) no auditório
objetiva Lógica discurso demonstrar
(ordem do discurso) demonstrativo
Fonte: DECLERQ, Gilles. L’art d’argumenter: structures rhétoriques et littéraires. Paris:
Editions Universitaires, 1992. p. 46. (texto adaptado, tradução nossa)

O longo período de tempo que se passa entre Cícero e Quintiliano é marcado


pelo desprestígio da eloquência, então considerada um bem inútil aos cidadãos
romanos já que as assembleias deliberantes haviam perdido “todo o poder político
e até judiciário, em proveito do imperador e dos funcionários por ele nomeados”
(PERELMAN, 1997, p. 178). Essa decadência da retórica também é explicada por
Barilli (1998, p. 51):
A retórica já não é um instrumento indispensável de afirmação,
mas decai até se tornar num meio ornamental para se aplicar à
mesa de café a fim de conquistar uma vã e estéril glória literária.
Os jovens, abandonados ao ócio, negligenciados pelos pais,
afastados da coisa pública, exercitam-se em palestras fictícias,
mantendo-se afastados da peleja.
Diferentemente de Cícero, Quintiliano era, fundamentalmente, “um mestre de
retórica, um teórico e um historiador desta ‘arte’, mais do que um utente
propriamente dito, um homem político que faça dela um instrumento de combate”
(BARILLI, 1983, p. 51). Ele define a retórica como scientia bene dicendi (a arte de
bem falar) e, dessa forma, integra um elemento valorativo/ético à prática
discursiva. Nesse sentido, argumenta Quintiliano, se a retórica pode ser capaz de
provocar perversidades, a ela não se pode atribuir a qualidade de ser o mais belo dos
ofícios. Consequentemente, “onde houver causa injusta, não haverá retórica”
(QUINTILIANO apud REBOUL, 1998, p. 74).
A sua obra Institutio oratoria, composta de doze livros, constitui um manual de
retórica e um verdadeiro tratado de educação humanista. Nela Quintiliano
apresenta uma sistematização pormenorizada de todos os aspectos relativos a
essa arte discursiva, visando à formação do orador, considerado por ele o homem
ideal. Apontando a cultura como o elemento reconciliador entre retórica e moral
(corroborando as ideias de Isócrates, já mencionadas anteriormente), ele defende
a seguinte tese: “falar bem é ser homem de bem; inversamente, só o homem de
bem, honesto e culto, fala bem” (REBOUL, 1998, p. 74).
Continuemos nosso percurso...

Com o advento do cristianismo, a força da verdade das Sagradas Escrituras


era tamanha que prescindia dos tecnicismos da retórica. Em razão desse fato,
alguns estudiosos dessa arte defendem a ideia de o cristianismo ter sido
responsável pelo declínio da retórica, tese contestada por Reboul (1998). Em sua
contestação, o autor de Introdução à retórica apresenta dois argumentos:
primeiro, a Igreja, em seu papel catequizador e em suas polêmicas (defesa das
acusações movidas pelo paganismo), não podia prescindir da retórica; segundo, a
Bíblia, com seu discurso metafórico e alegórico, é profundamente retórica.
Portanto, a arte do discurso persuasivo desenvolveu-se durante toda a Idade
Média, tanto na literatura quanto na pregação. Os estudiosos observam que, com
a oficialização da religião cristã, a retórica grega e romana cedeu o lugar à
«verdade revelada» e à retórica cristã (por exemplo, de Santo Agostinho).
Para os outros estudiosos, no entanto, as circunstâncias históricas (advento
do cristianismo e eram desfavoráveis ao desenvolvimento pleno da retórica,
grandes expoentes intelectuais desse período como Agostinho (354-430) e
Tomás de Aquino (1225-1274) reafirmam a retórica como condição menor em
relação à dialética. Em seu livro Doutrina cristã, tratado de hermenêutica e de
retóricas cristãs destinado à formação do jovem clérigo, o conhecido autor de
Confissões faz uma crítica contundente à retórica, principalmente no que diz
respeito à decomposição de sua organização em partes:
[...] como se alguém, querendo ensinar a andar, dissesse que não
se deve levantar o pé de trás antes de ter apoiado o da frente...
sem dúvida que é verdade, nem se pode andar de outro modo;
mas os homens andam mais facilmente executando tais gestos do
que dando-se conta deles quando os fazem. (AGOSTINHO apud
BARILLI, 1983, p. 61).
Embora Reboul (1998) isente o cristianismo da responsabilidade pelo declínio
da retórica, acreditando que o início deste tenha ocorrido a partir do século XVI,
com o surgimento de novas ideias no período renascentista (nosso próximo foco
de atenção), Barilli (1983) registra a perda de vitalidade da retórica nos sombrios
séculos X e XI, acentuada no século XIII com o incremento do pensamento
dialético.
Esse ofuscamento da retórica, que perdura durante a idade Média, só se
interrompe com o Renascimento e a redescoberta pelo mundo cristão dos autores
antigos.

Você, provavelmente, deve lembrar-se do Renascimento quando este foi


objeto de estudo em suas aulas de História. Quais as principais características
desse momento do pensamento humano? Restringimo-nos a destacar aqui o
retorno da corrente platônica, na qual a retórica era totalmente desvalorizada
(como já vimos anteriormente).
Esse período é marcado pela separação entre as três artes do trivium: a
gramática; a dialética, tida como a arte de argumentação, e a retórica, reduzida ao
estudo dos meios de expressão ornados e agradáveis, em suma, à elocução.
Essa cisão é promovida por Pierre de la Ramée (Petrus Ramus, 1512-1572), em
sua fecunda obra Scholae in tres primas artes. Ao estabelecer rígidos limites para
cada um desses setores, o logicista francês privou a retórica da sua natureza
lógica, a inventio (invenção) e a dispositio (disposição), reservando-lhe apenas a
elocutio (ilocução).

Saiba mais
A retórica antiga distingue cinco etapas na produção de um discurso
argumentado: a invenção, etapa argumentativa em que se permitem encontrar os
argumentos pertinentes para o exame de uma causa; a disposição, etapa textual
em que os argumentos são ordenados em razão de sua força; a ilocução, etapa
linguística em que a argumentação se materializa em palavras e frases; a
memorização e a ação discursiva, etapas que aproximam o trabalho de um orador
ao de um ator, tendo em vista que a argumentação destina-se a um determinado
público.

Caro(a) aluno(a), até agora você tem acompanhado o longo e lento processo
de declínio da retórica, promovido pelas mudanças intelectuais, sociais e políticas
da sociedade. Como veremos a seguir, é na Idade Moderna, no entanto, que a
retórica, já in extremis, recebe seu golpe de misericórdia.

O interesse pela retórica, nos moldes preconizados por Aristóteles, não


subsistiu ao pensamento moderno. Considerada um anteparo artificial entre o
espírito e a verdade, a condenação da retórica é total. É rejeitada pelo
racionalismo e pelo empirismo (dominantes na filosofia moderna) que, em nome
das “noções claras e distintas”, só aceitam a retórica como técnica de
apresentação e de formalização das ideias; pelo positivismo, em nome da
verdade científica; pelo romantismo que, em nome da sinceridade e da
espontaneidade exigidas de todo artista, não aceita a retórica como técnica de
composição e de ornamentação estilística (PERELMAN, 1997).
Convém darmos aqui um destaque especial a René Descartes (1596-1650),
um dos grandes pensadores da época, por sua importante atuação na mudança
dos rumos da história da retórica. Conforme defende Perelman (1996, p. 1), o
autor de Discurso do método para bem conduzir a razão e buscar a verdade nas
ciências, é o grande responsável por esse declínio da retórica, quando, em uma
de suas mais célebres obras, considera “quase como falso tudo quanto era
apenas verossímil” e rejeita o que dependia das opiniões e estava estigmatizado
pelo desacordo dos espíritos. Vejamos o que diz Perelman (1996, p. 2) sobre
essa questão:
De fato, uma ciência do racional não pode contentar-se com
opiniões mais ou menos verossímeis, mas elabora um sistema de
proposições necessárias, que se impõe a todos os seres racionais
e sobre os quais o acordo é inevitável. Daí resulta que o
desacordo é sinal de erro. “Todas as vezes que dois homens
formulam sobre a mesma coisa um juízo contrário, é certo”, diz
Descartes, “que um dos dois se engana. Há mais, nenhum deles
possui a verdade; pois se um tivesse dela uma visão clara e nítida
poderia expô-la a seu adversário, de tal modo que ela acabaria
por forçar a sua convicção”.
Para os racionalistas, portanto, as verdades são tão evidentes e claras que
não há necessidade de perder tempo com argumentos, destinados a convencer o
interlocutor de "nossas" verdades, especialmente o juiz. Concebendo uma
filosofia fundamentada em um encadeamento de evidências, ou seja, semelhante
a uma demonstração matemática, Descartes elimina o componente dialético da
retórica, que, por essa razão, deixa de ser arte. A condenação da retórica se
estende a outros filósofos empiristas, como o inglês John Locke (1637-1704),
para quem a retórica é a arte da mentira, sendo necessário desmontar a
armadilha de palavras.

Leituras Complementares
Colocando em prática o pensameno aristotélico, conheça um pouco mais
sobre o pensamento cartesiano. Para tanto, leia Uma teoria filosófica da
argumentação, cap. VII, segunda parte, do livro Retóricas, de Perelman (1997, p.
207-217).

Você, provavelmente, deve estar pensando que nada mais poderia piorar
essa situação tão desfavorável à retórica. Se pensou assim, enganou-se! Como
golpe final desfechado em uma moribunda, o governo francês, em 1885, elimina a
disciplina retórica dos currículos das escolas, sendo substituída por história das
literaturas grega, latina e francesa (REBOUL, 1998).
Sem condições nem espaço para enfrentar o domínio da concepção racional-
mecanicista e a consolidação da perspectiva cientificista, a retórica sai de cena...
Somente em meados do século XX, como veremos no item subsequente, a
retórica volta, novamente, à companhia das outras ciências.

Que motivações renovaram o interesse pela retórica no século XX?


Podemos apontar principalmente duas motivações (SÁ, 2006). A primeira,
obviamente, diz respeito ao contexto histórico do Ocidente, marcado por grandes
mudanças contraditórias: de um lado, a circulação livre da palavra em uma
sociedade democratizada e, portanto, pública, marcada pelo desenvolvimento
acelerado dos meios de comunicação; por outro, a sujeição da palavra à censura
e, consequentemente, a sua destruição ou manipulação perniciosa, prática
observada nos regimes totalitários. A segunda diz respeito ao contexto
universitário, mais especificamente ao filósofo da linguagem Chaïm Perelman,
com a publicação, em 1958, do Tratado de argumentação: a nova retórica, em
coautoria com Lucie Olbrechts-Tyteca. Nesse mesmo ano, Stephen Toulmin
publica The uses of arguments, obra que, sob uma perspectiva teórica diferente,
também exerce um papel fundamental nesse processo de restauração da retórica
ou de concepção de uma teoria da argumentação.

Saiba mais
Chaïm Perelman, considerado um dos maiores filósofos do direito do
século XX, nasceu em Varsóvia e, em 1925, emigrou para Bruxelas, onde se
naturalizou belga. Com formação em direito e lógica formal, a partir de 1948, em
conjunto com Lucie Olbrechts-Tyteca, estudiosa das ciências econômicas e
sociais, dedicou-se aos estudos das técnicas de argumentação e de persuasão
desenvolvidas pelos antigos e, mais particularmente, por Aristóteles. Essa
pesquisa resultou na publicação de duas obras: Retórica e filosofia (1952) e o tão
conhecido Tratado de argumentação: a nova retórica (1958). Exerceu, até 1978,
suas atividades de professor de Lógica, de Moral e de Metafísica na Universidade
de Bruxelas, onde desenvolveu seus trabalhos sobre argumentação que lhe
deram notoriedade internacional.
Em sua extensa obra, que, à exceção dessa última, encontra-se fragmentada
em vários artigos, Perelman trata, sobretudo, do lugar ocupado pela retórica na
história da filosofia e tenta restaurar a sua importância nos gêneros judiciários
cujo ponto de partida é a controvérsia. Eis as referências de alguns de seus livros
traduzidos para o português:
• PERELMAN, Chaïm. O império retórico. Porto: Asa, 1997.
• ______. Retóricas. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São
Paulo, Martins Fontes, 1997.
• ______; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie.Tratado de argumentação: a nova
retórica. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
CHAÏM PERELMAN (1912-1984)
Fonte: <http://www.philodroit.be/spip.php?page=rubrique&id_rubrique=30> Acesso em: 10 jul.
2013.

Conheçamos um pouco mais os fundamentos da nova retórica proposta por


Perelman e Olbrechts-Tyteca em seu Tratado de argumentação. Apesar de
estreitamente vinculada às preocupações do Renascimento e,
consequentemente, às dos autores gregos e latinos que estudaram a arte de
persuadir e convencer, essa obra consegue ultrapassar os limites da retórica
antiga.
É importante destacar que, sob a perspectiva da nova retórica, existe uma
relação estreita entre argumentação e adesão: só há argumentação quando há
liberdade de adesão. Nesse sentido, para Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.
4), o objeto de uma teoria da argumentação é “o estudo das técnicas discursivas
que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes
apresentam ao assentimento”. Essa adesão implica a pessoa que argumenta (o
orador) e, sobretudo, a pessoa a quem se é direcionada a argumentação.
Como podemos ver, trata-se de uma teoria centrada no auditório (conjunto
daqueles a quem se dirige o discurso/a argumentação), noção que, conservada
da retórica tradicional (discurso oral), é estendida ao discurso escrito. Sob a
perspectiva da nova retórica, o orador tem de escolher o estilo da sua
argumentação e o tipo de argumentos que vai utilizar em função do assunto e do
auditório a que se dirige, devendo a este adaptar-se.
Portanto, a argumentação não consiste apenas em uma prática persuasiva;
apesar de visar à adesão do auditório, ela pretende alcançá-la por meio de
argumentos. Ao definir argumentar como “fornecer argumentos, ou seja, razões a
favor ou contra uma determinada tese” (PERELMAN, 1987, p. 234), os criadores
da nova retórica privilegiam a inventio e a dispositio sem, no entanto, desprezar e
elocutio. Eles, no entanto, se recusam a estudar as estruturas lógicas e as figuras
estilísticas independentemente do fim a que se destinam na argumentação. A
terceira parte do Tratado, intitulada As técnicas argumentativas, é dedicada à
retórica como uma diciplina “quase lógica”. Lá você encontrará a sistematização
dos esquemas argumentativos, caracterizados pelos processos de ligação e de
dissociação e os tipos de argumentos: os quase lógicos, os fundados na estrutura
do real e os que fundam a estrutura do real).
Analisando o movimento da nova retórica, assim o descreve Meyer (apud
PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,1997, p. XX):
A Nova Retórica é, então, o “discurso do método” de uma
racionalidade que já não pode evitar os debates e deve, portanto,
tratá-los e analisar os argumentos que governam as decisões. Já
não se trata de privilegiar a univocidade da linguagem, a
unicidade a priori da tese válida, mas sim de aceitar o pluralismo,
tanto nos valores morais como nas opiniões. A abertura para o
múltiplo e o não-coercivo torna-se, então, a palavra-mestra da
racionalidade.
Atividade 3
Em artigo intitulado Novas vozes no Brasil, publicado no New York Times, em
16 de julho de 2013, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva posiciona-se acerca
das manifestações populares ocorridas em todo o Brasil.
À luz da retórica clássica, redija um comentário direcionado ao(à) professor(a)
desta disciplina, acerca da seguinte afirmação extraída do artigo acima
mencionado:
“A democracia não é um pacto de silêncio. É a sociedade em movimento,
discutindo e definindo suas prioridades e desafios, almejando sempre novas
conquistas.”
O artigo completo está disponível em
<http://www.cut.org.br/destaques/23495/midia-brasileira-distorce-artigo-de-lula-
publicado-no-new-york-times>. Acesso em: 19 jul. 2013.
O sucesso do trabalho dos pioneiros da nova retórica é fecundo em
consequências. O Tratado de argumentação abriu caminho para numerosas
pesquisas em retórica, em lógica, em psicologia, em sociologia, em linguística
discursiva.
Sem espaço para maiores informações sobre elas, destacamos aqui as
principais tendências desenvolvidas nas últimas cinco décadas (com as
denominadas pragmáticas da argumentação), que trouxeram/trazem
contribuições significativas aos estudos da retórica e da argumentação:
• a teoria dos atos de fala, de Searle e Austin (a pragmática linguística de
Oxford), que se relaciona com a teoria das leis do discurso, de Grice;
• a pragmadialética, de Van Eemeren e Grootendorst, que estuda a
argumentação como um tipo diálogo normalizado;
• a pragmática linguística integrada à língua, também conhecida como a
semântica argumentativa, de Anscombre e Ducrot, que redefine o campo
da argumentação a partir do campo da linguística da língua;
• a lógica conversacional, de Moeschler e Roulet (escola de Genebra), que
permite uma análise linguística da argumentação na conversação;
• a sociolinguística interacional, de Goffman e Gumperz;
• a teoria da argumentação, de Michel Meyer;
• a pragmática sociológica e filosófica do agir comunicacional, de Habermas,
que propõe uma ética da argumentação;
• a lógica pragmática, de Vignaux, Grize e Borel (escola de Nêuchatel), que
constrói “lógicas naturais”, em uma extensão da pesquisa em ciências
cognitivas;
• os estudos de argumentação e interação, desenvolvidos por Plantin e
Kerbrat-Orecchioni;
• a retórica integrada, de Reboul e Amossy.

2 RETÓRICA DA ARGUMENTAÇÃO E ESPAÇOS DE AÇÃO


Não há a menor dúvida de que a tradição retórica está presente mais do que
nunca em todos os campos do conhecimento nos quais ocorre controvérsia de
opiniões e, por essa razão, há necessidade de recorrer-se a técnicas
argumentativas para, no desenvolvimento de um processo de discussão, chegar-
se a um acordo de ideias.
Por essa razão, verifica-se o aumento do interesse pela retórica despertado
em meados do século XX. O seu uso intensivo é resultante de um conjunto de
elementos: a liberdade dos indivíduos, o reconhecimento pelos regimes políticos,
o incentivo pela educação – pelo menos, teoricamente – e a difusão dos meios de
comunicação de massa.
A grande empreitada intelectual perelmaniana não se limitou a reativar um
processo reflexivo sobre a argumentação emoldurado por um império retórico não
somente restaurado mas ampliado a todo e qualquer discurso persuasivo. Ela
recuperou a interdisciplinaridade consubstancial à retórica e a universalidade da
argumentação (DECLERQ, 1992).
Para você melhor visualizar a amplitude do campo da retórica, apresentamos
a seguir uma representação figurativa de alguns dos discursos persuasivos.

DISCURSOS PERSUASIVOS

Teceremos considerações apenas acerca de alguns desses discursos,


considerando a limitação de espaço físico desta aula.
Como é do seu conhecimento, o debate judiciário constitui o espaço de
divergências de opiniões, lugar para a acusação e a defesa, levando sempre em
conta o discurso do outro e o auditório ao qual se dirige. Essa identidade polêmica
e reivindicativa fundamenta-se nos princípios da “abertura de toda a
argumentação à refutabilidade, num processo retórico circular de estabelecimento
de soberania democrática pela liberdade” (VANNIER, 2001, apud MARQUES,
2008).
Ao afirmar que “a política não pode agir sem a palavra”, Charaudeau (2006a)
destaca como esta intervém nos espaços de discussão (definição do ideal dos
fins e dos meios da ação política), de ação (organização e distribuição de tarefas
e promulgação de leis, regras e decisões) e de persuasão (convencimento dos
cidadãos a respeito dos fundamentos de programas políticos e das decisões
tomadas em situações de conflitos). Assim, os cidadãos, como pessoas ativas,
precisam estar aptas para usar da palavra e argumentar.
Os meios de comunicação são responsáveis pela propagação e pela
circulação dos argumentos, além de criarem em seu próprio campo formas
próprias de argumentação (presentes no layout e no intertexto jornalístico) que
vão gerando, de forma sempre provisória, a nossa visão de mundo. Tem-se,
portanto, um discurso midiático que, ao se encontrar na possibilidade de se dirigir
a um grande auditório, torna-se manipulador para despertar o interesse dos seus
destinatários (CHARAUDEAU, 2006b).
Mais recentemente, as redes sociais têm-se tornado palco de reivindicações e
protestos contra governos e gestores públicos e instrumento de convocações para
manifestações populares.
Como você pode perceber, os discursos persuasivos são múltiplos e variados,
mas todos têm um mesmo fim: provocar a adesão de seus respectivos auditórios
à tese ou à visão de mundo que lhes apresentam. E, para compreender esses
discursos e desvelar as suas armadilhas, todos nós, cidadãos que somos,
precisamos estar preparados, ou seja, precisamos adquirir uma competência
retórica. Assim, é imprescindível que o ensino da retórica ou da teoria da
argumentação integre a formação humana. Restauremos, portanto, a paideia
grega, pois “aprender a arte de bem dizer é já e também aprender a ser”
(REBOUL, 1998, p. XXII).
Encerramos agora nossa primeira aula com as lúcidas palavras de Mosca
(2006, p. 11) sobre a retórica contemporânea:
De nossa parte, defendemos que a teoria da argumentação –
conhecida como a Retórica dos nossos dias, profundamente
vinculada ao saber de nossos antepassados culturais – pode
conduzir a uma posição de dialogicidade, que não anularia as
subjetividades, mas dialeticamente as incorporaria em sua
trajetória, valendo-se delas para chegar à construção de novos
saberes, novas atitudes, na construção de uma sociedade mais
democrática.

Resumo
Na primeira parte desta aula, refizemos, de forma breve e, por essa razão,
não exaustiva, alguns dos caminhos percorridos pela retórica ao longo da história
da humanidade. Tivemos a oportunidade de constatar que a perspectiva adotada
acerca da retórica e a maneira de concebê-la dependem do contexto histórico-
social. Nesse sentido, constatamos as diferentes metamorfoses da retórica
promovidas pelos sofistas, por Platão, por Aristóteles, pelos romanos, pelos
renascentistas, chegando a Perelman, com o movimento da nova retórica, e aos
estudiosos do assunto contemporâneos.
Na segunda parte, foram delineados os diversos campos de ação da retórica
e tecidas algumas considerações sobre alguns discursos persuasivos, tais como o
jurídico, o político, o midiático e o das redes sociais. Devido a essa amplitude,
evidenciou-se a necessidade de se restaurar o ensino da retórica ou teoria da
argumentação, integrando-a à formação do homem contemporâneo.

Autoavaliação
1 Sintetize, no quadro que segue, algumas das principais concepções de retórica
construídas ao longo de sua história.

Cultura Concepção de retórica

sofística

Grega platoniana

aristotélica
Romana

Humanista e
renascentista

Moderna

Contemporânea

2 Fundamentdo(a) na história da retórica, redija um comentário direcionado ao(à)


professor(a) desta disciplina estabelecendo uma relação entre a afirmação que
segue e a realização das manifestações populares no Brasil, intensificada em
junho de 2013.
“A vontade de discutir publicamente as questões que interessam à comunidade
está ligada a condições políticas precisas – a assumpção do regime democrático
– e à criação de um espaço público plural onde interesses e necessidades
diferentes compitam, fazendo uso público da palavra” (SÁ, 2006, p. 9).

Referências
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Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964. p. 5-250.
BARILLI, Renato. Retórica. Lisboa: Editorial Presença, 1983.
CHARAUDEAU, Patrick. Discurso político. Tradução Fabiana Komesu e Dilson
Ferreira da Cruz. São Paulo: Contexto, 2006a.
______. Discurso das mídias. Tradução Angela M. S. Corrêa. São Paulo:
Contexto, 2006b.
DUMONT, Jean-Paul. Górgias. In: HUISMAN, Denis (Dir.). Dicionário dos
filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 445-449.
FERREIRA, Luiz Antonio. Leitura e persuasão: princípios de análise retórica.
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GALINARI, Melliandro Mendes. Logos, ethos e pathos no Elogio de Helena:
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GILLES, Declercq. L’art d’argumenter: structures rhétoriques et littéraires. Paris:
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