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A ORAÇÃO DO SENHOR

Mateus 6.9-13

Considerações preliminares

Há por vezes, grande equívoco por parte das pessoas quanto à oração do Pai Nosso.
Alguns acreditam que ela deve ser repetida a cada domingo, pois é uma “oração dominical”.
Outros a repetem, pois “não sabem como orar”. Ainda existem aqueles que olham para
essa oração de forma mística, acreditando que “ela tem poder”. A razão de tudo isso, é uma
interpretação equivocada do Texto Sagrado, tal qual ocorre em outras partes. Vejamos
alguns exemplos:

 Mateus 18.20 - Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome,
ali estou no meio deles.

 Filipenses 4.13 - Tudo posso naquele que me fortalece.

 Provérbios 22.6 - Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda


quando for velho, não se desviará dele.

Contexto da oração

Mas, qual o contexto em que está inserida esta oração? Ao contrário do que
normalmente acontece, temos aqui dois contextos:

 Contexto amplo – Ensino geral e amplo no sermão do monte (Mateus 5-7);

 Contexto específico – Ensino de Jesus acerca da oração (versos 5-15).

Algo de fundamental importância a ser lembrado aqui, é que tudo o que Jesus faz,
sempre tem um objetivo e nesta oração não é diferente. Assim, ficamos a pensar: qual o
objetivo ou quais os objetivos desta oração?

É preciso ressaltar que para os judeus a oração não era um ato meramente religioso;
era antes, parte de sua vida, assim como o comer, beber, respirar. Assim, a oração
ensinada por Jesus, tem dois objetivos específicos e que estão profundamente interligados:

1. Servir de parâmetro para as demais orações (verso 9a);

2. Ensinar como orar (verso 9a).

1
Servir de parâmetro para as demais orações

Ao contrário do que muitos pensam, Jesus não estava ensinando uma oração que
deveria ser repetida dominicalmente. A oração do Pai nosso, deveria antes, servir de
parâmetro para as orações do povo de Deus. Perceba que a orientação de Jesus não foi:
“vocês repetirão assim”, mas “vós orareis assim” (09).

Jesus está estabelecendo aqui um parâmetro, referência ou padrão a ser seguido.


Ele não está determinando que tal oração seja repetida sempre e da mesma forma. Pelo
contrário, ele está estabelecendo princípios que devem ser observados sempre que
oramos.

Ensinar como orar

A regra magna da interpretação bíblica, nos diz que devemos comparar Escritura
com Escritura. Portanto, para entendermos melhor, Mateus 6.9-15, devemos voltar nossos
olhos para o texto correspondente: Lucas 11.1-4. Nesse texto de Lucas, percebemos que
um dos discípulos de Jesus, havia pedido para que ele os ensinasse a orar. Logo, um
segundo objetivo desta oração é claro: que os discípulos aprendessem a orar, pois o pedido
de um deles foi: “Senhor, ensina-nos a orar como também João ensinou aos seus
discípulos”. Destarte, o Dr. Hermisten Maia, citando João Calvino, ressalta que:

Na oração do Senhor – que é a oração representativa de todas –, encontramos uma


fórmula, um roteiro, no qual o Senhor Jesus nos propôs tudo quanto dele é lícito
buscar, tudo quanto conduz ao nosso benefício, tudo quanto é necessário suplicar.1

R.C Sproul, segue na mesma linha de pensamento ao ressaltar:

Observe que Jesus disse: ‘Vós orareis assim’, e não: ‘Vós orareis esta oração’ ou:
‘Fareis esta oração’. Há algumas perguntas sobre se Jesus não queria dizer que
devemos repetir sempre esta oração. Não estou atacando o uso da Oração do Pai
Nosso. Não há certamente nada errado em seu uso na vida pessoal do crente ou
na vida devocional da igreja. Contudo, Jesus não estava nos dando uma oração a
ser recitada, e sim um padrão para nos mostrar a maneira como devemos orar.
Jesus estava nos dando um esboço de prioridades ou de coisas que devem ser
prioridades em nossa vida de oração.2

1
COSTA, Hermisten Maia Pereira da. O Pai nosso. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.
2
SPROUL, Robert Charles. A oração muda as coisas? São Paulo: Editora Fiel, 2012.

2
Outrossim, Sproul ressalta ainda que “no sublime exemplo da Oração do Pai Nosso,
vemos as prioridades da oração. Podemos também detectar um padrão de oração, um
movimento que começa com adoração e se dirige, finalmente, à petição e suplica”.3

Instrução

A esta altura, somos assaltados com uma nova indagação: qual a instrução ou
ensinamento específico desta oração?

Para que possamos compreender corretamente o ensino de Jesus nesta oração,


devemos observar, a princípio, que há orações que o Senhor não ouve ou reponde.

 Os versos de 1-6, nos mostram que Deus não responde orações hipócritas
e/ou autossuficientes (conf. Lucas 18.9-14).

Aqueles que buscam a mera aprovação humana, confiando em si mesmos, que se


achegam a Deus, apoiados em seus próprios méritos, não obterão o favor Divino, pois para
receber a graça de Deus faz-se necessário confiar Nele (Hebreus 11.6).

 Os versos de 7-8, por sua vez, revelam que Deus não responde orações
compostas de repetições fúteis e sem sentido.

Há pessoas que pensam que a repetição contínua de determinadas frases,


comoverão o Senhor e dessa forma, Ele as atenderá. Jesus comparou esta prática com
costumes pagãos. Os adoradores dos falsos deuses, acreditavam que precisavam agradar
as divindades às quais oravam, para que estas lhes respondessem. Um exemplo clássico
é confronto de Elias com os profetas de Baal no Monte Carmelo (I Reis 18.25-29). Destarte,
William Hendriksen (teólogo holandês) observa que:

O que Cristo condena é o espirito de medo e desconfiança que faz com que os
pagãos, que não reconhecem o Pai celestial, balbuciem mais e mais, na crença de
que de outro modo seus deuses não estariam completamente informados nem
suficientemente aplacados, e assim não pudessem conceder o que seus
adoradores lhes pedem.4

3
Ibidem.
4
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – Mateus. Vol. 01. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.

3
Por outro lado, William Barclay (teólogo escocês), ressalta que os judeus tinham
“orações especiais para todas as ocasiões. Não havia circunstância da vida que não
tivesse sua fórmula devocional apropriada”.5 Em outras palavras, o formalismo havia
tomado conta do povo de Deus e suas orações não passavam de repetições de frases
religiosamente formuladas. É interessante perceber que a expressão usada por Jesus para
referir-se às vãs repetições é o verbo grego Βατταλογέω (Vattalogéo), que significa “repetir
a mesma coisa várias vezes; usar muitas palavras inúteis”. Neste sentido, algo comum era
o acumulo de adjetivos atribuídos a Deus, com o fim de agradar-lhe e tornar-lhe sensível
às orações feitas. Assim, havia uma famosa oração que começava da seguinte forma:
“Bendito, louvado, glorificado, exaltado, enaltecido e honrado, engrandecido e louvado seja
o nome do Santo”. Outra, por sua vez, começava atribuindo dezesseis adjetivos ao Senhor.
É como se tais expressões, tornassem Deus favorável às petições daquele que orava. Um
ledo engano!

Análise da oração do Pai Nosso e seus princípios

Contrariando a crença comum do povo, que aliás, estava corrompida pelo


paganismo, Jesus ensina como os discípulos deveriam orar, apresentando uma oração que
é completa em todos os aspectos e serve, como vimos, de modelo para todas as demais.

Após observarmos a breve orientação do Senhor: “Portanto, vós orareis


assim” (verso 09a), didaticamente podemos dividir esta oração em três partes:

1. Uma invocação

 Pai nosso, que estás nos céus (verso 9b);

2. Seis petições

 Três em relação a Deus:

1) Santificado seja o teu nome (verso 9c);

2) Venha o teu reino (verso 10a);

3) Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu (verso 10b).

5
BARCLAY, William. Comentário do Novo Testamento – Mateus (PDF).

4
 Três em relação aos homens:

1) O pão nosso de cada dia dá-nos hoje (verso 11);

2) E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos


nossos devedores (verso 12);

3) E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal (verso 13a).

3. Uma declaração doxológica

 Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém! (verso 13b).

Orientação dada por Jesus

Antes de analisarmos cada ponto desta oração, avaliemos a orientação do Senhor.

Como vimos, no verso 9a, Jesus dá uma direção aos discípulos ao orientá-los
dizendo: “Portanto, vós orareis assim”. Isto porque, um dos discípulos havia pedido
que Jesus lhes ensinasse a orar e ele o faz, primeiro demonstrando como
não orar (cf. versos 1-8). Em seguida ensina quais passos devem seguir em suas orações.

Quando Jesus ensina seus discípulos a orar, ele parte do pressuposto de que eles
orarão: “Portanto, vós orareis assim”. Perceba que Jesus não está dizendo que eles devem
orar. Ele pressupõe que irão fazê-lo, que a oração será algo natural para os seus servos.
Que ela fará parte de sua vida diária.

O teólogo americano, Dr. Charles Hodge declarou que “a oração é a conversa


da alma com Deus”6. Portanto, é impossível ser cristão e não orar. Como bem observa
R. C. Sproul: “alguém pode orar e não ser um cristão, mas alguém não pode ser um cristão
e não orar”7. Sproul argumenta ainda que:

Em um sentido, a oração não é natural para nós. Embora tenhamos sido criados
para a comunhão e interação com Deus, os efeitos da Queda têm-nos deixado
preguiçosos e indiferentes para com algo tão importante como a oração. O novo
nascimento desperta um novo desejo de comunhão com Deus, mas o pecado
resiste ao Espírito.8

6
HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.
7
Cf. SPROUL. R. C. Op. Cit. pág. 8.
8
Idem.

5
Mas, e se eu orar e Deus não me responder?

Devemos ter em mente, o fato de que, devemos orar primariamente para glorificar a
Deus e não para recebermos algo Dele. Os benefícios advindos da oração são resultado
da graça Divina e não de nossos méritos. Eis a razão porque devemos orar em nome de
Jesus, ou seja, apoiando-nos em seus méritos.

A quem deve ser dirigida esta oração?

É preciso atentar para o fato de que esta oração não é dirigida a homens, a
anjos, ao Filho ou ao Espirito Santo. Ela é dirigida ao Pai: “Pai nosso, que estás nos céus”.
É importante entendermos esta questão, pois nos dirigimos não a um estranho, mas
ao nosso Deus e Pai, com quem devemos ter intimidade. E como disse Davi: “A
intimidade do SENHOR é para os que o temem, aos quais ele dará a conhecer a
sua aliança” (Salmo 25.14).

O termo “‫( ”אֲבִ י‬abba: pai) em aramaico ou “αββα” (abba: pai) em grego, usado por
Jesus nesta oração, certamente deixou os discípulos perplexos, pois um judeu jamais se
dirigiria a Deus com tamanha intimidade e ousadia. Embora, por diversas vezes Ele tenha
se declarado como um pai para o povo escolhido (Êxodo 4.22; Isaías 43.1-7;
Jeremias 31.9). Tal expressão era uma das primeiras palavras que uma criança aprendia a
dizer, tão logo era desmamada. Representando assim, a dependência e intimidade de uma
criança com seus pais.

O Dr. Hermisten Maia, citando J. Jeremias, observa que

Jesus dirigia-se a Deus como uma criancinha a seu pai, com a mesma simplicidade
íntima, o mesmo abandono confiante. Jesus considerava este modo infantil de falar
como a expressão do conhecimento único de Deus que o Pai lhe dava, e de seus
plenos poderes de Filho.9

Devemos, portanto, atentar para o fato de que Deus não é um Ser distante e que
está alheio à nossa vida, como afirmam os deístas10. Ele está presente e cuida de nós em
todo tempo, assim como um pai cuida dos seus filhos.

No Novo Testamento esta relação paternal é agora, estendida além-fronteiras e


todos os que pela fé se entregam a Cristo, são feitos filhos de Deus (João 1.12;

9
Cf. COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Op. Cit. pág. 19.
10
Os deístas negam o envolvimento de Deus com suas criaturas.

6
Gálatas 3.26; I João 3.1-2). Essa é uma certeza que nos é dada pelo Espirito Santo
(Romanos 8.16). Mas, o apóstolo Paulo vai além, e diz que por termos o Espirito Santo,
podemos clamar: “αββα πατηρ” (abba pater: pai, papai; conf. Romanos 8.15; Gálatas 4.6).

Não obstante o supracitado, precisamos analisar esta sentença com certo cuidado,
pois ela traz, tanto um elemento de intimidade quanto de reverência e submissão,
fazendo-se necessário atentar para o fato de que Deus é o Pai celestial e embora nos
acheguemos a Ele com intimidade, igualmente deve haver reverente temor e tremor de
nossa parte, pois ele é Deus.

Observe, portanto, que na sentença central do verso 09, a expressão usada por
Jesus é: “Pai nosso, que estás nos céus”. De certa forma, Jesus demostra que há diferença
entre as relações que mantemos com nosso pai terreno e com nosso pai celeste. Ao passo
que Deus é o nosso “αββα”, ele permanece sendo nosso “κυριος” (Senhor). Assim, como
destaca Sproul: “Pai nosso fala de proximidade com Deus, mas nos céus destaca sua
singularidade, sua separação. O ensino é este: quando oramos, temos de lembrar quem
somos e a quem nos dirigimos”11. Semelhantemente, o Catecismo Maior de Westminster
na pergunta 189, afirma que:

Pai nosso que estás nos céus, nos ensina, quando orarmos, a nos aproximarmos
de Deus com confiança na sua bondade paternal e no nosso interesse nele; com
reverência e todas as outras disposições de filhos, afetos celestes e a devida
apreensão do seu soberano poder, majestade e graciosa condescendência; bem
assim o orar com outros e por eles. 12

Primeira petição

Um aspecto de fundamental importância nessa oração diz respeito à santidade de


Deus: “Santificado seja o teu nome” (9c). Nos achegamos a Deus como nosso Pai, mas
não podemos, em hipótese alguma, esquecer que ele é igualmente santo. Isso significa que
devemos nos aproximar dele com absoluto temor e tremor, ou seja, devemos ser reverentes
em nossa adoração.

É muito comum as pessoas oferecerem a Deus o que elas acreditam que ele deseja
sem, contudo, observarem as prescrições de sua Palavra. Um exemplo claro é a oferta de
Nadabe e Abiú (Levítico 9.16 – 10.3). Deus deve ser adorado conforme prescreveu em sua

11
Cf. SPROUL, R. C. Op. Cit. pág. 35.
12
_____________ O Catecismo Maior de Westminster. 15ª Edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2013.

7
Palavra, não segundo nosso coração. Destarte, santificar o nome de Deus, implica como
diz Barclay: “Que o nome de Deus seja tratado de maneira diferente de todos os outros
nomes, que lhe seja dada uma posição absolutamente única entre todos os nomes” 13.

Quando oramos dizendo: “santificado seja o teu nome”, estamos declarando que
Deus é digno de louvor, honra e glória. Não obstante, devemos fazê-lo não como se
houvesse em Deus alguma necessidade e/ou carência de ser reverenciado ou adorado,
mas porque de fato ele é merecedor. Como afirma Sproul: “Deus exige ser tratado como
santo, porque ele é santo. Ele é zeloso de sua honra. Ele não implora por respeito nesta
passagem. Antes, a passagem é uma afirmação de um fato: Eu serei tratado como santo”14.
Assim sendo, o Catecismo Maior de Westminster, nos ensina que quando pedimos que
Deus santifique o seu nome, estamos,

Reconhecendo a inteira incapacidade e indisposição que há em nós e em todos os


homens, de honrar a Deus, como é devido, pedimos que ele, pela sua graça, nos
habilite e nos incline, a nós e aos demais, a conhecê-lo, confessá-lo e altamente
estimar, a ele e a seus títulos, atributos, ordenanças, palavras, obras e tudo aquilo
por meio do qual ele se dá a conhecer; a glorificá-lo em pensamentos, palavras e
obras, que ele impeça e remova o ateísmo, a ignorância, a idolatria, a profanação e
tudo quando o desonre; que pela sua soberana providência dirija e disponha tudo
para a sua própria glória.15

O nome de Deus é uma expressão de quem ele efetivamente é. É uma


representação do seu ser, de seus atributos e glória. Para o judeu, o nome é mais que um
título, representa que ele é (Gênesis 3.20, 5.29, 25.25); Êxodo 2.10; Mateus 1.21).
Assim, quando um judeu buscava glorificar a Deus, via de regra, ele o fazia exaltando seus
maravilhosos atributos e seus grandiosos feitos (Salmo 19.1-2, 103.7, 136; Isaías 25.1).
Santificar o nome de Deus, portanto, significa mais que oferecer a ele, nosso culto público
e/ou coletivo. Implica antes, em honrá-lo por quem Ele é e isto, deve acontecer em nosso
labor diário, em nossas conversas, brincadeiras, relacionamentos e estudos. Enfim, em
tudo quanto fazemos ao longo da nossa vida, conforme nos ensina o apóstolo
Paulo em I Coríntios 10.31-33.

Em seu catecismo Lutero pergunta: "Como é santificado entre nós o nome


de Deus?" E sua resposta é: "Quando tanto nossa vida como nossa doutrina

13
Cf. BARCLAY, William. Op. Cit. pág. 222.
14
Cf. SPROUL, R. C. Op. Cit. pág. 36.
15
Cf. O Catecismo Maior de Westminster. Op. Cit. pág. 267.

8
são verdadeiramente cristãs", quer dizer, quando nossas convicções intelectuais
e nossas ações práticas são a expressão de uma submissão total à vontade
de Deus.16

Segunda petição

A petição “venha o teu reino” (Mateus 6.10a), não deve é uma expressão vazia e
sem significado. O Reino de Deus era o cerne da mensagem de Cristo, bem como dos
apóstolos e demais escritores do Novo Testamento. Reino que estava diretamente ligado
à figura do próprio Cristo. Tanto que ele mesmo afirmou: “É necessário que eu anuncie
o evangelho do reino de Deus também às outras cidades, pois para isso é que fui
enviado” (Lucas 4.43). Destarte, quando oramos pedindo: “venha o teu reino”, estamos
suplicando para que Deus reine absolutamente sobre nós, que ele governe sobre nossa
vontade e sentimentos, bem como sobre tudo o que somos e temos. Mas, também devemos
ter uma expectativa futura com relação ao reino, pois somos desafiados a, mediante a
pregação do Evangelho levar a mensagem do reino ao mundo. Mediante a pregação do
Evangelho do Reino, muitos são chamados à fé, submetendo-se, assim, ao domínio e
consequente governo de Cristo. Neste sentido, um dos mais importantes documentos
oriundos da Reforma, o Catecismo de Heidelberg, ensina que “venha o teu reino”, significa:

Governa-nos por tua palavra e por teu Espírito, de tal maneira que, cada vez mais,
nos submetamos a Ti; conserve e aumenta tua igreja; destrói as obras do diabo, e
todo poder que se levanta contra Ti, e todos os maus planos que são inventados
contra tua santa Palavra; até que venha a plenitude de teu reino, em que Tu serás
tudo em todos.17

Orar pedindo “venha o teu reino”, é orar pedindo que antes de mais nada Deus
estabeleça seu domínio sobre nossas vidas e vontades. É priorizar a vontade de Deus.
Como diz o Dr. Alan Pierratt,

Jesus inicia a parte principal da sua oração de uma maneira bem diferente de
qualquer outra do Antigo Testamento. Nenhuma outra oração começa pedindo que
venha o reino de Deus, ou que se faça a vontade de Deus. Na maioria das orações,
uma vez terminada a invocação, a preocupação é sempre passar diretamente ao

16
Cf. BARCLAY, William. Op. Cit. pág. 226.
17
_____________ Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 1999.

9
pedido ou ao argumento persuasivo que se anexa ao pedido. Aqui Jesus se revela
interessado na vontade de Deus antes de todas as outras coisas. 18

Ao contrário do que muitos pensam, os milagres, curas e exorcismos realizados por


Cristo não eram um fim em si mesmos, antes apontavam para a presença do Reino de
Deus entre os homens. Seu propósito era testificar que a vinda de Cristo era sinônimo da
chegada do Reino. A presença do Reino do Reino de Deus implicava em que a promessa
de salvação, anunciada pelos profetas do Antigo Testamento, agora estava se cumprindo.
Hodiernamente, não necessitamos de curas e milagres para que as pessoas creiam na
pessoa de Jesus, basta-nos o auxílio soberano do Espirito Santo (João 16.7-11). Portanto,
“o Reino de Deus significa que Deus é Rei e age na história para trazer a história a um alvo
divinamente determinado".19 Como afirmou R. C. Sproul: “Jesus estava dizendo que temos
de orar para que o reino de Deus se torne visível na terra, que o invisível se torne visível”.20

Como diz o Dr. Hermisten Maia: “Rogar ‘venha o teu Reino’ significa dizer: Senhor
vem vencer o pecado e arrancar estes homens, como também fizeste conosco, do domínio
da carne, do mundo e de Satanás".21

Não restam dúvidas, portanto, de que o Reino de Deus é um reino presente. Todavia,
este reino é também escatológico, ou seja, futuro. O próprio Senhor Jesus Cristo, fez
menção ao aspecto escatológico do Reino. Ele mesmo afirmou que “muitos virão do Oriente
e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao
passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger
de dentes” (Mateus 8.11-12).

Embora já presente, a plenitude do Reino somente se dará no futuro, com o retorno


glorioso do Senhor Jesus Cristo, que culminará ascensão dos eleitos de Deus e na
aplicação do juízo Divino sobre os pecadores rebeldes (Mateus 7.21-23). Como destaca
Anthony Hoekema:

Aquele que crê em Jesus Cristo, portanto, faz parte do Reino de Deus no tempo
presente, desfruta de suas bênçãos e compartilha de suas responsabilidades. Ao
mesmo tempo, ele percebe que o Reino está presente agora apenas em um estado
provisório e incompleto, e por causa disso, ele aguarda por sua consumação no fim
da era. Pelo fato de o Reino ser tanto presente como futuro, podemos dizer que ele,

18
PIERATT, Alan. Oração urna nova visão para uma antiga oração. 1ª Edição. São Paulo: Edições Vida Nova, 1999.
19
HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o futuro. 2ª Edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2001.
20
Cf. SPROUL, R. C. Op. Cit. pág. 40.
21
Cf. COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Op. Cit. pág. 37.

10
agora, está escondido de todos, exceto daqueles que têm fé em Cristo; um dia,
entretanto, ele será totalmente revelado, de forma que até seus inimigos terão,
finalmente, de reconhecer e curvar-se perante seu governo.22

Terceira petição

Diametralmente ligada à petição “venha o teu reino”, está a súplica “faça-se a tua
vontade, assim na terra como no céu”. Assim, quando oramos pela vinda do Reino de Deus,
estamos pedindo que sua vontade se estabeleça e que nós estejamos sejamos submissos
a ela em todo o tempo e onde quer que estejamos. Neste sentido, precisamos atentar para
o fato de que nem sempre estamos dispostos a obedecer à vontade de Deus.

O primeiro dos Cinco Pontos do Calvinismo é a “Total Depravação”. Isso implica em


que o homem que foi criado numa condição de perfeita santidade e submissão à vontade
de Deus, mas após a queda, ele se encontra em um estado de rebelião tão séria que todos
os seus atos, vontades e disposições são totalmente afetados pelo pecado. Implica ainda,
que a inclinação dos homens é sempre para o mal, sempre contra a vontade revelada de
Deus (Romanos 7.19-25; Tiago 1.13-15). E por sermos resistentes à vontade Divina,
precisamos orar, pedindo que o próprio Senhor nos submeta ao seu querer.

Esta frase (faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu) não está pedindo a
Deus que determinado conselho se torne realidade ou que Deus faça as coisas que
preordenou desde a eternidade. Em vez disso, estamos orando por obediência à
vontade revelada de Deus – o que ele nos deixou evidente por meio de seus
mandamentos. A terceira petição é uma súplica por obediência da parte do povo de
Deus, uma súplica no sentido de que as pessoas que fazem parte do povo de Deus
obedeçam aos mandamentos de Deus.23

O ponto nevrálgico aqui, é o conhecimento da vontade de Deus. E quando tratamos


da vontade de Deus, precisamos entender que ela tem dois aspectos distintos: vontade
decretiva e vontade preceptiva.

 Vontade decretiva – quando falamos da vontade decretiva de Deus, nos referimos


àquilo que ele decretou desde a eternidade e que mesmo que nos seja oculta,
inevitavelmente será realizada. Um bom exemplo disso, é o eterno decreto de que
Cristo morreria sobre a cruz. Bem como a eterna decisão de nos eleger (predestinar)

22
Cf. HOEKEMA, Anthony. Op. Cit. pág. 65.
23
Cf. SPROUL, R. C. Op. Cit. pág. 41.

11
para salvação. Essas verdades estiveram ocultas por séculos, sendo reveladas
apenas na plenitude do tempo (II Coríntios 2.6-8, Efésios 1.3-14, II Timóteo 1.8-9).
A vontade decretiva de Deus, jamais poderá ser frustrada (Jó 42.2). É importante
salientarmos que nem sempre conhecemos a vontade decretiva de Deus. Por isso,
ela é também conhecida como vontade secreta (p. ex. Mateus 24.36).

Conforme salienta o teólogo holandês Louis Berkhof:

A Bíblia emprega várias palavras para indicar a vontade de Deus, a saber, as


palavras hebraicas chaphets, tsebhu e raston, e as palavras gregas boule e
thelema. A importância da vontade divina aparece de várias maneiras na Escritura.
É apresentada como a causa final de todas as coisas. Tudo é derivado dela: a
criação e a preservação, Sl 135.6; Jr 18.6; Ap 4.11; o governo, Pv 21.1; Dn 4.35; a
eleição e a reprovação, Rm 9.15, 16; Ef 1.11; os sofrimentos de Cristo, Lc 22.42;
At 2.23; a regeneração, Tg 1.18; a santificação, Fp 2.13; os sofrimentos dos crentes,
1 Pe 3.17; a vida e o destino do homem. At 18.21; Rm 15.32; Tg 4.15, e até as
menores coisas da vida, Mt 10.29. Daí a teologia cristã sempre reconheceu a
vontade de Deus como a causa última de todas as coisas.24

 Vontade preceptiva – quando tratamos da vontade preceptiva de Deus, estamos


falando daquilo que é relacionado à sua Lei. O Dr. Sproul, a classifica como “os
preceitos, estatutos e mandamentos que ele dá ao seu povo”.25 A vontade preceptiva
de Deus, pode e é frequentemente é contrariada, desrespeitada e desobedecida por
nós. Encontramos nas Sagradas Escrituras alguns exemplos disso (Êxodo 20.14 /
conf. II Samuel 11.1-4; Romanos 12.10 / conf. I Coríntios 1.9-13). Violamos a vontade
preceptiva de Deus, sempre que transgredimos sua lei. Isso, porém, não significa
que não haverá consequências. Pelo contrário, violar a vontade de Deus é trazer
sobre si mesmo o juízo Divino (Romanos 12.17; Gálatas 6.7-8; Hebreus 12.28-29).

Embora possamos resistir à vontade preceptiva de Deus, isso não implica em que
frustramos a soberania Divina, pois tudo está no escopo de sua vontade. Um bom exemplo
disso é o episódio em que Deus ordena a Faraó que deixe o povo ir, mas Ele mesmo (Deus),
endurece o coração do rei do Egito (Êxodo 4.21-23; cf. Romanos 9.11-24). Neste sentido,
John Frame salienta que “nada pode se opor eficazmente à vontade decretatória de Deus.
O que Deus decretou certamente acontecerá. No entanto, é possível para as criaturas

24
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 3ª Edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009.
25
SPROUL, R. C. Posso conhecer a vontade de Deus? 1ª Edição. São Paulo: Editora Fiel, 2013.

12
desobedecer à vontade normativa de Deus – e elas muitas vezes o fazem”.26 Berkhof segue
na mesma linha de pensamento ao afirmar: A primeira é realizada sempre, ao passo que a
segunda é desobedecida com frequência.27

No caso específico da terceira petição, a referência é à vontade revelada de Deus,


ou seja, à sua vontade preceptiva. “É a mesma vontade que é feita no céu, porém que ainda
não é feita na terra de forma completa”.28

Algo de fundamental importância sobre a vontade de Deus é que não somos nós que
a descobrimos, mas Deus é quem nos revela e isso, mediante sua Santa Palavra. Em parte
alguma das Sagradas Escrituras, vemos qualquer ensinamento para que descubramos a
vontade de Deus; o que encontramos é a exortação do apóstolo Paulo, para que a
procuremos compreender (Efésios 5.17).

Como afirmou o salmista: “Por meio dos teus preceitos, consigo entendimento; por
isso, detesto todo caminho de falsidade. Lâmpada para os meus pés é a tua palavra e, luz
para os meus caminhos” (Salmo 119.104-105). Se ainda isso não for suficiente para nos
dar tranquilidade e paz, quanto à vontade de Deus, devemos nos apegar confiantemente
ao que nos ensina o apóstolo Paulo em Romanos 8.26-27, bem como Romanos 12.2.

Como afirmou o Dr. Sproul:

Há um sentido em que as primeiras três petições estão dizendo a mesma coisa. A


honra ao nome de Deus, a visibilidade de seu reino e a obediência à sua vontade
são quase o mesmo conceito repetido de três maneiras diferentes. Estão
inseparavelmente relacionados. Deus é honrado por nossa obediência, seu reino é
tornado visível por nossa obediência, e muito obviamente sua vontade é feita
quando somos obedientes a essa vontade. Estas são as prioridades que Jesus
estabeleceu.29

John Frame observa que “a vontade de Deus é às vezes frustrada porque ele assim
o quer, pois ele tem dado a um dos seus desejos precedência sobre outro. Deus não planeja
causar tudo o que ele valoriza, mas ele nunca falha em causar tudo o que ele planejou”. 30

26
FRAME, John M. Não Há Outro Deus - Uma resposta ao Teísmo Aberto. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.
27
Cf. BERKHOF, Louis. Op. Cit. pág. 74.
28
HENDRIKSEN, William. Op. Cit. pág. 409.
29
Cf. SPROUL, R. C. Op. Cit. pág. 42.
30
STORMS Sam. Existem duas vontades em Deus? Disponível em:
http://www.monergismo.com/textos/atributos_deus/duas_vontades_deus_storms.htm. Acesso em: 17 de abril de
2018.

13
Quarta petição

Após apresentar as prioridades da oração, isto é, petições que se voltam para a


glória de Deus, Jesus ensina-nos a pedir por nossas necessidades (Mateus 6.11). Enquanto
que o foco das três primeiras petições são o nome de Deus, que deve ser respeitado e
honrado; seu Reino, que deve ser buscado; e sua vontade, que deve ser realizada e
obedecida; as atenções da quarta petição, “o pão nosso de cada dia dá-nos hoje”,
voltam-se para nós, pois ela faz parte das súplicas que fazemos em nosso favor e
revela-nos o caráter gracioso do Deus que é bom e cuja misericórdia dura para
sempre (Salmo 136.1), que mesmo assentado no alto e sublime trono (Isaías 6.1), se
importa conosco e provê o necessário para o sustento das suas criaturas (Salmo 136.25).

Não obstante a verdade supracitada, há pessoas que não conseguem ver a graça
Divina em suas vidas, pois não tem aquilo que desejam e que acreditam ser importante
para elas. Mas, como alguém já disse: “Deus supre necessidades, não vaidades”.

Uma das coisas que denuncia a nossa condição caída é o conceito de homem de
sucesso pessoal, aquele que toma o crédito por toda a abundância de seus bens e
esquece a Fonte de toda provisão. Temos de lembrar que, em última análise, Deus
nos dá tudo que temos.31

Na petição em apreço, somos ensinados a humildemente depender de Deus, pois


em última análise, dele vem nosso sustento e tudo o que temos (I Crônicas 29.12-14).
Somos ensinados ainda, que devemos ser moderados naquilo que desejamos, visto que
devemos pedir o necessário para cada dia (conf. I Timóteo 6.6-10). Quando nos falta a
sobriedade do contentamento, nossas orações não são respondidas (Tiago 4.1-3).

Já vimos a importância de analisarmos o contexto daquilo que estamos estudando


e, no contexto posterior desta oração, o Senhor exortou seus discípulos a não viverem
ansiosos quanto às suas necessidades (Mateus 6.25-34). A ansiedade, por vezes, denota
falta de confiança e esta pode levar alguém ao desespero. Aprendamos, pois, a
dependermos de Deus, a sermos moderados em nossas petições e ainda, a confiarmos em
Deus. Um grande exemplo para nós é a oração feita por Agur, na qual ele suplica apenas,
pelo necessário à sua subsistência (Provérbios 30.7-9). “Portanto, pedir a Deus que nos dê
o pão significa recorrer à sua graça, para que nos sustente e não nos deixe perecer. Nesta
oração está implícita a certeza de que a vida pertence a Deus”.32

31
Cf. SPROUL, R. C. Op. Cit. pág. 44.
32
Cf. COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Op. Cit. pág. 37.

14
É pertinente salientar que mesmo uma petição tão clara como esta – “o pão nosso
de cada dia dá-nos hoje” tem sido distorcida e reinterpretada conforme a vã imaginação
dos homens. As interpretações do catolicismo romano e da teologia da libertação são
exemplo de como esta petição tem sido desvirtuada.

O pensamento católico-romano reproduz uma concepção histórica sobre o assunto.


Para o catolicismo romano, Jesus estava ensinando a pedir pelo pão eucarístico, a hóstia.
William Barclay observa que:

Nas primeiras ordens de culto que possuímos se estabelece que o Pai Nosso deve
orar-se durante a celebração da Santa Ceia, e alguns interpretaram que esta petição
indica o desejo do crente de desfrutar quotidianamente do privilégio que significa
participar da comunhão, e de receber o pão espiritual que ali nos é oferecido. 33

Não é de se entranhar que o catolicismo adote tal linha de pensamento, pois o ápice
da missa é a eucaristia. Devemos lembrar ainda que para o catolicismo, o pão e o vinho
transformam-se literalmente no corpo e no sangue de Cristo.

Por outro lado, a Teologia da Libertação, tem uma leitura absolutamente


antropocêntrica das Sagradas Escrituras e dessa forma, entende que tal petição diz
respeito ao socorro aos que sofrem. Para eles:

A vida é mais do que o pão, mas em nenhum momento pode dis-pensar o pão. Em
termos teológicos a infraestrutura humana é tão importante que Deus associou a
salvação e a perdição ao atendimento justo e fraterno que fizermos dela ou não.
Assim seremos julgados definitivamente pelo Juiz Supremo pelos critérios da
infraestrutura: se tivermos ou não aten-dido o faminto, o nu, o sedento e o
encarcerado. No pão, na água, nas vestes, na solidariedade joga-se, finalmente, o
destino eterno do ser humano.34

Quinta petição

A quinta petição tem a ver não apenas conosco. Ela está diretamente ligada àqueles
que nos feriram e nos machucaram, deixando de alguma maneira suas marcas em nossas
vidas, pois precisamos perdoá-los como Deus, em Cristo, nos perdoou (Efésios 4.32).
Portanto, “e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós temos perdoado aos nossos
devedores” (Mateus 6.12), não é uma forma de mostrarmos a Deus o quanto somos “bons”

33
Cf. BARCLAY, William. Op. Cit. pág. 231.
34
BOFF, Leonardo. Pai-nosso – A oração da libertação integral. 13ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2013.

15
perdoando aos que nos fizeram mal. É antes, o humilde reconhecimento de que
necessitamos do perdão Divino. Isto fica claro a partir da conjunção “e”, que liga a
necessidade de pão à necessidade de perdão, ou seja, tanto quanto necessitamos do “pão
de cada dia”, necessitamos do perdão de Deus a cada instante. Neste sentido, o Catecismo
Maior de Westminster nos ensina que,

reconhecendo que nós e todos os demais somos culpados do pecado original e


atual, e por isso nos tornamos devedores à justiça de Deus; que nem nós nem outra
criatura qualquer pode fazer a mínima satisfação por essa dívida –, pedimos, por
nós mesmos e por outros, que Deus da sua livre graça e pela obediência e
satisfação de Cristo adquiridas e aplicadas pela fé, nos absolva da culpa e da
punição do pecado, que nos aceite no seu Amado, continuem o seu favor e graça
em nós, perdoe as nossas faltas diárias e nos encha de paz e gozo, dando-nos
diariamente mais e mais certeza de perdão; que tenhamos mais coragem de pedir
e sejamos mais animados e esperar, uma vez que já temos este testemunho em
nós, que de coração já perdoamos aos outros as suas ofensas.35

A palavra grega ὀφείλημα (opheilema), traduzida como dívidas, refere-se não a


dívidas comerciais ou financeiras, que podem ser satisfeitas, mediante o pagamento de
certo valor monetário, mas a uma dívida penal, que para ser satisfeita precisa passar pelo
tribunal e ser julgada no rigor da lei. Isso significa que éramos judicialmente culpados, mas
Deus nos perdoou. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o apóstolo Paulo afirma que
fomos justificados por Deus Romanos 3.21-26; 5.1.

Ao tratar deste assunto, o evangelista Lucas refere-se a tais dívidas de forma ainda
mais clara, chamando-as de pecados (cf. Lucas 11.4). Em termos mais simples, assim
como o pecado gera a morte, o perdão de Deus gera a vida.

Devemos levar em conta o fato de que somente somos capazes de perdoar, porque
Deus um dia nos perdoou. Ninguém pode dar aquilo que não recebeu. Neste sentido,
Martyn Lloyd-Jones ressalta que “o verdadeiro perdão quebranta o homem, e ele se sente
impelido a perdoar”.

Em Mateus 18.23-35, a personificação do perdão Divino, Jesus Cristo, nos exorta a


perdoarmos, assim como temos sido perdoados. A questão é: que melhor evidência de tal
salvação e perdão, que darmos gratuitamente aquilo que de graça recebemos? Neste
sentido, Leonard T. Van Horn, diz que “a capacidade que mostramos de perdoar os outros

35
Cf. O Catecismo Maior de Westminster. Op. Cit. pág. 277.

16
é uma prova de que Deus está nos perdoando”.36 Isto implica em perdoarmos não para
merecermos perdão, mas que perdoamos porque fomos perdoados.

Diante do exposto, esta é, sem dúvidas, a mais difícil de todas as petições que
poderíamos fazer, pois pedimos que Deus nos perdoe, assim como perdoamos àqueles
que nos feriram de alguma forma. Esta petição é tão importante que Jesus após terminar a
oração, voltou a tocar no assunto (versos 14-15). Perceba que existem duas sérias
implicações no ato de perdoar: a) se eu perdoar, também serei perdoado (verso 14); b) se
eu não perdoar, então, não serei perdoado (verso 15). Como bem expressa John
MacArthur: “Jesus nos dá os pré-requisitos para perdoarmos uns aos outros nas palavras
‘assim como nós temos perdoados aos nossos devedores’ (Mt 6.12). O princípio é simples,
porém sensato: se não perdoarmos não seremos perdoados”.37

Sexta petição

Uma tradução literal dessa petição, a partir do texto grego seria και μη εισενεγκης
ημας εις πειρασμον38 (e não induzir nós em tentação).39 Esse pedido pode ser facilmente
mal interpretado, levando à ideia de que a Bíblia está se contradizendo, visto que em sua
epístola, Tiago nos diz: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus
não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta” (Tiago 1.13). Outrossim, para
que possamos entender o real significado desta petição ensinada por Cristo, precisamos
esclarecer duas questões de fundamental importância. Primeiro, o sentido de “tentação” e
depois a definição de “mal”, neste contexto.

A primeira parte desta petição diz: “e não nos deixes cair em tentação” (13a). O termo
grego usado por Mateus é πειρασμός40 (peirasmos) e significa testar, tentar, experimentar,
pôr à prova. Frequentemente pensamos em tentação apenas como algo ruim e acaba por
prejudicar nossa compreensão do texto bíblico.

Normalmente entendemos a palavra "tentação" com o sentido de seduzir ao


pecado, ao erro. Entretanto, a ideia bíblica de "tentação" não é necessariamente
esta: o seu sentido é o de colocar uma pessoa em prova, sujeitá-la a um teste; o
que pode ser feito com o "propósito benevolente" de provar, experimentar ou

36
HORN, Leonard T. Van. Estudos no Breve Catecismo de Westminster. 2ª Edição. São Paulo: Os Puritanos, 2009.
37
JR, John MacArthur. A sós com Deus. Brasília: Editora Palavra, 2009.
38
Extraído de uma cópia do Textus Receptus (Texto grego a partir do qual a maioria das traduções bíblicas foi feita).
39
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1984.
40
Idem.

17
melhorar a sua qualidade, verificar a sua fidelidade; ou então, com o "propósito
malicioso" de mostrar a sua fraqueza, induzindo-o a um procedimento considerado
negativo.41

Se olharmos para tentação como uma forma de provação, então teremos uma
melhor compreensão de textos que afirmam que Deus provou seu povo (Gênesis 22.1-2;
Êxodo 16.4; Deuteronômio 8.2; I Crônicas 29.17). Contudo, ainda resta a dificuldade de
harmonizar o dito de Tiago “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque
Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta” (Tiago 1.13), com a
súplica ensinada pelo Senhor Jesus Cristo. O segredo está em uma palavra usada tanto
por Mateus, quanto por Tiago: “mal”.

A expressão grega usada por Tiago é κακός (kakos), de gênero neutro e indica um
mal geral ou moral (pecado); enquanto que o termo usado por Jesus é πονηρος (poneros),
de gênero masculino e aponta para um ser maligno (Satanás).

Na segunda parte desta petição, lemos: “mas livra-nos do mal” (13b). O termo grego
usado aqui é πονηρός (poneros) e significa mau, insalubre, maligno.42 O que fica evidente,
portanto, é que esta petição é um pedido para que Deus nos proteja das as investidas de
Satanás (cf. João 17.15; II Coríntios 2.10-11; I Pedro 5.8-11).

Em termos mais simples, podemos dizer que Deus não tenta (prova) ninguém com
objetivos escusos. Ele não induz ninguém ao pecado. Quando Deus prova alguém ele o faz
com um objetivo benéfico (Êxodo 20.20). Em contraste absoluto, o inimigo de nossas almas,
vive buscando oportunidade para nos fazer transgredir a vontade de Deus, induzindo-nos
ao pecado (Mateus 4.1-3; I Coríntios 7.1-5; I Tessalonicenses 3.5). Assim, como diz o Breve
Catecismo de Westminster, quando pedimos: “E não nos deixes cair em tentação, mas
livra-nos do mal, pedimos que Deus nos guarde de sermos tentados a pecar, ou nos
preserve e livre, quando formos tentados”.43

Por fim, embora tenha dividido esta petição em duas partes, com fins didáticos,
concordo com o Dr. Sproul que “a princípio, esta seção da Oração do Pai Nosso parece
duas petições separadas, mas este não é o caso. Ela segue a forma literária de paralelismo
usada no Antigo Testamento – duas maneiras diferentes de dizer a mesma coisa”.44

41
Cf. COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Op. Cit. pág. 62.
42
PERSCHBACHER, Wesley J. The New Analytical Greek Lexicon. 9ª Ed. Massachusetts: Hendrickson Publishers, 2006.
43
_____________ O Breve Catecismo de Westminster. 3ª Edição. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2013.
44
Cf. SPROUL, R. C. Op. Cit. pág. 50.

18
Declaração doxológica

Somos, por vezes, levados a pensar que existe uma eterna tensão entre o bem e o
mal e que Deus e o Diabo lutam entre si, para ver quem assume o poder e o domínio da
criação (dualismo)45. Entretanto, o texto bíblico dá absoluta ênfase ao fato de que Deus é
o supremo Senhor e governante de tudo o que existe (I Crônicas 29.12; II Crônicas 20.6;
Salmo 10.16, 145.13; Jeremias 10.7; Apocalipse 15.3-4).

O reconhecimento da autoridade e poder Divinos nos conduzirá a uma submissão


alegre aos santos propósitos de Deus e nos conduzirá de maneira totalmente confiante em
nossas orações, dispondo nosso coração a cumprir os preceitos das Sagradas Escrituras,
sobretudo, os ensinamentos do Senhor nesta inigualável oração.

Conclusão

Resumidamente, podemos dizer que, embora a oração do Pai Nosso não seja uma
oração para ser repetida semanalmente, ela sem dúvidas, tem muito a nos ensinar. Suas
diversas partes, nos mostram não apenas que Deus é digno de glória e honra, requerendo
o que lhe é devido, mas também, que ele se importa conosco, provendo o necessário para
nossas vidas, como alimento, proteção e perdão.

A ele seja a honra e glória para sempre. Amém!

45
Na teologia, o dualismo consiste na defesa de que existem duas entidades de igual poder e autoridade, mas que estão
em mútua oposição: o bem e o mal. Deus representando o bem e o Diabo o mal.

19

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