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Resumo
Escritor contemporâneo, João Antônio Ferreira Filho enriquece a cena literária brasileira
durante três décadas, desde os anos de 1960 até meados da década de 1990. De origem
humilde e com olhar aguçado voltado para o povo e em especial para o marginalizado, esse
contista narra as experiências cotidianas dos menos afortunados, dando-lhes visibilidade
aos olhos da sociedade. Este trabalho busca analisar o conto “Guardador” de João Antônio
dentro de uma perspectiva literária que engloba aspectos sociológicos e psicológicos de seu
personagem como elementos agregadores do texto literário, sem prejuízo à sua estrutura.
Introdução
Autor: Licenciatura e Bacharelado em Letras, pela Universidade Estácio de Sá – Nova Friburgo/RJ.
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aspecto constituía o que ela tinha de essencial. Depois, chegou-se à
conclusão oposta, procurando-se mostrar que a matéria de uma obra é
secundária e que a sua importância deriva das operações formais postas
em jogo, conferindo-lhe uma peculiaridade que a torna de fato
independente de quaisquer condicionamentos, sobretudo social,
considerado inoperante como elemento de compreensão. (CANDIDO,
2000)
Autor contemporâneo, João Antônio atua como escritor no período entre as décadas
de 1960 e 1990.
Apesar de vivenciar o período de poder ditatorial no Brasil, as tensões, os rigores e
a falta de liberdade próprios da época não constituem o foco de sua narrativa. Sob grande
influência do que se chama, na literatura brasileira, de Romance Social, João Antônio,
seguindo a linha de escritores como Lima Barreto e Alcântara Machado, surge como
contista dos socialmente marginalizados, habitantes do submundo das grandes cidades,
atribuindo-lhes humanidade. “O submundo de João Antônio é, sobretudo, um recorte
social, define-se como um grupo à margem [...]. Os protagonistas predominantes da obra
de João Antônio são mesmo os anti-heróis, jogadores, rufiões, merdunchos e prostitutas.”
(LACERDA, 2006)
João Antônio Ferreira Filho, natural da cidade de São Paulo, nasceu em 27 de
janeiro de 1937. Filho de emigrante português − caminhoneiro, dono de botequim − e mãe
carioca, dona de casa semianalfabeta, morou em “quase favelas” (LACERDA, 2009) na
periferia paulistana.
Desde os oito anos trabalhava para ajudar a família, inicialmente no comércio do
pai e depois na posição de balconista, caixeiro viajante, office-boy e almoxarife em
diversas empresas.
Leitor assíduo, nunca deixou de estudar, embora o tenha feito com um pouco de má
vontade no que dizia respeito ao estudo formal.
Aos doze anos, em 1949, publicou alguns contos em um jornal infanto-juvenil, O
Crisol. Aos dezessete anos, em 1954, como prêmio em um concurso de literatura, publicou
seu primeiro conto adulto, “Um preso”, no jornal O Tempo. No mesmo ano, começa a
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frequentar os salões de sinuca e a boemia paulista. Nos anos seguintes, ganha outros
concursos e tem mais contos publicados em diferentes jornais. Escreve sem parar. Ao
terminar o segundo grau, ingressa na faculdade de jornalismo, praticamente a interrompe
para servir ao exército, voltando depois para concluir o curso.
Em 1963, lança seu primeiro livro de contos Malagueta, Perus e Bacanaço, com a
reescrita de originais queimados durante um incêndio em sua casa, em agosto de 1960.
“Finalmente, o livro estava na rua. O menino de origem humilde e pouco dado ao estudo
formal, contra todos os obstáculos sociais e familiares, virara um escritor.” (LACERDA,
2009)
Ainda na década de 1960, João Antônio muda-se para o Rio de Janeiro e começa a
trabalhar no Jornal do Brasil. Em sequência, ingressa na revista Manchete e no Pasquim.
Dividindo a vida entre São Paulo e Rio, começa também a narrar a vida cotidiana na
capital carioca. Em 1978, lança Ô Copacabana!, livro de contos no qual narra este bairro
carioca sem visão idealizada. Em 1992, lança o livro de contos Guardador, que recebe o
prêmio Jabuti e cujo conto homônimo é objeto de análise deste trabalho. Em 1996, é
encontrado morto em seu apartamento em Copacabana.
Impossível falar de João Antônio sem enfatizar sua grande estima por Lima
Barreto, escritor brasileiro pré-modernista cuja obra voltou-se para o romance social. À sua
memória, dedicou todos os seus livros. Como diz em entrevista ao doutorando André
Vinicius Pessôa:
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uma figura muito autônoma e independente. Ele foi um dos primeiros
negros assumidos na história do país. Morreu aos 41 anos sem dinheiro
para o enterro, foi ajudado por amigos. Deixou 17 livros. Eu tento, de
uma maneira ou de outra, reverenciá-lo, dedico todos os meus livros a
ele. (PESSÔA, 2009)
O Conto
Com alterações no foco narrativo, ou seja, ora narrado na terceira pessoa, ora na
primeira, assim como utilizando-se de discurso direto, indireto e indireto livre, o conto
Guardador nos dá o vislumbre da rotina de um flanelinha, nas ruas de Copacabana, nos
idos anos de 1990.
Jacarandá é seu nome, madeira forte, resistente, em contraste com a falta de
importância atribuída à sua existência como indivíduo. É um flanelinha, função que, aos
olhos da sociedade, torna-o membro impessoal de uma coletividade por ele representada:
vagabundos oportunistas que, em vez de procuraram emprego formal, visam apenas
extorquir dinheiro dos motoristas sob a possível ameaça não verbalizada de lhes danificar o
carro.
Mas, para João Antônio, Jacarandá não se resume a apenas isso. É um ser humano
com angústias e reflexões; acima de tudo, com dignidade.
Com um estilo peculiar de narrativa que privilegia a informalidade da língua oral
em detrimento da formalidade da língua escrita, tanto na voz do personagem como na do
próprio narrador onisciente − que a toda hora se mesclam − João Antônio diminui a
distância entre dois mundos paralelos: o mundo do marginalizado que vive na ruas e dela
tira seu sustento e o mundo do cidadão comum, que tem emprego fixo, família ou, ao
menos, uma casa para a qual voltar.
O uso de coloquialismos e de alguns desvios de linguagem, no entanto, não nos
priva de reconhecer seu domínio da arte do bem escrever narrativo. João Antonio estrutura
bem seus textos, tem conhecimento amplo da língua brasileira e faz uso de retidão
gramatical e vocabular nos momentos necessários, em prol de coerência e coesão.
Usa e abusa de figuras de linguagem, o que confere grande carga expressiva ao seu
texto. Não faz menção a parábolas bíblicas, a clássicos da literatura estrangeira ou
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nacional, nem à filosofia greco-romana, tampouco dialoga com saberes teóricos de grandes
pensadores, cita, contudo, os dizeres, as crenças e os saberes do povo − o que faz com
maestria.
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cantada em verso e prosa e a Copacabana real, abafada, agitada, suja, cheia de baratas,
cujas calçadas serviam de lar e ganha-pão para muitos miseráveis.
É nas calçadas desta Copacabana que João Antônio nos apresenta seu personagem,
ainda sem nome, que “tenta” − diferentemente de “ganha” − a vida nas calçadas. A
descrição de seu andar e de seus gestos logo nos passa a impressão de desequilíbrio, de
efeito de álcool. Acrescente-se a isso a informação de que o personagem mora ou se
esconde no oco de uma figueira velha e, de lá, “baixa na praça”, podemos deduzir que esse
personagem não tem acesso a um espaço fixo nem descente como moradia, vive no oco. A
rua é sua casa.
Da casa, sai para cumprir o expediente de trabalho. Para ele, como ficará mais claro
logo adiante no conto, é um trabalhador; as pessoas as quais aborda, fregueses. Vejamos:
Com sua narrativa, o autor nos permite ver a agilidade e aflição do personagem na
cena que transcorre, “o dinamismo característico do texto de João Antônio”. (ESTEVES,
2006). Corre para um lado e outro, oito já lhe escaparam, outros três escapam juntos, é
preciso correr. Quando um dos “fregueses” é flagrado na escapada, segue-se uma
interlocução interessante e carregada de significado. A escolha do vocativo “chefe”, usado
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de forma paternal pelo “freguês fugitivo”, esboça uma consideração que, via de regra, não
existe por parte dos motoristas, quando abordados por flanelinhas.
A reação do guardador, expressa em forma de pensamento, deixa claro que ele
percebe a tentativa de logro por parte do motorista; mais ainda, a seu ver, percebe a falta de
respeito para com sua pessoa. “Mais amor e menos confiança” é o que pensa e o que
poderia ser traduzido como um lembrete de que ele, guardador, também tem dignidade:
Nas primeiras linhas do extrato acima, vê-se o claro confronto entre a resignação
aparente e necessária e a raiva genuína do personagem pelo motorista, seguido de uma
sensação de impotência, de exclusão e de desmoralização que o leva a beber. O uso de
sequências de sinônimos (trocado, pixulé, caraminguá ocioso; duros, tesos) reforça a
expressividade dos sentimentos. “A sonoridade das palavras, em João Antônio, têm um
valor expressivo em si, independente. [...] João Antônio insiste em enumerar dezenas de
sinônimos numa frase, siderado pelos ecos de cada um.” (LACERDA, 2006)
A vida é dura, paralelepípedo, pedra quente e forte, não é pão de ló, massa leve e
macia, como conclui o personagem. Em seguida, um momento de quase desistência, de
constatação de que alguma coisa precisa mudar: “havia erro”. O próprio boné reflete
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dúvidas, diz o narrador, fazendo uso do recurso da prosopopeia. Talvez fosse melhor
contar com a ajuda de meninos de favela, desses que estão acostumados a viver de
esmolas, porque ele, o guardador, já tem a cabeça branquejando e não lhe sobra muita
energia para trabalhar.
Na reflexão de Jacarandá e, indiretamente, do próprio autor, só grande minoria das
pessoas entende a miséria e olha para os miseráveis como pessoas que também sofrem e
têm sentimentos. “Tenho uma atração muito grande pelo que é do povo. São pessoas de
grande qualidade e, ao mesmo tempo, com grandes sofrimentos. Eu só gosto dessa gente.
O popular me chama, me atrai muito.” (PESSÔA, 2009). Para a grande maioria, a miséria é
indiferente, tudo o que querem é que a pobreza desapareça de suas vistas. Para a classe
média, que vive de aparências e precisa ostentar mais do que tem, ser melhor do que é, a
esmola é cedida por vergonha de passar a impressão de não se sensibilizar ou não ter
condições de doar. Nos parágrafos a seguir, a constatação de Jacarandá:
Bastante significativa aqui a fala do narrador, que principia o parágrafo com uma
oração adversativa: “Apesar da pinga...”. Apesar do álcool e da imagem de fuga, de
malandragem e de desmoralização a que a bebida remete, Jacarandá pensa, raciocina,
reflete: é dos poucos que trabalha, merece pagamento e não que os motoristas lhe fujam.
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Por outro lado, mesmo reconhecendo/criticando a vida de aparências de parte da sociedade,
não lhe escapa que ela também enfrenta dificuldades financeiras. Contrai dívidas de
consórcios, prestações, correções monetárias, juros e impostos que, apesar de não fazerem
parte de sua vida, sabe que existem. O carro, aqui personificado, “come-lhes” a provisão.
De tão mergulhados em dívidas, as pessoas não têm trocados que possam ceder e deixar de
contabilizar como despesa no final do mês. Nas entrelinhas, o personagem sabe que todos
têm dificuldades.
A nós, leitores, esta reflexão pode até surpreender, parecer-nos romantizada – pois
achamos que ali se encontra apenas um oportunista −, mas, para o guardador, e, por
conseguinte, para o próprio autor, a reflexão é séria, tem fundamento, é tão séria a ponto de
o personagem dizer a si para não mais pensar no assunto, sob o risco de tornar-se
compreensivo e complacente com relação ao outro. Sob o risco de enfraquecer.
Uma grande novidade na temática de João Antônio, desde seu primeiro livro, é a
valorização da humanidade de seus personagens. “Por certos momentos, de tão „humanos‟
chegam a ser idealizados e romantizados. Empresta-se a eles um lirismo que transcende
sua vida corrompida e os dignifica.” (LACERDA, 2006). É o que se pode ver em:
Tomar outra, não enveredar por esses negrumes. Nada. Corria o risco de
desistir de guardador. Ele sabia na pele que quem ama não fica rico. E, se
vacilar, nem sobrevive. Para afastar más inclinações, pediu outra dose.
(ANTÔNIO, 1994)
À tarde, houve futebol; suaram debaixo de um sol sem brisa. Ele e mais
um magrelo de uns oito anos, cara de quinze. A sorte lhes sorriu um
tanto; guardando uma fileira de carros no estádio, levantaram uns trocos,
o crioulinho vivaço levou algum e o homem foi beber. Havia se feito um
ganho. Quando a peça não tem o que fazer, não tem nada o que fazer.
Já não tem gana, gosto. E nem capricho; acabou a paciência para amigos
ou auditórios. Distrações suas, se há, vêm das necessidades e dos apertos.
Não que o distraiam; certo é que o aporrinham. Depois, não é de
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lamentações; antes, de campanar. Nem joga dominó ou dama, a dinheiro,
com os outros, enfiados na febre dos tabuleiros da praça na sombra das
mangueiras. Mas que espia, espia, vivo entendedor. Goza com os olhos os
lances errados dos parceirinhos bobos. (ANTÔNIO, 1994)
Mais uma vez, a bebida como fim, como fuga, como única recompensa pelo
trabalho, pois afinal, o personagem de João Antônio não tem perspectivas, vive uma
realidade que lhe acumula desprezo e desmoralização. Não tem para onde ir, é “desfixado”,
vive na rua. “As personagens de João Antônio só teriam a compartilhar essas experiências
„radicalmente desmoralizadas‟. Resta-lhes, assim, a solidão, o silêncio, o estar-separado,
ausente de vida comum.” (ESTEVES, 2006).
Fora a bebida, é um personagem sem lazer, sem distração, apenas com necessidades
que lhe ocupam a mente. Não se envolve em jogos, mas deles entende e lança seu olhar
crítico sobre os jogadores, aos quais considera “parceirinhos bobos”, e dos quais extrai um
breve gozo, como veremos a seguir:
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alcoólatra e de vagabundo, sem terem noção do que é sua vida. Vale relembrar sua
reflexão: “Estão pensando que paralelepípedo é pão de ló?” (ANTÔNIO, 1994)
Os guardadores, o personagem reflete com orgulho, são espertos, quase mágicos,
têm a capacidade de aparecer do nada, de saltar rapidamente na frente do freguês, têm
“truncagem” típica de mágicos. E são cordiais, mesmo que para isso usem de ironiza. Não
agridem os clientes, tratam-nos com categoria. No entanto, ninguém parece perceber sua
destreza e tampouco lhe retribuem a gentileza. Apesar de orgulhoso de si, ressente-se.
Aos trompaços dos anos e minado pelo estrepe dos botequins, ele
emperrara a sua parte dessa picardia levípede.
Havia cata-mendigos limpando a cidade por ordem dos mandões lá de
cima. Assim, no verão; os majorengos queriam a cidade disfarçada para
receber turistas e visitantes ilustres. Os jornais, as rádios e a televisão
berravam e não se sabia se estavam denunciando ou atiçando os
assaltantes e a violência das ruas. Quando em quando, o camburão da
polícia cantava na curva da praça e arrastava o herói, na limpeza da
vagabundagem, toda essa gente sem registro. A gente do pé inchado. Ele
seguia, de cambulhada, em turminha. Lá dentro do carrão, escuro e mais
abafado.
Cambaio, sapatos comidos, amuava e já se achava homem que não
precisava de leros, nem tinha paciência pra mulher, patrão ou amizadinha.
De bobeira, tomava cadeia; saía, de novo bobeava, o metiam num
arrastão.
Lá vai para o xilindró. (ANTÔNIO, 1994)
“Herói”, eis aí, talvez, algo a mais que João Antônio tenha desejado passar para o
leitor, neste conto. Fugindo dos padrões do herói do romance clássico, o herói de João
Antônio não é menos forte, corajoso, hábil ou desimportante que este. Não é um semideus
como os heróis gregos, não é o belo justiceiro como os heróis dos romances de cavalaria. É
o marginalizado que, apesar de todo o sofrimento, todos os infortúnios, segue vivendo.
Sente o peso dos anos, sofre com as desatenções e é massificado, recolhido pelo camburão
da polícia como parte de uma coletividade de vagabundos indesejados. Na cadeia, a
recepção:
O uso incessante de comparações que se seguirá pelo conto − aqui “cela” por
“chiqueiro” − denuncia, de forma quase ilustrativa, as condições às quais o personagem
enfrenta. Aqui, agora de forma explícita, o alvo é o poder público e seu descaso. Ser
conhecido por apelidos remete à familiaridade, à reincidência: já foi várias vezes retido
pelo poder público e depois solto, para retornar ao mesmo modo de vida em que se
encontrava. Mais uma vez preso e, consequentemente, desintoxicado, sente novo ânimo:
E tem que, não bebido, volta. É outro. Os movimentos de seu corpo ainda
magro de agora lembram os movimentos do corpo antigo. O verde das
árvores descansa, ah, assobia fino e bem, ensaia brincar com as crianças
da praça. Dias sem cachaça, as cores outra vez na cara, concentra um
esforço, arruma ajudante, junta dinheiro. Quando quer, ganha;
organizado, desempenha direitinho. Nas pernas, opa, uma agilidade que
lembra coisa, a elegância safa de um passista de escola de samba.
Vem carro acolá:
− Deixa comigo. (ANTÔNIO, 1994)
Fora das ruas, no entanto, embora “mofe” na cadeia, como bem metaforiza o autor,
o personagem ganha novo viço. A impossibilidade de beber o faz voltar a tomar as rédeas
de si. Surge um fio de esperança, mesmo em local improvável, de que há ainda vida e
possibilidade de recuperação. Recuperação, porém, de pouca duração:
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Mas João Antônio escrevia sobre o que conhecia, não era um observador distante.
“Eu sou o tipo de escritor que vivencia as coisas sobre as quais escreve” (PESSÔA, 2009).
Seus personagens são frutos do meio, vítimas do determinismo, das “leis naturais‟ −
fundamento das narrativas realistas/naturalistas − de onde, geralmente, não há escapatória.
“O Realismo se tingirá de naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer
personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das „leis naturais‟ que a ciência da
época julgava ter codificado.” (BOSI, 2006). E assim continua o autor:
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Mais uma vez, Jacarandá, em suas reflexões, encontra certo consolo observando a
situação dos outros à sua volta. “Miséria pouca é bobagem”, conclui, ao ver o contexto no
qual está inserido.
Segue-se no texto uma descrição minuciosa de Copacabana, de seus contrastes
(prostitutas e beatas; jogatina e parques infantis), de sua mistura de classes e costumes que
coexistem num espaço relativamente pequeno. O lado marginal, provinciano, feio, sujo,
libidinoso e antiestético da “princesinha do mar” é denunciado, mostrando a
superficialidade da imagem de cartão-postal. Jacarandá ressente-se e emociona-se: “[...] a
batida do pandeiro é triste.” Segue-se trecho que bem expressa a emoção do personagem:
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O menino já tinha se mandado, pegara o rumo do morro e, não estivesse
no aceso de um pagode, sambando, estaria dormindo no barraco. Era
hora.
Jacarandá, cabeça alta, falou-lhe como se ele estivesse:
− Xará, eu ganho mais dinheiro que ele. É que não saio do botequim. –
Aí, foi para dentro do oco da árvore, encostou a cabeça e olhou a lua.
(ANTÔNIO, 1994)
Considerações Finais
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para isso lançar mão de uma narrativa documental, panfletária, baseada em análises
sociológicas ou psicológicas.
Tampouco nós, leitores ou estudiosos de literatura, precisamos enveredar por estes
caminhos para extrair a essência de sua obra.
No espaço de três páginas, personagem e enredo nos envolvem e nos fazem
visualizar, se não vivenciar, a vida de um indivíduo tão comum em nosso dia a dia e ainda
assim, tão invisível como cidadão.
Romanceada ou não, difícil sair incólume da leitura desta obra de João Antônio.
É a literatura cumprindo seu papel.
Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 43 Ed. São Paulo: Cultrix,
2006.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. 8 Ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000;
Publifolha, 2000. – (Grandes nomes do pensamento brasileiro).
LACERDA, Rodrigo. João Antônio: uma biografia literária. Tese de doutorado, São
Paulo, 2006. Disponível em: http://www.rodrigolacerda.com.br/ja-biografia
PESSOA, André Vinicius. Entrevista com João Antônio, 26 mar. 2009. Disponível em:
http://portalliteral.terra.com.br/artigos/entrevista-com-joao-Antônio. Acesso em: 17 out,
2011.
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