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Título do Original em Inglês: BRAVE MEN TO THE BATTLE
Direitos de tradução e publicação em Língua Portuguesa para a CASA
PUBLICADORA BRASILEIRA
Rodovia Estadual SP 127 — km 106 Caixa Postal 34 18270 - Tatuí, SP
Esta edição Cinco mil exemplares
1988
Editor: Márcio Dias Guarda
Capa: Eli S. Campos
Arte Final: Vilma B. Piergentile
Foto Capa: Keystone
Índice
Capítulo Página
1. Um Lugar no Deserto..................................................... 5
2. Tempestades Prestes a Desabar.................................... 7
3. Presos em Uma Caverna................................................ 10
4. Deus Envia Uma Nuvem................................................ 14
5. Nova Luz na Europa....................................................... 17
6. Ameaça da Saboia......................................................... 21
7. A Resposta Dos Alpes.................................................... 26
8. Extinguiu-se Uma Luz.................................................... 31
9. Tempestades e Pragas.................................................. 37
10. Moedas de Ouro Para o Marquês................................ 40
11. Dezoito Homens Contra Mil........................................ 46
12. Homens Que Lutaram Como Leões.............................. 52
13. Um Povo no Exílio........................................................ 57
14. A Volta Gloriosa........................................................... 62
15. Defesa de La Balsiglia................................................... 67
16. Jogados Nos Vagalhões da Guerra............................... 71
17. Os Últimos Marcham na Vanguarda............................. 77
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Prefácio
Acho que você vai gostar deste livro. Ele contém uma história
comovente e inspiradora. E mais, é verídica, tudo aconteceu conforme está
relatado.
Os quatro séculos de aventuras e heroísmo começam por volta de
1170, com Pedro Waldo, um homem rico, que se converte, distribui todas as
suas riquezas aos pobres e passa a pregar um modo honesto de viver.
Os valdenses, como foram chamados os seus seguidores, formaram o
grupo mais conhecido entre os vários outros que surgiram no século doze,
resistindo à crescente degradação da igreja dominante.
Basicamente o que eles queriam era manter a fidelidade aos ensinos da
Bíblia. Mas, em 1231, sofreram uma grande perseguição. E, depois dessa, os
valdenses não tiveram mais sossego: quando não estavam sendo
perseguidos, estavam se preparando para enfrentar a próxima batalha.
Isso é o que faz de Heróis de Todas as Épocas um livro movimentado. E
as surpresas ficam por conta dos recursos fantásticos utilizados por Deus
para livrar os valdenses do inimigo!
Vários jovens e crianças tiveram atuação destacada nos tempos de paz
ou de guerra. Gostavam de cantar e decorar trechos da Bíblia. Assim, sus-
tentaram a tocha da Verdade até brilhar a luz da Reforma Protestante, no
século dezesseis. Agora que você sabe por que eu acho que você vai gostar
deste livro, vá em frente, leia-o até o fim! Como os outros da série Horizonte,
foi feito especialmente para você.
O Editor
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1 - Um Lugar no Deserto
Do outro lado dos Alpes dos valdenses, vivia um maior grupo de “hereges,”
os albigenses. Estes ocupavam muitas florescentes cidadezinhas, e vilas no sul da
França, à margem do Rio Ródano. Povo laborioso, seu governo considerava-os
dos melhores súditos.
Subiu em 1198 um novo homem ao trono papal. Tomou o nome de
Inocêncio III. Tornou-se o mais poderoso papa que já governara em Roma, e
forçou a maioria dos reis e dominadores da Europa a obedecer-lhe. Castigava
severamente aos que não o faziam. Esse papa convocou os chefes de sua igreja
para discutirem a maneira melhor de destruir os albigenses e os valdenses.
Por esse tempo, os valdenses haviam levado suas doutrinas a muitos lugares
da Europa. Pequenos grupos de pessoas residentes em Nápoles, Polônia,
Alemanha, Morávia, Boêmia e Inglaterra, adoravam a Deus da mesma maneira
que o povo dos vales. Na França, porém, havia uns duzentos mil albigenses.
Inocêncio III decidiu destruí-los em primeiro lugar.
Proclamou uma cruzada, ou guerra santa, contra os albigenses. Nos países
dominados pelo papado em toda a Europa, os padres leram a proclamação do
papa. Ele convidava todos os homens para se unirem em um exército que
marchasse contra os albigenses. Prometia-lhes as casas, terras e bens dos
hereges que matassem. Assegurava- lhes também que todos os soldados mortos
na cruzada seriam perdoados de seus pecados, e teriam um lugar certo no Céu.
Em resultado reuniram-se no sul da França homens de quase todos os países
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europeus, avolumando-se em grande exército. Grande parte dele, no entanto,
consistia em ladrões, homicidas e aventureiros que esperavam enriquecer-se
com os bens dos hereges.
Os albigenses não possuíam soldados, nem fortalezas, nenhum meio de
defesa. Ficaram indefesos enquanto a horda de cruzados invadia seu belo país
roubando, matando, queimando. O exército reduziu a outra florescente região a
uma ruína, e ao terminar a cruzada, os albigenses haviam sido destruídos. Apenas
alguns haviam conseguido escapar pelas montanhas e reunir-se aos valdenses.
Pouco tempo depois da cruzada, o papa Inocêncio III morreu, e os hereges
sossegaram em relativa paz.
Mais de um século após, tornou-se papa João XXII. Lera a respeito da
cruzada de Inocêncio III contra os albigenses, e mandou dois espias aos vales dos
valdenses a fim de averiguar ali as condições. Os espias ouviram falar de uma
reunião a que assistiam centenas de pastores e chefes valdenses. João viu
prontamente que a cruzada de Inocêncio III não destruíra todos os hereges. Antes
de poder completar a obra, porém, esse papa, João XXII, também morreu. Os
vales ficaram em paz por outros trinta anos.
Ao tornar-se papa, Clemente VI queria ver destruídos todos os valdenses,
sendo posto fim a sua obra na Europa. Escreveu aos reis da França e de Nápoles,
incitando-os a lançar cruzadas contra os valdenses e seus seguidores. Escreveu
uma carta especial a Joana, esposa do rei de Nápoles, concitando-a a ajudar a
limpar os vales pela destruição dos hereges que viviam ali.
Os reis de França e de Nápoles, entretanto, hesitaram. Os valdenses
achavam-se entre seus melhores cidadãos. Eram prósperos, pagavam pron-
tamente os impostos, não causavam perturbações a suas autoridades. Por que
haviam os reis de destruir tão valiosos cidadãos? De modo que os monarcas da
Europa quietamente passaram por alto as instruções papais, e os valdenses
aumentavam em número à medida que passavam os anos de paz.
Vieram então anos maus para o próprio papado. Um francês que se tornara
papa, mudou a corte de Roma para a cidade francesa de Avignon.
Cerca de setenta anos se passaram antes que outro papa, Gregório XI,
fizesse voltar o papado de Avignon para Roma. Gregório morreu um ano depois,
e o papa novamente eleito enraiveceu cardeais que o haviam elegido. Elegeram
então outro papa, que logo se estabeleceu novamente em Avignon.
O papa francês, é claro, afirmava que era o único papa verdadeiro, e
amaldiçoava o de Roma. Esse anunciava que era o único papa verdadeiro, (.
amaldiçoava o de França. Muita gente não sabia a qual seguir. Um terceiro papa
foi eleito em 1409 para substituir os outros dois, mas nenhum deles queria
resignar. Agora, três papas pretendiam o poder supremo, cada um amaldiçoando
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os outros. Só em 1414 um homem reconquistou o domínio supremo do papado.
De maneira que, por cem anos, os vales valdenses ficaram mais ou menos
em paz, visto nenhum dos papas ter tempo de molestá-los.
Realmente, a perseguição nunca cessou por completo. A igreja romana
mandava homens chamados inquisidores para verificar quais não prestavam
culto segundo o papado, para serem mortos. No ano de 1400, um desses
inquisidores reuniu alguns soldados e levou-os a um dos vales dos valdenses.
Estes foram de todo surpreendidos. Os inquisidores aprisionaram cento e
cinquenta homens, mais várias mulheres e crianças, e levaram-nos Grenoble,
onde foram mortos.
Enlevados com esse primeiro esforço bem-sucedido, o inquisidor Borelli,
resolveu repetir. Desta vez, ele sabia que os valdenses estariam alerta de modo
que esperaram até metade do inverno quando a neve bloqueava os desfiladeiros.
Então, com seus soldados, penetrou no vale e marchou sobre a cidadezinha de
Pragelas. Alguns os viram vindo, numa longa fila de figuras negras contra a alvura
da neve, e bradou um alarme para a vila. Os pais pegaram suas crianças, jovens
levaram os velhos e os doentes. As sombras de uma longa noite hibernai caíam
quando os soldados chegaram à vila, e seguindo os rastos recentes na neve,
pronto alcançaram a procissão em fuga. Mataram muitos dos fracos e inválidos,
tingindo de rubro sangue a brancura da neve. Então caíram as trevas, os soldados
voltaram ã vila e passaram a noite nas casas abandonadas de seus moradores. Os
fugitivos não tiveram descanso naquela tremenda noite. Procuraram atravessar
o passo da montanha de S. Martinho, para outro vale valdense, mas na escuridão
e na tempestade, muitos se perderam. Alguns caíram de elevados rochedos.
Outros afundaram na neve para nunca mais se erguer. A luz da manhã revelou
terrível espetáculo. Muitos dos valdenses tinham pés e mãos congelados. Alguns
carregavam crianças que haviam morrido durante a noite. O povo achou
cinquenta crianças mortas nos braços de suas mães, caídas na neve profunda à
beira do caminho.
Essa grande tragédia teve lugar na véspera do Natal, e até hoje pais e mães
em Pragelas contam a seus filhos a história do mais triste Natal que já passou
naquele vale.
Se bem que os valdenses sofressem muito durante essas perseguições,
sobreviveram ainda. Quando a igreja ou as autoridades estatais prendiam seus
missionários na França, Inglaterra, ALEmanha ou Itália, e lhes tiravam a vida,
outros jovens de boa vontade lhes tomavam o lugar. Finalmente, muitas
autoridades eclesiásticas acharam que os missionários valdenses tinham de
acabar e que a única maneira de o conseguir seria destruir toda a nação valdense.
Em 1487, o papa Inocêncio VIII reinou em Roma. Lembrou-se de como um
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papa anterior, do mesmo nome, destruíra os albigenses na França. Ele queria
tornar-se tão famoso como seu predecessor, de modo que proclamou longa
declaração acerca dos valdenses, apontando-os como os piores hereges do
mundo. Pedia que fossem todos mortos.
“Caso não reneguem sua fé”, declarou o papa cheio de ira, “sejam
esmagados como serpentes venenosas.”
Ele começou por procurar um homem que organizasse uma cruzada,
Escolheu Cataneo, famoso capitão italiano. Então o papa escreveu ao rei de
França e a Carlos II, duque de Saboia, ordenando- lhes que enviassem exércitos
para ajudar Cataneo a destruir os hereges. Concitou todos os católicos romanos
a virem em auxílio de Cataneo. Uma vez mais reuniu-se um exército para
exterminar os hereges, e mais uma vez o papa prometeu aos soldados que
poderiam guardar para si todos os bens dos hereges que matassem.
Em Turim, Cataneo reuniu-se com seus outros oficiais para fazer os planos.
Um contingente reunir-se-ia em França e atacaria os valdenses daquele lado, ao
passo que ele avançaria com seu exército do lado da Itália. Mediante ataque por
dois lados ao mesmo tempo, esperava destruir os valdenses por completo. E
esmagar-lhes para sempre a fé.
Cruel, mas ousado capitão por nome La Palu, dirigiu os soldados que
avançavam contra os valdenses do lado francês dos Alpes. Com seus homens,
atacou ele primeiro o povo que morava em Valouise. Alguns pastores de gado, lá
muito alto na encosta da montanha, viram-nos descendo e correram velozmente
à vila para advertir o povo. Os valdenses observaram os inimigos vindo pelo passo
na montanha, e verificaram que La Palu tinha vinte vezes mais soldados em seu
exército do que eles poderiam mandar contra ele. Nada poderiam fazer senão
fugir. Pondo em carroças os velhos, as mulheres e as crianças, com provisões de
mantimento, e tangendo de cabras, ovelhas e gado diante deles, começaram a
subir as íngremes encostas do Monte Peloux. Entoavam salmos de Davi enquanto
subiam mais e mais alto acima do vale. O cimo elevava-se acima deles. Os abismos
ressoavam ao som de suas vozes.
Alguns dos idosos e fracos ficaram para trás. Os inimigos apressavam-se
atrás deles, matando os que ficavam apartados dos outros. A maioria do grupo,
todavia, chegou a bem conhecida caverna no flanco da montanha. Para ali
correram eles com seus animais. As mulheres e as crianças foram à pressa bem
para o fundo, nas escuras profundidades da gruta, ao passo que os homens fi-
caram à entrada, prontos a resistir a qualquer ataque dos soldados para forçar a
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entrada. Tinham pilhas de grandes pedras para arremessar na cabeça de quem
quer que fosse que tentasse trepar para a caverna.
La Palu viu o perigo, e sabia que seria fatal dirigir seus homens, destreinados
nessa espécie de luta, sob a aba da caverna. Ao contrário, conduziu ao redor da
montanha, e trepou nela pela retaguarda. Conduziu-os então diretamente a um
ponto de sobre a boca da caverna. Servindo-se de cordas trazidas com o fim de
enforcarem os valdenses, os soldados baixaram alguns deles à plataforma diante
da gruta.
Os valdenses não haviam previsto um ataque de cima, e pareceram
paralisados de temos ao observarem os inimigos. Haveria sido fácil matar aquele
primeiro e pequeno grupo de soldados, mas aquele povo havia vivido por tanto
tempo em paz, que a ideia de lutar, mesmo por sua vida, parecia-lhes estranha.
Uma vez que seus inimigos haviam tomado conta da boca da caverna, os
valdenses retiraram-se muito para o interior, mediante bem conhecidos
caminhos. Os soldados de La Palu não ousavam penetrar no coração da caverna
sem guia. Compreendendo o perigo que adviria a seus homens naquele estranho
lugar escuro, o capitão ordenou a seus soldados que ajuntassem grandes montes
de capim dos lados da montanha. Eles amontoaram-nos alto, na boca da gruta, e
puseram-lhes fogo. Silenciosamente, lá embaixo, no mais fundo interior da
caverna, rolavam grandes nuvens de fumo. Os valdenses não tinham nenhum
meio de escapar, e morreram sufocados.
Ao todo, três mil pessoas pereceram naquele abismo. O exército destruíra
toda a população de Valouise, e os valdenses nunca mais ocuparam aquele belo
vale.
La Palu conduziu então seus homens a outro vale matando o povo, e
destruindo-lhes os lares. Ao chegar a notícia de sua vinda, antes dele, muitos do
povo fugiram pelas gargantas para vales mais protegidos. Todavia tantos dos
valdenses perderam a vida, que logo os soldados de La Palu verificaram que não
podiam carregar os despojos que apanhavam das moradas de suas vítimas.
Naturalmente os soldados esperaram que uma guerra tão proveitosa havia de
continuar por longo tempo.
O último vale em que La Palu entrou foi Pragelas, cuja população fora tão
terrivelmente afligida na véspera de Natal oitenta e sete anos atrás. Os cruzados
caíram de improviso sobre a vila. Muitos desprevenidos lavradores caíram nos
campos enquanto ceifavam suas colheitas. Outros, fugiram em busca dos cimos
das montanhas. Alguns destes, não havendo sabido da sorte do povo de Valouise,
refugiaram-se nas cavernas, onde La Palu repetia a tragédia. Seus soldados
ateavam fogo à boca dessas grutas, e o povo que se achava no interior sufocava.
Nem todo o povo de Pragelas morreu. Havendo-se recuperado do choque
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do inesperado ataque voltavam-se ousadamente contra os invasores, e
atacaram-nos. Na maioria os soldados de La Palu haviam sido bandidos e ladrões
antes de se unirem aos cruzados, e não sabiam lutar. Ao serem assaltados pelos
valdenses, fugiam aterrorizados. Muitos deles morreram no vale que haviam
esperado conquistar tão facilmente.
Entrementes, do lado italiano dos Alpes, Cataneo dirigia seu exército
através das planícies do Piemonte e ao sopé dos montes em que ele se preparava
para uma guerra, que esperava, extirparia toda a colônia valdense. Os habitantes
das vilas próximas da planície, compreendendo que não poderiam resistir com
êxito, voltaram para suas fortalezas da montanha. Os soldados saquearam suas
casas, e meteram-lhes fogo.
Vendo pouca perspectiva de resistir a tão poderoso exército, os valdenses
enviaram dois de seus homens mais idosos e sábios para negociar com Cataneo.
Eles afirmaram que obedeciam unicamente a Palavra de Deus, e propuseram-se
a renunciar a qualquer doutrina que os padres pudessem provar ser contrária ao
que a Bíblia ensinava. Como eles falassem mansamente, Cataneo pensou que
deviam ser um povo fraco. Assim, zombou deles e mandou-os embora com
terríveis ameaças do que havia de acontecer a menos que se submetessem.
Pensando que não precisavam empregar todo o exército contra gente tão
pacífica e contrária à guerra, dividiu-o em dois bandos separados, pretendendo
mandar cada grupo a um vale diferente. Devia, porém, descobrir que os valdenses
não eram tão fracos com pareciam.
O exército de Cataneo avançou até à cidadezinha de La Torre. Acharam-na
deserta, havendo o povo fugido para os vales mais inacessíveis. Pelo caminho que
ladeava o belo rio de Pelice, continuaram os soldados papais sua jornada, passan-
do por Vilaro e outras vilas enquanto subiam ao vale de Lucerna. Do alto do vale,
foram à cidadezinha de Bóbio, que facilmente tomaram, pois seus habitantes
haviam fugido também para as montanhas. Como os soldados de Cataneo não
haviam encontrado oposição, começaram a considerar-se muito bons soldados.
Enquanto um bando avançava para o vale de Lucerna, o outro voltou-se em
outra direção a fim de destruir os hereges no vale Angrogna, centro do país dos
valdenses.
Entretanto os soldados que haviam tomado Bóbio com tanta facilidade
resolveram subir pela garganta da montanha até Prali, para matar-lhes os habi-
tantes; continuando depois para os vales de San Martin e Perosa. Marchariam
dali para Angrogna e se uniram ao outro ramo do exército. Estaria finda a guerra,
e as montanhas livres de hereges. Estavam certos de que o papa ficaria contentes
e abençoá-los-ia.
Certa manhã, setecentos soldados marcharam de Bóbio, para Prali. À
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medida que os homens galgaram mais alto pela escarpada senda, puderam ver a
vila de onde haviam vindo, lá embaixo as armas nas mãos e tendo sobre si a
pesada armadura, fatigaram-se em breve da subida. Paravam com frequência
para descansar ou refrigerar se com as frescas águas da corrente que lhes atra-
vessava o caminho. Acima deles, elevavam-se os poderosos picos dos Alpes, mas
esses homens não tinham tempo de olhar às belezas da criação de Deus.
Pensavam apenas na vila que em breve iriam atacar, o povo que iriam matar, e
os despojos que haviam de pilhar.
Atingiram finalmente o ponto culminante do passo. Alegres por haverem
terminado a longa ascensão, começaram sua descida, certos da vitória na vila.
Os soldados de Cataneo, porém, não suspeitavam de que os aguçados olhos
de um jovem lá muito embaixo haviam-nos visto a moverem-se, vindo do topo
do desfiladeiro, e ele fizera soar o alarme vale afora. Homens deixaram seu
trabalho e foram correndo de todas as direções. Alguns levavam espadas, outros
machados, outros foices, e outros ainda simples fundas, todos, porém, possuíam
coração valoroso, braços robustos, e firme confiança em Deus. Bem sabiam eles
que sua vida e a de sua mulher e de seus filhos dependiam da ação ousada
daquele dia. Poderiam eles derrotar o exército que, lentamente, descia a
montanha em sua direção?
Os soldados de Cataneo acharam a descida de novecentos metros quase tão
fatigante como havia sido a subida. Quando chegaram afinal ao vale, estavam
grandemente dispersos. Vindo através da floresta, viram eles então os
fortificados valdenses erguerem-se-lhes através do caminho prontos a lutar na
defesa de seus lares.
Soltando um débil brado, os cansados soldados papais precipitaram-se para
seus inimigos, mas tudo em vão. Os valdenses, não só derrotaram os invasores,
como os destruíram. Dos setecentos homens que haviam subido a montanha e
descido sobre Prali, unicamente um fugiu montanha acima nas trevas que se
adensavam. Ali, numa fenda por trás de um banco de neve, ocultou-se ele por
vários dias, até que a fome e o frio o enxotaram afinal para fora. Entrou então,
humildemente na vila de Prali, para lançar-se sobre a misericórdia dos homens
que ele viera matar.
Satisfeitos com sua vitória, os valdenses cuidaram do fugitivo, depois
mandaram-no de volta através da garganta da montanha para relatar ao
comando em Bóbio, que só ele dos setecentos soldados escapara à espada dos
valdenses.
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4 - Deus Envia Uma Nuvem
6 – Ameaça da Saboia
Antes de muitos dias, os valdenses até nas mais remotas vilas ouviram a
tremenda escolha que lhes era oferecida pelo duque de Saboia. Enquanto os
sinos soavam o alarme, homens e mulheres, largavam seu trabalho, reuniam- se
nas praças das vilas para discutir o assunto. Solenemente, apresentaram os
homens mais idosos a questão ao povo.
— Estão vocês dispostos a entregar suas igrejas aos padres, a aceitar-lhes
os ensinos, a renunciar à fé que recebemos de nossos pais?
— Impossível! — bradou o povo. Todavia, caso não se rendessem, que
futuro teriam eles e seus filhos? O duque declarara positivamente que ex-
terminaria os valdenses e daria seus vales a outro povo, caso eles não se
rendessem.
Naquela hora de desespero, o povo pensou naturalmente com anseio em
seus amados pastores. Aqueles bons homens, porém, viviam agora em Pragelas,
do outro lado dos altos e nevados Alpes. Alguém sugeriu que os pastores fossem
convidados a voltar.
— Acham que eles virão? — perguntaram os mais novos — Lembrem-se de
quão mal os tratamos. Recusamos dar-lhes ouvidos quando nos advertiam contra
aceitar os termos de La Trinita.
— Certamente eles voltarão — asseguravam os mais idosos — Eles dariam
a vida por nós, se necessário fosse.
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— Mandemos então buscá-los imediatamente. Se tivermos de morrer,
pereçamos todos juntos. Eles trarão consigo a bênção de Deus. Quem sabe se
Deus não operará em nosso favor e nos livrará como fez a nossos pais?
Assim, mensageiros atravessaram os Alpes. Os pastores não hesitaram em
atender ao chamado de seu povo. De volta pelas montanhas seguiram eles os
mensageiros e mais uma vez tomaram o cuidado das vilas.
— Esta é a oportunidade de mostrar ao mundo que somos homens
verdadeiros, exortaram. Lembrem-se de que servimos o poderoso Deus do Céu,
que ajudará Seu povo agora com a mesma boa vontade com que ajudou aos
israelitas outrora pelo Mar Vermelho.
Não mais falou o povo em render-se. Os pastores convocaram uma grande
reunião geral. Uma vez que todo o povo não se podia ajuntar em uma casa de
reunião, uniram-se na floresta. Ali resolveram lutar unidos por seus lares e sua fé.
Purificaram primeiro suas igrejas usadas por meses pelos padres que La
Trinita espalhara pelos vales. Destruíram toda imagem, pintura e vela. Então os
pastores entraram e pregaram a Palavra de Deus ao povo.
Passavam os dias da semana a preparar-se para a grande luta que lhes
estava adiante. Todo o dia e muitas vezes até altas horas da noite, o povo tra-
balhava ainda. Toda casa se tornou uma fábrica em que faziam mosquetes, balas,
espadas, lanças, e mesmo arcos e flechas. Fizeram barricadas ao longo dos trilhos
das montanhas, as quais deteriam qualquer exército que procurasse entrar nos
vales.
Um grupo de valdenses desceu ao vale para purificar o templo de Vilaro.
Encontraram, de caminho o primeiro bando dos soldados e La Trinita, marchando
vale a dentro para receber a rendição dos hereges. Seguiu-se uma luta breve e
intensa, e os valdenses derrotaram os soldados, que fugiram para Vilaro. Os
valdenses seguiram-nos e sitiaram-nos. Em vão enviou La Trinita três bandos de
soldados para libertarem seus homens. No décimo dia de cerco, os soldados
renderam-se. Os valdenses pouparam-lhes a vida e escoltaram-nos até La Torre.
La Trinita ficou furioso quando soube da perda de Vilaro, e decidiu lançar
uma vigorosa campanha. Primeiramente, porém, tentou sua velha astúcia,
mandando emissários com oferta de paz aos valdenses, caso eles satisfizessem
certas condições. O povo, todavia, não se deixaria enganar na segunda vez, e os
mensageiros voltaram para contar que os valdenses estavam preparados para
lutar.
Os valdenses sentiam-se agora prontos para o ataque que aguardavam a
qualquer hora. Coloram espias nos cimos da montanha para observar os
movimentos do inimigo. Organizaram “esquadrões volantes”, grupos de homens
prontos a precipitar-se para qualquer ponto atacado no momento em que
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tivessem notícia. Com cada um desses grupos iam dois pastores que oravam com
os dados antes da batalha. Esses pastores cuidariam também dos feridos, orariam
pelos moribundos, e estimulariam os valdenses a serem misericordiosos no dia
da vitória.
Sabendo que nunca poderiam esperar defender todos os seus vales, a maior
parte da nação reuniu-se uma vez mais no vale de Angrogna. Com eles, foram
suas mulheres e filhos, gado, cabras, ovelhas, toda a comida que lhes foi possível
carregar.
Sabendo que, se pudesse conquistar esse vale, isto da luta seria fácil, La
Trinita resolveu fazer aí seu primeiro ataque. Por um dia inteiro batalhou seu
exército próximo à entrada daquela grande fortaleza, buscando derrotar os
defensores do desfiladeiro. Ao pôr-do-sol, reconheceu o conde que seus soldados
não haviam feito nenhum progresso, se bem que muitos houvessem sido mortos.
Na manhã seguinte, fez retirar as tropas, e discutiu com os capitães o que deviam
fazer.
Duas semanas mais tarde, ele estava para fazer novo ataque. Desta vez, o
exército entraria no vale de três direções. Um dos corpos de soldados marcharia
pela garganta do Rio Angrogna. O conde esperava que todos os valdenses
precipitar-se-iam para combater aquele grupo. Enquanto isso, outra tropa
atravessaria as montanhas e entraria no vale do lado leste, enquanto um terceiro
grupo, desceria do lado do norte. Caso um ataque falhasse, estava ele certo, um
dos outros havia de ter êxito.
Na manhã do ataque, espias valdenses viram primeiro o grupo que
marchava pela estreita garganta acima, e deram o alarme. Seis jovens valdenses
correram ao ponto ameaçado, e esperaram. Assim que os soldados de La Trinita
apontaram, as espingardas dos valdenses dispararam com tão quente fogo em
cima da subdivisão do regimento, que os invasores detiveram-se confusos. Na
estreita garganta não podiam andar mais de dois soldados ao lado um do outro.
Enquanto os soldados de La Trinita caíam diante das espingardas dos seis
valdenses, foi-se amontoando um muro de homens mortos. O pânico apoderou-
se então dos que ainda se encontravam no desfiladeiro, e ficaram
impossibilitados de avançar. Incapazes ficaram eles na apertada trilha, ouvindo
os estampidos dos mosquetes ecoando nas paredes da passagem. Não podendo
suportar por mais tempo a terrível tensão, sacudiram de si as armas e, com gritos
de terror fugiram de volta pelo caminho por que tinham vindo.
De repente, soou outro alarme. Um dos espias viu outro contingente que
marchava montanha acima pela garganta para entrar em Angrogna ao lado de
leste. Um segundo grupo de valdenses precipitou-se encostas acima, atacou os
invasores, forçou-os à fuga, montanha abaixo.
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Entrementes, o terceiro grupo galga ainda ouro desfiladeiro de montanha,
tentando penetrar no vale do lado do norte. Mais uma vez se fez ouvir o alarme
dos espias, mas a essa altura os valdenses já tinham poucos soldados disponíveis
para mandar contra a nova ameaça. Sabendo que os invasores precisariam de
passar por estreito desfiladeiro antes de penetrar no vale, eles se espalharam em
emboscadas ao redor da boca da passagem. Fatigados e sem fôlego devido à
longa ascensão e íngreme descida, surgiram do desfiladeiro os invasores. Perante
eles, jazia o belo vale. Lançando-se para a frente, exclamaram uns para os outros:
— Apressemo-nos! Apressemo-nos, Angrogna nossa!
Então, saltando de sua emboscada de todos os lados dos assustados
invasores, os valdenses caíram-lhes em cima como um redemoinho. Sabendo que
valdenses tinham menos soldados que eles, os piemonteses lutaram
desesperadamente, e a batalha prosseguiu furiosa. De súbito, porém, os
valdenses, e haviam sido vitoriosos em outros pontos do vale vieram
apressadamente em auxílio de seus irmãos. Derrotaram os soldados de La Trinita,
matando muitos e dando caça aos restantes na subida monte que havia pouco
tinham atravessado.
O conde, furioso de que todos os três contingentes de seus ataques
houvessem sido derrotados, zomba de seus homens.
— Que há com vocês — perguntou — Aqueles valdenses não são soldados,
são simples lavradores que não sabem lutar!
— Se aqueles homens não sabem lutar, nesse caso tampouco nós! —
responderam os homens.
Mais uma vez La Trinita retirou seu exército para as planícies do Piemonte.
Resolveu esperar reforços antes de tentar novamente. Não teve muito que
esperar. O rei da Espanha mandou um regimento; o mesmo fez o da França. De
repente, ele tinha sete mil homens. Pondo em movimento seu exército, partiu
novamente para as montanhas, determinado a apagar a desonra de suas derrotas
anteriores.
Dirigiu pela terceira vez o principal ataque contra o vale de Angrogna. Um
domingo de manhã, toda a comunidade valdense reuniu-se para adorar em vasta
encosta relvosa. O vale ecoava aos sons dos hinos entoados pelo povo. Outra vez
os pastores liam-lhes as promessas de Deus. Mais uma vez eles prometeram
nunca renegar sua fé.
Súbito, um jovem espia correu sem fôlego para o ajuntamento dos fiéis,
indicando as montanhas circunvizinhas. Olhando para o alto, viram os valdenses
os soldados de La Trinita penetrando no vale de três direções ao mesmo tempo.
Alguns valdenses apressaram-se em direção ao lugar em que a escura
garganta do Angrogna abria-se para o vale, e aí detiveram um grupo dos invasores
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e fizeram-nos voltar atrás. Fortes barricadas erguidas anteriormente pelos
valdenses esbarraram os outros dois grupos. Enquanto os homens de La Trinita
lutavam para atravessar as barricadas, os valdenses lutavam para empurrá-los
para trás. A batalha prosseguiu por horas, e ao fim do dia os soldados
compreenderam que sua tentativa de penetrar no vale fracassara mais uma vez.
Haviam morrido na batalha alguns do mais bravos capitães de La Trinita. O
próprio conde, presente ao combate, segundo dizem, sentou-se e chorou ao ver
amontoados os corpos de seus soldados mortos. Nunca mais zombou ele de seus
homens por não haverem derrotado os simples montanheses. Quietamente, fez
La Trinita a retirada de seu exército, voltando à planície.
Desanimado, desejava o conde não haver nunca empreendido conquistar
os hereges. Resolveu, porém, fazer um derradeiro esforço para restaurar sua
reputação perdida. Por sugestão sua, o duque de Saboia solicitou que os
valdenses enviassem deputados a Turim para discutir termos de paz com seu
príncipe.
Por esse mesmo tempo, La Trinita reuniu todos os seus soldados e conduziu-
os em marcha noturna mais uma vez para Del Tor, esperando surpreender os
valdenses. Com seus deputados discutindo termos de paz em Turim, não seria
provável que estivessem suspeitando ataques. Dando uma palavra de animação
a cada um de seus capitães, La Trinita enviou seu exército uma vez mais pela
estreita garganta de mais de três quilômetros que conduzia ao vale que ele por
meses tentara capturar.
Haviam terminado os serviços religiosos matinais, e os valdenses iam-se
espalhando para seus vários deveres, quando um grito de advertência soou nos
ares.
— O desfiladeiro! O desfiladeiro! Soldados vêm subindo pelo desfiladeiro!
Sem tempo para reunir todo o contingente valdense, um punhado de bravos
montanheses pegou seus mosquetes e correu ao ponto de maior perigo. Quando
os primeiros dois inimigos foram entrando no vale, saídos da boca da garganta,
os valdenses atiraram, derrubando-os. Os dois seguintes tombaram do mesmo
modo, em cima dos seus companheiros. Depois, mais dois. Calmamente, os
valdenses continuaram atirando e carregando outra vez seus mosquetes. Mais e
mais alto se foram empilhando os mortos, até que os soldados no desfiladeiro
não podiam avançar.
Como nos anos anteriores, alguns valdenses treparam pelas encostas da
montanha ao lado da estreita passagem. Não tardou, grandes pedras vieram
rolando em cima dos soldados piemonteses, esmagando dúzias deles onde se
encontravam. Não é de surpreender que mais uma vez se apoderasse dos
restantes terrível pânico. Tentaram fugir, mas era demasiado estreito o trilho.
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Dezenas e dezenas de soldados foram empurrados pela borda do penhasco para
a morte nas rochas que ladeavam a corrente.
La Trinita e seus oficiais acampavam a uns três quilômetros de distância.
Quando seus soldados haviam partido na noite anterior, ele fizera votos para que
antes de o dia terminar, eles tornassem rubras as águas do rio com o sangue dos
valdenses. Por volta da metade da manhã, chegou a ele um de seus homens em
grande excitação.
— O Angrogna está se tingindo de vermelho! Bradou.
— É o sangue dos hereges, explicou o jubiloso general. Pra Del Tor caiu, e o
sangue dos hereges corre pelo rio!
Não tardou muito, porém, alguns soldados que haviam escapado da
garganta entraram cambaleando no acampamento piemontês, levando a notícia
da destruição de outro exército. Uma vez ainda La Trinita aprendeu que seus
esforços para entrar no vale de Angrogna haviam fracassado. O sangue no rio era
o de seus próprios soldados. Naquele mesmo dia reuniu os restantes de seus ho-
mens, e partiu. Nunca mais voltou.
As conversas de paz continuaram, e no fim o duque de Saboia deu por
terminada a guerra. Não mais insistiu para que o povo que ele não lograra vencer
voltasse para a igreja de Roma. Devolveu-lhes todas as suas terras.
Quase um século se passou antes que fosse feito outro grande esforço para
destruí-los. Volvamos agora a duzentos anos atrás, e vejamos o que haviam
estado a fazer os valdenses em outra parte da Itália.
9 - Tempestades e Pragas
13 - Um Povo no Exílio
Profunda era a neve nos vales alpinos por uma funesta manhã de janeiro de
1686. A fumaça que ascendia das chaminés em muitas vilas, indicava que as
famílias se estavam aquecendo ao redor de suas lareiras. Subitamente, um toque
de buzina rompeu o silêncio da solidão hibernai. Pessoas sobressaltadas,
correndo às portas viram um soldado montado encaminhar-se para a casa de
oração, saltar do cavalo, e afixar uma longa folha de papel à porta. Saltando em
seguida na sela, galopou afastando-se de caminho para a próxima vila.
Os valdenses sabiam que o homem devia ser um emissário do governo de
Sabóia. Que notícia poderia ser suficientemente importante para trazê-lo aos
vales em um tal tempo? Os homens envergaram seus sobretudos e calçaram as
botas, e foram à porta da igreja para ler o papel, um edito emitido pelo duque de
Sabóia.
Um dos anciãos da vila começou a ler em voz alta. O documento compunha-
se de nove parágrafos, cada um deles qual lança atravessando o coração do povo.
O primeiro rezava simplesmente: “Os valdenses cessarão daqui em diante para
sempre todos os exercícios de sua religião.” Um surdo gemido escapou dos
ouvintes. O homem prosseguiu na leitura. Eles estavam proibidos de ter reuniões
religiosas sob pena de morte e de confisco de todos os seus bens. Todos os seus
antigos privilégios eram abolidos. Todas as igrejas, casas de oração e outros
edifícios consagrados à pregação da heresia seriam destruídos. Todo pastor e
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professor precisava tornar-se católico dentro de quinze dias, ou deixar o país para
sempre. Toda criança precisava ser criada como católica romana. Todos os
protestantes estrangeiros precisavam tornar-se católicos ou deixar o país dentro
de quinze dias. Os que se recusassem teriam permissão de vender suas
propriedades a católicos antes de partir.
Por vários meses os valdenses haviam cogitado por que soldados
piemonteses se estavam ajuntando ao longo de sua região. Começaram agora a
suspeitar de que esses soldados haviam sido reunidos a fim de forçá-los à
submissão ao edito do duque. Chegara-lhes aos ouvidos também que um grande
exército bloqueava o caminho de saída dos vales para o oeste. Como poderiam
eles olhar ao futuro com esperança? Como poderiam defender seus lares contra
tão poderosos inimigos? Mas como poderiam vender suas propriedades e viajar
para novos lugares no inverno?
Por todo o país o povo reunia-se em suas casas de oração para falar acerca
dessas tribulações. Os pastores exortavam-nos a manter a calma e não fazer coisa
alguma em precipitação. Mensageiros rápidos voaram em esquis pelas nevadas
montanhas, levando as notícias do perigo que enfrentavam a seus amigos
protestantes na Suíça.
Outro grupo de mensageiros foi a Turim a fim de protestar ao duque, e
rogar-lhe que suspendesse o edito. Lembraram a seus funcionários que haviam
servido fielmente na recente guerra contra Gênova. Lembraram-lhes o tratado
de paz havia pouco assinado, pelo qual lhes era assegurado que todos os seus
antigos direitos e privilégios seriam respeitados. Não honraria o príncipe sua
promessa?
A todas as suas alegações fez o duque ouvidos moucos, recusando-se
mesmo a ver os representantes. Talvez se sentisse envergonhado de suas ações.
A ameaça de Luiz XIV de tomar-lhe os vales não lhe saía da mente. Concordou,
porém, em adiar a execução do edito por algumas semanas a fim de dar tempo
aos valdenses para conseguir vender suas propriedades.
Entretanto, grupos errantes do Piemonte, impacientes por começar a obra
de extermínio, começaram a saquear e matar nas colônias mais próximas das
planícies. Igualmente soldados franceses então aquartelados em Pinerolo mal
podiam ser contidos.
As novas dos valdenses perturbaram grandemente os suíços protestantes.
Vários de seus homens mais capazes atravessaram os Alpes para conferenciar
com eles. Outros enviados suíços foram a Turim protestar e procurar persuadir o
duque a não executar o tremendo edito. Foram dirigidos ao marquês de San
Tomaso, que devia responder pelo duque.
A princípio, San Tomaso insistiu em que a falta estava com os valdenses que
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haviam pegado em armas contra seu legítimo governador. Os enviados suíços,
porém, rejeitaram-lhe a resposta. Premido para dar uma resposta verdadeira, San
Tomaso reconheceu afinal que a pressão da França era a razão real do edito.
Tomando os suíços à parte, sugeriu que aconselhassem os valdenses a submeter-
se ao edito. Que eles fossem à missa e pusessem seus filhos sob a instrução de
padres católicos por algum tempo. Assim que eles houvessem satisfeito o rei
francês, o duque poderia quietamente permitir-lhes voltar sem ser molestados a
suas práticas religiosas.
Os suíços, no entanto, sabiam que os valdenses não concordariam em
abandonar sua fé, mesmo por um pouco de tempo. Com tristeza, voltaram os
enviados, e relataram aos valdenses o fracasso de sua missão.
Representantes de todos os vales reuniram-se em Chiasso, a 23 de março
de 1686, para tratar da situação. Os suíços indicaram a impossibilidade de resistir
aos exércitos bem treinados da Sabóia e da França.
— Como poderão combater contra seus canhões? — perguntaram.
— Estão cercados por todos os lados pela terra dos inimigos. Não há nação
que possa mandar auxílio. Com menos de três mil homens, como enfrentar trinta
mil soldados piemonteses e franceses, alguns dos quais são reconhecidos como
os melhores da Europa?
Eles continuaram a sugerir que os valdenses desistissem de qualquer idéia
de resistência, mas deixassem sua terra natal e se estabelecessem na Suíça ou
entre os Estados protestantes da Alemanha, onde poderiam viver em paz e
conservar sua antiga fé.
Talvez o conselho fosse bom, mas os valdenses não podiam encontrar em
seu coração lugar para ele. Como poderiam eles deixar as montanhas que haviam
sido sua pátria por oitocentos anos? Além disso, não estariam lutando sozinhos.
Lembravam-se das muitas vezes, no passado, em que um punhado de seus
lavradores-soldados, haviam derrotado poderosos exércitos inimigos. Lembra-
vam-se também do grande massacre de vinte e cinco anos atrás, e de como
Cromwell, o poderoso governador da Inglaterra, havia interferido e posto fim à
matança. Haviam sido então salvos do extermínio. Não poderia isso acontecer
outra vez?
Com tristeza indicaram os suíços que as condições da Inglaterra haviam
mudado. Tiago II, católico romano, ali reinava agora. Portanto nenhum auxílio se
poderia esperar daquele país. Todo esforço feito pelas potências protestantes da
Europa a fim de refrear o poder do rei francês, havia sido em vão. Luiz XIV tinha
quatrocentos mil soldados em seus exércitos. Que nação europeia podia esperar
desafiar tal força ou sequer ousaria fazê-lo a fim de salvar um punhado de gente
que vivia em distantes vales alpinos?
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Os valdenses saíram da reunião sem haver chegado a uma conclusão
definida. Alguns sentiam- se plenamente determinados a resistir até à morte às
tropas invasoras estacionadas nas fronteiras. Outros acreditavam ser
desesperada a situação. Sentiam-se aturdidos pela magnitude do perigo que os
ameaçava.
Um mês depois dessa reunião, os inimigos avançaram. O exército francês
sob o comando do famoso general Catinat, penetrou no vale de S. Martin,
enquanto os soldados do duque entravam no vale de Lucerna. Tomaram de
surpresa algumas vilas e mataram centenas de pessoas. Em outras regiões, os
valdenses ergueram barricadas e fizeram recuar o inimigo pelo momento.
Sabendo por experiência do passado que qualquer campanha travada nas
fortalezas naturais dos valdenses seria longa e amarga, os comandantes
piemonteses e os franceses queriam experimentar uma aproximação diferente.
Talvez pudessem persuadir o povo a depor as armas sem lutar.
Em San Germano, o general francês anunciou ao povo do lugar que seus
irmãos do vale de Lucerna haviam deposto as armas, e sido inteiramente
perdoados pelo duque. Agora, eles só, de todos os vales, mantinham-se firmes
contra os soldados de seu governo, e ele os convidava a entregar-se.
O povo de San Germano, sendo claro que sozinhos não poderiam enfrentar
tais inimigos, depuseram as armas, e os franceses entraram ali. Em lugar de paz,
um massacre de centenas de homens, mulheres e crianças, eis o que se seguiu.
Os que não foram mortos ou torturados, foram levados ao Piemonte para serem
distribuídos entre as prisões nas cidades da planície. Algumas crianças foram
colocadas em mosteiros e conventos.
Dessa maneira, os exércitos submeteram os vales um a um. Dentro de
poucas semanas, a terra estava vazia de seus habitantes. Finalmente, os vales
estavam silenciosos. Não mais subia a fumaça de suas chaminés. Os animais
haviam todos sido mortos ou tocados para fora. Os bens do povo, haviam sido
saqueados. As igrejas, profanadas, e muitas delas totalmente destruídas.
A Europa protestante ouviu com horror as notícias desse novo ultraje contra
os valdenses. Protestos foram enviados da Alemanha em particular. Os suíços
mandaram outra delegação ao duque de Sabóia, alegando que um povo tão
antigo como os valdenses não se devia permitir desaparecesse da face da Terra.
Seis meses depois que os valdenses haviam sido tangidos para as prisões do
Piemonte, o duque resolveu ceder aos pedidos da Europa protestante e libertar
os que ainda viviam. Mas, decidiu, não deviam voltar a seus vales. O povo devia
ir para o exílio, para nunca mais voltar.
Doze mil robustos montanheses amantes da liberdade, haviam entrado nas
escuras prisões de seu príncipe. Haviam, por seis meses, vivido e morrido em
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horríveis condições. A comida que lhes era dada, achava-se muitas vezes meio
apodrecida, e nem mesmo dessa comida tinham eles suficiente para lhes manter
a vida a todos. Não tinham camas em que dormir — simplesmente montes de
palha estragada, pululantes de milhares de insetos e espalhados no chão úmido.
Não tinham cobertores. O verão transformara-se no inverno, e insuportável era
o frio. Milhares morreram das privações sofridas naquelas prisões. Ao se abrirem
finalmente as portas, dos doze mil que ali haviam penetrado, menos de três mil
arrastaram-se para fora.
A alegria dos valdenses ao serem postos em liberdade foi bem depressa
ensombrada ao saberem que não poderiam voltar aos vales natais, mas deixar
sua terra para sempre. A Suíça, foi-lhes dito, recebê-los-ia, e talvez a seu tempo
eles pudessem ir para outros países.
— Quando precisamos ir? — indagaram os dirigentes valdenses.
— Imediatamente — responderam friamente os oficiais.
O povo tremeu ante a expectativa. Dezembro ia adiantado, e profunda era
já a neve que bloqueava os passos das montanhas. Como poderiam as mulheres
e crianças atravessar as poderosas trincheiras de neve e rocha? Não poderia seu
exílio ser adiado até a primavera? Rogaram a permissão de permanecer no país
por uns poucos meses.
Vítor Amadeu recusou o pedido. Concordou em prover o povo com um
pouco de pão. Então, tangidos pela guarda de soldados, a desamparada multidão
foi caminhando para fora de Turim, dirigindo-se para o norte, em direção às
montanhas. Enquanto subiam, caiu sobre eles uma tempestade. Quem poderia
descrever os horrores daquela noite. Fracas mulheres e crianças tropeçavam na
neve, e caíam para nunca mais se erguer. Os outros prosseguiam para diante,
para cima, galgando enfim o cimo. Ali os guardas os deixaram descer o outro lado,
aos cantões suíços. Os que chegaram finalmente à Suíça, somavam apenas dois
mil e seiscentos.
A notícia de que os valdenses vinham chegando, difundiu-se celeremente
de uma a outra cidade da Suíça. Pessoas de coração bondoso saíram-lhes ao
encontro, levando alimento e roupas. Seu coração derreteu-se ao verem
caminhar os lastimáveis refugiados, arrastando-se pela estrada, alguns com mãos
e pés ulcerados pelo frio, mães com criancinhas nos braços ou nas costas, tão
debilitadas de fome e de fadiga, que mal podiam mover os passos. Suas roupas,
apodrecidas na longa estada nas prisões piemontesas, pendiam-lhes em farrapos
do corpo. O povo suíço ofereceu-lhes alimento, porém muitos sentiam-se
demasiado fracos para comer. Os robustos braços dos suíços levaram as crianças
e as pessoas idosas para abrigos aquecidos.
Genebra em particular manifestou maravilhoso espírito cristão para com os
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exilados. Quase metade da cidade afluiu ao encontro deles, e entre os que foram
achava-se o idoso Giavanelo, que fora exilado dos vales pelos termos do tratado
de paz assinado vinte e cinco anos antes. Ao olhar o lamentável remanescente de
seu povo, ergueu a voz e chorou. Para alguns dos valdenses, o livramento viera
demasiado tarde. Alguns na verdade caíram e morreram às portas de Genebra.
Os cidadãos suíços acolheram da melhor maneira os refugiados em suas
cidades. Muitos dos lares ali ainda estavam apinhados com os refugiados
huguenotes que haviam vindo em grande número pelas fronteiras da França
apenas dois anos atrás. Não obstante, não mandaram de volta nenhum valdense
necessitado de abrigo e hospitalidade.
14 - A Volta Gloriosa
15 - Defesa de La Balsiglia
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Livro reeditado para uso particular e sem fins lucrativos, por Pr. Flávio Borges Lima.
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