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Mayra Scremin
1 INTRODUÇÃO
Com o advento da Ilustração no fim do século XVII e início do século XVIII surge a
valorização da razão como instrumento de eficácia dos objetos de conhecimento. Com a
possibilidade do próprio homem escolher o que deve ou não ser aceito como verdadeiro,
através da comprovação científica, diz-se que aflora nesse momento a exaltação da
subjetividade, isto é, o homem, porque dotado de racionalidade, é um ser praticamente
“imbatível”. Na modernidade, pois, verifica-se o fortalecimento da subjetividade, eis que se
a razão governa o mundo, significa que o poder de comando está no homem que a
detém, e não em explicações transcendentais como outrora.
O sujeito é dito “imbatível” porquanto capaz de alcançar tudo o que almejar mediante a
racionalidade; não há mais limites para a extensão do conhecimento humano. A
modernidade apresenta suas propostas, quais sejam, a individualidade, a autonomia e a
universalidade, como frutos da razão.
O presente trabalho acadêmico pretende, diante do que fora supra mencionado, tecer
considerações acerca da Ilustração e sua importância para o surgimento da razão em
substituição da fé, esclarecer em que consistiam as promessas da modernidade e
analisar se tais promessas foram cumpridas, utilizando a perspectiva teórica da Escola de
Frankfurt.
Urge ressaltar que não se tem a pretensão de esgotar o tema, apresentando apenas
linhas gerais sobre esses assuntos, haja vista a vastidão de conteúdos inseridos nesses
três momentos de estudo. Também importa frisar que a pesquisa tem como principal
objeto a razão e sua passagem do momento em que é emancipatória para o momento em
que é dita instrumental; assim, os autores escolhidos como merecedores de maior
atenção tanto do Iluminismo, como do movimento da Escola de Frankfurt são os que
abordaram de forma especial essa questão, não significando que tenham sido os únicos
pensadores existentes no referido momento, tampouco que tenham maior importância em
relação aos demais.
Em fins do século XVII e início do século XVIII, a Europa vivia no Antigo Regime, cuja
estruturação era de economia agrícola, política absolutista e sociedade organizada em
clero, nobreza e povo.
O Estado, que antes fora visto como uma aproximação terrena de uma ordem eterna, com
a cidade do homem modelada na cidade de Deus, passou a ser considerado como um
arranjo mutuamente benéfico entre os homens, voltado para a proteção dos direitos
naturais e do interesse próprio de cada um. O Estado torna-se objeto de críticas por
vários intelectuais que demonstravam forte anseio de liberdade e anunciavam um novo
Estado, condizente com o progresso cultural e científico em andamento. O Iluminismo,
portanto, se fez crítico, reformista e revolucionário contra o Estado autoritário.
2.2 A ILUSTRAÇÃO
No século XVIII ocorre o rompimento com as formas de explicação dos fenômenos pela
dedução e pela derivação sistemática, buscando um novo método fundado na
calculabilidade e na análise racional. Diversamente da ordem anterior em que a razão é
regra anterior aos fenômenos, essa passa a ser demonstrada nos próprios fenômenos; a
observação é o dado e o princípio é a questão.
Com o movimento da Ilustração, em que ocorreu o apogeu das idéias iluministas, ocorreu
o afastamento da estrutura e do funcionamento do Antigo Regime. Esse novo
pensamento cultivado pela França no século XVIII espalhou-se por toda a Europa e
chegou às Américas. De Portugal até a Rússia as idéias do Iluminismo tornaram-se mais
e mais conhecidas por força de transformações ocorridas nesses países, mas também
por influência das “idéias francesas”.
O século XVIII ficou conhecido como “Século das Luzes”, querendo o termo “luzes”
demonstrar a capacidade de conhecer do homem mediante a razão, não estando mais
limitado ao saber dos dogmas e aprisionado na escuridão do desconhecimento. O século
XVIII é representado por uma força criadora única que é a razão, a qual, nos dizeres de
CASSIRER significa “o ponto de encontro e o centro de expansão do século, a expressão
de todos os seus desejos, de todos os seus esforços, de seu querer e de suas
realizações”.[1]
O principal redator foi Denis Diderot, francês que estudara lógica, física, moral,
matemática, metafísica, além de grego, italiano e inglês.
Vale dizer que no século XVII a razão é tida como um conteúdo determinado de
conhecimentos, de princípios e de verdades, porém, passa a ser compreendida como
uma forma de aquisição, como uma energia que possibilita a conquista do conhecimento.
Com tal explicação não se quer firmar que houve uma ruptura do pensamento do século
XVII para o do século XVIII; ao contrário, o que se vislumbra é uma continuidade, pois as
pressuposições que tinham sido fixadas pela lógica e pela teoria do conhecimento do
século anterior auxiliam para o surgimento do novo ideal do saber do Século das
Luzes.
O vínculo entre Ilustração e ciência foi eminentemente dialético: a ciência forneceu armas
à Ilustração em sua campanha anti-religiosa, e a Ilustração incentivou o progresso e a
independência do saber científico. Nesse sentido HORKHEIMER e ADORNO expõem que
“o despertar do sujeito é pago pelo reconhecimento do poder como princípio de todas as
relações. Frente à unidade de uma tal razão, a diferença entre Deus e o homem é
reduzida àquela irrelevância que a razão já indicara resolutamente, desde a mais antiga
crítica homérica. O Deus criador e o espírito ordenador são iguais entre si enquanto
senhores da natureza”.[5]
A religião cristã foi fadada de irracional e contrária à natureza humana, haja vista a
corrupção do clero e a forte ligação do catolicismo ao absolutismo de direito divino e aos
privilégios feudais.
Para criar um mundo humano regido pela razão, era necessário afastar o fanatismo e a
superstição. A Ilustração acaba de laicizar a vida. A campanha anti-religiosa ajuda a
libertar a atividade científica de todos os entraves impostos pela religião.
ROUANET[6] entende que a Ilustração tentou emancipar grupos, e não só os indivíduos
separadamente, como os negros, os judeus e as mulheres. A Ilustração condenou o anti-
semitismo[7] e o machismo. Os filósofos eram feministas, pois contestavam a existência
de qualquer diferença entre os sexos, além das anatômicas, e acentuavam o caráter
ideológico de chavões sobre a especificidade da alma ou da natureza feminina,
racionalizações pseudobiológicas para justificar a opressão masculina. Se a mulher não
cultiva sua razão é porque foi condicionada para não pensar.
Assim, o século XVIII é caracterizado pelo otimismo que pairava na sociedade, decorrente
do fim da ignorância, da superstição e da desigualdade.
Assim, a razão não é mais concebida como repositório de verdades eternas, mas antes
como fonte de energia intelectual. Os filósofos do Iluminismo renunciam a pretensão
sistemática do século XVII e trabalham com outro conceito de verdade e de filosofia,
entendidas como construções livres e móveis, concretas e vivas, devendo a razão ser
vista como um caminho que deveria ser percorrido por todos os homens.
Entendeu-se, pois, necessária, ainda que de maneira singela, a explicitação específica do
pensamento dos autores que seguem para que possa ser melhor demonstrada a
significação da razão no século XVII (mediante as idéias de Descartes) e no século das
Luzes (mediante as idéias dos enciclopedistas já vislumbradas, de Voltaire e de Kant e do
pensamento original de Rousseau).
A busca de Descartes era de uma verdade primeira que não pudesse ser posta em
dúvida. Assim, ele converte a dúvida em método. Seu pensamento baseia-se na dúvida
de absolutamente tudo, tendo fim esse incessante questionamento diante do seu próprio
ser que duvida. Daí a conclusão de que “se duvido, penso; se penso, existo”, que dá
origem a sua famosa premissa “penso, logo existo”. Esse cogito cartesiano demonstra o
caráter absoluto e universal da razão que apenas com suas próprias forças pode chegar a
descobrir todas as verdades possíveis. Defendeu, assim, a universalidade da razão como
o único caminho para o conhecimento. Verifica-se que o método cartesiano pretende
garantir que as imagens mentais correspondam aos objetos a que se referem e que são
exteriores a essa mesma razão.
Nascido em Paris, François Marie Arouet era de família da pequena nobreza, de espírito
sátiro, pretencioso e malicioso. Após ter sido preso na Bastilha mais de uma vez, é
exilado da França por se meter em confusões, indo para a Inglaterra, fato que o torna
grande propagandista do pensamento inglês no continente, difundindo a teoria empirista
de John Locke e a nova visão de mundo proveniente do método experimental-matemático
de Newton. Mais tarde vai a Prússia a convite de Frederico II, mas por publicar escritos
polêmicos é expulso também de lá. Passa por Genebra, incompatibilizando-se com
Rousseau, tendo que se mudar novamente. Por fim, vai para Ferney, onde viveria quase
até o fim da vida, cuidando de sua propriedade rural e escrevendo muito em defesa das
idéias liberais e contra a Igreja Católica. Suas críticas e lutas pelos ideais da razão e da
liberdade o tornaram conhecido e renomado publicamente.
Não era um filósofo propriamente dito porque não inovava no campo abstrato, mas
tomava os ideais de filósofos que o agradava e defendia, buscando convencer de que
aquele era o pensamento correto.
Seu pensamento ético e social parte da crítica à teoria de Pascal de que os homens são
malvados e infelizes, acreditando no aprimoramento do homem e buscando
incessantemente o valor que considerava primordial: a justiça.
São categorias tratadas por Voltaire o empirismo, o ceticismo, o deísmo, a religião natural
e o humanismo ético. É presente em sua convicção a existência do mal, passível de
superação mediante a razão e o trabalho, em contraposição ao otimismo metafísico.
Seu pensamento era uma exceção entre os iluministas porquanto criticava a burguesia e
a propriedade privada[8] que, segundo ele, era a raiz das infelicidades humanas. Na
sociedade ideal de Rousseau, a vontade do povo deve expressar-se sempre mediante o
voto e essa vontade, necessariamente justa, deve prevalecer sobre qualquer outra
consideração. Defendia o sufrágio universal, pois segundo sua concepção “o que a
maioria decide é sempre justo no sentido político e torna-se absolutamente obrigatório
para cada um dos cidadãos”.
Ao contrário dos demais iluministas, achava que o sentimento era fonte e direção para o
conhecimento e a felicidade humana, era o instrumento de penetração na essência da
interioridade. Isso porque constatava a perda de consciência do homem culto pela
ostentação da inteligência e da cultura. Para ele, a conquista intelectual verdadeira
realiza-se na luta contra os obstáculos e na atividade criadora do espírito livre de
pressões. Via a liberdade como bem supremo do homem. O que Rousseau pregava era
deixar de lado as convenções da razão civilizada e imergir no fundo da natureza mediante
o sentimento. Essa imersão mística no infinito da natureza equivale a penetrar na própria
interioridade, alcançar a consciência da liberdade e atingir o sentimento íntimo da vida,
com o qual o homem teria consciência de sua unidade com os semelhantes e com a
universalidade dos seres.
Acreditava também no aperfeiçoamento humano, mediante a educação, reforçando sua
concepção do “bom selvagem”, a bondade natural do homem investindo contra a
sociedade de seu tempo. A vida do homem primitivo seria feliz porque ele sabe viver de
acordo com suas necessidades inatas. Para ele, desde suas origens o homem natural é
dotado de livre arbítrio e sentido de perfeição.
Suas idéias foram aceitas pelas camadas populares e pela pequena burguesia, pois
atendia às expectativas de um Estado democrático.
Para Kant, a vontade do indivíduo não é determinada nem por uma normatividade
imposta pela natureza, nem pela busca do interesse individual ou coletivo, mas sim pela
própria razão, a qual, em seu uso teórico permite o conhecimento e em seu uso prático
determina a ação. Seu “imperativo categórico” afirma a autonomia da vontade como único
princípio de todas as leis morais e essa autonomia consiste na independência em relação
a toda a matéria da lei e na determinação do livre arbítrio mediante a simples forma
legislativa universal de que uma máxima deve ser capaz.
É conhecida a diferenciação que Kant faz do uso privado e público da razão. Quando o
indivíduo se expressa como funcionário de uma instituição secular ou religiosa, tendo
limitações decorrentes do cargo, faz uso privado da razão. Será considerado uso público
da razão quando o indivíduo se expressar na qualidade de intelectual, perante os leitores,
não tendo nenhuma limitação.
03 AS PROPOSTAS DO ILUMINISMO
3.1 UNIVERSALIDADE
A universalidade significa que o pensamento deve ser universal, sem fronteiras, atingindo
de forma igual a todos os seres humanos e condenando nacionalismos e particularismos.
Essa premissa afirma a autodeterminação dos povos, a igualdade entre os sexos e as
etnias e a uniformidade da natureza humana em todas as culturas.
3.3 AUTONOMIA
A autonomia consiste em poder pensar por si mesmo. É representada pelo poder de agir
livremente, sem interferências, estando facultado utilizar a razão como quiser e produzir
cultura. É mediante a autonomia que advém os direitos de participar da constituição da
esfera pública e do processo de produção e consumo dos bens e serviços.
ROUANET[13] explica que a autonomia intelectual tinha como escopo “libertar a razão do
preconceito, isto é, da opinião sem julgamento”das autoridades, religiosa ou secular. O
autor denuncia o papel da religião como responsável pela paralisação da inteligência e
aponta a importância da educação e da ciência para “dissipar a luz da verdade as
quimeras e fantasias da superstição”.
A modernidade não pode arcar com os pressupostos anunciados, pois, a razão que seria
o instrumento realizador de maravilhas, tornou-se, na verdade, o mecanismo de
dominação da minoria desamparada. Se aos indivíduos foi prometido que eles teriam
autonomia, igualdade e individualidade, graças à razão emancipadora, o que ocorreu de
fato foi a utilização da razão apenas para satisfazer a busca desenfreada pelo lucro e
para explorar os mais fracos. Esclarecem ARANHA E MARTINS:
Essa razão instrumental foi objeto de críticas de muitos estudiosos, bem como da Escola
de Frankfurt, como veremos a seguir.
É importante destacar que não teria havido Escola sem o Instituto. A idéia de uma
“Escola específica” só se desenvolveu depois que o Instituto foi obrigado a abandonar
Frankfurt em decorrência da chegada de Hitler no poder. A própria expressão Escola de
Frankfurt só foi utilizada depois do regresso do Instituto à Alemanha em 1950. Ademais, o
termo “Escola de Frankfurt” pode dar uma idéia de convergência e concisão de temas
estudados e de caminhos teóricos, o que raramente ocorreu. A atuação conjunta de
diversos pensadores nesse movimento intelectual é explicada pela “capacidade intelectual
e crítica, sua reflexão dialética, sua competência dialógica ou aquilo que Habermas viria a
chamar de “discurso”, ou seja, o questionamento radical dos pressupostos de cada
posição e teorização adotada”, nos dizeres de FREITAG[16].
A Escola de Frankfurt pode ser estudada mediante a divisão dos momentos históricos, ou
considerando a liderança exercida, ou conforme tantos outros critérios.
FREITAG[17] utiliza-se da divisão por momentos históricos e por liderança. Pelo critério
dos momentos históricos há três fases de análise: o primeiro, tratando da proposta inicial
da Escola, parte da fundação do Instituto para Pesquisa Social em 1923 e vai até 1932,
período em que são criadas filiais do Instituto em outros países em decorrência do
nazismo; o segundo momento inicia-se em 1933, quando o Instituto é transferido para
Genebra e vai até 1950, quando ocorre o retorno à Frankfurt, representando o período de
exílio; a terceira fase pode ser denominada de “reconstrução” do Instituto e ocorre no
período de 1950 a 1970. Considerando o critério da liderança exercida no grupo, a autora
faz outra divisão: inicialmente (período de antes e durante a Segunda Guerra Mundial até
a volta de Horkheimer e Adorno para Frankfurt em 1950) o líder é Horkheimer. Um
segundo momento seria o período de reconstrução do Instituto, em que Adorno assume a
sua direção intelectual, introduzindo o tema da cultura e desenvolvendo em sua teoria
estética uma versão especial da teoria crítica. Por fim, o destaque é dado a Habermas,
cujo estudo traz a teoria da ação comunicativa como proposta de resolução dos impasses
criados por Horkheimer e Adorno, iniciando-se na década de 70 e estando ainda em
desenvolvimento – o que pode sustentar a ausência de um ponto final à Escola de
Frankfurt, apesar da discussão sobre a consideração de Habermas como
frankfurtiano.
É importante notar que foi a “primeira geração de frankfurtianos” que tornou a Escola de
Frankfurt renomada e conhecida mundialmente, sendo representantes incontroversos do
movimento Horkheimer e Adorno[18].
Os filósofos desse movimento têm formação marxista, motivo pelo qual discordam do
ponto de vista hegeliano de que a História é obra da própria razão, sem que essa seja
condicionada social, econômica e politicamente. Hegel estaria equivocado ao entender
que a razão seria uma força autônoma e histórica criadora da própria sociedade, da
política e da cultura. Todavia, apóiam-se nas considerações de Hegel acerca das
mudanças históricas que ocorrem pelos conflitos e contradições e na continuidade
temporal entre as formas de racionalidade. Assim, cada forma de racionalidade nova
advém da superação dos conflitos das formas anteriores, sem haver ruptura histórica
entre elas. Enquanto Hegel sustentava que a razão determina a sociedade, os
frankfurtianos compreendiam que a sociedade é que condiciona a razão.
Os frankfurtianos desenvolveram uma explicação sobre o fenômeno do totalitarismo de
ordem metafísica: é na constituição do conceito de razão que esses filósofos alojam a
origem do irracional.
Para tais pensadores, há duas formas de razão, a instrumental, que está a serviço da
exploração e da dominação, e a crítica, que reflete sobre as contradições e os conflitos
sociais e políticos, sendo uma força libertadora.
Mas, enquanto o iluminismo conserva seu direito contra qualquer hipótese de utopia e
enuncia impassível a dominação enquanto ruptura, a cisão entre sujeito e objeto, cujo
encobrimento é por ele proibido, converte-se em índice da verdade e de sua própria
inverdade. O desterro da superstição sempre significou o progresso da dominação, ao
mesmo tempo que seu desnudamento. O iluminismo é mais do que iluminismo, natureza
que se torna perceptível na sua alienação. (...) A sujeição à natureza consiste na sua
dominação, sem a qual não existe espírito.
A partir desses preceitos advém a dialética negativa que estabelece afirmações a partir da
negação, ou seja, a teoria pode estar lastreada em uma situação de negatividade que
afirma uma situação positiva. Para deixar mais claro, Horkheimer exemplificou na situação
da criança: ela é um não-adulto, qualificada, pois como criança, ou seja, sua situação
positiva de “ser” criança é constatada a partir de uma situação negativa do que ela não é.
Esse pensador leciona que há nessa situação um único núcleo imutável que é “este ser
humano”, diferentemente da posição positivista que sustenta a inexistência de identidade,
pois primeiro há uma criança, depois um adulto e ambos constituem um complexo de
fatos diferentes. Esse frankfurtiano é severo ao considerar que “esta lógica não está em
condições de compreender que o homem se transforma e apesar disso permanece
idêntico a si mesmo”.[24]
A Teoria Crítica, pois, consiste em uma nova visão da filosofia que procurou tratar da
crítica à sociedade burguesa, ao marxismo dogmático da época stalinista, à filosofia
tradicional e à razão instrumental, sendo essa última o foco de atenções nessa pesquisa.
A Escola de Frankfurt, entre outras discussões que suscita, atenta para o advento da
razão instrumental, objeto desse estudo no momento. Essa razão instrumental consiste
em uma razão que sujeita os indivíduos e a vida social ao conhecimento técnico e
empírico apresentado pelas classes dominantes, ocasionando um processo de
desumanização.
Horkheimer e Adorno não negam que a razão instrumental tem em si mesma, certa
possibilidade de emancipação. Esta é, porém, uma tentativa eivada de uma fé ingênua
nas ciências empíricas que, ao término de tudo, quase sempre recai no mito, na barbárie
e na dominação. A razão instrumental determina um saber voltado para a técnica e a
dominação da natureza e dos homens, tolhendo qualquer tentativa de promover uma
situação na qual os sujeitos possam almejar a verdade.
(...) A Teoria Crítica é a tentativa de redefinir um conceito de razão mais amplo, tanto na
dimensão teórica como no plano da prática, de maneira que se possam destruir as
barreiras da racionalidade instrumental. A Teoria Crítica diz que essa razão se
transformou num poder que define os homens como meros manipuladores de
instrumentos e transforma as pessoas em máquinas. Esses pressupostos se apóiam no
princípio objetivista da ciência que reduz o sujeito a mero objeto de observação e
controle.
Tem-se, muitas vezes, a impressão de que nós nos refugiamos quase “dogmaticamente”
por trás da razão objetiva, depois de definir o caráter incontornável da razão subjetiva. Na
verdade, dois pontos devem aparecer claramente: primeiro, que não existe “solução”
positiva no sentido de uma filosofia que, simplesmente, se opusesse à razão subjetiva;
segundo, que a crítica da razão subjetiva só é possível dialeticamente – isto é, mostrando
as contradições que seu próprio desenvolvimento contém e superando-as por sua
negação determinada. (Carta de Adorno a Löwenthal, de 3 de junho de 1945).
Hoje que a utopia de Bacon, de podermos “ter a natureza, na práxis, a nosso mando”,
concretizou-se em proporções telúricas, torna-se manifesta a essência da coação, por ele
atribuída à natureza não dominada. Essa essência era a própria dominação. O saber, que
para Bacon residia indubitavelmente na “superioridade do homem”, pode passar agora à
dissolução dessa dominação. Mas, face a semelhante possibilidade, o iluminismo a
serviço do presente transforma-se no total engano das massas. (HORKHEIMER, Max,
ADORNO, Theodor. Conceito de iluminismo in Os pensadores . Pg. 116).
Nascido em 1885 em Stuttgart, era judeu de origem, como todos os intelectuais da Escola
de Frankfurt. Teve a motivação de uma emancipação progressiva por influência
inicialmente de Friedrick Pollock. Estudou psicologia, filosofia e economia política. Os
professores que o marcaram foram o psicólogo Schumann e o filósofo Hans Cornelius.
Apesar de vir de uma família rica (possuidores de indústrias), tinha como compromisso, a
partir do pessimismo schopenhaueriano, despertar a consciência pesada dos
privilegiados, pois não aceitava “que todos aqueles cavalheiros e damas distintos não só
exploravam continuamente a miséria dos outros, mas ainda produziam-na, renovavam-na
para poder viver a sua custa e aprontavam-se para defender esse estado de coisas ao
preço do sangue alheio, tanto quanto preciso fosse”(Dämmerung[30], 329). Por outro
lado, Horkheimer notava que os privilegiados eram beneficiados por suas qualidades, ao
passo que os pobres e os trabalhadores eram mesquinhos: “A inteligência e todas as
outras capacidades se desenvolvem tanto mais facilmente quanto mais elevado for o
padrão de vida ....Isso não vale apenas para as competências sociais, mas também para
o resto das qualidades do indivíduo (...)”(265). Ele afirmava que aqueles que vivem na
miséria têm direito ao egoísmo material de almejar fortemente a melhoria da existência
material, por meio de uma organização racional das relações humanas.
No texto “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, ele mostra a não-divisão entre teoria
conceitual e práxis social. A Teoria Crítica reunifica a razão e sensibilidade, tornadas
antagônicas pelo pensamento dualista que separa sujeito e objeto de conhecimento.
Assim, a teoria por ele proposta sugere uma sociedade considerada no seu “todo”.
Theodor Wiesengrund Adorno nasceu em 1903 em Frankfurt. Seu pai, judeu alemão, era
proprietário de um comércio atacadista de vinhos, sua mãe fora cantora e sua tia era
pianista, o que influenciou o interesse pela música de Adorno.
Na escola conheceu Leo Löwenthal, que fora durante toda a sua vida seu amigo e rival,
primeiro em relação ao mentor comum, Kracauer, depois quanto a Horkheimer, que fora
assistente de Cornelius e depois diretor do Instituto.
Sua formação teórica deve ser atribuída inicialmente a Siegfried Kracauer[32], a Lukács e
a Bloch, o que o direcionou ao estudo da crítica e da estética musicais. No campo da
música, seu ponto de referência essencial era o compositor de feição impressionista
Arnold Schönberg[33]. Mais talentoso como comentarista de música do que como
compositor, Adorno tendia para a carreira universitária em filosofia. Adorno se interessava
pelo “primado da consciência”, ou seja, um conceito globalizador da racionalidade. Como
leciona WIGGERSHAUS[34], “ele interpretava o conceito do inconsciente ora como um
marco da consciência, ora como a denominação dos estados insconscientes que se
poderiam trazer ao consciente. Considerava a psicanálise freudiana a ciência empírica do
inconsciente que vinha preencher o quadro estabelecido pela filosofia transcendental”.
A partir de 1927, passou a encontrar-se com Walter Benjamin, tendo sido o ponto de
partida da conversa dos dois o Passagenwerk, de Benjamin, que revelou a Adorno uma
filosofia da arte e da história que buscava o lado materialista em todo o campo do
cotidiano de uma sociedade e que se engajava na interpretação dos detalhes.
5 CONCLUSÃO
Esse trabalho pretendeu demonstrar como a razão foi compreendida nos fins do século
XVII e início do século XVIII, em que fora colocada em um trono, cujo reinado até então
pertencia à fé. Para tanto, foi necessário tecer breves considerações do pensamento de
René Descartes, Voltaire, Rousseau e Kant, os quais foram escolhidos pelo caráter
peculiar de seus pensamentos com relação à razão.
Atualmente tem-se muitas teorias que tipificam como utópica a busca da Escola de
Frankfurt por essa razão pura. Todavia, é importante deixar claro que a contribuição
desse movimento foi essencial ao denunciar a existência da razão instrumental,
justamente no momento histórico pós-Revolução Industrial, em que surgiu a massa de
consumidores e o proletariado, vitimados pela opressão dessa racionalidade.
Referências:
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução
à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.
ASSOUN, Paul-Laurent. A Escola de Frankfurt. Tradução de: Helena Cardoso. São Paulo:
Ática, 1991.
CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. 3. ed. Tradução de: Álvaro Cabral. São
Paulo: Editora da UNICAMP, [s.d.]
DUARTE, Rodrigo. Adornos: nove ensaios sobre o filósofo frankfurtiano. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 1997.
FREITAG, Bárbara. A teoria crítica: ontem e hoje. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
GEUSS, Raymond. Teoria crítica: Habermas e a Escola de Frankfurt. Tradução de: Bento
Itamar Borges. Campinas, SP: Papirus, 1988.
HORKHEIMER, Max. Teoria Critica: uma documentação. Tradução de: Hilde Cohn. São
Paulo: Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1990.
ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras,
1987.
ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na modernidade. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
Notas
[2] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução á filosofia, pg. 125.
[3] Os livreiros Briasson, Durand e David propuseram a Diderot que traduzisse do original
inglês a Cyclopédia de Ephraim Chambers, publicada em 1728. Ele aceita e convida D’
Alembert para ser o co-diretor para assuntos científicos. Reúne os intelectuais franceses e
divide os assuntos a serem pesquisados.
[7] Quando Voltaire combate os judeus bíblicos trata-se de condenar o cristianismo, e não
os judeus em si.
[15] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS. Filosofando: introdução á filosofia. pg.
125.
[18] “O grupo de intelectuais que outrora cercava os dois teóricos se havia reduzido muito.
Marcuse decidira ficar nos Estados Unidos. Deixara o Office of Strategic Service para
assumir uma cátedra na Universidade Brandeis na Califórnia, onde permaneceria até sua
morte em 1980. Loewenthal tornou-se diretor da “Voz das Américas”; Wittfogel e
Neumann aceitaram cátedras nas universidades de Washington e Nova Iorque, e Fromm
se incompatibilizara com o grupo ainda durante os primeiros anos da emigração em Nova
Iorque. Permaneceu nos Estados Unidos até sua aposentadoria, transferindo-se somente
depois para a Floresta Negra, pouco antes de sua morte. Benjamin havia se suicidado em
1943 na fronteira espanhola. Bloch, depois da emigração nos Estados Unidos iria para a
Alemanha Oriental. Aceitou depois uma cátedra em Tuebingen, onde lecionou até sua
morte. A “Escola de Franfurt” estava, pois, reduzida aos seus expoentes mais
significativos: Adorno e Horkheimer” (FREITAG, Bárbara. Teoria Crítica ontem e hoje, pg.
22.
[20] “No século XVII, ao invés de resolver as dificuldades nas quais o procedimento
gnosiológico da astronomia tradicional havia se envolvido tentando superá-las por meio
de construções lógicas, passou-se a adotar o sistema coperniciano”. (HORKHEIMER,
Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores. pg. 122)
[21] HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores .pg. 136.
[22] Nesse sentido, HORKHEIMER exemplifica mediante o especialista que, enquanto
cientista, analisa a realidade social como algo exterior e, enquanto cidadão mostra o seu
interesse pela realidade por meio de escritos políticos, participação em eleições e
organizações partidárias, sem unir ambas as coisas. (HORKHEIMER, Max. Teoria
Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores .pg. 132).
[23] HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores .pg. 132.
[24] HORKHEIMER, Max . Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores. pg. 142.
[26] GEUSS, Raymond. Teoria Crítica: Habermas e a Escola de Frankfurt. Pg. 119.
[30] É o título das notas redigidas por Horkheimer de 1926 a 1931, publicadas em 1934
durante seu exílio suíço, sob o pseudônimo de Heinrich Regius.
[32] Estudou com Kracauer a “Crítica da razão pura” de Kant, o qual revelava que o texto
não era uma simples teoria do conhecimento, mas uma mensagem codificada em que se
poderia decifrar o estado histórico do espírito e se enfrentava o objetivismo e o
subjetivismo, a ontologia e o idealismo.
[35] GEUSS, Raymond. Teoria crítica: Habermas e a Escola de Frankfurt. pg. 105.