Sei sulla pagina 1di 23

A exaltação da razão no iluminismo e a crítica à razão instrumental da escola de

frankfurt

Mayra Scremin

1 INTRODUÇÃO

O absolutismo e o regime feudal no século XVII na Europa enfraqueceram e findaram


com o crescimento da classe burguesa e a necessária mudança estrutural para o
atendimento de seus interesses. Foi com a Ilustração que as novas propostas vieram à
tona e se expandiram da Europa para todo o mundo.

Se na Idade Média a fé sustentava as premissas da sociedade, na Idade Moderna esse


elemento basilar é substituído pela razão. Os dogmas, as crenças, o misticismo são
deixados de lado, uma vez que somente passa a ser válido aquilo que possa ser
comprovado cientificamente. As crenças existentes na sociedade tornam-se questionáveis
empiricamente, sendo refutadas se não puderam ser racionalmente provadas como
válidas.

Com o advento da Ilustração no fim do século XVII e início do século XVIII surge a
valorização da razão como instrumento de eficácia dos objetos de conhecimento. Com a
possibilidade do próprio homem escolher o que deve ou não ser aceito como verdadeiro,
através da comprovação científica, diz-se que aflora nesse momento a exaltação da
subjetividade, isto é, o homem, porque dotado de racionalidade, é um ser praticamente
“imbatível”. Na modernidade, pois, verifica-se o fortalecimento da subjetividade, eis que se
a razão governa o mundo, significa que o poder de comando está no homem que a
detém, e não em explicações transcendentais como outrora.

O sujeito é dito “imbatível” porquanto capaz de alcançar tudo o que almejar mediante a
racionalidade; não há mais limites para a extensão do conhecimento humano. A
modernidade apresenta suas propostas, quais sejam, a individualidade, a autonomia e a
universalidade, como frutos da razão.

Destarte, vislumbra-se a exaltação da razão na Idade Moderna e o conseqüente


engrandecimento do sujeito e de suas potencialidades. Contudo, essa racionalidade
emancipatória que fora prometida, não foi, de fato, vislumbrada pela sociedade em geral,
tendo sido, por vezes, utilizada como instrumento de dominação das classes oprimidas.

Essa racionalidade emancipatória trazida pela modernidade foi objeto de críticas de


muitos pensadores; nesse trabalho, porém, pretendemos nos ater na crítica à razão
chamada instrumental tecida pela Escola de Frankfurt, movimento social surgido na
Alemanha no início do século XX.

O presente trabalho acadêmico pretende, diante do que fora supra mencionado, tecer
considerações acerca da Ilustração e sua importância para o surgimento da razão em
substituição da fé, esclarecer em que consistiam as promessas da modernidade e
analisar se tais promessas foram cumpridas, utilizando a perspectiva teórica da Escola de
Frankfurt.
Urge ressaltar que não se tem a pretensão de esgotar o tema, apresentando apenas
linhas gerais sobre esses assuntos, haja vista a vastidão de conteúdos inseridos nesses
três momentos de estudo. Também importa frisar que a pesquisa tem como principal
objeto a razão e sua passagem do momento em que é emancipatória para o momento em
que é dita instrumental; assim, os autores escolhidos como merecedores de maior
atenção tanto do Iluminismo, como do movimento da Escola de Frankfurt são os que
abordaram de forma especial essa questão, não significando que tenham sido os únicos
pensadores existentes no referido momento, tampouco que tenham maior importância em
relação aos demais.

2 O ILUMINISMO E A EXALTAÇÃO DA RAZÃO

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Em fins do século XVII e início do século XVIII, a Europa vivia no Antigo Regime, cuja
estruturação era de economia agrícola, política absolutista e sociedade organizada em
clero, nobreza e povo.

A França encontrava-se sob o governo de Luís XIV, em regime absolutista também,


responsável pela cultura conformista da época. Todavia, com o crescimento da sociedade
burguesa, adveio o desenvolvimento cultural questionador dos valores tradicionais,
avessos ao dinamismo capitalista.

O Estado, que antes fora visto como uma aproximação terrena de uma ordem eterna, com
a cidade do homem modelada na cidade de Deus, passou a ser considerado como um
arranjo mutuamente benéfico entre os homens, voltado para a proteção dos direitos
naturais e do interesse próprio de cada um. O Estado torna-se objeto de críticas por
vários intelectuais que demonstravam forte anseio de liberdade e anunciavam um novo
Estado, condizente com o progresso cultural e científico em andamento. O Iluminismo,
portanto, se fez crítico, reformista e revolucionário contra o Estado autoritário.

2.2 A ILUSTRAÇÃO

No século XVIII ocorre o rompimento com as formas de explicação dos fenômenos pela
dedução e pela derivação sistemática, buscando um novo método fundado na
calculabilidade e na análise racional. Diversamente da ordem anterior em que a razão é
regra anterior aos fenômenos, essa passa a ser demonstrada nos próprios fenômenos; a
observação é o dado e o princípio é a questão.

Com o movimento da Ilustração, em que ocorreu o apogeu das idéias iluministas, ocorreu
o afastamento da estrutura e do funcionamento do Antigo Regime. Esse novo
pensamento cultivado pela França no século XVIII espalhou-se por toda a Europa e
chegou às Américas. De Portugal até a Rússia as idéias do Iluminismo tornaram-se mais
e mais conhecidas por força de transformações ocorridas nesses países, mas também
por influência das “idéias francesas”.

O século XVIII ficou conhecido como “Século das Luzes”, querendo o termo “luzes”
demonstrar a capacidade de conhecer do homem mediante a razão, não estando mais
limitado ao saber dos dogmas e aprisionado na escuridão do desconhecimento. O século
XVIII é representado por uma força criadora única que é a razão, a qual, nos dizeres de
CASSIRER significa “o ponto de encontro e o centro de expansão do século, a expressão
de todos os seus desejos, de todos os seus esforços, de seu querer e de suas
realizações”.[1]

É importante distinguir os termos “Ilustração” e “Iluminismo”: o primeiro refere-se à defesa


da ciência e da racionalidade crítica contra a fé, a superstição e o dogma religioso, bem
como das liberdades individuais e dos direitos do cidadão contra o autoritarismo e o
abuso de poder que floresceram no século XVIII; o segundo trata de uma tendência
intelectual não-limitada a nenhuma época específica, que combate o mito e apresenta o
poder da razão.

Nos dizeres de ARANHA e MARTINS, o iluminismo “apresenta-se como processo que


coloca a razão sempre a serviço da crítica do presente, de suas estruturas e realizações
históricas”.[2] O Iluminismo traduz-se em um estado de espírito que se manifesta em
reflexões filosóficas e aspectos da atividade humana fulcrados na convicção de que a
razão, em seu progresso, pode esclarecer todas as questões, e de que a sociedade,
mediante princípios racionais, pode ser reorganizada.

2.3 A ENCICLOPÉDIA DE DIDEROT E D’ALEMBERT

A obra que melhor sintetizou o pensamento iluminista foi a “Enciclopédia” ou “Dicionário


razoado das ciências, artes e ofícios”, na qual se pretendia reunir os mais importantes
conhecimentos científicos e artísticos da época.

O principal redator foi Denis Diderot, francês que estudara lógica, física, moral,
matemática, metafísica, além de grego, italiano e inglês.

O prospecto da Enciclopédia é escrito por Diderot em 1750, e no ano seguinte é publicado


o primeiro tomo, contendo o “Discurso Preliminar” de D’Alembert. A obra começa a ser
perseguida. O segundo tomo surge em 1752 e o Conselho do Estado a proíbe. Em 1753,
a proibição é suspensa, sendo publicado então o terceiro volume, seguindo-se a
programação até 1757, quando surge o sexto volume. Ocorre um atentado ao Rei Luís
XV, que faz o governo adotar medidas rigorosas contra as publicações consideradas
subversivas, o que assusta os redatores da Enciclopédia e a abandonam aos poucos. Em
1759, proíbe-se que ela circule, sob o argumento de “destruir a religião e inspirar a
independência dos povos”. Diderot não desiste e consegue que o editor a edite no
estrangeiro, com alterações de artigos controvertidos escritos por Diderot. Até hoje não se
completou a recomposição dos textos originais.

Em 1772, a Enciclopédia acaba de ser publicada, graças auxílios financeiros de Madame


Pompadour, amante de Luís XV, com 36 volumes, que possibilitaram a compreensão do
pensamento do século XVIII e das transformações que culminaram com a Revolução
Francesa.

Coordenada por Diderot e D’Alembert[3], os organizadores (Quesnay, Turgot, Marmontel,


Holbach e outros) chamaram-na de “Suma filosófica” para substituir a “Suma teológica” de
Santo Tomás de Aquino.

Com a elaboração da Enciclopédia demonstrou-se a substituição da fé pela razão, como


guia da humanidade. Era por meio da razão que se pretendia descobrir as leis naturais
que governavam o universo. Tais idéias valorizavam ao extremo a atividade científica,
criando-se a partir daí um verdadeiro culto à ciência.
Contudo, é importante ressaltar que através da Enciclopédia não se pretendeu
simplesmente obter um mero acervo de conhecimentos, mas provocar uma mudança no
modo de pensar do homem. Aqui está a diferença da concepção de razão para os
pensadores do século XVII e para os do século XVIII: se no século XVII entende-se a
razão como a região das verdades eternas, como a soma das idéias inatas que revela a
essência absoluta de todas as coisas, no século XVIII, a razão define-se não como uma
possessão, e sim como uma função que cumpre recorrer; a idéia de ser é substituída pela
de fazer.

Vale dizer que no século XVII a razão é tida como um conteúdo determinado de
conhecimentos, de princípios e de verdades, porém, passa a ser compreendida como
uma forma de aquisição, como uma energia que possibilita a conquista do conhecimento.
Com tal explicação não se quer firmar que houve uma ruptura do pensamento do século
XVII para o do século XVIII; ao contrário, o que se vislumbra é uma continuidade, pois as
pressuposições que tinham sido fixadas pela lógica e pela teoria do conhecimento do
século anterior auxiliam para o surgimento do novo ideal do saber do Século das
Luzes.

2.4 CIÊNCIA E ILUSTRAÇÃO: O VÍNCULO DIALÉTICO

No movimento da Ilustração evidenciou-se a glorificação da razão e da ciência como


meios para a “suprema faculdade do homem”.[4]

O vínculo entre Ilustração e ciência foi eminentemente dialético: a ciência forneceu armas
à Ilustração em sua campanha anti-religiosa, e a Ilustração incentivou o progresso e a
independência do saber científico. Nesse sentido HORKHEIMER e ADORNO expõem que
“o despertar do sujeito é pago pelo reconhecimento do poder como princípio de todas as
relações. Frente à unidade de uma tal razão, a diferença entre Deus e o homem é
reduzida àquela irrelevância que a razão já indicara resolutamente, desde a mais antiga
crítica homérica. O Deus criador e o espírito ordenador são iguais entre si enquanto
senhores da natureza”.[5]

A crença de que apenas a ciência levaria os homens a um mundo melhor foi


acompanhada por uma série de críticas ao cristianismo e em especial à Igreja Católica e
ao clero. O método racional foi aplicado até mesmo na religião, em que se procurou uma
religião natural no sentido de racional, surgindo o deísmo que, ainda que não tivesse se
tornado um movimento organizado, conflitou com o cristianismo por dois séculos. Para os
deístas bastavam algumas verdades religiosas, sentidas como manifestação a todo o ser
racional: existência de um Deus único, de um sistema de recompensas e punições
distribuídas por aquele Deus e a obrigação dos homens à virtude e à piedade. Outros
produtos da aplicação da razão à religião foram o ceticismo, o ateísmo e o materialismo.

A religião cristã foi fadada de irracional e contrária à natureza humana, haja vista a
corrupção do clero e a forte ligação do catolicismo ao absolutismo de direito divino e aos
privilégios feudais.

As críticas à religião não implicavam uma negação de Deus necessariamente;


acreditavam em Deus como uma força que impulsionava o universo.

Para criar um mundo humano regido pela razão, era necessário afastar o fanatismo e a
superstição. A Ilustração acaba de laicizar a vida. A campanha anti-religiosa ajuda a
libertar a atividade científica de todos os entraves impostos pela religião.
ROUANET[6] entende que a Ilustração tentou emancipar grupos, e não só os indivíduos
separadamente, como os negros, os judeus e as mulheres. A Ilustração condenou o anti-
semitismo[7] e o machismo. Os filósofos eram feministas, pois contestavam a existência
de qualquer diferença entre os sexos, além das anatômicas, e acentuavam o caráter
ideológico de chavões sobre a especificidade da alma ou da natureza feminina,
racionalizações pseudobiológicas para justificar a opressão masculina. Se a mulher não
cultiva sua razão é porque foi condicionada para não pensar.

2.5 PENSADORES EM DESTAQUE

A filosofia do século XVII inaugurara as principais vertentes do pensamento moderno: o


racionalismo de Descartes cujo escopo era reduzir o conhecimento científico a idéias
claras e distintas, através da matemática; de outro, o empirismo inglês de Bacon que
mostrava que todas as idéias se originavam na experiência sensível, não havendo nada
no intelecto que não tivesse existido anteriormente nos sentidos. Partindo de origens
diversas do conhecimento, convergiam no entendimento de que a verdade é obra do
homem. Refutavam-se os mistérios acerca da visão do mundo medieval e colocava-se em
seu lugar a noção de problema como algo que poderia ser resolvido mediante o método
adequado.

Descartes e Bacon traziam na ciência a confiança em que todos os problemas poderiam


ser resolvidos. O avanço da ciência, pois afastaria as sombras e traria a claridade da
compreensão, o reino das luzes.

Assim, o século XVIII é caracterizado pelo otimismo que pairava na sociedade, decorrente
do fim da ignorância, da superstição e da desigualdade.

O racionalismo de Descartes trouxe as potencialidades da razão, mas diferencia-se da


razão do século XVIII porque no Iluminismo não se parte de princípios inatos do indivíduo,
mas de uma força que se desenvolve com a experiência. A razão dedutiva de Descartes é
substituída pela razão operativa do Iluminismo que atua sobre os dados provenientes dos
sentidos.

Newton, por exemplo, procurava a explicação dos fenômenos naturais mediante a


análise, afastando por completo a utilização de deduções. Assim, ele não inicia suas
pesquisas partindo do conhecimento de certos princípios e certos conhecimentos
universais, mas coloca em questão justamente os princípios, isto é, os princípios é que
devem ser descobertos e não considerados conhecidos aprioristicamente. Ele parte do
conhecimento dos fenômenos e busca a revelação dos princípios. Ele foi um dos
pioneiros a perceber que os fenômenos naturais possuem explicações racionais que
podem ser acessíveis ao homem pensante, demonstrando, pois, a inteligibilidade da
natureza.

Com o princípio da gravidade universal, contribuiu para reforçar o fundamento de que o


universo é governado por leis físicas e não submetido à interferência de cunho divino.

Assim, a razão não é mais concebida como repositório de verdades eternas, mas antes
como fonte de energia intelectual. Os filósofos do Iluminismo renunciam a pretensão
sistemática do século XVII e trabalham com outro conceito de verdade e de filosofia,
entendidas como construções livres e móveis, concretas e vivas, devendo a razão ser
vista como um caminho que deveria ser percorrido por todos os homens.
Entendeu-se, pois, necessária, ainda que de maneira singela, a explicitação específica do
pensamento dos autores que seguem para que possa ser melhor demonstrada a
significação da razão no século XVII (mediante as idéias de Descartes) e no século das
Luzes (mediante as idéias dos enciclopedistas já vislumbradas, de Voltaire e de Kant e do
pensamento original de Rousseau).

2.5.1 René Descartes (1596-1650)

A busca de Descartes era de uma verdade primeira que não pudesse ser posta em
dúvida. Assim, ele converte a dúvida em método. Seu pensamento baseia-se na dúvida
de absolutamente tudo, tendo fim esse incessante questionamento diante do seu próprio
ser que duvida. Daí a conclusão de que “se duvido, penso; se penso, existo”, que dá
origem a sua famosa premissa “penso, logo existo”. Esse cogito cartesiano demonstra o
caráter absoluto e universal da razão que apenas com suas próprias forças pode chegar a
descobrir todas as verdades possíveis. Defendeu, assim, a universalidade da razão como
o único caminho para o conhecimento. Verifica-se que o método cartesiano pretende
garantir que as imagens mentais correspondam aos objetos a que se referem e que são
exteriores a essa mesma razão.

O desdobramento natural do “penso, logo existo” é existo: como coisa pensante. Do


pensamento ao ser que pensa realiza-se um salto sobre o abismo que separa a
subjetividade da objetividade.

O racionalismo cartesiano caracteriza o século XVII e opera dedutivamente a partir de


princípios que não estariam fora do sujeito, mas no seu próprio interior, como “idéias
inatas”.

Descartes comprova a existência de Deus mediante seus métodos e seus princípios,


como o da causalidade, afirmando que somente por meio da existência de Deus pode-se
explicar a existência de um ser finito e imperfeito, o eu pensante, porém dotado da idéia
de infinito e de perfeição. A física cartesiana representa uma aplicação de sua metafísica,
na qual Deus garante o conhecimento científico constituído a partir de idéias claras.
Baseada primariamente no plano do pensamento, a física cartesiana resulta, assim, de
construções abstratas, regidas pela razão.

A obra de Descartes manifesta um único objetivo: converter em pura claridade racional


todos os fenômenos do universo. Certo de que a ele cabia a missão de construir a “cidade
nova” da sabedoria, Descartes usou as armas da dúvida para combater a própria dúvida.

2.5.2 Voltaire (1694 – 1778)

Nascido em Paris, François Marie Arouet era de família da pequena nobreza, de espírito
sátiro, pretencioso e malicioso. Após ter sido preso na Bastilha mais de uma vez, é
exilado da França por se meter em confusões, indo para a Inglaterra, fato que o torna
grande propagandista do pensamento inglês no continente, difundindo a teoria empirista
de John Locke e a nova visão de mundo proveniente do método experimental-matemático
de Newton. Mais tarde vai a Prússia a convite de Frederico II, mas por publicar escritos
polêmicos é expulso também de lá. Passa por Genebra, incompatibilizando-se com
Rousseau, tendo que se mudar novamente. Por fim, vai para Ferney, onde viveria quase
até o fim da vida, cuidando de sua propriedade rural e escrevendo muito em defesa das
idéias liberais e contra a Igreja Católica. Suas críticas e lutas pelos ideais da razão e da
liberdade o tornaram conhecido e renomado publicamente.
Não era um filósofo propriamente dito porque não inovava no campo abstrato, mas
tomava os ideais de filósofos que o agradava e defendia, buscando convencer de que
aquele era o pensamento correto.

Com base na física newtoniana, Voltaire teceu críticas às teorias especulativas e


demonstrou sua crença e seu temor a um ser supremo criador do universo. Com isso
frisa-se que ele era contra a Igreja Católica, mas não contra Deus.

Seu pensamento ético e social parte da crítica à teoria de Pascal de que os homens são
malvados e infelizes, acreditando no aprimoramento do homem e buscando
incessantemente o valor que considerava primordial: a justiça.

Suas considerações a respeito de Locke e a teoria do conhecimento são muito


importantes: louva-lhe a análise dos processos de formação do conhecimento, a negação
da existência de idéias inatas independentes da experiência e a afirmação das limitações
da mente para o conhecimento de todo o universo. No entendimento de Voltaire, Locke foi
aquele que verdadeiramente escreveu a história da alma.

São categorias tratadas por Voltaire o empirismo, o ceticismo, o deísmo, a religião natural
e o humanismo ético. É presente em sua convicção a existência do mal, passível de
superação mediante a razão e o trabalho, em contraposição ao otimismo metafísico.

2.5.3 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

Nascido em Genebra, possuía imaginação exacerbada, personalidade romântica e visão


profundamente dramática das relações humanas.

Rousseau desenvolveu a antítese fundamental entre a natureza do homem e os


acréscimos da civilização nas obras “Sobre as ciências e as artes” e “Sobre as origens da
desigualdade”. Para ele, a civilização é responsável pela degeneração das exigências
morais mais profundas da natureza humana e sua substituição pela cultura intelectual.

Seu pensamento era uma exceção entre os iluministas porquanto criticava a burguesia e
a propriedade privada[8] que, segundo ele, era a raiz das infelicidades humanas. Na
sociedade ideal de Rousseau, a vontade do povo deve expressar-se sempre mediante o
voto e essa vontade, necessariamente justa, deve prevalecer sobre qualquer outra
consideração. Defendia o sufrágio universal, pois segundo sua concepção “o que a
maioria decide é sempre justo no sentido político e torna-se absolutamente obrigatório
para cada um dos cidadãos”.

Ao contrário dos demais iluministas, achava que o sentimento era fonte e direção para o
conhecimento e a felicidade humana, era o instrumento de penetração na essência da
interioridade. Isso porque constatava a perda de consciência do homem culto pela
ostentação da inteligência e da cultura. Para ele, a conquista intelectual verdadeira
realiza-se na luta contra os obstáculos e na atividade criadora do espírito livre de
pressões. Via a liberdade como bem supremo do homem. O que Rousseau pregava era
deixar de lado as convenções da razão civilizada e imergir no fundo da natureza mediante
o sentimento. Essa imersão mística no infinito da natureza equivale a penetrar na própria
interioridade, alcançar a consciência da liberdade e atingir o sentimento íntimo da vida,
com o qual o homem teria consciência de sua unidade com os semelhantes e com a
universalidade dos seres.
Acreditava também no aperfeiçoamento humano, mediante a educação, reforçando sua
concepção do “bom selvagem”, a bondade natural do homem investindo contra a
sociedade de seu tempo. A vida do homem primitivo seria feliz porque ele sabe viver de
acordo com suas necessidades inatas. Para ele, desde suas origens o homem natural é
dotado de livre arbítrio e sentido de perfeição.

É interessante notar a originalidade do pensamento de Rousseau quanto à compreensão


da natureza. Os enciclopedistas do século XVIII tomavam a natureza como fonte de
conhecimentos e faziam dela critério de julgamento de idéias e instituições, além de arma
de luta contra a tradição escolástica. Para eles, no entanto, a natureza é concebida
essencialmente como matéria e movimento mecânico, inteiramente exterior ao sujeito.
Para Rousseau, contrariamente, a natureza palpita dentro de cada ser humano, como
sentimento de vida. Por esse motivo, ficou contra os filósofos, não querendo ser assim
denominado: “vi muitas pessoas que filosofam muito mais doutamente do que eu; mas
sua filosofia parecia, por assim dizer, estranha...Estudavam o universo como teriam
estudado qualquer máquina que tivessem visto por curiosidade. Estudavam a natureza
humana para poder falar sabiamente dela, não para conhecerem-se a si mesmos”.

Suas idéias foram aceitas pelas camadas populares e pela pequena burguesia, pois
atendia às expectativas de um Estado democrático.

2.5.4 Immanuel Kant (1724-1804)

Nascido em Königsberg, na Prússia, estudou no Colégio Fridericianum e na Universidade


de Königsberg, tendo se tornado professor catedrático dessa, após anos como preceptor
de filhos de famílias ricas. Kant não casou, nem teve filhos, tendo falecido em 1804 sem
jamais ter saído da cidade em que nasceu. Era um homem extremamente metódico, de
pequena estatura e físico frágil.

Seu objeto de investigação era o universo espiritual do homem, o qual compunha-se de


duas grandes questões: a primeira relativa ao conhecimento, suas possibilidades, seus
limites e suas esferas de aplicação; a segunda concernente à ação humana, isto é, o
problema da moral. Quanto à primeira questão, a filosofia do século XVIII defrontava-se
com duas ciências que se apresentavam como conjuntos de conhecimentos certos e
indiscutíveis: a matemática e a física. No que tange à segunda questão, tratava-se de
saber o que o homem deve fazer, como agir em relação aos seus semelhantes, como
proceder para obter o bem supremo. Essa área da reflexão filosófica e sua oposição à
razão apenas cognitiva foi revelada a Kant, sobretudo pelas obras de Rousseau, que
formulou uma filosofia da liberdade e defendeu a autonomia e o primado do sentimento
sobre a razão lógica. Por outro lado, embora Kant vivesse longe dos grandes centros,
sempre teve consciência dos problemas sociais e políticos da época e tomou partido
favorável à Revolução Francesa, na qual via não apenas um processo de transformação
econômica, social e política, mas, sobretudo, um problema moral.

Ele é autor do método denominado criticismo, que se refere ao questionamento da


possibilidade de existência de uma “razão pura”, o qual consta na obra Crítica da razão
pura. Kant procura superar a dicotomia racionalismo-empirismo do século XVII, mediante
a explicação de que o conhecimento é constituído de matéria e forma, sendo essa
composta de nós mesmos e àquela composta dos nossos conhecimentos. Desse modo, o
conhecimento é constituído de forma a priori do espírito e de matéria obtida pela
experiência sensível.
Esse pensador acredita não ser possível conhecer as coisas exatamente como são,
sendo possível tão-somente conhecer os fenômenos. Disso resulta que a realidade não é
um dado exterior ao qual o intelectual deve se conformar, mas, contrariamente, o mundo
dos fenômenos só existe à medida que aparece aos indivíduos, os quais podem participar
de sua constituição.

Para Kant, a vontade do indivíduo não é determinada nem por uma normatividade
imposta pela natureza, nem pela busca do interesse individual ou coletivo, mas sim pela
própria razão, a qual, em seu uso teórico permite o conhecimento e em seu uso prático
determina a ação. Seu “imperativo categórico” afirma a autonomia da vontade como único
princípio de todas as leis morais e essa autonomia consiste na independência em relação
a toda a matéria da lei e na determinação do livre arbítrio mediante a simples forma
legislativa universal de que uma máxima deve ser capaz.

É conhecida a diferenciação que Kant faz do uso privado e público da razão. Quando o
indivíduo se expressa como funcionário de uma instituição secular ou religiosa, tendo
limitações decorrentes do cargo, faz uso privado da razão. Será considerado uso público
da razão quando o indivíduo se expressar na qualidade de intelectual, perante os leitores,
não tendo nenhuma limitação.

O pensamento kantiano ficou conhecido como idealismo transcendental, sendo o


transcendental relativo àquilo que é anterior a toda a experiência.

03 AS PROPOSTAS DO ILUMINISMO

É facilmente verificável que no Iluminismo há um otimismo no poder da razão de


reorganizar a sociedade humana. Para tanto, apresenta-se a razão emancipatória, a qual
ocasiona o irromper do sujeito. A partir desse momento histórico é o sujeito que passa a
determinar a organização do poder, a forma de encarar a sociedade, o modo de
fundamentar as reflexões e a maneira de regulamentar a vida social. Nas palavras de
FONSECA[9], o Iluminismo é o ápice do sujeito, pois o considera como plenamente
guiado pela razão, o que demonstra a suma confiança nas potencialidades de saber e
agir do sujeito.

Com isso, evidencia-se a correlação da subjetividade com a modernidade. Essa


subjetividade moderna se manifesta por três características principais, bem colocadas por
ROUANET[10]: universalidade, individualidade e autonomia.

3.1 UNIVERSALIDADE

A universalidade significa que o pensamento deve ser universal, sem fronteiras, atingindo
de forma igual a todos os seres humanos e condenando nacionalismos e particularismos.
Essa premissa afirma a autodeterminação dos povos, a igualdade entre os sexos e as
etnias e a uniformidade da natureza humana em todas as culturas.

A modernidade prega a unidade e imutabilidade da razão, ou seja, a razão é una e


idêntica para todo o indivíduo pensante, para toda a nação e cultura, em todas as épocas.
Como sintetiza FONSECA[11], “O sujeito, assim, é tomado de modo universal, como
dotado de uma generalidade que não pode ser cindida pelos particularismos étnicos,
religiosos, nacionais ou de gênero: o sujeito humano é dotado de caracteres genéricos- e,
tendo-se que todas as formas de hierarquias (como aquelas das sociedades tradicionais)
são rejeitadas por arbitrárias, todas as pessoas devem ser tratadas como iguais”.
3.2 INDIVIDUALIDADE

O foco individualizante da Ilustração afastou a idéia das sociedades tradicionais anteriores


de que o homem só existe como parte do coletivo, liberando o indivíduo da matriz coletiva
e possibilitando a titularidade de direitos. Ademais, o individualismo ilustrado colocou os
indivíduos em posição de exterioridade com relação ao mundo social, permitindo a
observação da sociedade e a formação de juízos éticos e políticos a partir de princípios
universais e não locais.

O titular de direitos universais é o indivíduo, que emerge de sua comunidade, de sua


cultura e de sua religião para ser tomado em si mesmo, a partir de suas exigências
próprias e seus direitos intransferíveis à felicidade e à auto-realização. Os seres humanos
seriam considerados como pessoas, não como elementos de uma coletividade. É
oportuna a citação de FONSECA[12]: “o indivíduo é o centro das demandas e o
destinatário das atenções sociais, políticas e jurídicas. Isto não quer significar que é
rejeitada a possibilidade de existirem determinadas coletividades particulares, mas sim
que o titular de direitos universais é o indivíduo. É ele que constrói a sua própria
identidade”.

3.3 AUTONOMIA

A autonomia consiste em poder pensar por si mesmo. É representada pelo poder de agir
livremente, sem interferências, estando facultado utilizar a razão como quiser e produzir
cultura. É mediante a autonomia que advém os direitos de participar da constituição da
esfera pública e do processo de produção e consumo dos bens e serviços.

Ela se subdivide em autonomia intelectual, política e econômica. Essa consiste no livre


direito de participação nas esferas da produção, da circulação e do consumo; esta
representa a superação de toda a forma de despotismo, valorizando a liberdade civil e
política; aquela, por sua vez, significa que a razão deve ser o guia no desvelamento do
mundo, afastando totalmente as crenças.

ROUANET[13] explica que a autonomia intelectual tinha como escopo “libertar a razão do
preconceito, isto é, da opinião sem julgamento”das autoridades, religiosa ou secular. O
autor denuncia o papel da religião como responsável pela paralisação da inteligência e
aponta a importância da educação e da ciência para “dissipar a luz da verdade as
quimeras e fantasias da superstição”.

No que tange à autonomia política, é entendida como a “liberdade de ação do homem no


espaço público”, nos dizeres do autor supramencionado, que apresenta a vertente liberal
cuja proposta era de um sistema de garantias contra a ação arbitrária do Estado e era
pregada por Montesquieu, Diderot e Voltaire, e a vertente democrática de Rousseau que
acreditava insuficiente proteger o cidadão contra o governo, devendo fazê-lo contribuir
para a formação do governo.

A autonomia econômica, por sua vez, tratava de afastar o contraste de auferição da


renda, pois os iluministas sentiam que a pobreza impedia a progresso moral e o exercício
dos direitos civis, apesar de os filósofos terem a convicção de que o estado civilizado
exigia a criação de certas desigualdades.
3.4 PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS

As palavras de SANTOS são bem explicativas do que ocorreu com as propostas


iluministas: “Trata-se de um projeto contraditório, pois de um lado a envergadura de suas
propostas abre um vasto horizonte à inovação social e cultural e, por outro, a
complexidade de seus elementos constitutivos torna praticamente impossível evitar que o
cumprimento das promessas seja nuns casos excessivo e noutros insuficientes”.[14] De
fato, a ousadia de um propósito tão vasto contém em si a semente de seu próprio
fracasso: promessas incumpridas e déficits irremediáveis.

Os iluministas propagaram idéias que não puderam ser verificadas e atingidas na


realidade. Se reconheciam a autonomia econômica que dava o direito de cada indivíduo
de dispor do mínimo para sobreviver, as demais dimensões da autonomia não foram com
ela interligadas.

A modernidade anunciou propostas irrefutáveis que não se mostraram presentes, e


acabou por se revelar incapaz de reorganizar o caos que atinge a todos, coisificando o
mundo e o ser humano. O universalismo foi afastado por particularismos nacionais,
culturais, racionais e religiosos, não atentando para diferenças reais. A individualidade é
utopia ao se ver presente o conformismo e a sociedade de consumo em que uns almejam
certos bens, não por necessidade, mas porque os outros têm. Além disso, deixou-se de
lado a utilidade coletiva e o fato de todo o indivíduo ser social, à medida que o telos da
individualização crescente só pode ser alcançado socialmente. A autonomia vem sendo
negada em suas três formas: intelectual, haja vista o ressurgimento de crenças em
duendes, bruxas e gnomos; política, porquanto encenada apenas para o formalismo
eleitoral e econômica, diante das condições de pobreza absoluta em que a parcela
considerável da população mundial vive, e econômica, pois a igualdade muitas vezes
pregada não foi buscada na prática.

A modernidade não pode arcar com os pressupostos anunciados, pois, a razão que seria
o instrumento realizador de maravilhas, tornou-se, na verdade, o mecanismo de
dominação da minoria desamparada. Se aos indivíduos foi prometido que eles teriam
autonomia, igualdade e individualidade, graças à razão emancipadora, o que ocorreu de
fato foi a utilização da razão apenas para satisfazer a busca desenfreada pelo lucro e
para explorar os mais fracos. Esclarecem ARANHA E MARTINS:

“(...) quando a racionalidade assume as vestes de razão de Estado ou de razão


econômica (como no caso do Brasil), estamos lidando com uma visão parcial e
instrumental da razão que tenta adequar meios a fins. É a razão que observa e normaliza,
razão que calcula, classifica e domina, em função de interesses de classes e não dos
interesses da sociedade como um todo. E, se o poder que oprime fala em nome da
racionalidade, para combatê-la parece necessário contestar a própria razão”.[15]

Essa razão instrumental foi objeto de críticas de muitos estudiosos, bem como da Escola
de Frankfurt, como veremos a seguir.

4 A CRÍTICA À RAZÃO NA PERSPECTIVA DA ESCOLA DE FRANKFURT

4.1 O QUE É A ESCOLA DE FRANKFURT

A Escola de Frankfurt foi um movimento social iniciado em 1923, na Alemanha, com o


advento do Instituto para Pesquisa Social, fundado por iniciativa de Félix Weil.
Participaram do movimento intelectuais de origens e influências teóricas distintas, visando
elaborar uma crítica radical daquele tempo. Eles interpretaram a vitória do nazismo e a
derrota das esperanças revolucionárias como objeto de crítica e não de mera análise,
como tantos outros pensadores.

É importante destacar que não teria havido Escola sem o Instituto. A idéia de uma
“Escola específica” só se desenvolveu depois que o Instituto foi obrigado a abandonar
Frankfurt em decorrência da chegada de Hitler no poder. A própria expressão Escola de
Frankfurt só foi utilizada depois do regresso do Instituto à Alemanha em 1950. Ademais, o
termo “Escola de Frankfurt” pode dar uma idéia de convergência e concisão de temas
estudados e de caminhos teóricos, o que raramente ocorreu. A atuação conjunta de
diversos pensadores nesse movimento intelectual é explicada pela “capacidade intelectual
e crítica, sua reflexão dialética, sua competência dialógica ou aquilo que Habermas viria a
chamar de “discurso”, ou seja, o questionamento radical dos pressupostos de cada
posição e teorização adotada”, nos dizeres de FREITAG[16].

A Escola de Frankfurt pode ser estudada mediante a divisão dos momentos históricos, ou
considerando a liderança exercida, ou conforme tantos outros critérios.

FREITAG[17] utiliza-se da divisão por momentos históricos e por liderança. Pelo critério
dos momentos históricos há três fases de análise: o primeiro, tratando da proposta inicial
da Escola, parte da fundação do Instituto para Pesquisa Social em 1923 e vai até 1932,
período em que são criadas filiais do Instituto em outros países em decorrência do
nazismo; o segundo momento inicia-se em 1933, quando o Instituto é transferido para
Genebra e vai até 1950, quando ocorre o retorno à Frankfurt, representando o período de
exílio; a terceira fase pode ser denominada de “reconstrução” do Instituto e ocorre no
período de 1950 a 1970. Considerando o critério da liderança exercida no grupo, a autora
faz outra divisão: inicialmente (período de antes e durante a Segunda Guerra Mundial até
a volta de Horkheimer e Adorno para Frankfurt em 1950) o líder é Horkheimer. Um
segundo momento seria o período de reconstrução do Instituto, em que Adorno assume a
sua direção intelectual, introduzindo o tema da cultura e desenvolvendo em sua teoria
estética uma versão especial da teoria crítica. Por fim, o destaque é dado a Habermas,
cujo estudo traz a teoria da ação comunicativa como proposta de resolução dos impasses
criados por Horkheimer e Adorno, iniciando-se na década de 70 e estando ainda em
desenvolvimento – o que pode sustentar a ausência de um ponto final à Escola de
Frankfurt, apesar da discussão sobre a consideração de Habermas como
frankfurtiano.

É importante notar que foi a “primeira geração de frankfurtianos” que tornou a Escola de
Frankfurt renomada e conhecida mundialmente, sendo representantes incontroversos do
movimento Horkheimer e Adorno[18].

Os filósofos desse movimento têm formação marxista, motivo pelo qual discordam do
ponto de vista hegeliano de que a História é obra da própria razão, sem que essa seja
condicionada social, econômica e politicamente. Hegel estaria equivocado ao entender
que a razão seria uma força autônoma e histórica criadora da própria sociedade, da
política e da cultura. Todavia, apóiam-se nas considerações de Hegel acerca das
mudanças históricas que ocorrem pelos conflitos e contradições e na continuidade
temporal entre as formas de racionalidade. Assim, cada forma de racionalidade nova
advém da superação dos conflitos das formas anteriores, sem haver ruptura histórica
entre elas. Enquanto Hegel sustentava que a razão determina a sociedade, os
frankfurtianos compreendiam que a sociedade é que condiciona a razão.
Os frankfurtianos desenvolveram uma explicação sobre o fenômeno do totalitarismo de
ordem metafísica: é na constituição do conceito de razão que esses filósofos alojam a
origem do irracional.

Para tais pensadores, há duas formas de razão, a instrumental, que está a serviço da
exploração e da dominação, e a crítica, que reflete sobre as contradições e os conflitos
sociais e políticos, sendo uma força libertadora.

A crítica à razão torna-se a exigência revolucionária para o advento de uma sociedade


verdadeiramente racional, à medida que se tem uma racionalidade instrumental forte
direcionada para a dominação da natureza e para fins lucrativos, que coloca a ciência e a
técnica a serviço do capital.

4.2 A TEORIA CRÍTICA

A Escola de Frankfurt, mediante sua Teoria Crítica da sociedade, traz um referencial


teórico e uma metodologia capazes de criticar a visão técnico-científica dos pressupostos
iluministas, conforme se vislumbra na colocação de HORKHEIMER e ADORNO[19]:

Mas, enquanto o iluminismo conserva seu direito contra qualquer hipótese de utopia e
enuncia impassível a dominação enquanto ruptura, a cisão entre sujeito e objeto, cujo
encobrimento é por ele proibido, converte-se em índice da verdade e de sua própria
inverdade. O desterro da superstição sempre significou o progresso da dominação, ao
mesmo tempo que seu desnudamento. O iluminismo é mais do que iluminismo, natureza
que se torna perceptível na sua alienação. (...) A sujeição à natureza consiste na sua
dominação, sem a qual não existe espírito.

Os pensadores da Escola de Frankfurt elaboraram uma Teoria Crítica, em oposição à


Teoria Tradicional existente: se a Teoria Tradicional era representada pelo pensamento
cartesiano da não-contradição, da observação, do experimento, da manipulação do
mundo exterior e da separação rigorosa entre sujeito e objeto (independência do
acontecimento objetivo em face da teoria), a Teoria Crítica vem apresentar o pensamento
negativo, da emancipação e do esclarecimento, da validade da teoria apenas se for
cognitivamente aceitável quando sobreviver a uma avaliação mais complicada, da
contradição que não separa sujeito e objeto (ou seja, a própria teoria será objeto de
estudo; tratará em parte a respeito de si mesma, sendo auto-referentes), haja vista o
entendimento dos frankfurtianos de que a separação do objeto da teoria equivale à
falsificação da imagem, conduzindo ao conformismo e a submissão.

Horkheimer não concorda com o procedimento da Teoria Tradicional que, ao constatar


problemas na teoria com a qual se deparam, não procuram resolvê-los, mas
simplesmente buscam outra teoria[20].

O comportamento “crítico” pressupõe uma inter-relação da sociedade com seu objeto, em


que os indivíduos jamais aceitam como naturais os empecilhos que são colocados na sua
atividade. O sujeito não procura se conformar com a situação objetiva que lhe é proposta,
questionando, avaliando e trabalhando para que o objeto seja transformado. É essa
ausência de premissas e o incessante suspeitar que caracteriza o caráter dialético do
homem que é regido pelo pensamento crítico. HORKHEIMER, em trabalho célebre (e por
isso exaustivamente citado nessa parte do trabalho), demonstra a função transformadora
da teoria crítica na sociedade: “a função da teoria crítica torna-se clara se o teórico e a
sua atividade específica são considerados em unidade dinâmica com a classe dominada,
de tal modo que a exposição das contradições sociais não seja meramente uma
expressão da situação histórica concreta, mas também um fator que estimula e que
transforma”.[21]

A Teoria Tradicional a que a Teoria Crítica se contrapõe afasta a aplicação da teoria a um


papel determinado na práxis. O conceito tradicional de teoria a considera um
encadeamento sistemático de proposições válidas, perfeitamente interligadas e não-
contraditórias em um universo delimitado. Nessa concepção tradicional, o pensamento é
visto como isolado da realidade social[22], diversamente do pensamento crítico que
pretende anular a oposição entre a consciência dos objetivos e a racionalidade do
indivíduo, por um lado, e, por outro, as relações sociais. Nos dizeres de
HORKHEIMER[23], “o pensamento crítico contém um conceito do homem que contraria a
si enquanto não ocorrer esta identidade. Se é próprio do homem que seu agir seja
determinado pela razão, a práxis social dada, que dá forma ao modo de ser (Dasein), é
desumana, e essa desumanidade repercute sobre tudo o que ocorre na sociedade”.

Outra diferença entre os pensamentos tradicional e crítico é acerca da consideração do


sujeito, pois, se para o primeiro o sujeito era representado em sua individualidade, ou
seja, um ponto dentro da coletividade (podendo ser indivíduo o burguês, apenas), para o
segundo, o sujeito é considerado conscientemente como sujeito a um indivíduo inserido
em seus relacionamentos efetivos com outros indivíduos e grupos, vinculado ainda com o
todo social.

Urge destacar a aceitação da contradição pelo pensamento crítico e sua importância. Na


forma tradicional de teorizar, o princípio da não-contradição está sempre em evidência,
traduzindo a perfeição dos pressupostos científicos (sem correlação com a prática) que
embasam a teoria cuja estrutura nega a existência de uma premissa divergente de outra.
O pensamento crítico, inovando o conceito de teoria, admite a contradição, porquanto
considera a teoria um conjunto de conceitos que encontram veracidade em uma situação
da práxis, a qual está em constante transformação; assim, à medida que se formula um
conceito com base na vivência social, é comum acontecer de a prática ser alterada e a
teoria tornar-se contraditória.

A partir desses preceitos advém a dialética negativa que estabelece afirmações a partir da
negação, ou seja, a teoria pode estar lastreada em uma situação de negatividade que
afirma uma situação positiva. Para deixar mais claro, Horkheimer exemplificou na situação
da criança: ela é um não-adulto, qualificada, pois como criança, ou seja, sua situação
positiva de “ser” criança é constatada a partir de uma situação negativa do que ela não é.
Esse pensador leciona que há nessa situação um único núcleo imutável que é “este ser
humano”, diferentemente da posição positivista que sustenta a inexistência de identidade,
pois primeiro há uma criança, depois um adulto e ambos constituem um complexo de
fatos diferentes. Esse frankfurtiano é severo ao considerar que “esta lógica não está em
condições de compreender que o homem se transforma e apesar disso permanece
idêntico a si mesmo”.[24]

A Teoria Crítica, pois, consiste em uma nova visão da filosofia que procurou tratar da
crítica à sociedade burguesa, ao marxismo dogmático da época stalinista, à filosofia
tradicional e à razão instrumental, sendo essa última o foco de atenções nessa pesquisa.

4.2.1 A crítica à razão instrumental


Como já foi amplamente mencionado, o iluminismo trouxe a lume a razão e suas
potencialidades, tornando o indivíduo capaz de determinar-se incondicional e
ilimitadamente por ela. Foi visto também que essas potencialidades não se fizeram
presentes como foram propostas, causando déficits sociais.

A Escola de Frankfurt, entre outras discussões que suscita, atenta para o advento da
razão instrumental, objeto desse estudo no momento. Essa razão instrumental consiste
em uma razão que sujeita os indivíduos e a vida social ao conhecimento técnico e
empírico apresentado pelas classes dominantes, ocasionando um processo de
desumanização.

Nas palavras de PIZZI[25],

Horkheimer e Adorno não negam que a razão instrumental tem em si mesma, certa
possibilidade de emancipação. Esta é, porém, uma tentativa eivada de uma fé ingênua
nas ciências empíricas que, ao término de tudo, quase sempre recai no mito, na barbárie
e na dominação. A razão instrumental determina um saber voltado para a técnica e a
dominação da natureza e dos homens, tolhendo qualquer tentativa de promover uma
situação na qual os sujeitos possam almejar a verdade.

(...) A Teoria Crítica é a tentativa de redefinir um conceito de razão mais amplo, tanto na
dimensão teórica como no plano da prática, de maneira que se possam destruir as
barreiras da racionalidade instrumental. A Teoria Crítica diz que essa razão se
transformou num poder que define os homens como meros manipuladores de
instrumentos e transforma as pessoas em máquinas. Esses pressupostos se apóiam no
princípio objetivista da ciência que reduz o sujeito a mero objeto de observação e
controle.

GEUSS ressalta a fundamental interpretação frankfurtiana acerca de determinantes


inconscientes da consciência e do comportamento conduzidas pelas instituições sociais
coercitivas, as quais não são percebidas pela teoria anterior cuja orientação levava os
indivíduos a aceitaram a figuração do mundo e agirem conforme o que estava posto,
pensando falsamente que estariam se comportando livremente.Esse autor esclarece que
“a teoria crítica “dissolve” a “ilusão objetiva”, isto é, rejeita a alegação de ser
objetivamente válida a figuração de mundo”[26].

É na obra conjunta de Adorno e Horkheimer denominada Dialética do Esclarecimento que


o racionalismo é inicialmente criticado, juntamente com a mitologia, motivo pelo qual faz-
se necessária a abordagem de alguns pontos dessa obra.

Para Adorno a intenção do desenvolvimento do estudo da Dialética do Esclarecimento era


provar a pertinência dos conceitos sobre a dialética do progresso musical para a teoria da
sociedade e a filosofia da história. Para Horkheimer a idéia era a integração da crítica do
positivismo e da antropologia burguesa numa perspectiva mais ampla e de tirar as
conseqüências teóricas de sua crítica da eliminação dos problemas religiosos e de seu
reconhecimento de que a crítica de Benjamin do progresso era correta. Combinados
esses propósitos, os autores pretendiam descrever o futuro do capitalismo engajado na
rota do fascismo.

O termo “Esclarecimento” queria significar a libertação dos homens do medo, mas,


concomitantemente, afirmavam que nesse “Esclarecimento” estava inseria a dominação
do mítico. Com isso pode-se crer que “Esclarecimento” estaria significando ora o sentido
positivo e ora o sentido negativo. Todavia, o que os autores realmente pretendiam era
demonstrar que o falso esclarecimento impede a vitória das verdades, a qual seria a única
a poder preservar as fatais conseqüências das falsas “Luzes”. Nesse sentido é importante
a explicação de Adorno a Löwenthal:

Tem-se, muitas vezes, a impressão de que nós nos refugiamos quase “dogmaticamente”
por trás da razão objetiva, depois de definir o caráter incontornável da razão subjetiva. Na
verdade, dois pontos devem aparecer claramente: primeiro, que não existe “solução”
positiva no sentido de uma filosofia que, simplesmente, se opusesse à razão subjetiva;
segundo, que a crítica da razão subjetiva só é possível dialeticamente – isto é, mostrando
as contradições que seu próprio desenvolvimento contém e superando-as por sua
negação determinada. (Carta de Adorno a Löwenthal, de 3 de junho de 1945).

O objetivo dessa obra era, conforme constava na apresentação do volume mimeografado,


“a defesa do racionalismo pela revelação das implicações perniciosas que lhe são
inerentes e pela demonstração de que certos elementos críticos, que eram, outrora,
dirigidos contra os ideais humanistas do Aufklärung[27], podem integrar-se a ele com bom
resultado”; “ uma análise crítica da civilização em sua fase atual de integração industrial
em grande escala, de controle manipulador, de progresso tecnológico e de padronização.
Eles buscam as origens da crise manifesta da civilização moderna na história e nos
processos que permitiram que a humanidade estabelecesse seu controle sobre a
natureza. Os dois pontos altos de suas pesquisas são a mitologia e o racionalismo”.
Assim, verifica-se a preocupação em desvelar a razão instrumental presente na
sociedade.

4.3 PENSADORES EM DESTAQUE

Já foi mencionado que Horkheimer e Adorno foram personalidades marcantes da Escola


de Frankfurt. Ambos criticaram a razão exaltada no iluminismo, uma vez que essa se
traduziu na sociedade como meio de alienar as massas:

Hoje que a utopia de Bacon, de podermos “ter a natureza, na práxis, a nosso mando”,
concretizou-se em proporções telúricas, torna-se manifesta a essência da coação, por ele
atribuída à natureza não dominada. Essa essência era a própria dominação. O saber, que
para Bacon residia indubitavelmente na “superioridade do homem”, pode passar agora à
dissolução dessa dominação. Mas, face a semelhante possibilidade, o iluminismo a
serviço do presente transforma-se no total engano das massas. (HORKHEIMER, Max,
ADORNO, Theodor. Conceito de iluminismo in Os pensadores . Pg. 116).

No entendimento desses pensadores, as potencialidades da razão possibilitaram seu


desvirtuamento, fazendo surgir uma racionalidade voltada para o atendimento das
finalidades das classes dominantes, denominada “razão instrumental”.

Esse entendimento comum a ambos pode ser atribuído às influências filosóficas


coincidentes[28], como Immanuel Kant, Georg Hegel, Karl Marx, Friedrich Nietzsche e
Sigmund Freud.

No concernente a Kant, ambos foram alunos de Hans Cornelius, um neokantiano que


lecionou em Frankfurt e orientou suas teses de habilitação. Quanto a Hegel, Horkheimer
trabalhou as relações entre ele e Kant, libertando-se da influência de Cornelius. Adorno foi
influenciado pelo hegelianismo mediante a leitura de Lukács ainda não marxista e de
Ernst Block. A influência mais decisiva para o irromper da teoria crítica da sociedade foi
certamente a de Marx, a começar pela fundação do Instituto para a Pesquisa Social que
pretendia inicialmente abrir um espaço para a reflexão marxista. Horkheimer, ao escrever
seu opúsculo Teoria Tradicional e Teoria Crítica pretendeu homenagear os sessenta anos
de publicação do primeiro volume de O capital, de Marx, querendo demonstrar a
necessidade de toda a teoria social ser crítica e transformadora da realidade. A influência
de Nietzsche, por sua vez, ainda que relativo ao pensamento oficial da direita alemã e da
caracterização da Escola como de esquerda, encontra-se no período de formação e de
produção anterior à Dialética do Esclarecimento, em virtude de sua dimensão
libertária.Em relação a Freud, ambos reconheciam a importância da psicanálise, tendo
Adorno se utilizado de conceitos freudianos para a análise de objetos estéticos e
Horkheimer contribuído para a divulgação da psicanálise na Alemanha. Foi assim que os
expoentes da Escola de Frankfurt construíram seu pensamento, que merece destaque
conforme veremos a seguir.

4.3.1 Max Horkheimer (1885- 1973)

Nascido em 1885 em Stuttgart, era judeu de origem, como todos os intelectuais da Escola
de Frankfurt. Teve a motivação de uma emancipação progressiva por influência
inicialmente de Friedrick Pollock. Estudou psicologia, filosofia e economia política. Os
professores que o marcaram foram o psicólogo Schumann e o filósofo Hans Cornelius.

Schumann pertencia à escola da Gestaltpsychologie[29], tendo influenciado o tema da


tese de doutorado de Horkheimer, que seria em psicologia (Modificações de forma na
zona insensível às cores da íris do olho), não fosse a publicação em Copenhague de uma
pesquisa quase idêntica, fazendo Cornelius sugerir a Horkheimer, seu orientando, que
elaborasse um trabalho filosófico (Sobre a antinomia da faculdade teleológica de julgar), o
qual fora defendido com êxito. Cornelius convidou Horkheimer para tornar-se seu
assistente, seguindo, então, carreira universitária em filosofia.

Apesar de vir de uma família rica (possuidores de indústrias), tinha como compromisso, a
partir do pessimismo schopenhaueriano, despertar a consciência pesada dos
privilegiados, pois não aceitava “que todos aqueles cavalheiros e damas distintos não só
exploravam continuamente a miséria dos outros, mas ainda produziam-na, renovavam-na
para poder viver a sua custa e aprontavam-se para defender esse estado de coisas ao
preço do sangue alheio, tanto quanto preciso fosse”(Dämmerung[30], 329). Por outro
lado, Horkheimer notava que os privilegiados eram beneficiados por suas qualidades, ao
passo que os pobres e os trabalhadores eram mesquinhos: “A inteligência e todas as
outras capacidades se desenvolvem tanto mais facilmente quanto mais elevado for o
padrão de vida ....Isso não vale apenas para as competências sociais, mas também para
o resto das qualidades do indivíduo (...)”(265). Ele afirmava que aqueles que vivem na
miséria têm direito ao egoísmo material de almejar fortemente a melhoria da existência
material, por meio de uma organização racional das relações humanas.

Willy Strzelewicz, bolsista do Instituto durante os anos de 1928 a 1931, caracterizou


Horkheimer como um filósofo burguês próximo do marxismo (mas longe do marxismo de
Lukács) e do comunismo, semineokantiano semipositivista, docente que gostava de
proporcionar discussões abertas, estando distante da filosofia “interpretativa” de Adorno e
Benjamin.

O que diferencia a perspectiva de Horkheimer e de Adorno é que, para o primeiro, a razão


poderia ser vista de duas formas, quais sejam, a objetiva e a subjetiva, e para Adorno a
razão era única.
Para a concepção de Horkheimer, a razão objetiva possibilitava a escolha de fins em si
razoáveis e era a existente na modernidade emergente e nas metafísicas; a razão
subjetiva, por sua vez, designava a faculdade do espírito de mobilizar os meios mais
adequados para atingir os fins, sem que esses fossem suscetíveis de uma avaliação
racional.

Enquanto para Adorno o fim da transcendência resulta do desaparecimento da estrutura


dilemática da razão iluminista, para Horkheimer ele é explicado pela hegemonia da razão
subjetiva.

No texto “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, ele mostra a não-divisão entre teoria
conceitual e práxis social. A Teoria Crítica reunifica a razão e sensibilidade, tornadas
antagônicas pelo pensamento dualista que separa sujeito e objeto de conhecimento.
Assim, a teoria por ele proposta sugere uma sociedade considerada no seu “todo”.

Na interpretação de PIZZI[31] acerca do pensamento de Horkheimer a racionalidade da


civilização industrial é um instrumento de dominação da natureza que instaura uma
organização que desumaniza o homem.

Ele compreende o nazismo como uma “revolta da natureza reprimida”. Ao submeter a


natureza a seu comando, a racionalidade de origem cartesiana submete o próprio sujeito.

4.3.2 Theodor Adorno (1903-1969)

Theodor Wiesengrund Adorno nasceu em 1903 em Frankfurt. Seu pai, judeu alemão, era
proprietário de um comércio atacadista de vinhos, sua mãe fora cantora e sua tia era
pianista, o que influenciou o interesse pela música de Adorno.

Na escola conheceu Leo Löwenthal, que fora durante toda a sua vida seu amigo e rival,
primeiro em relação ao mentor comum, Kracauer, depois quanto a Horkheimer, que fora
assistente de Cornelius e depois diretor do Instituto.

Sua formação teórica deve ser atribuída inicialmente a Siegfried Kracauer[32], a Lukács e
a Bloch, o que o direcionou ao estudo da crítica e da estética musicais. No campo da
música, seu ponto de referência essencial era o compositor de feição impressionista
Arnold Schönberg[33]. Mais talentoso como comentarista de música do que como
compositor, Adorno tendia para a carreira universitária em filosofia. Adorno se interessava
pelo “primado da consciência”, ou seja, um conceito globalizador da racionalidade. Como
leciona WIGGERSHAUS[34], “ele interpretava o conceito do inconsciente ora como um
marco da consciência, ora como a denominação dos estados insconscientes que se
poderiam trazer ao consciente. Considerava a psicanálise freudiana a ciência empírica do
inconsciente que vinha preencher o quadro estabelecido pela filosofia transcendental”.

A partir de 1927, passou a encontrar-se com Walter Benjamin, tendo sido o ponto de
partida da conversa dos dois o Passagenwerk, de Benjamin, que revelou a Adorno uma
filosofia da arte e da história que buscava o lado materialista em todo o campo do
cotidiano de uma sociedade e que se engajava na interpretação dos detalhes.

Em algumas obras adornianas de crítica musical vislumbra-se a defesa da teoria da luta


de classes e da possibilidade de atribuir especificamente a um classe os produtos da
filosofia e da arte.
A perspectiva adorniana de elaboração de uma teoria crítica da sociedade caracteriza-se
pela contextualidade ou historicidade (influência benjaminiana), ou seja, os ideais sociais
e culturais que são traçados pelo estudioso não partem de um fundamento absoluto, mas
da tradição em que ele está inserido. Por esse motivo, a teoria que o analista pretende
elaborar será dirigida para um grupo particular, contribuindo para seu auto-conhecimento,
já que parte de concepções válidas para aquele conjunto de pessoas
especificamente.GEUSS[35] diferencia, a partir da contextualidade adorniana, a
racionalidade por ele proposta e a racionalidade transcendental de Habermas, herdeiro da
Escola de Frankfurt[36].

ROUANET também equipara a teoria adorniana e habermasiana, propondo essa última


como forma de superar as “aporias” das teses de Adorno. Seriam três as “aporias” da
teoria adorniana: “a de uma razão que continua exercendo sua atividade, depois de ter
perdido todo direito à existência; a de uma razão que critica a razão, e com isso
compromete os seus fundamentos; e a de uma razão que quer ultrapassar o conceito,
mas para isso não pode abrir não do conceito”.[37] No entendimento desse autor, Adorno
acreditava que a razão tinha uma só dimensão, a da dominação da natureza e dos
homens.

DUARTE, em defesa das considerações de Adorno, rebate as “aporias” de ROUANET


fundadas na crítica de Habermas à razão negativa. DUARTE[38] esclarece que Habermas
reduz a razão instrumental proposta por Adorno e Horkheimer que seria a determinação
da hipertrofia do elemento, na razão, conexo aos meios de sobrevivência física, a uma
descrença na razão como um todo que ofuscaria a diferenciação entre o verdadeiro e o
falso. DUARTE acredita que as ditas “aporias” seriam criações errôneas advindas da
interpretação habermasiana, pois Adorno não estabelece uma crítica totalizada que
acarretaria em uma contradição perfomativa, uma vez que a própria idéia de totalidade é
radicalmente problematizada na obra de Adorno. DUARTE afirma que na obra adorniana
Mínima Moralia é evidente o combate ao absolutismo da negação.

5 CONCLUSÃO

Esse trabalho pretendeu demonstrar como a razão foi compreendida nos fins do século
XVII e início do século XVIII, em que fora colocada em um trono, cujo reinado até então
pertencia à fé. Para tanto, foi necessário tecer breves considerações do pensamento de
René Descartes, Voltaire, Rousseau e Kant, os quais foram escolhidos pelo caráter
peculiar de seus pensamentos com relação à razão.

Essa razão exaltada no século XVIII trouxe consigo as propostas de universalidade,


individualidade e autonomia, as quais não puderam ser efetivadas na prática. Essa
situação deficitária foi por muitos criticada, tendo sido escolhida a perspectiva da Escola
de Frankfurt, representada aqui por seus pensadores mais significativos, para contrapor à
razão emancipatória a razão instrumental.

Constata-se, pois, que apesar da crítica à razão instrumental, os frankfurtianos ainda


criam na possibilidade da existência de uma razão pura, atemporal e em favor da
coletividade, que nasceria a partir da desvinculação do uso da razão às práticas dos
poderosos.

Atualmente tem-se muitas teorias que tipificam como utópica a busca da Escola de
Frankfurt por essa razão pura. Todavia, é importante deixar claro que a contribuição
desse movimento foi essencial ao denunciar a existência da razão instrumental,
justamente no momento histórico pós-Revolução Industrial, em que surgiu a massa de
consumidores e o proletariado, vitimados pela opressão dessa racionalidade.

Com isso se quer demonstrar a importância do movimento naquele momento histórico em


que a razão instrumental era presente na sociedade, mas até então imperceptível. Se
hoje há teorias que superam as premissas da Escola de Frankfurt, não se pode, por isso,
descartá-la, tampouco invalidá-la, porém, adequá-la ao que estava sendo vivido e aos
conhecimentos existentes.

Referências:

ADORNO, Theodor W. Prismas:crítica cultural e sociedade. Tradução de: Augustin


Wernet e Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Ática, 1998.

ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Tradução de:


Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução
à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.

ASSOUN, Paul-Laurent. A Escola de Frankfurt. Tradução de: Helena Cardoso. São Paulo:
Ática, 1991.

CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. 3. ed. Tradução de: Álvaro Cabral. São
Paulo: Editora da UNICAMP, [s.d.]

DUARTE, Rodrigo. Adorno/Horkheimer & A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar Editor, 2002.

DUARTE, Rodrigo. Adornos: nove ensaios sobre o filósofo frankfurtiano. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 1997.

ENCICLOPÉDIA BARSA. Vol. 9. São Paulo: Encyclopaedia Britannica Consultoria


Editorial Ltda., 1993.

FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de direito à


sujeição jurídica. São Paulo: LTr, 2002.

FREITAG, Bárbara. A teoria crítica: ontem e hoje. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

GEUSS, Raymond. Teoria crítica: Habermas e a Escola de Frankfurt. Tradução de: Bento
Itamar Borges. Campinas, SP: Papirus, 1988.

HORKHEIMER, Max. Teoria Critica: uma documentação. Tradução de: Hilde Cohn. São
Paulo: Perspectiva: Editora da Universidade de São Paulo, 1990.

LEITE, Eduardo de Oliveira. A monografia jurídica. 5. ed.São Paulo: RT, 2001.

MATOS, Olgária C. F. A escola de Frankfurt: luzes e sombras do Iluminismo. São Paulo:


Moderna, 1993.
NOBRE, Marcos. A dialética negativa de Theodor W. Adorno. São Paulo: Iluminuras,
1998.

OS PENSADORES. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

PIZZI, Jovino. Ética do discurso: a racionalidade ético-comunicativa. Porto Alegre:


EDIPUCRS, 1994.

ROUANET, Sérgio Paulo. As razões do Iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras,
1987.

ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na modernidade. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.

SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da


experiência.São Paulo: Cortez, 2000.

TASCHNER, Gisela B. A pós-modernidade e a sociologia. Revista USP, São Paulo, n. 42,


p. 6-19, jun./ago. 1999.

WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico,


significação política. Tradução do alemão por: Lilyane Deroche-Gurgel; tradução do
francês por: Vera de Azambuja Harvey. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.

Notas

[1] CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo., pg. 22.

[2] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:
introdução á filosofia, pg. 125.

[3] Os livreiros Briasson, Durand e David propuseram a Diderot que traduzisse do original
inglês a Cyclopédia de Ephraim Chambers, publicada em 1728. Ele aceita e convida D’
Alembert para ser o co-diretor para assuntos científicos. Reúne os intelectuais franceses e
divide os assuntos a serem pesquisados.

[4] CASSIRER, Ernst. A filosofia do Iluminismo. pg. 15.

[5] HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor. Conceito de Iluminismo in Os pensadores.


pg. 93.

[6] ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-estar na modernidade., pg. 166.

[7] Quando Voltaire combate os judeus bíblicos trata-se de condenar o cristianismo, e não
os judeus em si.

[8] A crítica de Rousseau às sociedades civilizadas e a idealização do homem primitivo


foram vistas por muitos autores como expressão de um desejo de retorno à animalidade.
Alguns o aproximaram dos cínicos gregos. Voltaire fez essa aproximação dizendo que
“ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos converter em animais” e que ler
Rousseau faz nascer “desejos de caminhar em quatro patas”. Essa é uma demonstração
do sarcasmo voltairiano, pois o que Rousseau pretendeu não foi exaltar a animalidade do
selvagem, mas sua profunda humanidade em relação ao homem civilizado.

[9] FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de direito


à sujeição jurídica., pg. 67.

[10] ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na modernidade. pg. 9.

[11] FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de


direito à sujeição jurídica. pg. 69.

[12] FONSECA, Ricardo Marcelo. Modernidade e contrato de trabalho: do sujeito de


direito à sujeição jurídica.pg. 70.

[13] ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na modernidade. pg. 16.

[14] SANTOS, Boaventura de Souza Santos. Crítica da Razão Indolente., pg 49.

[15] ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS. Filosofando: introdução á filosofia. pg.
125.

[16] FREITAG, Bárbara. Teoria Crítica ontem e hoje. pg. 33.

[17] FREITAG, Bárbara. Teoria Crítica ontem e hoje.pg. 30.

[18] “O grupo de intelectuais que outrora cercava os dois teóricos se havia reduzido muito.
Marcuse decidira ficar nos Estados Unidos. Deixara o Office of Strategic Service para
assumir uma cátedra na Universidade Brandeis na Califórnia, onde permaneceria até sua
morte em 1980. Loewenthal tornou-se diretor da “Voz das Américas”; Wittfogel e
Neumann aceitaram cátedras nas universidades de Washington e Nova Iorque, e Fromm
se incompatibilizara com o grupo ainda durante os primeiros anos da emigração em Nova
Iorque. Permaneceu nos Estados Unidos até sua aposentadoria, transferindo-se somente
depois para a Floresta Negra, pouco antes de sua morte. Benjamin havia se suicidado em
1943 na fronteira espanhola. Bloch, depois da emigração nos Estados Unidos iria para a
Alemanha Oriental. Aceitou depois uma cátedra em Tuebingen, onde lecionou até sua
morte. A “Escola de Franfurt” estava, pois, reduzida aos seus expoentes mais
significativos: Adorno e Horkheimer” (FREITAG, Bárbara. Teoria Crítica ontem e hoje, pg.
22.

[19] HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor. Conceito de Iluminismo in Os pensadores.


pg. 114.

[20] “No século XVII, ao invés de resolver as dificuldades nas quais o procedimento
gnosiológico da astronomia tradicional havia se envolvido tentando superá-las por meio
de construções lógicas, passou-se a adotar o sistema coperniciano”. (HORKHEIMER,
Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores. pg. 122)

[21] HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores .pg. 136.
[22] Nesse sentido, HORKHEIMER exemplifica mediante o especialista que, enquanto
cientista, analisa a realidade social como algo exterior e, enquanto cidadão mostra o seu
interesse pela realidade por meio de escritos políticos, participação em eleições e
organizações partidárias, sem unir ambas as coisas. (HORKHEIMER, Max. Teoria
Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores .pg. 132).

[23] HORKHEIMER, Max. Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores .pg. 132.

[24] HORKHEIMER, Max . Teoria Tradicional e Teoria Crítica in Os pensadores. pg. 142.

[25] PIZZI, Jovino. Ética do Discurso: a racionalidade ético-comunicativa. pg. 19.

[26] GEUSS, Raymond. Teoria Crítica: Habermas e a Escola de Frankfurt. Pg. 119.

[27] Significa esclarecimento em Alemão.

[28] DUARTE, Rodrigo. Adorno/Horkheimer e a Dialética do Esclarecimento. pg. 16.

[29] Grupo progressista de psicólogos que praticavam pesquisa experimental segundo


abordagens da percepção das formas, cujo objetivo era provar e legitimar a autonomia da
forma, do todo, perante os detalhes da percepção e de sua adição.

[30] É o título das notas redigidas por Horkheimer de 1926 a 1931, publicadas em 1934
durante seu exílio suíço, sob o pseudônimo de Heinrich Regius.

[31] PIZZI, Jovino. Ética do Discurso: a racionalidade ético-comunicativa. pg. 16.

[32] Estudou com Kracauer a “Crítica da razão pura” de Kant, o qual revelava que o texto
não era uma simples teoria do conhecimento, mas uma mensagem codificada em que se
poderia decifrar o estado histórico do espírito e se enfrentava o objetivismo e o
subjetivismo, a ontologia e o idealismo.

[33] Foi interessante a constatação de Adorno de que Schönberg, que só se interessava


pela arte e que era favorável à monarquia e à nobreza em se tratando de política, tinha
produzido uma revolução na música.

[34] WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento teórico,


significação política. pg. 113.

[35] GEUSS, Raymond. Teoria crítica: Habermas e a Escola de Frankfurt. pg. 105.

[36] A colocação de que Habermas é herdeiro da Escola de Frankfurt não é pacífica.

[37] ROUANET, Sérgio Paulo. Razão Negativa e Razão Comunicativa in As razões do


iluminismo. pg. 331.

[38] DUARTE, Rodrigo. Notas sobre a “carência de fundamentação” na filosofia de


Theodor Adorno in Adornos: nove ensaios sobre o filósofo frankfurtiano. pg. 133.

Potrebbero piacerti anche