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VEBLEN E HAYEK; COASE E SIMON; ARTHUR E KIRMAN: LIMITES DO

MODELO MICROECONÔMICO CONVENCIONAL EM TRÊS PLANOS

Roberto Rocha ¹

Resumo: Este artigo apresenta alguns questionamentos feitos a teoria neoclássica de forma
que nos auxiliem a compreender o que seriam os limites do modelo microeconômico conven-
cional em três planos. A crítica aos fundamentos da teoria neoclássica se referem a ausência
de explicações causais e ao tratamento inadequado do conhecimento e foram feitas por Thors-
tein Veblen e Freidrich Hayek. Os questionamentos à estrutura do modelo microeconômico
tratam da inadequação do tratamento da firma e do processo de tomada de decisão na visão de
Ronald Coase e Herbert Simon. As restrições apresentadas aos resultados do modelo são de-
corrência de situações em que em que ocorreria a indeterminação provocada pela história e o
surgimento de interdependências complexas e foram formuladas por Brian Arthur e Alan
Kirman. Por fim se conclui que a realidade econômica dificilmente poderia ser representada
por uma teoria unificada, sendo necessário o desenvolvimento de diferentes linhas de pesquisa
para tratar de diversos problemas.

Palavras-chave: Limites da microeconomia, metodologia econômica, pensamento econômico

Abstract: This article presents some done critics the neoclassical theory so that they aid us to
understand what would be the limits of the microeconomics conventional model in three
plans. The critic to the foundations of the neoclassical theory refers the absence of causal ex-
planations and to the inadequate treatment of the knowledge and they were done by Thorstein
Veblen and Freidrich Hayek. The critics to the structure of the microeconomics model are
about the inadequacy of the treatment of the firm and of the process of taking of decision in
the vision of Ronald Coase and Herbert Simon. The restrictions presented to the results of the
model are consequence of situations in that would happen the indetermination provoked by
the history and the appearance of complex interdependences and they were formulated by
Brian Arthur and Alan Kirman. It is finally concluded that the economic reality difficultly
could be represented by an unified theory, being necessary the development of different re-
search lines to solve of several problems.

Key words: Limits of the microeconomics, economic methodology, economic thought

Classificação JEL: B41, B52, B53

Área temática: 1 – Metodologia, História e Economia Política

Contato: email: rroberto@ghc.com.br –Endereço para correspondência: Rua Ruy Carri-


conde, 163 – Jardim Itu-Sabará – Porto Alegre – RS – CEP: 91215- 260
Telefone : (51) 3357 - 4338

¹ Mestrando em economia do desenvolvimento pela PUC –RS -


VEBLEN E HAYEK; COASE E SIMON; ARTHUR E KIRMAN: LIMITES DO
MODELO MICROECONÔMICO CONVENCIONAL EM TRÊS PLANOS ♦

Roberto Rocha∗

Nós não podemos usar uma versão no vácuo da lei


dos corpos em queda para predizer o afundar de
um corpo pesado no melaço.
Herbert Simon (1978)

1. Introdução

A abordagem normalmente utilizada nos livros-texto de economia e ensinada nos cur-


sos de graduação é o que denominamos neste artigo de modelo microeconômico convencio-
nal. Sua base é a denominada teoria neoclássica, desenvolvida por um amplo conjunto de e-
conomistas até o dia de hoje, e que teve sua forma moderna em grande parte sintetizada por
Hicks e Samuelson nos anos 40 do século passado. Entretanto, esta tradição teórica também
pode ser apresentada como o desenvolvimento formal, analítico e axiomático de idéias do
pensamento econômico marginalista, 1 vertente teórica que se iniciou com a filosofia utilita-
rista inglesa 2 do início do século XIX, e que se distinguiu do pensamento clássico de Smith,
Ricardo e Stuart Mill que o havia antecedido, principalmente, por colocar a utilidade dos bens
em sua perspectiva individual, ao invés do valor do trabalho em sua dimensão social, como
elemento básico para a compreensão dos fenômenos econômicos.
Por outro lado, avaliando historicamente a evolução do pensamento econômico, desde
logo após a sua constituição como uma área de conhecimento específica, o que ocorreu entre
o final do século XVIII e início do século XIX, a ciência econômica vem sendo integrada por
uma série de escolas teóricas alternativas, que vem propondo formas distintas, e muitas vezes
contraditórias, de abordar diversos os problemas econômicos que tem sido analisados. Assim,
apesar de algumas vezes a economia ser vista externamente como um conjunto teórico unifi-
cado, efetivamente ela é caracterizada por uma efervescente diversidade teórica. Nesta medi-
da, esta diversidade teórica vem propiciando que proposições concorrentes estejam permanen-
temente sofrendo criticas de caráter externo das outras escolas, competindo então para que
haja uma maior adequação da ciência economia para com as suas finalidades . Desta forma, a

♦ Este trabalho é baseado no primeiro capítulo de meu trabalho de conclusão do curso de economia intitulado
“As limitações da ciência econômica tradicional e as contribuições institucionalistas e evolucionárias”. Agradeço
ao meu colega de mestrado Paulo Rafael Boeira Oliveira e ao Prof. Duilio de Avila Berni pelos comentários e
sugestões para a redação da segunda seção deste artigo, sendo como de praxe os erros que persistiram de minha
inteira responsabilidade, e ao Prof. Octávio Conceição pela orientação na pesquisa original.

Mestrando em economia do desenvolvimento pela PUC – RS.
1
O pensamento marginalista foi formulado por Jevons, Menger e Walras em meados dos anos 70 do século
XIX.
2
De autores como James Mill e Jeremy Bentham.
teoria neoclássica, inicialmente devido as suas próprias características, e posteriormente tam-
bém por sua significativa influência na profissão, vem sendo o alvo de vários questionamen-
tos.
Neste contexto da teoria neoclássica, de questionamentos e com significativa influên-
cia na profissão, o objetivo deste trabalho é apresentar alguns destes questionamentos, de
forma que nos auxiliem a compreender o que seriam os limites do modelo microeconômico
convencional em três planos distintos, quanto aos fundamentos da teoria, a forma como esta
estruturada e os resultados por ela encontrados. A partir disto, avaliaremos no decorrer do
artigo em que grau este modelo não seria então uma teoria geral, aplicável a todos os proble-
mas econômicos, mas sim uma teoria especial, que é limitada em seu escopo e aplicação.
Desta forma, quando falamos de limites neste trabalho, queremos especificar a abran-
gência deste modelo, limitar o seu campo de aplicação, definir o que lhe é interno, ou, de ou-
tro lado, realçar o contrário, ou seja, aquilo que não é alcançado por ele, está fora da compe-
tência, lhe é exterior. Desta forma, as limitações de que trataremos são a especificação das
características de fatos econômicos que o modelo microeconômico convencional não alcança,
levando em conta que a aproximação de tais fatos não é tratável por ele.
Isto porque, uma das características essenciais deste modelo é que os seus resultados
estão determinados pelos seus parâmetros, com o equilíbrio sendo sua condição “normal”.
Assim, na teoria convencional não há nenhuma consideração sobre como as pessoas adquiri-
ram seus bens iniciais, formaram seus gostos, reuniram informação, desenvolveram tecnolo-
gias, criaram padrões monetários ou geraram as instituições. Todas estas questões estão exclu-
ídas das preocupações teóricas do modelo, sendo incorporadas de forma exógena e acessória,
e de uma maneira tal que o sistema mantenha sempre sua lógica interna. Por esta razão, para
esta abordagem não seria necessário explicitar os mecanismos causais, e sim apenas ser feitas
as suposições que garantam que os resultados sejam consistentes teoricamente.
Assim, o modelo microeconômico convencional pode ser visto como uma explicação
de como a realidade poderia ou deveria funcionar, e não como ela necessariamente funciona-
ria. Devido exatamente a esta propriedade, o modelo tem sido relativamente exitoso em expli-
car como os preços e as quantidades dos bens seriam determinados em mercados abstratos.
Porém, a dedução destes resultados não nos possibilita compreender, com base neste modelo,
como os mercados reais teriam sido construídos e nem a dinâmica do seu funcionamento e
transformação.
Por um lado, tendo em vista a perspectiva pluralista 3 assumida neste trabalho, não ob-
jetivamos desqualificar o modelo microeconômico convencional, caracterizando-o como
completamente inadequado, errôneo e/ou incapaz de dar respostas a problemas econômicos, já
que esta perspectiva, apesar das limitações, tem dado conta de tratar de várias questões. Por
outro lado, queremos mostrar que certos problemas, por suas características intrínsecas, não
podem receber o tratamento necessário deste modelo, devido exatamente aos seus fundamen-
tos, a sua estrutura e aos resultados da teóricos que lhe embasam.
Entretanto, tendo em vista a diversidade teórica dos questionamentos ao modelo mi-
croeconômico convencional que serão apresentados neste trabalho, não tentaremos compatibi-
lizá-los como um corpo teórico único, que se tornasse uma alternativa completa ao modelo
convencional, o que entretanto não acreditamos ser impossível, já que, apesar de profundas
diferenças de perspectiva, existem significativas convergências entre eles. Neste sentido, no
final do artigo estas questão será retomada. Por fim, a divisão dos questionamentos em três
diferentes planos tem uma finalidade mais expositiva que teórica, já que os argumentos não
são completamente excludentes e nem a categorização utilizada exaustiva.

3
Segundo Ana Maria Bianchi o pluralismo é “uma doutrina que é, por sua própria natureza, avessa ao totalita-
rismo e ao dogmatismo dos modelos únicos”(Bianchi, 1992, p 139).
Desta forma, para tratar destas questões este trabalho estará divido em cinco seções,
incluindo esta introdução e as considerações finais. Assim, na segunda seção, faremos uma
apresentação resumida da estrutura básica do modelo microeconômico convencional, buscan-
do descrever os elementos essenciais desta abordagem, a partir de um manual muito utilizado
escrito por Hall Varian e de textos de Kenneth Arrow, Paul Samuelson e Gerard Debreu. Na
terceira, apresentaremos as críticas feitas por Thorstein Veblen e Freidrich Hayek a funda-
mentos da teoria neoclássica, respectivamente quanto a ausência de explicações causais e ao
tratamento inadequado do conhecimento. Logo em seguida, na quarta seção, os questiona-
mentos à estrutura do modelo microeconômico feitas por Ronald Coase e Herbert Simon, que
se referem a inadequação do tratamento da firma e do processo de tomada de decisões, serão
discutidos. Por fim, na quinta seção serão apresentadas as restrições aos resultados do modelo,
feitas por Brian Arthur e Alan Kirman, tendo em vista as situações em que ocorreria a inde-
terminação provocada pela história e o surgimento de interdependências complexas. 4 Já nas
considerações finais, será abordada a discussão sobre as conseqüencias do formalismo que
caracterizaria a teoria neoclássica e o modelo microeconômico convencional feita por Mark
Blaug, Tony Lawson, Geoffrey Hodgson e Jack Vromen e apresentadas algumas reflexões e
proposições referentes aos questionamentos e as proposições teóricas expostas no decorrer do
artigo.

2. A Estrutura básica do modelo microeconômico convencional

No modelo microeconômico convencional, o sistema econômico seria capaz de coor-


denar de forma descentralizada a oferta e a demanda de bens e serviços devido às proprieda-
des auto-reguladoras dos mercados competitivos, que podem ser definidos como aqueles onde
nenhum agente tem condição de individualmente alterar os resultados agregados. Assim, se-
gundo Kenneth Arrow, neles um indivíduo, na condição de consumidor ou produtor, seria o
local dos interesses, dos gostos e da informação, e todos os agentes enfrentariam o mesmo
conjunto de preços que forneceria o fluxo de informação necessário para a coordenação do
sistema econômico (Arrow, 1972). Assim, ele afirma que:
“(...)a análise competitiva é fundada em dois princípios básicos: com-
portamento otimizador de parte de agentes individuais, na presença de
preços tomados como dados por eles, e pelo ajuste dos preços de modo
que, dado este comportamento individual, a oferta se iguala à demanda
em cada mercado.” (Ibidem, p.111).
Desta forma, o mecanismo que tornaria os mercados eficientes, no sentido de conse-
guirem a melhor alocação de recursos possível, é explicado através da demonstração das con-
dições que fazem com que os preços variem até que o equilíbrio seja alcançado simultanea-
mente em todos eles, configurando o denominado equilíbrio geral. O modelo microeconômico
convencional está estruturado sobre as teorias do consumidor e da oferta, responsáveis por
descrever como os princípios básicos citados por Arrow atuam para condicionar racionalmen-
te tanto os demandantes quanto os ofertantes, ou seja, na posição onde esses dois agentes bus-
cam maximizar seus respectivos objetivos.
Normalmente, a apresentação do modelo se inicia pelo lado do consumidor porque
este agente teria a dotação inicial, que surgiria da posse de alguns bens escassos, e portanto
valiosos, como certos tipos de trabalho e terra (ibidem). Assim, supondo-se o conhecimento
dos preços relativos dos bens, esta dotação daria ao consumidor o poder de eleger qualquer
outro conjunto de bens de consumo que não custassem mais do que a sua renda, que é deno-

4
Devido ao objetivo do trabalho, as críticas de Marx dirigidas ao sistema clássico, as Srafra de caráter interno ao
modelo neoclássico, e as de Keynes centradas em aspectos macroeconômicos, não foram incluídas nesta seleção.
minada de restrição orçamentária do consumidor. Além disso, medimos o custo de oportuni-
dade de trocar os bens, inclusive quando há variações nos preços, no ponto onde o valor nega-
tivo da razão dos preços se iguala ao inverso da razão da variação necessária nas quantidades
dos respectivos bens para manter toda a renda utilizada. Ou seja, a apropriação de uma cesta
inicial de bens, o conhecimento dos preços e o funcionamento de um sistema de trocas através
dos mercados originariam o conjunto orçamentário, que consistiria na reunião de todas as
cestas de consumo elegíveis por um consumidor.
Assim, a descrição do conjunto orçamentário possibilita conhecermos a “restrição or-
çamentária dentro da que a maximização tem que ocorrer” (Samuelson, 1970, p.69), restando
analisarmos como as preferências expressariam a utilidade das cestas e condicionariam as
escolhas do consumidor. Porém, se o conceito de utilidade no pensamento utilitarista original
estava associado a “satisfação psicológica”, e ele também podia representar o “bem-estar”
individual, a dificuldade, tanto de se definir a primeira como de se verificar a segunda, fez
com que as teorias modernas assumissem uma forma mais matemática que psicológica (Ibi-
dem).
Nesta perspectiva, a função utilidade atribui um número para cada cesta de consumo.
Para que isto ocorra, as preferências devem-se comportar de forma que possibilitem a cons-
trução de curvas de indiferença entre as cestas com a mesma utilidade. Assim, cada curva
representaria um determinado nível de preferências do consumidor, o que serviria para deter-
minar a utilidade ordinal (Varian, 1994).5 Neste ponto, podemos conceituar a utilidade margi-
nal, que se constitui no ponto central da teoria neoclássica, como a variação na utilidade de
um consumidor à medida que ele recebe uma pequena quantidade adicional de um bem. Já a
razão entre as utilidades marginais dos bens que estão variando em sentido contrário num
determinado ponto de uma curva de indiferença, e portanto mantendo a utilidade total cons-
tante, é denominada taxa marginal de substituição. Desta maneira, o ponto crucial é que as
preferências devem ser consistentes e estáveis para possibilitar que as escolhas sejam racio-
nalmente determinadas, o que remete para a importância das suposições comportamentais na
teoria do consumidor.6
Desta maneira, a união do conjunto orçamentário com as preferências possibilitaria ao
consumidor escolher a cesta ótima ao atingir a maior utilidade com uma determinada renda no
ponto onde a curva de indiferença tangencia a restrição orçamentária. Ou seja, a escolha que
maximizaria a utilidade do consumidor sob uma determinada renda seria encontrada quando
se iguala a taxa marginal de substituição ao custo de oportunidade de trocar os bens. Um coro-
lário desta definição é que enquanto estes valores forem diferentes existiria a necessidade de
se continuar trocando bens até se chegar ao ponto ótimo, ou seja, enquanto houvesse margem
os consumidores continuariam trocando até se encontrarem plenamente satisfeitos. Além dis-
so, dado que nos mercados competitivos supostos nos modelos neoclássicos os preços são os
mesmos para todos os consumidores, todas as pessoas que consomem um mesmo conjunto de
bens teriam a mesma taxa marginal de substituição, mesmo que com quantidades distintas
devido as suas dotações iniciais e/ou preferências.
Com este resultado podemos construir as funções de demanda, que explicam as quan-
tidades demandadas de cada bem com base na variação dos preços e da renda. Por fim, pode-
se também formular a lei da demanda, de acordo com a qual o aumento da quantidade deman-

5
Uma análise em termos da magnitude da utilidade é conhecida como utilidade cardinal. Porém dificuldades de
operacionalizar o conceito explicam seu pouco uso na teoria econômica moderna.
6
As escolhas dos consumidores devem ser completas, ao permitir todas as comparações; reflexivas, ao fazer que
uma cesta seja tão preferível quanto ela mesma; e transitivas, ao fazer que as relações de preferência entre três
cestas não sejam contraditórias. Além do mais, as curvas de indiferença devem ser monotônicas, ao terem uma
inclinação sempre negativa, e estritamente convexas, ao se preferir uma média entre duas cestas do que exclusi-
vamente qualquer uma delas. (Varian, 1994).
da de um bem quando aumenta a renda é relacionado condicionalmente com a diminuição de
sua demanda quando o preço sobe (Varian, 1994). Porém, explicar como os preços e conse-
quentemente as restrições orçamentárias são determinadas necessita que se compreenda o lado
da oferta e o integre com a teoria do consumidor.
A oferta no modelo econômico neoclássico envolve mais que a teoria da firma. Como
vimos acima, todos os consumidores são possuidores de uma dotação inicial de bens valiosos,
sendo que a condição suficiente para que possamos falar na oferta destes bens é que existam
preços que a garantam.7 Entretanto, a explicação da produção e do funcionamento das firmas
envolve a tecnologia, a relação existente entre insumos e produtos. Desta forma, os insumos
seriam os serviços dos fatores de produção, classificados em categorias amplas, como traba-
lho e capital, e as tecnologias seriam restrições da natureza e do estado da arte que tornariam
viáveis apenas algumas combinações de insumos. Porém, como a maioria dos insumos têm
custo, a teoria da firma neoclássica trata apenas dos casos em que se extrairia o máximo de
produto de uma tecnologia. Assim, o que caracterizaria uma firma seria a superfície de trans-
formação que lhe possibilitaria encontrar os vetores que maximizam a produção com uma
dada relação de insumos e produtos, a função de produção (Arrow, 1972).
Da função de produção podemos construir as curvas de isoquantas, que são combina-
ções de insumos que produziriam a mesma quantidade de produto.8 Da mesma forma que as
curvas de indiferença, as isoquantas devem ter algumas propriedades para se operacionalizar a
teoria da firma.9 Por um lado, o produto marginal de um fator é definido como “a quantidade
adicional de produto por unidade de insumo adicional” (Varian, 1994, p.343) e da declividade
de uma isoquanta podemos definir a taxa técnica de substituição, a quantidade de um insumo
a ser trocada por outro insumo que mantenha a produção constante. Por outro lado, a lei do
produto marginal decrescente descreve o fato de que, a partir de um certo ponto da função de
produção, quando variamos a quantidade de um insumo e mantemos os outros constantes, a
taxa de crescimento do produto é cada vez menor. Isto porque, o curto prazo para uma firma
seria quando se tem alguns fatores de produção fixos a determinados níveis, enquanto que o
longo prazo ocorreria quando todos os fatores pudessem variar. Já a variação de escala ocorre-
ria quando todos os fatores aumentam numa mesma razão, e a sua relação com os rendimen-
tos depende da proporção com que aumenta a produção.10
Supondo-se o pleno conhecimento das opções tecnológicas, as firmas determinariam a
quantidade produzida e o método de produção empregado escolhendo o plano de produção
que maximizaria seus lucros (Varian, 1994). Com mercados competitivos os preços dos pro-
dutos e dos insumos seriam determinados exogenamente, e o lucro o excedente da receita so-
bre os custos. Numa situação de curto prazo a maximização ocorreria quando o valor do pro-
duto marginal do fator variável se iguala ao preço do produto. Já no longo prazo esta condição
se transformaria na igualação do preço do produto com o valor do produto marginal de todos
os fatores.11 Por fim, as funções de oferta descreveriam as quantidades de bens produzidas
pelas firmas para cada preço em um mercado competitivo.
A partir deste ponto podemos apresentar a teoria do equilíbrio geral, que foi formulada
originalmente por Walras e que proporia a existência de um equilíbrio em que:
“(...)cada produtor maximiza seu lucro relativo ao vetor-preço em seu
conjunto de produção; cada consumidor satisfaça as suas preferências

7
A oferta de trabalho é o exemplo mais comum desta análise.
8
As isoquantas são similares às curvas de indiferença da teoria do consumidor, porém com propriedades cardi-
nais (Varian, 1994).
9
Serem monotônicas e estritamente convexas.
10
Podendo ser crescentes, decrescentes ou constantes.
11
Uma análise mais geral do problema de otimização da firma é feita mediante a minimização dos custos e a
escolha do nível de produto se utilizando o isocusto e as curvas de custo médio e marginal.
em seu conjunto de consumo sob o confinamento do orçamento defini-
do pelo valor de seu vetor-dotação e de sua parte dos lucros dos produ-
tores; e para cada produto, a demanda total iguala a oferta to-
tal.”(Debreu, 1983, p.88).
Todavia, como vimos anteriormente, tanto a teoria do consumidor quanto a da firma
supõem a existência de preços exógenos, determinados fora dos seus modelos. Então, para
encontrarmos o equilíbrio parcial bastaria juntarmos a função de demanda com a função de
oferta no mercado de cada produto, encontrando-se o preço do mercado, as quantidades e o
número de firmas suportadas pela tecnologia. Porém, para encontramos os preços e quantida-
des de todos os mercados simultaneamente temos de operar com todas as funções de demanda
e oferta, de forma que:
“(...) todos os preços participam claramente na determinação da de-
manda para qualquer produto. Para alguns, a ascensão de qualquer pre-
ço claramente diminui a renda residual disponível para todos os produ-
tos restantes. Mais especificamente, entretanto, as demandas para al-
guns produtos têm um relacionamento próximo com outros
(...)”(Arrow, 1972, p.112).
Desta maneira, as propriedades da taxa marginal de substituição para cada par de pro-
dutos estabeleceria a condição para que uma economia encontre seu equilíbrio geral. Como já
explicado anteriormente, enquanto a razão dos preços diferirem dela, haveria o interesse na
continuidade das trocas. Porém, o fato de todos os indivíduos se defrontarem com o mesmo
conjunto de preços faria com que, quando um indivíduo encontre um ponto de equilíbrio, to-
dos eles deveriam encontrá-lo. Esta condição relacionaria o equilíbrio com o ótimo de Pareto,
levando em conta que não existiria a possibilidade de melhorar a situação de um indivíduo
sem tornar pior a situação de outro. Deste resultado, pode-se chegar aos dois teoremas do
bem-estar, onde qualquer equilíbrio competitivo é eficiente de Pareto e toda alocação eficiente
de Pareto pode ser alcançada com um equilíbrio competitivo.
Como na teoria do consumidor e da firma, algumas suposições são necessárias para
que os resultados do equilíbrio geral sejam válidos. Assim, a existência e unicidade da solu-
ção devem poder ser provadas.12 Também as firmas devem ser capazes de maximizar seu lu-
cro, o que remete para a necessidade de retornos constantes de escala, já que retornos crescen-
tes grandes em relação ao mercado impossibilitariam o funcionamento de um mercado com-
petitivo (Varian, 1994). Outra questão é que não pode haver influências de um agente no con-
sumo ou produção de outro. (Ibidem). Finalmente, em situações de incerteza o equilíbrio só
ocorreria se houvesse mercados contigentes para cada estado do mundo.13
A mensagem principal da teoria neoclássica do equilíbrio geral é que indivíduos racio-
nais sob condições teoricamente ideais são a garantia de eficiência econômica, tendo em vista
que a maximização da utilidade e do lucro faria com que os recursos fossem alocados da me-
lhor forma possível.14 Por outro lado, as dotações iniciais, as instituições, a informação, as
preferências e as tecnologias seriam externas ao modelo microeconômico convencional e mo-
dificações em suas especificações seriam automaticamente incorporadas ao sistema de preços,
produzindo um novo equilíbrio.
Duas contribuições recentes ofereceram modificações substanciais na forma como a
teoria microeconômica explica o funcionamento do sistema econômico, afastando-a da pers-
pectiva do equilíbrio geral neoclássico. Assim, a teoria dos jogos descreveria a interdepen-

12
Para tanto pode se consultar Arrow (1972) e Debreu (1983).
13
Na teoria neoclássica não existe distinção entre risco e incerteza como o fazem Keynes e Knigth.
14
Quanto ao aspecto distributivo o modelo de equilíbrio geral pode “ser eficiente em um sentido de Pareto e no
entanto render riquezas enormes a alguns e pobreza terríveis a outros (Arrow, 1972, p. 111).
dência entre o comportamento econômico dos agentes e a economia da informação a assime-
tria de informações entre os agentes que transacionam em mercados. Por outro lado, na maio-
ria das suas aplicações, estas duas contribuições compartilham das suposições comportamen-
tais e da tendência ao equilíbrio estático da teoria neoclássica. Desta maneira, os mercados
analisados com estas contribuições também convergiriam para um equilíbrio entre a oferta e a
demanda, mesmo que em condições sub-ótimas e ineficientes, ou seja, deixando recursos o-
ciosos e com possibilidades não exploradas de melhoria mutua.
Por fim, para analisar as denominadas “falhas de mercado” encontradas na economia
real, a modelagem convencional em geral trabalha afastando uma ou outra das hipóteses bási-
cas do modelo. Assim, por exemplo, sob a condição de retornos crescentes grandes em rela-
ção ao mercado, teríamos os monopólios, e quando das influências de um agente no consumo
ou produção de outro, as externalidades. De qualquer forma, estas situações são tratadas den-
tro da estrutura básica do modelo microeconômico convencional, como excepcionalidades
que não alteram a forma normal, de resolver os problemas econômicos: encontrar um ponto
de equilíbrio estático a partir do comportamento racional dos agentes. Portanto, nesta perspec-
tiva as “falhas” seriam exceções que confirmariam as regras básicas do modelo.

3. O problema da causalidade para Veblen e do conhecimento para Hayek

Como vimos acima, o objetivo do modelo microeconômico convencional é ser uma


explicação consistente de como são alocados otimamente recursos escassos entre fins alterna-
tivos. Para tanto, sua estrutura se baseia em certas hipóteses básicas, tanto sobre o comporta-
mento dos agentes, quanto sobre as características das funções de utilidade dos consumidores
e de tecnologia das firmas. Desta forma, o raciocínio lógico por trás do modelo é dedutivo,
fazendo com que as suas conclusões sejam decorrência das hipóteses assumidas. Porém, o
problema com esta opção metodológica é que a suficiência das hipóteses para os resultados
não garante que esta seja a única explicação eficaz, ou que efetivamente existam relações cau-
sais subjacentes entre as hipóteses e os resultados. Além disto, outro aspecto crucial das hipó-
teses assumidas no modelo é que a informação, e sua tradução em conhecimento, é igualmen-
te, ou rapidamente, difundida entre os agentes para que os mesmos possam fazer suas esco-
lhas ótimas. Desta forma, tendo em vista a importância fundamental destas questões para a
efetividade do modelo, o questionamento delas pode ser limitador da aceitação geral do mes-
mo. Assim, nesta seção apresentaremos formulações que abordam esta temática, as de Veblen
quanto a ausência de explicações causais na teoria neoclássica, e de Hayek, quanto ao trata-
mento inadequado do conhecimento feita por ela.
Desta maneira, já no início do século passado, quando a teoria marginalista começava
a ganhar o formato que hoje conhecemos por teoria neoclássica, Thorstein Veblen, o fundador
do institucionalismo econômico, escreveu um artigo sobre suas limitações (Veblen, 1909).
Para ele uma teoria econômica baseada na utilidade marginal seria um sistema de imputação
de valores, ou seja, de distribuição, que apenas secundariamente abordaria outras questões.
Também, como a teoria marginalista só se ocuparia do ajuste dos valores em uma situação
dada, ela seria totalmente estática, não explicando as mudanças e apenas tratando de suas con-
seqüências. Em sua visão ela seria incapaz de tratar das causas devido a seu caráter teleológi-
co, 15 podendo apenas tratar do ajustamento racional após as mudanças terem ocorrido (ibi-
dem).
Para Veblen o entendimento da economia moderna exigiria a compreensão dos avan-
ços tecnológicos, assunto não abrangido pela economia marginalista . Isto porquê, como seus

15
Teleologia é doutrina que estuda os fins últimos das coisas iniciada por Aristóteles, conforme MORA, José F.
Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
postulados limitam a investigação a generalizações dedutivas, esta teoria se circunscreveria ao
domínio da razão suficiente em vez de se ocupar das causas eficientes (ibidem). 16 Desta for-
ma, as conjecturas sobre o futuro governariam as ações presentes, sendo o corolário desta
característica que:
“A explicação por razão suficiente vai desde o futuro imaginado até o
presente e só pode ter um caráter intelectual, subjetivo e teleológico, e
uma validez pessoal; em troca, a explicação por causa e efeito vai em
direção contrária e só pode ter um caráter objetivo e materialista , e uma
validez impessoal.” (ibidem, p.625).
Como Veblen entendia que o conhecimento científico se fundamentava em relações
causais, a razão suficiente só podia ser provisória e inicial, devendo ser substituída posterior-
mente por uma análise de causa e efeito. Por outro lado, Veblen concedia que, como o objeto
de estudo do economista seria a conduta humana, e uma distinção fundamental entre ela e a
dos animais seria que esta conduta seria constituída em certa medida de intencionalidade, as
relações de razão suficiente seriam uma parte substancial das motivações dos homens, o que
justificaria o uso do cálculo e da eleição na teoria econômica, porém de forma subsidiária e
subordinada ao método de causa e efeito. Entretando, o que ele constatava é que a economia
marginalista, devido aos seus postulados e a sua forma racionalista, estava limitada exclusi-
vamente ao determinismo, não podendo representar outros elementos causais da conduta, co-
mo os hábitos e as convenções sociais (ibidem). Então, Veblen propunha que se estudasse as
instituições, que ele definia como “hábitos de pensamento comuns à generalidade das pesso-
as”, não perdendo de vista que estas também não seriam imutáveis (ibidem, 626).
Assim, Veblen entendia que uma ciência econômica que se propunha a compreender a
economia moderna, não podia-se limitar a estudar como os bens se distribuiriam, devendo ter
como preocupações centrais a tecnologia e as instituições e, principalmente, como elas mu-
dam. Para ele os termos estreitos que o método dedutivo impunha impossibilitava que se
compreendesse a origem dos fatos econômicos. Isto porque, numa análise racional sempre
podemos encontrar “ex-post” uma explicação de um determinado fato, sem que isto garanta
que “ex-ante” esta explicação teria sido encontrada, ou seja, dedutivamente sempre podere-
mos encontrar uma explicação para um resultado já dado. Além do mais, tendo em vista que
apenas os indivíduos podem ter um comportamento racional, para Veblen não poderíamos
pressupor que este comportamento explicasse o sistema econômico como um todo, necessi-
tando-se então que se estabelecesse as relações causais que produzissem todo o sistema.
Outra crítica ao modelo tradicional foi formulada na década de quarenta do século XX
por Freidrich Hayek, principal pensador da escola austríaca naquele século, e ganhador do
prêmio Nobel de economia em 1974, e se referia ao tratamento do conhecimento na teoria
econômica. Assim, Hayek mostrou que, levando em conta as suposições da teoria tradicional,
o problema de se construir uma ordem econômica racional seria solucionado apenas com ló-
gica pura. Porém, para ele este não seria o verdadeiro problema econômico, e sim que:
“O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional é
determinado precisamente pelo fato que o conhecimento das circuns-
tâncias de que nós devemos fazer o uso nunca existe na forma concen-
trada ou integrada, mas unicamente como os bocados dispersos do co-
nhecimento incompleto e freqüentemente contraditório que todos os in-
divíduos separadamente possuem” (Hayek ,1945, p. 519).

16
O princípio da razão suficiente foi estabelecido pelo filósofo Leibniz e afirma que existem conexões entre
coisas e fatos ou ações e acontecimentos que podem ser conhecidos pela razão e a causa eficiente foi formulada
por Aristóteles e se refere aquilo que faz algo receber uma forma determinada (Chaui, 2000)
Na visão de Hayek os refinamentos matemáticos da teoria econômica, notadamente o
desenvolvimento da teoria do equilíbrio geral e da econometria, poderiam obscurecer este
problema. Em sua visão o uso eficiente do conhecimento existente seria o critério para deter-
minar se o planejamento central, monopólico ou descentralizado seria o mais adequado. Ao
defender este último, ele argumentava que o conhecimento prático das circunstâncias particu-
lares no tempo e no lugar seria tão útil quanto o conhecimento científico de técnicas de pro-
dução e organização, sendo que a maioria dos ganhos de arbitragem se deveriam àquele. Ele
também entendia que a pouca importância dada ao conhecimento prático pelos economistas
estaria ligada a mesma pouca importância dada às mudanças situacionais, já que desta forma
se garantiria que o conhecimento idiossincrático se disseminaria pelos mercados. Porém, se as
decisões de investimento, tendo em vista a importância do aumento conhecimento tecnológi-
co, podiam ser tomadas em intervalos mais longos, a gestão do negócio exigiria um esforço
constante do gerente, o que lhe absorveria uma parte grande da energia. Assim, Hayek cha-
mava a atenção que os economistas estavam mais preocupados com os agregados estatísticos
por serem estes mais estáveis que os movimentos mais detalhados, o que reforçaria o descaso
com a mudança, já que por sua natureza o conhecimento prático não podia participar das esta-
tísticas (ibidem).
Para Hayek o problema econômico da sociedade seria principalmente o da adaptação
rápida às mudanças nas circunstâncias particulares de tempo e de lugar, onde os preços podi-
am agir para coordenar as ações separadas das pessoas, fazendo com que os campos de visão
individuais limitados se sobreponham suficientemente, de modo que, através de muitos inter-
mediários, a informação relevante seja comunicada ao todo. Porém, ele entendia que os ajus-
tes não levariam ao equilíbrio concebido pelos economistas tradicionais, que ao suporem mais
ou menos conhecimento perfeito, ficaram cegos a verdadeira função do mecanismo de preços
e aplicavam padrões bastante enganadores em julgar sua eficiência. Em sua visão, o sistema
de preços não era o produto do projeto humano e atuava para estender o espaço de nossa utili-
zação dos recursos para além do espaço de controle de qualquer mente, já que ele conseguia
fornecer as induções que fariam com que os indivíduos fizessem as coisas desejáveis, através
do constante uso de fórmulas, símbolos e regras cujo sentido nós não compreendíamos e que
foram construídas em cima dos hábitos e instituições que provaram ser bem sucedidos em sua
própria esfera (ibidem).
Assim, em Hayek o conhecimento total não podia ser apreendido por nenhum agente,
porque ele envolveria tipos muito específicos de informação. Desta forma, em sua visão da
economia o sistema de preços teria sido criado inconscientemente pelas pessoas como uma
forma de coordenar a informação econômica de forma eficiente, e não para garantir uma dis-
tribuição ótima dos bens. Além disso, para ele a ciência econômica devia explicar como o
sistema se adaptava ao processo contínuo de mudanças e não apenas se concentrar em mode-
los matemáticos que teriam pouca relevância prática.
Portanto, enquanto em Veblen o problema principal seria o objetivo dos economistas
neoclássicos de explicar a economia apenas em termos racionalistas, para Hayek a suposição
de que o conhecimento local poderia ser integralmente distribuído para todos os agentes é que
seria o problema da economia tradicional. Porém, mesmo que partindo de problemas e pers-
pectivas diferentes, tanto Veblen quanto Hayek chegaram a conclusões similares sobre os
fundamentos teóricos da econômica neoclássica; o funcionamento efetivo do sistema econô-
mico não podia ser compreendido apenas com métodos dedutivos e matemáticos e existiria
uma parte da conduta humana que não podia ser explicada em termos racionais, mas sim se
entendendo a herança institucional da sociedade. Nesta medida, devido as características do
modelo microeconômico convencional que vimos na seção anterior, as questões levantadas
tanto por Veblen como por Hayek mantêm-se atuais. Desta forma, podemos entender que es-
tes problemas teóricos, que tratam de aspectos gerais da teoria neoclássica, e portanto estão no
plano dos fundamentos, determinam limites quanto a capacidade da microeconomia conven-
cional de explicar como as estruturas econômicas surgem e de como a economia funciona.

4. O problema da firma para Coase e das decisões para Simon

No modelo microeconômico convencional, as firmas seriam funções tecnológicas que


ao serem equacionadas descreveriam o seu funcionamento, ou seja, as quantidades ofertadas a
cada vetor - preço de insumos e de produtos. De outro lado, neste modelo todos os agentes são
descritos como capazes de ter e processar toda a informação necessária, tanto para maximiza-
rem sua utilidade quanto lucros, igualando as perdas ou custos com os retornos ou utilidades
marginais. Porém, se estas características do modelo lhe possibilitam explicar o funcionamen-
to do mercado em várias situações, elas também limitam a capacidade do modelo de abortar
aspectos fundamentais do funcionamento real das economias, como a própria existência e
funcionamento das firmas e o processo de tomada de decisões sobre situações de incerteza e
em mercados não competitivos. Assim, nesta seção, apresentaremos as reflexões de Ronald
Coase e de Herbert Simon sobre a importância da teoria econômica, respectivamente, tratar
adequadamente as firmas e incorporar o processo de tomada das decisões.
Ronald Coase, fundador da Nova Economia Institucional (NEI) e ganhador do prêmio
Nobel de economia em 1991, chamou atenção, em um artigo de 1937 17, sobre a importância
de se incorporar na ciência econômica a denominada “estrutura institucional da produção”,
para que ela compreendesse o funcionamento do sistema econômico (Coase, 1992). Para ele,
os economistas haviam descoberto as condições necessárias que faziam com que a economia
pudesse ser coordenada por um sistema de preços, e no caso de tais circunstâncias não serem
encontradas, eles também propunham as mudanças que as causariam (ibidem). Porém, Coase
concordava com Demsetz(1988) 18 que a teoria tradicional analisava um sistema descentrali-
zado ao extremo, e achava que, apesar de ser uma grande realização intelectual que lançava
luz em muitos aspectos do sistema econômico, ao se concentrar na determinação dos preços o
seu foco havia se estreitado, e consequentemente negligenciado outros aspectos fundamentais
do sistema econômico (ibidem).
Citando Robbins 19, ele afirmava que os economistas tradicionais não se interessavam
pelos arranjos internos dentro das organizações, mas somente com o que acontecia no merca-
do, sendo que a microeconomia seria pela maior parte apenas a determinação dos preços e da
produção, normalmente ignorando o que acontecia entre a aquisição dos insumos e a venda
dos bens (ibidem). Para Coase, esta característica da ciência econômica seria reforçada por
uma análise crescente abstrata, que estudava um sistema que vivia apenas na mente dos ana-
listas e não na terra, o que era chamado por ele de “economia do quadro-negro”. Para ele,
neste sistema faltava substância para a firma e o mercado, sendo a primeira nesta análise uma
“caixa-preta”, concluindo que:
“Isto é muito extraordinário dado que a maioria dos recursos em um sis-
tema econômico moderno estão empregados dentro das firmas, com o
que estes recursos dependem sua utilização de decisões administrativas
e não diretamente na operação de um mercado. Consequentemente, a e-
ficiência do sistema econômico depende numa extensão muito conside-
rável de como as organizações conduzem seus assuntos, particularmen-
te, é claro, a corporação moderna”(ibidem).

17
COASE, Ronald. The Nature of the Firm. Economica. n º 4, novembro, 1937.
18
DEMSETZ, Harold. Ownership, Control, and the Firm. 1 º Vol. Oxford: Blacwell, 1988.
19
ROBBINS, Lionel. The Nature and Significance of Economic Science. London: Macmillan, 1932.
Mais surpreendentemente para ele é que, apesar do interesse da ciência econômica tra-
dicional na fixação de preços, ela negligencia os “arranjos institucionais” que governavam o
processo de troca, ou seja, o mercado, tendo em vista que seriam exatamente estes arranjos
que determinariam em grande medida a produção (ibidem). Isto porque, a utilização do siste-
ma de preços teria custos, tendo em vista que existiriam negociações, contratos, inspeções e
arranjos a serem realizados, o que se denominou “custos de transação” (ibidem). A implicação
disto para Coase é que, mesmo sendo a firma uma alternativa de coordenação cara e imperfei-
ta, ela poderia ser preferível ao mecanismo de preços de mercado se os custos de se fazer uma
troca fossem maiores do que os ganhos que essa troca traria. Desta forma, se as trocas não
ocorrem, a produção maior que fluiria da especialização não se realiza, o que realça o fato de
que não incluir os custos de transação mantêm muitos aspectos do funcionamento da econo-
mia não explicados, incluindo o principalmente emergência das firmas (ibidem).
Nesta perspectiva, a principal falha do modelo microeconômico convencional seria
que ele não especificaria as atividades necessárias para a existência das trocas, levando em
conta que elas custariam. Assim, diferentemente das funções tecnológicas de produção deste
modelo, as firmas seriam na visão de Coase principalmente economizadoras de “custos de
transação” e funcionariam devido a características especificas dos mercados em que atuam.
Outra importante qualificação que a ciência econômica recebeu foram as formulações
de Herbert Simon, fundador da economia comportamental e ganhador do prêmio Nobel de
economia em 1978, sobre a teoria da decisão. Ele afirmava que a economia normalmente ha-
via focalizado em apenas um aspecto do caráter do homem, a sua razão, e particularmente, na
aplicação desta razão na alocação de recursos em frente à escassez, fazendo com que um vas-
to domínio que envolveria aspectos psicológicos e sociológicos do comportamento econômi-
co, fossem colocado para fora. (Simon, 1978)
Assim, para ele, apesar da teoria da escolha rivalizar em beleza e elegância com a ma-
temática e com algumas das mais excelentes teorias das ciências físicas, o desenvolvimento
bastante fraco e atrasado da teoria descritiva de fazer a decisão havia extraído para fora da
economia a maioria do investigadores sobre este assunto (ibidem). Para Simon, tal fato seria
conseqüência da opção metodológica por parte de influentes autores do “mainstream” econô-
mico (Edward Mason, Fritz Machulup e Milton Friedman ) de excluir a compreensão do pro-
cesso de decisão do objeto da ciência econômica, o que era justificado por eles por sua não
contribuição para que os modelos econômicos melhorassem sua capacidade de predição (ibi-
dem).
Para Simon, a clássica racionalidade econômica seria omnisciente e impressionante-
mente simples e bonita, permitindo se predizer o comportamento sem se observar como ele é
porque o ambiente seria completamente caracterizado e a racionalidade perfeita. Por outro
lado, uma teoria comportamental de escolha racional, denominada de racionalidade limitada,
não seria tão simples, supondo potencialidades humanas mais fracas, e levando-a suposições
mais modestas e realistas sobre o conhecimento e habilidades computacionais dos agentes
humanos e também não predizendo que os agentes igualarão custos e retornos marginais (ibi-
dem).
Avaliando testes empíricos realizados, Simon afirma que não haveria nenhuma obser-
vação direta que os indivíduos ou as firmas igualam realmente custos marginais e rendimentos
e que as observações indiretas seriam inconclusivas. Além do mais, para ele, afirmar que cur-
vas de demanda inclinada comprovariam a “maximização de utilidades” desconheceria o fato
que as mesmas podem ser resultado de uma larga escala de comportamentos (ibidem). Por
fim, ele relata importantes testes realizados por Kahneman e Tversky20 refutaram a utilidade

20
KAHNEMAN, D ; TVERSKY, A . On the psychology of prediction. Psychological Review, n º 80, p. 237-
251, 1973
prevista subjetiva e mostraram que as pessoas não que apenas não realizam os cálculos, como
o modelo microeconômico aceita, mas também não se comportam como se os tivessem reali-
zado, o que é proposto pelo modelo padrão (ibidem).
Para Simon poderia ocorrer, com hipóteses adicionais, remendos suficientes na racio-
nalidade perfeita, que assegurariam sua utilização em um conjunto significativo de situações,
desde que a incerteza e os fenômenos imprevisíveis não jogassem um papel central neles, po-
rém, em situações que envolvessem esta incerteza e competição imperfeita (mercados não
plenamente competitivos) necessitariam de um “modelo de racionalidade limitada” para des-
crever as tomadas de decisão (ibidem). Para isto, a construção destes modelos deveriam sim-
plificar a otimização para que ela ficasse computável e fornecesse decisões satisfatórias a cus-
tos razoáveis de computação (ibidem). Desta forma, deveria ser investigado não apenas os
resultados das decisões, mas também a forma que elas são tomadas, ou seja, criadas teorias
também de “como” se decidir, e não apenas do “quê” decidir”(ibidem).
Assim, uma importante diferença entre a racionalidade perfeita da microeconomia
convencional e o de racionalidade limitada é que na primeira necessita se conhecer todas as
alternativas que podem ser escolhidas, enquanto que na segunda se deve procurar as escolhas
satisfatórias em vez das ótimas, ou seja, substituir a abstração de objetivos globais por sub-
objetivos tangíveis, cuja realização pode ser observada e medida (ibidem). Dessa forma, a
caracterização da racionalidade limitada exigiria centralmente dois conceitos; a busca e a sa-
tisfação, já que se as alternativas para se escolher não foram inicialmente dadas, o indivíduo
deve procurá-las (ibidem) Por fim, levando em conta estas considerações, Simon chegou à
conclusão que é essencial um modelo de processo de tomada de decisão para que possamos
descrever o mundo real, sendo então a ambição neoclássica de evitar tal modelo irrealizável
(ibidem).
A partir da visão de Simon, podemos concluir que conforme o ambiente econômico
vai ficando mais incerto e indeterminado, a racionalidade deixa de ser omnisciente e passa a
ser limitada, o que envolveria uma reflexão sobre a capacidade e a forma de se tomar as deci-
sões e uma maior abertura interdisciplinar e metodológica. Por isso, o modelo da economia
tradicional não teria a generalidade necessária para descrever como são tomadas as decisões
econômicas.
Assim, Coase partiu de considerações sobre a forma como o sistema econômico real-
mente funciona para introduzir o conceito de “custos de transação” que explicaria a emergên-
cia das firmas e Simon refletiu sobre a forma que os agentes efetivamente decidem em situa-
ções de incerteza e imprevisibilidade, propondo a utilização do conceito de “racionalidade
limitada” para descrever como as pessoas se comportam. Desta forma, suas criticas ao modelo
tradicional se concentram na ausência de reflexões importantes sobre o funcionamento efetivo
da economia, já que elementos fundamentais como as firmas e as decisões estariam inadequa-
damente tratadas nesta teoria., restando então que o limite do modelo microeconômico em
ambas as visões seria que a sua estrutura estaria inadequada e incompleta.

5. A importância da história para Arthur e da complexidade para Kirman

Dois importantes resultados do modelo microeconômico convencional são que a histó-


ria, entendida como a seqüência em que os eventos ocorrem, não importa e que as proprieda-
des dos comportamentos individuais dos agentes se refletem de forma simples no comporta-
mento agregado. O primeiro resultado seria conseqüência do fato de que no modelo neoclás-
sico os agentes são meros cumpridores das condições iniciais, em que o tempo não existe ou é
atualizado pela taxa de desconto adequada, o que pode ser chamado de modelo de tempo lógi-
co. 21 Já o segundo resultado seria importante para possibilitar que as previsões do modelo
sejam testados empiricamente, tendo em vista que com a atuação da lei dos grandes números,
22
eventuais desvios do comportamento ótimo, tratados como erros eventuais, seriam anulados
e o resultado macro seria apenas a agregação dos micros comportamentos dos agentes, repro-
duzindo-os, ou seja, entre o comportamento agregado e o individual não haveria diferenças
qualitativas. Entretanto, se encontrarmos situações onde a seqüência dos eventos importem, as
previsões do modelo ficarão indeterminados, e se não há correspondência simples entre o mi-
cro e os macro comportamentos, a microeconomia perde capacidade explicativa. Assim, para
discutirmos estas questões, nesta seção apresentaremos os trabalhos de Brian Arthur e de Alan
Kirman, respectivamente, sobre a competição de tecnologias de retornos crescentes e a intera-
ção entre a racionalidade individual e a coletiva.
Em 1989, o economista norte-americano Brian Arthur publicou seu artigo sobre a di-
nâmica da competição entre tecnologias de retornos crescentes, onde são apresentadas impor-
tantes questões que questionam proposições da teoria econômica neoclássica (Arthur, 1989).
Inicialmente ele afirma que quando há competição entre duas ou mais tecnologias retorno-
crescente, em um mercado de adotantes potenciais, eventos insignificantes que ocorrem por
acaso podem dar a uma delas uma vantagem inicial nas adoções, e, como a tecnologia que foi
beneficiada pelos eventos iniciais pode ficar ainda melhor, mais adotantes potenciais podem
adotá-la, possibilitando que ela encurrale o mercado e expulse as tecnologias concorrentes
(ibidem). Assim, como qualquer uma das tecnologias pode ser a beneficiada pelos eventos
iniciais, a competição entre estas tecnologias envolveria equilíbrios múltiplos. Desta forma,
uma a análise estática poderia apenas relacionar os possíveis equilíbrios, sem selecioná-los.
Por exemplo, utilizando-se de uma aproximação dinâmica com eventos aleatórios nas ado-
ções, ele mostra como os resultados seriam selecionados, como quando alguns conjuntos de
“eventos históricos aleatórios” podem se acumular para dirigir o processo para um resultado
de participação no mercado, e outros acabam dirigindo o mercado para outro resultado, o que
acaba também por revelar duas propriedades familiares dos retornos-crescentes: a imprevisi-
bilidade e a ineficiência potencial. Ou seja:
“(...) os retornos crescentes agem para ampliar a probabilidade dos e-
ventos enquanto as adoções ocorrem, de modo que o conhecimento ex-
ante das preferências dos adotantes e das possibilidades das tecnologias
não basta para predizer o ‘resultado do mercado’; e como o aumento
dos retornos pode dirigir o processo de adoção em desenvolver uma
tecnologia que tenha um potencial de longo prazo inferior ”(Arthur,
1989, p. 1 e 2 ).
Além disso, esta aproximação dinâmica pode também apontar certas características da
competição de tecnologias de retornos crescentes: a inflexibilidade, já que uma vez que a tec-
nologia emergiu como dominante torna-se cada vez mais “locked in” (fechada nela); e a não-
ergoticidade, onde os pequenos eventos históricos que afastam o processo da média e não são
esquecidos na dinâmica podem definir o resultado (ibidem). Assim, nestas situações estaría-
mos bastante distantes da previsibilidade dos resultados do modelo microeconômico conven-
cional, já que as condições iniciais não seriam mais as determinantes.
A formulação de Arthur chama atenção para o “path-dependent” (dependencia da
trajetória) dos processos de adoção de tecnologias de retornos-crescentes. Desta forma, exter-
nalidades de rede e efeitos da aprendizagem poderiam explicar a adoção de tecnologias inferi-

21
Joan Robinson distingue os modelos de tempo lógico, onde as equações desenvolvem trajetórias para o equilí-
brio, dos de tempo histórico, em que normalmente as interações ocorrem fora do equilíbrio. (Robinson, 1985)
22
A lei dos grandes números é uma lei estatística que afirma que quanto maior a amostra, mais a sua média deve
se aproximar do valor esperado médio da população.
ores, como no caso dos teclados QWERTY (ibidem). Assim, ele sugere que regimes de dife-
rentes retornos torna a interpretação da história econômica deve ser diferente. No casos de
retornos constantes a evolução dos mercados seguiria o modelo neoclássico, sendo os peque-
nos eventos históricos desprezíveis, o que reduziria a história a condição de apenas portar e
distribuir o inevitável, já no caso dos retornos crescentes muitos resultados seriam possíveis, o
que deve nos levaria a ser bastante cautelosos ao julgar como “superiormente inatas” as tecno-
logias que resultassem vencedoras da competição nos mercados (ibidem). Nestas situações,
para Arthur haveria um caráter evolucionário na competição entre objetos econômicos em
geral, e tecnologias em partircular, fazendo com que a história torne-se importante, tornado
impossível predizer as partes do mercado para os objetos em concorrência, o que então limita-
ria teoricamente e praticamente a capacidade dos modelos econômicos de prever o fututo (ibi-
dem).
Portanto, o argumento de Arthur é que nos casos de competição entre tecnologias com
retornos crescentes de adoção, o impacto dos pequenos eventos históricos tornaria a participa-
ção das tecnologias nos mercados imprevisíveis, e as soluções potencialmente ineficazes, ten-
do em vista que estariam sujeitas a inflexibilidade e a não-ergocidade. Desta forma, estes pro-
cessos assumiriam características fortemente dependente da trajetória, onde os detalhes histó-
ricos se tornariam muito importantes para a compreensão dos resultados econômicos, restando
que os modelos convencionais perderiam sua capacidade de predição.
Já o economista francês Alan Kirman vem trabalhando sobre as estruturas de interação
econômica, buscando compreender como se dá a combinação entre a racionalidade individual
e a coletiva. Para ele existiriam diversas maneiras e finalidades de interação entre os agentes
econômicos que ganhariam coerência agregada sem que a ciência econômica tenha muita coi-
sa a dizer sobre elas (Kirman, 2003). Ele entende que o problema seria que no “paradigma
básico” da economia os indivíduos fariam a análise das decisões que deveriam tomar na “iso-
lação”, onde a interação só ocorreria através do sistema de preços e a informação seria global
e a mesma para todos os indivíduos que transacionassem nos mercados. Assim, mesmo em
situações em que não seria necessária muita informação para que a interação ocorra, as des-
crições do paradigma não seriam realistas e deixariam de explicar a origem das assimetrias de
informação entre os agentes (ibidem).
Para ele uma visão alternativa poderia ser que os indivíduos funcionariam em uma vi-
zinhança limitada e a maioria de sua informação viria daqueles com quem eles interagiriam, e
se eles tivessem capacidades de raciocínio limitadas e se adaptassem às situações melhor do
que otimizassem suas escolhas, poderíamos ter resultados coletivos desejáveis (ibidem). Na
visão de Kirman, o que aconteceria de fato na economia é que os agentes se comunicariam e
aprenderim uns com os outros, além de se utilizarem das ações observadas dos outros para
inferirem informações (ibidem). Por outro lado, ele entende que a estrutura da teoria dos jogos
seria uma alternativa exigente demais para as capacidades de raciocínio dos agentes, já que
nela cada jogador analisaria a descrição do que cada jogador faria e além disso saberia tam-
bém tudo o que o outro jogador também sabe, o que geraria enormes problemas computacio-
nais para os agentes, significando uma extensa análise inteira em casos de decisões econômi-
cas muito limitadas (ibidem). Desta, forma para ele a aproximação alternativa necessitaria de
uma combinação entre a “isolação” do paradigma básico e o “estrategismo extremo” da teoria
dos jogos, com várias formas de interação não mercantis (ibidem). Assim, ele acaba definindo
a economia como um sistema complexo, onde o comportamento agregado seria determinado
por uma complicada interação entre os indivíduos em seu micro nível específico, e defenden-
do a utilização de modelos que oferecessem uma maneira mais útil de olhar a emergência da
estrutura e organização do mercados (ibidem).
Nesta medida, uma importante idéia que ele introduz é que o comportamento macro
não poderia ser pensado como reflexo do comportamento de um “típico” indivíduo ou do
comportamento “médio”, já que para isto seria necessário não se permitir nenhuma interação
direta entre os indivíduos, o que resulta então que não há nenhuma garantia da existência de
uma correspondência direta simples entre o indivíduo e a regularidade do agregado (ibidem).
Assim, ele exemplifica tal idéia com um trabalho que fez com Haerdle sobre o funcionamento
do mercado de peixes de Marselha, em que as transações dos indivíduos não revelavam algu-
mas das propriedades da curva de demanda convencional, mas que no agregado ela se tornava
descendente como previsto na teoria (ibidem) 23. Por isto, Kirman conclui que o comporta-
mento agregado é mais parecido com o resultado esperado do comportamento racional que se
supõe típico dos indivíduos, que por seu turno não corresponde ao comportamento empírico
deles, ou seja , pode-se supor que o comportamento coletivo poderia ser “racional” já que o
dos indivíduos não poderia ser (ibidem).
Nesta medida, o clássico exemplo da divisão de trabalho de Adam Smith mostraria
como tarefas limitadas produzem um resultado coletivo complicado, isto porque os indivíduos
não necessitam ter consciência da estrutura total da empresa coletiva para produzi-la (ibidem).
Disto resulta para Kirman que a lei dos grandes números não eliminaria o comportamento
incerto, mesmo quando as preferências são aleatórias, já que os agentes não seriam indepen-
dentes nas interações de mercado(ibidem). Por fim, ele acaba estendendo estas análises com-
plexas para o “comportamento de rebanhos” em mercados financeiros, para o funcionamento
das redes econômicas e para a ocorrência de falhas de percepção, concluindo que:
“Os indivíduos nas economias não são cegos e sem finalidade ou inten-
ção como são as formigas, mas funcionando são uma parte muito limi-
tada do ambiente econômico e estão melhor cientes de uma parte desse
ambiente. (...) A racionalidade coletiva alternativamente posta é muito
diferente da racionalidade individual e é um erro a conversa do compor-
tamento do mercado ser como aquele de um indivíduo. A complexidade
parece-me ser uma propriedade de organizações econômicas e não de
indivíduos” (ibidem, p. 22 e 23).
Assim, na visão de Kirman a racionalidade coletiva que aparece no comportamento
agregado deve ser explicada com base em interações locais simples no micro nível, que não
são capturadas nem pelo modelo do equilíbrio geral nem pelo da teoria dos jogos, ou seja, das
regularidades agregadas não podemos inferir o comportamento dos indivíduos, necessitando-
se então constituir um modelo complexo de interdependência não exclusivamente mercantil
entre os agentes, tanto para compreender o comportamento no micro nível quanto para expli-
ca-lo no macro nível.
Portanto, enquanto o trabalho de Arthur parte de um modelo baseado nas suposições
comportamentais convencionais de racionalidade perfeita, devido as propriedades das tecno-
logias de retornos crescentes, o resultado fica indeterminado sob o impacto da seqüencia de
eventos históricos, o que descaracteriza os resultados previstos pelo modelo microeconômico
convencional. Por outro lado, o desenvolvimento realizado por Kirman parte da observação
de um resultado previsto pelo modelo, mas que devido ao funcionamento efetivo dos agentes
econômicos, acaba deixando a explicação convencional insatisfatória, por não capturar a
complexidade subjacente aos mercados. Neste sentido, as visões de Arthur e Kirman conver-
gem ao buscar mostrar que, através de abordagens que incorporam o caráter incerto, dinâmico
e complexo da economia, os resultados econômicos que aparentam as propriedades do modelo
não podem ser atribuídos a ele, o que faz com que o modelo convencional acabe sendo inade-
quado nestas situações.

23
HAERDLE, W; KIRMAN, A . P. “Non classical demand: a model-free examination of price quantity relations
in the Marseille fish market”. Journal of Econometrics, vol, 67. 1994
6. Considerações finais

Nas seções anteriores expusemos algumas questões teóricas que limitariam a capaci-
dade do modelo microeconômico convencional de abordar certos problemas econômicos. As-
sim, a forma como a questão da causalidade e do conhecimento são abordados são identifica-
dos como um problema nos fundamentos econômicos do modelo, o tratamento da firma e do
processo de decisões como uma insuficiência na sua estrutura teórica e a indeterminação pro-
vocada pela história e as interdependências complexas como situações onde os resultados da
microeconomia convencional seriam inadequados.
Porém, nesta parte final, inclusive para podermos refletir sobre as conseqüências des-
tas questões para a ciência econômica, abordaremos também o impacto do formalismo na
teoria neoclássica em geral, e nos modelos microeconômicos convencionais em especial, ou
seja, realizaremos uma discussão mais sobre a técnica utilizada por esta teoria, do que sobre o
contéudo da abordagem em si, e então, principalmente, da relação entre “modelagem matemá-
tica” e os limites de utilização do modelo. Desta forma, esta questão estaria vinculada ao tipo
de teoria que é construída, a seus critérios de demarcação e a própria finalidade da ciência
econômica. Neste sentido, a importância de incluirmos esta discussão aqui é que a própria
avaliação dos questionamentos expostos no trabalho dependem do estatuto científico e meto-
dológico da economia envolvido na discussão.
Assim, para o metodólogo e historiador do pensamento econômico Mark Blaug, o
problema com o formalismo estaria no fato de que a economia havia se transformado mais
num jogo intelectual jogado para sua própria causa do que para conseqüências práticas, e as-
sim, o rigor analítico havia ficado mais importante do que a relevância empírica (Blaug,
1998). Para ele esta situação seria conseqüência da transformação dos trabalhos de demons-
tração formal da existência do equilíbrio econômico geral de Arrow e Debreu em modelo de
que os economistas deveriam fazer, o que resultaria, em sua visão, que agora compreendería-
mos quase menos de como os mercados reais trabalham do que com Adam Smith, ou mesmo
Leon Walras (ibidem). Já no caso da teoria dos jogos, para Blaug sua utilização estaria mais
concentrada em aspectos prescritivos e teria poucas respostas empíricas (ibidem). Assim, ele
entende que seria necessário se retomar a orientação da economia para resolver problemas,
onde a capacidade de predizer seria importante, com o estabelecimento de um estilo mais
frouxo, e portanto menos preciso que na análise matemática, sendo fundamental.
Já a posição do economista Tony Lawson, adepto da corrente filosófica denominada
“realismo crítico” 24, é mais extremada, defendendo que o problema principal da economia
tradicional seria o formalismo, que ele identifica com o instrumentalismo, definido por ele
como uma interpretação de que as teorias seriam apenas ferramentas práticas para alguma
finalidade que não a explicação causal (Lawson, 2001, p.158). Ou seja, numa explicação for-
mal não seria necessário a descrição da estrutura real do problema econômico estudado, já que
sua eficácia estaria relacionada com seu objetivo, não com o seu realismo. Para Lawson esta
opção metodológica teria importantes conseqüências, já que o dedutivismo assumido exigiria
que se supusesse que os sistemas estudados fossem fechados e constituídos por elementos
independentes. Porém, como a realidade social seria aberta e estruturada, a perspectiva redu-
cionista seria incapaz de produzir os resultados desejados e estaria provocando a incapacidade
da teoria neoclássica de cumprir com seu objetivo de realizar previsões (ibidem). Assim, co-

24
O realismo crítico visar constituir uma filosofia científica alternativa ao dedutivismo e ao empirismo com
base na combinação do “realismo transcendental” e do “naturalismo crítico” . Ver HAMLIN, Cynthia. Realismo
crítico: um programa de pesquisa para as ciências sociais. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janei-
ro, Vol. 43, no 2, 2000
mo alternativa, Lawson propõe que a economia adote uma orientação mais realista, realizando
investigações sobre a estrutura dos objetos econômicos em estudo.
Entretanto, para o economista institucionalista Geoffrey Hodgson, o problema em si
não seria o uso do formalismo, mas sim a inadequação e pouco desenvolvimento do contexto
interpretativo em que os modelos formais são utilziados (Hodgson, 2004). Para ele uma estru-
tura interpretativa necessitaria que a gênese, o sentido e o significado envolvidos nos concei-
tos utilizados no modelo sejam discutidos (ibidem). Assim, a negligência em relação ao con-
texto é que faria com que a “técnica” ganhasse sobre a “substância” nos modelos da aborda-
gem padrão. Ele exemplifica o uso que entende adequado para o formalismo citando um mo-
delo sobre segregação racial de Thomas Schelling (1969)25, onde o formalismo é utilizado
para finalidades heurísticas, servindo as hipóteses irreais para iluminar aspectos importantes
da realidade (ibidem). 26 Além disso, Hodgson justifica que o uso da abstração e da suposição
de fechamento pode servir para explicações provisórias, como na análise do funcionamento de
uma economia nacional, em que se ignora provisoriamente o comércio internacional, ou na
realização de testes econométricos sobre mercados específicos, supondo-se seu isolamento de
outros fatores. Assim, ele entende que tanto aqueles que defendem a posição que a predomi-
nância do formalismo é um sinal de sucesso, quanto aqueles que só o aceitam em poucas cir-
cunstâncias, estão equivocados porque em ambos os casos a relação com o contexto interpre-
tativo não estaria sendo especificada (ibidem). Desta forma, para Hodgson o assunto exigiria
que se explorasse uma posição intermediária, que estaria entre os extremos da adoção ou ne-
gação automática do formalismo.
Por fim, temos a posição do economista evolucionário Jack Vromen, que entende que
muitos economistas do “mainstream” também buscariam representar os mecanismos causais
subjacentes do sistema econômico, mas que não o fariam explicitamente porque enfatizariam
mais a necessidade de que os modelos tenham simplicidade, tratabilidade, elegância, parci-
mônia e poder unificador, diferentemente de outros autores, que dariam um maior peso a vir-
tudes como o realismo, a verdade, a credibilidade e a plausibilidade (Vromen, 2004). Por ou-
tro lado, apesar dele adotar uma estrutura evolucionária para estudar os processos econômi-
cos, ele acredita que as convicções ontológicas 27 em si não garantem a correção das proposi-
ções. Assim, para Vromen seria necessário, na avaliação comparativa das teorias que concor-
ressem para a explicação de um determinado problema, que as teorias tenham evidências em-
píricas, capacidade de explicar fatos e sejam consistentes e parcimoniosas em seus argumen-
tos.
Desta discussão resulta que a questão técnica, entendida como a qualidade e o rigor
matemático ou estatístico de uma teoria, não poderia ser alçada a condição de critério único e
fundamental para avaliar a validade de uma dada proposição teórica, tanto para o bem quanto
para o mal. Isto porque, normalmente a formalização de uma teoria é bastante útil para que se
possa avaliar se todas as hipóteses assumidas de forma explícita. Porém, existem certos tipos
de questões que não se prestam para a “matematização” de forma adequada, como hábitos,
convenções, instituições ou os arranjos internos de uma firma. Desta forma, podemos concluir
que seria importante para qualquer modelo teórico ser tanto compreensivo, quanto explicati-
vo, buscando então atender, da forma mais satisfatória possível, os diversos critérios e objeti-
vos propostos pelos economistas. Assim, o excesso de formalismo ou de texto em si não seria
razão para a aceitação ou rejeição de uma proposição, mas sim o escrutínio crítico realizado
por diversos pesquisadores.

25
SCHELLING, Thomas. Model of Segregation. American Economic Review, 59 (2), pp. 488 – 493. 1969
26
Herística é um conjunto de métodos e regras que conduzem à descoberta, à invenção e à solução de problemas,
conforme o Dicionário Aurélio.
27
Ontologia é o estudo da realidade última de todos os seres ou de toda a realidade (Chaui, 2000).
Nestes termos podemos avaliar o modelo microeconômico convencional em relação
aos questionamentos apresentados. Assim, dependendo dos objetivos e critérios que são pro-
postos, poderíamos estabelecer os limites e a capacidade, mais geral ou específica, do modelo
em abranger certos problemas econômicos. Desta maneira, as questões levantadas por Veblen,
Hayek, Coase, Simon, Arthur e Kirman estabeleceriam um conjunto de questões que se en-
tende não poderem ser tratadas adequadamente, devido exatamente às características intrínse-
cas do modelo microeconômico, sob pena da descaracterização das questões ou do modelo.
Não seria por outra razão que a teoria neoclássica, passado mais de 50 anos de sua sistemati-
zação, mantêm sua estrutura básica inalterada. Assim, se quisermos ir além das questões que o
modelo trata, ou modificamos as questões para que elas possam ser integradas no modelo ne-
oclássico, o que normalmente é feito pelos pesquisadores que trabalham com esta abordagem,
ou partimos para um outro modelo teórico.
Desta forma, resultaria dos questionamentos que foram abordados neste trabalho três
considerações. A primeira seria que a racionalidade da teoria neoclássica, apesar de suas im-
portantes qualidades técnicas, como sua simplicidade e tratabilidade, não é uma representação
adequada de como agentes humanos se comportam em ambientes econômicos, significando
que deveríamos sempre explicitar este limite quando da sua utilização. A segunda é que o
processo histórico que envolve a economia e lhe transforma, além da complexidade de opera-
ção dos mercados, impõe importantes qualificações para qualquer modelo econômico. E a
terceira é que é incontornável incorporarmos na teoria econômica a estrutura institucional das
economias, como também a forma como ela se modifica, se quisermos compreender os pro-
cessos e os resultados econômicos.
Nestes casos os limites do modelo microeconômico convencional estariam dados por
sua pretensão de abarcar todos os objetos econômicos a partir de uma estrutura baseada no
“individualismo”, na “racionalidade” e no “equilíbrio”. Desta forma, as limitações do modelo
expostas durante este trabalho apontariam para que a realidade econômica dificilmente pode-
ria ser representada por uma teoria unificada, sendo necessário o desenvolvimento de diferen-
tes linhas de pesquisa para tratar de diversos problemas. Assim, devemos trabalhar no sentido
de utilizar e construir uma série de teorias parciais e específicas, reunidas por um objeto de
pesquisa amplo e uma abordagem pluralista.

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