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UMA HISTÓRIA DE AMOR EM ATO ÚNICO

PARA OS MOMENTOS DE TRANSIÇÃO, USAM-SE VÍDEOS DO CASAL NAS


MAIS VARIADAS SITUAÇÕES (NA PRAIA, NAMORANDO, VIAJANDO, ETC.).
ESSES VÍDEOS VÃO, COM O DECORRER DO DESGASTE NA RELAÇÂO
DO CASAL, DESCREVENDO OS MOMENTOS EM QUE VIVEM.

ATO ÚNICO

Uma cama dividida por uma parede. De um lado está o ATOR e do outro a
ATRIZ.
ATOR
E ontem, mais ainda, eu vi minhas memórias refletidas em um pedaço de
papel. Nele estava escrito teu nome. Linhas azuis sobre o branco amassado, o
passado de nossas vidas, o sentimento marcado numa anotação velha...
ATRIZ
Velhas memórias... Histórias que não voltam mais. O passado não passa de
linhas mal escritas, linhas azuis sobre o branco amassado. O amor ficou
anotado num rodapé sujo de batom. A boca já não beija, os olhos procuram na
multidão, o coração espera paciente, impotente, ausente...
ATOR
O cheiro de teu corpo junto ao meu, tua pele, teu contato, meu olfato, o palato
sentindo o teu gosto, o rosto quente colado a pele, tua silhueta, o breu, teu
corpo nu...
ATRIZ
Lembranças de um tempo em que o amor sujava de vermelho os nossos dias.
Lembranças de quando saltar, voar, pulsar eram palavras escritas na pele nua.
Beijos, eu e você, um, simples assim...
ATOR
A memória é um velho álbum de fotografias, uma peça de teatro que nunca se
repete... E a vida, a vida sempre começa ao acaso...
Música. O espaço vai se desconstruindo, ficando somente a cama.
[TRANSIÇÃO] A história de amor desse casal será agora contada. Chega cada
um de um lado. A cama, agora sem a parede, será o ponto de inicio.
ATRIZ
Conversa com alguem que a platéia não vê - celular.
Eu estou precisando mesmo é de uma cama. Acabei de chegar aqui, passei no
vestibular. Sabe, o apartamento que eu aluguei é...
ATOR
Conversa com alguém que a platéia não vê - celular.
...apertado cara, precisa ver como era apertado. Parecia virgem. Eu quase
achei que iria precisar...
ATRIZ
...passar um óleo ou qualquer outra coisa que destrancasse a fechadura. Sabe
como é, apartamento velho, achei que ficaria presa, achei que eu ia ficar...
ATOR
...brocha. Não conseguia me concentrar. Foi tão dificil que eu quase fiquei...
ATRIZ
...brocha. Brocha, pincel, tinta... Tudo isso eu preciso comprar ainda. Sabe
como é eu preciso...
ATOR
...dar uma pintada, cara. Antes que eu me forme, antes de sair daquela
faculdade, eu tô muito necessitado. Na verdade o que eu preciso é...
ATOR e ATRIZ
Juntos.
...comprar uma cama.
No decorrer do diálogo eles aproximavam cada vez mais do centro do palco.
Nessa última frase eles a falam pulando em cima da cama. Se olham. Ficam
sem graça por um tempo, até desatarem numa gargalhada.
ATOR
Prazer, meu nome é EDUARDO.
ATRIZ
Ainda rindo.
Como a música...
EDUARDO
Como...
ATRIZ
É que meu nome é MÔNICA, prazer.
EDUARDO
EDUARDO e MÔNICA, se eu contar ninguém acredita...
MÔNICA
É, parece até ficção.
EDUARDO
Aqui a ficção toma forma na cabeça de quem vê. Basta acreditar que é real,
assim se torna.
MÔNICA
Até o amor?
EDUARDO
Até o amor. Nunca ouviu falar de Romeu e Julieta? Orfeu e Eurídice? Tristão e
Isolda? Todos eles juraram amor eterno aqui mesmo onde estamos.
MÔNICA
Nesta loja de móveis...
EDUARDO
Não... Você sabe onde...
Olha em volta
Aqui.
MÔNICA
Rindo.
Eu sei. É aqui que tudo começa. Uma história de amor em ato único...
EDUARDO
Uma história de amor em ato único, taí... Gostei! Quem sabe eu escreva algo
com esse título. O amor improvável entre Eduardo e Mônica, com começo,
meio e fim...
MÔNICA
Fim?
EDUARDO
Tudo acaba... Até o amor. Mas não agora. Vamos deixar a vida acontecer, a
peça continuar e o amor surgir...
MÔNICA
Você promete me amar até o fim desse ato?
EDUARDO
Prometo. Que seja eterno até o apagar das luzes, o descer do pano e quando
os aplausos começarem saberemos então que valeu a pena.
MÔNICA
O amor ou a peça?
EDUARDO
Os dois.
Beijam-se. Música. [TRANSIÇÃO] As luzes mudam.
EDUARDO sai da cama.
MÔNICA
Vai onde EDÚ?
EDUARDO
Tenho que ir para casa, tenho que entregar o TCC até dia 20, e deu pau no
pen drive que tinha salvado metade do trabalho.
MÔNICA
Eu achei que a gente ia passar o fim de semana juntos, sabe..
EDUARDO
Eu sei, deixa eu me ver livre disso tudo e vamos ficar a semana toda juntinhos.
MÔNICA
Mas EDU, é que eu faço...
EDUARDO
Desculpa MÔ, eu tenho mesmo que ir. A gente se fala depois. Beijo!
EDUARDO sai.
MÔNICA
É que eu faço aniversário amanhã...
Entristece. Um pedaço da parede que divide a cama é colocado, o começo.
Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão
amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é
que te amo? Bonito não? Mas não é meu é de Fernando Pessoa, ele mais do
que ninguém sabia dar palavras a esse sentimento mudo. O amor é como uma
boa peça de teatro onde o ator e a plateia sabem da finitude do espetáculo,
embora assim eles fiquem a dialogar, hipnotizados um com o outro. Há olhos,
boca, sentimento e emoção. As mãos se buscam a todo o momento, sem
tocar-se. Durante aqueles breves momentos os dois são um, há na arte uma
comunhão comum a de dois amantes, aquele que vê e aquele que faz se
amam durante proveitosos minutos, depois o que resta é lembrança, saudade e
silêncio...
MÔNICA sai. Música. [TRANSIÇÃO] Luz muda. Entra EDUARDO com
MÔNICA no colo. Ele está de beca, acaba de formar-se. Ela está usando o
capelo. EDUARDO a joga na cama.
EDUARDO
Então senhorita MÔNICA, essa vai ser a sua primeira vez com um homem
formado.
MÔNICA
Bom, com um vestido de beca sim...
EDUARDO
Como assim? Você já ficou com um cara formado?
MÔNICA
Meu primeiro namorado era formado em Fisioterapia, sabe. A gente ficou uns
anos, mas não deu certo.
EDUARDO
Uns anos? Como assim? E você nunca me disse nada?
MÔNICA
Você nunca perguntou e a gente nunca teve oportunidade de chegar nesse
assunto. Além do mais você também deve ter tido uma namorada antes de
mim...
EDUARDO
Não mude de assunto mocinha. Pois o foco aqui é você.
Acende um foco somente nela durante alguns segundos, depois volta ao
normal.
E ainda por cima fisioterapeuta. Como você pode ter namorado um
fisioterapeuta antes de mim?
MÔNICA
Du, não fica assim. Você tá formado agora também...
EDUARDO
É, mas em artes cênicas. Eu nunca vou ser páreo para um fisioterapeuta...
MÔNICA
Para com isso EDUARDO, a profissão de ator é uma profissão linda. O teatro é
um lugar essencial na formação da cultura de um país.
EDUARDO
É? Então me diz o nome de um ator de teatro...
MÔNICA
Tem o Giannechinni, tem o Wagner Moura, o...
EDUARDO
Que não seja de TV também MÔNICA!
MÔNICA
Há... Tem o... O...
EDUARDO
Você sabe quem foi Augusto Boal?
MÔNICA
Não.
EDUARDO
Pois é, você e metade desse país não sabem...
MÔNICA
Há, se for assim me diz o nome de um fisioterapeuta famoso?
EDUARDO
Não sei.
MÔNICA
Arrá! Viu, não sabe...
EDUARDO
Mas eu duvido que fisioterapeuta depois de formado tenha que trabalhar como
garçom até conseguir um trabalho no seu ramo, duvido que fisioterapeuta
tenha que ficar mendigando um direito seu junto as secretárias de cultura e o
escambal, duvido que um fisioterapeuta tenha que prostituir o seu ofício tendo
de fazer obras de gosto duvidoso junto a pessoas que não entendem nada de
arte...
MÔNICA
Tudo bem EDU, essa parte eu entendo, mas o que isso tem a ver com nós dois
agora?
EDUARDO
Nada, é que eu fiquei meio assim de saber que você namorou um
fisioterapeuta.
MÔNICA
Mas eu estou com você agora não estou?
EDUARDO
Está...
MÔNICA
Então é isso que importa. Eu amo agora é um ator, não um fisioterapeuta. Eu
posso não saber quem é Augusto Boal, mas eu sei quem é EDUARDO, o ator
mais sensacional que esse país vai ver. Um escritor de mão cheia, o homem
por quem eu me apaixonei perdidamente e que até o fim desse ato eu amarei,
até quando o último holofote estiver acesso, e assim depois quando o pano
estiver decido e os aplausos começarem, eu saberei então que valeu a pena...
EDUARDO
O amor ou a peça?
MÔNICA
Os dois.
Se beijam. Música. [TRANSIÇÃO]
Muda a luz. MÔNICA se levanta da cama.
EDUARDO
Vai onde MÔNICA?
MÔNICA
Eu tenho que ir terminar meu TCC. Falta imprimir algumas coisas, e tenho a
impressão que não vai dar tempo, sabe. Imprimir, impressão, sacou?
Sai rindo.
EDUARDO
Mas MÔNICA... É nosso aniversário de namoro.
Entristece. Um novo pedaço da parede é colocado na cama.
Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se
troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte
em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o
matem (e matam) a cada instante de amor. Bonito não? Mas não é meu é de
Carlos Drummond de Andrade. Ninguém entendia melhor o amor do que ele. O
amor é como uma peça em ato único, ele acontece assim sem escolhas, sem
tempos mortos, sem intervalos. Os percalços do amor são micros blecautes,
passagens de luz e tempo, são soluços numa frase longa. O amor em ato único
acaba antes que o público adormeça, cansado de ver repetições de uma vida
que parece, mas não é sua. Assim a peça, digo, a vida segue...
[TRANSIÇÃO] Música de casamento. Sinos. A luz muda. Entra EDUARDO com
MÔNICA ao seu colo, ela está com um vestido de noiva.
EDUARDO
Enfim sós...
MÔNICA
Enfim...
EDUARDO
Colocando MÓNICA na cama.
Sabe o que eu mais quero fazer agora?
MÔNICA
Bom, acho que todo mundo sabe o que um marido mais tem vontade de fazer
na noite de núpcias.
EDUARDO
Será então que todos os paletós pinicam como esse meu? Porque eu tô
morrendo de vontade de tirar essa porcaria. Ainda por cima a calça ficou
apertada e ficava toda hora entrando aqui no meu...
Percebe MÔNICA.
O que foi?
MÔNICA
Só você mesmo para ficar pensando em reentrâncias numa horas dessas.
Vamos recomeçar: Enfim sós...
EDUARDO
Enfim... Mônica, você já parou para pensar? Estamos casados... Casados...
Até que a morte nos separe.
MÔNICA
Ou até que o ato termine.
EDUARDO
Falando em ato, que tal a gente ir direto ao ato em si?
MÔNICA
Você tá com muita vontade?
EDUARDO
Muita, muita, não... Mas a gente tem que perpetuar, é a nossa noite de
núpcias.
MÔNICA
Mas a gente já perpetuou. Na terceira semana de namoro, tu não lembra? No
banco de trás do Voyage do teu pai.
EDUARDO
O que a gente faz agora, então?
MÔNICA
Ah... Sei lá. Primeiro tira essa roupa aí, senão tu vai ficar todo empolado.
EDUARDO começa a tirar a roupa.
EDUARDO
Sabia que tem uma peça do Brecht que se chama: “O casamento do pequeno
burguês”?
MÔNICA
E o personagem do noivo fica com a roupa pinicando também?
EDUARDO
Não. A peça se passa na festa de casamento do título. A medida que a noite se
prolonga, a elegância e as boas maneiras dão lugar ao tédio, à bebedeira e às
grosserias.
Pensativo.
Você acha que o tempo, o tédio e a rotina são capazes de matar o amor?
MÔNICA
Matar o amor? Como assim? Com um 38 e tudo?
EDUARDO
Não, Mônica. Sem palhaçadas.
MÔNICA
Ué, não foi você que disse que tudo acaba, até o amor?
EDUARDO
Eu disse isso? Quando?
MÔNICA
No dia em que a gente se conheceu. Eu lembro como se fosse hoje, no
comecinho da peça.
EDUARDO
Ah! Frase de efeito. Eu precisava me demonstrar seguro da situação.
MÔNICA
Quer dizer então que você não acha que tudo tem um fim?
EDUARDO
Claro que eu acho. Mas pensar num fim aqui nesse momento é meio difícil. Eu
queria te amar para sempre. Que a gente conseguisse ficar junto até daqui uns
50 anos.
MÔNICA
Presta atenção EDU, o amor não acaba com o tempo. Ele nasce e morre num
espaço de um instante, no momento de amar. Tenho minha rotina completa de
instantes incompletos pela tua falta. Instantes que se repetem dia a dia, o amor
nunca é igual. Não quero um amor que dure para sempre. Quero um amor que
seja eterno no instante, para renascer dia a dia. Ainda que antes do sono ele
morra esgotado de verdades, de excessos, incertezas, quero esse amor hoje,
já que um dia pode ser tarde demais. Ame-me agora, amanhã talvez, para
sempre nunca. O para sempre acomoda e sempre acaba com a paixão de um
último beijo. Quero um amor que dure até o último beijo, mesmo sem saber
qual deles será o último. Assim, vamos beijando, esperando, como se nesse
instante o amor possa enfim morrer pelo excesso do próprio amor, não pela
condição do tempo. O amor não acaba com o tempo, pensar no tempo acaba
com o amor. Meus momentos contigo não são obra do tempo e sim da paixão.
Que ela seja eterna até o fim.
Música. Eles se beijam e iniciam uma cena de amor. [TRANSIÇÃO] Eduardo se
levanta e sai da cama. Olha o relógio e se percebe atrasado.
EDUARDO
Acorda Mônica! São quase oito horas! A gente tá atrasado pacas!
MÔNICA
Puta merda! E agora?
EDUARDO colocando a roupa.
EDUARDO
Agora? Te levanta e coloca tua roupa, rápido! Eu te disse que a gente não
podia ficar até tarde na festa da tua prima.
Levantando e colocando a roupa. Durante a conversa ficam de um lado para o
outro se vestindo, afoitos.
MÔNICA
Ah! Mas na hora de ir tomar um uísque com o tio Vânia tu não reclamou.
EDUARDO
Eu nunca ia imaginar que o nome do teu tio era Vânia.
MÔNICA
E o que tem demais? É um nome super comum na Rússia. Você sabia que ele
é russo não sabia?
EDUARDO
Eu imaginei, né MÔNICA... Eram duas coisas, ou ele era russo ou travesti.
Com um nome desses...
MÔNICA fica irritada.
MÔNICA
Mais respeito, filho do sr. Sueli e da dona Juraci...
EDUARDO
Para de apelar, MÔNICA. Eu gostei do teu tio por causa do Tchecov.
MÔNICA
Mas o meu tio nem conhece esse cara...
EDUARDO
Meu Deus! Quanta ignorância. Tchecov é o dramaturgo russo que escreveu
várias peças de teatro famosas, entre elas tem uma que se chama Tio Vânia.
MÔNICA
Lá vem você e essa sua mania de transformar tudo em teatro.
Se batem ao centro do palco, caindo na cama.
EDUARDO
Deu MÔNICA. Não precisa mais se arrumar que eu perdi a vontade de sair.
MÔNICA
Que bom! Eu não queria fazer você passar vergonha com a minha ignorância
diante dos teus amiguinhos eruditos.
Música de fundo. EDUARDO vai para um lado do palco, MÔNICA para o outro.
Uma nova parte do muro se forma.
MÔNICA
Cais, às vezes, afundas em teu fosso de silêncio, em teu abismo de orgulhosa
cólera, e mal consegues voltar, trazendo restos do que achaste pelas
profunduras da tua existência.
EDUARDO
Meu amor, o que encontras em teu poço fechado? Algas, pântanos, rochas? O
que vês, de olhos cegos, rancorosa e ferida?
MÔNICA
Não acharás, amor, no poço em que cais o que na altura guardo para tí: um
ramo de jasmins todo orvalhado, um beijo mais profundo que esse abismo.
EDUARDO
Não me temas, não caias de novo em teu rancor. Sacode a minha palavra que
te veio ferir e deixa que ela voe pela janela aberta. Ela voltará a ferir-me sem
que tu a dirijas, porque foi carregada com um instante duro e esse instante será
desarmado em meu peito.
MÔNICA
Radiosa me sorri se minha boca fere. Não sou um pastor doce como em contos
de fadas, mas um lenhador que comparte contigo terras, vento e espinhos das
montanhas.
EDUARDO
Dá-me amor, me sorri e me ajuda a ser bom. Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.
EDUARDO E MÔNICA
Bonito não? Mas não é meu não é de Pablo Neruda...
Se percebem falando juntos. Saem. Música aumenta. [TRANSIÇÃO] Os atores
darão as próximas falas passando de uma coxia a outra.
EDUARDO
MÔNICA, cadê meus livros do Stanislavski? Eu preciso daqueles livros,
MÔNICA...
MÔNICA
Quantas vezes eu disse que não era para você deixar essa bendita toalha
jogada em qualquer lugar?
EDUARDO
MÔNICA, você usou minha escova de dentes? Quantas vezes eu disse para
você não usar minha escova?
MÔNICA
EDU, a tampa tá lá levantada e toda banhada de dourado, quantas vezes eu já
te disse para amestrar o seu amiguinho aí?
EDUARDO
O meu nariz de clown não é para sua priminha brincar. Tem que ter respeito
por ele, você não sabe?
MÔNICA
Porra, EDU! O corte da mamãe não ficou dos melhores, mas aí você chamar
ela de mico-leão é demais...
EDUARDO
Avisa para aquele seu tio, que se ele me perguntar mais uma vez quando que
eu vou aparecer na malhação, eu esgano ele.
MÔNICA entra enjoada e para na cama.
MÔNICA
EDU, tá atrasada...
EDUARDO passando de um lado para o outro, sem prestar muito atenção em
MÔNICA.
EDUARDO
E quando tu não está atrasada MÔNICA, daquela vez...
MÔNICA cortando EDUARDO.
MÔNICA
A menstruação EDU...
EDUARDO para de súbito.
EDUARDO
Como é que é...
MÔNICA
Isso que você ouviu. Minha menstruação tá atrasada pacas, e eu to muito
enjoada. Vai lá na farmácia comprar um teste para mim.
EDUARDO fica nervoso, confuso, indo de um lado para o outro.
EDUARDO
Tá... Eu vou na farmácia fazer um teste para grávido... Digo, vou comprar uma
farmácia no teste... Eu...
MÔNICA impaciente.
MÔNICA
Anda logo!
EDUARDO saí.
MÔNICA
Meu Deus, até parece que eu comi um morte lenta, lá do Seu Claudio da
esquina. Parem o mundo que eu quero descer. E o EDU que não chega. Era só
ir até ali na coxia e voltar, porque essa demora toda?
Entra EDUARDO com o teste.
EDUARDO
Eu trouxe o teste. Agora é só seguir as instruções.
Lendo.
Tá... É só urinar aqui nesse trequinho...
EDUARDO começa a desabotoar sua braguilha.
MÔNICA
O que o senhor está fazendo, EDUARDO?
EDUARDO
Ah... Desculpa, é que eu tô um pouco nervoso... Sempre fico assim nas
estreias...
MÔNICA
Me dá aqui! Já volto...
MÔNICA sai.
EDUARDO, nervoso, caminha de um lado para o outro. Começa a fazer
exercícios de relaxamento e depois de voz (SI, FU, XI, PÁ). MÔNICA entra,
lágrimas de felicidade aos olhos.
MÔNICA
EDU, nós dois agora somos três... Você vai ser pai...
EDUARDO emocionado.
EDUARDO
E você, mãe...
Música. Se beijam. [TRANSIÇÃO]
MÔNICA começa a sentir as dores do parto.
MÔNICA
Aí! EDU tá na hora...
EDUARDO
Mas já? Mal acabamos de saber que estamos grávidos...
MÔNICA
EDU, tu esqueceu onde a gente tá? Aqui tudo tem que ser dinâmico e ritmado,
senão as pessoas dormem, ou pior do que isso, vão embora no meio...
EDUARDO começa a correr de um lado para o outro.
EDUARDO
Tá... Agora eu tenho que pegar a bolsa para o grande dia. Onde é que eu
deixei ela mesmo.
Vai a coxia e volta com a bolsa.
Pronto... Bolsa, chaves do carro no bolso, celular, acho que não falta nada.
Sai deixando MÔNICA para trás. MÔNICA se contorce de dor.
MÔNICA
EDU! EDU! Será que você não esqueceu nada...
EDUARDO entra nervoso, totalmente atrapalhado.
EDUARDO
Claro! Como eu poderia esquecer...
Passa e vai para a outra coxia. Volta com uma caixa de charutos.
Havanas legítimos. Gastei uma nota. Mas sempre quis fazer isso, igual aos
filmes.
Sai. MÔNICA sente dores mais fortes. Coloca a mão e sente um sangramento.
MÔNICA
EDU! EDU! Me ajuda, alguma coisa tá errada...
EDUARDO entra correndo e percebe a gravidade da situação nos olhos de
MÔNICA. A pega ao colo e sai. Música. [TRANSIÇÃO]
Durante a TRANSIÇÃO, MÔNICA entra e constrói um pouco mais do muro a
dividir a cama. Depois senta-se a ponta da cama. As cenas da TRANSIÇÃO se
sobrepõem a ela e são construídas por imagens da preparação do casal
(compra de roupinhas, arrumação do quartinho, com berço, brinquedos, etc).
Ela vai interagindo com as imagens. A iluminação vai mudando, as imagens
vão saindo e a música fica de fundo.
MÔNICA
O instante muda o caminho de uma vida. O que são as palavras no instante de
existir? Homem, mulher, amor, atriz, ator, realidade, ficção, vida, morte, mãe e
filho... O que fazem os sons em conjunto formarem tatilidades, realidades que
no fundo ilusão é. Até semana passada era mãe, feliz... E hoje? O quanto
essas palavras me pertencem? O que elas querem me dizer? Como dizia
Cecília: “E agora fecho grandes portas sobre a canção que chegou tarde. E
sofro sem saber de que Arte se ocupam as pessoas mortas.”
EDUARDO fala entrando.
EDUARDO
A arte de não ser. Sua mãe está no telefone, quer falar com você.
MÔNICA
Diz para ela que eu tomei remédios para dormir e que não posso falar agora.
EDUARDO
Já é a sexta vez que você não quer atender e me manda inventar uma mentira.
MÔNICA
De mentiras você entende EDUARDO, afinal é um ator.
EDUARDO
Mentiroso? O ator é um mentiroso, passa algo de enganoso a plateia que o
assiste, finge amar o que lhe aflige, o que lhe torna mais sensível, não ser
comum e sim incrível numa selva de iguais, não ter beiradas e sim escadas,
Olhando sobre umbrais. O ator é um mentiroso, sofre, ama e é manhoso, finge
doer, mas não dói, é bandido, é herói, mau caráter, educado e vulgar, finge ao
gostar do amor, aprende a amar o amar, sorri quando sente que a dor, o leva
aonde não quer chegar. O ator é um mentiroso, pois fala a verdade ao mentir,
chora mesmo ao sorrir, sorri quando a fome o alcança, quando é pra cair
balança e ao balançar já não cai. E quando de pé o aplaudem, ele finge não
saber, a mão que hoje o acolhe, amanha de manhã já lhe pode, a sua face
bater. O ator é um mentiroso, pois é efêmero e sem destino, mas esse todo
desatino, que a alma lhe consome e que no fim do dia some, aparece ao
amanhecer. Hoje só o leva a crer, que ser ator é vocação, algo sem explicação,
de quem vive a profissão a qual todos queriam ter. Acontecem várias coisas
em cima de um palco MÔNICA e mentira não é uma delas. Vai chegar uma
hora que você vai ter que falar com sua mãe.
MÔNICA
E essa hora não é agora. Me deixa sozinha, por favor.
EDUARDO
Você deve estar esquecendo que eu também estou sofrendo, afinal eu também
era pai.
MÔNICA
Pai só sente depois que o filho nasce e o nosso nem chegou a nascer. Agora
me deixa em paz, EDUARDO.
EDUARDO
Vou te deixar em paz... Depois não adianta reclamar.
EDUARDO sai. Voltam as imagens de TRANSIÇÃO. Luz cai em resistência.
Blecaute.
Duplo foco de luz, cada um em um personagem. Ambos se encontram
sentados em lados opostos na cama, de costas um para o outro. Conversam
sem se olhar.
EDUARDO
A estreia foi muito boa, a casa tava cheia. A Andréia perguntou de você...
MÔNICA
Tem que trocar a resistência do chuveiro EDUARDO. Hoje, tive que tomar
banho gelado de novo. Custam dez reais uma resistência...
EDUARDO
Ela disse que nunca viu uma peça como aquela. Poética, trágica e com um
humor na medida certa, nada dessas gratuidades que se vê por aí...
MÔNICA
É só juntar azul com azul e vermelho com vermelho, não tem muito segredo.
Qualquer idiota pode fazer, inclusive...
EDUARDO
Depois da peça veio um cara falar comigo. Disse que escrevia para um blog
sobre literatura e teatro. Ia escrever uma crítica...
MÔNICA
Como pode queimar tanto a resistência, a terceira em menos de dois meses.
Deve ser pouca pressão d’água...
Música. Cenas de [TRANSIÇÃO], onde se veem o casal cada vez mais
solitários. Durante as cenas o casal faz uma coreografia, representando esta
solidão acompanhada dos dois, enquanto montam a parede até ficar completa.
Ao fim, EDUARDO de malas prontas, fica de frente ao público, no proscênio.
EDUARDO
O mau amor atingiu em cheio o pobre casal ordinário, de carícias e
sentimentos precários que levavam uma vida vazia: Ele sonhava com sonhos e
ela em reformar a pia; Ele vivia vazio e ela vivia vazia. A vida vazia fazia deles
espasmos e esboços de gente, as mãos de carícias dormentes dormiam por
sobre o peito, o olhar já meio sem jeito olhava por curvas aquém, o benquerer
não vivia, as flores morriam também, ele já mal nem sentia amores de quem se
quer bem. O mau amor satisfeito fez da felicidade uma imagem distante, Fez
da rotina maçante o cotidiano do pobre casal, que acordavam e dormiam,
acordavam e dormiam, acordavam e dormiam, fazendo sempre tudo sempre
igual. Até um dia, nublado por assim dizer, que o mau amor foi embora. Que
sempre aja esperança para um pobre casal ordinário, vivendo uma vida
ordinária num insólito mundo ordinário. MÔNICA, eu vou embora.
MÔNICA, as costas de EDUARDO, sente o baque diante da afirmação. Faz
menção de abraçar EDUARDO, porem se retém.
MÔNICA
Não esquece de pegar tua escova de dentes...
EDUARDO olha para MÔNICA por breves instantes. Sai. MÔNICA desaba a
chorar do lado direito da parede, sobre a cama. EDUARDO entra pelo lado
esquerdo da parede e se coloca a chorar, também sobre a cama. Repete-se a
cena do inicio da peça. Foco fechado neles.
EDUARDO
E ontem, mais ainda, eu vi minhas memórias refletidas em um pedaço de
papel. Nele estava escrito teu nome. Linhas azuis sobre o branco amassado, o
passado de nossas vidas, o sentimento marcado numa anotação velha...
MÔNICA
Velhas memórias... Histórias que não voltam mais. O passado não passa de
linhas mal escritas, linhas azuis sobre o branco amassado. O amor ficou
anotado num rodapé sujo de batom. A boca já não beija, os olhos procuram na
multidão, o coração espera paciente, impotente, ausente...
EDUARDO
O cheiro de teu corpo junto ao meu, tua pele, teu contato, meu olfato, o palato
sentindo o teu gosto, o rosto quente colado a pele, tua silhueta, o breu, teu
corpo nu...
MÔNICA
Lembranças de um tempo em que o amor sujava de vermelho os nossos dias.
Lembranças de quando saltar, voar, pulsar eram palavras escritas na pele nua.
Beijos, eu e você, um, simples assim...
EDUARDO
A memória é um velho álbum de fotografias, uma peça de teatro que nunca se
repete... E a vida, a vida segue seu rumo...
Mudam as luzes. O casal, agora em ambientes diferentes, fazem, através de
movimentos espelhados, uma breve coreografia sobre acões cotidianas de
pessoas solteiras, como arrumar o apartamento. Após a coreografia, deitam a
cama (ficando lado a lado para a vista do público) e começam a ver um filme.
EDUARDO
Tristão e Isolda, esse foi o primeiro...
MÔNICA
...filme que vi com o EDU. Coisa de ator de teatro...
Música Tristão e Isolda de WAGNER.
EDUARDO
Meu rosto em teu olha.
MÔNICA
E, o teu, no meu reflete.
EDUARDO
E do manto do rosto, o coração se veste.
MÔNICA
Um par de hemisférios que, melhor se complete.
EDUARDO
Onde há, sem norte. Ou declinante oeste?
MÔNICA
Em desigualdade, tudo o que morre está.
EDUARDO
Se o nosso amor é um só e formamos um par,
MÔNICA
De amor tão igual e forte, ninguém morrerá.
EDUARDO E MÔNICA
Juntos.
Preciso ligar para ela (ele)...
Ligam simultaneamente, som de ocupado. Desligam.
EDUARDO E MÔNICA
Juntos.
Ocupado... Com quem será que ela (ele) está falando...
Esperam impacientes. Fazem menção de ligar um, depois o outro mas não
ligam. Quando resolvem finalmente ligar, o fazem juntos novamente. Som de
ocupado.
EDUARDO
Ela deve estar falando com aquele ex dela formado em Fisioterapia...
MÔNICA
Ele deve estar falando com aquela amiguinha dele a Andréia... Atriz, deve estar
arrastando uma puta asa para ele...
EDUARDO E MÔNICA
Juntos.
Vou tentar uma última vez...
Ligam juntos. Som de ocupado.
EDUARDO
Quer saber vou ligar para a Andréia, quem sabe a gente não se diverte um
pouco...
MÔNICA
Quer saber vou ligar para o meu ex, o fisioterapeuta. Ex é igual fast-food a
gente sabe que não deve, mas come de vez em quando...
Música Tristão e Isolda novamente. Em contraste com a melancolia da música
as ações dos atores são alegres. Luz cai em resistência. [TRANSIÇÂO].
Imagens de EDUARDO e MÔNICA com outras pessoas. O cenário vai
desconstruindo-se, ficando apenas a cama sem a parede. Entram EDUARDO e
MÔNICA cada um de um lado das coxias, falam com alguém que o público não
identifica - celular.
EDUARDO
Cara, tô recomeçando minha vida. To conhecendo pessoas novas. Meu,
precisas ver como a Andréia é...
MÔNICA
...gostosa. Ele é fisioterapeuta e faz a massagem mais gostosa que eu já
recebi. Mas a sua maior virtude é o tamanho da sua...
EDUARDO
...ferramenta. Para abrir aquela cortina, como o teatro é velho só com aquela
ferramenta. Falando em abrir alguma coisa quando é que aquela princesa da
Vitória vai abrir as...
MÔNICA
...pernas, braços, costas... A massagem dele é completa querida. Meu siático
não me incomoda a meses. Na última vez foi tão bom, que eu achei que ia...
EDUARDO
...gozar a vida! Hoje em dia eu só quero é gozar a vida. Na verdade o que eu
estou precisando mesmo é...
EDUARDO E MÔNICA
Juntos.
...comprar uma cama.
No decorrer do diálogo eles aproximavam cada vez mais do centro do palco.
Nessa última frase eles a falam pulando em cima da cama. Se olham. Ficam
sem graça por um tempo, até desatarem numa gargalhada.
EDUARDO
MÔNICA, a quanto tempo...
MÔNICA
EDUARDO, contando ninguém acredita... Parece até ficção.
EDUARDO
Aqui a ficção toma forma na cabeça de quem vê. Basta acreditar que é real,
assim se torna.
MÔNICA
Até o amor?
EDUARDO
Até o amor. Nunca ouviu falar de Romeu e Julieta? Orfeu e Eurídice? Tristão e
Isolda? Todos eles juraram amor eterno aqui mesmo onde estamos.
MÔNICA
Nesta loja de móveis...
EDUARDO
Não... Você sabe onde...
Olha em volta
Aqui.
MÔNICA
Rindo.
Eu sei. É aqui que tudo começa. Uma história de amor em ato único...
EDUARDO
Uma história de amor em ato único, taí... Gostei! Quem sabe eu escreva algo
com esse título. O amor improvável entre Eduardo e Mônica, com começo,
meio e fim...
MÔNICA
Fim?
EDUARDO
Tudo acaba. Até o amor. Mas não agora. Vamos deixar a vida acontecer, a
peça terminar e o amor surgir...
MÔNICA
Você promete me amar até o fim desse ato?
EDUARDO
Prometo. Que seja eterno até o apagar das luzes, o descer do pano e quando
os aplausos começarem saberemos então que valeu a pena.
MÔNICA
O amor ou a peça?
EDUARDO
Os dois.
Música EDUARDO e MÔNICA do Legião Urbana. Os dois saem conversando
alegremente. Luz vai caindo em resistência, até ficar um foco único sobre a
cama. Blecaute.
FIM.

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