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DNA Educação

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DNA Educação

DNA Educação

Ivanio Dickmann
(organizador)

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DNA Educação

CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Editor Chefe - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth Teixeira - Brasil

FICHA CATALOGRÁFICA
____________________________________________________

D553v Dickmann, Ivanio


v. 2 DNA educação 2 / Ivanio Dickmann (org). – São Paulo:
Dialogar, 2018. (Coletânea de artigos da educação, 2).

ISBN 978-85-93711-39-8

1. Educação. I. Título.

CDD 370.1
_______________________________________________________

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIÁLOGO FREIRIANO


dialogar.contato@gmail.com

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DNA Educação

Ivanio Dickmann
[organizador]

DNA EDUCAÇÃO
Volume II

Diálogo Freiriano
São Paulo – SP
2018

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DNA Educação

ÍNDICE

EDUCAÇÃO – NOSSO COMPROMISSO


Ivanio Dickmann ................................................................................. 6
A ESCOLA NO BANCO DE RÉUS: O ESCOLA SEM
PARTIDO E AS PERFORMANCES DE NEUTRALIDADE NA
AGENDA DO CONSERVADORISMO PEDAGÓGICO
Edmundo dos Reis Carvalho, Deyse Oliveira Gomes, Douglas Silva Navarro
........................................................................................................ 8
MESTRADO PROFISSIONAL: PROMOVENDO A
TRANSFORMAÇÃO DA PRÁXIS EM ENFERMAGEM
Carine Vendruscolo, Edlamar Kátia Adamy, Mônica Ludwig Weber, Letícia de
Lima Trindade, Carise Fernanda Schneider, Elisangela Argenta Zanatta, Denise
Antunes de Azambuja Zocche, Fernanda Fabiana Ledra, Lenita de Cássia
Moura Stefani.................................................................................... 23
UM OLHAR DAS E NAS PRÁTICAS DO PACTO NACIONAL
PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA
Carla Giovana Pereira Menezes ............................................................. 41
POR UMA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA:
CONSELHOS DE CLASSE NA ESCOLA PÚBLICA
ESTADUAL DO CEARÁ
Caetano Roberto Sousa de Freitas, Carlos Henrique Róseo de Paula Pessoa
...................................................................................................... 57
EDUCADOR NASCE COM ESSE DOM
Cássia Susana da Rosa Machado ........................................................... 72
TEXTOS À DERIVA: UM CONTINENTE DE
MULTISSEMIOSES
Cícero Henrique Bezerra da Silva, Liderlânio de Almeida Araújo ................. 83

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DNA Educação

PERSPECTIVAS DA ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO DE


PESSOA COM DEFICIÊNCIA NAS UNIVERSIDADES
FEDERAIS BRASILEIRAS DA ÓTICA DE SEUS SÍTIOS E
BIBLIOTECAS
Cládice Nóbile Diniz, Josiane Braz de Assis, Leon Diniz Alves ................... 97
EM BUSCA DO LETRAMENTO LITERÁRIO NO
PROGRAMA SÃO PAULO FAZ ESCOLA: DESAFIOS À
FORMAÇÃO DO LEITOR DO TEXTO ARTÍSTICO
Cleber Ferreira Guimarães ...................................................................121
A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FAMILIAR COMO BASE
PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR
Cyntia Calais .................................................................................. 137
“VAMOS BRINCAR DE ÍNDIO?”: ANÁLISE DECOLONIAL
DO DIA DO ÍNDIO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Débora Ribeiro, Eliane Dominico......................................................... 155
OS HOMENS NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA DA
EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE A ACADEMIA PRODUZIU
SOBRE ELES
Eliana Batista Souza ........................................................................ 173
BRINQUEDOTECA COMO RECURSO
PSICOPEDAGÓGICO
Elisângela dos Santos da Silva de Freitas ............................................... 192
A INDISCIPLINA EM SALA DE AULA E O TRABALHO DO
PROFESSOR: ANÁLISE SOBRE A REALIDADE ESCOLAR
Emanuele Cristina Rodrigues Gonçalves................................................. 205
GESTÃO PARTICIPATIVA: A IMPORTANCIA DO GESTOR
DEMOCRATICO NA COMUNIDADE ESCOLAR
Benedita Severiana de Sousa, Erika Francisca Eloi Melo, Lauanne Almeida
Nascimento ..................................................................................... 221
UM BREVE DIÁLOGO SOBRE A IDENTIDADE DO
DOCENTE
Estevão Ribeiro Matiassi.................................................................... 228

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DNA Educação

EDUCAÇÃO – NOSSO COMPROMISSO.

Com muita alegria e satisfação apresentamos ao você leitor e


leitora nossa nova coletânea de artigos DNA Educação. Como seu
próprio nome sinaliza, é uma seleção de artigos escritos por quem
incorpora no mais íntimo de seu ser o compromisso vital com a educação
no Brasil e dá sua vida para transformar os espaços pedagógicos em
lugares de ensino-aprendizagem onde a mudança se faz pelo fazer destes
educadores e educadoras.
Nossa editora se orgulha de ter escolhido a Educação como luz
que ilumina nosso trabalho! Queremos, como também querem estes
articulistas, que os processos educativos sejam reconhecidos como
fundantes de uma nova sociedade mais justa e inclusiva, que muda a vida
das pessoas, que mudam o mundo a partir de nova visão da realidade
construída a partir da intervenção crítica de professores e professoras
comprometidas com esta nova sociedade.
Não importa o espaço pedagógico que cada um de nós atua,
pode ser uma escola, um sindicato, uma universidade, uma organização
não governamental, uma associação comunitária, todos estes lugares
devem ser entendidos como espaços pedagógicos e não podemos
negligenciar esta perspectiva, sob pena de não dialogarmos sobre como
podemos produzir conhecimento nas relações de ensino-aprendizagem
presentes nos encontros com alunos/as, com os universitários, com o
público atendido na ONG, com os associados/as da entidade de base.
Educação não é uma panaceia. Temos que ter isso presente.
Contudo, sem ela pouco podemos conceber sobre transformações
consistentes em vista de um novo mundo. Essa consciência é
fundamental para sustentarmos a pertinência da educação em nosso
tempo. E quando sustentamos essa ideia – que é uma ideia de prática –
na verdade estamos sustentando tudo o que envolve a complexidade dos
processos educativos, o que inclui – inevitavelmente – as políticas
públicas de educação. Não há processo pela metade, se cremos que a
educação é importante, precisamos estar prontos para contribuir e
debater sobre os processos políticos envolvidos.

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DNA Educação

Além do mais, não há sociedade organizada e que avance sem


uma política pública bem organizadas, e isso passa pelas políticas sociais,
nas quais a educação está inserida. Não estamos projetando um time de
educadores panfletários e que só pensem em política 24 horas por dia,
não é isso. Mas, queremos estimular o envolvimento político de cada
educador/a em espaços onde podem interferir e ajudar a consolidar uma
perspectiva de mundo baseada na participação e no diálogo das
diferentes ideias. Assim, o mundo vai se ajustando e avançando.
Ter o DNA da Educação é ser pleno na sua concepção de
educador e educadora. Quem tem o DNA da Educação assume por
completo sua tarefa histórica de educar. Precisamos de mais gente com
este DNA encrustado na sua base genética. Os autores e as autoras dos
artigos que você vai ler nesta coletânea tem esta marca. São pessoas que,
além de fazer, dispensam tempo para elaborar suas ações, refletir sobre
seu próprio fazer. Mais ainda, custeiam coletivamente esta publicação e
compartilham suas boas práticas para que possamos aprender com elas,
avançar sobre seus ombros e ver mais longe.
O compromisso – eu estou usando muito esta palavra nesta
apresentação propositalmente – de quem educa é fazer o melhor possível
com o que se tem e partilhar nossos erros e acertos para que todos
possamos crescer mais rápido. Compartilhar é gesto nobre e revelador.
Demonstra o compromisso daquele/a que partilha com um projeto
maior que o seu, um compromisso com outros educadores e educadoras
que vão poder usufruir deste saber para que outras vidas sejam tocadas
e transformadas.
Boa leitura amigos e amigas. Queremos poder tocar vocês que
nos leem também. Que nossos textos possam ser úteis. Que nossos
esforços sejam parte desta construção coletiva que é o processo
educativo. Que possamos nos encontrar na escola da vida e compartilhar
abraços e compromissos em comum. Nossa esperança é que depois
desta leitura seu fazer pedagógico seja mais pleno e leve um pouco de
cada um de nós contigo.
Um grande abraço e força na luta!
IVANIO DICKMANN
Organizador do DNA Educação

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DNA Educação

A ESCOLA NO BANCO DE RÉUS:


O ESCOLA SEM PARTIDO E AS
PERFORMANCES DE NEUTRALIDADE NA
AGENDA DO CONSERVADORISMO
PEDAGÓGICO
Edmundo dos Reis Carvalho1
Deyse Oliveira Gomes2
Douglas Silva Navarro 3
RESUMO:
Os acirramentos ideológicos que marcam a atual polarização política no
Brasil têm no Projeto Escola Sem Partido elemento central das ofensivas
conservadoras e neoeconservadoras que aglutinam setores à
direita/centro do espectro político nacional na defesa de uma profunda
reformulação das diretrizes que regem as formações curriculares com
vistas à implantação de marcos metodológicos afinados com as
perspectivas neutralistas, sustentando, sem maiores embasamentos
conceituais ou empíricos, a possibilidade e a necessidade de uma
educação desideologizada.
Palavras-chave: Currículo. Ideologia. Neutralidade.
ABSTRACT:
The ideological escalations which mark the present political polarization
in Brazil find in the “Escola Sem Partido” project the central element of
the conservative and neoconservative offensives that agglutinate sectors

1 Graduado em História e graduando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana


– UEFS. Pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa em Criminologia – GPCrim-UEFS.
Professor da Rede Pública Municipal de Ensino de Anguera – BA e do Projeto Malungos de
Educação Popular.
2 Graduanda em Letras com Inglês pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

Pesquisadora associada ao Núcleo de Estudos em Língua Portuguesa – NELP-UEFS e


professora do Projeto Malungos de Educação Popular.
3 Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. Pesquisador

associado ao Grupo de Pesquisa em Criminologia – GPCrim-UEFS e professor do Projeto


Malungos de Educação Popular

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DNA Educação

to the political national spectrum's right/center in defense of a deep


reformulation of the guidelines which conduct the curricular formations
aiming the implantation of metodological marks tuned to the neutralist
perspectives, sustaining, without bigger conceptual or empirical, the
possibility and the necessity of an deideologized education.
Keywords: Curriculum. Ideology. Neutrality.
Introdução
Herdeiro de uma tradição neopositivista fundamentada em
ideias de neutralidade política e ideológica e atravessado pelas formu-
lações anticomunistas, antifeministas e heteronormativas, que compõem
parte do ideário conservador em ascenso na cena contemporânea brasi-
leira e mundial, o Escola Sem Partido se desenha no atual debate educa-
cional brasileiro como um conjunto de articulações jurídico-discursivas,
curriculares e administrativas que, embora carecendo de substância
téorico-conceitual e respaldo empírico na análise da realidade educa-
cional do país consegue agenciar plataformas de controle, silenciamento
e disciplinamento legal do universo escolar em nome de uma questio-
nável defesa dos estudantes. Estes figuram, em suas narrativas, como
audiência cativa de um projeto de doutrinação sistematizada a partir de
ideários de esquerda e de compromissos com as agendas de minorias
sexuais, movimentos sociais e similares.
Acompanhando a forte polarização ideológica que conforma o
campo político do país nos últimos anos, com o crescente acirramento
de tensões políticas e o recrudescimento de valores sociais e morais
identificados com as vertentes mais conservadoras do pensamento
autoritário, a escola brasileira vem sendo objeto de um conjunto de
estratégias e performances de controle situadas principalmente no
campo jurídico, com uma gama de projetos oriundos na maioria das
vezes de sujeitos individuais e coletivos alheios às dinâmicas específicas
do cotidiano escolar, mas dispostos a situar a escola, suas matrizes
curriculares, o fazer docente e os processos de ensino e aprendizagem
no centro de uma suspeição generalizada que demandaria intervenções

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DNA Educação

corretivas urgentes nos marcos curriculares e legais4 da educação


nacional.
Tal ênfase recai na desfocalização das questões infraestruturais
mais urgentes da cena educacional do país, elegendo como os maiores
problemas a serem enfrentados aqueles situados na pretensa
ideologização excessiva da prática docente que estaria, ao mesmo tempo,
renunciando às “reais” atribuições educativas e investindo no
desvirtuamento dos valores morais, sexuais, religiosos e políticos dos
educandos a serviço da imposição unilateral de um suposto consenso
axiológico voltado à desconstrução dos valores constitutivos do
pensamento cristão-ocidental.
O presente artigo tem por escopo analisar o Escola Sem Partido
(doravante ESP) enquanto formulação político-pedagógica situada a
partir de concepções curriculares perigosistas e defensivistas, escoradas
na dissociação entre a dimensão epistemológica e a dimensão axiológica

4 Os marcos curriculares e legais que orientam a vida educacional no país firmam-se nas formu-
lações, normas e princípios ostentados na Carta Maior da República, na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei n° 9394/96), nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que
datam de 1998 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais, originadas da própria LDB. Como marcos
regulatórios, tais plataformas se inscrevem em um conjunto de temporalidades e espacialidades
que são, por definição, históricas e, por isso mesmo, mutáveis em suas dinâmicas e possibi-
lidades. A própria LDB sofreu e sofre alterações as mais diversas que refletem a própria
movimentação e evolução histórica da sociedade, com suas mudanças e permanências.
Todavia, ao contrário do que sustentam os articuladores do ESP, as reformulações propostas
na agenda sustentada por essas intenções legislativas estão longe de se confundirem com
meras alterações pontuais. Não se trata, por exemplo, de alteração na duração do Ensino
Fundamental ou da carga horária anual do Ensino Médio, mas de uma profunda reestruturação
na própria concepção de educação sustentada nos dispositivos constitucionais da Carta de 1988
e no que há de mais avançado na seara dos saberes pedagógicos, resultados de décadas e até
mesmo séculos de aspirações democráticas já consolidadas ou em processo de consolidação
no cerne do fazer pedagógico brasileiro e mundial. Ou seja, o ESP aparenta propor a introdução
de simples mudanças nestes marcos regulatórios, ao tempo em que articula um inegável
abandono do sentido axiológico e epistemológico que lhes dá significado e concretude. As
noções de pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; consideração com a diversidade
étnico-racial e respeito à liberdade e apreço à tolerância, explícitas no ordenamento educacional
do país restariam seriamente prejudicadas ou mesmo esvaziadas da educação como prática
social efetiva caso tais proposições legislativas se confirmassem. Deste modo, o ESP não
investe apenas contra determinados elementos da identidade normativa da educação brasileira,
mas antes revela-se portador de um ideal de educação que confronta algumas das mais
profundas aspirações de igualdade e liberdade que constituem a própria caminhada histórica do
Ocidente em seu projeto de emancipação humana ainda hoje inconcluso.

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DNA Educação

do processo de ensino-aprendizagem que recuperam a crença na edu-


cação escolar como possibilidade de valorização de um saber neutro,
desideologizado e distanciado das questões políticas e socioculturais de
nosso tempo. Nessa perspectiva é proposto pelo ESP um paradigma de
educação que valorize a vigilância curricular capilarizada, transformando
os estudantes em permanentes fiscais do trabalho docente e os seus
familiares em agentes de delação, com flertes com o que há de pior na
tradição antidemocrática, como as experiências persecutórias do regime
empresarial-militar implantado no Brasil pós-1964 e os circuitos da
paranoia macarthista no contexto estadunidense da polarização
anticomunista.
“Neutralidade” na educação através da judicialização denuncista
dos fazeres docentes
Na análise aqui desenvolvida, o ESP como concepção
pedagógico-curricular extrapola o âmbito da produção legislativa
relacionada ao projeto de lei 193/2016, de autoria do senador Magno
Malta (PR-ES), ora arquivado no Senado Federal, por retirada de seu
propositor, que pretende a inclusão do Programa Escola Sem Partido na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96).
Neste sentido, é necessário diferenciar o PL 193/16, que
constitui a principal formulação parlamentar do Escola Sem Partido das
diversas outras proposições legislativas deste escopo. O projeto do
senador Magno Malta, um dos principais representantes das bancadas
religiosas no Congresso Nacional encontra-se arquivado desde 30/11/17
por solicitação de retirada da matéria em 21/11/17 pelo seu próprio
proponente. Todavia, o ESP no sentido que encorpa a presente análise
continua vivo enquanto intenção legislativa que se ramifica em diversas
aspirações políticas e diferentes concepções pedagógicas alinhadas às
perspectivas mais autoritárias do pensamento educacional brasileiro.
Tome-se a título de exemplo o PL 7180/14, de autoria de Erivelton
Santana, deputado federal pelo estado da Bahia, eleito pelo PSC e filiado
ao Partido Patriota, que propõe alteração na base principiológica do
artigo 3° da Lei n° 9394/96, de modo a garantir a primazia dos valores

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DNA Educação

sexuais, morais e religiosos das famílias dos educandos em detrimento


dos preceitos educacionais fundamentais previstos naquele artigo5.
Ele diz respeito, portanto, a um conjunto de proposições e
agenciamentos que inclui projetos de lei em tramitação em diferentes
câmaras de vereadores e assembleias legislativas estaduais6, uma
organização não governamental homônima, um sítio permanente na
internet e uma forte articulação entre parlamentares de diferentes
partidos7 e bancadas, com ênfase nas bancadas evangélica e ruralista,
além de apoio logístico e ampla divulgação em movimentos políticos
orientados à direita e ao centro do espectro político nacional, como o
Movimento Brasil Livre (MBL), o Revoltados Online e O Brasil Contra
a Corrupção, todos eles alinhados em maior ou menor grau com os

5 Deputado federal a partir de fevereiro de 2011, Erivelton Santana foi vereador na capital baiana
por dois mandatos consecutivos, sendo também proeminente liderança religiosa da Igreja
Assembleia de Deus. Atualmente compõe a bancada do Partido Patriotas no Congresso
Nacional, para a qual migrou em 2016 e no qual sustenta um conjunto de plataformas
relacionadas à defesa de alterações legislativas nas diretrizes e bases da educação nacional,
sustentando para tal, um pretenso amparo na Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, do qual o Brasil é signatário).
São constantes suas declarações no sentido de que a base principiológica que sustenta os 13
incisos do artigo 3° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9394/96) precisa
situar os valores morais e religiosos das famílias brasileiras como elementos orientadores das
relações de ensino no país, de modo que os valores familiares não sejam deslegitimados ou
desautorizados nas práticas escolares. Seus críticos veem nesta interpretação um abandono da
própria função educativa da escola como espaço de formação crítica e cidadã. Afinal, a guiar-se
por tal lógica, seria papel da escola confirmar e mesmo legitimar narrativas escoradas no
sexismo, no racismo ou na intolerância religiosa caso sejam estes os valores transmitidos no
interior do ambiente familiar. O que se encontraria em notório confronto com o ordenamento
jurídico nacional e as premissas elementares não só da Carta Magna, como também dos
fundamentos teóricos e epistemológicos que presidem a educação nacional.
6 De acordo com informações da página De Olho nos Planos, havia, no segundo semestre de

2017, pelo menos 62 projetos de lei matriciados na ideia fundadora do ESP, em curso em
diferentes instâncias legislativas do país, sendo 10 PL’s tramitando na Câmara dos Deputados
e 01 no Senado Federal, todos eles propostos entre 2014 e 2017. São pelo menos 32 Câmaras
de Vereadores com projetos norteados a partir dessa política educacional, além de 19
assembleias legislativas estaduais.
7 Uma análise desenvolvida pelo editor executivo da Revista Nova Escola, Rodrigo Ratier em

outubro de 2016 dava conta de pelo menos 09 siglas partidárias com projetos legislativos
inspirados no ESP, sendo elas PDT, PMDB, PEN, PP, PRB, PSB, PSC, PSDB e PIN, com
liderança do PSC, que possui 05 projetos, seguido pelo PMDB que empata com o PSDB com
04 projetos em diferentes espaços legislativos. Disponível em <https://novaescola.org.br/c
onteudo/383/14-perguntas-e-respostas-sobre-o-escola-sem-partido.> Acesso em 05/07/17.

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DNA Educação

grupos que mobilizaram a pressão popular pelo impeachment da


presidenta Dilma Roussef em 2016.
A gênese do ESP como projeto remonta a 2004, com o
procurador do estado de São Paulo, Miguel Nagib, e ganhou notoriedade
e projeção legislativa a partir de 2014, ocupando parte dos debates sobre
as transformações curriculares e acirrando as polarizações políticas e
ideológicas em curso no Brasil. Seus fundamentos, desde a origem, são
sintetizados em torno de uma suposta constatação de doutrinação
político-partidária nas escolas, da necessidade de superação desta prática
mediante a produção de dispositivos legais que regulem as práticas
docentes e gestoras no interior das instituições de ensino e da imposição
de sanções de natureza administrativa e, em algumas de suas versões, até
mesmo penais8, com incidência nas leis que regem o funcionalismo
público, os contratos de matrícula (no caso das escolas privadas
confessionais) e uma profunda alteração das diretrizes e bases da
educação nacional, que no lugar do pluralismo de ideias e concepções
pedagógicas e a pretexto de valorizar esta premissa passaria a adotar a
neutralidade como ponto de partida e ponto de chegada do ordenamento
curricular no país.
Ora, o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas constitui
princípio norteador da educação brasileira, com previsão no inciso III do
artigo 3° da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Também a Carta da República de 1988, em seu artigo 206, inciso III
expressa o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas como
fundamento princípio lógico que deve reger as bases do processo de
ensino-aprendizagem no Brasil. Sublinha-se então a própria ausência de
razoabilidade na proposição fundamental do ESP que se apresenta
sempre como uma forma de garantir legalmente a diversidade de
narrativas, teorias, opiniões, versões e perspectivas a respeito dos
assuntos abordados nas aulas. Na prática, equivaleria a alterar um
ordenamento para incluir nele aquilo que seu texto legal já garante
soberbamente. O que sugere que a proposição fundamental por trás da

8 Do Rio Grande do Norte, vem o PL 1411/2015 do deputado Rogério Marinho (PSDB) que con-
torna outra versão do ESP com tipificação do crime de assédio ideológico e previsão de até um
ano e meio de detenção e multa para os professores.

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DNA Educação

aparente defesa do pluralismo é a de um modelo de educação baseado


na vigilância e penalização do trabalho docente, o que aliás, implicaria
numa supressão do pluralismo a pretexto de defendê-lo e de combater
uma doutrinação jamais comprovada.
Do ponto de vista do embasamento técnico que encorpa a
narrativa alardeada pelo ESP são diversos os problemas identificados.
Para Rodrigo Ratier (2016), a estrutura propositiva do ESP carece de
melhor fundamentação empírica e conceitual, na medida em que:
O projeto se baseia em relatos esparsos e em uma pesquisa
de 2008 encomendada pela revista Veja ao Instituto
CNT/Sensus. A reportagem não detalha a metodologia do
levantamento ou a margem de erro. Apenas diz que são 3
mil entrevistados. Na sondagem, estudantes mencionam
citações predominantemente favoráveis em sala a figuras
como Lênin, Che Guevara e Hugo Chávez. É muito pouco
para configurar uma tendência. Como faltam estudos
sistemáticos sobre o tema, não é possível saber se os
resultados seriam os mesmos se fossem aferidos hoje ou se
outro levantamento chegaria às mesmas conclusões.
(RATIER, 2016, p. 31).
Por outro lado, abundam constatações que contrariam a
própria premissa fundamental do ESP no tocante à suposta doutrinação
esquerdista nas escolas. Em pesquisa de 2014, por exemplo, o Data Folha9
apontou que a maioria dos brasileiros tende a filiar-se mais comumente ao
pensamento político situado no campo da direita (45%), com apenas
35% dos entrevistados identificados ao pensamento mais à esquerda da
arena política.
Ou seja, a doutrinação em questão ainda que existisse (nenhum
estudo aponta considerações afirmativas neste sentido até o presente
momento), não estaria funcionando, o que suprime o eixo norteador da
própria intenção legislativa que justifica o projeto. A pesquisa coincide,
aliás, com as primeiras proposições legislativas neste sentido, que são de
2014, fornecendo repertórios para as interpretações que identificam um

9 A pesquisa considerou aspectos relacionados a comportamentos, valores e economia e foi


realizada com um total de 10.054 eleitores em 361 cidades em todo o território nacional.

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DNA Educação

distanciamento entre as premissas do ESP e a realidade do país naquele


momento.
Em outras palavras, a percepção do ESP de que a doutrinação
existe, funciona e produz efeitos políticos diversos ganha espaço de
legitimidade com base numa crença amplamente difundida pelos seus
ideólogos de que o espaço escolar brasileiro difunde sistematicamente
um conjunto de opções ideológicas à esquerda do cenário político e que,
por isso mesmo, o combate à doutrinação em questão deveria orientar-
se por uma guinada rumo à objetividade do conhecimento em si mesmo,
desprezando-se as variáveis ideológicas e políticas. O problema é que a
contradição entre os números acima analisados e esta construção
discursiva do projeto termina por enquadrar o ESP nas malhas de sua
própria razão de ser: ao ignorar o fato comprovado em pesquisa de que
a maioria dos brasileiros tende a acolher mais facilmente os ideários
políticos situados à direita, o ESP confirma-se como parte de um campo
de visão política que dá preferência à crença ideológica em detrimento
da verdade dos fatos.
Elementos para uma compreensão dos fundamentos do movi-
mento Escola Sem Partido
Para os fins da análise aqui desenvolvida, importa situar um
conjunto de cinco formulações que identificamos nos pressupostos
fundacionais do projeto, alguns deles compondo orientações localizáveis
na superfície textual dos escritos produzidos por alguns dos principais
articuladores do ESP, outros extraídos indiretamente do cotejo entre as
premissas assumidas publicamente e aquelas não explicitadas nas
estratagemas constitutivas do mesmo, funcionando todas elas como
elementos que permitem alargar o sentido da contribuição da crítica às
performances neutralistas que o ESP encampa e promove. Seriam elas:
Unilateralidade e anacronismo da concepção de educando como audiência
cativa.
Nesta formulação, que se escora em teorias da aprendizagem
superadas há pelo menos algumas décadas, o processo de produção de
conhecimento se realizaria numa perspectiva linear e unidirecional: os
professores transmitiriam aos alunos determinados saberes ou valores e
estes não só seriam recebidos integralmente como também tal absorção

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DNA Educação

se confirmaria nos moldes pretendidos pelo professor como sujeito


enunciador. Isto não apenas garantiria a doutrinação propriamente dita
como também confirmaria o papel de folha em branco ou tábula rasa
tradicionalmente atribuído aos estudantes como objeto do processo
educativo. Além de carecer de fundamentação téorico-conceitual, a
premissa revela-se anacrônica por seu descompasso com as atuais
abordagens no campo das teorias da aprendizagem, da sociolinguística e
dos estudos comunicacionais.
Ora, as concepções correntes sobre o processo de ensino e
aprendizagem há muito se encaminham no sentido de superar tanto o
antagonismo histórico entre as concepções inatistas e empiristas quanto
a crença, hoje fortemente questionada, de que nos processos de
comunicação estabelecidos entre os seres humanos, o objetivo
pretendido pelo polo emissor da mensagem se confirmaria dentro das
suas expectativas e pretensões com relação ao polo receptor. Assim,
desde as contribuições ofertadas pela chamada virada linguística10 dos
anos 1970, os teóricos da comunicação e da comunicabilidade humana
vêm ampliando a interpretação sobre os fenômenos comunicativos, com
forte repercussão na seara propriamente educativa. Há cada vez menos
espaço para a sustentação da lógica unidirecional segundo a qual sujeitos
em situação de aprendizagem se apropriariam das narrativas em jogo
exatamente como pretendido por seus formuladores em suas dimensões
políticas e ideológicas.
A multiplicidade de fontes de informações, as novas
tecnologias da informação, a explosão da virtualidade a elas vinculadas e
os novos repertórios discursivos em cena no universo escolar e fora dele
fragilizam cada vez mais a concepção unilateral do educando como

10O conceito diz respeito às formulações teóricas que partiam da linguagem enquanto agente
estruturador do mundo, promovendo um conjunto de rupturas conceituais no campo das
humanidades, das teorias comunicacionais e dos estudos culturais, em especial por conta das
contribuições pós-estruturalistas que questionavam fortemente o legado logocêntrico da tradição
racionalista herdada do Iluminismo e do Cartesianismo e apontavam para a compreensão do
sujeito descentrado, a multipolaridade de centros de referência na produção de saberes, a
descolonização dos imaginários e a crise dos paradigmas hegemônicos na produção discursiva
da ciência e dos critérios de verdade do Ocidente. Incluem-se nesta definição os trabalhos de
pensadoras e pensadores como Judith Butler, Julia Kristeva, Michel Foucault, Jacques Derrida,
Roger Chartier e Stuart Hall, por exemplo.

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DNA Educação

tábula rasa ou "audiência cativa" de uma perspectiva doutrinária, qual-


quer que seja ela. Neste sentido, faltam aos articuladores do ESP dois
elementos de legitimação fundamentais: a existência de estudos
empíricos confirmando a ocorrência da doutrinação pretendida e um
suporte teórico e epistemológico capaz de subsidiar a noção amplamente
discutível de que é possível praticá-la.
Confusão entre as esferas públicas e privadas.
No sítio do ESP na internet e em todos os projetos e
pronunciamentos analisados destaca-se a orientação de que “o professor
respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral
que esteja de acordo com suas próprias convicções. ” Ora, sobressai-se
neste sentido uma contraposição que aposta na dicotomia família-valores
versus escola-saberes, de modo que a escola, enquanto parte integrante
da esfera pública, deveria limitar-se a subscrever e confirmar os valores
disseminados na família, enquanto dimensão privada da existência. É
parte da tradição patrimonialista e liberal brasileira a confusão entre as
esferas pública e privada e o predomínio da segunda sobre a primeira.
Assim, num país de tradição autoritária como o Brasil, em que as famílias
ainda lidam com enormes dificuldades na aceitação de plataformas como
legitimidade dos direitos humanos, diversidade sexual, laicidade do
Estado e igualdade de gênero, por exemplo, a escola que atualmente
cumpre, mesmo com dificuldades o papel de ofertar contrapontos a
ideários preconceituosos, sexistas, racistas, misóginos, etc, estaria
legalmente impedida de fazê-lo.
De fato, a Convenção Americana de Direitos Humanos ou
Pacto de San José da Costa Rica, de 1969 estabelece em seu artigo 12,
que "os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos
e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com
suas próprias convicções". Deriva daí um equívoco interpretativo que
reinventa a relação entre as esferas públicas e privadas e introduz uma
hermenêutica restritiva do alcance desta garantia humanitária, uma vez
que a ideia primaz do direito que se pretende tutelar nesse caso é a da
possibilidade, por exemplo, de uma família que se orienta pela tradição
criacionista não sofrer violação ou cerceamento em suas crenças no
ambiente escolar de seus filhos. O que estaria longe de significar que os

17
DNA Educação

mesmos filhos não possam travar contato com outras possibilidades de


crenças e narrativas religiosas, científicas ou evolucionistas no espaço
escolar em nome do pretenso respeito às convicções alimentadas por
aquela família no âmbito privado.
Por outro lado, em se tratando de um amparo alicerçado nas
normas de uma convenção continental de direitos humanos, o ESP
novamente perde de vista a natureza impraticável de sua formulação
original. Isso porque no plano fático, a escola passaria a assumir o
compromisso de manter intactas as orientações morais de seus
educandos, ainda que estas se mostrassem atentatórias à dignidade da
pessoa humana, à igualdade racial e de gênero e ao próprio estado
democrático de direito, em nome da necessidade de se observar a
supremacia dos valores familiares. Age-se não apenas confundindo os
âmbitos privados e públicos, mas também introduzindo um conjunto de
hierarquizações e sobreposições dos primeiros em relação aos segundos
que sequer se coadunam à lógica de uma cultura educacional democrática
e pluralista.
Homogeneização da identidade e dos fazeres docentes.
A julgar pelo argumento substancial do ESP, os professores
brasileiros estariam pensando e agindo com absoluta identidade
metodológica (a doutrinação) e também de interesses (no campo da
esquerda). Embora se apresentando como um movimento disposto a
combater a ideologização e a excessiva subjetividade no processo
educativo, o projeto tem sua própria razão de ser no abandono do senso
mínimo de objetividade/razoabilidade em sua sistematização, na medida
em que não apresenta qualquer estudo que dê conta de confirmar as
representações atribuídas aos docentes, seja no sentido de categorizá-los
como doutrinadores, ou o que é mais improvável: no de comprovar que
esta doutrinação se inclinaria no sentido de uma militância orientada à
esquerda ou na defesa da diversidade sexual e do relativismo cultural, por
exemplo.
Para o ESP, a profissão docente seria marcada por um forte
antagonismo entre a figura dos "verdadeiros professores" e a dos

18
DNA Educação

“professores militantes”. Estes últimos, ora de modo inconsciente11, ora


atuando de modo deliberado a serviço de um projeto amplo de disputa
dos corações e mentes dos educandos atuariam " fazendo a cabeça dos
alunos" enquanto aparentam a simples condução de seu trabalho
docente. Tal polarização identitária no seio da categoria docente não se
baseia em nenhum estudo que analise os perfis destes profissionais ou o
conjunto de significados socialmente construídos em torno da identidade
e dos fazeres docentes. Parte-se, portanto, de um conjunto de crenças
compartilhadas em maior ou menor grau pelos defensores do Escola
Sem Partido e apresentadas em tons que sugerem sistematicidade,
empiricidade e constatação, sem maiores preocupações com a dimensão
das afirmações generalizantes, fundamentadas em convicções individuais
ou coletivas jamais verificadas.
Numa entrevista com o idealizador do ESP, Miguel Nagib,
realizada pela revista eletrônica Profissão Mestre em agosto de 2016 e
republicada no sítio do Escola Sem Partido, por exemplo, o procurador
paulista afirma que a chamada doutrinação docente é grave e extensa no
país: “segundo pesquisa realizada pela CNT/Sensus e publicada pela
revista Veja, a imensa maioria dos professores (78%) acredita que a
principal missão da escola é 'despertar a consciência crítica dos alunos’”.
Ou seja, traça-se uma inferência específica sobre os sentidos atribuídos
por ele à ideia de consciência crítica dos alunos em particular para se
produzir no geral a certeza de que ao sustentarem tal afirmação os
professores não só atuariam como doutrinadores, como também tal
doutrinação se desenvolveria nos limites do pensamento dito "de
esquerda".

11Refletindo sobre a atuação do chamado "professor militante" e os danos causados por ele em
seu trabalho de doutrinação ideológica, Miguel Nagib, ideólogo inicial do ESP afirma em
entrevista publicada em agosto de 2016 no sítio do projeto homônimo “E o que faz o professor
militante? Abusa dessa situação especialíssima para “fazer a cabeça” dos alunos. E ele faz isso
de boa consciência, porque pensa estar colaborando para “produzir uma realidade mais justa”.
Na verdade, o que ele está produzindo é apenas mais um ignorante cheio de certezas, pronto
para entregar os destinos da nação a políticos que pensam (ou fingem que pensam) como ele."
Reaparece aqui o imaginário das chamadas vítimas algozes, numa referência ao clássico de
Joaquim Manoel de Macedo, publicado em 1869. Ou seja, o professor militante atuaria como
manipulador bem-intencionado dos seus alunos, mas também manipulado por um complexo
teórico-discursivo mais amplo, de que ele próprio seria vítima.

19
DNA Educação

As especificidades, pluralidades e polissemias da identidade


docente são reunidas num rol simplificado e simplificante que serve ao
propósito político de produzir um imaginário detrator sobre educadores
e suas atuações que embora não goze de respaldo empírico serve para
formular o sustentáculo do ESP. Se é premissa jurídica elementar que
todos são inocentes até que se prove o contrário, o projeto subverte esse
axioma e transforma a figura dos educadores e educadoras em
previamente culpados, sem necessitar alimentar tal narrativa com
qualquer expediente probatório.
Dubiedade ontológico-estrutural.
A ideia de uma concepção educacional que renuncie aos filtros
da subjetividade e da ideologia constitui a noção matricial do ESP
enquanto perspectiva curricular. Na prática, porém, resvala-se para uma
contradição inerente: um movimento político – e como tal ideológico –
assenta-se na recusa das ideologias no processo educativo e assim
evidencia a natureza inviável de sua proposição maior. Ou seja, o ESP
termina por situar-se como um movimento que propõe exatamente
aquilo que aparenta combater, isto é, a adoção de marcos ideológicos no
seio da dinâmica curricular do país.
Não é novidade no pensamento pedagógico brasileiro e
mundial a formulação de uma aposta na assepsia ideológica, de modo
que os saberes se dissociassem profundamente de qualquer traço
valorativo e a figura do professor limitasse o alcance de sua atuação à
transmissão dos conhecimentos curriculares legitimados pela ordem
produtiva, pelas demandas do mundo do trabalho e pelo repasse dos
saberes acumulados pela humanidade, sempre de modo universalista,
técnico, neutro e até puro, isento de ideologias e valores. Em parte, tal
pensamento deita raízes na tradição racionalista de matriz iluminista que
advogava uma separação radical entre a ideologia e o saber, embora sua
refuncionalização e apropriação encontre força naquilo que o professor
José Carlos Libâneo (1992) define como sendo as correntes liberal
tradicional e liberal tecnicista do pensamento pedagógico no país.
A última das formulações identificadas na análise do ESP é a
refuncionalização da cultura da delação e do perigosismo generalizado. A escola é
concebida nessa perspectiva como território em situação de risco

20
DNA Educação

permanente, por conta de uma infiltração silenciosa de sujeitos que


seriam oficialmente educadores e educadoras, mas na prática estariam
conspirando contra a sagrada normalidade do ambiente escolar e da
neutralidade curricular e o ESP figuraria, então, como possibilidade
redentora que a um só tempo, identifica o perigo disseminado, propõe
as estratégias regenerativas e desenvolve no plano legal os mecanismos
terapêuticos que expurgariam o mal detectado, reinstaurando a ordem
ameaçada.
O denuncismo, a delação e a cultura da suspeição generalizada
cumpririam então a função de salvaguardar o “verdadeiro” papel da
escola como ambiente de formação educativa preservado das paixões
ideológicas, dos arroubos militantes e da inescrupulosa manipulação
política dos estudantes como pessoas por definição vulneráveis face à
insidiosa intervenção doutrinária.
Neste sentido, a aposta na cultura da delação e do permanente
esquadrinhamento reintroduz no ambiente escolar mecanismos de
controle e suspeição que o país precisou superar aos poucos e com
dificuldades diversas na transição do regime empresarial militar para a
chamada Nova República. É parte das ações do ESP e das suas investidas
contra a liberdade e a autonomia docentes a divulgação de um verdadeiro
tutorial sobre como estudantes e familiares podem "identificar",
"flagrar", "enquadrar" e "desmascarar" um doutrinador. Em 17 itens
listados sob o título "Flagrando o Doutrinador" o sítio eletrônico do
ESP12 divulga um guia de ações cotidianas por meio das quais seria
possível identificar a partir de que momento o professor ultrapassaria os
limites de sua atuação profissional, passando a atuar como manipulador
ideológico dos alunos. O projeto sequer dissimula sua pretensão de
transformar as salas de aula em ambientes de desconfianças mútuas,
insegurança e intimidação de professores e mesmo fragilização das
competências profissionais desta categoria, apostando em uma
compreensão empobrecida e limitante das concepções de ensino e

12 Disponível em: <http://escolasempartido.org/flagrando-o-doutrinador>. Acesso em:


07/06/2018.

21
DNA Educação

aprendizagem, muitas vezes em franco confronto com o que preconiza


a legislação educacional brasileira.
A pretexto de combater a pretensa “doutrinação” em sala de
aula e um “alinhamento das concepções curriculares” com epistemo-
logias vinculadas às narrativas dos movimentos sociais e às agendas ditas
progressistas em termos de raça, classe, gênero e sexualidade, o Escola
Sem Partido agencia demandas por silenciamento, delação institucional
e judicialização dos fazeres docentes, vinculando-se a diversas organi-
zações não-governamentais, mais de 60 projetos de lei e performances
neopositivistas de neutralidade, contrariando premissas elementares de
uma educação plural.
O pânico em face de uma suposta doutrinação política em
curso funciona, então, como catalisador e legitimador de respostas que
desenvolvem intervenções calcadas na judicialização permanente da
escola como espaço institucional e no ensino como prática social
suspeita, todas elas descortinando utopias de controle e disciplinamento
em tudo incompatíveis com a ordem democrática e os fundamentos
elementares do processo educativo num estado democrático de direito.
Referências
De Olho nos Planos. Quase 60 projetos de lei relacionados ao escola
sem partido tramitam em todo o país. Disponível em
<http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/09/1512693-
direita-supera-esquerda-no-brasil.shtml>. Acesso em 10/07/17.
Folha de São Paulo. Direita Supera Esquerda no País. Disponível em
<http://datafolha.folha.uol.com.br/eleicoes/2014/09/1512693-
direita-supera-esquerda-no-brasil.shtml>. Acesso em 21/07/17.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996, 18ª. Ed.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2011, 50ª. Ed.
LIBÂNEO, José Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. In:
Democratização da Escola Pública. São Paulo: Loyola, 1992.
RATIER, Rodrigo. 14 Perguntas e Respostas Sobre o “Escola Sem
Partido”. In: A Ideologia do Movimento Escola Sem Partido. São
Paulo: Ação Educativa, 2016, 1ª. Ed. P, 29 – 48.

22
MESTRADO PROFISSIONAL:
PROMOVENDO A TRANSFORMAÇÃO DA
PRÁXIS EM ENFERMAGEM

Carine Vendruscolo1
Edlamar Kátia Adamy 2
Mônica Ludwig Weber3
Letícia de Lima Trindade4
Carise Fernanda Schneider5
Elisangela Argenta Zanatta6
Denise Antunes de Azambuja Zocche 7
Fernanda Fabiana Ledra8
Lenita de Cássia Moura Stefani9

RESUMO:
Relato dos movimentos que acompanharam o primeiro ano de desenvol-
vimento de um Mestrado Profissional em Enfermagem que busca
contribuir com a transformação da práxis da categoria, no contexto da

1 Enfermeira, Dra em Enfermagem, docente do curso Mestrado Profissional em Enfermagem na


Atenção Primária à Saúde UDESC-Oeste. E-mail: carine.vendruscolo@udesc.br
2 Enfermeira, Dra em Enfermagem, Docente do curso Mestrado Profissional em Enfermagem na

Atenção Primária à Saúde UDESC-Oeste. E-mail: edlamar.adamy@udesc.br


3 Enfermeira, Mestranda do Curso de Mestrado Profissional em Enfermagem na Atenção Pri-

mária à Saúde UDESC-Oeste. Email: monyludwig@hotmail.com


4 Enfermeira, Dra em Enfermagem, Docente do curso Mestrado Profissional em Enfermagem na

Atenção Primária à Saúde UDESC-Oeste. E-mail: letrindade@hotmail.com


5 Enfermeira, Mestranda do Curso de Mestrado Profissional em Enfermagem na Atenção Pri-

mária à Saúde UDESC-Oeste. Email: carisefs@yahoo.com.br


6 Enfermeira, Dra em Enfermagem, Docente do curso Mestrado Profissional em Enfermagem na

Atenção Primária à Saúde UDESC-Oeste. E-mail: elisangela.zanatta@udesc.br


7 Enfermeira, Dra em Enfermagem, Docente do curso Mestrado Profissional em Enfermagem na

Atenção Primária à Saúde UDESC-Oeste. E-mail: denise9704@gmail.com


8 Psicóloga, Msc. em Gestão do Trabalho e Educação Permanente em Saúde, docente do curso

Mestrado Profissional em Enfermagem na Atenção Primária à Saúde UDESC-Oeste. E-mail:


fernandaledra@gmail.com
9 Médica Veterinária, PhD em Medicina Preventiva Veterinária, docente do curso Mestrado

Profissional em Enfermagem na Atenção Primária à Saúde UDESC-Oeste. E-mail:


lenita.stefani@udesc.br

23
Atenção Primária à Saúde. As atividades tiveram início em agosto de
2017, mediante aprovação na Universidade e na Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Esta modalidade de pós-
graduação apresenta-se como uma estratégia com vistas a qualificar as
práticas assistências, gerenciais, de ensino de pesquisa na enfermagem,
ampliando o diálogo entre universidade e serviços.
Palavras-chave: Enfermagem; Mestrado profissional; Formação em
saúde.
ABSTRACT:
Report about the motion that accompanied the first year of the
Professional Master’s Degree for Nursing development which aim to
contribute with the remaking of the category`s praxis, in the context of
Primary Attention to the Health. The activities have started in August,
2017 through approving at the University and the Superior Level People
Improvement Coordination. This after-graduation modality presents as
a strategy with the goal of improve the assistance practices, managerials,
of teaching and researching, in nursing, enlarging the dialog between
university and service.
Keywords: Nursing; Professional master’s degree; Health training

Mestrado Profissional como Potencializador da Enfermagem de


Prática Avançada

O trabalho da enfermagem tem sido descrito, na literatura,


como potencializador de quatro dimensões: assistencial, educativa,
gerencial e investigativa. Contemplando o cuidado direto aos indivíduos
e coletividades, processos de formação profissional que abarcam desde
a graduação, a pós-graduação e a educação permanente são essenciais
para o constante aprimoramento da prática de enfermagem. Além disso,
a educação em saúde com os usuários e a coordenação e organização da
assistência prescindem de conhecimentos para fundamentar e orientar
os processos de cuidar, gerenciar e educar em saúde (PIRES, 2006;
PIRES; KRUSE; SILVA, 2008). Com vistas ao alcance de uma prática
compatível com essas dimensões, instrumentos e estratégias são

24
produzidos e implementados para dar conta das demandas emergentes
no cotidiano das práticas e no processo de construção e reformulação de
políticas e programas de saúde.
Como instrumentos de inovação, a Enfermagem Baseada em
Evidências (EBE) e a Enfermagem de Prática Avançada (EPA) emergem
como possibilidades para a qualificação da atenção à saúde. A partir de
um movimento, iniciado no Canadá e nos Estados Unidos da América,
e, mais recentemente, implantado em países como Alemanha, Austrália
e Nova Zelândia, a EPA vem causando impacto na legislação e na
regulação profissional, além de transformar os cenários de prática e de
formação em enfermagem. A EPA está associada ao aumento e melhoria
da cobertura e acesso dos usuários aos serviços de saúde e relacionada a
altos índices de satisfação em relação aos cuidados prestados por esses
enfermeiros (ONU, 2015; BRYANT-LUKOSIUS; MARTIN-
MISENER, 2016).
O enfermeiro de prática avançada, segundo o Conselho Inter-
nacional de Enfermagem (ICN), é aquele profissional especializado, com
habilidade para tomar decisões complexas, que possui competências
clínicas que se moldam de acordo com a realidade em que está inserido.
Para facilitar o desenvolvimento dessas habilidades, o ICN recomenda a
capacitação desse profissional em nível de mestrado, que integre
pesquisa, educação, prática e gestão (NATIONAL NURSING
CENTERS CONSORTIUM, 2014).
Quando o mestrado possui interface com os propósitos da
prática avançada propicia o desenvolvimento da autonomia profissional
do enfermeiro, instrumentalizando-o para o gerenciamento de casos,
avaliação em saúde, tomada de decisão com base em evidências,
raciocínio clínico e diagnóstico e, ainda, para a incorporação e produção
de tecnologias inovadoras que possam contribuir para resolução de
problemas do cotidiano dos serviços de saúde e da população,
transformando a realidade da prática (SCOCHI, 2009). Nessa perspec-
tiva, destaca-se que a articulação das pesquisas ao trabalho em saúde, em
grande medida fomentada pela integração ensino-serviço, contribui para
desenvolver o raciocínio clínico, bem como o julgamento crítico frente
às demandas operacionais, podendo congregar inovações e tomadas de

25
decisões mais seguras aos problemas vivenciados no cotidiano do
processo laboral, com foco na aplicação do conhecimento teórico
adquirido com base em evidências científicas.
Com tais delineamentos, no Brasil, são criados e regula-
mentados os Mestrados Profissionais (MP) que emergem no cenário da
integração ensino-serviço na área da saúde como estratégias inovadoras
para a transformação dos cotidianos da assistência, da gestão em saúde e
do gerenciamento dos serviços de enfermagem, visto que os profis-
sionais são mobilizados para a ação-reflexão-ação sobre o trabalho. O
MP é uma modalidade de formação stricto sensu que tem como objetivo
suprir as demandas sociais, políticas e econômicas, associadas à
qualificação de trabalhadores em serviço, a “capacitação de pessoal para
a prática profissional avançada e transformadora de procedimentos e
processos aplicados, por meio da incorporação do método científico,
habilitando o profissional para atuar em atividades técnico-científicas e
de inovação” (NATIONAL NURSING CENTERS CONSORTIUM,
2014, p. 20). O MP pode constituir-se em uma estratégia útil no fomento
da profissão da enfermagem, haja vista a importância do enfermeiro nos
serviços de saúde, quer seja na gestão, na assistência ao usuário e,
sobretudo, nos processos educativos, incluindo as atividades de
educação em saúde e educação continuada e permanente, bem como a
investigação em saúde.
Por meio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (CAPES), cresce o interesse em discutir e adotar essa
importante estratégia para o fortalecimento da força de trabalho da
enfermagem, especialmente a do enfermeiro. O Relatório de Avaliação
da Área destaca a expansão dos MP aprovados no período de 2011-2016,
justificando essa estratégia voltada à qualificação das categorias inseridas
no mundo do trabalho. Com isso, cresce, também, o movimento de
implantação da EPA, em conjunto e com apoio da Associação Brasileira
de Enfermagem (ABEn), Conselho Federal de Enfermagem (COFEN),
Organização Pan-Americana de Saúde e Organização Mundial da Saúde
(OPAS/OMS) (BRASIL, 2017b; SCOCHI et al., 2009).
Diante do exposto, o presente capítulo objetiva relatar os
movimentos que acompanharam o primeiro ano de desenvolvimento de

26
um Mestrado Profissional em Enfermagem, iniciado em 2017, na
Universidade do Estado de Santa Catarina, que busca contribuir com a
transformação da práxis da categoria, no contexto da Atenção Primária
à Saúde (APS).
(Re) construindo a práxis em Enfermagem: os movimentos do
Oeste Catarinense
Entre as décadas de 1980 e os anos 2000, mais de vinte cursos
de Enfermagem, de cunho privado ou comunitário, foram criados no
Estado de Santa Catarina (SC). Na região Oeste do Estado, o município
de Chapecó, vem se destacando como polo industrial e de formação,
sendo conhecido como capital do Oeste, embora situe-se a 550 km de
distância da Capital, Florianópolis. Em 2002, a Universidade Comumi-
tária da Região de Chapecó (Unochapecó) criou o curso de enfermagem
no município e, no ano de 2004, inaugurou-se o segundo curso de
enfermagem público de SC, na Universidade do Estado de Santa
Catarina (UDESC), localizado em Palmitos, também região Oeste do
Estado e que, mais tarde, seria transferido para Chapecó, município polo
da região. Em 2012, foi criada a Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS), congregando os três Estados da região sul (Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul). Assim, é ofertado à população do Oeste
mais um curso superior em enfermagem, também em Chapecó
(ADAMY et al., 2016). Todavia, até recentemente, as oportunidades de
formação na modalidade stricto sensu, voltadas para a enfermagem,
somente estavam acessíveis na capital do Estado. Nessa direção, o
Mestrado Profissional em Enfermagem na Atenção Primária à Saúde
(MPEAPS) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) foi
o segundo curso desta modalidade, no Estado de SC.
Os Mestrados Profissionais surgiram no Brasil no final dos
anos 1990 e, especificamente, na área da enfermagem, suas expansões
ocorreram a partir de 2010, tendo como principal diferença dos
mestrados acadêmicos o produto final, ou seja, o resultado pretendido
com aportes em referenciais teóricos atualizados (ONU, 2015) e,
consequentemente, mudanças no cenário das práticas profissionais.
Esperava-se, com essa modalidade de stricto sensu, um novo modelo,

27
capaz de atender a demanda do país de profissionais com conhecimentos
gerados mediante pesquisa e com aplicabilidade no cenário da prática.
Este texto buscou relatar os movimentos do MPEAPS da
UDESC e sua inserção e interlocução com a prática profissional das
mestrandas, bem como com os serviços de saúde em que elas atuaram
durante o segundo semestre de 2017 e primeiro semestre de 2018.
A concepção do MPEAPS iniciou em fevereiro de 2014 e as
atividades, em agosto de 2017, após recomendação pela CAPES,
ocorrida em 2016. Trata-se do primeiro Mestrado específico para a área
da Enfermagem, proposto na região Oeste do Estado de SC. O
MPEAPS da UDESC visa a qualificar enfermeiros para o exercício da
prática profissional avançada e transformadora; atender demandas
sociais, organizacionais, profissionais e do mercado de trabalho;
promover a articulação entre a formação profissional com entidades
demandantes de naturezas diversas; e melhorar a eficácia e a eficiência
das organizações públicas e privadas por meio da solução de problemas,
geração e aplicação de processos de inovação e de gestão.
O MPEAPS foi delineado com a finalidade de contribuir com
a qualificação profissional do enfermeiro, com vistas a ampliar suas
habilidades e competências no desenvolvimento de ações de cuidado em
saúde e enfermagem para a Rede de Atenção à Saúde (RAS), sobretudo,
na realização de cuidados complexos, na tomada de decisões e na
implementação de tecnologias em saúde.
A escolha pela especificidade de atuação no âmbito da APS tem
relação direta com a trajetória das docentes da UDESC, fortemente
marcada por ações de extensão, deixando pistas de sua integração com
os mais variados serviços de saúde da região Oeste. Após quase 30 anos
de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, tem-se o
reconhecimento que a APS, também denominada Atenção Básica à
Saúde (ABS), é a principal via de acesso ao sistema e tem o papel de
ordenar a RAS. Para isso, deve desempenhar algumas funções específicas
que impõem desafios, dentre elas: ser resolutiva e orientar a organização
dos diversos pontos das redes de cuidado (BRASIL, 2017a). Nessa
direção, enfermeiras qualificadas para atuar nesse nível de atenção à

28
saúde são essenciais para resolver os problemas básicos de saúde dos
indivíduos e coletividades.
Com foco nessa especificidade, as atividades do MPEAPS
iniciaram com dez enfermeiras que atuam em serviços de saúde, sendo
duas vinculadas a hospitais (um filantrópico e outro privado), sete às
Unidades de Saúde da Família da região oeste de SC e noroeste do Rio
Grande do Sul (RS) e uma à Secretaria de Justiça e Cidadania de SC.
Para obtenção do título de Mestre em Enfermagem na Atenção
Primária à Saúde, o discente deverá cumprir com 24 créditos em
disciplinas e seis créditos com o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
Os componentes curriculares possuem como foco instrumentalizar os
estudantes para a pesquisa, intervenção, atuação profissional e formação
para a docência, considerando, principalmente, os referenciais da
Promoção da Saúde, APS, Políticas Públicas de Saúde e Enfermagem de
Prática Avançada no contexto das RAS.
O MPEAPS está na sua fase inicial de implementação e, como
tal, ainda passando por adaptações e mudanças, características de
qualquer processo de ensino-aprendizagem recente. Apesar de não
haver, até o presente, nenhum produto efetivamente finalizado, já são
perceptíveis as mudanças nesse curto espaço de tempo, como, por
exemplo, o despertar de um novo olhar do profissional para sua prática
diária. Além disso, já fazem parte do arcabouço de projetos oriundos do
processo e iniciativas de intervenções nos cenários de prática profissional
a partir de demandas das disciplinas. As discussões propostas e as
reflexões provocadas durante as aulas presenciais são, visivelmente,
propulsoras da atitude crítica das mestrandas sobre a gestão e os
processos de trabalho em saúde e na enfermagem. Observa-se, ainda, o
desenvolvimento da habilidade das enfermeiras para a realização de
pesquisas e para a busca por evidências científicas que ampliem seu
escopo de conhecimento.
Desafios e mudanças provocadas pelo MPEAPS nos serviços e nos
sujeitos
O ingresso no MP em Enfermagem é uma etapa importante
para o aperfeiçoamento profissional do enfermeiro. Em uma turma de
dez profissionais, atuantes em diferentes cenários da saúde, a

29
problematização sobre as práticas e os desafios enfrentados em cada
realidade surgiram desde o primeiro encontro. As mestrandas foram
desafiadas pelos docentes (mediadores do processo de aprendizagem) a
desenvolver reflexão crítica do contexto vivenciado na prática e a
identificar situações-limite, para as quais se propôs o desenvolvimento
de intervenções, pautadas em evidências científicas e, sempre que
possível, com a utilização de metodologias ativas de ensino-
aprendizagem.
Durante os dois semestres letivos do curso, foram
desenvolvidas atividades de integração com os serviços de origem das
mestrandas e de avaliação das suas práticas, fomentando processos
permanentes de mudança, inovação e transformação, nas distintas
realidades de saúde vivenciadas pelo grupo. Uma dessas oportunidades
foi vivenciada na Disciplina Promoção da Saúde ao Indivíduo e
Coletividades. Cada mestranda foi convidada a olhar para seu local de
trabalho e eleger um problema ou necessidade de saúde e, a partir dos
campos de ação para a Promoção da Saúde (estilos de vida saudáveis,
empoderamento da ação comunitária, ambientes favoráveis à saúde,
políticas públicas saudáveis, reorientação dos serviços de saúde) (BUSS,
2003), eleger uma prioridade e elaborar uma proposta prática para
resolução do problema. Como resultado dessa intervenção, emergiram
diversos projetos que abordaram, principalmente, estratégias de
Educação Permanente em Saúde (EPS) e novas formas de organização
do trabalho, nos diversos níveis de atenção à saúde. A EPS favorece o
aprendizado pela valorização da troca de saberes e fazeres com a
intersecção entre o princípio teórico e a reflexão da prática diária,
realimentando-se continuamente, idealizando novos conhecimentos,
pautados nas necessidades pessoais e institucionais, considerando a
produção de saberes no coletivo (VENDRUSCOLO et al., 2016a).
Nessa direção, as proposições das mestrandas provocaram movimentos
que foram ao encontro da necessidade de mudança qualitativa dos
processos de trabalho, nos diferentes cenários de prática de enfermagem
em que atuam.
As metodologias utilizadas para o desenvolvimento dos
trabalhos ficaram a critério de cada mestrando e docente orientador da

30
atividade e deveriam ser descritas no percurso metodológico da prática
de intervenção. Como parte do processo avaliativo, as experiências das
inserções dos mestrandos no campo de trabalho deveriam compor um
relatório final, que consistiu na descrição de como a atividade impactou
a prática profissional do enfermeiro no ambiente de trabalho. Essa
prática culminou em exitosas experiências que, posteriormente, foram
apresentadas em eventos científicos e serviram como incentivo à
percepção sobre as possibilidades dos MP para redesenhar e qualificar as
práticas e os serviços de saúde.
Os MP abarcam uma vasta possibilidade de produção de
conhecimento e transformação de contextos devido ao seu potencial de
interlocução entre academia e prática. Essas possibilidades foram
instigadas pelo conjunto de disciplinas do componente curricular do
MPEAPS que, além de propor o desenvolvimento do projeto de
intervenção, problematizaram os processos de trabalho da Enfermagem
e das equipes de saúde da RAS. Ainda, incitaram a reflexão sobre o uso
de tecnologias leves, leve-duras, e duras, proposta por Merhy (2003), nos
serviços de saúde e sobre a necessidade de instituir a EPS como
ferramenta para a qualificação do cuidado. Finalmente, serviram como
um componente específico que permitiu a prática da escrita científica,
visto que todo conhecimento produzido precisa ser publicizado para
que, assim, possa ser difundido e reproduzido em outras realidades.
Para o educador Paulo Freire (2016), a ação de problematizar
enfatiza a práxis, na qual o sujeito busca soluções para a realidade
vivenciada e se torna capaz de transformá-la pela sua própria ação, ao
mesmo tempo em que se transforma. É com essa perspectiva que os
mestrandos têm desenvolvido ações nos cenários de prática, ou seja, a
partir da problematização dos conteúdos em sala de aula, buscam refletir
e criar estratégias de intervenção no seu cotidiano laboral. Ao propor
essas estratégias à equipe de saúde e/ou enfermagem, eles estimulam a
participação e a criticidade dos seus pares e os convidam a provocar
mudanças na prática assistencial.
Na mesma ótica, a disciplina de Formação e Educação em
Saúde e Enfermagem teve sua trajetória desenvolvida a partir da
problematização dos conteúdos com o objetivo de instrumentalizar os

31
mestrandos para a prática pedagógica, como ferramentas e diferentes
metodologias de ensino-aprendizagem a serem aplicadas em ações de
educação permanente e continuada, bem como na prática da docência
em enfermagem. Essas vivências propiciaram aos mestrandos a possibi-
lidade de atuação na docência no Curso de Graduação em Enfermagem.
A possibilidade de experimentar a integração entre a teoria e a prática
profissional docente vai ao encontro de aspectos importantes de um MP
voltado para a aprendizagem: a natureza do conhecimento, as novas
abordagens e tecnologias de ensino, apoiando estratégias e recursos
metodológicos inovadores a serem implementados em sala de aula.
O percurso metodológico, vivenciado pelos mestrandos, até o
momento, foi intenso e produtivo. Percebeu-se como fragilidade a
necessidade de conciliar questões pessoais, profissionais e acadêmicas.
No entanto, a inquietude e o interesse em ampliar saberes é o que os
motiva na busca por uma referência mais abrangente e profunda, que vai
muito além do conhecimento adquirido durante a graduação e em cursos
de qualificação, nos quais, muitas vezes, não se propicia a contex-
tualização da práxis.
É por meio da práxis que o enfermeiro promove o desenvol-
vimento de sua maturidade profissional, buscando substituir sua visão
ingênua da realidade por uma visão mais crítica. Isso decorre do fato de
que o enfermeiro não constrói conhecimentos somente por meios de
estudos acadêmicos, mas a partir dos desafios do seu cotidiano laboral.
Ao incorporar o conhecimento teórico e transformar a prática
assistencial, modifica concepções antigas, e, por vezes, ultrapassadas, em
novas aprendizagens que acarretam a melhora da qualidade da assistência
de enfermagem (VENDRUSCOLO et al., 2016b).
Após um ano de início do Curso, todos os projetos de
intervenção, destinados aos mais diferentes serviços de saúde da rede que
integra o oeste catarinense e alguns municípios do RS, pensados com o
intuito de buscar soluções para os problemas vivenciados no cotidiano
do trabalho em saúde, passaram por uma banca de qualificação e estão
em fase de execução.
Cumpre destacar, ainda, a integração do ensino com os serviços
de saúde regionais, mediante a realização de pesquisas e práticas de

32
intervenção. Para isso, a CAPES incentiva a construção de espaços para
valorizar e qualificar a formação em nível de pós-graduação, bem como
o desenvolvimento da pesquisa, concomitante ao ensino na saúde; aposta
ainda, em um novo perfil do profissional da saúde e, principalmente, do
docente, que abarque a geração de mudanças na formação dos
profissionais da área da saúde (BRASIL, 2017b). O aprendizado para o
trabalho, nessa perspectiva, ultrapassa o limite do aprendizado individual
e implica a participação significativa de outrem. Essa forma de fazer
requer, também, uma mudança institucional típica dos movimentos de
educação permanente. Trata-se de uma mudança conceitual e prática,
mediante comportamentos de sujeitos implicados em outros sujeitos
(VENDRUSCOLO et al., 2016a).
Sinaliza-se, portanto, a configuração dos MP como
disparadores de movimentos de educação permanente. A transformação
das práticas assistenciais requer o aprimoramento do processo de
trabalho, com vistas à melhoria da qualidade dos serviços. Com tais
delineamentos, o essencial à EPS é sua flexibilidade diante da realidade
dos serviços de saúde, além da aproximação com a formação de perfis
profissionais adequados às necessidades da população e dos
trabalhadores da área (BRASIL, 2007; KLEBA et al., 2012).
A formação do enfermeiro se inicia na graduação e permanece
presente na vida desses profissionais, seja por meio da pós-graduação ou
de processos de educação permanente. Esta última, conforme discutido
acima, como estratégia da formação em serviço que proporciona o
desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes capazes de
qualificar o cuidado de Enfermagem (ESLAMINAN; MOEINI;
SOLEIMANI, 2015), além de possibilitar mudanças e melhorias na
gestão e no cuidado ao usuário, família e comunidade. Nesse contexto,
o MP fomenta a formação constante acerca dos mais variados conteúdos
que acompanham a práxis de enfermagem, nos diversos cenários em que
se encontram os mestrandos enfermeiros. A educação permanente ganha
sentido na medida que os sujeitos, com consciência do seu
inacabamento, buscam educar-se nos seus espaços de prática, em diálogo
com outros profissionais, tendo como consequência mudanças na sua
práxis (FREIRE, 2016).

33
Ao buscar por um MP, o enfermeiro precisa admitir o
desenvolvimento de um perfil diferenciado, pois será, constantemente,
afetado pela necessidade de se aperfeiçoar, participar de eventos
científicos, produzir e consumir pesquisas na área e, sobretudo, refletir
sobre como elas podem ser úteis, a partir da sua experiência prática.
Observa-se que os problemas do cotidiano inquietam os
enfermeiros mestrandos da UDESC, os quais não adotam o
conformismo diante das mais diferentes situações e buscam excelência
em suas ações. Entretanto, é preciso revelar que existem alguns desafios
que permeiam esse processo de ensino e aprendizagem. Dentre eles, a
dificuldade para liberação do trabalho para frequentar as aulas, ainda que
se problematize com os gestores o possível impacto positivo dessa
formação no serviço e que se negociem momentos de aprendizagem de
forma presencial e à distância (dispersão), evitando o afastamento dos
profissionais do seu trabalho. Por conta dessas resistências, é preciso
promover e ampliar a discussão acerca da formação em nível de
mestrado, com vistas ao aumento dos programas de pós-graduação em
Enfermagem no Brasil e sua reverberação na produção intelectual e
científica da categoria profissional. Isso implica grande fonte de
evidências para a prática clínica, além do incentivo ao desenvolvimento
do raciocínio crítico e geração de tecnologia e de métodos de pesquisa,
sobretudo, por meio dos programas de pós-graduação stricto sensu
profissionais (MUNARI et al., 2014).
Os debates e reflexões proporcionados durante as aulas teóricas
direcionam cada mestrando ao desenvolvimento da prática de
intervenção. Neste processo, na qual se buscam estratégias e ações para
melhorar o trabalho e as relações interpessoais, envolvem a equipe e o
gestor, por meio de metodologias ativas que possibilitam a participação
coletiva na busca pela transformação da realidade, sempre dinâmica e
desafiadora, especialmente, no âmbito da APS, foco do Programa de
Pós-graduação.
Ao final de cada semestre, as experiências, individuais ou
coletivas são compartilhadas durante seminários, momento importante
de troca de vivências, debates e reflexões, sendo que a partir das
intervenções, emergem novas possibilidades de ações transformadoras

34
da realidade, além de produções acadêmicas, como resumos
apresentados em congressos, relatos de experiência e artigos científicos.
As avaliações periódicas MPEAPS têm revelado a satisfação dos
mestrandos com o processo de ensino, com destaque para a promoção
da sua maior autonomia como enfermeiro, em todas as suas dimensões,
com destaque para ações gerenciais e investigativas. Além disso, por
meio dos relatos em sala de aula, já é possível observar mudanças nos
serviços de saúde nos quais eles atuam, uma vez que as disciplinas
ofertadas no decorrer do semestre resultaram em provocações para a
realização de ações e intervenções em seus locais de trabalho. Essas
iniciativas, certamente, implicaram sua reflexão crítica sobre as
necessidades dos serviços, resultando em benefícios para as práticas de
enfermagem e, consequentemente, na promoção da saúde de grupos
populacionais.
Dessa forma, eles não só provocam a mudança nos locais da
prática, como se transformam como seres humanos e profissionais. Esse
movimento vai ao encontro da necessidade de que a educação
(libertadora) permita ao ser sujeito, construir-se como pessoa, transfor-
mar o mundo, tendo consciência do seu poder transformador e do seu
compromisso com a mudança (FREIRE, 2001).
O MP instiga e aprimora o saber fazer, fomentando a práxis do
enfermeiro, estimulando o trabalho multiprofissional nos diferentes
níveis de atenção à saúde, com maior resolutividade. Isso implica a busca
da produção científica, estímulo à pesquisa e “consumo” do que está
sendo produzido em nível de informação e conhecimento na área da
saúde, instrumentalizando e consolidando a prática profissional
(FERREIRA; PÉRICO; DIAS, 2017). Nessa direção, Freire (2016,
p.168) afirma que “não há revolução com verbalismos, nem tão pouco
com ativismo, mas práxis, portanto, com reflexão e ação incidindo sobre
as estruturas a serem transformadas”.
Considerações finais
O MP é um novo modelo de formação constituído por atores
e instituições necessariamente compromissados com as experiências
provenientes dos cenários de prática, propondo a reflexão e a construção
de novos conhecimentos, buscando a melhoria, a qualidade e

35
resolutividade da assistência à saúde de determinadas instituições, e ainda
o fortalecimento das categorias profissionais nas equipes de saúde.
Os resultados obtidos nas vivências no MPEAPS da UDESC
evidenciam os aspectos positivos desse modelo de formação stricto sensu
e os seus reflexos no cotidiano dos profissionais como uma perspectiva
de maior reconhecimento profissional e financeiro, o despertar da visão
crítica sobre os processos e produtos de trabalho e, principalmente,
reflexos na qualidade da assistência ao usuário, em qualquer nível de
atenção.
No fomento da EPA no processo formativo dos enfermeiros,
observa-se uma tomada de decisão mais reflexiva no cotidiano da prática
discente e um caminho melhor respaldado para suas atividades na
assistência, gerenciamento e educação em saúde, bem como potencializa
a prática da investigação, ainda tímida nos cenários da assistência,
especialmente na APS.
Faz-se necessário preencher as lacunas existentes entre a
academia e o serviço, instigar o trabalho multiprofissional e a troca de
saberes na busca pela inovação na Enfermagem e, nesse sentido, o MP é
uma estratégia promissora. Ainda são visualizados desafios, possível-
mente, pelo fato de ser uma proposta recente na região. Dentre eles, o
principal tem a ver com a sensibilização de gestores, a qual passa pela
conscientização sobre a importância dessa formação para a qualificação
das práticas e, por conseguinte, do impacto positivo que poderá gerar no
serviço. Ainda, há de se considerar a importância de ampliar o acesso ao
Programa de um maior quantitativo de discentes e docentes, ampliando
possibilidades e proximidades, à medida que esse acesso potencializará,
também, a transformação da realidade em um território cada vez maior
e na consolidação de uma rede de integração ensino-serviço-
comunidade.
Apesar de recente, a proposta já demonstra uma maior
aproximação entre profissionais, docentes e discentes de graduação e
pós-graduação em Enfermagem da UDESC, especialmente nas ativi-
dades de ensino, pesquisa e extensão, bem como nos encontros para
estudo; manifestação de interesse e apoio das instituições, que facilitam

36
a participação de seus atores nestes espaços, fomentando de iniciativas
intersetoriais e parcerias com a comunidade.
Finalmente, salienta-se a importância do diálogo entre univer-
sidade e serviço, e destes com a comunidade; da utilização de
metodologias ativas no processo de formação, tornando-a significativa;
promovendo a discussão sobre a realidade dos profissionais de saúde; e
ressaltando a magnitude de unir diferentes saberes na perspectiva da
atuação da Enfermagem.

37
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2018.

40
UM OLHAR DAS E NAS PRÁTICAS DO PACTO
NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE
CERTA

Carla Giovana Pereira Menezes1


RESUMO:
Através deste artigo pretende-se mostrar um breve histórico sobre o
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC, como uma
política pública de formação continuada voltada aos professores
alfabetizadores em todo o território nacional. Para isto, realizou-se
pesquisa bibliográfica, observações e devidas anotações durante os
encontros de formação. Ao final, pode-se considerar que, após a teoria,
tantas foram as sugestões de atividades socializadas, que o curso revelou
uma rede de compartilhamento de práticas pedagógicas.
Palavras-chave: PNAIC. Alfabetização. Formação Continuada.
ABSTRACT:
This article intends to show a brief history about the National Pact for
Literacy in the Right Age - PNAIC, as a public policy of continuing
education aimed at literacy teachers throughout the national territory.
For this, bibliographical research, observations and due note were made
during the training meetings. In the end, it can be considered that, after
the theory, so many were the suggestions of socialized activities, that the
course revealed a network of sharing pedagogical practices.
Keywords: PNAIC, literacy, continuing education

1Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Especialização em


Organização do Trabalho Pedagógico – Orientação Educacional Supervisão e Gestão Escolar
pela UNINTER. Formadora Local do PNAIC/UFRGS 2016-2018
<e-mail: carlagiovanamenezes@gmail.com>

41
Introdução
Na história de nosso país, infelizmente, verificamos que um
número elevado de estudantes conclui sua escolarização sem estar
alfabetizado e, outros tantos, mesmo sabendo ler e escrever todas as
palavras, não dominam a leitura e a escrita de modo que esta prática lhes
possibilite integrar-se e participar de forma ativa de um mundo letrado,
ou seja, pronto para enfrentar desafios e demandas sociais. Este fato faz
com que o Brasil apareça entre os países com os piores indicadores
educacionais. Assim, foi proposta uma política pública de formação
continuada direcionada aos professores alfabetizadores, para garantir o
direito de alfabetização plena das crianças ao concluir o bloco de três
anos iniciais. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa,
constituiu-se por um compromisso entre o governo federal, dos estados,
municípios e Distrito Federal. Para alcançar seu objetivo investiu-se no
aperfeiçoamento profissional docente, foram conveniadas diversas
instituições de Ensino Superior, que elaboraram material a ser utilizado
nas formações, inicialmente de Linguagens, Alfabetização Matemática e
posteriormente, as demais áreas de conhecimento
Este texto tem a finalidade de demonstrar o histórico do Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, contextualizando sua
organização e implementação, bem como o número de docentes
capacitados e as ações características que constituíram marcas nas
práticas docentes, possibilitando garantir os direitos de aprendizagem de
cada aluna e aluno em diferentes campos de saber: como a leitura deleite,
o livro da vida, as sequências didáticas, a ludicidade, a interdis-
ciplinaridade e a educação inclusiva. A partir desta perspectiva o
professor planejava e executava atividades voltadas ao protagonismo dos
estudantes, realizando também o monitoramento e as avaliações,
refletindo sobre suas p e reorganizando suas intervenções.
A fundamentação teórica deste texto está apoiada em
documentos norteadores, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Plano Nacional de Educação, Cadernos de Formação ela-
borados pelas universidades e, nos autores: Aléssio (2015); Araújo
(2015); Libâneo (2004); Martiniak (2015); Nörnberg (2011), Nóvoa
(1995).

42
Contexto de criação e implementação do Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa- PNAIC
Como já mencionado anteriormente, o PNAIC foi um
compromisso formal assumido entre o Governo Federal, Distrito
Federal, Estados e Municípios, para assegurar que todas as crianças
fossem alfabetizadas até os oito anos de idade, ao final do terceiro ano
do Ensino Fundamental. Por isso buscou-se colaborar com a capacitação
dos docentes que atuavam nesta etapa de ensino. Sendo então, o Pacto,
constituído por um conjunto de ações apoiadas nos seguintes eixos:
formação continuada presencial para professores alfabetizadores e
orientadores de estudo (posteriormente chamados de formadores locais);
materiais didáticos, obras literárias e de apoio pedagógico, jogos e
tecnologias educacionais; avaliações sistemáticas e, gestão, controle
social e mobilização. Para subsidiar as discussões e reflexões entre
professores e orientadores, foram distribuídos os cadernos de formação.
Para compreendermos melhor estas ações, faz-se necessário
referir que a proposta de formação continuada se delineava desde 2008,
pela renovação curricular e a ampliação do Ensino Fundamental para
nove anos. Assim também se fazia necessário institucionalizar o Ciclo de
Alfabetização e, mais tarde, conforme a Meta 5 do Plano Nacional de
Educação, Lei nº 13.005/2014, “Alfabetizar todas as crianças, no
máximo, até o final do terceiro ano do ensino fundamental” (BRASIL,
2014).
Vale lembrar que o Censo (IBGE 2010) constatou que de 2000
a 2010 a taxa de analfabetismo, até os oito anos de idade, caíra 28,2%,
respeitando-se as variações entre estados das diferentes regiões
brasileiras. No entanto, sabe-se que a pergunta feita à pessoa que
respondia pela residência recenseada era bastante simples: “A criança
sabe ler e escrever? ”. A resposta poderia não demonstrar o que se
entende por estar alfabetizada, ou ainda, saber utilizar socialmente a
leitura e a escrita. Junto a este fator, a divulgação dos resultados de
desempenho dos alunos da Educação Básica (apontados pela Provinha
Brasil, Prova Brasil e pelo PISA), identificou-se a necessidade de
formação continuada aos profissionais dos sistemas de ensino estaduais

43
e municipais e a criação e desenvolvimento de um programa de âmbito
nacional.
A coordenadora PNAIC - MEC, Mirna Araújo nos diz que:
O Ministério da Educação – MEC concebe que estar
alfabetizado significa ser capaz de interagir por meio de
texto escritos em diferentes situações, significa ler e produzir
textos para atender a diferentes propósitos. Por tal motivo,
estabelecemos o período de três anos do ciclo de
alfabetização para que a criança compreenda o Sistema
Alfabético de Escrita e que seja capaz de ler e escrever com
autonomia textos de circulação social. Sem dúvidas, com
uma boa intervenção didática esses objetivos poderão ser
alcançados. (ARAÚJO, 2015, p. 19)
Nos diz o Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, no inciso
II do art. 2º, que é reponsabilidade dos entes governamentais “alfabetizar
as crianças até no máximo, os oito anos de idade, aferindo os resultados
por exames periódicos específicos.”. Neste contexto, teve o Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, pela Portaria nº 867, de 4 de
julho de 2012, a base legal para sua implementação, bem como as ações
e diretrizes gerais do programa.
Os objetivos das ações do Pacto estão descritos no seu art. 5º:
I - Garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos
de ensino estejam alfabetizados, em Língua Portuguesa e em
Matemática, até o final do 3º ano do ensino fundamental;
II - Reduzir a distorção idade-série na Educação Básica;
III - melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb);
IV - Contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos
professores alfabetizadores;
V – Construir propostas para a definição dos direitos de
aprendizagem e desenvolvimento das crianças nos três
primeiros anos do ensino fundamental.
Inicialmente, como já foi mencionado, o foco da formação era
a alfabetização com base no letramento e também a alfabetização
matemática. Todo o processo foi organizado com o intuito de subsidiar
o professor a desenvolver estratégias de trabalho de forma a atender as
demandas de sua turma e cada aluno em particular, proporcionando o

44
domínio da língua escrita, no decorrer do ano letivo, a partir de uma boa
utilização dos materiais didáticos distribuídos pelo Ministério da
Educação.
Ainda, para alcançar tais objetivos, as ações apoiavam-se em
quatro eixos, referidos em seu art. 6º “I – formação continuada de
professores alfabetizadores; II - materiais didáticos, literatura e tecno-
logias educacionais; III - avaliação e; IV - gestão, controle e mobilização
social”.
O eixo formação continuada presencial dos professores
alfabetizadores e dos seus orientadores de estudo teve como objetivo
central ampliar as discussões acerca da alfabetização sob a perspectiva do
letramento, elencando questões pedagógicas em diversas áreas do
conhecimento de forma interdisciplinar. Apresentando, assim, encami-
nhamentos metodológicos para possibilitar o desenvolvimento dos
direitos de aprendizagem nesta etapa da escolarização.
As ações do Pacto neste eixo foram orientadas pelos seguintes
princípios: I. A prática da reflexividade – relacionava-se à atitude de
prática/teoria/prática, análise de práticas de sala de aula e reelaboração
das práticas; II. A constituição da identidade profissional – sendo o
professor, sujeito de um grande processo, refletia sobre suas memórias e
percebia-se em processo constante de formação; III. A socialização – a
partir de grupos de estudo nos encontros presenciais, partilhando suas
dúvidas, inquietações e boas práticas, para reduzir o isolamento
profissional; IV. O engajamento – garantir o entusiasmo, pois em qual-
quer profissão é importante continuar aprendendo para melhorar sua
atuação; V. A colaboração – buscava-se formar uma rede de apren-
dizado coletivo onde a participação, o respeito, a solidariedade, a
apropriação e o pertencimento de cada alfabetizador fazia-se
fundamental neste processo.
A formação continuada em questão, deu-se por meio de um
curso no qual as universidades, secretarias de educação e escolas públicas
articularam-se para sua realização. A estrutura era assim composta: o
Professor Formador, selecionado pela universidade pública, realizava a
formação dos Orientadores de Estudo, selecionados pelos municípios,
que organizavam a formação dos Professores Alfabetizadores, que

45
atuavam nos três primeiros anos, diretamente com as crianças, cuja
aprendizagem era o objetivo maior do programa.
O eixo materiais didáticos, obras literárias, obras de apoio
pedagógico, jogos e tecnologias educacionais era formado por livros
didáticos; obras pedagógicas complementares; dicionários de Língua
Portuguesa; jogos pedagógicos de apoio à alfabetização; obras de
referência, de literatura, de pesquisa e de apoio ao professor. A distri-
buição destes acervos às escolas deu-se a partir do número de turmas
pertencentes ao ciclo, o que possibilitou melhor exploração dos conte-
údos por parte dos docentes e alunos.
O destaque dentre os materiais distribuídos foi a chamada
“caixa amarela” dos jogos didáticos para alfabetização, composta por dez
jogos que contemplavam diferentes tipos de conhecimento, relativos ao
funcionamento do sistema alfabético de escrita. Segundo relatos de
professores alfabetizadores, a sua utilização em sala de aula era um
momento de muita alegria e prazer para os alunos, pois proporcionava
aprendizagem de forma lúdica.
Evidencia-se também a importância do acervo de obras
literárias complementares, cujo propósito era garantir a alfabetização das
crianças, na perspectiva do letramento e da ampliação cultural, contem-
plando temáticas relativas as diferentes áreas do conhecimento: Ciências
da Natureza e Matemática; Ciências Humanas; Linguagens e Códigos.
Cada ano do ciclo recebeu dois conjuntos, com trinta livros,
especificamente escolhidos para esta etapa. Aqui tinha-se como principal
objetivo proporcionar o acesso a materiais escritos de boa qualidade,
contribuindo para melhores condições de ensino e aprendizagem.
No que se refere ao eixo avaliações sistemáticas, este
contemplava as avaliações processuais, que eram debatidas e refletidas
durante os encontros de formação e, realizadas continuamente pelos
docentes junto aos alunos e também, a aplicação de uma avaliação
externa universal pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), buscando verificar o nível de
alfabetização alcançado ao final do ciclo, no terceiro ano, possibilitando
às redes efetuar medidas e políticas corretivas.

46
Todos os professores formadores, orientadores e alfabetiza-
dores possuíam acesso ao Sistema Integrado de Monitoramento
Execução e Controle (SIMEC), onde havia os dados de todas as turmas
do ciclo de alfabetização e, cada perfil tinha suas atividades, cabendo aos
últimos realizar o diagnóstico e atualizar o desempenho de seus alunos.
Uma verificação externa em larga escala, sob responsabilidade
do INEP, integrou as ações do PNAIC, de forma censitária, tendo como
público alvo os alunos do terceiro ano do Ensino Fundamental das
escolas públicas urbanas e rurais. Trata-se da Avaliação Nacional da
Alfabetização (ANA), que utilizava teste de desempenho respondidos
pelos estudantes, indicadores contextuais originados através de
questionários e dados do Censo Escolar.
Seus objetivos principais, conforme materiais oficiais, eram:
“[...] realizar um diagnóstico de alfabetização e letramento em Língua
Portuguesa e alfabetização em Matemática, ao final do Ciclo de
Alfabetização [...]” (BRASIL, 2013a, p.9) e “[...] gerar informações sobre
os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa e
alfabetização matemática dos estudantes, além de informações
contextuais acerca das condições de oferta de ensino em cada unidade
escolar” (BRASIL, 2015a, p. 5).
Neste mesmo documento encontra-se explícito que as
avaliações em larga escala originam “[...] dados em nível nacional/
regional/ local, subsidiando as políticas públicas para o desenvolvimento
de estratégias de intervenção em possíveis dificuldades encontradas nos
diferentes contextos educacionais” (BRASIL, 2013a, p. 13). Desta forma,
a avaliação externa contribuiria como uma “[...] forma de apoiar os
sistemas públicos de ensino na concretização do compromisso firmado”
(BRASIL, 2015a, p. 5).
Então a relação da ANA com o PNAIC aprofunda-se quando
passa a integrar as orientações para a formação continuada de
professores alfabetizadores:
A definição do conteúdo formação em 2016 deverá partir
da análise de aspectos decisivos como: (i) os resultados
apontados pelas avaliações internas e externas; (ii) as
matrizes da ANA; e (iii) os direitos de aprendizagem

47
apresentados nos materiais do PNAIC dos anos anteriores
(BRASIL, 2016, p.6).
Assim sendo, os resultados desta avaliação e suas matrizes de
referência deveriam passar a ser o cerne dos gestores e professores do
Ciclo de Alfabetização.
Por fim, o eixo de gestão, controle social e mobilização
proposto para o gerenciamento do PNAIC era constituído por quatro
instâncias: o Comitê Gestor Nacional, a Coordenação Institucional em
cada estado e Distrito Federal, a Coordenação Estadual e a Coordenação
Municipal; mobilizando os objetivos de formação, responsabilizando-se
pela implementação e monitoramento em cada rede. Tal ideia de coope-
ração está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), em seu Artigo 62 – que
trata da formação dos docentes para atuarem na Educação Básica – o §
1º (incluído pela Lei nº 12.056, de 2009) afirma que “a União, o Distrito
Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão
promover a formação inicial, a continuidade e a capacitação dos
profissionais de magistério.”.
Neste sentido,
[...] quando se estabelece um programa de investimentos
elevados e metas ambiciosas, como a de alfabetizar todas as
crianças até os 8 anos de idade, cumpre-se o preceito
constitucional e torna-se necessário o estabelecimento de
um sistema de gestão que contribua para a concretização de
um verdadeiro regime de colaboração. Isso só é possível
com a construção de instrumentos que garantam a transpa-
rência, por meio de monitoramento das ações, e clareza nas
responsabilidades de cada um dos participantes (ALÉSSIO,
2015, p. 10).
Ao valorizar a gestão como um eixo de ações, verificava-se que
o programa não responsabilizava apenas o professor alfabetizador por
sua formação e sucesso em sala de aula, mas considerava o ambiente, os
materiais adequados e a administração em cada rede de ensino, para o
enfrentamento das situações limitadoras do desempenho docente.

48
O Protagonismo do professor e as boas práticas a partir da for-
mação continuada
O PNAIC enquanto programa de formação continuada pode
ser visto como um movimento singular para promover a capacitação de
professores alfabetizadores em todo o país ao mesmo tempo e de forma
reflexiva sobre suas práticas. As redes de ensino, com suas particular-
dades, evidenciaram este processo com diferenças, porém buscando a
autonomia e protagonismo docente.
O cotidiano escolar é complexo e exercer a docência exige certa
mobilização de conhecimentos. Esta pode ser atingida através da
formação continuada, que segundo Libâneo (2004) “é a condição para a
aprendizagem permanente dos professores”. Fatores econômicos, polí-
ticos, sociais e culturais interferem no processo de ensino e aprendiza-
gem, pois a escola faz parte da sociedade. Daí a complexidade do
trabalho do professor, que constrói e reconstrói seu conhecimento
repensando sua atitude pedagógica cotidiana e articulando a teoria e a
prática: a práxis. São diversos os fatores que devem ser considerados ao
refletir o dia a dia da sala de aula, como a heterogeneidade e os níveis de
compreensão dos alunos. É sabido que os resultados não são os mesmos
para todos, o que se espera, no entanto, é que todos tenham igual
oportunidade, mesmo com estratégias, metodologia e atividades
diferencidas.
Para Martiniak,
Para que o professor se torne agente de uma práxis
transformadora, é necessário compreender o contexto
escolar como espaço de possibilidades de investigação que
o desafiarão a encontrar soluções, estratégias e metodologia
diversificadas para a melhoria do processo de ensino e de
aprendizagem (MARTINIAK, 2015, p. 55).
Desta forma, a reflexão sobre a prática contribui para a
formação docente e neste movimento de reflexão e articulação entre
teoria e prática, o professor considera-se protagonista do seu desenvolvi-
mento profissional. Para Nóvoa
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de
conhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um

49
trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)
construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso
é tão importante investir a pessoa e dar estatuto ao saber da
experiência (NÒVOA, 1995, p. 25).
Então é possível compreender que os estudos do programa
auxiliaram no processo de ressignificação de teorias discutidas na
formação inicial, no planejamento de aulas e, principalmente, na reflexão
sobre a prática, através das discussões conceituais.
Neste curso de formação continuada reafirmou-se o papel do
professor e a valorização da sua identidade profissional. O que não
poderia acontecer de forma isolada, individual, mas na discussão com
seus pares, mobilizando saberes, compartilhando experiências, conheci-
mentos didáticos e pedagógicos adquiridos inicialmente e em seu dia a
dia. Através do estudo coletivo, buscava-se soluções para problemas de
aprendizagem em suas salas de aula.
Aqui uma estratégia utilizada como registro das aprendizagens
vivenciadas no encontro e das dificuldades encontradas, era a caderneta
de metacognição, em que os participantes do curso eram convidados a
escrever o que aprenderam, como aprenderam e o que não aprenderam
e, posteriormente partilhar com os colegas, também como forma de
resgatar o conteúdo do encontro anterior.
Utilizando a concepção de que a leitura e a escrita fazem parte
do processo formativo, registrar a reflexão sobre a ação docente,
caracteriza um processo de autoformação, através do encontro com sua
própria prática. Nörnberg afirma:
Exercitando a reflexão e a escrita, o professor passa a
realizar com maior autonomia a análise de seu contexto, o
registro e a articulação reflexiva, o que lhes permite avaliar,
revisar, ampliar o que faz enquanto docente.
(NÖRNBERG, 2011, p. 04)
Ao nos referirmos às boas práticas para alfabetizar podemos
considerar que a partir do PNAIC passou-se a pensar na criança em fase
de alfabetização como um indivíduo que tem garantidos os seus Direitos
de Aprendizagem, prerrogativas que definiam ações pedagógicas
consistentes, as quais tinham três intenções: I (introduzir), A

50
(aprofundar), C (consolidar), os conteúdos em cada ano do ciclo e na
Educação do Campo.
A criança tem, no ciclo de alfabetização, o direito de
“aprender a ler e escrever”, em situações com a mediação
do professor e em situações mais autônomas, para que
possa, no final do Ciclo, chegar ao “ler para aprender” e
“escrever para seguir a escolarização” (BRASIL, 2012a)
Ao orientar-se o planejamento pelos Direitos de Aprendizagem
e considerando os recursos existentes e estratégias necessárias, poderia-
se alcançar a dimensão esperada: alfabetizar letrando.
O curso então, iniciou-se com Língua Portuguesa, contem-
plando os eixos de Leitura, Produção de textos escritos, Oralidade e
Análise Linguística. Seu objetivo geral era garantir o direito de ler e
escrever com autonomia, com domínio do Sistema de Escrita Alfabética
(SEA), promovendo o letramento. No ano seguinte, Matemática e
Numeramento, cujos eixos estruturantes e eram: Números e Operações,
Pensamento Algébrico, Geometria, Grandezas e Medidas e Educação
Estatística.
As atividades realizadas pelos professores envolviam diferentes
gêneros textuais para alavancar situações didáticas que demandassem
ações de falar, ouvir, registrar, tudo de forma contextualizada, rela-
cionando a oralidade e a escrita.
Como as atividades de leitura e escrita são práticas sociais
importantes para entender o mundo e são essenciais para o desenvol-
vimento da cidadania, era e, ainda é, necessário despertar nos alunos o
gosto pela leitura e fundar as bases para a formação de leitores críticos.
Assim, a leitura deleite, fazia-se fundamental. Era o momento de ler
por prazer, sem o compromisso de inferir ou realizar exercícios, porém
com intenções e resultados bem positivos.
Ao planejar atividades sobre oralidade, leitura e escrita, o
professor deveria voltar-se para os conhecimentos prévios de seus
alunos, seus interesses e o modo como lidavam com o que aprendiam na
escola. Sempre respeitando os diferentes tempos de aprendizagem. Sem
esquecer também, que o mundo infantil é lúdico, que tem muita
criatividade e fantasia. Assim, o trabalho de forma interdisciplinar

51
apoiado na oralidade, na leitura e na escrita, constituía uma sucessão de
atividades didáticas chamada de sequência didática.
Tanto em Linguagem, como em Matemática era possível
elaborar sequências didáticas integrando também, a outras áreas do
conhecimento. O planejamento desta situação passava por uma situação
inicial, questões gerais, leitura, produção de texto, módulos de atividades
e uma produção final. Desta forma o estudante vai construindo a
aprendizagem de forma progressiva, do mais simples para o mais
complexo.
Outra questão a ser lembrada é que alunos no ciclo de
alfabetização tem de seis a oito anos, por conseguinte, pensam e agem
como crianças desta faixa etária. São curiosos, criativos, questionadores
e tem sua própria forma de pensar e construir conhecimento. Um modo
de oferecer conteúdo programático respeitando estas características é
através da ludicidade, como uma aproximação do universo infantil, pois
nesta fase ainda é muito importante o brincar. Os professores foram
desafiados a criar cartazes, quadros, gráficos, cantinhos, calendários,
livros, ilustrações e murais, com a participação de seus alunos. E, de igual
relevância, o uso dos jogos (oferecidos pelo programa ou construídos
com a turma), brincadeiras e práticas sociais que tornavam o processo de
Alfabetização e Letramento mais significativo para as crianças.
Haviam ainda duas demandas recorrentes nos encontros de
formação e muito discutidas pelos professores alfabetizadores: o
acompanhamento das aprendizagens, principalmente de alunos com
dificuldades ou deficiências e a construção de instrumentos de avaliação.
Sobre a primeira, em diversos textos estudados foi defendida a ideia de
um currículo inclusivo e a necessidade de desenvolver um trabalho que
considerasse a heterogeneidade em sala de aula, uma vez que todos
somos diferentes em relação a aspectos biológico-físicos, sociais, econô-
micos, políticos, cognitivos, culturais, religiosos, entre outros. A preocu-
pação era que
a escola é parte de uma sociedade complexa, regulada por
leis, e tem sido a legislação “externa à escola” que vem
fornecendo garantias dos direitos dos alunos, em particular
daqueles com deficiências, transtornos globais altas habili-

52
dades/superdotação. Nós, professores devemos entender
como estas coisas acontecem: a escola já se encontra
organizada de modo não-incluso (BRASIL, 2014, p.11).
Nesta perspectiva a reflexão acerca do currículo inclusivo
considerava que não bastava garantir acesso à escola, mas também
condições de aprendizagem e boa formação aos professores,
capacitando-os a lidarem com alunos tão diferentes.
A respeito do modo de avaliar a orientação dos documentos era
partir do que as crianças precisavam aprender, para criar estratégias de
avaliação, que deveria ser considerada como um momento de aprendi-
zagem e criação de instrumentos de registro. Considerando o aprender
como processo, em que nada é desconectado, defendia-se a avaliação
formativa, com a finalidade de compreender o que os alunos já sabem e
o que precisam aprender.
Considerações finais
Ao final deste artigo, cujo objetivo era lançar um olhar sobre as
práticas do PNAIC, uma política pública de formação continuada de
professores, de abrangência nacional, faz-se necessário reforçar sua
importância para a capacitação docente através do estudo coletivo, da
reflexividade e do compartilhamento de experiências. Tal programa
ocorreu através da articulação do Governo Federal e dos governos
estaduais e municipais, mobilizando esforços e recursos para valorização
docente e das escolas, com materiais didáticos diversificados e de
qualidade e também implementando sistemas de avaliação, gestão e
monitoramento.
Muito se discutiu sobre os conceitos pertinentes ao objetivo da
formação, a qual pretendia alfabetizar todas as crianças até os oito anos
de idade, proporcionando aos docentes que atuavam com o Ciclo de
Alfabetização conteúdos aprofundados, estudo e planejamento coletivo
e revisão de suas ações pedagógicas, nos encontros presenciais em que
puderam socializar alegrias, frustrações, angústias e muitas experiências.
Os Direitos de Aprendizagem, as sequências didáticas, a leitura deleite e
a metacognição foram estratégias estudadas e aplicadas que podem e
devem permanecer mesmo após o final do programa.

53
A propósito, a formação profissional continuada, através de
estudo coletivos e socialização de experiências, deveria ter seguimento,
pela relevância dos conteúdos e necessidades dos professores de criar
um espaço de problematização, ressignificação de teorias e construção
de saberes. Muitos pesquisadores reafirmam tal demanda de seus
professores pesquisados. É um aspecto sempre mencionado o de que a
participação no PNAIC foi algo positivo, pois a diversidade de temas
tratados foi importante, no entanto, o espaço dado para estudar, discutir,
planejar coletivamente nos encontros de formação foi o fator principal.
Em vista de todos os aspectos apresentados neste texto, pode-
se considerar que o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa,
foi uma política de formação continuada que valorizou os saberes
docentes, através da relação teoria-prática, que não ocorria apenas nos
estudos teóricos, mas também pelos desafios colocados quando o
professor planejava sua prática, escolhia materiais, definia estratégias e
refletia sobre o que realizou; e mais ainda, ao sistematizar e compartilhar
suas experiências.
Desta forma o programa trouxe outra perspectiva aos
educadores que dele participaram, independentemente de seu perfil de
atuação, em razão de proporcionar a continuidade, a relação teoria e
prática, a reflexividade e a socialização de experiências. Sendo a escola
um lugar privilegiado para a formação e pesquisa, urge uma nova
organização que também converta-se em uma rede de compartilhamento
de estudos coletivos, estratégias e reflexões.

54
Referências
ALÉSSIO, Maria Luíza Martins. A importância dos processos de
Gestão e mobilização no Pacto Nacional pela alfabetização na
Idade Certa. In: Pacto Nacional pela alfabetização na Idade Certa.
Gestão Escolar no Ciclo de Alfabetização. Caderno para
gestores/Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica,
Diretoria de Apoio à Gestão Educacional. - Brasília: MEC, 2015.
ARAÚJO. Mirna França da Silva de. Trajetória de implementação de
uma política pública de formação continuada de professores
alfabetizadores: o PNAIC. In: Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa. Interdisciplinaridade no Ciclo de Alfabetização. Caderno de
Apresentação/Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,
diretoria de Apoio à Gestão Educacional. – Brasília: MEC, SEB, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Avaliação Nacional
da Alfabetização – ANA – Documento Básico. Brasília, 2013a.
Disponível em:
http://download.inep.gov.br/educacao_basica/saeb/2013/livreto_AN
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Acessado em 20/06/2018.
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Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Relatório ANA 2013-
2014: Volume 1 – Da concepção a realização. Brasília, 2015a.
Disponível em:
http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484421/Relat%C3%B3r
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+Da+concep%C3%A7%C3%A3o+%C3%A0+realiza%C3%A7%C3
%A3o/8570af6a-c76e-432a-846f-e69bbb79e4b2?version=1.1
Acessado em 20/06/2018
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Brasília,
1996.
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Plano Nacional da Educação. Brasília, 2014a. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-
2014/2014/Lei/L13005.htm
Acessado em: 31/05/2018
BRASIL. Portaria MEC/GM. nº 867, de 4 de julho de 2012. Institui o
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e
define suas diretrizes gerais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 de

55
julho de 2012, p. 22. Disponível em :
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=dow
nload&alias=11125-05072012-portaria-867&category_slug=junho-
2012-pdf&Itemid=30192 Acessado em 03/06/2018
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e
prática. Goiânia: Editora Alternativa, 2004.
NÖRNBERG, Marta. Pesquisa-ação colaborativa em processos de
escrita e autoria de professores em ação. 34 Reunião. ANPED, 201
NÓVOA, Antônio (Coord.). Os professores e a sua formação. 2 ed.
Lisboa, Dom Quixote, 1995.

56
DNA Educação

POR UMA GESTÃO ESCOLAR DEMOCRÁTICA:


CONSELHOS DE CLASSE NA ESCOLA PÚBLICA
ESTADUAL DO CEARÁ

Caetano Roberto Sousa de Freitas1


Carlos Henrique Róseo de Paula Pessoa2
RESUMO:
Uma gestão escolar democrática dosa aspectos administrativos e
pedagógicos mediante a participação dos órgãos colegiados: conselho
escolar, conselho de classe, associação de pais e grêmio estudantil. Assim,
objetiva-se investigar o contributo dos conselhos de classe para uma
gestão escolar democrática. Realizamos uma pesquisa exploratória com
questionários mistos em uma escola de Ensino Médio integrado, em
Maranguape-CE. A amostra foi de 30 professores e 180 alunos do 3º ano
(210 sujeitos). Faz-se necessária a compreensão das contribuições dos
conselhos para a cidadania, como participação política e expressão de
ideias.
Palavras-chave: Gestão escolar democrática. Conselhos de classe.
Cidadania.
ABSTRACT:
A democratic school management balances administrative and
pedagogical aspects through the participation of collegiate agencies:
school board, class council, parents' association and student council.
Thus, the purpose of the current paper is to investigate the contribution
of class councils to a democratic school management. An exploratory

1 Especialista em Metodologia do Ensino de Matemática e Física pela Universidade Cândido


Mendes (UCAM), licenciado em Ciências Contábeis e Matemática pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). Coordenador Pedagógico da Escola Estadual de Educação Profissional Salaberga
Torquato Gomes de Matos. E-mail: caetano.roberto@hotmail.com.
2 Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade Grendal (UNIGRENDAL), especialista

em Gestão da Educação Pública pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), licenciado
em Biologia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Coordenador Pedagógico da Escola
Estadual de Educação Profissional Salaberga Torquato Gomes de Matos: Email:
ch.roseo@yahoo.com.br.

57
DNA Educação

research was accomplished and mixed questionnaires were applied at a


professional formation High School in Maranguape-CE. The sample was
composed by: 30 teachers and 180 students of the last year of High
School (210 subjects altogether). The results revealed a lack of
understanding regarding the contributions of the councils to citizenship,
such as political participation and expression of ideas.
Keywords: Democratic school management. Class councils. Citizenship
Introdução
A escola é o espaço dinâmico no qual despontam interesses
divergentes dos seus componentes. Por esse motivo, para assegurar a
vivência conciliadora entre seus integrantes, a direção escolar deve
mediar o diálogo construtivo. Consoante Luck et al. (2005, p. 31), “a
gestão escolar promove, na comunidade escolar, a redistribuição e
compartilhamento das responsabilidades que objetivam intensificar a
legitimidade do sistema escolar, pelo cumprimento mais efetivo dos
objetivos educacionais”. Nessa assertiva, percebe-se que, entre os
desafios concernentes ao desempenho da gestão escolar, efetivar a
redistribuição e compartilhamento das responsabilidades requer ações que
promovam uma gestão democrática. Esclareça-se que essa acepção
participativa reforça a Educação como elemento indispensável à
transformação social, não se limitando a repassar conteúdos, mas,
sobretudo, promovendo condutas com vistas a uma educação integral.
Nesse cenário, aportamos nos organismos colegiados
encontrados na escola brasileira, como: os conselhos escolares, a
associação de pais e mestres e os conselhos de classe. Particularmente,
sobre a presença dos conselhos de classe no processo de gestão
democrática, Dalben (1995, p. 16) evidencia sua essencialidade, uma vez
que “[...] guarda em si a possibilidade de articular os diversos segmentos
da escola e tem por objeto de estudo o processo de ensino que é o eixo
central em torno do qual desenvolve-se o processo de trabalho escolar”.
Conquanto não seja o conselho de classe a única entidade coletiva
existente na escola, concordamos que essa agremiação pode remodelar a
praxe colegial, suscitando diálogos construtivos entre professores, alunos
e família.

58
DNA Educação

Após essas reflexões, apontamos, como objetivo central deste


estudo, investigar a contribuição dos conselhos de classe para uma gestão
escolar democrática. Portanto, visando cumprir a tarefa a que nos
propomos, traremos conceitos sobre gestão escolar democrática e
recortes sobre o funcionamento das reuniões bimestrais realizadas numa
escola pública de Ensino Médio integrado à educação profissional no
estado do Ceará.
Desenvolvimento
A gestão escolar na perspectiva democrático-participativa
A diferenciação entre administração escolar e gestão escolar
não está apenas na grafia, se assim o fosse, estaríamos preterindo a
essência em detrimento da forma. Esse modelo de organização é
relativamente novo, embora tenha sido discutido na década de 1960 por
Anísio Teixeira (1961, p. 2). Com efeito:
Sem administração, a vida não se processaria. Mas há dois
tipos de administração: e daí é que parte a dificuldade toda.
Há uma administração que seria, digamos, mecânica, [...] É
a administração da fábrica. É a administração, por
conseguinte, em que a função de planejar é suprema e a
função de executar, mínima. E há outra administração - à
qual pertence o caso da Administração Escolar - muito mais
difícil.
Chama-nos a atenção essa assertiva por enfatizar que a
administração escolar é muito mais difícil que a administração de uma
fábrica, posto que a gestão escolar colabora para o exercício da cidadania.
Russo (2004) reforça esse entendimento argumentando que, como
prática humana de formação de sujeitos históricos, a Educação exige
formas de organização do trabalho que priorizem as relações solidárias e
cooperativas de relações entre iguais.
De acordo com Ledesma (2008), na gestão, o administrativo e
o pedagógico se conectam e estabelecem uma prática educativa capaz de
intervir criativa e criticamente na formação dos sujeitos. À vista disso,
não se afastam por completo as teorias administrativas no ambiente
escolar, dado que, ao funcionamento dessa instituição, integram-se itens
que exigem conhecimentos administrativos, como: gerenciamento de

59
DNA Educação

verbas públicas, gestão de pessoas, contabilização de haveres, guarda de


documentos, dentre outros.
Conforme o exposto, o enfoque pedagógico é outra qualidade
inerente à gestão escolar, possuindo ainda, em seu escopo, características
científicas. Para Libâneo (2001, p. 10):
A Pedagogia, mediante conhecimentos científicos,
filosóficos e técnico-profissionais, investiga a realidade
educacional em transformação, para explicitar objetivos e
processos de intervenção metodológica e organizativa
referentes à transmissão/assimilação de saberes e modos de
ação.
Logo, é legítimo ratificar a Pedagogia no rol das Ciências da
Educação, haja vista que o planejamento das metas educacionais se faz
através de revisitação sistêmica, elemento pertencente ao arcabouço da
administração. Alerte-se, ainda, que, no percurso pedagógico, não
convém permitir métodos irrefletidos, que constituiriam entraves para o
andamento do processo de ensino-aprendizagem.
Nesse âmbito, reportamo-nos ao Projeto Político Pedagógico
(PPP), documento elaborado coletivamente, no ambiente escolar, com a
preocupação de organizar o trabalho pedagógico a fim de superar
conflitos, eliminar relações competitivas, corporativas e autoritárias
(VEIGA; RESEND, 1998). Por conseguinte, devem estar previstos no
PPP as associações coletivas, como: conselho escolar, conselho de classe,
grêmio estudantil e associação de pais e mestres.
Das contribuições dos conselhos de classe à gestão democrática
Visando dar consistência à nossa pesquisa, trazemos
esclarecimentos sobre o conselho de classe, que, consoante deliberação
16/99 do Conselho Estadual de Educação do estado do Paraná, artigo
30, “[...] é um órgão colegiado de natureza consultiva e deliberativa em
assuntos didático-pedagógicos, que tem por objetivo avaliar o processo
ensino-aprendizagem na relação professor-aluno e os procedimentos
adequados a cada caso” (PARANÁ, 2012).
Nos conselhos de classe, reúnem-se os docentes das diversas
disciplinas e áreas de uma mesma turma/série/curso objetivando a
investigação dos processos de ensino e de aprendizagem relacionados à

60
DNA Educação

clientela estudantil. Durante as discussões, podem ser tratados assuntos


como o rendimento de aprendizagem dos alunos e as dificuldades
apresentadas por estes, quais sejam: a infrequência, a indisciplina, a
análise do currículo, da metodologia adotada e do sistema avaliativo
empregado na instituição.
Dessa forma, esse organismo possibilita, aos professores e
gestores, vasta análise da condição do discente, levantando as causas dos
seus insucessos para tecer as intervenções cabíveis, assim como para
relacionar as potencialidades que necessitam ser estimuladas. Além disso,
provoca rica experiência formativa, permitindo a reavaliação da prática
docente, favorecendo a vivência de princípios democráticos por parte
dos alunos, que, segundo Arroyo (2007, p. 68), “[...] precisa-se conhecê-
los como sujeitos plenos, concretos, em percursos sociais complexos [...]
conhecê-los não apenas como alunos, mas como pessoas”.
Ao possibilitar a participação dos alunos em suas reuniões, os
conselhos de classe os envolvem nos processos de sua aprendizagem,
quando tomam ciência e opinam sobre as práticas educacionais que
geram debates e confronto de ideias. Nessa óptica, para Pérez e Gómez
(2000, p. 97) apud Libâneo et al. (2012), a democracia é apreendida pela
vivência e construção em sua comunidade de aprendizagem e de vida,
pois pensa e atua sobre os conteúdos escolares, que não se resumem ao
que esteja na educação formal.
Metodologia
Procedimentos metodológicos
O trabalho consistiu em um estudo de caso exploratório, no
qual se buscou analisar o conhecimento sobre os conselhos de classe por
parte dos professores e alunos da Escola Estadual de Educação
Profissional, localizada no município de Maranguape-CE, na região
metropolitana da capital do estado, Fortaleza. O ano de elaboração do
trabalho se concentrou em 2017, no entanto, foram levantados dados
históricos desde a migração dessa escola estadual antes de Ensino
Regular para a condição de escola de ensino profissional que integra
curso técnico e Ensino Médio.

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DNA Educação

Com isso, para efetivação da pesquisa, selecionamos o corpo


docente composto por 30 professores e as 04 turmas de 3º ano do
Ensino Médio da escola, composta por 180 alunos, perfazendo um total
de 210 sujeitos. Com relação aos professores, estes estão distribuídos nas
quatro áreas de conhecimento da base comum: Linguagens e Códigos;
Ciências Humanas; Ciências da Natureza e Matemática. Também
encontramos professores de quatro áreas específicas dos cursos técnicos
ofertados pela instituição: Enfermagem, Informática, Meio Ambiente e
Edificações.
Para a coleta de dados, utilizamos dois questionários mistos
semelhantes, que apresentamos nos quadros a seguir. No quadro 1,
trazemos as perguntas apresentadas aos professores. No quadro 2,
mostramos as questões disponibilizadas aos alunos.
Quadro 1: Questionário dos professores
Perguntas
1. Você já atuou ou atua como Diretor de Turma?
( ) Sim ( ) Não
Por quanto tempo?
_______________________________________________
2. Você saberia diferenciar Conselho Escolar e Conselho de Classe Diretor de Turma?
( ) Sim ( ) Não
Qual a principal diferença?
_______________________________________________
3. Você acredita que o Conselho de Classe contribui para a formação cidadã e/ou melhoria
no rendimento de aprendizagem dos alunos ?
( ) Sim ( ) Não
Qual a melhoria que mais se destaca?
________________________________________________
4. Em sua opinião, que aspecto se encontra mais fortemente presente nos conselhos de
classe?
( ) Gestão democrática e participativa
( ) Educação política do estudante
( ) Solução de conflitos entre alunos
( ) Solução de conflitos entre aluno e professor
( ) Solução de conflitos entre aluno e núcleo gestor
( ) Solução de conflitos entre aluno e família
( ) Outros, quais?
________________________________________________
Fonte: elaborado pelos autores.

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DNA Educação

Quadro 2 - Questionário dos alunos


Perguntas
1. Você já atuou ou atua como líder, vice-líder ou secretário de sua turma?
( ) Sim ( ) Não
Por quanto tempo?
2. Você saberia diferenciar Conselho Escolar e Conselho de Classe Diretor de Turma?
( ) Sim ( ) Não
Qual a principal diferença?
________________________________________________
________________________________________________
3. Você acredita que o Conselho de Classe contribui para a formação cidadã e/ou
melhoria no rendimento de aprendizagem dos alunos ?
( ) Sim ( ) Não
Qual a melhoria que mais se destaca?
________________________________________________
________________________________________________
4. Em sua opinião, que aspecto se encontra mais fortemente presente nos conselhos de
classe?
( ) Gestão democrática e participativa
( ) Educação política do estudante
( ) Solução de conflitos entre alunos
( ) Solução de conflitos entre aluno e professor
( ) Solução de conflitos entre aluno e núcleo gestor
( ) Solução de conflitos entre aluno e família
( ) Outros, quais?
________________________________________________
Fonte: elaborado pelos autores.

Vale ressaltar que não houve obrigatoriedade para que os


sujeitos pesquisados respondessem os questionários, nem que
completassem a totalidade das perguntas, tampouco que se
identificassem.
Por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, aplicamos a análise
temática, que segundo Bardin (1977), é o método que melhor se adéqua
a esse tipo de investigação. Conforme as orientações da autora, seguimos
três etapas propostas a esse tipo de exame, que são: i) pré-analise, ii)
exploração do material e iii) tratamento dos resultados e interpretação.
Na pré-análise, fizemos uma “leitura flutuante” dos dados coletados, de
modo obter as impressões iniciais sobre o tema, inclusive fazendo a

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DNA Educação

transcrição das respostas obtidas em meio eletrônico, formulário Google


e formulário impresso.
Na “exploração do material”, realizamos a codificação das
informações, classificando-as em categorias temáticas concentradas no
conhecimento e opinião dos componentes amostrais sobre a contribui-
ção do objeto de estudo para o exercício da democracia no ambiente
escolar. Em relação ao tratamento dos resultados e interpretação,
demoramo-nos em estudar as falas transcritas e relatos redigidos para,
dessa maneira, “[...] propor inferências e adiantar interpretações a
propósito dos objetivos previstos, ou que digam a outras descobertas
inesperadas” (BARDIN, 1977, p. 101).
Foram observadas as reuniões de conselhos de classe e seus
dobramentos no ano letivo de 2017. Os questionários foram aplicados
em dois momentos distintos: os alunos responderam durante o mês de
dezembro 2017 e os professores responderam no decorrer da semana de
planejamento anual, realizada em janeiro de 2018. Concomitantemente,
nesse interstício, foi feita uma revisão de literatura concentrada em
artigos e livros relacionados ao tema, e formatação da pesquisa em artigo.
O campo de estudo e seus métodos
As escolas de Ensino Médio integrado à educação profissional
foram criadas no estado do Ceará, em 2008, pela Lei Estadual n° 14.273
de 19.12.08 (D.O. 23.12.08). Em seu artigo 2º, a lei 14.273 (CEARÁ,
2008) afirma que a estrutura organizacional dessas entidades contará com
corpo docente especializado e jornada de trabalho integral. Partindo
dessa premissa, os profissionais dessas instituições se preocupam em
conduzir o processo educacional visando a um futuro justo, equânime,
que favoreça aos jovens cearenses maiores possibilidades de cursar nível
superior e ocupar postos de trabalho com melhor remuneração.
Seguindo essa linha de ação, é lícito que os conselhos de classe
constituam a lista de tarefas desempenhadas nessa modalidade de ensino.
Particularmente, em nosso campo de estudo, essas assembleias
acontecem bimestralmente, precedidas de convocação dos entes internos
- professores e alunos - e figuras externas, representantes de pais ou
responsáveis.

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DNA Educação

Com o propósito de equidade e de estimular o protagonismo


juvenil, bimestralmente, a turma elege seus líderes em votação secreta,
sendo permitido, ao mesmo educando, exercer a função de líder, vice-
líder e secretário, apenas uma vez durante os três anos de seu curso. Em
sentido semelhante, a participação dos pais ou responsáveis nos
conselhos de classe é defendida pelo princípio da corresponsabilidade
familiar, para que a família assuma a coautoria na educação de seus filhos,
podendo ser convidado o responsável legal de qualquer aluno.
Durante a reunião do conselho de cada turma a ser analisada,
todos os professores devem estar presentes, incluindo o educador
responsável pela classe durante os três anos do Ensino Médio, designado
como professor diretor de turma, que preside o encontro. Enquanto isso,
os jovens permanecem em sala desenvolvendo atividades extracur-
riculares, tais como os projetos interdisciplinares bimestrais de arte e
cultura. Excetuam-se os três prepostos das respectivas salas, que devem
relatar com fidelidade as sugestões colhidas junto aos colegas, em
momento prévio, sem a presença de professores. Os aspectos
observados se referem à ministração das aulas, a sugestões aos métodos
aplicados pelos professores, à estrutura do complexo predial, à atuação
do núcleo gestor e funcionários.
A convenção bimestral ou reunião intercalar, como é conhecida
internamente, desenrola-se em duas fases. Na primeira etapa,
coordenador, responsáveis legais, alunos e professores, diretor de turma,
nessa respectiva ordem, têm a oportunidade de expor suas falas para a
melhoria dos aspectos didático-pedagógicos da classe. Em segundo
momento, os pais e alunos se retiram do recinto, para que o corpo
docente possa analisar eticamente cada discente nos aspectos qualitativos
e quantitativos. A reunião se encerra quando as partes se sentem
contempladas em suas colocações e os representantes assumem o com-
promisso de levar as discussões aos demais colegas de turma.
Nessa ocasião, redige-se uma ata e um plano de intervenção
para sanar as falhas internas que possam auxiliar os discentes em
dificuldades cognitivas e/ou de socialização, a fim de acompanharem o
ritmo das atividades acadêmicas e aumentarem as chances de êxito na
carreira estudantil e profissional. As intervenções podem ter caráter

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DNA Educação

individual ou coletivo, com a possibilidade de serem aplicadas em


entidades governamentais, núcleo gestor, professores, pais e alunos. Em
alguns casos, por fugirem do campo da ação escolar, as demandas são
encaminhadas a órgãos públicos de assistência psicossocial, como
Conselho Tutelar, Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS) ou
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
Análise de dados
Quanto à atuação dos professores como diretores de turma, 17
(56,66%) docentes investigados responderam que já foram ou são
diretores de turma, enquanto 13 (43,33%) relataram que nunca foram
diretores de turma, perceptivelmente, professores da área técnica, por
terem relação trabalhista diferenciada com o estado.
Dos 30 professores pesquisados, 25 (83,33%) disseram saber
diferenciar conselho escolar e conselho de classe, enquanto apenas 05
(16,66%) reconheceram não saber estabelecer diferenças entre esses dois
tipos de conselhos.
Dos docentes que responderam a questão anterior, somente 18
justificaram as suas respostas, mesmo assim demonstrando um
conhecimento superficial. Sobre o conselho escolar, explicaram que: “[...]
é formado por representantes de todos os segmentos escolares”; “[...]
tem maior abrangência”; “[...] é mais amplo e atua sobre todos os
assuntos da escola”; “[...] gera benefícios para todos os setores da escola”;
“[...] tem papel de fiscalizar”; “[...] tem maior participação de pais e
comunidade”; “[...] toma decisões referentes às atividades escolares em
benefício de toda a escola”; “[...] faz parte da gestão democrática”.
Sobre o conselho de classe, os docentes defenderam que: “[...]
é formado apenas pelos professores da turma”; “[...] traz benefícios para
os alunos”; “[...] zela pela aprendizagem dos alunos”; “[...] discute o
aproveitamento do aluno”; “[...] cuida da dinâmica de uma turma
específica e articula suas demandas com o núcleo gestor”; “[...] promove
reflexão e autoavaliação do professor e alunos, sendo o foco o
aprendizado”; “[...] delibera sobre assuntos didático-pedagógicos”; “[...]
é um órgão interno da instituição, que faz o diagnóstico dos rendimentos
por turma”.

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DNA Educação

Ao serem questionados sobre a contribuição dos conselhos de


classe para a formação cidadã e/ou melhoria no rendimento da
aprendizagem dos alunos, todos os 30 (100%) professores responderam
que existe uma relação entre a dinâmica dos conselhos de classe com os
rendimentos e a aprendizagem dos discentes.
Quando solicitados a citarem as melhorias por eles observadas,
os docentes mencionaram: “[...] reflexão sobre a condição de notas e
comportamento da turma e momento propício para que expressem quais
as práticas docentes que não estão sendo efetivas para o aprendizado da
turma”; “[...] melhorias no rendimento de disciplinas consideradas como
críticas dos alunos identificados nessas reuniões”; “[...] incentivo aos
alunos nos estudos e participação na rotina escolar”; “[...] possibilita a
reflexão sobre algum procedimento metodológico que não foi
satisfatório”; “[...] interação e mudança de estratégia adequada no
aprendizado de cada aluno”; “[...] os alunos se sentem partícipes do
processo de construção da sua aprendizagem e não apenas receptores”;
“[...] mudança de postura dos professores”; “[...] melhoria de resultados
por correções de procedimentos pedagógicos inadequados apresentados
nas reuniões”; “[...] alinhamento de alunos e professores. Melhoria do
rendimento e fortalecimento do trabalho em equipe”.
Segundo a opinião dos docentes, a atuação do conselho de
classe pode ser representada por vários aspectos. Dos 30 professores
pesquisados, 17 (56,66%) citaram o aspecto da gestão democrática e
participativa como o que melhor representa os conselhos de classe.
Outros 09 (30%) apontaram a melhoria do trabalho escolar como a
característica relevante a ser relacionada a esse órgão colegiado. Ainda
foram mencionados os aspectos educação político-cidadã do estudante e
melhoria do trabalho do educador, ambas por apenas 02 (6,66%) dos
docentes.
Diante desse recorte, desde que se conserve o foco na
aprendizagem do educando, a atuação dos professores no conselho
escolar lhes possibilita avaliar e sugerir intervenções ao bom andamento
do processo de ensino-aprendizagem. Ressalte-se que, nessa esfera, estão
presentes vários itens, como: conteúdos, metodologia, disciplina,

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DNA Educação

organização, gestão escolar, condições de trabalho, material didático,


patrimônio e outros (LORENZONI et al., 2007).
No que se refere aos alunos, dos 180 pesquisados, 33,3% já
ocuparam a função de líder, vice-líder e secretário, ocorrendo ocupação
em um dos três postos, por mais de uma vez, por cerca de 10% dos
estudantes. Esse último percentual revela boa aceitação dos respectivos
grupos pelo papel desempenhando por esses jovens.
Quando perguntamos aos alunos se eles saberiam diferenciar
conselho de classe de conselho escolar, surgiram as seguintes falas:
“conselho de classe é só na turma e escolar é para toda a escola”; “O
Conselho de Classe Diretor de Turma possui maior participação direta
com o estudante, podendo assim interagir mais pessoalmente com o
aluno”. Nessas falas, um percentual de 58,95% se aproximou da diferen-
ciação entre as categorias de conselhos. No entanto, 21,08% ainda
carecem de esclarecimento, com respostas curtas e vagas, como “Não
sei”; “Ainda não participei do conselho escolar”; “Nenhum não presta”.
Ainda sobre a particularização dos conselhos, em cerca de 20%
das réplicas, obtivemos retornos preocupantes como: “muitas vezes, os
alunos se privam de falar o que realmente têm que falar por conta da
pressão que é falar de forma negativa de alguns professores”. Isso mostra
que há um erro de interpretação do intuito das reuniões, por ambas as
partes, professores e alunos, como se o encontro tivesse o fito de apontar
culpados e não soluções. Nesse esboço, faz-se presente o debate e não o
diálogo entre os pares, afastando a ideia de escola democrática que
segundo Teixeira (1956, p. 4) seria aquela “[...] que põe em prática esse
ideal democrático e procura torná-lo a atitude fundamental do professor,
do aluno e da administração”. São casos isolados, contudo, que pedem
conciliação premente.
Quando indagados como as reuniões bimestrais do conselho de
classe contribuem para a formação da cidadania, 63,4% responderam
superficialmente, retornando com o seguinte discurso: “Contribuem de
forma satisfatória”; “Direcionando o que é necessário mudar”; “Com
pouca influência”. Essas expressões nos revelaram que, embora
percebam a relevância dessa entidade, os estudantes não estão sabendo
especificar os seus contributos à formação cidadã.

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DNA Educação

A quinta pergunta: “Em sua opinião, que aspecto melhor


representa a atuação do Conselho de Classe? ”, foi respondida por
opções que apresentaram os seguintes percentuais: 60% - Gestão
democrática e participativa; 1% - Educação político-cidadã do estudante;
35% - Melhoria do trabalho escolar. As alternativas “Melhoria do
trabalho do educador” e “Melhoria para a comunidade local” não foram
respondidas.
Nesse cenário, nota-se que, para a maioria desses alunos, os
conselhos de classe não estariam sendo canais de efetiva participação e
de aprendizado do jogo democrático, não favorecendo o repensar da
estrutura do poder autoritário nas relações sociais (DOURADO, 2001).
Essa reflexão nos mostra que, apesar de se perceberem numa gestão
escolar democrática, os educandos não atribuem caráter didático-
pedagógico aos conselhos, supostamente pela “pressão” que relataram
nos depoimentos supracitados.
Considerações finais
Os conselhos podem ter um papel transformador quando bem
conduzidos, desde que as discussões não se concentrem no campo das
reclamações ou insatisfações, por conta da indisciplina, falta de interesse,
infrequência, não cumprimento das regras, baixo rendimento escolar,
dentre outras. Esses encontros devem ser bem planejados, criando estra-
tégias exequíveis para a superação dos problemas. A intenção dos
conselhos não é culpar os alunos por causa do seu fracasso escolar, mas
dialogar as prováveis causas desse insucesso e encontrar soluções, em
constante remodelagem, que elevem as condições de êxito estudantil.
Ao analisarmos as falas dos professores pesquisados,
percebemos que há uma falta de apropriação da definição e dos objetivos
do conselho de classe. Alguns docentes ainda não compreendem a
abrangência desse órgão colegiado, o qual pode agir para diversos fins.
Para ocorrer uma contribuição efetiva dos conselhos, é essencial que haja
diálogo entre as partes, flexibilizando-se os respectivos papéis: o núcleo
gestor velando pelo regimento escolar, infraestrutura e rotina escolar; os
representantes de alunos e pais trazendo suas análises para mudanças nos
métodos e condução da organização curricular; e professores e alunos
desvencilhando-se de atitudes separatistas.

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DNA Educação

Algumas intervenções possuem relação direta com a práxis dos


professores, que demanda formação continuada para efetivar as obser-
vações feitas nas reuniões. Naturalmente, nessas circunstâncias, transcor-
rerão conflitos, em razão de alguns profissionais não aceitarem críticas,
podendo malograr o exercício da democracia, despejando a insatisfação
sobre os alunos. Para afastar tais práticas, o núcleo gestor deve
permanecer atento, acompanhando a execução futura das intervenções,
garantindo uma análise sistêmica com os sujeitos.
O desenvolvimento do protagonismo juvenil promovido no
percurso não se restringe aos porta-vozes dos estudantes, todavia, direta
ou indiretamente, beneficia a todo o corpo estudantil, seja por ter voz e
vez, seja por espelhar-se positivamente no colega que se destaca. Por
consequência, a construção da cidadania ofertada a esses jovens faz-se
também pela eleição bimestral, reunião autônoma e expressão de
opiniões. Com isso, mesmo reconhecendo nossa pesquisa como recorte
de um sistema complexo, sem embargo, disserta sobre educação integral
por abordar relações político-sociais e o viés didático-pedagógico na
escola brasileira.

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DNA Educação

Referências
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ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.
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________. DELIBERAÇÕES DO CONSELHO ESTADUAL DE
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VEIGA, I. P. RESENDE, L. M. G. de (orgs.). Escola: espaço do projeto
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DNA Educação

EDUCADOR NASCE COM ESSE DOM

Cássia Susana da Rosa Machado 1


RESUMO:
Este artigo tem por objetivo relatar minha trajetória de benquerença com
a educação, definindo conceitos e amadurecendo ideias que norteiam a
nossa realidade, buscando compreender os obstáculos que me fizeram
equilibrar e desenvolver uma postura de mediador de conhecimentos.
Quando digo que educador nasce com esse dom, quero esclarecer que
educador não é quem educa, mas sim, parte de um processo em que
também é educado. Vivemos tempos de mudanças e o papel do educador
na sociedade vai além da sala de aula, é uma construção diária de
estrutura, conceitos e de personalidades.
Palavras-Chave: Trajetória de vida, Desigualdade, Exclusão, Educação.
ABSTRACT:
The purpose of this article is to report my path of love with education,
defining concepts and maturing ideas that guide our reality, seeking to
understand the obstacles that made me balance and develop a posture of
mediator of knowledge. When I say that educator is born with this gift,
I want to clarify that educator is not who educates, but rather, part of a
process in which he is also educated. We live in times of change and the
role of the educator in society goes beyond the classroom, is a daily
construction of structure, concepts and personalities.
Keywords: Life trajectory, inequality, exclusion, education.

1 Graduanda do Curso de Pedagogia pela Universidade Cruzeiro do Sul

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DNA Educação

Introdução
Tenho a satisfação em poder estar aqui mostrando um pouco
da minha história de vida, ainda que tenha muito a aprender, mas busco
a cada dia me atualizar das novas mudanças que ocorrem na área de
educação, já me sinto uma educadora com uma pequena trajetória, mas
muito feliz em escolher esse caminho tão grandioso e ao mesmo tempo
tão desvalorizado, passando por diversas dificuldades que somadas vão
desde questões que estão ligadas à formação continuada, até questões
envolvendo a política salarial.
A desvalorização está refletida na remuneração, onde outros
profissionais com o mesmo nível de conhecimento e qualificação equiva-
lentes são mais valorizados, mas num contexto geral, está embutido no
imaginário da população, que qualquer outra profissão tem seu
reconhecimento visível, e permanecer nessa área, somente pelo amor à
profissão e se contentando com as conquistas que nossos alunos com
certeza irão adquirir durante a sua caminhada escolar, mudando, assim,
a sua trajetória de vida.
Nasci no dia 02 de setembro de 1981, em Porto Alegre, no
hospital Beneficência Portuguesa. Minha mãe foi uma guerreira, cheguei
ao mundo com quase 5 kg e de parto normal, vivemos sozinhas e assim
permanecemos por alguns anos, embora eu já tivesse outros irmãos
minha mãe só se casou novamente quando completei 5 anos.
Conheci meu pai com 11 anos, foi uma visita breve, mas muito
prazerosa. Algum ano depois nos reencontramos e passamos a conviver.
Sempre tive a curiosidade e uma vontade enorme de me colocar diante
da turma do ensino fundamental, ficava emocionada, mesmo que fosse
por alguns minutos para passar a lição no quadro ou ainda fazer a
chamada, imaginava como seria quando chegasse a minha vez de passar
por essa experiência, na verdade nem sei explicar qual sentimento sentia
naquele momento, só sei que era um turbilhão de emoções, quando a
minha professora, a regente da turma, pedia para passar o conteúdo no
quadro, com esse ato me realizava, mesmo sem saber que ali estaria
minha realização de adulto.
O tempo passou, terminei o ensino médio com a certeza de que
era o que eu queria e não mediria esforços para alcançar o meu tão

73
DNA Educação

sonhado diploma do ensino superior, poder entrar em uma sala de aula,


não como aluna e sim como educadora, professora, seria maravilhoso! E
saber que o tempo iria passar e meus futuros alunos iriam crescer
profissionalmente cada um em uma área, e que tudo isso seria possível
porque acreditei em cada um deles, dando a oportunidade de ser o que
eles quiserem sem exceção. Mas nem tudo transcorre de forma planejada,
foi quando entrei para a faculdade em meados de 2002, engravidei e tive
que adiar meu sonho por longos 14 anos. Nesse meio tempo, realizei o
sonho de minha mãe que era montar um restaurante, prosperou,
ganhamos prêmios de destaque empresarial por 2 anos consecutivos,
mas infelizmente minha mãe não pode presenciar, pois faleceu em 2008.
Em 2016 retornei para a faculdade agora com 3 filhos, comecei
meus estágios e foi algo inexplicável, pude presenciar na pratica como é
gratificante poder trocar o conhecimento aos alunos. Em 2017 meu
marido vendo minha emoção e vontade de transformar a cada dia, uma
aula diferente e inovadora onde aquelas pequenas vidas com maiores
perspectivas para o futuro e propiciar-lhes o conhecimento que era tudo
que eu tinha, empreendeu e desse investimento nasceu uma escola, fruto
de parcerias educacionais que foram firmadas, pessoas influentes e
participantes ativos do processo pedagógico e que de certa forma
contribuíram no caminho percorrido até o momento, e assim me tornei
gestora de um Polo Universitário. Hoje posso afirmar que educador
nasce educador, a vontade está no interior, no âmago de cada um, que
junta com o conhecimento e se desenvolve, se transformando em algo
grandioso.
Trajetória de vida
Projetar na memória as lembranças do meu passado é voltar no
tempo, como se isto fosse possível, e rememorar todas as fases da minha
existência, desde a minha infância até os dias atuais. Porém, quando
penso ter relembrado de tudo, novos fatos surgem, fazendo com que ao
rememorar e analisar as situações vividas, nessa reflexão ocorra uma
revisão dos acontecimentos e consequente amadurecimento.
Hegel nos lembra: “a matéria, que, como formada, tem forma,
torna a ser matéria para nova forma” (1980, p. 339). A figura de
linguagem utilizada por Hegel procura expressar que cada momento do

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DNA Educação

desenvolvimento do concreto (do ser humano) é um degrau derradeiro,


deixando para trás outros degraus, desta forma sendo “o ponto de
partida e o primeiro de um sucessivo desenvolvimento” (pp. 338-339).
Portanto, a trajetória de vida de uma pessoa é cada etapa da vida desse
sujeito, perpassada pelas diversas fases da sua trajetória de vida, em que
cada fase representa um avanço. Isto não significa que a trajetória de vida
acontece de forma linear, poderá em determinados momentos ocorrer
aquilo que nós poderíamos chamar de avanços e também, períodos que
poderíamos denominar de retrocessos, ocorre altos e baixos, uma
oscilação. Entretanto, independentemente dos momentos que o sujeito
venha a enfrentar, alguns positivos e outros não tão agradáveis assim, é
justamente dessa forma que a sua trajetória de vida será formada, forjada
na luta diária pela sobrevivência e pela busca incessante no intuito de se
educar.
Conforme Antônio da Costa Ciampa “cada indivíduo encarna
as relações sociais, configurando uma identidade pessoal. Uma história
de vida. Um projeto de vida. Uma vida-que-nem-sempre-é-vivida, o
emaranhado das relações sociais” (CIAMPA, 2001, p. 127). Uma
trajetória de vida irá dar justificação a uma existência, e é claro, que nesse
percurso, o indivíduo será afetado por uma série de condições e situações
que irão passar pelo seu caminho, sendo dessa forma, atravessado por
influências culturais e de toda ordem, que irão no decorrer de sua
trajetória moldar o seu caráter, a sua personalidade, enfim, o seu modo
de ser.
Embora a questão da identidade já tenha originado uma série
de trabalhos, tendo sido amplamente discutida, é importante lembrarmos
que nesse trajeto de constituição do sujeito, intrinsicamente, está
colocada a questão da identidade, visto que a identificação e os círculos
sociais aos quais o indivíduo faz parte, ou está inserido, serão deter-
minantes na sua formação como sujeito. As identidades são constituídas
nessa mediação entre as diversas culturas e fatores que auxiliam na sua
formação. Conforme Antônio da Costa Ciampa: “no seu conjunto, as
identidades constituem a sociedade, ao mesmo tempo em que são
constituídas, cada uma por ela” (CIAMPA, 2001, p. 127).

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DNA Educação

Dessa forma, é importante lembrar que a questão da identidade


não deve ser encarada somente como um tema de academia, nem
meramente objeto da ciência, pois, é sobretudo uma questão social, uma
questão política (CIAMPA, 2001, p. 127). As relações sociais serão
preponderantes na formação da identidade e, por consequência, na
formação do sujeito. Diante disso, Heidegger nos ensina que “o ser é
determinado a partir de uma identidade, como um traço dessa
identidade” (1979, pp. 180-181).
Para traçar esse caminho e subverter aquilo que poderia ser uma
vida adulta sem a conclusão de um curso superior, as relações sociais que
travei, foram essenciais para o descobrimento daquilo que acabei
almejando para o futuro. A perspectiva de poder circular no meio acadê-
mico e de frequentar um curso superior, vislumbrou a possibilidade de
assimilar um conhecimento que parecia distante. Numa sociedade em
que as desigualdades sociais são cada vez mais alargadas, onde as
minorias acabam distantes do sonho de frequentar a academia e dessa
forma mudar a sua trajetória de vida, torna-se cada vez mais distante
dessa parcela da população que acaba ficando sem a possibilidade de uma
escolarização adequada.
Assim como na obra “A Estória do Severino e A História da
Severina” de Antônio da Costa Ciampa, em que a personagem Severina”
fala de uma infância que não teve: tudo o que ocorreu, sua história, é
descrito como o alicerce de sua vida, como se até então fosse uma vida-
que-não-foi-vivida Severina fala de si como uma personagem que foi (e
não é), lutando contra a fome, a pobreza, a violência. A morte rondando.
Embora não diga explicitamente, o único apoio, a única fonte de segu-
rança parece ter sido a mãe (CIAMPA, 2001, p. 45). Importante salientar
a importância da figura materna na infância e para o resto da vida adulta
de uma pessoa. Assim como a personagem da obra de Ciampa, também
tive como alicerce a figura de minha mãe que, esteve sempre a meu lado,
inclusive nos momentos de maior sofrimento. Primeiro o sonho do
restaurante que acabamos inaugurando e hoje o curso de pedagogia,
porque educar exige dedicação, amor e acima de tudo acredito na
aptidão, no talento natural que a pessoa deve ter para desempenhar tarefa
tão nobre, qual seja a de educar.

76
DNA Educação

A educação tem que ser a prioridade nos planos e projetos


governamentais, pois, como nos lembra Paulo Freire, “se a educação
sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade
muda”. Diante dessa afirmativa é crucial lembrar que é importante
entendermos que a educação exerce um papel de transformação, a
mesma mudança pela qual passou a minha trajetória de vida, a pretensão
não é a de mudar o Estado, mas sim mudar a cabeça das pessoas, como
afirmava Paulo Freire.
Desigualdade, exclusão e educação transformadora
Ao pensar numa educação transformadora, nos referimos a
uma educação que seja capaz de instrumentalizar os educandos no
intuito de que estes sejam capazes de interferir no mundo e assim, com
a sua ação transformá-lo. Para tanto, é necessário também que a escola
esteja preparada para acolher as diferenças.
Várias tentativas têm sido realizadas no intuito de prover a
inclusão e quando esse tema é tratado, devemos lembrar que esse termo
deve ser abrangente e acima de tudo, ser capaz de abrigar as diferenças
existentes em nossa sociedade. A escola deve ser plural e para todos.
Nesse processo de exclusão, a escola acaba categorizando as diferenças
e assim, temos escalas nas quais o educando é classificado. Desse modo,
as escolas estabelecem aqueles alunos ditos inteligentes, agressivos,
carentes, deficientes, comportados, bagunceiros, com hiperatividade e
etc.
Conforme nos lembra Maria Teresa Eglér Mantoan: “por essa
classificação é que se perpetuam as injustiças na escola”. Essa forma de
classificar, categorizando os alunos, auxilia de forma significativa no
processo de exclusão, pois, se a escola, que deveria ter como um dos
papéis fundamentais o da inclusão, acaba invariavelmente reafirmando a
ideologia dominante reproduzindo o mesmo sistema que durante um
bom tempo vem vigorando. Certamente, não haverá uma transformação
se a escola não entender o papel transformador que ela deve assumir.
Como afirma Paulo Freire: “Do ponto de vista dos interesses
dominantes, não há dúvida de que a educação deve ser uma prática
imobilizadora e ocultadora de verdades” (FREIRE, 1996, p. 99). A
camada privilegiada da sociedade que tem acesso à educação, não vê com

77
DNA Educação

bons olhos que a integrante das classes menos privilegiadas tenha acesso
à educação e dessa forma, consigam acender socialmente. A exclusão se
dá pela diferença, portanto, para a classe aquinhoada não é interessante
ver os filhos dessa parcela da população que até então, esteve numa
situação desprivilegiada, galgando espaços que até então, eram ocupados
pelos primeiros. Nesse processo, as verdades devem ser cuidadosamente
ocultadas e a prática educacional deve primar pelo imobilismo.
Para Paulo Freire “É que a ideologia tem que ver diretamente
com a ocultação da verdade dos fatos, com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna
“míopes” (FREIRE, 1996, p. 125). A educação com cunho democrática,
plural e cidadã é um movimento relativamente jovem e propugna uma
escola que tem que ser capaz de promover a aprendizagem, a
permanência e a inclusão do educando. Devemos lembrar que a
universalização do atendimento na escola pública só ocorreu após a
promulgação da Constituição Federal de 1988. Se a escola e seus atores
assim não procederem, ou seja, orientando para uma prática pedagógica
democrática, com o objetivo de subverter a ordem instalada, a estrutura
educacional continuará a reproduzir os “privilégios” daqueles que
verdadeiramente não necessitam, pois estão no cume da pirâmide,
enquanto isto, a classe social que compreende a base da pirâmide social,
continuará enfrentando todos os problemas aqui relacionados.
A Sociologia da Educação procura refletir sobre o seu papel na
compreensão das desigualdades escolares. Por meio de suas ferramentas
de análise a Sociologia da Educação nos ajuda a compreender como os
processos escolares podem atenuar ou maximizar as diferenças e, por
consequência, as suas desigualdades sociais. A redução dos processos de
desigualdades é amenizada pela ação pedagógica. É importante lembrar
que essas desigualdades são geradas pela sociedade e deve ser objeto de
resolução, por essa mesma sociedade, embora a escola seja o local em
que o debate irá se iniciar.
A desigualdade se espraia das mais diversas formas, afetando e
causando impactos na renda, e por consequência, provocando também
desigualdades sociais, que desembocará na desigualdade da educação.
Esta desigualdade, por sua vez, repercute na desigualdade de renda, pois

78
DNA Educação

faz com que os grupos que estão em melhor posição possam ter
melhores oportunidades que os grupos desfavorecidos, gerando um
círculo vicioso que tende a aumentar as desigualdades (CASASSUS,
2007, p. 25-26).
É importante lembrar que a desigualdade de renda está
concentrada na América Latina e essa desigualdade expressada na renda,
teve como um dos fatores que a fizeram chegar aqui: a desigualdade da
educação. Portanto, a desigualdade de renda traz reflexos e impacto
direto nas desigualdades educacionais. Conforme nos lembra Casassus a
América Latina constitui a região do mundo que tem a maior
desigualdade de renda. CASASSUS (2007, p. 37).
Diante dessa constatação desoladora, poderíamos lembrar
Durkeim, visto que a escola estaria vivendo um estado de “anomia”2.
Deve haver um olhar atento de todos os atores envolvidos na educação
e de um modo geral, da sociedade civil organizada e dos órgãos
governamentais, para que possamos fazer frete e procurar entender as
razões pelas quais a sociedade está vivenciando essa falta de regras que
irão disciplinar o espaço escolar, mas não somente o espaço escolar, mas
sim, a importância de seguirmos um regramento com o cumprimento de
normas, visto que é condição “sine qua non” para uma convivência
saudável numa sociedade democrática e plural.
Ao visitarmos rapidamente as correntes teóricas que de certa
forma explicam ou nos ajudam a entender essa desigualdade de
oportunidades.
A primeira corrente teórica é a Estrutural-Funcionalista (1945-
1965) que acredita no fato da escola ser fator de mobilidade social; já
para a Teoria da Reprodução (1965-1975) a escola perpetua as
desigualdades de classe e a terceira corrente teórica é a da
Etnometodologia e Interacionismo Simbólico, que estuda os procedi-
mentos escolares que, dentro uma rotina escolar, analisará as relações
que envolvem a Sociologia, considerando as ações e relações sociais que
envolvem a administração da escola, o corpo discente, corpo docente,

2Ausência ou desintegração das normas sociais. Conceito surgido com o objetivo de descrever
as patologias sociais da sociedade ocidental moderna, racionalista e individualista.

79
DNA Educação

funcionários, pais, enfim, a comunidade escolar, verificando como essas


relações sociais se constitui.
A teoria do Interacionismo Simbólico se ocupa da microanálise
e das interações, ações e reações entre os indivíduos num determinado
local, especificamente. O Interacionismo Simbólico irá ressurgir depois
de um longo período de intensa produção da Escola de Chicago, em
virtude dos estudos de Goffman, que foram revisitados. Goffman
entende que as condições estruturais são necessárias, mas não são
suficientes para explicar a ação humana. “Goffman foi o mais importante
teórico empírico do movimento Interacionista Simbólico”, GOHN
(1997, p. 73-74).
Na obra “El individuo y la libertad: ensayos de crítica de la
cultura”, o autor busca refletir a importância das ações coletivas no seu
individual. É importante lembrar que a Escola de Chicago surgiu nos
Estados Unidos, na década de 1910, fundada por Sociólogos americanos
do corpo docente do departamento de sociologia da Universidade de
Chicago. Devido às condições sociais muito instáveis naquele período,
essa condição tornou-se campo fértil para a pesquisa, visto que se
agravavam os problemas com a falta de habitação, violência urbana, o
aumento populacional, crescimento da criminalidade, da delinquência
juvenil, o aparecimento de gangues, a imigração, relações raciais e com
ela a formação de comunidades segregadas.
Todas essas questões estudadas pela Escola de Chicago na
época eram questões referentes aos problemas sociais que nesse período,
acabavam afetando mais fortemente a população pobre. A questão
educacional foi objeto de pesquisa também e deixou a prática analítica
que investiga os comportamentos interativos de professores e alunos em
sala de aula. Percebe-se que as formas de interação simbólica, na relação
professor e aluno, em diferentes situações, representam a reprodução das
desigualdades, a marginalização e por fim, o insucesso escolar.
Conforme (LAPLANE, 2000), a visão do professor sobre a sua
função e sobre como a criança aprende é parâmetro para a sua expec-
tativa a respeito do desempenho escolar dos alunos e suas possibilidades
de sucesso. Assim, a escola deve estar vigilante para que não se reforce
as diferenças e para que não haja privilégios. O espaço escolar como

80
DNA Educação

plural que deve ser não pode ser o lugar em que apenas os mais abastados
tenham a condição e o privilégio de frequentar e se escolarizar, mas é
necessário que ela, promova a equivalência entre as classes sociais.
A “educação é, antes do mais, o meio pelo qual a sociedade
renova perpetuamente as condições de sua própria existência”
(DURKHEIM, 1984, p. 69).
As correntes teóricas citadas acima tinham a intenção de
analisar a questão da desigualdade. Em verdade, o dito “fracasso
escolar”, aliás, termo do qual não tenho nenhuma simpatia, visto que
toda vez que se fala em fracasso escolar, acaba-se referindo a reprovação
do aluno no ano letivo, sem levar em consideração toda uma conjuntura
que levou o educando a essa condição, além disso, questões como
desigualdades, exclusão entre outros, não são citados, como se o único
culpado fosse quem está na ponta do processo; acaba se tornando no
sucesso social da classe dominante. Infelizmente, na atual conjuntura,
embora alguns avanços, a estrutura educacional favorece os mais
aquinhoados e desfavorece os desvalidos, uma vez que, propugnando
uma neutralidade, acaba reforçando as desigualdades que se verificam na
sociedade, e por consequência, na estrutura escolar.
Entretanto, as desigualdades ou o estudo das desigualdades não
podem ser atribuídos única e exclusivamente ao sucesso dos alunos. A
aprendizagem é um processo que sintetiza fenômenos que ocorrem em
nível cognitivo e emocional em um indivíduo como também social
(CASASSUS, 2007, p. 30). Portanto, a socialização pela qual um
indivíduo passa, sofrendo influências do meio social, em virtude das
relações sociais que mantêm, também são elementos que o auxiliam a
moldar sua identidade e sua personalidade. Nessas circunstâncias, o
processo de escolarização está embutido.

81
DNA Educação

Referências
ADORNO, Theodor W. (2008). Crítica de la cultura y sociedad. En:
Crítica de la cultura y sociedad IObras completas, V 10.1, Ed. Akal,
Madrid.
AZEVEDO, J. C.; REIS, J. T. Democratização na Escola:
Construção de Conhecimento e Inclusão. 183f. Relatório Técnico-
Científico de Pesquisa – Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação,
Centro Universitário Metodista – IPA, Porto Alegre, 2011
Ciampa, A. C. (2001). A estória do Severino e a história da Severina:
um ensaio de psicologia social (7ª reimp. da 1ª ed.). São Paulo: Brasiliense
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à
prática educativa. São Paulo. Paz e Terra. 1996.
GOHN, Maria da Glória (1997) “Uma proposta teórico‐metodológica
para a análise dos movimentos sociais na América Latina”, cap. 7 de
Teorias dos Movimentos Sociais. Paradigmas Clássicos e
Contemporâneos. São Paulo: Loyola. HALL, Stuart. A Identidade
Cultural na Pós-modernidade. Rio de Janeiro. Lamparina, 2014.
LAPLANE, A. F. Interação e silêncio na sala de aula. Ijuí: UNIJUI, 2000.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão Escolar: O que é? Por
quê? Como Fazer? São Paulo Moderna. 2003.
CASASSUS, Juan. A escola e a desigualdade. 2ª ed. Brasilia.Unesco.
2007.

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DNA Educação

TEXTOS À DERIVA: UM CONTINENTE DE


MULTISSEMIOSES1
Cícero Henrique Bezerra da Silva2
Liderlânio de Almeida Araújo3
RESUMO:
O artigo, Textos à Deriva: um continente de multissemioses, traz uma reflexão
voltada para a proliferação de diferentes gêneros textuais que circulam
em diferentes espaços de veiculação social, dando devida atenção para
questão da Multimodalidade _ a forma pela qual a sociedade hoje
comunica e se informa. O texto apresenta um percurso teórico entre
autores que dão suas contribuições para o entendimento da temática
abordada na tessitura, entre eles se destacam renomes nacionais, a
exemplo de, Soares (2003) Rojo (2012), Silvestre (2015) e Vieira (2015).
Palavras chaves: Multimodalidade. Análise de Charges. Produção de
Sentido.
ABSTRACT:
The article, Texts on Drift: a continent of multisemioses, brings a reflection
focused on the proliferation of different textual genres that circulate in
different social venues, giving due attention to the issue of Multimodality
- the way in which society today communicates and is reported. The text
presents a theoretical trajectory between authors who give their
contributions to the understanding of the theme covered in the tessitura;
among them are national renames, such as, Soares (2003) Rojo (2012),
Silvestre (2015) and Vieira (2015).
Keywords: Multimodality. Analysis of Collection. Production of Sense.

1 Textos à Deriva: um continente de multissemioses é uma produção acadêmica (artigo) que traz
uma reflexão teórica e analítica da multimodalidade e de textos multimodais.
2 Graduado em Licenciatura Plena em Língua Portuguesa com Habilitação em Língua Inglesa

pelo Centro de Ensino Superior de Arcoverde – CESA. Título de Especialista em Linguística


Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa pelo Instituto Superior de Educação de Pesqueira –
ISEP. E-mail: cicerohenriquebs@gmail.com.
3 Professor de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no Curso de Especialização em Linguí-

stica Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa pelo Instituto Superior de Educação de


Pesqueira – ISEP.

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DNA Educação

Considerações iniciais
Hoje se vive um momento de diferentes e múltiplas manifes-
tações das linguagens, o que requer um posicionamento crítico e,
consequentemente discursivo para a construção de sentido daquilo que
se apresenta e se materializa no processo comunicativo. O respectivo
texto tem como temática a abordagem da multimodalidade, situando os
gêneros multimodais para uma leitura crítico-discursiva e produção de
sentidos em sala de aula, tendo como título Textos à Deriva: um
continente de multissemioses.
A escolha de tal título é resultado de uma reflexão a respeito de
como os textos circulam com tamanha facilidade por entre os leitores
(seus consumidores), como se estivessem à deriva, onde cada texto tem
sua finalidade e seu destinatário em especifico, reproduzindo um
continente de muitos significados, ou melhor, a produção de sentido que
é gerado a partir da leitura de distintos gêneros textuais.
Nas últimas décadas se teve uma acentuada transformação
como a sociedade letrada e não-letrada se comunica e obtém informa-
ções através de diversos meios de circulação social e isso colaborou para
o surgimento de novas práticas discursivas.
Ao realizar uma breve observação do retrato atual da sociedade,
ver-se, claramente, que há uma forte influência na vida das pessoas de
textos que as direcionam para diferentes interpretações, devido à
demanda de informações que esses passam para seus leitores, ocasionado
naquele que ler diversas interpretações e compreensões, ressignificando
contextos.
Com a criação de diferentes meios tecnológicos, houve também
a alteração de como a sociedade comunica e se informa, dando abertura
para diversas fontes de transmissão e produção do conhecimento, graças
a proliferação de diversos gêneros e principalmente os de cunho
multimodais.
Os parágrafos que seguem no artigo trazem temáticas inerentes
ao assunto aqui abordado, em parecer introdutório sobre a
multimodalidade, se tem uma visão geral acerca da mesma numa
perspectiva histórica, realizando reflexões sociais a respeito da linguagem
enquanto produto humano e interacionista. Em seguida, tem-se o tópico

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DNA Educação

tecnologia, linguagem multimodal e ensino, visto que com o advento


tecnológico houve a necessidade de um ensino antenado as demandas
atuais de como a língua se materializa em suportes e espaços digitais.
A charge como reflexão social encenada pela linguagem multi-
modal traz uma análise mediante um olhar voltado as semioses que esse
gênero possui, devido a sua finalidade textual, que normalmente tem por
intuito realizar críticas a assuntos referentes a política, desigualdade
social, religião, etc. As análises nas respectivas charges serviram para pôr
em evidencia o caráter multimodal do gênero carregado de um discurso
social e político, configurando-se em um texto que impulsiona a
produção de sentido pela multimodalidade. Gêneros multimodais e o
discurso na sala de aula: contribuições para a formação crítica se faz uma
reflexão sobre os gêneros multimodais para a formação crítica.
Para uma melhor fundamentação dos pareceres teóricos que
serão apresentados nos tópicos construídos, se fez necessário a
realização de leituras inspiradas em autores que voltam sua atenção para
as questões que são levantadas nos tópicos desenvolvidos nesta tessitura,
configurando-se em uma pesquisa bibliográfica.
De antemão, vale salientar que a temática abordada serve de
objeto de estudo e reflexões acadêmicas para estudiosos de renome de
âmbito nacional como Fiorin (2006) quando fala a respeito da linguagem,
Rojo (2012), pioneira quando o assunto é multimodalidade, ou
propriamente os multiletramentos e Soares (2003) grande nome de
pesquisas voltadas para o letramento, além disso, em campo
internacional se tem Vieira (2015) e Silvestre (2015) quando dão suas
contribuições na obra Introdução à Multimodalidade. Assim, são esses
nomes, reféns das aspirações teóricas elaboradas, que discutem as
manifestações da linguagem e suas particularidades dentro das esferas
educacional e social.
Parecer inicial à multimodalidade
“No que se refere à multiplicidade de linguagens, modos ou
semioses nos textos em circulação, ela é bastante evidente...
é o que tem sido chamado de multimodalidade ou multis-
semiose de textos contemporâneos, que exigem multiletra-

85
DNA Educação

mentos. Ou seja, textos compostos de muitas linguagens (ou


modos, ou semioses) ” (ROJO,2012. p.18-19).
Nas últimas décadas têm havido mudanças significativas no que
se refere a forma pela qual a sociedade se comunica e informa. Vive-se
um momento bastante dinâmico que requer dos cidadãos acompanhar
as transformações que ocorrem a cada instante, como resultado de uma
prática humana que busca sempre inserir-se no contexto sociocultural
dominante.
O advento da tecnologia permitiu que houvesse uma grande
demanda das mais diversas manifestações das linguagens, configurando-
se nos denominados gêneros textuais, esses que servem de pontapé para
o processo discursivo e o despertar para a formação de uma consciência
crítica a partir de textos multimodais que dão abertura para o diálogo e
interação entre sujeitos leitores e produtores de conhecimentos.
Desde a segunda metade dos anos 80 do século XX, se tem
voltado olhares, a nível de Brasil, para a questão do letramento, via-se
que simplesmente a alfabetização, não era um trabalho eficaz e
significativo, precisava de algo que pudesse dá sentido naquilo que
ensinava e “aprendia”. Soares (2003) relata que nos Estados Unidos e na
Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse dicionarizada desde o final
do século XIX, mesmo assim, só na década de 80 se começa a ter
destaque no campo da educação e linguagem.
A chegada dos anos 90, adentra com revoluções tecnológicas e
discussões acaloradas a respeito de qual seria uma educação mais
adequada para um momento de grandes transições na sociedade,
ocasionado o enriquecimento das práticas discursivas dentro das
diferentes esferas sociais e culturais valorizadas ou não. 4
Então, se tem um tempo de reconfiguração da linguagem, o
processo dialógico se estende a diversos meios, pondo em evidência a
enchente diversificada de textos ou gêneros multimodais ou
propriamente, referindo-se, à multimodalidade.

4Discussão levantada pelo Grupo de Nova Londres _ GNL em 1996, em uma semana de debate
em Nova Londres, onde ao final, houve a publicação de um manifesto intitulado A pedagogy of
Multiliteracies – Designing Social Futures, tal pedagogia afirma a carência de uma escola que
atenda as demandas sociais diante dos letramentos que surgem nos dias que correm.

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DNA Educação

A linguagem é um produto da ação humana diante da


necessidade de se comunicar com outros sujeitos falantes, com ela, há a
possibilidade de transmitir e receber informações de modo interativo e
colaborativo _ uma tática dinâmica entre os interlocutores, havendo
produção da prática discursiva, onde hoje, é “alimentada pela internet,
considerada uma ferramenta contemporânea poderosa tanto para o
trabalho, como para o lazer e para o estímulo às relações sociais”, Vieira
(2015). Diante disso, se pode perceber que a forma como as pessoas se
comunicam (a construção do discurso) ganhou um novo formato, tendo
como veículo um espaço virtual. Vieira (op.cit) em Poster (1996) salienta
que o discurso está propício a trocar de mídia, denominado de
reconfiguração, incluindo-se a participação da multimodalidade através
de múltiplas semioses.
Notoriamente, a manifestação da linguagem, nos dias que se
passam, não é tida ou construída em meras produções da palavra escrita,
mas sim recheada de imagens, cores, símbolos, gráficos, os quais trazem
consigo, grande valor e significado, assim, são vários os meios de como
a língua pode se materializar.
Rojo (2012) revela que existem novas ferramentas de acesso à
comunicação e à informação e de agência social, que acarretam novos
letramentos de caráter multimodal ou multissemiótico. A gama de textos
multimodais traz consigo grande valor significativo, pois em circulação
social, muitas vezes postulam em suas mensagens, reflexões sociais sobre
o mundo referente a objetos de cunho coletivo que remetem à estrutura
da sociedade, de forma crítica.
No intuito de despertar o senso-critico, é pertinente dá abertura
para o evento do discurso em sala de aula, por meio da análise crítica das
mensagens que estão presentes em textos de múltiplas linguagens,
carregadas de significados diversos. Referente a isso, é necessário induzir
um ensino de LP, por exemplo, como um veículo de condução do
conhecimento do ser humano, assim por meio da linguagem, é possível
transformar os estudantes em sujeitos críticos, reflexivos e inacabados
sob sua condição existencialista enquanto produtores de saberes.
Vieira (2015) afirma que cada vez mais o evento discursivo é
mediado por diferentes tecnologias é, do mesmo modo, objeto de nova

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DNA Educação

representação, ao que denominados reconfiguração ou recontextuali-


zação do discurso
A palavra, segundo Fiorin (2006), dialoga com outras palavras,
constitui-se a partir de outras palavras, está rodeada de outras palavras.
Logo, diante da colocação do teórico, pode-se perceber que há uma forte
presença da semiose, dando diferentes significações e produzindo
sentido de uma palavra dentro de um determinado gênero textual que
não só traz palavras, mas imagens, símbolos e pistas tipográficas que
atribuem sentido ao texto e aquilo se ler.
A mescla de imagens e palavras faz com que a realidade seja
mediada pela linguagem, sendo que o real se apresenta para nós sempre
semioticamente, ou seja, linguisticamente (FIORIN, 2016, p.19).
Tecnologia, linguagem multimodal e ensino
No campo da educação é imprescindível pensar em ensino, sem
mencionar o usufruto de ferramentas tecnológicas que colaboram para o
processo de ensino-aprendizagem, uma vez que na sociedade atual, se
tem inúmeros aparatos tecnológicos, os quais detêm a (re)
contextualização das manifestações das linguagens em suas diferentes
esferas de veiculação em uma era dita digital.
O advento da tecnologia foi como uma porta de entrada para
que pudesse ter a materialização de linguagem multimodal, exemplo
disso, são os gêneros textuais que circulam em redes sociais, os quais
propiciam a comunicação, logicamente, tendo a produção de discurso
que circundam nas redes globais da tecnologia.
Ao encontro disso, Vieira (2015) define que os sistemas de
comunicação eletrônica são considerações linguagens determinantes na
vida dos sujeitos e dos grupos sociais, claro que, em distintos espaços
sociais de comunicação que são cenários da reprodução do discurso
mediado pelo caráter interacionista entre os sujeitos.
Frente a linguagem multimodal e o uso da tecnologia é preciso
se ter experiências e atividades para que se possa criar mecanismos de
livre acesso a interagir em fóruns, chats, discussões por meio de
máquinas conectadas à rede de internet que dão porta de passagem para
um mundo de múltiplas representações e significados por meio da
multimodalidade, nesta perspectiva, Bettega (2005) comenta que o uso

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DNA Educação

de tecnologia no ensino não deve se reduzir apenas à aplicação de


técnicas para operar máquinas, mas que haja reflexão sobe a finalidade
da utilização de recursos tecnológicos nas atividades de ensino.
Com os recursos tecnológicos teve a publicação de textos que
hoje se encontram à deriva, eles estão soltos e carregados de assuntos
inesperados pelo leitor, os quais tratam de temas que “cutucam” as
entranhas de uma sociedade cicatrizada por grandes mazelas sociais,
como a desigualdade e zonas de conflitos no campo da política, através
de uma linguagem multimodal que permite a interpretação e represen-
tação de diferentes contextos sociais e comunicativos, onde tem o surgi-
mento de temáticas inesperadas.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs,1998) da Língua
Portuguesa, propõe o usufruto de gêneros textuais como objeto de
ensino para a prática de leitura, de produção e sugerem o lugar do texto
oral e escrito como concretização de um gênero, nesse sentido, antes de
trabalhar o desconhecido é importante ativação dos conhecimentos
prévios do que vai abordar o texto.
Segundo Morin (2000) fala que quando o inesperado se
evidencia, é preciso ser capaz de rever as teorias e ideias, em vez de deixar
o fato do novo entrar à força, ou seja, mesmo diante de tantas
propagadas pela demanda tecnológica por meio da linguagem, haverá
sempre a rejeição daquilo que é apresentado e exposto, afinal as
manifestações tecnológicas é um produto humano e, é também, do
caráter desse rejeitá-la.
A charge como reflexão social pela linguagem multimodal
O gênero textual charge é bem difundido por entre a cultura
comunicação e informação, estando presente principalmente vinculadas
a jornais impressos e mídias digitais, onde normalmente predomina o uso
da linguagem verbal e não verbal. Seu conteúdo é recheado de críticas
inerentes à sociedade. Corriqueiramente, finca-se ao texto o tema política
como alvo de materialização em seu conteúdo e diante da excelência com
tom humorístico que dá conta do discurso ideológico que o gênero
textual carrega.
Conforme Perez (2018):

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DNA Educação

A charge é um tipo de ilustração que geralmente apresenta


um discurso humorístico e está presente em revistas e
principalmente jornais. Trata-se de desenhos elaborados por
cartunistas que captam de maneira perspicaz as diversas
situações do cotidiano, transpondo para o desenho algum
tipo de crítica, geralmente permeada por fina ironia.
Com a linguagem multimodal, há a representação no discurso,
junto a uma sociedade cada vez mais informada e em redes de
propagação da informação, adepta de diversas ferramentas de cunho
tecnológico, o que permite a metamorfose da linguagem, dando
múltiplos modos de manifestação.
Os textos, de teor modal, trazem grande contribuição para que
haja uma forte crítica e produção de sentido que façam os consumidores
(do texto) de leitura refletir sobre as diversas temáticas que inquietam as
organizações sociais, a exemplo do gênero textual charge, a seguir:

Figura: 1

Fonte: http://desigualdadeinbrasil.blogspot.com.br/
A charge apresenta um retrato de um país onde o que predo-
mina é a distribuição desigual de renda, gerando um abismo social entre
as classes sociais favorecidas e desfavorecidas pelo modelo de sociedade
dominante.
Com uma análise detalhada com esse gênero multimodal que é
a charge, pode fazer a interpretação de diversas linguagens, como
exemplo a diferença da fala que o homem e mulher utilizam para se
comunicarem com seus filhos, enquanto uma é parte de uma língua culta,
a outra é detentora de uma linguagem coloquial, onde se lê claramente

90
DNA Educação

do registro linguístico de “FIO” ao invés de “FILHO”, pronunciado pela


mulher.
Os trajes são reveladores da condição social que cada um
ocupa, levando o leitor a reafirmar que ideia de desigualdade social
dominante em sociedade. Ainda, se pode valer da linguagem não-verbal
para realizar a diferenciação da posição social que cada personagem
ocupa. Um dos garotinhos ganha um “I-PAD”, enquanto o outro vai lá
“I PEDI”, com essas duas expressões se tem uma aproximação fono-
lógica, o que pode até causar um certo humor no leitor. Obviamente, a
criança que ganha o I-PAD, tem acessibilidade à escola e tem, talvez, seu
futuro garantido, com o usufruto de ferramentas da comunicação e
informação que é o recurso tecnológico que acabara de ganhar; do outro
lado, um futuro incerto, sem boas perspectivas de vida, uma pobre
criança às margens da vulnerabilidade social.
Com a charge, percebe que há a possibilidade da produção de
um discurso mediado pela linguagem multimodal do gênero e por
diferentes tecnologias é, do mesmo modo, objeto de nova representação,
ao que denomina-se de reconfiguração ou recontextualização do
discurso, fato que agrega cada vez a complexidade a essas representações
(VIEIRA, 2015), no caso do gênero textual tratado acima, há a
predominância de um discurso embasado na desigualdade social, onde
não tem textos enormes, mas pela junção de elementos verbas e não-
verbais se tem a construção lógica para o entendimento da temática.
Figura: 2

Fonte: https://www.portalodia.com/blogs/jotaa/charge-dilma-permanece-resistente-aos-
ataques-contra-o-seu-governo-244763.html

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DNA Educação

A charge retratada na figura 2 traz um momento de luta e


resistência do governo Dilma, período antes de sofrer o impeachment.
No gênero charge acima tem a presença de letras garrafais na cor
vermelha, anunciando o grito de guerra: FORA DILMA, enquanto de
um lado, tem um oftalmologista, do outro a ex-presidente com sério
problema de visão (fictício), onde ela insiste em dizer: F-I-C-A D-I-L-
M-A! Logo, tem uma implícita informação de uma presidente que lutou
até onde pode para permanecer no seu cargo na condição de
administradora do Brasil. A cor vermelha servira propositalmente para
alertar o caso da busca incansável de derrubar o governo.
Ao abordar a linguagem multimodal, não se deve, inadequa-
damente, ter a ideia de que essa é apenas a agregação de linguagens, mas
como conforme Rojo (2012) a interação da entre linguagens diferentes
em um mesmo texto, como a charge acima retratada.
As charges enquanto gênero textual com a presença de elemen-
tos verbais e não- verbais estabelecem um meio para que ocorra a
construção de sentidos e, é nesta linha que se tem os fundamentos da
multimodalidade. Conforme Rocha (2012), em sua tese, as imagens estão
se encarregando de certas funções anteriormente desempenhadas pela
linguagem verbal.
Gêneros multimodais e o discurso na sala de aula: contribuições
para a formação crítica
Seja em qual for o componente curricular, principalmente em
língua portuguesa, usar textos de diferentes gêneros permite um
entendimento e conhecimento mais amplos de uma dada temática, o que
estabelece a construção de uma consciência crítica do leitor, a partir de
da leitura de gêneros multimodais.
Buscar desenvolver a habilidade de leitura crítica em sala de
aula, torna-se favorável para o afloramento intelectual do estudante, o
conduzindo para tomadas de decisões certas tanto no âmbito social e
quanto no linguístico. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs,
1998) de Língua Portuguesa apontam para a discussão sobre a criticidade
na formação do leitor, que esse não seja um mero decodificador de
mensagens, mas que discutam sobre elas.

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DNA Educação

Para se falar em gêneros multimodais é pertinente buscar


entender o conceito do termo gênero, o que serve de pontapé para
compreender a função social de cada texto em circulação social que se
tem. Em nota histórica, Fiorin (2006) comenta que “desde a Grécia, o
Ocidente opera com a noção de gênero. Ele agrupa os textos que têm
características e propriedades comuns. Assim, os gêneros são tipos de
textos que têm traços comuns. ”
Silvestre (2015), em leituras teóricas em Halloran (2004),
apresenta que o gênero, em conceito, traz nuances na sua formulação em
consequência de perspectivas resultantes dos enquadramentos teóricos
sob o qual o conceito é estudado.
Ainda, em Silvestre (op.cit), “a abordagem da Gramática
Sistêmico-Funcional e Semiótica Social ao gênero segue a perspectiva da
função dos textos nos múltiplos contextos”. Os textos permitem a
exposição de sentimentos através da palavra escrita que geram
enunciados, onde diversos contextos podem acontecer, desde os mais
simples aos mais complexos temas que neles são abordados, atendendo
a finalidades específicas e direcionadas que impulsionam a construção do
discurso mediado pelos textos, possibilitando a formação crítica de seus
leitores.
O texto multimodal é, por conseguinte, conforme Silvestre
(op.cit), uma unidade de significação, constituída pelos recursos
semióticos dos diversos sistemas escolhidos pelo produtor de texto, num
contexto de situação, para determinados fins comunicativos.
Na escola, com a chegada da tecnologia mais avançada,
possibilitou o acesso à informação de forma mais rápida e facilitada,
facilitando e alterando a maneira como as pessoas outrora obtinham e
produziam novos conhecimentos.
Ribeiro (2012) ressalva que
Na década de 1990, com a difusão de navegadores com
interfaces gráficas, ou seja, desenhados para o uso de pes-
soas pouco ou nada especializadas, as máquinas entraram na
vida dos cidadãos comuns e discussão de sua aplicação em
instancias como a escola, por exemplo, tornou-se a escola.

93
DNA Educação

Configura-se, então, uma sociedade informatizada, onde tem a


postura de um novo leitor ou do leitor em uma era da “textualidade
eletrônica” em que palavras, imagens, gráficos, sons produzem a
multimolidade em suas multissemioses.
O usufruto de textos multimodais em sala de aula contribui
justamente para tornar possível a capacidade crítica dos estudantes frente
a uma sociedade “congestionada” de informações, principalmente os
vinculados à rede de internet.
Fiorin (2006), na obra Introdução ao pensamento de Bakhtin,
postula que
Os gêneros são meios de apreender a realidade. Novos
modos de ver e de conceptualizar a realidade implicam o
aparecimento de novos gêneros e a alteração dos já
existentes. Ao mesmo tempo, novos gêneros ocasionam
novas maneiras de ver a realidade.
Há a predominância linguística de diferentes gêneros textuais,
em suas infinitas formas de materialização e suas diversas finalidades,
percebe-se que a navegação textual põe à deriva textos que emergem em
um continente de múltiplas semioses, cabendo ao leitor distintas
compreensões, que embora estejam à deriva, há um ponto fixo a
depender de sua finalidade e intenção comunicativa, bem como seus
destinatários.
A formação critica exige que haja o respeito da diversidade de
opinião que possa surgir em sala de aula, pois sabe-se que o ambiente
escolar é um lugar propício para o debate social, ou seja, haverá o
processo dialógico. Assim, conforme Albuquerque (2013), a
dialogicidade e eticidade devem caminhar juntas para evitar-se a
transgressão ética ou para superá-la. Aprender a pensar certo, exercitar o
bom-senso, é uma das exigências para a concretização de uma prática
educativa emancipadora.
Do ponto de vista teórico, o discurso é todo e qualquer situação
que envolva comunicação, esse discurso é gerado e conduzido peça
demanda das manifestações de linguagens em suas distintas culturas. O
discurso, logo, é capaz de incorporar e acompanhar as mudanças na
linguagem, dentro de uma perspectiva linguística, por meio “de um

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DNA Educação

hibridismo intertextual e interdiscursivo presente em elementos recon-


textualizados que estabelecem novas articulações discursivas, às quais
adjungem outros elementos de discursos já existentes” (VIEIRA, 2015).
Considerações finais
Diante as linhas tecidas, ver-se que a multimodalidade é um
tema instigante e proporcionador de indagações que leva a considerar
que a linguagem multimodal revela uma sociedade tomada por textos
diversos. A multimodalidade tem suas origens na Pedagogia dos Multile-
tramentos e essa aborda o meio pelo qual a sociedade globalizada
comunica e informa.
Existe na sociedade atual a circulação de diferentes gêneros
textuais (impressos e eletrônicos) que permitem a produção de novos
saberes pela leitura crítico-discursiva em sala de aula. Com a diversificada
movimentação de textos parece-nos que eles estão à deriva e acabam
formando, em amplitude, um continente de multissemioses, onde pode
haver a reprodução de linguagens múltiplas.
A reflexão tida no texto, pôs em evidencia a análise do gênero,
de cunho multimodal, charge, na qual tem a presença marcante de uma
linguagem multimodal pela presença de imagens, não só por isso, mas
também pela temática abordada que leva o leitor a criar diferentes
interpretações pela linguagem visual reveladora de contrastes sociais que
estão em ascensão nos dias que correm.
O conhecimento é algo construído a partir da realização de
leituras, por meio dessas experiências, o leitor dialoga com textos e
percebe que as relações humanas estão interligadas. Como visto, nos
PCNs (1998), o leitor não deve só decodificar, mas ir além disso,
portanto haverá a formação crítica, principalmente no ambiente escolar.
O domínio do texto em seus contextos permite lhe dar com
diferentes e novas tecnologias de interação à luz das práticas letradas e
contextualizadas às mudanças sociais que se tem hoje.

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DNA Educação

Referências
ALBUQUERQUE, Targelia de Souza. Paulo Freire: ontem e hoje:
textos e contextos. Recife: Prazer de Ler, 2013.
BETTEGA, Maria Helena Silva. A educação continuada na era
digital. São Paulo: Cortez, 2005.
BRASIL, Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Brasília - MEC/SEF, 1998.
FIORIN, José Luiz: Introdução ao pensamento de Bakhtin. São
Paulo: Ática, 2006.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São
Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO, 2000.
PEREZ, Luana Castro Alves. "Charges"; Brasil Escola. Disponível em
<https://brasilescola.uol.com.br/redacao/charges.htm>. Acesso em 12
de maio de 2018.
RIBEIRO, Ana Elisa. Novas tecnologias para ler e escrever –
algumas ideias sobre ambientes e ferramentas digitais em sala de
aula. Belo Horizonte: RHJ, 2012.
ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (orgs.). Multiletramentos na
escola. São Paulo: Parábola, 2012.
SOARES, Magda. Letramento e alfabetização: as muitas facetas*
Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Alfabetização, Leitura
e Escrita (2003).
SILVESTRE, Carminha; VIEIRA, Josenia. Introdução à
Multimodalidade: Contribuições da Gramática Sistêmico-
Funcional, Análise de Discurso, Crítica, Semiótica Social. Brasília,
DF: J. Antunes Vieira, 2015.
ROCHA, Harrison da. Um Novo Paradigma de Revisão de Texto:
Discurso, Gênero e Multimodalidade. Universidade de Brasília (UnB)
Instituto de Letras (IL) Departamento de Linguística, Português e
Línguas Clássicas (LIP) Programa de Pós-graduação em Linguística
(PPGL). Doutorado em Linguística. Brasília, DF. 2012.

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DNA Educação

PERSPECTIVAS DA ACESSIBILIDADE E
INCLUSÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA NAS
UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS DA
ÓTICA DE SEUS SÍTIOS E BIBLIOTECAS
Cládice Nóbile Diniz 1
Josiane Braz de Assis2
Leon Diniz Alves3
RESUMO:
Apresenta alguns ditames legais básicos vigentes da acessibilidade
informacional e tecnológica à pessoa com deficiência ou com mobilidade
reduzida. Objetiva levantar o panorama das universidades federais brasileiras
a partir das informações em seus sítios na internet sobre os recursos para a
promoção desses direitos. A metodologia exploratória foi quantitativa, com
fim descritivo e meios bibliográfico, documental e participante. Verifica que
a grande maioria dessas instituições buscou se adequar, porém oferece
poucos recursos. Conclui sugerindo que a dinâmica de melhoria que se nota
pode trazer inovações sociais.
Palavras-chave: Acessibilidade Informacional; Pessoa com Deficiência;
Universidade Federal; Inovação Social.
ABSTRACT:
It presents some basic legal precepts of information and technology
accessibility to the person with disability or with reduced mobility. It aims to
raise the panorama of the Brazilian federal universities from the information
on its websites on the resources for the promotion of these rights. The
exploratory methodology was quantitative, with a descriptive purpose and
bibliographical, documentary and participant researches. It verifies that the
vast majority of these institutions have sought to adjust, but it offers few
resources. It concludes by suggesting that the dynamics of improvement
noted can bring social innovations.
Keywords: Informational Accessibility; Person with Disability; Federal
University; Social Innovation.

1 Doutora em Ciência da Informação, Professora da graduação e do Programa de Pós-Gradu-


ação em Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO.
2 Mestranda em Biblioteconomia, bibliotecária da Universidade Federal Fluminense – UFF.
3 Doutorando em Biologia Computacional e Sistemas, Professor do Centro Federal de Educação

Tecnológica Celso Suckow da Fonseca - CEFET/RJ

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DNA Educação

Introdução
O espaço em que se vive no dia a dia está em contínua
transformação pelo ser humano, com surgimento de muitos recursos
vantajosos, seja novo artefato ou obra, seja uma mudança nos arranjos e
serviços. Observando os de uso coletivo ou público, percebe-se que são
pautados por dimensões que atendem uma parcela da população, porém
sem plena consideração de que devam atender às características de todos
os indivíduos. Com isso, algumas pessoas, devido a suas condições
específicas, não podem usufruí-las. Ou até mesmo, sequer terem a seus
alcances essas vantagens. Em cada uma dessas situações se pode dizer
que lhes está ocorrendo uma oferta de recursos inadequados e que essa
inadequação torna suas atuações não tão eficientes como essas pessoas
podem conseguir, caso suas condições fossem levadas em conta.
É com esse raciocínio que o modelo social de abordagem da
questão das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida opera,
de que a deficiência não está na pessoa, em sua condição em si, mas no
meio sem adequações necessárias, o que lhe cria barreiras, por não estar
com as condições adequadas, tal que lhe permita atuar de forma
autônoma e segura. A ótica atual supera as precedentes: a médica, de a
deficiência estar na pessoa, e a do estigma, da deficiência ser característica
da pessoa. Esse olhar emergiu das pressões de agendas políticas globais,
intensificadas nas três últimas décadas, e levou à promulgação da Lei no
13.146, em 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Pelo seu
art. 2o, para fins de direitos que estabelece, denominam-se pessoas com
deficiências àquelas com impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, que não lhes permite participação plena
e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas,
estendendo os direitos também às pessoas com mobilidade reduzida,
ainda que estas sejam pessoas sem deficiência (BRASIL, 2015).
A Lei n. 13.146/15 acima citada, em seu art.3º item IV, explica
que os direitos de que trata são relativos à participação social da pessoa,
à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à
comunicação, ao acesso à informação, à compreensão e à circulação com
segurança (BRASIL, 2015).

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DNA Educação

As leis e as normas vigentes, destacadamente desde 2009, consi-


deram que a sociedade deve ser proativa na busca de características
universais de acessibilidade e inclusão nos ambientes, instalações e
serviços, de uso público ou privado de uso coletivo, onde quer que
estejam situados, tanto na zona urbana como na rural (BRASIL, 2009 e
2015).
A mesma Lei n. 13.146/15, em seu art. 3o item I, destaca que seus
termos se aplicam à acessibilidade da pessoa com deficiência para que
lhe seja propiciado condições de ter a seu alcance a possibilidade de usar
com segurança e autonomia os serviços e instalações abertos ao público,
tais como espaços, mobiliários, edificações, transportes, informação e
comunicação. E, em seu art.3º item IV, os serviços e instalações de uso
público e os privados de uso coletivo, inclusive seus sistemas e
tecnologias, não devem apresentar qualquer entrave, obstáculo, atitude
ou comportamento que possam impedir ou limitar o exercício dos
direitos da pessoa com deficiência e/ou com mobilidade reduzida e
destas se valerem e aproveitarem esses recursos e ambientes. O que limita
ou impede o direito é tratado como sendo uma barreira, que é tipificada
como urbanística; arquitetônica; em sistemas e meios de transportes; nas
comunicações e na informação; atitudinal; e tecnológica (BRASIL, 2015).
Refletindo sobre essas exigências e a situação real presente no
mundo cotidiano, percebe-se que a acessibilidade é um processo
contínuo, “um sendo” - algo em incessante elaboração - e caminho para
a inclusão plena.
Os serviços e instalações abertos ao público tanto se referem
aos físicos como aos virtuais. Assim sendo os recursos dos sítios
eletrônicos4, de uso público ou privado de uso coletivo, como são
aqueles das instituições públicas, devem atender no que lhes concernem
aos ditames legais da acessibilidade, segundo a legislação e normativas
que lhes são pertinentes. Entre estas, se destaca a Lei n. 12.527, de 18-
11-2011, que regula o acesso a informações de interesse público
independente de solicitações pelas pessoas (BRASIL, 2011).

4 Neste estudo, tem o mesmo sentido os termos sítio na internet (site), sítio eletrônico e sítio.

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DNA Educação

Essa Lei considera que essa oferta de informações caracteriza


uma instituição como mais ou menos transparente. No parágrafo 2 de
seu art. 8o, determina ser obrigatória a divulgação de informações de
interesse coletivo em sítios oficiais. No seu art. 63o, obriga que os sítios
da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial
no País ou por órgãos de governo, tenham acessibilidade para uso da
pessoa com deficiência, “garantindo-lhe acesso às informações
disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade
adotadas internacionalmente”, e seu parágrafo 1o, que os “sítios devem
conter símbolo de acessibilidade em destaque” (BRASIL, 2011).
Para garantir essa qualidade para os sítios eletrônicos das
instituições do governo federal foi desenvolvido o Modelo de
Acessibilidade em Governo Eletrônico (eMAG) (BRASIL, 2014). O
eMAG é uma versão especializada do documento internacional WCAG
(Web Content Accessibility Guidelines: Recomendações de Acessibilidade
para Conteúdo Web) voltado para o governo brasileiro, incluindo as boas
práticas propostas pelo guia original (BRASIL, 2014).
A criação do eMAG deveu-se ao governo compreender a
inclusão digital como caminho para a inclusão social e que Internet vem
revolucionando as formas de comunicação, de acesso à informação, pelo
seu potencial para atingir instantaneamente um grande número de
pessoas. A inacessibilidade de sítios eletrônicos exclui uma parcela
significativa da população brasileira do acesso às informações veiculadas
na internet, tendo o eMAG o compromisso de ”ser o norteador no
desenvolvimento e a adaptação de conteúdos digitais do governo federal,
garantindo o acesso a todos. ” (BRASIL, 2014, p.7).
Entre os inúmeros órgãos públicos, encontram-se as
universidades federais. Elas têm personalidades jurídicas próprias, cada
uma sendo criada por lei específica e vinculada ao Ministério da
Educação, integrando a administração pública indireta (BRASIL, 2012).
Porém, não basta seguir as diretrizes do eMAG em seus sítios na internet.
Por transparência, devem informar sobre os recursos de acessibilidade
que oferecem, sobre seus órgãos de promoção da acessibilidade e
atividades de interesse das pessoas com deficiência (PcD). Como essas
instituições se encontram quanto a essas determinações?

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DNA Educação

Com o objetivo de se responder essa questão, se propôs estudar


seus sítios eletrônicos quanto às ofertas de informações sobre a
acessibilidade nos campus e sobre recursos de acessibilidade do próprio
sítio. Ambos os assuntos são açambarcados em acessibilidade
informacional pela Ciência da Informação, área que inclui a
Biblioteconomia, o que sugeriu investigarem-se também as informações
sobre suas tradicionais provedoras, as bibliotecas universitárias.
A pesquisa se justifica até pelo total de público que as
universidades federais atendem, pois os resultados da atenção à
acessibilidade nas instituições abertas ao público são usufruídos
diretamente pelas pessoas que frequentam seus ambientes. Para
esclarecer a importância, comenta-se que essas organizações, somente
com as vagas reservadas na graduação para a ocupação discente e as
vagas ocupadas pelos docentes e funcionários técnico-administrativos
em exercício de cargo ou que podem retornar de afastamento, contavam
em 2016 receber 1.287.997 pessoas (INEP, 2017).
Metodologia
A investigação foi elaborada por metodologia exploratória com
fins descritivos, por meio de estudo bibliográfico, documental e
participante.
O objeto da pesquisa foram as 63 universidades federais
brasileiras, que são indicadas no quadro 1 segundo se situam nas grandes
regiões do país.

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DNA Educação

Quadro 1 – Distribuição das universidades federais s segundo as grandes regiões


brasileiras

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do INEP (2017)

Essas instituições de ensino superior foram pesquisadas quanto


às informações disponibilizadas em seus sítios eletrônicos.
Os dados oferecidos nos sítios, na literatura especializada, na
legislação e normativas sobre acessibilidade e também os coletados da
observação participante compuseram o universo da pesquisa. Foi

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DNA Educação

selecionada uma amostra relativa às variáveis da pesquisa, que são


descritas adiante. O tratamento dos dados foi quantitativo.
A Coleta e o tratamento de dados
A operacionalização da pesquisa partiu da premissa de que as
universidades federais devem promover a acessibilidade e apresentar
com transparência ao público em seus sítios da internet informações
sobre os recursos que oferecem nessa promoção. A oferta de informação
deve ser clara, objetiva e espontânea, sem necessidade de requerimentos
e/ou preenchimento de formulários, enfatiza Monteiro (2014). Porém,
caso se tenha em vista o número de indivíduos do público externo
possível de acessar aos sítios de qualquer uma delas, resultará que é igual
ao da população brasileira, sem variação entre as universidades.
Focalizando-se o público interno composto pelos estudantes,
docentes e funcionários técnico-administrativos possíveis de serem
atendidos pelos benefícios decorrentes da instituição dar atenção à
acessibilidade, encontram-se variadas situações, razão pela qual se
escolheu essa parcela para o universo da pesquisa. Para a amostra,
considerou-se a população formada pela discente possível de ser
atendida nas vagas dos cursos de graduação somada à dos docentes e
funcionários técnico-administrativos em exercício de cargo ou em
afastamento.
Explica-se que não se considerou o número de pessoas com
deficiência como indicador e sim, o total de pessoas com provável
passagem pelo espaço da universidade federal considerada devido ao
entendimento atual da questão da acessibilidade, que é bem expresso no
art. 3o item I da Lei n. 13.146/15 (Brasil, 2015), onde se lê que os recursos
de uso comum e/ou os que são ofertados de forma genérica a um
coletivo devem ser oferecidos de modo que o ambiente resultante atenda
a todos5.

5Por esse raciocínio, os recursos das universidades federais de uso comum de seu coletivo
devem ser acessíveis a todos que dela participem ou que dela venham a participar, sejam
pessoas com ou sem deficiência. Nesse sentido, o número de pessoas que trafegam por um
espaço pode ser tomado como indicador da importância da adequação de um espaço em relação
aos de outros locais.

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DNA Educação

As variáveis para propiciar elementos de comparação relativa


entre as dimensões que a questão da acessibilidade toma entre as univer-
sidades federais e comprovar a importância da pesquisa são a “Quanti-
dade de universidades federais (por grande região brasileira)”; e
“Quantidade de indivíduos da amostra, calculado pelo total de vagas para
estudantes nos cursos de graduação e de vagas docentes e de
funcionários técnico-administrativos em exercício de cargo ou
afastamento nas universidades federais (por grande região)”. Os seus
dados foram coletados na Sinopse Estatística da Educação Superior 2016
(INEP, 2017).
As variáveis para aferir a existência de informações sobre
mecanismos de superação de barreiras nos sítios das universidades
federais foram propostas para dois tipos de barreiras selecionadas para
se investigar: referentes às informações; e as tecnológicas.
No primeiro caso, das barreiras nas informações, pesquisou-
se a oferta ou ausência de informações nos sítios sobre a promoção da
acessibilidade nos campus, operacionalizando-se com as seguintes
variáveis: (a) “Quantidade de órgãos para a promoção da acessibilidade,
como comissões, núcleos e laboratórios de acessibilidade e/ou inclusão,
evidenciados por informações no site, pesquisados pela palavra-chave
Acessibilidade”; (b) “Quantidade de bibliotecas universitárias que a
universidade federal possui, segundo informações de seu sítio”; e (c)
“Quantidade de tipos, evidenciados por informações no sítio, de
recursos acessíveis para o conhecimento e/ou sobre acessibilidade e/ou
recursos tecnológicos para viabilizar o acesso aos conteúdos do sítio”.
Esta última refere-se aos recursos acessíveis para o conheci-
mento como, por exemplo, textos em braile e vídeos em libras; e/ou
recursos sobre acessibilidade, como publicações para o assunto; e/ou
recursos tecnológicos para viabilizar o acesso aos conteúdos do sítio,
como links para acesso a aplicativos para leitura de texto em português
escrito. Para ela, o parâmetro selecionado foi do link que oferta o recurso

Alerta-se que esse indicador não pode ser utilizado como elemento único nas tomadas de
decisão sobre espaço a ser priorizado em adaptações quando está em jogo a aplicação de um
montante limitado de recursos. Nessas situações, que são as mais comuns, recomenda-se
adotar um conjunto de indicadores e regras para auxílio decisório. Outros indicadores podem
ser o prazo de consecução da adaptação, ordem da emergência da solução e custo da
adaptação etc.

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DNA Educação

ser considerado uma unidade, uma vez que o interesse é entender o


acesso às informações e serviços de acessibilidade. Assim, diferentes
materiais ofertados em uma página compõem uma única unidade para
efeito da análise. Porém, se o material está organizado em diferentes links,
a cada um considera-se uma unidade, pois, em geral, cada página remete
a diferentes locais das instituições.
O que se pode destacar dessas unidades de análise é que cada
uma indica que há um ponto de divulgação de informações, materiais e
serviços voltados para a acessibilidade.
No segundo caso, quanto às barreiras tecnológicas, a variável
é a “Quantidade de recursos tecnológicos de acesso oferecido pelos sítios
das universidades federais para acesso a seus conteúdos”. A sua escala
varia de zero a cinco, conforme a quantidade de ferramentas
computacionais encontradas, que podem ser as seguintes: “Aumento da
fonte”; “Contraste”; “Alto contraste”; “Teclas de Acesso”; e “VLibras”6.
Elas foram obtidas tratando-se dados coletados em Assis (2017) para fins
de parametrização da variável.
Para essas variáveis, considerou-se que cada elemento
encontrado no sítio de uma universidade federal valia 1 (um) ponto,
sendo o resultado final a somatória dessa pontuação. Quanto maior o
valor resultante, melhor está a situação de promoção da acessibilidade na
instituição.
Resultados e discussões
Os resultados do tratamento dos dados de pesquisa
bibliográfica quanto à quantidade de universidades federais e à
quantidade de indivíduos da amostra por grande região brasileira são
apresentados na tabela 1.
Verifica-se da distribuição que milhares de pessoas são
atendidas pelas universidades federais, destacando a importância da
promoção da acessibilidade e de adoção de transparência nas
informações de acessibilidade em seus sítios.

6VLibras é uma ferramenta computacional livre e gratuita que faz a versão do português escrito
para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).

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DNA Educação

Tabela 1 – Distribuição das universidades federais e da população da amostra por


grande região brasileira (2016)
GRANDE REGIÃO QUF1 QIA2
Sudeste 19 397.216
Nordeste 18 390.896
Sul 11 219.417
Norte 10 160.809
Centro Oeste 5 122.819
TOTAL 63 1.287.997
(1) QUF: Quantidade de universidades federais por grande região brasileira.
(2) QIA: Quantidade de indivíduos da amostra (Ver explicação no texto)
Fonte: Elaborado pelos autores com dados do INEP (2017).

Para aferição da existência de informações de mecanismos de


superação de barreiras nos sítios das universidades federais foi utilizado
inicialmente os dados coletados por pesquisa bibliográfica em Assis
(2017). Tratando-os, encontraram-se nos sítios de 48 universidades
federais informações sobre a existência de algum órgão de promoção da
acessibilidade. Entretanto, em outras 15 - quase um quarto do total - não
foram localizados. Nove destas estão localizadas nas regiões Sul e
Sudeste. Por se entender que a adesão das instituições a medidas de
transparência e de promoção da acessibilidade vinha intensificando
muito nos tempos recentes, notando-se no contexto pesquisado fortes
alterações, realizou-se uma coleta específica para essas 15 universidades
entre maio e junho de 2018, diretamente em seus sítios. Nos gráficos 1 e
2 apresentam-se as duas distribuições.

Gráficos 1 e 2 - Quantidade de universidades federais que divulgam em seus sítios


sobre a existência de órgão de promoção da acessibilidade

Fonte: Os autores, 2018.

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DNA Educação

Dos gráficos 1 e 2 verifica-se que em junho de 2018 o panorama


melhorou. Das 15 instituições da segunda coleta, em sete surgiram
informações nos seus sítios sobre órgãos de promoção da acessibilidade,
sendo a maioria do Sul e Sudeste.
Contudo, permanecem oito universidades federais sem que
nelas se encontrem informações sobre a existência de algum órgão
responsável pela promoção da acessibilidade. Não se pode afirmar que
tais setores não existam, apenas que, caso tenham e divulguem em seus
sítios, essa oferta de informação não foi eficaz a ponto de ser observada.
Elas situam-se, cinco no Sul e Sudeste e três no Centro-Oeste
e Norte. Observa-se que para o Nordeste, todas as universidades se
apresentam com setores de promoção da acessibilidade, sugerindo certa
prontidão de suas instituições para ações inclusivas, o que instiga a
recomendar-se acompanhá-las quanto a surgimento de inovações sociais.
Foram encontradas 36 diferentes denominações para os órgãos
responsáveis pela promoção da acessibilidade nas 56 universidades
federais, que são apresentadas no quadro 2.

107
DNA Educação

Quadro 2 – Denominações de órgãos ligados à promoção da acessibilidade e/ou


inclusão em universidades federais brasileiras

Fonte: Os autores, 2018.

Observa-se que a denominação de um órgão visa sinalizar entre


outros, o escopo das suas atribuições em uma organização, a forma de
sua tomada de decisão e seu alcance, a sua posição hierárquica na
estrutura organizacional e, sobretudo, o seu papel.
Tal leque de denominações para nominar um órgão de
promoção dos direitos à acessibilidade, por si sugere uma investigação
específica futura.
Compôs-se com os resultados das duas coletas e demais dados
da pesquisa o quadro 3 sobre a situação encontrada até 18 de junho de
2018 da oferta de informações de promoção da acessibilidade nos sítios
das universidades federais.

108
DNA Educação

Quadro 3 - Quantitativos nos sítios das universidades federais (dez. 2017 e jun. 2018)

Continua

109
DNA Educação

Continuação

QOA= Quantidade de órgãos de promoção da acessibilidade e/ou inclusão identificados no sítio.


QBIB= Quantidade de bibliotecas da universidade federal identificadas no seu sítio.
QTD= Quantidade de recursos acessíveis ou de interesse ou tecnológicos disponíveis no sítio.
QTR= Quantidade de tipos de recursos de acessibilidade no sítio.
Obs.: (*) O site não permite estimativa confiável. Em telefonema, obteve-se os valor indicado.
Fonte: Os autores (2018), a partir de Assis (2017) e próprios (2018).

O quadro 3, ao apresentar a distribuição das quantidades de


recursos, delineia um retrato das universidades federais segundo os
dados que se coletou para as variáveis da pesquisa.
Cruzando-se as variáveis, obteve-se que, a menos de um caso,
nas universidades em que não foi possível encontrar órgão responsável
pela promoção da acessibilidade, também não se encontraram
informações sobre recursos acessíveis para o conhecimento. E também
que as duas universidades que apresentaram mais de um órgão voltado
para a promoção da acessibilidade não se encontraram informações de
que oferecem mais recursos que as demais.
Considerando-se a quantidade de universidades que não tinham
nenhum tipo de recurso acessível para o conhecimento e/ou sobre

110
DNA Educação

acessibilidade ou tecnológicos para viabilizar o acesso aos conteúdos do


sítio, obteve-se por cruzamento o gráfico 3.

Gráfico 3 - Quantidade de universidades federais por número de recursos acessíveis


encontrados no sítio

Fonte: Os autores, 2018.

Verifica-se que nada foi encontrado nos sítios de 33 das


universidades estudadas. Considerando as outras 31, em 11 foram
encontradas uma unidade, em geral tratando-se de página com elementos
da legislação vigente. A instituição com 8 recursos acessíveis anotados,
curiosamente, não apresentava em seu site nenhuma informação de ter
órgão responsável pela promoção da acessibilidade. De uma forma geral,
os dados sugerem severa precariedade na oferta de recursos acessíveis
nas universidades federais.
Considerando-se a quantidade de universidades federais pelo
número encontrado de recursos tecnológicos para acesso aos conteúdos
de seus próprios sítios, isto é, para “acesso ao site”, os resultados
mostraram que há uma instituição em que não há nenhum recurso de
acesso indicado em seu sítio; 18 que oferecem um recurso, sendo na
maioria dos casos, o de Alto Contraste; outras 30 dispondo de dois
recursos; e 14, de três. O gráfico 4 ilustra a situação.
Os cinco tipos de recursos foram encontrados foram: Aumento
da fonte; Contraste; Alto contraste; Teclas de Acesso; e o software
VLibras. Verifica-se que a variedade de tipos encontrados é pequena.

111
DNA Educação

Gráfico 4 – Quantidade de universidades federais por número de recursos de acesso ao


sítio

Fonte: Os autores, 2018.

Analisando os resultados quanto às quantidades de bibliotecas


em universidades federais segundo a grande região em que estão
localizadas, obteve-se a situação apresentada no gráfico 5.

Gráfico 5 - Distribuição das quantidades de bibliotecas das universidades federais por


grande região

Fonte: Os autores, 2018.

Do gráfico 5, tem-se que no país há nas universidades federais


um total de 581 unidades de bibliotecas, incluindo-se as centrais apenas
administrativas. Analisando os dados, decidiu-se estudar os quintis da
distribuição decrescente das instituições segundo o número de
bibliotecas. Assim, para as 20% primeiras, - o primeiro quintil - 12
possuem 304 bibliotecas, o que representa mais de 50% do total.
Quatro dessas universidades encontram-se no Sudeste, com
117 bibliotecas, e cinco no Nordeste, com 100. As outras 50

112
DNA Educação

universidades federais restantes contam com 263 bibliotecas e as 12 do


último quintil possuem uma única biblioteca, a menos uma que apresenta
duas unidades.
Cruzando-se a variável quantidade de biblioteca com as outras
variáveis se destacou o caso de uma universidade com 13 bibliotecas e
que oferta em seu sítio três recursos para acesso, sem que se encontrasse
informação sobre órgão promotor da acessibilidade ou sobre recursos
acessíveis. Isso sugere que a ampliação dos serviços de informação nessa
comunidade universitária se pautou em aspectos instrumentais da oferta
de seus serviços aos que já os usufruíram, ficando em descompasso com
a parcela da sociedade à qual as deficiências impedem o acesso
informacional ou a sua fruição.
Considerações finais
O estudo pautou-se pelos ditames legais básicos vigentes de
obrigatoriedade de promoção ativa dos direitos à acessibilidade e de
transparência das informações sobre ela nas instituições públicas,
objetivando traçar um panorama da situação da acessibilidade informa-
cional e tecnológica à pessoa com deficiência ou com mobilidade
reduzida nas 63 universidades federais brasileiras.
Fundamentou-se para isso nas informações sobre a existência
de órgãos e recursos para a promoção desses direitos em seus sítios na
internet e verificou na pesquisa quantitativa ainda haver, em junho de
2018, sete em que não foram encontradas informações da existência de
algum órgão com essa finalidade ou de recursos acessíveis para o
conhecimento.
Sobre esta última situação citada, observa-se que ela também
ocorre em mais da metade das universidades estudadas, em um total de
33. Também na maioria, encontraram-se de dois a três recursos de acesso
ao sítio, poucos frente às possibilidades de adoção de ferramentas
computacionais livres e gratuitas.
Quanto às suas bibliotecas, tradicionais provedoras de
acessibilidade informacional, constatou-se haver universidades com
significativos complexos de bibliotecas e poucas informações sobre
acessibilidade em seus sítios, do que se pode concluir que nelas os
serviços de informação se expandiram por caminhos independentes

113
DNA Educação

daqueles dos direitos à acessibilidade informacional, servindo com mais


recursos aos que já usufruíam algum.
Esses resultados, de uma forma geral, sugerem severa
precariedade na oferta de recursos acessíveis nas universidades federais.
Entretanto, a perspectiva é otimista, de que essas importantes institui-
ções venham em curto prazo melhorar suas situações na busca de mais
inclusão, haja vista que também se perceberam que se movimentam por
adequação.
A ampla variação das denominações dos órgãos de promoção
de acessibilidade encontradas indica haver ainda uma dispersão em suas
formas de agir, mas com dinâmica de centralização e institucionalização
das frentes de ação nas universidades, o que pode levar a não apenas
uniformizá-los, bem como tornar seus serviços universais nessas
organizações.
Enfim, aponta que há um contexto dinâmico e propício para
um possível surgimento de inovações sociais nos locais que vem dando
atenção para prover acessibilidade apesar da dotação orçamentária
reduzida, ao que sugere atenção.

114
DNA Educação

Referências
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atendimento a pessoa com deficiência em bibliotecas
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA - UFU. Disponível
em: <https://www.ufu.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA - UFV. Disponível em:
<https://www.ufv.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE - UFAC. Disponível em:
<https://www.ufac.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ - UNIFAP. Disponível


em: <https://www.unifap.br/public/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM.
Disponível em:
<https://www.ufam.edu.br/> Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI- UFCA. Disponível em:
<https://www.ufca.edu.br/portal/>. Acesso em: 25 jun. 2018.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC. Disponível em:
<https://www.ufc.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO - UFES.
Disponível em: <https://www.ufes.br/>. Acesso em: 25 jun. 2018.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO - UNIRIO. Disponível em: <https://www.unirio.br>
Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO - UFMA.
Disponível em: <https://portais.ufma.br/PortalUfma/>. Acesso em:
29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA - UFOB.
Disponível em: <https://www.ufob.edu.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARÁ - UFOPA.
Disponível em: <https://www.ufopa.edu.br/>. Acesso em: 29 set.
2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA. Disponível em:
<https://portal.ufpa.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ - UFPR. Disponível em:
<https://www.portal.ufpr.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ - UFPI. Disponível em:
<https://www.ufpi.br/>. Acesso em: 29 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA -
UFRB. Disponível em: <https://ufrb.edu.br/portal/>. Acesso em: 29
set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ.
Disponível em: <https://ufrj.br/>. Acesso em: 30 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG.
Disponível em: <https://www.furg.br/>. Acesso em: 30 set. 2017.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE -


UFRN. Disponível em: <https://www.ufrn.br/>. Acesso em: 30 set.
2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL -
UFRGS. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/ufrgs/>. Acesso em:
30 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ –
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO -
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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO
JEQUITINHONHA E MUCURI - UFVJM. Disponível em:
<https://www.ufvjm.edu.br/>. Acesso em: 30 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF. Disponível em:
<https://www.uff.br/>. Acesso em: 30 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DA AMAZÔNIA – UFRA.
Disponível em: <https://novo.ufra.edu.br/>. Acesso em: 30 set. 2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO -
UFRPE. Disponível em: <https://www.ufrpe.br/> Acesso em: 30 set.
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2017.
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO -
UFERSA. Disponível em: <https://ufersa.edu.br/>. Acesso em: 30 set.
2017.
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ -
UTFPR. Disponível em: <https://portal.utfpr.edu.br/>. Acesso em: 30
set. 2017.

120
DNA Educação

EM BUSCA DO LETRAMENTO LITERÁRIO NO


PROGRAMA SÃO PAULO FAZ ESCOLA:
DESAFIOS À FORMAÇÃO DO LEITOR DO
TEXTO ARTÍSTICO1
Cleber Ferreira Guimarães2
RESUMO:
O texto objetiva identificar e analisar a presença do texto literário no
Programa São Paulo Faz Escola para verificar a possibilidade de desenvolver
(ou não) o letramento literário nos alunos de Ensino Médio. Trata-se de
um recorte do conteúdo da pesquisa de mestrado intitulada “A mediação
docente e a formação do leitor no Programa São Paulo Faz Escola”
(GUIMARÃES, 2016), realizada junto ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade do Oeste Paulista- SP.
Palavras-chave: São Paulo Faz Escola. Letramento Literário. Formação
do Leitor.
ABSTRACT:
The text aims to identify and analyze the presence of the literary text in
the São Paulo Faz Escola Program to verify the possibility of developing
(or not) literary literacy in high school students. This is a summary of the
content of the master's research entitled "Teacher mediation and the
formation of the reader in the São Paulo Faz Escola Program"
(GUIMARÃES, 2016), held at the Postgraduate Program in Education
of Universidade do Oeste Paulista - SP.
Keywords: São Paulo Faz Escola. Literary Literature. Formation of the
Reader.

1A primeira versão deste texto foi publicada em 2017, no volume 3, número 1, da Revista Crítica
Educativa, da Universidade Federal de São Carlos- UFSCar, campus de Sorocaba/SP.
2Mestre em Educação pela Universidade do Oeste Paulista, SP (UNOESTE). Graduado em

Letras pela Faculdade de Presidente Prudente, SP (UNIESP). Professor de Língua Portuguesa


concursado na Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande, MS.

121
DNA Educação

Introdução
É consenso que a leitura é ato que nos (in) forma e nos constitui
como sujeitos nas constantes interações histórico-culturais. Assim, não
se trata de uma atividade mecânica, isolada, pois o leitor (sujeito ativo),
no ato de ler, (re) constrói os sentidos do texto. Em outras palavras, a
leitura vai além da decodificação dos signos linguísticos e se revela como
atividade complexa de reconhecimento dos sentidos linguísticos
(internos ao texto) e pragmáticos (contextuais) que emergem no ato de
ler.
Nesse sentido, atribuir significados a um texto é um ato
intelectual que exige do leitor uma postura responsiva, isto é, ativa,
dialógica, de sintonização histórico-cultural com a situação social de
origem do material lido.
Reconhecendo o valor cultural da leitura na formação humana,
muito se discute sobre o processo de formação do leitor do texto
literário, pois apesar de diversos estudos sobre a temática objetivarem
uma maior qualidade dos modos de ensino, ainda há equívocos teóricos
e metodológicos em relação à formação do leitor, no Ensino Médio.
Dessa forma, convivemos com a hipótese (que nasce no
passado e permanece no presente) de que parte dos alunos sai da escola
sem desenvolver a competência de interpretação de textos. Logo, nos
questionamos: Como desenvolver a competência leitora nos alunos?
Como formar leitores críticos, capazes de apreender os sentidos que
emergem do texto artístico? Qual a abordagem do texto literário
proposta pelo material didático de Língua Portuguesa, produzido e
veiculado pelo Programa São Paulo Faz Escola, para a formação do
jovem leitor, no Ensino Médio?
O presente texto constitui, portanto, um recorte do conteúdo
de uma pesquisa de Mestrado intitulada A mediação docente e a formação do
leitor no Programa São Paulo Faz Escola (2016), desenvolvida junto ao
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste
Paulista (UNOESTE), Presidente Prudente, São Paulo, cujo objetivo foi
identificar e analisar o papel mediador do professor de Ensino Médio,
implícito nas propostas metodológicas de ensino e nas atividades de
aprendizagem da leitura, do Programa São Paulo Faz Escola. Para o alcance

122
DNA Educação

desse objetivo, foi realizado um estudo qualitativo, com inclusão de uma


análise documental do Caderno do Aluno (2014-2017) de Língua
Portuguesa da 1ª série do Ensino Médio.
Foi selecionada, assim, uma atividade (extraída do Caderno do
Aluno) cujo objeto de interpretação é um texto literário (poema); além
disso, escolhemos alguns trechos do Currículo de Língua Portuguesa do
estado de São Paulo (2001) para que fosse realizado o confronto entre a
teoria assumida e anunciada pelo Documento Paulista e a atividade de
leitura, proposta aos alunos.
Texto e leitura: uma abordagem histórico-cultural
Para iniciar as discussões teóricas acerca da natureza histórico-
cultural do texto e da leitura, recorremos aos pressupostos
epistemológicos de Santaella (2006), notável estudiosa da teoria de
Charles Sanders Peirce, este considerado o criador dos estudos
semióticos norte-americanos.
Segundo Santaella (2006, p. 13), a semiótica investiga as
diferentes formas de linguagens, pois seu objetivo é “o exame dos modos
de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de
produção de significação e de sentido”. Assim, o texto (em sua acepção
ampla, isto é, sócio-histórica) se configura enquanto uma das possíveis
linguagens para análise semiótica.
A semiótica, para Trevizan (2004, p. 149), é “a ciência dos
signos, ou seja, a ciência de toa (s) a (s) linguagem (s)”; percebemos, aí, a
relevância dessa ciência da formação do professor de língua portuguesa
para a abordagem dos textos literários nas atividades de leitura. Além
disso, segundo a autora, “a semiótica nos ensina que o texto nasce de um
contexto social, da prática viva da língua (p, 151)”; logo, para a apreensão
total dos sentidos do texto, não se pode desvincular o texto de seu
contexto original de produção.
Ribeiro (2014, p. 39) afirma que o texto “não pode ser pensado
de modo descontextualizado, pois a partir dele o leitor/ouvinte emite
suas opiniões, se posiciona perante as situações que tangem esse texto
[...]”; dito de outro modo é uma “relação intrínseca entre o homem
enquanto constituinte da historicidade que se inscreve num âmbito
social”, além de e o texto agregar “valores que contribuem para a

123
DNA Educação

manifestação do ser humano enquanto sujeito ativo”, que participa


na/da sociedade em que vive.
Nessa perspectiva, a língua não pode ser considerada um
organismo estático, uma vez que seus usuários, sujeitos construtores de
cultura, modificam a língua a cada uso que fazem dela. Para Bakhtin
(2003, p. 301), “a língua materna, seu vocabulário e sua estrutura
gramatical, não conhecemos por meio de dicionários ou manuais de
gramática”, mas por meio de “enunciados concretos que ouvimos e
reproduzimos na comunicação efetiva com as pessoas que nos rodeiam”.
Trevizan (2004, p. 150), apoiada teoricamente nos estudos
semióticos bakhtinianos, vygotskyanos e peircenos, nos informa que:
Os sujeitos (autor/leitor), seres contextualizados social-
mente, ao fazerem uso da língua para escreverem ou lerem
um texto, vão, necessariamente, redistribuir as normas da
língua, modificando-as, através de suas (s) fala (s) criativa (s).
É perceptível o caráter flexível, mutável da língua, e o texto, na
perspectiva semiótica, é concebido como uma organização sócios-
semiótica, uma vez que os signos têm natureza ideológica. Para Bakhtin
(2014, p. 45), o signo “resulta de um consenso entre indivíduos
socialmente organizados no decorrer de um processo de interação [...]”.
É a partir das relações sociais que o signo se reveste de material
ideológico (presente na cultura), pois a criação de um signo se dá “entre
indivíduos, no meio social”, ganhando, assim, “uma significação
interindividual (p. 46) ”.
A leitura a partir da perspectiva histórico-cultural se configura
como atividade social, na qual o leitor, utilizando-se de estratégias, busca
construir os sentidos do material lido. Para Souza (2005, p. 96),
“enquanto um projeto de busca de significados, a leitura deve ser
geradora de novas experiências para o indivíduo”; logo, na escola, caberá
ao professor, proporcionar esse tipo de experiência, para que os
alunos/leitores possam, através da mediação docente, construir novos
saberes, novas perspectivas e questionar, criticamente, as relações
humanas representadas nos textos literários.
O leitor, nesse sentido, deverá “mover-se horizontalmente [...]
reconstruindo o diálogo do autor com os signos do texto, para a

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DNA Educação

descoberta da fala criativa, ou seja, do uso inaugural dos signos


(TREVIZAN, 2004, p. 151) ”; além disso, o sujeito leitor terá de “mover-
se verticalmente [...], reconstruindo o diálogo do texto com as condições
extratextuais de sua produção”.
No entanto, segundo Silva (2003, p. 19), a formação do
professor voltada ao ensino da leitura deixa a desejar, “levando-o a imitar
procedimentos esclerosados ou aplicar técnicas de ensaio-erro em suas
aulas”.
O apontamento feito por Silva (2003) ainda hoje é uma
realidade nas escolas públicas, pois os docentes de LP, por não terem
conhecimento das teorias de enfoque semiótico (histórico-cultural), na
maioria das vezes, reproduzem as metodologias que fazem parte das
coleções didáticas produzidas e oferecidas por políticas externas, como,
por exemplo, o Programa São Paulo Faz Escola (implantado na rede
estadual Paulista desde 2009, com intuito de uniformizar o ensino das
diversas disciplinas e colocar em prática o Currículo Oficial).
O texto literário: da leitura trivial à leitura estética
As discussões acerca das especificidades do texto literário não
são novidade; entretanto, como sabemos, esse tipo de texto requer do
aluno/leitor um olhar semiótico (TREVIZAN, 2004), capaz de
apreender os significados estéticos do texto, pois, esse tipo de linguagem
oferece, ao leitor, elementos que extrapolam a significação trivial,
comum a textos não-literários, como reportagens, bulas de remédio,
receitas culinárias etc.
O leitor do literário percebe as nuances artísticas da linguagem
empregada pelo autor, no texto. Contudo, para que o aluno chegue à
leitura estética, o professor, mediador de leitura literária, nas aulas de LP,
deverá propiciar práticas que tenham como objetivo o letramento
literário.
Em relação ao letramento literário, Cosson (2014, p. 11-12) nos
informa que:
Trata-se não da aquisição da habilidade de ler e escrever,
como concebemos usualmente a alfabetização, mas sim da
apropriação da escrita e das práticas sociais que estão a ela
relacionadas [...], o processo de letramento que se faz via

125
DNA Educação

textos literários compreende não apenas uma dimensão


diferenciada do uso social da escrita, mas também, e
sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo domínio
Nessa perspectiva do letramento literário apontada por Cosson
(2014), percebemos que a formação do leitor pode ocorrer de forma
produtiva, pois através do texto literário, a apropriação da escrita e as
práticas sociais inerentes a ela, são apreendidas de forma significativa
pelo aluno/leitor.
Para Barbosa (2011, p. 148), o letramento literário diz respeito
à “condição daquele que não apenas é capaz de ler e compreender
gêneros literários, mas aprendeu a gostar de ler literatura e o faz por
escolha ”, ou seja, “pela descoberta de uma experiência de leitura distinta,
associada ao prazer [...]”. Assim sendo, o letramento literário também se
refere ao prazer em ler literatura; trata-se, pois, de uma experiência entre
o leitor e o texto artístico (AMARILHA, 2006).
Essa experiência propiciada pelo texto literário é possível
porque o leitor tem contato com uma linguagem distinta, não trivial. Isso
acontece devido às especificidades do texto artístico. Nesse sentido, a
literatura, segundo Candido (2004, p. 180) é um dos meios pelos quais
nos humanizamos. Levando em consideração o caráter artístico e
humanizador da literatura, cabe à escola e aos professores oportunizarem
experiências significativas entre o aluno e o texto literário com o intuito
de desenvolver o letramento literário.
Nas palavras de Cosson (2010, p. 67):
[...] Na sala de aula, a literatura precisa de espaço para ser
texto, que deve ser lido em si mesmo, por sua própria
constituição. Também precisa de espaço para ser contexto,
ou seja, para que seja lido o mundo que o texto traz consigo.
E precisa de espaço para ser intertexto, isto é, a leitura feita
pelo leitor com base em sua experiência, estabelecendo
ligações com outros textos e, por meio deles, com a rede da
cultura [...].
Verificamos aí, que o trabalho com a literatura na sala de aula
deve ser sistematizado, ou seja, organizado de forma contextualizada,
evidenciando as particularidades da linguagem artística presentes nos
textos dos diversos gêneros. É preciso, ainda, que o professor propicie o

126
DNA Educação

contato entre o aluno e os textos e não apenas seus fragmentos, pois, de


acordo com Girotto e Souza (2009, p. 111), a leitura deve pautar-se na
interação do leitor com o texto; além disso, “é preciso que se estabeleça
uma espécie de comunhão baseada no prazer, na identificação, no
interesse e na liberdade de interpretação”.
Acreditamos que a presença do texto literário na prática de
ensino do professor (principalmente o de língua e literatura) se faz
urgente, uma vez que a literatura contribui para a formação cultural do
ser humano. Assim,
Atualmente, não mais compete ao ensino da literatura a
transmissão de um patrimônio já constituído e consagrado,
mas a responsabilidade pela formação do leitor. Por sua vez,
a execução dessa tarefa depende de se conceber a leitura não
como o resultado satisfatório do processo de letramento e
decodificação de matéria escrita, mas como atividade
propiciadora de uma experiência única com o texto literário.
A literatura se associa então à leitura, do que advém a
validade dessa (ZILBERMAN, 2008, p. 16-17).
O que se tem observado é que a escola propicia o contato entre
aluno/leitor e o texto artístico, entretanto, segundo Gomes (2010, p. 5),
“nas práticas de leitura escolar, registradas ao longo do tempo, sempre
predominam os fragmentos de texto”, ou seja, “a leitura de obras
completas, mais árdua e difícil, nunca foi uma prática generalizada”.
Além disso, muitos docentes (regentes e/ou bibliotecários) acreditam
que expor diversos livros sobre uma mesa e deixar com que os alunos
olhem, folheiem, caracteriza um processo de mediação de leitura literária.
Contudo, “tocar os livros com as mãos, carregá-los embaixo do braço,
folheá-los de trás para frente não forma leitores. A leitura superficial do
seu conteúdo não forma leitores [...]” (RÖSING, 2005, p. 122).
Como sabemos, a prática de leitura se faz presente em todos os
níveis de escolarização, desde a alfabetização; assim, percebemos seu
potencial na formação humana. O texto literário se desponta, na maioria
das práticas escolares, como suporte de iniciação à leitura.
Desse modo, passemos, na sequência, à análise de uma
atividade de leitura de um texto artístico (poema), extraída do Caderno
do Aluno (2014-2017), de língua portuguesa, da 1ª série do Ensino Médio

127
DNA Educação

(E.M), acoplado ao Programa São Paulo Faz Escola, para verificar como
esse material didático aborda o texto literário, nas aulas de LP, no E.M.
A (não) possibilidade de desenvolver o letramento literário no
Programa São Paulo Faz Escola: da teoria à prática.
O Currículo do Estado de São Paulo: Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias (2010) foi criado e implementado a fim de uniformizar
o ensino na rede pública paulista. Nesse sentido, em 2009, foram
distribuídos materiais didáticos oriundos do referido Documento: os
Cadernos do Professor (contendo orientações metodológicas) e o
Caderno do Aluno (nos quais constam atividades para serem
desenvolvidas nas aulas).
As coleções didáticas supracitadas são entregues no início do
ano letivo; todas as disciplinas possuem esses materiais. Os Cadernos
possuem conteúdo para cada dois (2) bimestres. Desse modo, em todas
as escolas que ofertam Ensino Fundamental II e Ensino Médio, na rede
pública paulista, os professores utilizam o mesmo material,
oportunizando os mesmos conteúdos aos alunos, numa sequência
preestabelecida pelo Currículo:
Assim, propõe-se uma mudança na maneira como as
disciplinas devem ser ensinadas, ou seja, o desenvolvimento
do conhecimento do aluno sobre as linguagens por meio do
estudo dos conteúdos, historicamente construído,
associados a atividades que lhe possibilitem a interação com
a sociedade e também o aumento do seu poder como
cidadão, implicando mais acesso às informações e melhor
possibilidade de interpretação dessas informações nos
contextos sociais em que são apresentadas (SÃO PAULO,
2010, p. 25).
O ensino de LP, a partir das concepções do Currículo Paulista,
considera o Homem como agente na (re) construção da cultura na qual
está inserido, pois,
nossa proposta para a disciplina de Língua Portuguesa não
separa o estudo da linguagem e da literatura do estudo do
homem em sociedade. Sabemos que o ser humano é um
sujeito sociável, que pode participar social e culturalmente
no mundo em que vive (SÃO PAULO, 2010, p. 29).

128
DNA Educação

Tal concepção se aproxima, teoricamente, dos pressupostos


epistemológicos de Bakhtin (2003; 2014) e de Vygotky (1998), uma vez
que o psiquismo e a linguagem são construtos culturais e, apesar de
reconhecerem as influências genéticas no comportamento humano,
enfatizam as relações histórico-culturais de constituição do pensamento
e do discurso do ser humano.
Nessa direção histórico-cultural, o Documento Paulista (2010,
p. 30) apresenta uma concepção de texto calcada nas contribuições
teóricas das Ciências da Linguagem (semiótica), sobretudo em Bakhtin
(2003; 2014); Kristeva (1974) e Santaella (2006), como se pode verificar
no trecho a seguir, extraído do Currículo:
O texto ao qual nos referimos é aqui compreendido em
sentido semiótico, podendo, assim, estar organizado a partir
da combinação de diferentes linguagens, não apenas a
verbal.
Desse modo, uma foto, uma cena de televisão, uma canção,
entre muitas possibilidades, são textos [...] (SÃO PAULO,
2010, p. 30).
Sobre a abordagem dos textos, nas aulas, o Currículo de LP
(SÃO PAULO, 2010, p. 32), apresenta que é “necessário compreender
tanto as características estruturais (ou seja, como o texto é feito) como
as condições sociais de produção e recepção, para refletir sobre sua
adequação e funcionalidade”. Verifica-se, portanto, indícios de uma
perspectiva semiótica (histórico-cultural) de texto (TREVIZAN, 2000)
que deve orientar a prática docente.
Em relação ao trabalho com a literatura, o Documento Paulista
compreende a literatura como veículo histórico de construção da
identidade de um povo:
Isso porque a literatura é, antes de tudo, um desafio ao
espírito. No entanto, ela é também uma instituição. Ou seja,
não é apenas a compreensão de um texto ou um jogo emo-
cional de gosta-não-gosta. Tal visão reduz o papel histórico
da literatura como participante da construção da identidade
de um povo (SÃO PAULO, 2010, p. 33).
Além disso, de acordo com o Currículo, “o texto literário
vocaciona-se à eternidade e à reflexão humana, mas é atualizado por uma

129
DNA Educação

comunidade leitora que segue um intricado e plural conjunto de regras


semióticas e sociais” (SÃO PAULO, 2010, p. 33). Em outros termos, o
texto literário tem seus sentidos atualizados na medida em que cada leitor
(re) constrói os sentidos, em diferentes contextos sociais, perpetuando,
assim, a artisticidade do texto ao longo da história da humanidade.
Como anunciado, esse estudo objetiva refletir sobre a
abordagem do texto literário no Programa São Paulo Faz Escola. Desse
modo, a seguir, apresentamos a atividade extraída do Caderno do Aluno
(2014-2017) para mostramos as inadequações na elaboração de práticas
de leitura do literário. A referida atividade tem como objeto de análise
um poema de Carlos Drummond Andrade, intitulado “A palavra
mágica”:

Fonte: Caderno do Aluno, volume 1 (SÃO PAULO, 2014-2017, p. 4).

Para análise do poema, são propostas algumas questões aos


alunos:

130
DNA Educação

Fonte: Caderno do Aluno, volume 1 (SÃO PAULO, 2014-2017, p. 7).

Para “subsidiar” os alunos à compreensão da poesia


drummondiana, o Caderno apresenta uma pequena informação sobre o
autor do poema, na seção “Aprendendo a aprender”:

Fonte: Caderno do Aluno, volume 1 (SÃO PAULO, 2014-2017, p. 7).

As bases teóricas do Currículo de LP do estado de São Paulo


(2010a) têm enfoque nos estudos semióticos (histórico-culturais) de
língua (gem), de texto, de leitura, que percebem a língua como organismo
vivo, plástico (BAKHTIN, 2003; TREVIZAN, 2004); a linguagem como
veículo de inter (ação) (GERALDI, 2012; VIGOTSKI, 1998); o texto
como construção sociossemiótica (KRISTEVA, 1974; RIBEIRO, 2014;
SÃO PAULO, 2010; TREVIZAN, 2000) e a leitura como processo
complexo de (re) construção dos sentidos do material lido (GIROTTO;
SOUZA, 2009; SOUZA, 2005).

131
DNA Educação

Contudo, no modelo de leitura extraído do Caderno do Aluno


(2014-2017) de LP, da 1ª série do Ensino Médio, as proposições teóricas
assumidas/anunciadas pelo Currículo Paulista para a abordagem do
texto, nas aulas, são negligenciadas, pois não direcionam o aluno/leitor
a uma leitura semiótica, crítica, reflexiva do poema drummondiano e,
consequentemente, inviabilizam ao professor o desenvolvimento do
letramento literário nos alunos.
O foco da atividade discente, no Caderno do Aluno, é o estudo
superficial do texto artístico, ou seja, só se destacam os aspectos
linguísticos do poema, como por exemplo, o estudo isolado do adjetivo
“raro”, que poderia ser interpretado como signo definidor da compre-
ensão total do texto, acaba desconsiderado, uma vez que não se
considera a associação desse termo à raridade/expressividade do
discurso literário, como um produto artístico que gera diálogo intenso de
reflexão entre o leitor com o autor, do texto com o contexto de origem
dessa produção.
O Currículo Paulista (2010) apresenta a literatura como uma
instituição representativa de determinada cultura; logo o texto artístico é
percebido como artefato histórico-cultural que possibilita, ao leitor,
refletir sobre as relações humanas ao longo de sua história. Desse modo,
a pergunta “Qual a importância do adjetivo raro para a interpretação do
poema” (p. 7), proposta pelo Caderno do Aluno, centra a leitura
interpretativa apenas no significado trivial (gramatical/literal) de um
termo descolado do texto drummondiano. Assim, tal questionamento,
deveria permitir aos alunos/leitores a reflexão sobre os conflitos
humanos, existenciais espelhados no poema de Drummond. Entretanto,
a atividade de leitura resultante dessa questão formulada, ficou centrada,
como vimos no reconhecimento (superficial) de elementos linguísticos
da poesia, deixando de lado o estudo dos sentidos extralinguísticos,
conotativos, fundamentais na apreensão e compreensão da linguagem
reinventada pela arte do autor.
O leitor do literário deve extrapolar os sentidos linguísticos dos
signos selecionados pelo autor e desfrutar da dimensão filosófica e
socioideológica do texto enquanto uma macroestrutura significante;
porém, a atividade proposta pelo Caderno do Aluno não permite uma

132
DNA Educação

leitura aprofundada da poesia drummondiana, isto é, configura-se em


uma atividade de “alfabetização literária” (centrada na significação trivial
dos signos que compõem o texto) e não de “letramento literário” (leitura
crítica, reflexiva, propiciadora de relações intertextuais dos fatores
linguísticos e pragmáticos do texto).
Para Trevizan (2000, p. 19), “os termos descontextualizados são
considerados [...] abstrações da língua e não fatos de linguagem”, já que
o texto, na perspectiva histórico-cultural, ganha significado a partir de
sua inserção na história social, no contexto. Nesse sentido, o modelo
metodológico da atividade discente ora analisado, não levou em
consideração o contexto de produção do objeto cultural (a poesia de
Drummond); além disso, nada foi informado sobre o autor da produção
literária, seu contexto de produção de sua linguagem específica (a
literária), o que não permite aos alunos do Ensino Médio uma abor-
dagem mais profunda do conteúdo filosófico e da linguagem poética do
autor e, consequentemente, dificulta o processo de letramento literário
dos alunos.
Além de os dois questionamentos inseridos nas atividades
focarem o estudo (apenas linguístico) do adjetivo raro, posteriormente, o
Caderno do Aluno apresentou somente uma vaga referência ao poema;
sabemos haver uma crença, na escola, de que o gênero poesia apresenta
uma linguagem complexa demais, que dificulta a compreensão do texto
pelos alunos. Sendo assim, constatamos que a inserção dessa referência
vaga ao poema, pode ser indicadora do desconhecimento da leitura do
literário (pelos próprios produtores do material), já que não ocorreram
no documento analisado atividades discentes nem docentes sobre a
literalidade da poesia, sua Filosofia e sua Arte.
Reflexões finais
A escola tem como objetivo formar cidadãos críticos, já que a
conjuntura social atual exige, para isso, leitores competentes de todas as
linguagens contemporâneas, inclusive a literária. Porém, a análise
documental do Programa São Paulo Faz Escola, efetuada nesse estudo,
mais uma vez, é confirmadora de que, ainda, as práticas sugeridas para a
aprendizagem da leitura não levam em conta os fatores extralinguísticos
relevantes para a compreensão total dos textos. A abordagem do texto,

133
DNA Educação

no material analisado, se restringe à identificação única dos sentidos


literais do mesmo, apoiando-se em uma concepção redutora (e
ultrapassada) de texto, de leitura e de Arte.
Assim, temos uma incoerência entre a teoria anunciada pelo
Currículo do estado de São Paulo (2010) e os materiais didáticos oferta-
dos para os alunos do Ensino Médio; em outros termos, na prática, a
teoria é outra.
As teorias histórico-culturais sobre o texto revelam o caráter
flexível e variável dos sentidos da palavra. Desse modo, a palavra sempre
extrapola a sua forma lexical fixa (sentido literal, trivial, único) para dar
espaço à produção social de sentidos diversos (plurissignificação). Assim
sendo, não faz sentido, ainda hoje, o professor abordar o texto, nas aulas
de língua portuguesa, ressaltando apenas o sentido denotativo da palavra.
Essa concepção de abordagem do texto, bastante utilizada pelos modelos
pedagógicos orientados pelo behaviorismo ou pelo cognitivismo
piagetiano dos anos 70, não leva em conta a importância do contexto
histórico-cultural do texto, na sua leitura.
Atualmente, muitos professores de LP desconhecem, ainda, as
contribuições do avanço dos estudos histórico-culturais necessários ao
reconhecimento da natureza pragmática do discurso, revelando uma
necessária atualização teórico-metodológica dos procedimentos profis-
sionais em salas de aula. Além disso, grande parte dos docentes não tem
conhecimento suficiente das teorias de enfoque semiótico (histórico-
cultural) necessárias à conscientização de sua contribuição na formação
do leitor crítico do literário. Na maioria das situações profissionais, o
fazer pedagógico é embasado, apenas, na formação (insuficiente) inicial,
herdada dos cursos de graduação ou formação continuada e de outras
ações esporádicas de profissionalização, quase sempre pautadas em
teorias inadequadas sobre o texto, a linguagem, e a leitura.
É preciso, pois, que haja uma elaboração de novas políticas de
formação docente, sintonizadas com concepções e práticas educativas de
natureza histórico-cultural, pautadas nas exigências da sociedade
contemporânea. Estados, Municípios e Universidades devem fazer par-
cerias a fim de buscar novos caminhos para a formação do professor,

134
DNA Educação

com o intuito de melhor formar os alunos, os leitores, em todos os níveis


de escolarização.

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136
DNA Educação

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO FAMILIAR


COMO BASE PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR
Cyntia Calais 1
RESUMO:
O presente artigo tem objetivo reconhecer o valor da educação familiar
como base para a educação escolar. Em linhas gerais, o artigo pretende
abordar a crise educacional considerando que, educação inicia-se
primordialmente no seio da família, e, na instituição escolar é
complementada. Nesse sentido, a pesquisa abordará a responsabilidade
da família enquanto primeira instituição social capaz de contribuir para
o desenvolvimento do educando. Entretanto, a questão que norteia esta
pesquisa é o fato da família negligenciar os seus deveres e terceirizar a
sua obrigação a escola, e assim dificultar o trabalho docente.
Palavras chaves: Educação, Família, Escola
ABSTRACT:
This article aims to recognize the value of family education as the basis
for school education. In general, the article intends to approach the
educational crisis considering that, education begins primarily within the
family, and in the school institution is complemented. In this sense, the
research will address the responsibility of the family as the first social
institution capable of contributing to the development of the student.
However, the question that guides this research is that the family neglects
their duties and outsources their obligation to the school, and thus makes
difficult the teaching work.
Keywords: Education, Family, School

1 Graduada em Letras Português/Inglês pela FEB e Teologia pela FTBB. Especializada em


Docência do Ensino Superior pelo IC. Trabalhou 12 anos com crianças e adolescentes
exercendo a função de monitora. Atuou 1 ano como professora de português/ Colégio Alub.
Interessa-se pela carreira docente.

137
DNA Educação

Introdução
A escolha do tema proposto ocorreu pelo seguinte motivo:
observamos que, a crise educacional não é algo que depende
exclusivamente de políticas públicas ou de ordens governamentais, pois,
a “crise maior” está inserida nos próprios lares. E, ao falarmos em “crise
maior” nos referimos a insuficiência de estrutura psicológica, emocional
e espiritual que uma família precisa para saber lidar com todos os
problemas que permeiam a vida do ser humano. Desta forma, acredita-
se que é imprescindível identificar este momento de desequilíbrio vivido
pela família nos dias atuais, e, a partir daí levá-la a retomar o seu papel
como base da sociedade.
Deste modo, compreendemos que, a família precisa cumprir de
forma eficaz a sua parte no caminho da educação do indivíduo. E,
também ao falarmos em educação não nos referimos exclusivamente ao
processo de desenvolvimento intelectual de um ser humano, mas,
sobretudo, ao desenvolvimento moral, isto é, ao conjunto de valores e
princípios que formarão o caráter. Diante desta afirmativa a pergunta que
fica entreaberta é: A educação escolar é suficiente para cumprir a tarefa
de formar cidadão? Diante disto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
nº 9.394 de vinte de dezembro de 1996, em seus art. 1º e 2º diz que:
Art. 1º: A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no
trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Art. 2º: A educação, dever da família e do Estado inspirada
nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do
educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996, grifo nosso).
Observa-se deste modo que, a educação não é adquirida
somente nos colégios, mas, o desenvolvimento educacional do ser
humano depende também de outras experiências que envolvem a
existência humana, e, entre elas a vida familiar. Desta forma, entende-se
que, educação é obrigatoriedade em primeira instância da família, pois, é

138
DNA Educação

no ambiente do lar que os filhos passam a conhecer os primeiros deveres


e direitos que os acompanharão por toda a vida.
Entretanto, segundo o escritor e educador Tiba (2012), as
experiências familiares têm sido insuficientes para formar valores. É
importante observar que, não é só a ausência de boa vontade dos
docentes em ensinar que tem cooperado para a evasão de alunos para as
drogas, para o crime, para a prostituição, enfim; para todos os tipos de
comportamentos antissociais. Mas, acima de tudo, a ausência de atenção
dos pais em educar não apenas com palavras, e, sim com o exemplo.
Do mesmo modo, segundo Weil e Tompakow:
A maioria das crianças-problemas é assim porque os pais
também são problemas. [...]. A metade da educação se faz
pelo processo da imitação; a criança imita o que há de
positivo e o que há de negativo nos pais; estes não podem
queixar-se de ter filhos malcriados, pois foram eles mesmos
que criaram mal, através do exemplo; há mais pais-
problemas que crianças-problemas (WEIL e
TOMPAKOW, 2011, p. 216-18).
Assim percebemos que, a ausência de contribuição famíliar no
desenvolvimento educacional se dá pelo comportamento dos pais frente
aos filhos. Reconhecer isto hoje é um grande desafio, uma vez que, todo
problema relacionado à educação é lançado sobre o governo, seja pelos
pais que querem escolas mais dignas e preparadas para receberem os seus
filhos, seja pelos docentes que almejam maior reconhecimento da sua
árdua responsabilidade.
Por conseguinte, nota-se ainda que mesmo que esta fase crítica
da educação tem sua parcela perante as ordens governamentais, a
situação antecedente é gerada no lar, e, isto acontece porque muitos dos
pais mesmo amando os filhos não acham tempo em suas agendas para
educá-los.
Desta forma, para Tiba:
Educar é formar valores que devem pertencer ao humano,
não importa a idade. Os valores básicos são: gratidão,
disciplina, religiosidade, ética e cidadania. Educar também é
desenvolver competências profissionais: estudo, aprender
sempre, independência financeira com base na autonomia

139
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comportamental, habilidade e conhecimento profissional


(TIBA, 2012, p. 17).
Desta maneira, verifica-se que, educar não é algo que a família
consegue executar do dia para a noite, mas, além da disposição dos pais
e responsáveis, demanda tempo e paciência para se obter os resultados.
Do mesmo modo, para Freire (1967, p. 97), “a educação é um ato de
amor, por isso, um ato de coragem”, uma vez que, é necessária firmeza
para não desistir dessa responsabilidade no meio do caminho. Somente
assim, com determinação dos pais em cumprir a tarefa que lhes cabe, os
filhos chegarão a escola preparados para a aprendizagem acadêmica.
Assim, este trabalho de pesquisa tem como objetivo geral
apresentar as mudanças comportamentais que geram o descaso da
educação no lar, e, especificamente, analisar fatores que induzem a
família a descumprir o seu papel como primeira instituição social, bem
como, caracterizar a família e a escola atual, além de, observar os desafios
que a escola enfrenta com a indisciplina de seus alunos, e, ainda, verificar
como a família e a escola são instituições insubstituíveis para a formação
educacional do cidadão.
Portanto, para explicar os procedimentos que foram adotados
durante este trabalho optou-se pela seguinte metodologia: a pesquisa
sincrônica que visa apresentar os problemas relacionados ao tema nos
dias atuais. Bem como, a pesquisa teórica para assegurar-se maior
embasamento, além da investigação de fatores que envolvem o tema a
partir de bibliografia básica complementar.
A família contemporânea
Ao observar que, na atualidade o conceito de família vem sendo
modificado abarcando várias estruturas, entre elas, 2patriarcal, mono-
parentais, recasadas, ampliadas e outras, não entraremos no mérito de
defini-la. Mas, sem ignorarmos as transformações e as classes sociais, nos
ocuparemos dos deveres e tarefas que ambas têm perante a sociedade e
o Estado. Pois, mesmo em virtude dessas realidades a instituição familiar

2Patriarcal: constituída por pai, mãe e filhos; monoparentais: constituída por um dos respon-
sáveis (pai ou a mãe) e filhos; recasadas: constituída por um dos responsáveis, mais padrasto
ou madrasta e filhos; ampliadas: constituída por responsáveis, filhos, avô (a), tio (a), primos e
outros que convivam no mesmo ambiente familiar

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não está isenta da sua responsabilidade de educadora primordial a forma-


ção e integração dos filhos à sociedade.
Desta forma, segundo Kaloustian:
A família é o lugar indispensável para a garantia da
sobrevivência e da proteção integral dos filhos e demais
membros, independentemente do arranjo familiar ou da
forma como vêm se estruturando. É a família que propicia
os aportes afetivos e, sobretudo materiais necessários ao
desenvolvimento e bem-estar dos seus componentes. Ela
desempenha um papel decisivo na educação formal e
informal, é em seu espaço que são absorvidos os valores
éticos e humanitários, e onde se aprofundam os laços de
solidariedade. É também em seu interior que se constroem
as marcas entre as gerações e são observados valores
culturais (KALOUSTIAN, 1988, p. 22).
Por conseguinte, segundo Schmidt (1967, p. 11), “cumpre aos
pais assegurar a si mesmos e aos filhos desenvolvimento pleno - físico,
emocional, mental, social e espiritual”. Todavia, percebemos que muitas
famílias não se encaixam nesta visão, pois, muitos pais sofrem com a
ausência de equilíbrio psicológico, social e outros. Esta falta de
estabilidade seja em qual for a área tem colaborado para o
descumprimento do papel familiar como primeira instituição ativadora
da educação no outro. No entanto, os pais não podem fugir desta tarefa,
pois, para Durkheim:
A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas (pais,
avós etc...), sobre as gerações que não se encontram ainda
preparadas para a vida social: tem por objetivo suscitar e
desenvolver, na criança, certos números de estados físicos,
intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no
seu conjunto e pelo meio especial a que a criança
particularmente se destine (DURKHEIM, 1978, p. 41 grifo
nosso).
Entretanto, observa-se que, atualmente a preocupação da famí-
lia centraliza-se em maior medida no cuidado de atender dentro das suas
condições os desejos dos filhos, seja por um tênis novo, por um
videogame, pela escolha da escola, enfim; não deixar que eles vivam as
dificuldades financeiras que já passaram. Com isso, esquecem de suprir

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o essencial; sendo respectivamente tempo, carinho, limite, valores mo-


rais, disciplina etc.
Segundo Tiba quando os pais não dão aos filhos esses aportes,
as consequências são refletidas na desvalorização da ética e da cidadania:
Quando um filho ganha sem esforço um brinquedo, depois
outros, e vai recebendo tudo o que quer sem depender um
mínimo de esforço nem um merecimento, acaba não valo-
rizando o que ganha, [...]. Sem custos, os benefícios gratuitos
aleijam o desenvolvimento dos filhos. A distorção educativa
é que o filho se sente no direito de ter os benefícios e passa
a exigi-los sem custos. A verdadeira educação é inspirar os
filhos a lutar pelo que querem, fazê-los merecedores das
conquistas [...]. Assim, os pais não devem dar tudo seguindo
seus próprios desejos ou porque têm condições de dar, mas
devem oferecer as coisas de que os filhos realmente preci-
sam. [...]. Quando é um prêmio merecido, um desafio ou
barreira que se empenhou para superar, uma ação que
demandou bastante esforço, o filho sente o prazer de
receber e o valoriza. [...]. É o benefício do seu empenho
(custo) que ele está recebendo. É um cidadão ético que está
sendo formado (TIBA, 2012, p. 274-5).
Deste modo, não se forma cidadão ético sem apresentar aos
filhos a lei natural da vida; “plantar para depois colher”. Porém, para a
psicóloga Wainberg, o papel educacional dos pais está em crise, já que
são:
Incapazes de estabelecer limites e ansiosos por evitar qual-
quer conflito com os filhos, mas, prontos a comprar brigas
por eles, os pais enfrentam uma crise de autoridade. Vivem
também uma inversão de papéis no interior da família,
quadro tão alastrado que há quem entenda que estamos
vivendo uma “ditadura da criança” (WAINBERG, 2015).
Da mesma forma, para Cury:
Antigamente, os pais eram autoritários; hoje, os filhos é que
são. Antigamente, os professores eram os heróis dos alunos;
hoje, são vítimas deles. Os jovens não sabem ser contra-
riados. Nunca na história assistimos a crianças e jovens
dominando tanto os adultos. Os filhos se comportam como
reis cujos desejos têm de ser imediatamente atendidos
(CURY, 2013, p. 41).

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Desta maneira, verifica-se que, em muitas casas são as crianças


e os adolescentes quem ditam as regras, e, por conseguinte, os pais são
obrigados a obedecer sob ameaça de estarem contrariando a vontade dos
filhos. Nota-se então que, o lugar dos pais em determinar a disciplina
vem sendo enfraquecido, pois, aos filhos é dada a liberdade de viverem
como bem querem, isto é, sem a preocupação das consequências futuras.
É preocupante perceber esta passividade dos pais ante aos
comportamentos dos filhos.
Então, vejamos o pensamento de Freire:
A mim me dá pena e preocupação quando convivo com
famílias que experimentam a “tirania da liberdade”, em que
as crianças podem tudo: gritam, riscam as paredes, ameaçam
as visitas em face da autoridade complacente dos pais que se
pensam ainda campeões da liberdade (FREIRE, 2000, p.
18).
Em vista disso, Carneiro (2003, p. 27) explica que, “a família
passa por um momento de perda de referenciais”, uma vez que, passaram
a ser tolerantes diante dos maus comportamentos dos filhos. Assim,
quando corrigem logo se sentem culpados e acabam voltando atrás
prejudicando assim a educação recebida. Assim, observamos novamente
o que diz Freire:
Quão equivocados se acham pais e mães ou quão
despreparados se encontram para o exercício de sua
paternidade e de sua maternidade quando, em nome do
respeito à liberdade de seus filhos ou filhas, os deixam
entregues a si mesmos, a seus caprichos, a seus desejos.
Quão equivocados pais e mães se encontram quando,
sentindo-se culpados porque foram, pensam, quase malva-
dos ao dizer um não necessário ao filho, imediatamente o
cobrem de mimos que são a expressão de seus arrependi-
mentos do que não podiam arrepender-se de ter feito. A
criança tende a perceber os mimos como a anulação da
conduta restritiva anterior da autoridade. Tende a perceber
os mimos como um “discurso” de escusas que a autoridade
lhe faz (FREIRE, 2000, p. 19 grifos do autor).
Por consequência disso muitas crianças não respeitam as
ordens recebidas e ignoram os discursos dos pais, uma vez que, não

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demonstram uma postura firme. Percebe-se então que em nome do


“amor” que sentem pelos filhos, muitos pais e mães não conseguem
discipliná-los sem se sentirem culpados, e, consequentemente, se perdem
entre a razão e a emoção no que diz respeito a tarefa de educar. Diante
desta postura Freire mais uma vez contribui:
Há um sem-número de mães e pais que se comportam
assim. De uma licenciosidade em que a fala e a ação são
coerentes hoje, mas transformam o dia seguinte num
universo de desatinos, de discursos e ordens autoritárias que
deixam as filhas e os filhos estupefatos, mas sobretudo
inseguros. A ondulação no comportamento dos pais limita
nos filhos o equilíbrio emocional de que precisam para
crescer. Amar não basta, precisamos de saber amar
(FREIRE, 1997, 42).
Desta maneira, a falta de postura convicta dos pais tem deixado
os filhos adormecidos, isto é, despreparados para a comunicação com a
sociedade. Contudo, a sociedade carece de membros que se respeitem e,
consequentemente, contribuam para o encontro social de diferentes
indivíduos. Szymanski nos explica um pouco o processo de socialização
do indivíduo:
É na família que a criança encontra os primeiros “outros” e,
por meio deles, aprende os modos humanos de existir - seu
mundo adquire significado e ela começa a construir-se como
sujeito, ou seja, a família é responsável pela criança encon-
trar-se como pessoa, como membro de uma sociedade
(SZYMANSKI, 2009, p. 22).
Outrossim, é fato que tudo isso se deve a negligência dos pais
em não construírem nos filhos uma mente social, pois, para Durkheim:
A construção do ser social é feita em boa parte pela
educação. É assimilação do indivíduo de uma série de
normas e princípios, sejam morais, religiosos, éticos ou de
comportamento – que baliza a conduta do indivíduo num
grupo. O homem mais do que formador da sociedade, é um
produto dela (Durkheim apud FERRARI, 2008).
À vista disso, Freire (1967, p. 35) também acrescenta que, “é
bem verdade que a educação não é alavancada da transformação social,

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mas sem ela essa transformação não se dá”. Isto posto, Tiba (1996, p.
178) conclui que, “é dentro de casa na socialização familiar, que um filho
adquire, aprende e absorve a disciplina para um futuro próximo, ter
saúde social [...]”.
Todavia, percebemos que, os pais negligenciam aos filhos
discutirem as consequências que poderão sofrer no amanhã. Esta
negligência se deve as inúmeras demandas modernas que os pais preci-
sam cumprir, pois para Carneiro (2003, p. 31), “outro aspecto complica-
dor que contribui para o aumento da complexidade da tarefa de educar
os filhos, na atualidade, é o lugar central que essa tarefa ocupa entre as
tantas que os pais devem cumprir”. Entretanto, para Freire a comuni-
cação social no lar é imprescindível; vejamos:
É indispensável que os pais tomem parte das discussões com
os filhos em torno desse amanhã. Não podem nem devem
omitir-se, mas, precisam saber e assumir que o futuro é de
seus filhos e seu (FREIRE, 1999, p. 106).
Desta forma, na atualidade os pais por estarem tão ocupadas
com outras obrigações, deixam a desejar quando o assunto é educar
filhos. Confiam que a instituição escolar é que tem toda a obrigação de
educar os alunos, e, se for o caso eles podem volta e meia contribuir para
esta eficácia. No entanto, segundo Cortella (2014, informação verbal),
não são os pais que ajudam a escola a educar os filhos, mas, a escola que
ajuda os pais na educação já iniciada em casa, uma vez que, o papel da
escola é escolarizar, e, escolarização é apenas um pedaço da educação.
Assim, ainda que, na atualidade a família sofra com as várias
transformações em sua estrutura, não deve abster da função que lhe é
designada, pois, a instituição escolar não substitui o papel da educação
familiar, apenas à complementa. Isto posto, Bock ainda conclui dizendo
que:
A família, do ponto de vista do indivíduo e da cultura, é um
grupo tão importante que, na sua ausência, dizemos que a
criança ou o adolescente precisa de uma família substituta
ou devem ser abrigados em uma instituição que cumpra suas
funções materna e paterna, isto é, as funções de cuidados
para a posterior participação na coletividade (BOCK, 1999,
p. 249).

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Portanto, ainda que, não podemos afirmar ser tarefa impossível


para a escola sozinha conseguir ser uma agente de transformação social,
verificamos que, a família contribui de forma significante para que esta
transformação ocorra de maneira plena. Pois, se a família não conseguir
cumprir a tarefa de educar em média de dois a seis filhos, não podemos
esperar que a escola consiga cumprir esta educação de maneira eficaz
com a média de duzentos a quinhentos alunos.
A escola e suas implicações junto à família
Ao falarmos em instituição escolar verifica-se que surgem
muitos questionamentos sobre o papel que é exercido por ela hoje. Os
principais questionamentos estão voltados a ausência de capacitação e
reconhecimento profissional dos educadores. A justificativa para esses
questionamentos são crianças e jovens desestimulados para irem à escola,
ou seja, o fato é identificado a professores que não incentivam seus
alunos. Observa-se também que, de um lado os docentes não conseguem
lhe dar com as dificuldades sociais dos educandos, e, por outro não são
respeitados como deveriam ser em suas categorias.
Entretanto, segundo Freire (1997), é evidente nos dias atuais
que os problemas relacionados à educação não estão centrados apenas
no ofício de ensinar, mas, envolve outros problemas, tais quais, políticos,
éticos, financeiros e familiar. Deste modo, percebemos que, a família
também tem a sua parcela de contribuição na falta de incentivo as
crianças e aos jovens.
Desta forma, Bock nos explica que a escola está a cada dia mais
responsável por cumprir papel que não estava em seu quadro suprir
quando surgiu:
A escola surgiu para responder as necessidades sociais de
preparo do indivíduo para a vida pública. A família ficou
apenas com a formação moral de seus filhos. Hoje a escola
ocupa grande parte da vida de seus alunos. Ensina técnicas,
valores e ideais, ou seja, vem cada vez mais substituindo as
famílias na orientação para a vida sexual, profissional, enfim,
para a vida como um todo (BOCK, 1999, p. 267).
Todavia, segundo Tiba, a instituição escolar deveria cumprir o
seu papel acadêmico que visa informar ao indivíduo conhecimentos

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intelectuais, pois apenas estão presentes por um período de tempo,


enquanto a família fica por toda a vida:
Teoricamente, a família teria a responsabilidade pela
formação do indivíduo, e a escola, por sua informação. A
escola nunca deveria tomar o lugar dos pais na educação,
pois os filhos são para sempre filhos e os alunos ficam
apenas algum tempo vinculados às instituições de ensino
que frequentam (TIBA, 1996, p. 111).
Porém, verifica-se que, atualmente as famílias têm deixado a
escola ocupar o lugar que precisaria ser insubstituível. O tempo para a
educação dos filhos é ocupado com trabalhos, horas extras, shopping,
academia, bares etc. E, por consequência disso, Freitas explica que:
Historicamente, até o século XIX, havia uma separação das
tarefas da família e da escola: a escola cuidava do que se
chamava “instrução”, ou seja, a transmissão dos
conhecimentos/conteúdos da educação formal e a família
se dedicava à educação informal: o que podia-se definir
como o ensinamento de valores, atitudes e hábitos. No
mundo moderno, a educação passa também a ser objeto de
atenção das famílias, que, apesar de ser preocuparem com a
qualidade do ensino, transferem à escola competências que
deveriam ser suas tão somente. Não veem a escola como
segunda etapa da educação, mas criam nela toda a expec-
tativa de que será responsável, a vida toda, pela educação de
seus filhos. E, em muitas vezes, esquecem de fazer sua parte
(FREITAS, 2006, p. 20).
Como observamos, a família atual apesar de se preocupar em
certo ponto com a educação dos filhos, não fazem nada ou quase nada
para educá-los. E, muitas vezes a justificativa para tal situação é o tempo
gasto no trabalho, pois, explicam que precisam dedicarem mais ao
serviço para garantirem um amanhã melhor para os filhos. Porém, as
instituições de ensino acabam tendo de assumir esta responsabilidade e
encaram, por vezes, um árduo problema. Diante disto, Carneiro também
esclarece que:
Na tentativa de suprir aquilo que passa a ser “necessidade”,
é muito comum que pais e mães se dediquem mais a seus
trabalhos e passem a ter menor contato com os filhos. Com

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menos disponibilidade para desempenhar a sua tarefa


educativa, os pais tendem a terceirizar esta missão e passar
suas responsabilidades a outras instituições, como, por
exemplo, a escola. Esta acaba sobrecarregando-se na tenta-
tiva de desempenhar, em muitas ocasiões, a ação socializa-
dora que originalmente compete à família (CARNEIRO,
2003, p. 28).
Contudo, nota-se que a instituição escolar ainda que ajudadora
social da família, pois, é pautada por projetos que visam a integração dos
alunos em papeis de cidadania, por si não consegue solucionar todos os
problemas. Então, na busca de conseguir mudar comportamentos mal-
educados de seus alunos; a escola opta por advertências orais, escritas e
a exclusão por alguns dias. E, ainda a presença dos pais ou dos
responsáveis no intuito de obter o auxílio na mudança comportamental
do aluno. Diante disso, Ariés ainda afirma que:
Como instituição social a família sempre esteve inserida na
rede de inter-relações com outras instituições em especial
com a escola. No momento histórico [...] em que a unidade
escolar assumiu a educação formal, surge a preocupação
com o acompanhamento mais próximo dos pais junto a seus
filhos. Com essa finalidade, foram elaborados tratados de
educação para os pais com a finalidade de orientá-los quanto
a seus deveres e responsabilidades (apud SZYMANSKI,
2009, p. 21).
Entretanto, segundo Bassedas:
Existem famílias, por exemplo, que nunca tiveram
experiências prévias com a escola e que, quando seu filho
inicia a escolaridade, depositam o papel da educação na
escola, tomando uma atitude de total submissão e
dependência, assumindo uma ignorância total sobre os
assuntos relacionados a educação (BASSEDAS, 1996, p.33).
Por esse motivo, a escola enfrenta dificuldades como a falta de
disciplina, falta de interesse na aprendizagem, desrespeito e outros. Por
vezes, os pais são informados nas reuniões de classe sobre o compor-
tamento dos filhos. Porém, a tolerância da família diante dos maus
comportamentos dos filhos gera uma série de preocupações, pois, tudo
que é aceito dentro de casa não pode de forma alguma ser aceito na

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escola. Pois, a escola tem um conjunto de regras que precisam ser


respeitadas tanto pelos os professores quanto pelos alunos para que o
aprendizado escolar tenha sua eficiência.
No entanto, para Tiba (2013, p. 143), a disciplina é essencial,
pois, “é uma qualidade de relacionamento humano entre o corpo
docente e os alunos em uma sala de aula e, consequentemente, na
escola”. Por conseguinte, disciplina se adquire em casa, contudo, a
família deixa esta responsabilidade as instituições de ensino dos filhos.
Porém, quando a escola não consegue estabelecer limites nos alunos que
precisariam ser estabelecidos pela família, os problemas de aprendizagem
como falta de interesse nos estudos, notas baixas, repetência e outros,
começam a chamar a atenção dos pais. Todavia, por mais insensato que
seja segundo Tiba:
Há pais que querem mudar as regras da escola para que seus
filhos não fiquem contrariados. Outros pedirão “um
pontinho” na média das notas para que seus filhos não sejam
reprovados. Outros ainda fazem lições para e pelos filhos.
Todas essas “ajudas” podem estar, na verdade, ajudando a
formar mais um transgressor que um cidadão (TIBA, 2013,
p. 142).
Observa-se que, atualmente os alunos são ensinados pelo
exemplo das próprias famílias a não se submeterem as regras da escola,
tampouco, a darem importância a educação que é transmitida ali, uma
vez que, em casa os pais são diariamente submetidos a cumprirem os
desejos dos filhos. Deste modo, não há como ignorarmos que, muitos
adolescentes estão evadindo da sala de aula para o uso de drogas,
vandalismos e violência contra o próximo. E, quando os pais percebem
muitas vezes ficam sem saber que atitude tomar, pois, não podem cobrar
dos filhos aquilo que nunca lhes foi ensinado.
Desta forma, nota-se que a escola com o seu corpo docente não
é a única detentora de culpa quando o assunto é crise educacional, mas,
segundo Vygotski (1998, p. 87), “[...] a atitude dos pais e suas práticas de
criação e educação são aspectos que interferem no desenvolvimento
individual e consequentemente o comportamento da criança na escola”.
Então, quase tudo que é vivido em casa, logo é reproduzido no ambiente

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da sala de aula, por isso, é importante os pais buscarem fazer o seu papel
com o máximo de responsabilidade para a escola ajudar a família.
Desta maneira, para Tiba:
O interesse e participação familiar são fundamentais. A
escola necessita saber que é uma instituição que completa a
família e que ambas precisam ser um lugar agradável e
afetivo para os alunos/filhos. Os pais e a escola devem ter
princípios muitos próximos para o benefício do filho/aluno
(TIBA, 1996, p. 140).
Por conseguinte, nota-se que, para isto a família deve buscar
enxergar a escola de um ângulo mais positivo e reconhecer mais a
capacitação profissional dos seus docentes. Pois, Freire já defendia que:
[...] é urgente que o magistério brasileiro seja tratado com
dignidade para que possa a sociedade esperar dele que atue
com eficácia e exigir tal atuação. [...] O educador não é um
ser invulnerável. É tão gente, tão sentimento e emoção
quanto o educando (FREIRE, 1997, p. 35, 45).
Isto posto, observa-se ainda que, a instituição escolar para
exercer um papel eficaz não pode trabalhar de forma autônoma, mas,
precisa do apoio da família para auxiliá-la. Sendo assim, Szymanski
explica:
[...] que ambas as instituições têm em comum é o fato de
prepararem os membros jovens para a sua inserção futura
na sociedade e para o desempenho de funções que
possibilitem a continuidade da vida social. Ambas
desempenham um papel importante na formação do
indivíduo e do futuro cidadão (SZYMANSKI, 2009, p. 98).
Percebe-se então que, a escola e a família são instituições
imprescindíveis para formar o caráter do cidadão. A família não substitui
de forma alguma a responsabilidade da escola, tampouco, a escola
substitui a responsabilidade da família. Sendo assim, Parolin acrescenta
que:
[...] o papel da família na formação e nas aprendizagens das
crianças e jovens é ímpar. Nenhuma escola por melhor que
seja, consegue substituir a família. Por outro lado, destaco
também que a função da escola na vida da criança é

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igualmente ímpar. Mesmo que as famílias se esmerem em


serem educadoras, o aspecto socializador do conhecimento
e das relações não é adequadamente contemplado em
ambientes domésticos. (PAROLIN, 2008, p. 1).
Portanto, verifica-se que, não cabe a família exercer o papel
educacional da escola, mas, ser responsável pela tarefa que lhe compete
por natureza, pois, a desenvolvimento do educando não depende apenas
da aprendizagem conferida pelas instituições de ensino, mas, também da
aprendizagem absolvida no ambiente do lar.
Considerações finais
Depois de analisar este trabalho de pesquisa verifica-se que,
tanto a família quanto a escola desempenham papéis fundamentais no
desenvolvimento do educando. No entanto, nota-se também que, para a
escola desempenhar de forma eficaz o seu papel é preciso que
primeiramente a família tenha desempenhado o dela, pois, a educação
dos pais serve de base para a futura educação dos professores.
Entretanto, percebemos que, atualmente a escola enfrenta
dificuldades pertinentes a violência, aos maus comportamentos, a
indisciplina e a falta de interesse nos estudos dos alunos. Todos esses
problemas estão ligados intrinsicamente a ausência de tempo que os pais
depositam na educação dos filhos. Como verificou-se, devido as
demandas modernas a família se preocupa mais com as outras obrigações
e com as regalias financeiras que pode oferecer aos filhos do que
propriamente com a tarefa primordial de educá-los.
Deste modo, no ambiente do lar os filhos têm sido educadores
de si mesmos, pois, crescem com autonomia para decidirem o que bem
querem. Com isso, verifica-se que, toda a negligência dos pais em torno
da educação dos filhos é refletida claramente na atmosfera escolar. E,
consequentemente, é comum nos dias atuais ver adolescentes que
abandonam os estudos antes até de completarem a educação básica, pois,
não foram incentivados pela a família a valorizarem a instituição de
ensino que frequentam.
Assim, cabe a família independente do arranjo a que está
inserida, voltar a atenção a responsabilidade que lhe é confiada, para que
as crianças e os adolescentes desenvolvam-se com uma alma mais social

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do mundo. Somente com esta estrutura refletida nas maneiras dos


alunos, a escola poderá trabalhar de forma eficaz.
Portanto, a educação familiar é primordial para que os alunos
não só respeitem a instituição escolar, mas, para que também inicie os
estudos motivados sabendo que a escola contribui para a desenvol-
vimento intelectual que é tão necessário na batalha para sobreviver as
exigências profissionais contemporâneas.

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DNA Educação

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e no trabalho. 56ª edição. Rio de Janeiro: Vozes, 2011, p. 216-218.

154
DNA Educação

“VAMOS BRINCAR DE ÍNDIO? ”:


ANÁLISE DECOLONIAL DO DIA DO ÍNDIO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL

Débora Ribeiro1
Eliane Dominico2
RESUMO:
O objetivo deste texto é analisar o Dia do Índio no contexto das práticas
pedagógicas vivenciadas pelas autoras na Educação Infantil. Utilizamos o
viés decolonial que nos permite refletir sobre a hierarquização da população
mundial, iniciada com o processo de modernização/colonização, que imputa
aos povos indígenas e outros grupos sociais e culturais, a inferiorização dos
seus conhecimentos e cultura. As práticas realizadas na Educação Infantil
sobre a temática indígena (re) produzem esse modelo, por isso apontamos a
interculturalidade crítica como projeto de transformação radical da sociedade
e da educação, rumo à construção de alternativas de pensamento e de
mundo.
Palavras-chave: Datas comemorativas. Vivências significativas.
Interculturalidade.
ABSTRACT:
The purpose of this text is to analyze the Indian Day in the context of the
pedagogical practices experienced by the authors in Early Childhood
Education. We use the decolonial bies that allows us to reflect on the
hierarchy of the world population, initiated with the process of
modernization/colonization, which impute to indigenous peoples and other
social and cultural groups, the inferiorization of their knowledge and culture.
The practices carried out in Early Childhood Education on the indigenous
theme (re)produce this model, this is why we point to critical interculturality
as a project of radical transformation of society and education, towards the
construction of alternatives of thought and world.
Keywords: Commemorative dates. Significant experiences. Interculturality.

1 Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGE, da Universidade


Estadual do Centro-Oeste. E-mail: deboraribeiromsncom@msn.com
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGE, da Universidade Estadual

do Centro-Oeste. E-mail: nane_dominico@hotmail.com

155
DNA Educação

Introdução
Esse texto foi motivado pelas experiências que nos constituem
enquanto professoras de crianças pequenas e pesquisadoras. Diante de
um contexto educacional no qual as datas comemorativas ocupam uma
posição relevante dentro do currículo escolar, inquietou-nos
compreender como os encaminhamentos dados refletem na formação
infantil e na (re) produção de uma imagem e identidade inferiores dos
povos indígenas. Para o desenvolvimento dessa reflexão tomamos como
base o Dia do Índio, dada a relevância e a frequência com que essa data
é trabalhada nas escolas e em vista da Lei nº 11.645 de 2008, que trata da
obrigatoriedade do ensino de História e Cultura dos povos indígenas.
Respaldamo-nos em autores como Barroso (2018), Garfield
(2000), Nora (1993), e autores do pensamento decolonial latino-
americano, como Maldonado-Torres (2007), Walsh (2009), Mignolo
(2000) dentre outros, como Boaventura de Sousa Santos (2007, 2010).
Focalizamos os preconceitos e estereótipos que permeiam essa questão
e possibilitam pensar como as instituições educativas podem atuar na
reiteração, crítica e/ou transformação epistêmica e social ao abordar essa
temática com as crianças.
Esse texto aborda duas situações vivenciadas no contexto da
instituição de Educação Infantil e servem-nos como pontapé para pensar
uma questão de extrema importância, traduzem um misto de angústia e
questionamentos ao refletirmos sobre como têm sido direcionadas as
atividades com as crianças.
A primeira vivência trata-se de uma formação de professores
cujo o objetivo era discutir sobre o processo de alfabetização e
letramento na Educação Infantil. Durante a formação realizou-se um
trabalho com um texto, do gênero conto, que narra a história onde um
índio não conseguia entender a importância e uso do sistema escrito de
linguagem, sendo o homem branco o responsável por tirá-lo da sua
ignorância. Refletir sobre esse momento é importante por considerarmos
que práticas como essa partem da hierarquização da população,
mantendo os indígenas como inferiores, e também desvalorizando sua
cultura e conhecimento.

156
DNA Educação

Também trazemos o relato de uma experiência referente ao Dia


do Índio na qual a proposta do Centro de Educação Infantil foi a
realização de um passeio pela cidade com as crianças ‘fantasiadas’ de
índio. Procedimentos como esse necessitam ser repensados, pois ao
contrário de contribuir no desenvolvimento das crianças, elas as
desrespeitam nesses momentos, devido à padronização dos movimentos
e omissão da liberdade da expressão corporal infantil e do trabalho com
a cultura. Além disso, uma imagem genérica de índio foi reproduzida,
sem considerar o indígena na atualidade e sua diversidade.
Frente a esse panorama inicial e outras situações similares com
as quais nos defrontamos no cotidiano da educação escolar, o objetivo
desse texto é problematizar as datas comemorativas dentro das institui-
ções educativas, em especial o ‘Dia do Índio’. A abordagem da temática
indígena segue um viés decolonial, entendendo que a ambiguidade
relacionada a isso remete-se ao processo colonial-modernizador que
imputa aos povos indígenas um local epistêmico, social e cultural de
inferioridade, mas que ao mesmo tempo reconhece, durante o Estado
moderno, a importância desse grupo, assim como das atrocidades
cometidas em nome do projeto ocidental de sociedade, reconhecendo,
mas não garantindo a efetividade dos direitos indígenas.
Na escrita, inicialmente trazemos uma reflexão sobre as datas
comemorativas no trabalho pedagógico. Na sequência tratamos do dia
do índio, um sujeito que ainda é apresentado às crianças com estere-
ótipos e preconceitos. Logo após salientamos a relevância de novos
direcionamentos no trabalho escolar realizado com as crianças por meio
da interculturalidade crítica e criação de novas alternativas de
pensamento e sociedade.
As datas comemorativas dentro do trabalho pedagógico
Carnaval, páscoa, dia da mulher, dia do índio, dia das mães,
festas juninas, dia dos pais, folclore, dia das crianças e natal. Estas são
algumas datas enaltecidas por diferentes culturas, que são marcadas
como um momento importante de relembrar/comemorar algo frequen-
temente relacionado com a cultura e com a religiosidade. Portanto, estão
enraizadas culturalmente e objetivam retratar a memória dos povos.
Nora (1993, p.9) destaca que “o que nós chamamos de memória é, de

157
DNA Educação

fato, a constituição gigantesca e vertiginosa do estoque material daquilo


que nos é impossível lembrar, repertório insondável daquilo que
poderíamos ter necessidade de nos lembrar”. Assim, compreendemos
que umas das finalidades das datas comemorativas é avivar a memória
coletiva. Mais do que avivar, a memória coletiva tem o potencial de atuar
como representação e desprendimento. Para Marín (2013), a memória
atua como forma de resgatar o que foi suprimido, como desprendimento,
uma experiência de caráter decolonial3 que visa reconhecer e transformar
as marcas profundas da colonialidade.
Essas datas comemorativas também ocupam um lugar de
destaque no currículo das instituições educativas. No atual momento de
reflexão sobre a Educação Infantil, observa-se que elas são focos de
discussões no planejamento das instituições. Estão ancoradas em
repetições ano após ano, sendo trabalhadas quase sempre da mesma
forma, fato que suscita o seguinte questionamento: será que está claro o
seu papel dentro do currículo? Elas contribuem com a efetivação do
currículo ou são abordadas apenas como festividades? Contribuem para
a reprodução de preconceitos e estereótipos sobre as diferentes culturas
e identidades? Promovem a reflexão e produção crítica sobre as
sociodiversidades?
Barroso (2018) alerta que “celebradas na escola, as datas
comemorativas podem ser uma das estratégias para nutrir memórias e,
outrossim, cumprem o papel de tecer ou reiterar identidades”. O
posicionamento da autora chama à responsabilidade de como estão
sendo trabalhadas essas datas dentro do currículo escolar, fazendo
memória à cultura ou reforçando preconceitos e estereótipos?
Dentro dos Centros de Educação Infantil, o currículo
geralmente é trabalhado orientando a constituição e a realização de
projetos, os quais valorizam as datas comemorativas. Esses projetos são

3 Não há que se confundir “decolonialidade” com “descolonialidade”, enquanto o primeiro termo


se refere ao processo histórico de transcender a colonialidade e o padrão de poder colonial, o
segundo termo se refere à superação do colonialismo, tem relação com as lutas por
independência coloniais. Decolonialidade significa um processo de superação mais profundo e
complexo, que envolve a superação da hierarquização mundial sob os critérios de raça, trabalho
e gênero. Tem relação ainda com a superação da subalternização de conhecimentos, subjeti-
vidades, experiências e formas de vida.

158
DNA Educação

alterados de tempo em tempo, trocando-se a temática em função do


calendário. Essa mudança repentina de temáticas faz com que os
conteúdos trabalhados sejam abordados de forma fragmentada. Por
conta disso, verifica-se que não há uma sistematização dos conheci-
mentos. Ao se discutir o currículo dentro das instituições percebe-se que
enquanto uma parte do grupo propõe discussões a respeito da efetivação
de um currículo que atente para as especificidades das crianças, ainda há
aqueles que manifestam uma certa resistência motivados por frase como:
‘as famílias gostam das apresentações e aguardam ansiosas os momen-
tos’, ‘as mães esperam os cartões, mesmo sendo feitos pelas mãos dos
professores’, ‘a escola sempre fez assim’.
Observa-se que o trabalho realizado com as crianças ocorre de
forma desvirtuada de uma educação que priorize as vivências
significativas, pois é comum no trabalho pedagógico com os pequenos a
frase ‘hoje é dia do’? Desse modo, esses dias comemorativos são
trabalhados, muitas vezes, desconectados de outros conhecimentos e
atividades, pois abandona-se o projeto que estava sendo concretizado em
função da comemoração do dia.
Assim, observamos que o trabalho com as datas comemorativas
dentro dos Centros de Educação Infantil é destituído de reflexões por
parte dos professores e equipe gestora, pois as atividades geralmente
seguem com propostas como lembrancinhas, apresentações, pinturas no
rosto, confecções de máscaras, pinturas de atividades fotocopiadas que
retiram da criança o poder de imaginar, criar, descobrir, socializar sua
cultura e aprender com as demais. Esse fato aponta para uma ruptura
entre currículo e conhecimento, desconsiderando a cultural infantil.
Sobre isso, Oliveira (2011. p. 184) menciona:
O planejamento curricular para creches e pré-escolas busca,
hoje, romper com a histórica tradição de promover o
isolamento e o confinamento das perspectivas infantis
dentro de um campo controlado pelo adulto e com a
descontextualização das atividades que muitas vezes são
propostas às crianças. Tarefas ritualizadas de colorir
desenhos mimeografados, de colar bolinhas de papel em
folhas e outras são, com isso, substituídas por atividades de
pesquisas, de troca de opiniões, de expressão pessoal.

159
DNA Educação

Contudo, o trabalho com as datas comemorativas em muitos


momentos vai na contramão da proposta da autora em construir um
currículo que seja fundamentado em “pesquisas, troca de opiniões, de
expressão pessoal”. O trabalho com as datas é baseado em atividades
repetitivas, com ausência de significados para as crianças e sem a
participação efetiva delas.
Os encaminhamentos, desde as lembrancinhas até as apresen-
tações artísticas, são pensados e construídos pelo adulto. Assim, no dia
das mães, dia do circo, festa junina, folclore, por exemplo, a criança não
participa da escolha da roupa, da música, da coreografia. É o docente
quem escolhe e decide pela criança, a qual, inclusive, não tem autonomia
para escolher se quer ou não fazer parte da apresentação artística.
Sousa (2000, p. 100), ressalta que “[...] o mais importante de
todo o envolvimento das crianças nessas festas e comemorações escola-
res deve ser buscado nelas, não em nós ou nos outros”. A autora enfatiza
a importância de respeitar o protagonismo infantil construindo um cur-
rículo que seja pensado com as crianças e para as crianças.
Micarello (2006) faz uma crítica salientando que muito mais que
a criança, é o professor quem se solta nessas ocasiões, pois se dedica
intensamente na preparação das festas cujo o único objetivo é apresentar
um produto interessante aos pais. Portanto, a preocupação está muitas
vezes, pautada, nos interesses dos adultos, destituídos de reflexões sobre
o significado de tais encaminhamentos. Nesse sentido, é preciso que o
planejamento contemple as especificidades das crianças apresentando
uma proposta pedagógica que respeite a cultura e a diversidade de cada
um.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
tecem esse compromisso com a educação afirmando como um dos
princípios fundamentais na educação infantil a solidariedade e respeito
às diferentes culturas, identidades e singularidades:
Desde muito pequenas, as crianças devem ser mediadas na
construção de uma visão de mundo e de conhecimento
como elementos plurais, formar atitudes de solidariedade e
aprender a identificar e combater preconceitos que incidem
sobre as diferentes formas dos seres humanos se constitu-

160
DNA Educação

írem enquanto pessoas. [...] é necessário criar condições para


o estabelecimento de uma relação positiva e uma apropri-
ação das contribuições histórico-culturais dos povos indí-
genas, afrodescendentes, asiáticos, europeus e de outros
países da América, reconhecendo, valorizando, respeitando
e possibilitando o contato das crianças com as histórias e as
culturas desses povos (BRASIL, 2009, p. 89).
No entanto, no que diz respeito ao trabalho com os dias dos
índios, essa data, ainda é abordada dentro das instituições educativas
reforçando preconceitos e estereótipo ancorados na realização de ativi-
dades enfadonhas como pintura no rosto, recortes de penas construídas
em E.V.A ou cartolina, confecção de cocares com canudinhos,
apresentações das músicas da Xuxa, dentre outras que empobrecem o
poder crítico e criativo das crianças omitindo as belezas, riquezas e a
história dos povos indígenas.
Dia do índio....
A ambiguidade relacionada ao trabalho com a temática indígena
na educação brasileira pode ser entendida a partir da relação que o
próprio Estado desenvolveu com esse grupo social/cultural. A relação
construída/forjada com os povos indígenas durante o Estado Novo
revela essa ambiguidade por ter contribuído na elaboração de uma visão
e identidade romântica e idílica do índio brasileiro. O projeto nacionalista
de Vargas durante os anos de 1937 a 1945 tinha o objetivo de integrar o
povo brasileiro, incluindo os povos indígenas, defendidos como as
verdadeiras raízes da brasilidade. Vargas prometeu distribuir terras para
os índios e caboclos, a fim de fixa-los na terra, tornando-os produtivos,
acreditava-se que o nomadismo era apenas um estágio evolutivo. Em
1934, Vargas decretou 19 de abril como o Dia do Índio, consagrando um
ícone cultural, símbolo de paciência, força inata, fidalguismo. Esse
processo fazia parte da intenção de integrar o índio para consolidar o
Estado, mas por outro lado, enquanto alguns grupos indígenas
engajaram-se nesse projeto, outros rejeitaram totalmente, propuseram
outras alternativas (GARFIELD, 2000).
O Estado reduziu aproximadamente duzentos grupos indí-
genas que viviam com diversas culturas e línguas a “índios”. Isso acabou
por sufocá-los, viviam sob um sistema de tutela, considerados relativa-

161
DNA Educação

mente incapazes desde o Código Civil de 1916. Diante disso, tiveram que
lutar para expressar seus próprios interesses, somando a isso os séculos
de opressão do mundo moderno/colonial que remetem à colonização.
Organizaram-se e passaram a endossar os movimentos sociais, cuja
importância radica na transformação e reivindicação de uma sociedade
capaz de responder às necessidades e características dos diversos grupos
sociais e culturais.
Nos currículos escolares os movimentos sociais começam a
exercer considerável influência no Brasil a partir de 1940 com o
movimento negro se contrapondo ao mito da democracia racial. Nos
anos 1980 esse movimento se intensificou com a discussão por parte de
homossexuais, igrejas e povos indígenas, tendo esses últimos buscado a
retomada pelas suas terras, o direito à educação diferenciada e saúde.
Conquistaram na Constituição Federal de 1988, por meio dos artigos
210, 215 e 231, o direito de uso da língua indígena e processos próprios
de aprendizagem no ensino fundamental; a proteção de suas manifes-
tações culturais; o reconhecimento de sua “[...] organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam [...]” (p. 146).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de
1996 também incorpora essa discussão, especificamente no artigo 26,
onde o ensino de História do Brasil deve contemplar as contribuições
das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e europeia. As questões
étnicas recebem mais destaque e força com a promulgação da Lei nº
10.639 em 2003, que implementa a obrigatoriedade do ensino de História
e Cultura Africana e Afro-brasileira. Em 2008 essa lei sofreu alterações
com a inclusão da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura dos
povos indígenas, por meio da Lei nº 11.645. Mas como afirma Silva
(2010, p. 41), a inserção desses valores culturais não pode ser pensada
apenas como uma conquista dos movimentos sociais e grupos étnicos,
afinal, “a educação está sempre atrelada ao desenvolvimento político e
econômico”.
Apesar dessas conquistas importantes dos movimentos indí-
genas, a inserção da temática nos currículos escolares encontra diversos

162
DNA Educação

desafios e impasses, como o racismo institucional que ocorre desde o


desconhecimento da referida Lei, ao descrédito com as ações que
venham atender às suas exigências. Silva (2014) indica que a
normatização da Lei não ocorreu, sendo que as práticas pedagógicas
ainda recorrem a um índio genérico, aquele idealizado na era Vargas,
nesse sentido, “[...] negar as identidades dos povos indígenas é a condição
para omitir seus direitos, principalmente aos seus territórios” (p. 29).
Uma grande problemática é a formação de professores, dos que já atuam
e daqueles em formação. Concordamos com Silva (2014) quando o autor
afirma que a formação continuada tem sido realizada de forma
improvisada, sendo recorrente que o índio ainda seja visto como
ignorante, incivilizado, selvagem.
Como exemplo, tomamos a formação de professores que
aconteceu no interior do meio-oeste catarinense no ano de 2018, o qual
fazia parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC), envolvendo professoras do pré-escolar, com o objetivo de
discutir sobre a importância do sistema escrito de linguagem e
características de sua aquisição pelas crianças. Foi utilizado um texto,
espécie de conto, onde um índio não conseguia entender a importância
e uso do sistema escrito de linguagem, sendo o homem branco o
responsável por tirá-lo da sua ignorância. Práticas como essa partem da
hierarquização da população, mantendo os indígenas como inferiores, e
também desvalorizando sua cultura e conhecimento.
Outro fato preocupante foi a proposta da escola em realizar um
passeio no Dia do Índio com as crianças caracterizadas. O
encaminhamento foi para que os pequenos viessem prontos de suas
casas e pudessem desfilar pelas ruas da cidade com suas ‘fantasias”. O
intuito era gerar um resultado observável pela comunidade, que já está
adaptada a presenciar atividades como essa. Entretanto, nos questio-
namos: qual sentido dessa atividade para as crianças? O que aprenderam?
Quais conhecimentos construíram? Apoiadas nos estudos da cultura
indígena, reconhecemos que ao contrário de contribuir no desenvol-
vimento das crianças, elas são desrespeitadas durante momentos como
esse, devido à padronização dos movimentos e omissão da liberdade da
expressão corporal infantil e do trabalho com a cultura. Além disso, uma

163
DNA Educação

imagem genérica de índio foi reproduzida, sem considerar o indígena na


atualidade e sua diversidade.
Essas experiências foram vivenciadas pelas autoras deste texto,
em nossas práticas na educação infantil presenciamos o Dia do Índio ano
após ano sendo ‘comemorado’ da mesma forma: crianças enfeitadas com
rostos pintados, usando cocares feitos com canudinhos, vestindo saiotes
de papel, e não faltam os gritos e cenários com ocas, flechas e florestas.
Afinal, de qual índio estamos falando? Quem está se beneficiando com
essas práticas? “Como essas imagens ficarão gravadas nas memórias das
crianças desde tão cedo? [...] quais as consequências da reprodução
dessas desinformações sobre as diversidades étnicas existentes no nosso
país? ” (SILVA, 2014, p. 28).
Nas décadas de 80 e 90 a maioria dos países da América Latina
assumiu políticas sociais, educacionais e constitucionais orientadas pelos
desígnios neoliberais, sob o intento de “incluir” a todos, inclusive os
setores excluídos historicamente, dentro do mercado, para com isso
apaziguar os conflitos. As reformas educativas tiveram como viés o
multiculturalismo de via neoliberal, mesmo que seu impulso viesse das
reivindicações sociais, essas reformas em sua prática e conceitualização
se esforçaram para adequar a educação às exigências da modernização e
do desenvolvimento. Nessas reformas a interculturalidade aparece como
meio para acomodar o discurso da diversidade e da interculturalidade
como convivência, tolerância, respeito e reconhecimento da diferença
cultural, sem profundas mudanças (WALSH, 2009).
No bojo dessas políticas, que no Brasil foram representadas na
educação pelos Parâmetros Curriculares Nacionais4, a inter-culturalidade
aparece como funcional ao sistema moderno/colonial. Não se questionam

4Os PCNs foram lançados em 1997 pelo MEC e pela Secretaria de Educação Fundamental com
o intuito de servir como currículo nacional para a educação básica (apesar de não ser
obrigatório), nesse sentido, propõe objetivos, conteúdos essenciais, critérios de avaliação e
orientações didáticas. Como afirma Moreira (1996), a implantação dos PCNs seguiu o modelo
do que vinha ocorrendo em outros países, como Espanha, Estados Unidos, Inglaterra e
Argentina, sob o viés neoliberal. O autor afirma que as discussões que antecederam a
implantação dos parâmetros não foram amplas e que uma perspectiva neoliberal orientou sua
elaboração. Com relação ao multiculturalismo, Moreira prossegue dizendo que “a preocupação
dominante é a de colocar o currículo a serviço da homogeneização cultural” (p. 11).

164
DNA Educação

as regras do jogo, as causas da desigualdade social e cultural, tornando a


interculturalidade compatível com a lógica do sistema neoliberal. Este
problema pode ser observado na produção de textos escolares, na
formação de professores e nos currículos usados nas escolas, que sob a
alegação intercultural reproduzem estereótipos e processos coloniais de
racialização de indígenas e negros. Na formação docente, essa discussão
geralmente se limita ao tratamento antropológico de tradição folclórica.
Nas salas de aula, a aplicação é marginal ao máximo. O objetivo é manter
as relações sociais e culturais como estão, reproduzindo a hierarquização
da população, mantendo os povos indígenas como exóticos e alheios ao
mundo moderno, invisibilizando-os enquanto sujeitos históricos e
políticos. Nesse sentido, apontamos que o trabalho com a temática
indígena e com as diversidades deve ocorrer no sentido de uma transfor-
mação radical, apontada e já realizada pelos movimentos sociais latino-
americanos.
Tecendo memórias
O trabalho com as questões étnicas, e especificamente com a
temática indígena, deve ser pautado na interculturalidade crítica, que
parte não apenas da educação escolar, mas de diferentes âmbitos da
sociedade: jurídico, da saúde, do meio ambiente, da economia, da
produção cultural e da política. É entendida como projeto político, social,
epistêmico e ético direcionado para a transformação estrutural e sócio-
histórica para a construção de uma sociedade radicalmente distinta. É
algo ainda por construir, que surge da demanda da subalternidade, desde
abajo. Essa transformação radical vai acompanhada pelo questionamento,
reconhecimento e crítica da configuração de poder colonial que subjuga
os povos e suas formas de ser, viver e pensar; pelo desprendimento a
partir dessa memória, que também possui as bases para o reposicio-
namento dos saberes e dos modos de ser que foram subjugados; a partir
daí, a transformação é seguida pela abertura do diálogo em posição de
igualdade, para então ser possível a construção de modos outros de ser,
viver, sentir, conhecer etc.
Para que isso seja possível, apostamos na radicalidade dos
movimentos sociais latino-americanos, que, como afirma Sousa Santos
(2010), nos últimos trinta anos, protagonizaram as lutas mais avançadas,

165
DNA Educação

que se originaram de forma muito distinta das privilegiadas pela teoria


crítica: o sindicato e o partido. Não habitam centros urbanos industriais,
mas sim lugares remotos desde a selva amazônica ou de Chiapas, aos
Andes sul-americanos. Os termos que emergem de suas lutas não são
socialismo, direitos humanos, democracia ou desenvolvimento, mas sim
dignidade, respeito, território, autogoverno, o bem viver, a Mãe Terra 5.
Os movimentos sociais latino-americanos partem de conhecimentos
ancestrais, populares e espirituais que sempre foram alheios à cientifi-
cidade da teoria crítica eurocêntrica, por isso, trazem o repensar sobre o
desperdício da experiência.
Por sua vez, a razão moderna-ocidental é indolente, se
reivindica como a única forma de racionalidade válida, não se dedica a
descobrir outras racionalidades a não ser para transformá-las em matéria-
prima. Não pensa o futuro porque julga saber tudo sobre ele,
considerando-o como uma superação linear, automática e infinita do
presente (SOUSA SANTOS, 2007a). Por isso tomar distância desse
conhecimento e de sua razão indolente é necessário, sem desconsiderar
suas ricas contribuições, mas assumindo que temos problemas modernos
para os quais não existem soluções modernas. Essa distância leva a uma
aproximação com versões subalternas, silenciadas e marginalizadas de
modernidade e racionalidade, tanto ocidentais como não ocidentais
(SOUSA SANTOS, 2010). Esse distanciamento implica decolonizar a
visão que foi construída sobre os povos indígenas, assim como de outros
grupos subalternizados.

5 Sucintamente, pode-se dizer que Suma Kawsay (do quéchua, suma: bem; kawsay: viver), é
uma expressão indígena que representa outro modelo de pensar e fazer a vida em sociedade,
não como pauta o viver melhor capitalista (onde viver melhor significa possuir mais riquezas e
bens materiais, e que implica no “viver mal” da maioria). Como afirma Boff (2009), “O ‘bem viver’
supõe uma visão holística e integradora do ser humano inserido na grande comunidade terrenal
que inclui além do ser humano, o ar, a água, os solos, as montanhas, as árvores e os animais;
é estar em profunda comunhão com a Pacha Mama (Terra), com as energias do universo e com
Deus”. Implica que a preocupação não é acumular, mas produzir o suficiente para todos em
harmonia com a natureza, o convite é também pensar uma nova democracia, uma sociedade
plurinacional que respeita a natureza, a diversidade e os povos originários. Nesse sentido, a
Mãe Terra/Pacha Mama é pensada como algo muito diferente do que a noção cartesiana que
separa a humanidade da natureza, é pensada como algo intrinsicamente constituinte da vida e
que também é considerada como ser vivo a ser respeitado e não algo a ser incansavelmente
explorado.

166
DNA Educação

Desde a colonização da América iniciada em 1492, a população


mundial foi hierarquizada em critérios de raça, trabalho e gênero. Novas
identidades sociais foram produzidas (índios, negros, mestiços, brancos
e mais tarde, amarelos), e também as geoculturas do colonialismo
(América, África, Ocidente, Europa, Oriente e Oceania mais tarde).
Essas identidades foram associadas a hierarquias, lugares e papéis sociais
configurados em relações de dominação. Foram associados com uma
distribuição racista do trabalho, uma divisão internacional do trabalho,
que se expressou na quase exclusiva associação do trabalho assalariado e
da administração colonial com a branquitude.
Não apenas foram hierarquizadas as novas identidades, como
também todas as formas de subjetividade, cultura e conhecimento
passaram a ser controladas sob a hegemonia europeia. Todas as
experiências, histórias, recursos e produtos culturais foram articulados
por uma única ordem cultural, global e ocidental. Toda essa falácia
construída em torno do modelo europeu como ideal de civilização,
cultura, conhecimento e, ainda, sob a hierarquização racial da população
mundial, contribuiu para uma inferiorização da população que não se
enquadra nesses quesitos. As novas identidades criadas com a
colonização da América remetem a relações que são verticais e não
horizontais, ou seja, algumas identidades denotam superioridade sobre
outras. E esse grau de superioridade se justifica com relação aos graus de
humanidade atribuídos às diferentes identidades. Em geral, quanto mais
clara for a pele de alguém, mais próximo estará de representar o ideal de
humanidade. Para Maldonado-Torres (2007), assim como existe uma
diferença epistêmica colonial que permite observar o funcionamento de
uma colonialidade do conhecimento, existe uma diferença ontológica
colonial que revela a colonialidad del ser.
Enquanto a diferença epistêmica colonial, ou simplesmente
diferença colonial para Mignolo (2000), é um mecanismo hegemônico de
subalternização do conhecimento não ocidental, que impõe a inferior-
idade e a diferença a quem se classifica para justificar a colonização, a
diferença ontológica colonial, colocada entre o ser e o que existe abaixo
dele, como um sub-outro, marcado como utilizável ou dispensável,
permite uma diferenciação clara entre a subjetividade humana e a

167
DNA Educação

condição de sujeitos sem resistência ontológica. “La invisibilidad y la


deshumanización son las expresiones primarias de la colonialidad del
ser” (MALDONADO-TORRES, 2007, p. 150). Então a dominação e a
subalternização dos colonizados acontecem em três esferas interligadas:
racialmente com a colonialidade do poder, epistemologicamente com a
diferença colonial e ontologicamente com a colonialidade do ser.
A visão eurocêntrica da modernidade e da centralidade europeia
nesse processo levou à construção do imaginário da civilização ocidental,
uma imagem “interior” construída por “[...] letrados y letradas, viajeros
y viajeras, estadistas de todo tipo, funcionarios eclesiasticos y pensadores
cristianos, [que tambien] estuvo siempre acompanãda de um ‘exterior
interno’, es decir, de una ‘exterioridad’ pero no de un ‘afuera’”
(MIGNOLO, 2000, p. 56). Fazem parte desse exterior os mouros,
judeus, ameríndios e escravos africanos, que passaram a figurar como a
diferença (exterioridade) no interior do imaginário moderno/colonial. A
construção deste imaginário também envolve as resistências a partir da
diferença colonial, mas que foram apagadas da história 6. Esse imaginário
surgiu de uma articulação de forças, de vozes ouvidas e silenciadas, de
memórias compactas ou fraturadas, de uma história que é contada a
partir de apenas um lado, que suprime outras memórias e fatos.
Nesse sentido, o resgate da memória é uma ferramenta que traz
à superfície conhecimentos, modos de ser e pensar, resistências e lutas
tornadas inexistentes pelo conhecimento moderno-ocidental. A
memória coletiva traz a resistência indígena para afirmar que o indígena
não constitui um grupo homogêneo, que atuou somente a favor da
conquista e ocidentalização, mas sim um sujeito histórico e político que
por sua heterogeneidade teve diferentes papeis nesse processo. O índio
torna-se plural, torna-se povos indígenas, numa riqueza cultural e

6 Como aconteceu com a Revolução Haitiana. Em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão na França reconhecia que todos os homens eram iguais e livres, no entanto, essa
igualdade não se estendia à população da então colônia francesa de Saint-Domingue. Por isso,
pode-se dizer que a Revolução Haitiana foi muito mais radical e de fato promoveu a igualdade
entre todos, pois levou à eliminação da escravidão e à independência do Haiti. A Revolução
Francesa é tão proclamada por seu universalismo, mas na verdade excluiu negros, mulheres e
pobres da condição de igualdade. Por sua vez, a Revolução Haitiana é esquecida pela história
oficial.

168
DNA Educação

epistêmica que a colonização tentou apagar, e que o Estado Novo em


sua tentativa de homogeneização tentou efetivar. Somente a construção
de novas alternativas epistemológicas e sociais, baseadas no que os
movimentos sociais têm a contribuir, já que sua lógica parte de uma
racionalidade libertadora para a construção de uma democracia
horizontal que vai além de uma democracia formal, pode tornar possível
que um diálogo em forma de igualdade seja realizado entre as diferentes
epistemologias que emergem desse processo, no sentido de intercultura-
lizar a sociedade como um todo.
O papel da escola nesse processo é crucial no sentido de que
somente uma transformação cognitiva pode tornar possível um mundo
melhor. Os diferentes conhecimentos e modos de ser precisam ser
considerados em complementaridade, desconstruindo a hierarquização
mundial da população. Nessa direção, o Dia do Índio não deve ser uma
data para folclorização, homenagear ou comemorar esse dia não tem
nada a ver com pintar rostos e fazer cocares. Tem a ver com refletir sobre
o lugar que habita o indígena hoje, da exclusão, e também das resistências
e pluralidades. Uma estratégia interessante é convidar os próprios
indígenas para falar da sua história e cultura, e não apenas em um único
dia, mas envolvendo escolas e comunidades indígenas em vários
momentos, fazendo visitas, trocas, etc. É interessante utilizar vídeos,
imagens e textos que tragam a diversidade dos povos indígenas e que
suscitem reflexões sobre sua opressão e exploração, assim como de suas
lutas.
Considerações finais
Sob uma perspectiva decolonial, a temática indígena na Edu-
cação Infantil, assim como nos demais níveis, etapas e modalidades, deve
partir de princípios interculturais e éticos. O distanciamento da
racionalidade moderna-ocidental é o ponto de partida para construir
epistemologias e sociedades outras baseadas na racionalidade libertadora
dos movimentos sociais, como o movimento indígena. É preciso que a
imagem idílica, romantizada e folclorizada do índio seja desconstruída,
pois é fruto da ambiguidade que o próprio Estado construiu com relação
a esse grupo. Lembrando ainda que a desconsideração da história e

169
DNA Educação

cultura indígena está relacionada com interesses políticos e econômicos,


como a invasão das terras e exploração dos recursos indígenas.
O trabalho com a temática indígena na educação deve estar
pautado na consideração em igualdade das diferentes formas de
conhecimento, de ser e pensar o mundo. Considerando ainda que todos
os sujeitos são construtores de conhecimento, inclusive as crianças
pequenas, atividades mecanizadas e sem significado não têm sentido.
Decolonizar a educação implica que os atores do processo educativo
sejam construtores ativos desse processo. Implica ainda que os diferentes
grupos sociais e culturais sejam considerados em um diálogo de
igualdades, rumo à construção de uma sociedade melhor e mais justa.

170
DNA Educação

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172
DNA Educação

OS HOMENS NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA


DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
O QUE A ACADEMIA PRODUZIU SOBRE ELES7

Eliana Batista Souza8


RESUMO:
Por causa do processo de feminização do magistério, a Educação Infantil
nasceu como feminina. Apesar disso, alguns homens se “arriscam” e
cruzam as fronteiras estabelecidas pelos discursos naturalizadores. Nesse
sentido, compreender a atuação desses homens nesse espaço é de suma
importância. Assim, o foco desse artigo é evidenciar e analisar trabalhos
acadêmicos sobre a atuação dos homens na docência na Educação
Infantil.
Palavras-chave: masculino, educação de crianças pequenas, professores
ABSTRACT:
Because of the process of feminization in the teaching profession child
education was born as feminine. Despite this, some men “risk” and cross
the boundaries established by natural form of feminine education. In this
sense, understanding the performance of these men in this situation is of
the utmost importance. Thus, the focus of this article is to discover and
understand the workings and role of men in the teaching of early
childhood education.
Keywords: child education, teachers, male

7 O texto foi organizado a partir da dissertação de mestrado denominada A permanência de


homens na docência da Educação Infantil na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte.
8 Eliana B. Souza é mestre em Educação e Formação Humana pela Universidade do Estado de

Minas Gerais, especialista em Gênero e diversidade na escola, pedagoga e atua como


professora do Ensino Fundamental na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte.

173
DNA Educação

Introdução
São nas décadas de 1970 e 1980 em que há uma grande
expansão do atendimento das crianças com faixa etária entre 0 e 6 anos
devido às lutas do Movimento pró-creche que reivindicava políticas pú-
blicas que atendessem as crianças, filhas das mães que exerciam ativida-
des remuneradas fora de seus lares. Em 1988, também, sob influência
das mobilizações do Movimento Pró-creche, a Educação Infantil foi
incluída no capítulo da educação na Constituição Federal, constituindo-
se como campo de trabalho docente.
Por conta de todo processo de feminização do magistério, esse
campo de trabalho já nasceu feminino, segundo Saparolli (1997), pois os
homens foram deixando a docência (das outras etapas educacionais) e
assumindo postos superiores na hierarquia burocrática devido ao des-
prestígio profissional que traduziu-se, principalmente, nos baixos sala-
rios, de acordo com Rosa; Sá (2015, p.1). Enquanto isso, as mulheres
foram assumindo esses lugares e para justificar a fixação das mesmas
nesses espaços foi sendo tecido ao longo do tempo o discurso de que
elas eram ideais para ocupá-los pois a
mulher-mãe-professora, aquela que ilumina na senda do
saber e da moralidade, qual mãe amorosa debruçada sobre
as frágeis crianças a serem orientadas e transformadas por
dedos que possuem a capacidade natural de desenhar
destinos e acalentar esperanças, coadjuvantes inspirada de
uma escola que se erige como transformadora de
consciências [e corpos]. (ALMEIDA, 2006, p. 61, grifos
nossos).
E ao mesmo tempo, foi sendo, também, tecidos argumentos
para o afastamento dos homens da educação das crianças. Um deles é o
que Louro (2010, p. 20) chamou de dessexualização do espaço escolar,
já que os homens são vistos como aqueles que exercem a sexualidade
enquanto as mulheres como seres assexuados. Os homens, assim, na
relação com as crianças, são vistos com certo “pânico moral” que os
tipifica como potenciais pedófilos e tal pensamento é corroborado com
as;

174
DNA Educação

(...) campanhas em torno do combate à violência/abuso


sexual e a uma ampla divulgação na mídia envolvendo
padres, médicos, educadores, artistas e outros acusados de
pedofilia(...) [o que] têm levado a mudanças de
comportamento e a um certo pânico moral, através de um
monitoramento de possíveis ações que antes pareciam tão
inofensivas, mas que hoje podem ser interpretadas ou
mesmo confundidas como nocivas às crianças. (...) As
próprias manifestações de afeto e interesse de homens por
crianças pequenas podem ser vistas, nos dias de hoje, com
certa desconfiança. (FELIPE, 2006, p. 215)
Isso faz com que homens, principalmente, na Educação
Infantil, onde o contato com os corpos infantis é muito próximo e
necessário devido aos cuidados com os mesmos, sejam tidos como
ameaças.
Apesar desses dificultadores é possível encontrar homens
exercendo a docência com crianças pequenas. Segundo dados do
Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2016, cujos dados foram
extraídos das estatísticas do MEC/Inep/DEED de 2014, de um total de
498.785 professores da Educação Infantil, 15.703 eram homens, ou seja,
do total desses profissionais, os homens representavam 3,15%.
Embora o percentual de homens atuando na Educação Infantil
seja baixo, pensando na construção dos papéis sexuais aos quais todos
estão submetidos, é de suma importância compreender a atuação deles
nesse espaço considerado feminino.
Nesse sentido, o objetivo desse artigo é buscar a produção
acadêmica sobre a atuação desses sujeitos nessa etapa da educação,
principalmente, nas três últimas edições da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), ), bem como em estados
da arte, além de teses e dissertações disponíveis no portal e no banco de
teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e nos repositórios de universidades públicas e particulares,
traçando, dessa forma, um panorama das pesquisas realizadas no período
de 2004 a 2014.
É importante ressaltar que estudar tanto homens, como
mulheres é situar-se no campo do gênero, sendo, assim, importante

175
DNA Educação

compreendermos como tal conceito foi introduzido no âmbito


acadêmico.
Os estudos sobre gênero na Academia
Assim como em outros lugares do mundo, no Brasil, os estudos
sobre gênero têm início com o movimento feminista. De acordo com
Heilborn; Sorj (1999, p.3), esse movimento teve participação muito
expressiva de acadêmicas, “a tal ponto que algumas versões de sua
história consideram que o feminismo apareceu primeiro na academia e
só mais tarde, teria se disseminado entre mulheres com outras inserções
sociais” fato explicado por essas mulheres estarem em situação privile-
giada para receber, elaborar e disseminar as novas pautas colocadas pelo
feminismo dos países capitalistas avançados. “Assim, quando o
movimento de mulheres no Brasil adquire visibilidade, a partir de 1975,
muitas das suas ativistas ou simpatizantes já estavam inseridas e
trabalhavam nas universidades” (HEILBORN; SORJ, 1999, p.3).
No entanto, é importante observar que nem sempre esses
estudos tiveram a abrangência que o conceito de gênero abarca, pois a
denominação mais comum para essa área na década de 1970 foi “estudos
sobre a mulher” que objetivavam, principalmente, produzir conheci-
mentos sobre a situação das mulheres nas várias esferas da sociedade e
denunciar a opressão a que estas estavam submetidas no Brasil.
De acordo com Heilborn; Sorj (1999), a partir da década de
1980, o termo mulher foi sendo substituído pelo termo gênero. Com
isso, a produção acadêmica foi deixando de focar as diferenças sexuais e
as relações de opressão, enfatizando os aspectos culturais e relacionais
do conceito. Desse modo, os homens foram incluídos como uma
categoria empírica a ser investigada.
A categoria gênero surge a partir dos questionamentos acerca
da naturalização dos papéis sexuais feita por Simone de Beauvoir para
quem “não se nasce mulher, torna-se mulher”. A partir de tal
questionamento o movimento feminista, deixou de abordar, apenas, a
submissão do poder masculino sobre as mulheres, mas “pensar como
está organizada na sociedade a diferença sexual, que se baseia no
binarismo, associando o poder ao polo masculino e a submissão ao polo

176
DNA Educação

feminino, como se inscritos na sua própria natureza” (ARAÚJO;


BARRETO; HEILBORN, 2010, p. 48).
Para Piscitelli (2009), a construção do conceito de gênero teve
grande contribuição da antropologia. Primeiramente, a pesquisa da
antropóloga estadunidense Margareth Mead, realizada na década de
1930, em que comparou três sociedades tribais na Nova Guiné,
publicada no livro Sexo e temperamento em três sociedades primitivas, revelou
diferenças nos papéis atribuídos a mulheres e homens em cada uma
delas, trazendo à evidência o caráter cultural dos papéis sexuais. Segundo
Piscitelli (2009), embora Beauvoir não tenha utilizado o termo “papéis
sexuais” esta incorporou as noções do mesmo, diferenciando-se da
elaboração de Mead ao embasar-se na preocupação com a dominação
masculina.
Posteriormente, a formulação acerca do sistema sexo/ gênero
da antropóloga Gayle Rubin em ensaio denominado O tráfico de mulheres:
notas sobre a economia política do sexo foi responsável por grande difusão do
conceito de gênero de acordo com Piscitelli (2009). O sistema
sexo/gênero é definido como a conjugação de arranjos através dos quais
a sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da ação
humana, ou seja, o gênero é significado a partir de uma base biológica, o
sexo.
Tal formulação sofreu grandes críticas, principalmente, por
feministas negras e do “Terceiro Mundo”, pois impedia a compreensão
de que há diferenças entre as mulheres e entre os homens relacionadas à
classe, pertencimento étnico-racial, nacionalidade, entre outras, apagan-
do, dessa maneira, as reivindicações específicas. De acordo com Piscitelli
(2009), novas discussões e leituras passam a fazer parte do repertório das
autoras feministas que
não concordam em trabalhar com a ideia de dominação/
subordinação universal das mulheres, dividindo o mundo
entre opressores e oprimidas. Elas preferem explorar
situações particulares de dominação mediante análises que
consideram o modo pelo qual o poder opera através de
estruturas de dominação múltiplas e fluidas, que se
intersectam, posicionando as mulheres em lugares diferentes
e em momentos históricos particulares. E, ao mesmo

177
DNA Educação

tempo, prestam atenção a como as pessoas, individual e


coletivamente, se opõem a essas estruturas de dominação.
Isto permite perceber que os sistemas de dominação, nos
quais gênero se articula a classe, raça, nacionalidade, idade,
não têm efeitos idênticos nas mulheres do "Terceiro
Mundo”. (PISCITELLI, 2009, p. 141)
Começa-se a haver um esforço para eliminar qualquer
naturalização na diferença sexual. Nessa vertente, seguindo uma
tendência pós-estruturalista, desconstrucionista e antiessencialista, a
filósofa estadunidense Judith Butler questiona o sistema sexo/gênero,
argumentando que “não se pode, de forma alguma, conceber o gênero
como constructo cultural que é simplesmente imposto sobre a superfície
da matéria – que se entenda essa como o “corpo”, quer como um
suposto sexo” (BUTLER, 2010a, p. 154), pois
Quando a “cultura” relevante que “constrói” o gênero é
compreendida nos termos dessa lei ou conjunto de leis, tem-
se a impressão de que o gênero é tão determinado e tão fixo
quanto na formulação de que a biologia é o destino. Nesse
caso, não a biologia, mas a cultura se torna o destino.
(BUTLER, 2010b, p. 26)
Butler (2010b, p.48), afirma que gênero é “ato performático”
no interior do discurso, “é sempre um feito, ainda que não seja obra de
um sujeito tido como preexistente à obra”. Essa definição enfatiza a
noção de processo e de construção singular de cada sujeito, dentro de
uma arena de possibilidades que se reafirma ou se renegocia através de
sucessivas “performances”, ou seja, atos através dos quais os sujeitos se
constituem.
Ela ressalta que sobre o entendimento da performatividade não
deve ser “como o ato pelo qual o sujeito traz à existência aquilo que ela
ou ele nomeia, mas, em vez disso, como aquele poder reiterativo do
discurso para produzir os fenômenos que ele regula e constrange.”
(BUTLER, 2010a, p. 155).
Assim, ser homem ou ser mulher é o resultado do processo de
imitação de performances masculinas e femininas construídas pela
cultura ao longo da história (Butler, 2010a). Sendo que não há um

178
DNA Educação

modelo original a ser copiado, ou seja, a imitação é cópia da cópia. Logo,


a identidade de gênero é ilusória, pois
No lugar de uma identificação original a servir como causa
determinante, a identidade de gênero pode ser reconcebida
como uma história pessoal/cultural de significados recebi-
dos, sujeitos a um conjunto de práticas imitativas que se
referem lateralmente a outras imitações e que, em conjunto,
constroem a ilusão de um eu de gênero primário e interno
marcado pelo gênero, ou parodiam o mecanismo dessa
construção (Butler, 2010, p. 197).
Não sendo possível, portanto, pensarmos em mulher, homem,
feminilidade e masculinidade, mas em mulheres, homens, feminilidades
e masculinidades.
A produção acadêmica acerca dos homens na Educação Infantil
No panorama sobre as produções sobre gênero e sexualidade
na ANPed de 2000 a 2006, Ferreira; Nunes (2010) nos informam que o
Grupo de Trabalho dirigido exclusivamente às relações de gênero,
sexualidade e educação, GT 23, surgiu em 2004, o que não significa que
antes o assunto não era tratado na associação. No levantamento, foram
manipulados 1518 trabalhos escritos no período de 2000 a 2003, sendo
destes 62 trabalhos da temática em questão, já no período de 2004, dos
1542, 95 textos versavam sobre gênero, não exatamente no GT 23,
significando que embora parte dos autores tenham migrado para este
grupo de trabalho, muitos ainda mantiveram-se em seus grupos de
origem. Dos grupos verificados, a autora chama a atenção para a
produção do GT 2 (História da Educação) que sobressaiu, apresentando
16 trabalhos dos 62 da primeira etapa, passando a 5 dos 95 da segunda
etapa. A participação dos outros grupos foi assim exposta:
Na primeira etapa citada os GT’s 6 (Educação Popular), 7
(Educação da Criança de 0 a 6 anos) e 16 (Educação e
Comunicação) tiveram todos 6 trabalhos, seguidos pelo GT
13 (Educação Fundamental), com 5 trabalhos, e pelos GT’s
3 (Movimentos Sociais e Educação) e 21 (Afro-brasileiros e
Educação), com 4 textos cada. Destes, podemos destacar o
GT 6, por contar com trabalhos em cada um dos 4 anos
examinados, e o GT 21, com 4 trabalhos em apenas 2 anos
de existência. Já na segunda etapa os números caem em

179
DNA Educação

todos os grupos citados, menos no GT Movimentos Sociais


e Educação (3), que foi pelo caminho inverso, ao ampliar o
número de trabalhos de 4, nos primeiros quatro anos, para
6 trabalhos nos três anos seguintes. (FERREIRA; NUNES,
2010, p.6)
Embora não explicitem os conteúdos dos trabalhos, Ferreira;
Nunes (2010) chamam a atenção para o fato de muitos trabalhos
encontrados apenas tratarem a situação das mulheres, especialmente, à
história das mulheres, demonstrando a permanência da visão sobre esse
campo presente na década de 1970. Isso pode ser explicado pelo fato de
serem as mulheres a encabeçarem as discussões sobre o tema, pois no
período anterior à criação do GT 23, as mulheres responderam pela
autoria de 55 trabalhos e, entre 2004 e 2006, de 78.
Outro ponto importante a se destacar é a participação tímida
do GT 7 no montante dos textos analisados, tornando relevante
compreender a produção sobre o homem e se é como o mesmo foi
tratado no âmbito da Educação Infantil.
Já na investigação de respeito da atuação do homem na
Educação Infantil, ainda, no âmbito da ANPed, Investigando as
produções a respeito da atuação do homem na Educação Infantil no
âmbito da ANPed, nas reuniões ocorridas nos anos entre 2013 e 2015,
nos Gts 02 (História da Educação), 07 (Educação da Criança de 0 a 6
anos), 08 (Formação de Professores) e 23 (Gênero, sexualidade e
educação), foram encontrados o artigo de Sousa (2015) e o de Monteiro
(2013).
Ao digitar os descritores “Educação Infantil”, “homens” e
“estado da arte” no site de busca google, foi encontrado o trabalho
realizado por Carvalho, Silva (2014) pela Universidade Federal Rural de
Pernambuco no qual as autoras fizeram um levantamento de trabalhos
sobre gênero e educação infantil nos Gts 07 e 23 da ANPED no período
2007-2013 e em outros locais, apontando outros materiais.
No estado da arte elaborado por Silva; Carvalho (2014), foram
elencados nove trabalhos, dentre estes, somente o de Böhm; Campos
(2013), que, também, se tratava de um estado da arte, tratava da docência
masculina, mas sem o foco específico na educação das crianças pequenas.

180
DNA Educação

Dessa maneira, nos achados dessas autoras, sobre nosso tema em


questão, estavam indicados um artigo e uma tese de Sayão (2002, 2005),
um artigo de Carmo; Ramos (2010), uma dissertação de Ramos (2011) ,
a dissertação de Souza (2010) e um artigo de Bastos (2011).
O próximo passo foi fazer um levantamento no Portal de
Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) por se tratar de uma biblioteca virtual na qual há a
reunião e disponibilização da produção científica de instituições de
ensino e pesquisa brasileiras e de outros países. No portal, utilizando os
descritores homens/educação infantil e masculino/educação infantil,
foram obtidos 36 registros, sendo que desses, apenas 2 tratavam da
docência masculina na Educação Infantil (ORIANI, 2011 e COSTA,
2010). Ambos os trabalhos foram realizados no sudeste brasileiro (São
Paulo e Rio de Janeiro).
Posteriormente, nova busca foi realizada no Banco de Teses e
Dissertações, também, da CAPES, com os mesmos descritores, tendo
obtido como resultado 13 registros, destes, 4 trabalhos convergiram com
o interesse da pesquisa (SOUSA, 2008; PEREIRA, 2012; ALVES, 2012
e ROSA, 2012). Destes trabalhos, dois originaram-se no nordeste (ambos
no Ceará) e 2 no sudeste (São Paulo e Rio de Janeiro).
Com a finalidade de encontrar o máximo possível de
produções, nova busca foi feita nos repositórios de teses e dissertações 9
de algumas instituições de ensino superior (UFRGS, UDESC, UEL,
UFRN, UFSCAR, UFBA, UFLA, UNESP, UNB, UFC, UFG, UFPB,
UFSC, PUC PR, PUC SP, PUC MG, PUC RS, PUC BRASÍLIA,
UNICAMP, USP, UFMG, UNILAB, UFPE, UEAP,UEA, UEPA,
UNITINS, UERR, UNIR, UFRR, UFAC, UNIFAP, UFAM, UFOPA,
UFPA, UFT, UFRA, UNIFESSPA). Nesta fase, cinco novos trabalhos
foram encontrados (RAMOS, 2011; SILVA, 2011; SOUZA,2010;
MONTEIRO, 2014 e SILVA, 2014).
Analisando os artigos encontrados na Anped, verificou-se que
eles foram elaborados a partir das pesquisas realizadas para a escrita das
teses e dissertações encontradas tanto portal da CAPES, quanto nos

9 Algumas instituições não os possuíam.

181
DNA Educação

repositórios de teses e dissertações das instituições superiores. Dessa


maneira, considerou-se mais profícuo analisar as as teses e dissertações
encontradas.
Sayão realizou pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, na
área da Educação, no ano de 2005, com professores do sexo masculino
da rede pública de educação de Florianópolis, Santa Catarina, pela
Universidade Federal de Santa Catarina. O objetivo era compreender
como os homens se constituem como professores de Educação Infantil
sendo que esta é considerada uma profissão feminina. Assim, entre
março de 2001 e novembro de 2002, ela fez observação participante de
cinco docentes em seus grupos de trabalho com filmagens e uso do
caderno de campo e realizou entrevistas, sendo que estas, também, foram
realizadas com alguns familiares das crianças com os quais os professores
atuavam, além de coordenadoras, diretoras, auxiliares de sala e colegas
professoras. Também foram entrevistados dois homens que não
atuavam mais na docência, pois a pesquisadora interessou-se pelos
porquês deles terem “desistido” da profissão.
A autora constatou que nenhum dos professores projetou, na
infância, atuar com crianças pequenas, o que ocorreu por acaso, pela
necessidade de trabalho ou emprego, na maioria dos casos. Ela relatou
que as dificuldades encontradas pelos sujeitos ao adentrarem as
instituições de Educação Infantil como o encaminhamento, inicial, para
turmas consideradas difíceis, ou para o trabalho com os bebês para que
eles desistissem, a desconfiança sobre a capacidade e moralidade
adequadas para realizar os cuidados com os corpos das crianças,
principalmente, das meninas, o questionamento de suas masculinidades,
a desconfiança de homossexualidade, entre outros, fizeram com que os
entrevistados buscassem legitimidade em suas capacidades pedagógicas,
sendo reconhecidos por isso ao realizar trabalhos diferenciados.
Souza (2010) investigou de que maneira um homem se constitui
professor de creche, nas relações com suas colegas, com a direção e com
as crianças e suas famílias. Sua pesquisa foi qualitativa, realizada pela
USP, na área de Psicologia e usou como referencial teórico e método-
lógico a Rede de Significações que “foi desenvolvida para compreender
o processo de desenvolvimento humano numa abordagem complexa e

182
DNA Educação

semiótica” (SOUZA, 2010, p.35). Nesse sentido, os sujeitos do exame


foram um professor, uma professora, uma diretora, duas crianças e as
famílias delas.
Na investigação, ela percebeu que a interação com os homens
no espaço da Educação Infantil modifica os sentidos e significados que
embasam o olhar para os mesmos. Inicialmente, eles são vistos com
características genéricas (com sexualidade incontrolável, insensíveis,
agressivos etc), posteriormente, são associados à imagem paterna. No
entanto, a desconfiança quanto aos cuidados corporais continua fazendo
com que os mesmos permaneçam afastados dessas atividades.
Oriani (2011), por sua vez, realizou um estudo de caso para
verificar concepções sobre direitos humanos, cidadania e gênero na área
de Educação da UNESP. Ela comparou o posicionamento de um
professor e uma professora. Observou as práticas pedagógicas de ambos
dentro e fora da sala, realizou entrevistas estruturadas com os dois e,
também, a diretora e a coordenadora da instituição na qual eles trabalha-
vam com a finalidade de compreender as representações de feminino e
masculino dos quatro.
A respeito das relações de gênero, ela ressalta o constante
questionamento com relação à masculinidade do professor. Além disso,
avalia que as relações de gênero e poder eram atravessadas pelos
estereótipos da mulher caprichosa, carinhosa, cautelosa e do homem sem
capricho, insensível e desafiador, demarcando o binarismo do feminino
e masculino.
Sousa (2011), também, realizou pesquisa qualitativa, pela UFC,
como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Sua pesquisa foi desenvolvida na cidade de Fortaleza, estado do Ceará.
Teve como objetivo investigar o ingresso e a trajetória de homens em
duas instituições de Educação Infantil.
Os métodos de pesquisa utilizado por ele foram análise
documental, observações e entrevistas com 2 gestores da Secretaria
Municipal de Educação, 3 gestores escolares, 2 professores, 5
professoras, 36 crianças e 36 familiares das crianças. Para análise dos
dados, o pesquisador embasou-se na Teoria das Representações Sociais

183
DNA Educação

de Serge Moscovici, sistematizada por Denise Jodelet e nos Estudos de


Gênero no qual utilizou os escritos de Scott e Louro.
Em sua imersão em campo, o pesquisador observou sujeitos
em dois contextos díspares e experiências com algumas proximidades.
Ambos os professores cresceram nas comunidades em que atuavam (um
em uma escola na periferia e outro na zona rural). Os dois eram
conhecidos por participar de movimentos religiosos em suas
comunidades. A este fato, tanto os professores, como as colegas,
relacionaram a facilidade de adaptação de ambos nas escolas investi-
gadas. No entanto, foi revelado que, mesmo assim, algumas mães e
professoras mostraram-se receosas quanto à necessidade de ajuda das
meninas com relação ao uso do banheiro o que mostra, mais uma vez, a
preocupação com a violabilidade do corpo destas e a desconfiança para
com aqueles. Também, foi verificada a permanência do discurso acerca
da divisão dos papéis sociais na qual as mulheres têm mais habilidades
para trabalhar com crianças.
A pesquisa qualitativa de Ramos (2011) foi realizada na Rede
Municipal de Educação de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, com
profissionais do sexo masculino, na área de Educação da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Como procedimentos metodoló-
gicos foram utilizados grupos de discussão e entrevistas. Foram entrevis-
tados, inicialmente, 12 professores que se dispuseram a contribuir,
posteriormente, foram selecionados 3 professores para aprofundamento
das questões. Também foram sujeitos da pesquisa uma diretora, duas
vice-diretoras, três coordenadoras pedagógicas e uma gerente pedagógica
regional. Para análise foi utilizada teoria sobre gênero (Louro, Badinter,
Butler, Torrão Filho e Hooks).
Ramos (2011) defrontou-se com sujeitos considerados fora do
lugar, inicialmente, alvos de desconfianças por parte das colegas e das
famílias, um deles, inclusive, havia sido proibido de dar banho nas
crianças do berçário devido às reclamações das famílias. Porém, o
pesquisador revelou que passado o período em que os homens são
testados, demonstrando que tem a moral ilibada, é instaurada a confiança
nos sujeitos e eles integram-se aos grupos de professoras.

184
DNA Educação

Silva (2011), no programa de mestrado em educação da UFMG,


objetivou investigar as trajetórias profissionais docentes no exercício da
Educação Infantil de Ilhéus, buscando interpretar as representações da
prática educativa expressas nas narrativas dos sujeitos. Para análise dos
dados, ela utilizou-se da Teoria das Representações elaborada por
Levebvre. Para traçar o perfil dos professores e selecionar os sujeitos da
pesquisa, por não ter dados oficiais sobre os professores da cidade
baiana, Silva (2011) aplicou 128 questionários com o propósito de fazer
a identificação pessoal, profissional, do local de trabalho, das práticas
educativas na Educação Infantil, dos consumos culturais e do tempo
livre. A investigação também contou com análise documental (Plano
Municipal de Educação, Resoluções, Propostas Pedagógicas e planos de
cargos e salários).
Em suas conclusões, Silva (2011) evidencia as fragilidades
teórico-metodológicas que enfrentou em campo diante da riqueza das
narrativas dos sujeitos. Apesar disso, afirma que foi possível constatar
que tanto as professoras como o professor, consideradas suas origens
familiares, experimentam na profissão uma ascensão de suas trajetórias
sociais ao inserirem-se no magistério. No trabalho, houve pouca
problematização sobre os limites da atuação do professor-homem na
educação, no entanto, não deixou de evidenciar a proximidade doméstica
com a legitimação das práticas do professor pela paternidade, além disso,
ficou clara a dificuldade encontrada por ele com o contato físico com as
crianças, chegando a optar por só dar banho nos meninos, enquanto a
higiene das meninas ficava a cargo das professoras.
Com o objetivo de compreender a construção da identidade
dos docentes na Educação Infantil de Guarulho, SP, Pereira (2012)
desenvolveu uma pesquisa na área de Ciências da USP. Dessa maneira,
ela utilizou-se da história de vida como técnica de coleta de dados,
realizando entrevistas semiestruturadas em 5 professores do sexo
masculino. Nessas entrevistas os professores descreveram estranha-
mento por parte das crianças, colegas e famílias quando das suas
inserções no trabalho docente. Eles revelaram que se tornaram
professores para trabalharem no serviço público. E mais uma vez, como

185
DNA Educação

nos outros estudos, a questão do cuidado dos corpos infantis surgiu


como dificultador.
Sobre a identidade docente, Pereira (2012) avalia que apesar da
Educação Infantil ser um campo feminino, os homens que ali atuam não
se feminizaram, mas passaram a exercer outros tipos de masculinidade.
Rosa (2012), pelo Programa de Pós-Graduação em Educação,
Cultura e Comunicação da UERJ, teve como objetivo de trabalho
investigar de quais maneiras o professor-homem é enunciado e se
autoenuncia a partir do dispositivo da sexualidade no magistério das
séries iniciais e na educação infantil. Para atingir tal objetivo ele realizou
pesquisa documental com foco em textos virtuais publicados na web e em
grupos fechados de professores-homens e estudantes de pedagogia do
Orkut .
Após analisar oito textos jornalísticos e de opinião veiculados
em jornais, revistas e uma comunidade da rede social com 1337 homens
professores ou estudantes de Pedagogia e 468 mulheres. Ele concluiu
que os sujeitos são construídos para a masculinidade hegemônica. Na
escola, são as mulheres são quem enunciam quem é o professor-homem
e como ele deve proceder em sala de aula. E que os homens consideram
que são capazes de exercer certos ofícios com mais eficácia que as
mulheres, este é o caso da docência.
Monteiro (2014), pela Faculdade de Educação Física da
UNICAMP, analisou as trajetórias profissionais de professores homens
que atuavam na Rede Municipal de Educação de Campinas. Ela
trabalhou com história de vida, realizando, assim, entrevistas estrutu-
radas e não estruturadas com 7 homens (todos que foram contatados se
dispuseram a participar) cujo tempo de magistério variava de 3 a 21 anos.
Os motivos revelados pelos sujeitos para ingressarem na
docência da Educação Infantil foram variados: inserção nos movimentos
sociais, influência de mães ou professoras, facilidade de ingresso no
curso pelo exame vestibular, empregabilidade e oferta de um curso
gratuito no Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do
Magistério no município. Ficaram evidenciadas as mesmas dificuldades
apresentadas nos outros trabalhos: o olhar de suspeita permanente para

186
DNA Educação

com eles, o questionamento da masculinidade e o desconforto com o


contato físico com as crianças.
Por fim, pela Faculdade de Educação da UNICAMP, Silva
(2014) realizou pesquisa com inspiração etnográfica com dois profes-
sores, um de Piracicaba e outro de Roma, com o objetivo de identificar
como ocorrem as relações de gênero e poder nos espaços e tempos das
pré-escolas públicas quando há homens na docência.
Nesse sentido, o pesquisador utilizou como instrumentos o
caderno de campo, entrevistas e fotografias. Para localizar os professores
fez levantamento na secretaria de educação na qual constatou que de
1454 docentes atuando na Educação Infantil, 10 eram homens. A escolha
do sujeito de Piracicaba foi por causa da instituição onde ele atuava, pois
o pesquisador havia sido diretor da mesma em outro período. O
professor romano foi escolhido pelo fato da aproximação do investi-
gador com os textos daquele e por tê-lo conhecido em uma conferência.
Silva (2014) observou a existência da divisão de trabalho entre
os professores e as professoras, ficando estas com a responsabilidade dos
cuidados corporais infantis, fato que era naturalizado por eles. Também,
foi constatada uma vigilância maior para com ambos por serem vistos
como possíveis abusadores, inclusive, o professor de Roma foi acusado
de abuso sexual de uma criança. Apesar das distâncias geográficas e das
diferenças foi possível perceber relações de poder acentuadas e,
consequente, desigualdade de gênero. A masculinidade e a feminilidade
vivenciadas eram hegemônicas e heternormativas.
As teses e dissertações apreciadas evidenciaram as dificuldades
às quais passam os homens que decidem “se aventurar” na docência da
Educação Infantil: há o tabu quanto cuidado infantil, principalmente, das
meninas, que é relacionado ao medo da pedofilia; o questionamento da
masculinidade dos docentes e a desconfiança de possível homos-
sexualidade; a cristalização da divisão sexual do trabalho e o discurso da
maternidade e, consequente, inadequação deles naquele ambiente.

187
DNA Educação

Considerações finais
Na sociedade brasileira, desde os anos de 1970, muitas
novidades práticas e discursivas vêm sendo colocadas em pauta pelos
movimentos sociais. Contamos com o movimento pró-creche que lutou
pela ampliação da Educação Infantil, o movimento feminista que,
inicialmente, introduziu o estudo da situação das mulheres nas univer-
sidades e nas outras esferas sociais e, posteriormente, problematiza a
naturalização dos papéis sexuais, iniciando os estudos sobre gênero.
Apesar de um conceito recente, gênero se constituiu como
categoria de análise tão importante que foram criados vários grupos de
trabalho que se debruçam sobre ele, entre eles o GT 23 da ANPed
responsável por uma boa quantidade de produções.
No entanto, fica evidente que nas discussões e produções sobre
gênero ainda há uma predominância no foco sobre a condição das
mulheres. Quando a análise é na área educacional, então, estudo de
gênero é quase sinônimo de estudo sobre mulheres.
Há, também, pouca produção sobre gênero na Educação
Infantil. E tendo em vista que a quantidade de homens nesses espaços é
reduzida, as pesquisas sobre os mesmos também é.
Porém, mesmo em pequeno número, as pesquisas
demonstraram que professores homens atuam na educação infantil,
existem e resistem a uma série de dificuldades. Nesse sentido, pesquisas
sobre a atuação deles se fazem necessárias para que outros homens que
sintam desejosos em adentrar na profissão encontrem coragem para isso.

188
DNA Educação

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191
DNA Educação

BRINQUEDOTECA COMO RECURSO


PSICOPEDAGÓGICO
Elisângela dos Santos da Silva de Freitas1
Orientadora: Prof. Drª Ana Rita de Cássia Bruni

RESUMO:
O psicopedagogo deve trabalhar com jogos e brincadeiras, para ajudar
na aprendizagem de todos os alunos em diversas áreas, pois toda criança
tem o direito de brincar. Este trabalho tem como objetivo verificar como
o psicopedagogo pode utilizar a brinquedoteca, como espaço de aprendi-
zagem para a criança e qual deve ser a sua formação para a prática desta
atividade. A brinquedoteca é a forma, mas lúdica para trabalhar com as
crianças, pois é através do brincar que ela vai desenvolver seu imaginário,
suas emoções, seus anseios e a partir daí a criança começa a relacionar a
brincadeira com o real.
Palavras-chave: Aprendizagem; Psicopedagogia; Brinquedoteca.
ABSTRACT:
The psychopedagogymust work with play and games to help students in
many areas, since every child has the right to play. This work aims to
verify as the psychopedagogy can use the toy library as a learning space
for children and what should be the formation for the practice of this
activity. The toy library is the most playful way to work with children, is
through playing that they will developed their imagination, feelings,
yearning, and from that children begin to build relations between playing
and real.
Keywords: Learning; psychopedagogy; toy library.

1Graduação em Pedagogia, Pós-Graduanda em Psicopedagogia Clínica e Institucional nas Fa-


culdades Metropolitanas Unidas – FMU e cursando Pós-Graduação em Neurociência Aplicada
à Educação no Instituto Brasileiro de Formação de Educadores – IBFE. E-mail:
elisangelawbs@hotmail.com

192
DNA Educação

Introdução
A psicopedagogia está vinculada à preparação de profissionais
para atuarem dentro das instituições de escolares ou clínica, com o
processo de ensino e aprendizagem, com crianças com alguma
dificuldade, sendo incorporado ao processo de formação do psicope-
dagogo trabalhar com jogos e brincadeiras, para ajudar na aprendizagem
de todos os alunos em diversas áreas.
O psicopedagogo deve trabalhar em etapas sabendo os
objetivos, as ações como agir, e quais resultados poderá atingir, para
assim melhorar o rendimento do aluno. Seu papel é muito importante
seja dentro das escolas, empresas e hospitais. Deve trabalhar com a
brinquedoteca, com o foco principal de amenizar o sofrimento da
criança, pois através da brinquedoteca pode-se garantir o equilíbrio
emocional intelectual o jogo é essencial, toda criança tem o direito de
brincar.
O objetivo deste trabalho é verificar como o psicopedagogo
pode utilizar a brinquedoteca como espaço de aprendizagem para a
criança e qual deve ser a sua formação para a prática desta atividade.
As crianças, adolescentes, os pais e a instituição escolar serão
muito beneficiados, pois através dos jogos e brincadeiras o desenvol-
vimento ocorrerá de forma prazerosa, alegre, cheio de vida, fazendo com
que as crianças com dificuldades evoluam muito mais rápido.
Acreditamos que o trabalho do psicopedagogo deve ser além
de desenvolver projetos, trabalhar a aprendizagem com as crianças com
dificuldades, devendo resgatar a autoestima de cada criança/adolescente
através da brinquedoteca, pois neste ambiente terá a oportunidade de
brincar e ao mesmo momento evoluir. O brincar tem grande importância
no desenvolvimento infantil, a brincadeira é essencial na vida de toda
criança, pois é através dela que a criança vai elaborando seus conceitos
de vida, além de proporcionar prazer e alegria.
Este trabalho foi do tipo bibliográfico, as fontes de pesquisas
foram livros, Rede Mundial de computadores, artigos científicos,
trabalhos de conclusão de curso e teses de mestrado. Foi dividido em
três capítulos. O primeiro aborda uma breve história da brinquedoteca,
O que é brinquedista. O segundo capítulo é uma breve explanação do

193
DNA Educação

trabalho do psicopedagogo. O terceiro capítulo relata sobre a brinque-


doteca como recurso psicopedagógico, o trabalho desenvolvido na
brinquedoteca, tipos de jogos e brincadeiras na ação pedagógica e
psicopedagógica.
A discussão dos resultados foi realizada a partir de uma análise
comparativa entre as ideias dos autores pesquisados.
Breve história da brinquedoteca
Segundo Silva e Matos (2010, p. 4), a brinquedoteca teve seu
surgimento nos Estados Unidos, propriamente na cidade de Los
Angeles, no ano de 1934, pois havia grandes necessidades de serviços
comunitários de empréstimo de brinquedos no Estado da Califórnia,
onde esses serviços acontecem até os dias de hoje, que em Los Angeles
é chamado de Toy Loan. Os primeiros espaços de brinquedotecas
brasileiras surgiram no Brasil por volta dos anos 80 do século XX, em
que sofreram grandes dificuldades para ocupar o espaço dentro da
sociedade. Isso se deu através das dificuldades financeiras e também das
dificuldades da instituição para conseguir um nível educacional
reconhecido e valorizado, no início se chamavam Ludoteca.2
O que é brinquedista?
Santos e Bogatschov (2011, p. 7) destacam que para funcionar
a brinquedoteca tem que ter uma brinquedista e ela necessita ter uma
formação teórica sólida para analisar e compreender o desenvolvimento
da criança através dos jogos e das brincadeiras, para que seja possível
fazer a relação de acordo com as ações analisadas. Além de possuir uma
formação teórica o brinquedista necessita de formação pedagógica e
pessoal.3
De acordo com Sakamoto e Bomtempo (2010, p. 5), o
brinquedista enquanto profissional especializado é aquele que está
vinculado à área da educação, da psicologia ou da saúde, e que aprendeu

2 SILVA, Tania; MATOS, Elizete. Brinquedoteca hospitalar: uma realidade de humanização


para atender crianças hospitalizadas.2010. p. 4. Disponível em: <http://www.pucpr.br/eventos/educere/
educere2009/anais/pdf/3276_1464.pdf> Acesso em: 10 set. 2017.
3SANTOS, Marciana A; BOGATSCHOV, Darlene N. Brinquedoteca Universitária. 2011, p. 7.
Disponível em: <http://www.crc.uem.br/pedagogia/documentos/marciana_santos.pdf> Acesso
em: 15 ago. 2017.

194
DNA Educação

a apreciar as possibilidades educativas e clínicas das brincadeiras nas


situações lúdicas cotidianas dos espaços das Brinquedotecas. O brinque-
dista é um profissional que em sua abordagem do brincar e da brincadeira
pode contemplar o alcance desta ferramenta de conhecimento do univer-
so imaginário. 4
Segundo Santos, Caldas e Souza (2012, p. 3), o pedagogo
brinquedista deve ser o agente responsável pela mediação entre o brin-
quedo e a criança, organizando esse trabalho na intenção de compre-
ender quais saberes são importantes à formação de professores
brinquedistas qualificados a atenderem a essa nova demanda da
sociedade.5
Sakamoto e Bomtempo (2010, p. 7) relatam que o brinquedista
corresponde ao profissional especializado que trabalha e é responsável
pelas atividades na Brinquedoteca e, além de sua função de atendimento
ao público, tem a de aquisição, manutenção e classificação dos g
brinquedos. Quer se apresente como organizador e animador de
brincadeiras o brinquedista vem sendo formado de modo sistemático
por cursos preparatórios básicos e de atualização, de duração variável e
que abordam a importância do brincar e da brincadeira para a expressão
do imaginário e o desenvolvimento humano, na medida em que o brincar
é fundamental na elaboração de processos de pensamento envolvidos
em demandas intelectuais e afetivas durante a infância.6
Paula e Silva (2014, p. 16) destacam que o trabalho do Pedagogo
envolve muita dedicação e estudo. Os cursos de Pedagogia do Brasil
focam a docência apenas em espaços escolares, esquecendo-se dos
diferentes espaços em que o pedagogo atua, como as Brinquedotecas. 7

4 SAKAMOTO, Cleusa K; BOMTEMPO, Edda. Brinquedista – reflexões sobre sua função medi-
adora na abordagem do imaginário infantil. 2010, p. 5. Disponível em: <http://www.redalyc.org/
pdf/946/94615412013.pdf> Acesso em: 12 set. 2017.
5 SANTOS, Maria C; CALDAS, Iandra F; SOUZA, Míria H. Formação de professores: a constru-

ção dos saberes da docência para a prática do brinquedista. 2012, p. 3. Disponível em:
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6 SAKAMOTO; BOMTEMPO, op. cit, 2010, p. 7.
7 PAULA, Ercília; SILVA, Monique. A formação dos brinquedistas que atuam em brinque-

dotecas hospitalares do Brasil. 2014, p. 16. Disponível em: <http://www.dfe.uem.br/TCC-


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195
DNA Educação

Segundo Silva e Matos (2010, p. 6), é possível dizer que a


brinquedoteca é um espaço de liberdade, alegria, prazer e o resgate do
brincar, na qual é reservado para criança fantasiar, imaginar e brincar de
faz de contas, onde elas podem ser um adulto, o herói, a personagem
principal da história que elas mesmas constroem dentro desse mundo
imaginário. Além de resgatar o direito de toda criança à infância, também
proporciona a valorização do lúdico dentro de outros espaços, como
escolas, hospitais, bairro, universidades, bibliotecas, clínicas etc. 8
Trabalho do psicopedagogo
Scalzer e Silva (2011, p.7) relatam que o psicopedagogo deve
trabalhar em etapas sabendo os objetivos, as ações como agir, e quais
resultados, poderá atingir, e assim melhorar o rendimento do aluno. O
psicopedagogo é muito importante seja dentro das escolas, empresas e
hospitais. E nos momentos das atividades a aprendizagem deve ser
olhada. 9
De acordo com Scalzer e Silva (2011, p.8), cada criança tem um
desenvolvimento diferente, uns aprendem mais de devagar e outros mais
rápidos. E nestes momentos o professor tem que analisar cada criança
para que possa adaptar os conteúdos, quando os professores não sentem
as dificuldades dos alunos, aprendizagem é muito prejudicada. 10
Sisto et al (2012, p. 178) destacam que a atividade com jogos de
regras permite um espaço para pensar, a criança organiza e pratica as
regras, elabora estratégias e cria novos processos a fim de vencer os
jogos, e nestas atividades os aspectos afetivo, sociais e morais são
bastante trabalhados. 11

8 SILVA; MATOS. op. cit. 2010, p. 6.


9 SCALZER, Osana; Silva, Fabiana R. Sobre o olhar do psicopedagogo: a importância desse
profissional no âmbito escolar. 2011, p. 7. Disponível em:
<http://facsaopaulo.edu.br/media/files/2/2_388.pdf>. Acesso em: 15 set. 2017.
10 Id. Ibidem, p. 8.
11 SISTO, Fermino et al. Espaço lúdico e diagnóstico em dificuldades de aprendizagem:

contribuição do jogo de regra. In:_________. Dificuldades de aprendizagem no contexto


psicopedagógico. Rio de Janeiro: Vozes, 2012. Cap. 8, p 178.

196
DNA Educação

Brinquedoteca como recurso psicopedagógico


Segundo Pereira e Donadel (2015, p.6), a brinquedoteca é uma
importante forma terapêutica considerada uma das modalidades possí-
veis de espaço para atendimento de crianças com dificuldades de apren-
dizagem. Neste caso, pode vir a se constituir num importante espaço de
atuação do psicopedagogo que concebe o fracasso escolar decorrente
não apenas da escola, mas sim de todas as relações sociais em que o
educando está inserido. 12
Friedmann et al (1998, p. 72) destacam que, a criança conhece
o mundo a partir do seu agir, na interação sujeito, objeto ela assimila as
informações de acordo com seu desenvolvimento. E desenvolve os
aspectos cognitivos, físicos, afetivos, morais e sociais, e desenvolvimento
se dá da sua construção. 13
De acordo com Silva (2000, p.2) cada sujeito tem sua
modalidade de aprendizagem, seus meios condições e limites para
aprender. Tem que conhecer as habilidades de cada criança, para saber
qual o jogo mais adequado, antes de oferecer os jogos para criança deve
ser jogado para saber como é o jogo e o que ele pode desenvolver e os
tipos de intervenção. E é preciso analisar o desenvolvimento de cada
criança, saber as etapas. Orientar o processo ensino-aprendizagem,
visando favorecer a apropriação do conhecimento do ser humano ao
longo da sua evolução trabalho individual ou grupal, muito importante
saber em qual etapa crianças está, quando a criança está muito atrasada,
quando o problema está começando, se está fora da janela de
desenvolvimento, sujeito tá com baixa estima e desacreditado na sua
capacidade de aprender. 14

12 PEREIRA, Suzilene; DONADEL, Viviane I. A importância do lúdico na intervenção psico-


pedagógica. 2015, p. 6. Disponível em: <http://www.revista.univar.edu.br/index.php/
interdisciplinar/article/view/464/385>. Acesso em: 29 ago. 2017.
13 FRIEDMANN, Adriana et al. A criança na brinquedoteca. In:______. O direito de brincar. São

Paulo: Edições Sociais, 1998. Cap. 4, p. 72.


14 SILVA, Vanessa F. Problema de aprendizagem: possíveis intervenções psicopedagógicas.

2000, p. 2. Disponível em: < http://www.profala.com/arteducesp108.htm> Acesso em: 01 out.


2017.

197
DNA Educação

Trabalho desenvolvido na brinquedoteca


Sisto et al (2012, p. 176) relata que os jogos possui várias pontos
positivos como sensação prazerosa no brincar, invocar sentimento de
alegria cooperação, mas também tem os negativos que podem ter medo,
ansiedade e frustração por não conseguir ganhar um jogo, selecionar os
jogos que tenha envolvimento com a literatura da criança, definir o
objetivo, seleção de escolha de brinquedo, seleção de escolha de
recursos, organização de espaços, olhar constante da criança, o olhar traz
muitas informações. No momento da aplicação dos jogos saber bem os
objetivos.15
Sisto et al (2012, p. 179) descreve que os jogos de construção
enriquecem a experiência sensorial, estimula a criatividade, jogos de
controle são que requerem uma precisão no movimento, crianças
agitadas é bom trabalhar com jogos de controle.16 Trabalhar com
planejamentos, jogos de rapidez e reflexão aquelas que exigem rapidez
de resposta, irá desenvolver a atenção e concentração. Jogos de defesa e
ataque abre a possibilidade de viver com intensidade questões associadas
ao confronto direto, agressividade e destruir e ser destruído, vencer o
outro e os jogos como queimada, futebol, basquete, o primeiro dia é bom
deixar eles ganhar para ele se sentir seguro. Jogo de expressão, mensagem
por meio de desenho ou numérica criar situação em que a existência de
ser simbólico, jogo auxilia a criança que tem dificuldade de se expor
facilitando vivenciar de forma lúdica situações a sua realidade. Timidez
não é problema entender e respeitar. Jogos cooperativos, jogando uns
com os outros e não um contra o outro.
De acordo com Bruno e Santos (2005) o brincar tem grande
importância no desenvolvimento infantil, a criança com dificuldades
continuem sendo criança para garantir o equilíbrio emocional intelectual
o jogo é essencial, que por meio das brincadeiras elas encontram
maneiras para enfrentar seus medos. As crianças veem o mundo através
do brinquedo, do brincar, proporcionar à criança experimentar, a

15 SISTO, et al. 2012. Op. cit, Cap. 8, p 176.


16 Id. Ibidem, p. 179.

198
DNA Educação

organizar-se, regular-se, construir normas para si e para os outros ela cria


e recria a cada nova brincadeira.17
Segundo Assis (2009, p. 19) quando as crianças vão pela
primeira vez em uma brinquedoteca são orientadas a guardar os
brinquedos, preservá-los. Através do brincar diminuem os aspectos
negativos, trabalhando de forma lúdica é prazeroso para a criança e para
família, mesmo o curto tempo e espaço.18
Tipos de jogos e brincadeiras na ação pedagógica e psicopedagó-
gica
Pereira e Donadel (2015, p. 3) relatam que o lúdico é
instrumento eficaz para ensinar, aprender, favoráveis da aprendizagem,
e organizador do conhecimento, e de outros saberes da aprendizagem.19
Segundo Otero (1996, p. 114), existe vários tipos de jogos e
brincadeiras e cada um estimula um desenvolvimento nas crianças. Jogo
de adivinhação é estimulador do desenvolvimento cognitivo, uma vez
que proporciona oportunidade para criança tirar conclusões que vão
além de informações disponíveis no momento. Jogo de tabuleiro
estimula planejar estratégias, aprender a contar, reconhecer números,
centrar o raciocínio, coordenar diferentes pontos de vista. Jogos de
esconder desenvolvem estratégias de ação e estruturação espacial. 20
Segundo Lucon (2008, p. 6), a regra supõe necessariamente as
relações sociais. A regra é uma regularidade imposta pelo grupo e sua
violação representa uma falta. Há os jogos de regras vai de geração em
geração, tais como a amarelinha, jogar pião, jogar saquinhos, elástico,
entre outros que foram usados pelos alunos no contexto hospitalar. A

17 BRUNO, Fabiana R; SANTOS, Livia R. A importância da brinquedoteca hospitalar. 2005.


35f. Monografia (Especialização Educação Infantil) - Faculdade de Pedagogia – Faculdades
Metropolitanas Unidas. São Paulo: 2005. p. 12.
18 ASSIS, Walkiria. Agregando informações. In: ______. Classe hospitalar: um olhar

pedagógico singular. São Paulo: Phorte, 2009. Cap. 1, p. 19.


19 PEREIRA; DONADEL, op. cit, 2015, p. 13.
20 OTERO, Cristina C. O jogo infantil: espaço pedagógico privilegiado. São Paulo: 1996. 114f.

Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,


São Paulo: 1996, p. 114.

199
DNA Educação

brincadeira tradicional infantil, filiada ao folclore, incorpora a menta-


lidade popular. 21
De acordo com Lucon (2008, p. 8), brincar de construção nessa
categoria pode-se destacar as brincadeiras onde as crianças utilizaram
jogos de construção como, quebra-cabeça, jogos de encaixe (tipo lego)
de vários tamanhos, cores e formas, pequeno construtor. Focam que
esses jogos têm uma relação com a brincadeira de faz de conta. Não se
trata livremente de manipular tijolinhos de construção, mas construir
casas, móveis ou cenários para as brincadeiras simbólicas. As
construções se transformam em temas de brincadeiras e evoluem em
complexidade conforme o desenvolvimento da criança. 22
Moratori (2003, p. 9) relata que jogos educativos educam e
desenvolvem de forma prazerosa, como o quebra-cabeça que ensina
cores e formas, trabalha a concentração, para consegui encaixar as peças.
O tabuleiro trabalha com compreensão das operações matemática e dos
números.23
Discussão dos Resultados
De acordo com Bruno e Santos (2005), o brincar tem grande
importância no desenvolvimento infantil, pois a criança com dificuldade
continua sendo criança e para garantir o equilíbrio emocional intelectual,
o jogo é essencial, As crianças veem o mundo através do brinquedo, do
brincar; proporcionar à criança experimentar, a organizar-se, regular-se,
construir normas para si e para os outros onde cria e recria a cada nova
brincadeira, brincar com jogos educativos ou brinquedos é entendido
como recurso que ensina.
A brinquedoteca é um ambiente muito importante, pois é nele
que as crianças irão se distrair e automaticamente acontecerá a aprendi-

21 LUCON, Cristina B. Jogo, brinquedo e brincadeira na escola hospitalar: as contribuições


do brincar para crianças hospitalizadas com câncer. 2008, p. 8. Disponível em:
<http://www.cerelepe.faced.ufba.br/arquivos/fotos/131/crislucon.pdf> Acesso em: 05 set. 2017.
22 LUCON, op. cit. 2008, p. 8.
23 MORATORI, Patrick B. Por que utilizar jogos educativos no processo de ensino

aprendizagem? 2003, p. 9. Disponível em:


<http://www.nce.ufrj.br/GINAPE/publicacoes/trabalhos/t_2003/t_2003_patrick_barbosa_morator
i.pdf> Acesso em: 20 ago. 2017.

200
DNA Educação

zagem dos alunos, pois o brincar é para todos, e o jogo e as brincadeiras


darão a oportunidade deles criarem e recriarem.
Segundo Silva e Matos (2010) a brinquedoteca é um espaço de
liberdade, alegria, prazer e o resgate do brincar, pois é nela que a criança
irá fantasiar, imaginar e brincar, pois o objetivo do espaço da
brinquedoteca é de auxiliar e amenizar as crianças em tratamentos
clínicos dos traumas e dores enfrentadas ao longo do processo de
internação ou até atuando como fonte de terapia.
A brinquedoteca surgiu então, para amenizar este sofrimento,
proporcionar alegria, pois toda criança tem direito de brincar, e a
brincadeira é uma necessidade vital para os seres humanos, pois constrói
conhecimentos sobre a realidade que a criança está inserida.
Segundo Pereira e Donadel (2015, p.6), a brinquedoteca é uma
importante forma terapêutica considerada uma das modalidades
possíveis de espaço para atendimento de crianças com dificuldades de
aprendizagem. Neste caso, pode vir a se constituir num importante
espaço de atuação do psicopedagogo que concebe o fracasso escolar
decorrente não apenas da escola, mas sim de todas as relações sociais em
que o educando está inserido.
Para o psicopedagogo trabalhar com brinquedoteca é muito
importante, pois será além de uma forma prazerosa trabalhar com jogos
e brincadeiras com as crianças com dificuldades de aprendizagem, uma
nova forma de atuação.
Considerações finais
O objetivo deste trabalho foi verificar como o psicopedagogo
pode utilizar a brinquedoteca como espaço de aprendizagem para a
criança e qual deve ser a sua formação para a prática desta atividade.
Observou-se que primeiramente o psicopedagogo deve analisar cada
criança, e diversas formas como com jogo e brincadeiras. O
psicopedagogo deve trabalhar na brinquedoteca com o foco principal de
amenizar o sofrimento da criança, pois toda criança tem o direito de
brincar, e para garantir seu equilíbrio emocional e intelectual, o jogo é
essencial, além de desenvolver projetos, trabalhar a aprendizagem com
as crianças com dificuldades, deve resgatar a autoestima de cada
criança/adolescente hospitalizado.

201
DNA Educação

A hipótese desde trabalho foi confirmada, pois o trabalho do


psicopedagogo deve ser além de desenvolver projetos, trabalhar a
aprendizagem com as crianças com dificuldades, deve resgatar a auto-
estima de cada criança/adolescente através da brinquedoteca, pois na
brinquedoteca dará a oportunidade deles brincarem e ao mesmo
momento evoluírem no que estiverem com dificuldade O brincar é
muito importante para dos as crianças e no desenvolvimento infantil
sendo essencial na vida de toda criança, pois é através dela que os
pequenos vão elaborando seus conceitos de vida, além do brincar
proporcionar prazer, alegria.
As crianças, adolescentes, os pais e a instituição escolar serão
muito beneficiados, pois os jogos e brincadeiras irão desenvolver nas
crianças o que precisam, e de forma prazerosa, alegre, cheio de vida,
fazendo com que mesmo com dificuldades, evoluam muito mais rápido.

202
DNA Educação

Referências
ASSIS, Walkiria. Agregando informações. In: ______. Classe
hospitalar: um olhar pedagógico singular. São Paulo: Phorte, 2009.
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brinquedoteca hospitalar. 2005. 35f. Monografia (Especialização
Educação Infantil) - Faculdade de Pedagogia – Faculdades
Metropolitanas Unidas. São Paulo: 2005. p. 12.
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câncer. Disponível em: <http://www.cerelepe.faced.ufba.br/arquivos
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processo de ensino aprendizagem? Disponível em: <http://
www.nce.ufrj.br/GINAPE/publicacoes/trabalhos/t_2003/t_2003_pat
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reflexões sobre sua função mediadora na abordagem do imaginário
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203
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SANTOS, Maria C; CALDAS, Iandra F; SOUZA, Míria H. Formação
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brinquedista. Disponível em:
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de Janeiro: Vozes, 2012. Cap. 8, p 167- 189.

204
DNA Educação

A INDISCIPLINA EM SALA DE AULA E O


TRABALHO DO PROFESSOR:
ANÁLISE SOBRE A REALIDADE ESCOLAR

Emanuele Cristina Rodrigues Gonçalves1

RESUMO:
Este trabalho apresenta uma abordagem teórica sobre a obra de vários
autores especialistas em educação, o foco desta análise se dá com base
na temática da indisciplina escolar e suas ocorrências eventuais na
contemporaneidade.
Palavras-chave: Indisciplina, indisciplina escolar, contexto social.
ABSTRACT:
This study presents a theoretical approach to the works of several
authors who specialize in education, the focus of this analysis is based
on the issue of student indiscipline and its occurrences in present time.
Keywords: Indiscipline, school indiscipline, social context.

1Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário de Belo Horizonte/Pós-graduanda em Edu-


cação Empreendedora pela Universidade Federal de São João Del Rei.

205
DNA Educação

Na realidade escolar atual, o quadro comportamental e social


que se pode observar, é o de alunos extremamente indisciplinados,
desrespeitando seus professores verbalmente, emocionalmente e
fisicamente. Segundo Aquino (1996, p. 40) “a visão, hoje quase
romanceada, da escola como lugar de florescimento das potencialidades
humanas parece ter sido substituída, ás vezes, pela imagem de um campo
de pequenas batalhas civis; pequenas, mas visíveis o suficiente para
incomodar. ”
Desde que optamos por concluir um curso de licenciatura, em
muitas situações ouvimos pessoas nos dizer proposições sobre a escola
e a convivência entre alunos e professores. Muitas dessas pessoas não
possuem nenhuma experiência com essa área, porém, usam do senso
comum para relatar fatos, posicionar suas opiniões e argumentar de
forma desestimulante para caracterizar a educação. Levando-se em
consideração este contexto, a presente análise tem como propósito,
conhecer as causas dessas situações que têm sido frequentes no ambiente
escolar, tem-se como foco a indisciplina em sala de aula e os
comportamentos que tem sido constantes nas escolas. Assim, a principal
questão que norteia essa problemática é: porque os alunos têm se
tornado tão indisciplinados e desmotivados a ponto de reprimir as
propostas da escola?
O conceito de Indisciplina
Fala-se muito a respeito da indisciplina escolar, e este assunto
tem sido alvo de muitas discussões não só de educadores brasileiros, mas
de educadores das mais variadas partes do mundo. Este é um assunto de
tão grande complexidade e pertinência, que na realidade escolar
influencia o processo ensino-aprendizagem e gera questionamentos
sobre o papel da escola frente a uma postura de formação social e moral
dos alunos.
Ao ler as reportagens dos jornais de vários países, observa-se
que os governos se dizem preocupados com a proporção que o
fenômeno da indisciplina tem se propagado. Vasconcellos (1993, p. 227)
diz que, “temos relatos, por exemplo, de gangues estudantis que têm
batido nos professores na França, do alto número de mortes nas escolas
públicas americanas, fruto da violência, das consequências nefastas da

206
DNA Educação

rígida disciplina japonesa, levando ao suicídio e a falta de criatividade. ”


O problema da indisciplina não está presente somente em séries ou níveis
específicos. Da Educação Básica ao Ensino Superior é possível observar
os traços marcantes e presentes nas manifestações comportamentais dos
alunos que independentemente da idade, por vezes se mostram apáticos,
insensíveis e desestimulados a frequentar o espaço escolar ou a cumprir
com as tarefas propostas.
Para Aquino (1996, p. 40), “outro dado significativo refere-se
ao fato de a indisciplina atravessar indistintamente as escolas pública e
privada. Engana-se aqueles que a supõem mais ou menos presente
apenas em determinado contexto. Vale lembrar que, embora diferentes
significados sejam atribuídos à problemática e até mesmo os próprios
objetivos educacionais subjacentes e ambas possam ser distintos, elas
parecem sofrer o mesmo tipo de efeito. Não se trata, pois, de uma
espécie de desprivilegio da escola pública; muito pelo contrário. ”
A indisciplina seria, talvez, o inimigo número um do
educador atual, cujo manejo as correntes teóricas não
conseguiriam propor de imediato, uma vez que se trata de
algo que ultrapassa o âmbito estritamente didático-
pedagógico, imprevisto ou até insuspeito no ideário das
diferentes teorias pedagógicas. (AQUINO, 1996, p. 40).
Para entender as causas e trabalhar essas questões compreender
os conceitos e significados que dão sentido ao termo propriamente dito
é fundamental. Segundo o dicionário Michaelis (2018), a indisciplina é:
(1) falta de disciplina. (2) ato ou dito contrário à disciplina [...]. Baseando-
se no primeiro significado não precisamos recorrer a nenhuma fonte
teórica, pois, pressupõe-se que cada indivíduo em sua formação moral e
social, reconhece o significado da palavra disciplina, onde o ato ou ação
de respeitar as regras, normas e conceitos impostos é executado, não
ferindo quaisquer indivíduos nem denegrindo sua própria imagem,
cometendo atitudes reprimíveis pela sociedade.
Para a filosofia, mais precisamente na análise teórica de Kant,
podemos compreender que a disciplina é a “função negativa ou
coercitiva de uma regra ou de um conjunto de regras, que impede a
transgressão à regra”, logo podemos entender que quando um indivíduo

207
DNA Educação

escolhe pela disciplina, ele está se colocando de acordo com um modelo


padrão de comportamento e que por esta maneira de agir estará
alcançando a aprovação do grupo social ao qual está inserido. Segundo
(Gazolla, 2015),
A obtenção da disciplina por convicção leva a formação de
uma personalidade forte, madura, que vai sabendo o que
quer, o que é certo ou errado; leva a internalização de
valores, a autoconfiança, ao crescimento da autoestima, ao
senso comunitário, à criatividade e à verdade (GAZOLA,
2015).
De acordo com La Taille (1996, p.10), “Se entendermos por
disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a
indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra estas
normas; 2) o desconhecimento delas. No primeiro caso, a indisciplina
traduz-se por uma forma de desobediência insolente; no segundo, pelo
caos dos comportamentos, pela desorganização das relações. ” Neste
contexto, a responsabilidade com o eu, com o outro e a sociedade é dado
como fator principal para o alcance da consciência do ser disciplinado.
A ética e o conhecimento dos valores humanos elevam quem segue essas
objeções a um patamar de confiança e maturidade. Mas o que podemos
dizer quando essa problemática envolve crianças? La Taille (2002) define
da seguinte forma:
[...] crianças precisam sim aderir a regras e estas somente
podem vir de seus educadores, pais ou professores. Os
‘limites’ implicados por estas regras não devem ser apenas
interpretados no seu sentido negativo: o que não poderia ser
feito ou ultrapassado. Devem também ser entendidos no seu
sentido positivo: o limite situa, dá consciência de posição
ocupada dentro de algum espaço social – a família, a escola,
e a sociedade como um todo”. (LA TAILLE 2002, p. 9)
Toda criança, mesmo a que não é criada por sua família
biológica convive com adultos. Não é por ser regra social ou cultural,
mas sabemos que diferentes dos animais, os seres humanos quando
nascem necessitam de cuidados especiais, que se dão por quem prepara
a alimentação, por quem auxilia a higiene, por quem acompanha a vida
diária, dentre outras atividades.

208
DNA Educação

Segundo Godoy (2006, p. 246):


“entende-se a família como primeiro contexto de
socialização do indivíduo; contudo, os traços que
caracterizam a criança e o jovem ao longo de seu
desenvolvimento não dependerão exclusivamente das
experiências vivenciadas no interior da família, mas das
inúmeras aprendizagens do indivíduo, em diferentes
contextos socializados, tais como: instituições sociais, meios
de comunicação e práticas sociais, entre outros instrumentos
de mediação. ”
Ao ser cuidada por seus responsáveis, a criança sente-se amada,
respeitada e valorizada. Quando sofre alguma lesão, ela busca refúgio
onde sente-se acolhida. A função de educar vai além do cuidado e das
demonstrações de afeto. Ao falhar, a criança deve aprender que com a
sua atitude, algumas consequências virão, isso deve ser ensinado. La
Taille (2002), ao citar os limites, quer dizer que mesmo sendo punida, a
criança deve entender que aquela situação é decorrente de alguma ação
inadequada ora cometida e que a correção não deve ser para humilhar,
mas sim para educar no sentido de aprender que o respeito ao outro e a
si mesmo deve sempre existir independente das situações.
Valores e disciplina
No meio docente, a disciplina pode ser entendida como um
comportamento que se subordina a regras e normas. Mas o que podemos
entender por regras? Segundo o dicionário Michaellis (2009), o conceito
de regras se define por: (1) O que regula, disciplina ou rege, norma,
preceito, rédea. [...]
A palavra “regra” pode, entre outras funções, expressar a
idéia de um regulamento tácita ou explicitamente
formulado, através de proibições, exigências e permissões
(como as de trânsito, as de um jogo ou dos estatutos de um
clube); pode expressar instruções (como as regras para o uso
do aparelho) ou, ainda, preceitos morais e religiosos que
visam guiar a ação de um indivíduo (como mandamentos
bíblicos” (CARVALHO, 1996, p. 134).
É conhecido que, as crianças não pensam como adultos. Piaget
em seus estudos e observações concluiu que nas crianças algumas

209
DNA Educação

habilidades diferentemente dos adultos ainda não foram desenvolvidas.


Para ele, é necessário que a interação do sujeito com os mais diversos
ambientes seja rotineira, ou seja, se dê na convivência diária para a
construção dos valores morais, porém, essa prática requer tempo e
dedicação, por isso é tão importante que seja vivenciada na infância. Na
teoria Piagetiana, para que as realidades morais se constituam, é
necessária uma disciplina normativa e para que isso aconteça é preciso
que os indivíduos se relacionem uns com os outros. É através da forma
com que se relacionam que as pessoas dialogam e entre si entram em
contato com a consciência do dever. Não existe deste modo, moral sem
uma educação moral construída e vivenciada de maneira experimental.
“É através do processo de socialização que a criança começa
a integrar-se ao mundo social, incorporá-lo em sua mente.
Um dos objetivos mais importantes do processo de
socialização consiste em que as crianças diferenciem o que é
considerado correto e o que se julga incorreto em seu meio,
ou seja, que elas construam conhecimentos sobre os valores
morais que regem a sociedade e se comportem de acordo
com eles ” (LOPES, TREVISOL, 2008, p. 29).
Para que as interações sociais ocorram, é preciso que haja
determinados processos de organização interna juntamente com uma
adaptação ao meio, onde o indivíduo sofrerá um esquema de assimilação
e a acomodação. Segundo Piaget (1977), a assimilação é a incorporação
do mundo exterior a esquemas mentais preexistentes, a criança se
apropria de fatores da realidade que vive para tentar compreender as
situações que a desafiam, já a acomodação se dá quando o indivíduo
compreende os conceitos da realidade e aceita aquele fato como verdade.
Mas qual é a relação desses processos com a indisciplina? Ao conviver
com adultos, as crianças aprenderão as regras da convivência social,
observando as atitudes e com as situações cotidianas elas construirão
suas próprias hipóteses a respeito do que é correto e do que não é
correto, daí as possibilidades e as certezas (assimilação e adaptação).
Discorrendo ainda sobre a obra de Piaget, notamos sua
contribuição para a concepção do desenvolvimento da moralidade. A
produção das regras possibilita uma reflexão efetiva sobre a relação

210
DNA Educação

existente entre a indisciplina e a moral no indivíduo. É preciso um olhar


atento para os princípios que são impostos ao ambiente onde a criança
está inserida. A maneira como a regra é estabelecida delimita alguns
fatores, se ela está focada na coação ou constrangimento é uma causa
que precisa ser repensada. Para Godoy (2006, p. 246),
Quaisquer que sejam os fins que se proponha alcançar,
quaisquer que sejam as técnicas que se decida adotar e
quaisquer que sejam os domínios sob os quais se aplique
essas técnicas, a questão primordial é a de saber quais são as
disponibilidades da criança. Sem uma psicologia precisa das
relações das crianças entre si e delas com os adultos, toda a
discussão sobre os procedimentos da educação moral
resulta estéril” (PIAGET, 1996, p.2).
Esta questão em tese é bastante complexa pois, visa avaliar todo
um processo onde se faz necessário o conhecimento dos motivos que
influenciam a criação destes preceitos ou tornar conhecido o sujeito que
sofre a influência ou é afligido pela regra.
“Assim, ao considerarmos um ato indisciplinado ou não,
necessitamos conhecer a natureza das regras que regem o
grupo ao qual o sujeito pertence e a forma como as regras
foram estabelecidas” (GODOY, 2006, p. 242).
Godoy (2006, p. 245) afirma que em sua obra, “Vygotsky
enfatizou a importância do convívio social, afirmando que as práticas
educativas, formais e informais, são meios sociais para organizar uma
situação de vida, a fim de promover o desenvolvimento mental da
criança. ”
O homem se constitui a partir da sua relação com seu
semelhante. Através de sua cultura, história e papel social. Rego (1996,
p. 93) afirma que “o desenvolvimento individual não é visto, portanto,
como resultante de uma “propriedade” ou “faculdade” primitivamente
existente no sujeito (definidas por razões divinas ou biológicas), nem
como puro reflexo de condicionamentos externos, não é imutável e
universal, nem tampouco independentemente do desenvolvimento
histórico e das formas sociais da vida humana. A cultura é, neste
paradigma, parte constitutiva da natureza humana, já que a formação das

211
DNA Educação

características psicológicas individuais se dão através da internalização


dos modos e atividades psíquicas historicamente determinados e
culturalmente organizados. Ao mesmo tempo que internaliza o
repertório social, o sujeito o modifica e intervém em seu meio”. Cada
indivíduo é responsável por ser intermediário no processo de formação
de outros indivíduos, por meio dessas relações, são construídas as
aprendizagens culturais e comportamentais por meio da linguagem.
A linguagem é um signo mediador por excelência, pois ela
carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela
cultura humana que permitem a comunicação entre os
indivíduos, o estabelecimento de significados comuns aos
diferentes membros de um grupo social, a percepção e
interpretação dos objetos, eventos e situações do mundo
circundante (REGO, 1996, p. 94).
Ao discorrer sobre esta questão, Godoy (2006, p. 245) assegura
que “ Vygotsky ressaltou a importância da linguagem como instrumento
de formação do pensamento, ou seja, a linguagem age decisivamente na
estrutura do pensamento e é a ferramenta básica para a construção de
conhecimentos [...]” que influenciam as relações interpessoais. O homem
é constituído como ser, a partir de seu relacionamento com o outro. Essa
relação se dá pela troca e compartilhamento de cultura historicamente
acumulada pelas vivências individuais e coletivas.
Para Rego (1996, p. 94) “[...] o aprendizado é um aspecto
imprescindível no desenvolvimento das características psicológicas
típicas do ser humano, já que as conquistas individuais: informações,
valores, habilidades, atitudes, posturas [...], resultam de um processo
compartilhado com pessoas e outros elementos de sua cultura. ” Através
do conhecimento das relações humanas pode-se afirmar que a educação,
seja ela vivenciada na família, na escola, nos grupos religiosos, dentre
outros grupos sociais, cumpre uma posição fundamental e primordial na
formação dos sujeitos. Sendo a escola a principal instituição de cunho
educativo presente na sociedade, a educação escolar é responsável por
realizar a plena inclusão de seus componentes em um contexto de
relações de cooperação, pois no contexto da escola, os indivíduos são

212
DNA Educação

lançados a experiências desafiadoras que os colocam a par das tomadas


de decisões e dos conhecimentos científicos e humanos.
Paulo Freire (1988, p. 79) se posiciona quanto a esta visão
quando afirma em sua obra intitulada “Pedagogia do Oprimido”.
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se
educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Passos (1996, p. 120) auxilia
a compreensão dessa assertiva ao discorrer que “Neste caso, estudar a
escola a partir da análise do seu cotidiano é compreender a ação dos
sujeitos que nela se movimentam, entendendo essa realidade específica
nas suas articulações com a realidade macrossocial. ”
As práticas escolares e a indisciplina
As instituições escolares são os lugares de formação para a
educação, favorecem o conhecimento, a formação de hábitos e valores.
A educação como função social, se dá como humanização do homem, é
um processo de construção continua.
“[...] um dos grandes impasses que se coloca para a escola
hoje é sua efetiva função social. Diante da crise de
identidade, é fundamental que a comunidade educativa
procure recuperar o sentido da escola, do estudo elaborando
e explicitando sua proposta educacional [...]. O aluno (e
antes dele, os educadores) deve ver sentido na escola. O
homem é um ser teleológico, precisa de um objetivo para
direcionar suas energias, seus esforços, para dar um
significado às renúncias que tem que fazer ”
(VASCONCELLOS, 1993, p. 53).
A escola facilita a inserção do indivíduo no meio social além de
conhecimentos didáticos e pedagógicos formam e socializam as crianças
para uma conduta diante da sociedade. Para Passos (1996, p. 121) “[...]
estudar a escola a partir da análise do seu cotidiano é compreender a ação
dos sujeitos que nela se movimentam, entendendo essa realidade
específica nas suas articulações com a realidade macrossocial. ”
Entretanto, a realidade escolar não é protegida por uma utopia
de convivências saudáveis e vigorosas experiências. Vasconcellos (1993,
p. 24) defende:
“afirma-se que a função da escola é a formação do homem
novo e da nova sociedade. Este homem novo deve ter

213
DNA Educação

capacidade de auto - governo; toda ação do professor, da


escola, da família e da sociedade deveria ajudar a formar este
auto- governo. O que está ocorrendo é que tanto o profes-
sor, quanto a escola e a família não estão com seus auto -
governos definidos, ficando o aluno desorientado também.
Há uma desorientação geral: quer se superar o velho, mas
não se sabe bem como é o novo [...]”.
Dentre os impasses e desafios que a escola atual enfrenta,
problemas como dificuldades de aprendizagem, precária estrutura física,
deficiente formação de professores, entre outros obstáculos, a questão
da indisciplina no ambiente escolar é um tema que gera grande
desconforto e por vezes não é tratado com devida atenção, se tornando
apesar de vivido, pouco prevenido e trabalhado. Na prática docente, a
indisciplina se caracteriza por ser um oponente do educador atual, é
conhecido que ao conversar com profissionais da área da educação, estes
testemunham diariamente que a questão disciplinar é algo que afeta
negativamente o ensino e por vezes, caracterizam a indisciplina com
algumas expressões como: falta de limites, mau comportamento,
bagunça, “falta de educação”, dentre outros termos.
Boa parte dos professores está à beira de um ataque de
nervos porque não consegue controlar a bagunça que come
solta dentro das salas de aula. E o que é pior: não bastassem
conversinhas, os risinhos, as guerrinhas de papel, o respeito
pela figura do professor passou a ser tão raro como uma
nota 10 em redação (Revista Veja, 1996, p. 54).
A citação acima faz parte do conteúdo de uma revista de alta
circulação no território brasileiro, foi produzida no ano de 1996.
Estamos no século XXI, o último século nos deixou a algum tempo,
entretanto podemos observar a lamentação por parte dos professores a
mais de uma década atrás.
O insucesso na atualidade não se dá apenas pelo fato de as
crianças não estarem alfabetizadas de acordo com as séries escolares que
cursam ou não saberem resolver os problemas de matemática propostos.
A indisciplina escolar é uma das maiores queixas quanto a educação.
Temos visto casos de pessoas que gostariam de ser professores (as),
porém, são desmotivados (as) frente a essa realidade. A indisciplina não

214
DNA Educação

afeta somente o setor público ou privado de ensino, a creche ou o ensino


médio. Estamos nos referindo a uma questão que tem abrangido a escola
como um todo. Este é um fenômeno que não é originário de tal país ou
continente, não tem classe social definida nem marca horário para se
manifestar.
Na realidade escolar ou familiar, constantemente nos depara-
mos com os rótulos, onde as crianças são definidas por serem “mal-
educadas”, “sem limites”, “sem educação”, dentre tantos outros títulos.
A escola culpa os pais por não controlar os filhos, não educa-los. A
família transfere a responsabilidade da escola e diz que tal
comportamento a criança aprendeu lá com a convivência com os pares.
É notável e certamente é necessária maior dedicação de ambas
as instituições frente a formação social, moral e psicológica destes alunos,
afinal, qual criança não se sentiria perdida estando em meio a um
bombardeio de acusações? Quem poderá defende-la ou orienta-la sobre
os seus direitos, se quem serve de referência está passando a
responsabilidade para frente? E sobre os seus deveres enquanto cidadão,
qual será o exemplo a ser seguido?
A verdade é que a indisciplina escolar é causada por uma série
de fatores e cada agente da relação família e escola tem suas
responsabilidades e participações neste contexto. Vasconcellos (1993, p.
19) afirma que “as causas da indisciplina podem ser encontradas, pois,
em cinco grandes níveis: Sociedade, Família, Escola, Professor e Aluno”.
Estes níveis servem de orientação, mas deve-se tomar cuidado ao analisa-
los, pois “na realidade estão profundamente entrelaçados”.
De quem é a culpa?
Tomando por base o estudo da sociedade que influencia a
indisciplina, nota-se que muitos fatores interferem neste fenômeno,
destes, destacam-se alguns como: a exploração e a alienação do homem,
a inversão de valores, violência, agressividade, preconceito, corrupção,
dentre outros motivos geram ambiente suscetível e situações propícias
para o estimulo de atitudes indisciplinadas.
Muitos atribuem a culpa pelo “comportamento
indisciplinado” do aluno à educação recebida na família,
assim como a dissolução do modelo nuclear familiar: “Esta

215
DNA Educação

criança tem uma criação familiar totalmente autoritária, está


acostumada a apanhar e a receber severos castigos, por esta
razão, não consegue viver em ambientes democráticos
(REGO, 1996, p. 88).
Das responsabilidades condicionadas à família, Vasconcellos
(1993, p. 20) cita a “desagregação, convivência qualitativamente insufi-
ciente, falta de diálogo, carga excessiva de trabalho, [...] distância da
escola, falta de conhecimento da proposta da escola, transferência de
responsabilidade, falta de participação, falta de apoio: não acompanha-
mento da vida escolar [...], falta de incentivo ao trabalho intelectual, falta
de espaço nas residências/condomínios para a atividade das crianças,
proibição do espaço da rua por medo de segurança, falta de experiências
de vida em decorrência da criança ficar muito fechada diminuindo seu
quadro de significação, [...], superproteção dos pais em relação aos filhos,
não lhes atribuindo responsabilidades, [...], inserção da criança logo cedo
no mundo do trabalho, nas classes populares, dificuldade dos pais em
colocar limites, oscilação entre espontaneismo e o autoritarismo,
desorientação da família no mundo atual, dificuldade de educar as
crianças hoje (famílias menores, falta de experiência dos novos pais),
visão de educação como investimento, [...], filhos introduzidos no lazer
profissional [...] sem dar a devida prioridade a escola.
O estudo sobre a indisciplina na sala de aula deve envolver,
portanto, a análise de múltiplos aspectos, tais como: as
estruturas de poder na escola, as pressões e expectativas dos
pais, as concepções dos professores em relação à construção
dos conhecimentos e outros (PASSOS, 1996, p. 126).
Buscando as atribuições da escola para evidenciar as causas da
indisciplina dos alunos, alguns elementos presentes no cotidiano dos
alunos no ambiente escolar podem ser considerados, tais como: falta de
um projeto educativo eficaz, equipe de profissionais desqualificados para
o trabalho que exercem, normas não claras e não democráticas, ausência
de diálogo, falta de recursos didáticos, desmotivação do corpo docente,
excesso de alunos por classe, espaço, dentre outros fatores.
Guirado (1996, p. 70) ressalta:

216
DNA Educação

“[...] enquanto professores/educadores, vestimos as lentes


de idéias como essas, localizamos melhor as peças do
quebra-cabeça e podemos, de partida, reconhecer que
estamos todos (os grupos institucionais) envolvidos e
acionando a estratégia de poder que caracteriza a educação
[...]”.
“Afinal de contas, o lugar de professor é imediatamente
relativo ao de aluno, e vice e versa. Vale lembrar que,
guardadas as especificidades das atribuições de agente e
clientela, ambos são parceiros de um mesmo jogo. E o nosso
rival é a ignorância, a pouca perplexidade e o conformismo
diante do mundo”.
Relativo aos alunos as contribuições para o quadro de
indisciplina escolar se caracteriza por ações descritas por Vasconcellos
(1993, p. 21) como “passividade: quer tudo pronto, não quer fazer
esforço algum, preconceito: sexo, raça, religião, cor, classe social, beleza,
inteligência, etc. As gozações em classe tornam-se sofisticadas formas de
agressão aos colegas [...] postura individualista: os meus problemas, o
meu aprendizado, o meu aproveitamento, competição com os colegas,
ver que se destava, quem consegue maior influência na classe. Desejo
por aparecer, de se sentir importante: busca de afeto de forma
desordenada [...] necessidade, não consciente, de protestar contra o
mundo dos adultos. Atitude rebelde [...] ao invés de revolucionária
(transformadora), não entendimento da matéria: a dificuldade de
acompanhar a aula- quando não resolvida- leva aluno a se desinteressar,
tendendo a disciplina, falta de compromisso: está na escola por pressão
da família e da sociedade. Falta de compreensão do significado da escola
e das matérias para sua vida. Não vê sentido naquilo que faz, só se
mobiliza em função da nota. Falta de auto - controle: precisa sempre de
alguém “tomando conta”, fazendo pressão, vigiando, condicionando a
trabalhar na base do esforço -recompensa, prêmio-castigo. Traços de
origem de classe: classe média – tendência a ver os outros como seus
empregados; visão utilitarista das pessoas e da escola. Classe popular –
tendência a submissão, à aceitação passiva; dispensão, cansaço em
relação à escola; na 5°série alguns alunos já têm 7 a 8 anos de escola (da
“mesma escola”). Insistência no descumprimento das normas, pois em

217
DNA Educação

casa geralmente consegue o que quer insistindo com os pais, que não têm
muita firmeza do que devem fazer com as crianças. ”
Diante de todos esses fatores relacionados a indisciplina
escolar, os alunos estão sempre presentes como sujeitos ativos em uma
ou em várias situações, porém, não quer dizer que por participar deste
quadro sejam os principais causadores do problema da indisciplina, em
dados momentos estes são os indivíduos que mais sofrem com o reflexo
desta realidade tão marcante no contexto da escola.
Através da observação que cada um de nós professores, em
nossa prática diária fazemos é possível compreender quais são as causas
e modos em que o fenômeno da indisciplina acontece no ambiente
escolar. Apesar do conhecimento teórico adquirido e manifestado no
cotidiano, nenhuma teoria será tão eficaz quanto o olhar pedagógico que
é necessário a nossa profissão. É por intermédio da sensibilidade própria
do professor em sala de aula, no contato com seu aluno e no diálogo que
o diagnóstico das atitudes indisciplinadas pode se concretizar. No que
diz respeito ao relacionamento aluno e professor, é inevitável o fato de
que o educador influencia o educando, por este motivo é necessário
respeitar as fases, o tempo e o contexto em que os alunos vivem, afinal,
cada um traz consigo seus conhecimentos sociais, históricos e culturais.
Por ser a escola, o principal ambiente de socialização dos
alunos, a indisciplina se apresenta de várias maneiras, portanto, se a
indisciplina é um problema, a escola deve assumir seu papel educativo e
trabalhar os motivos que geram transtorno na convivência diária de seus
agentes. O aluno no contexto educativo é o elo mais fraco, não por sua
competência, mas por sua condição de aprendiz e mesmo participante
do cenário escolar ele é atingido de várias formas, seja pela insatisfação
do professor, seja pelos problemas familiares ou pela má qualidade do
ensino. Neste panorama de dificuldades é preciso sobreviver e se afirmar,
por causa disso ele buscará possibilidades para definir sua posição e criar
seus meios para alcançar seu lugar.

218
DNA Educação

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220
GESTÃO PARTICIPATIVA:
A IMPORTANCIA DO GESTOR DEMOCRATICO
NA COMUNIDADE ESCOLAR.

Benedita Severiana de Sousa1


Erika Francisca Eloi Melo2
Lauanne Almeida Nascimento3
RESUMO:
O presente artigo tem como tema principal a gestão participativa e
correlaciona à situação atual da gestão escolar, enfatizando a realidade
em duas escolas da rede pública municipal da cidade de Teresina. Tem
como objetivo promover estudos acerca do processo da democracia na
comunidade escolar, visando a compreensão das práticas da gestão
democrática dentro da perspectiva escolar, vislumbra a construção de
relações de cooperação, respeito, diálogo, e liberdade de expressão a
serem efetivados na comunidade escolar.
Palavras-chave: Gestão participativa. Comunidade escolar.
Democracia.
ABSTRAT:
The main theme of this article is participatory management and
correlates with the current situation of school management, emphasizing
the reality in two schools of the municipal public network of the city of
Teresina. It aims to promote studies about the process of democracy in
the school community, aiming at understanding the practices of
democratic management within the school perspective, envisions the
construction of relations of cooperation, respect, dialogue, and freedom
of expression to be effective in the school community.
Keywords: Participative management. School community. Democracy.

1 Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí (2001) e mestrado em


Educação pela Universidade Federal do Piauí (2009).
2 Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Piaui (2017)
3 Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Piaui (2017).

221
DNA Educação

Introdução
Pesquisar este assunto é de suma importância, por que a forma
de gerir uma escola é essencial para a excelência de todos que a
compõem, buscamos assim a bibliografia de alguns autores para corro-
borar para nossa pesquisa, entre eles estão, Luck(2011), Parolin(2005)
entre outros, Além das teorias fundamentais para o nosso trabalho o
tema foi escolhido devido a algumas observações durante a realização
dos estágios curriculares e extracurriculares, na rede Municipal de Ensino
de Teresina-PI, percebendo além dos pontos negativos que essa gestão
traz para o ambiente escolar, bem como a dificuldade da convivência
entre as pessoas tornando um local áspero e com muitos problemas para
se efetivar uma educação eficiente, durante a passagem pelas escolas,
percebemos o número de docentes e funcionários insatisfeitos com a
gestão centralizada, ora existente nas escolas observadas, onde o clima
de indiferença , intrigas toma conta de todos ali presente. Assim
deixamos clara a importância de uma gestão democrática e participativa.
A má gestão ocorre quando se prioriza apenas o lado
administrativo e deixa de lado o pedagógico, causando desconforto para
todos que compõem o ambiente escolar, quando ao invés de buscar
soluções em conjunto, impõem que seja feito o que lhe é coerente, sem
ao menos dá importância para a opinião do outro. Para haver um
equilíbrio, os dois lados devem estar entrelaçados, para isso ocorrer, é
necessário que a gestão democrática se efetive a partir de tomadas de
decisões, e na elaboração de um projeto político-pedagógico coletivo, a
fim de se obter efeito positivo na comunidade escolar. Uma gestão
participativa é pautada principalmente em uma organização onde todos
possam argumentar e discutir as ideias propostas pelos gestores, estes
que passam a ser mediadores de uma organização, configurando o
exercício da participação, buscando manter sempre a harmonia entre
todos que formam a escola, buscando ouvir e construir coletivamente,
reunindo toda a comunidade escolar entre si, (a família dos alunos, os
pais, os professores e funcionários) para que juntos, com espírito de
coletividade e responsabilidade cooperem para a formação do cidadão.
A realização desse estudo, contribuirá para futuras pesquisas
cientificas, como auxilio a acadêmicos, gestores e administradores de

222
DNA Educação

escolas, e ainda de forma sucinta, incentivará a uma gestão amigável e


duradoura afim de atender às necessidades de toda a comunidade escolar,
bem como as necessidades educacionais de todos os alunos.
Como fazer uma gestão democrática?
A gestão democrática pressupõe a participação efetiva dos
vários segmentos da comunidade escolar (pais, professores, estudantes,
funcionários, comunidade), em todos os aspectos da organização da
escola, para que ela se efetive é necessário que haja processos e instancias
que a viabilizem e isso é o grande obstáculo, mesmo com a existência de
legislação que ampare a construção de uma gestão descentralizada, ainda
assim os gestores tomam para si, e/ou sua equipe a responsabilidade de
decisões que seria para toda a comunidade escolar decidirem entre si,
promovendo a prática de uma boa gestão e de forma democrática.
A participação faz com que o homem se comprometa com o
coletivo e requer habilidade para lidar com diferentes pessoas como:
professores, equipe técnico-pedagógica, funcionários, pais e comunidade
porque todos, fazem parte de um único ambiente cultural, mas o formam
e constroem, pelo seu modo de agir.
Falar em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Freire
(2005, p.94):
Para compreender o processo da gestão democrática, é
necessário conhecer alguns princípios e coloca-los em prática.
 Descentralização: A administração, as decisões, as ações
devem ser elaboradas e executadas de forma não
hierarquizada;
 Participação: devem participar todos os envolvidos no
cotidiano escolar (professores, estudantes, funcionários, pais
ou responsáveis, pessoas que participam de projetos na escola,
e toda a comunidade ao redor da escola).
 Transparência: Qualquer decisão e ação tomada ou implantada
na escola têm que ser de conhecimento de todos.
Sem a prática desses princípios, não haverá a gestão
democrática na escola e sem a democracia não é possível, exercer praticas
pedagógicas com excelência.

223
DNA Educação

Gestão democrática e participativa


Uma gestão democrática requer a participação da comunidade
escolar para opinar, avaliar, formular e fiscalizar. Para gerir democrática-
mente é necessário que o gestor use de transparência para com todos que
conduzem a escola afim de que a participação seja efetiva e assim, os
trabalhos sejam divididos entre todos que compõem essa escola. A
participação faz com que o homem se comprometa com o coletivo e
requer habilidade para lidar com diferentes pessoas como: professores,
equipe técnico-pedagógica, funcionários, pais e comunidades porque
todos, não apenas fazem parte de um único ambiente cultural, mas o
formam e constroem, pelo seu modo de agir.
Lück (2006, p.89) reflete esse ambiente participativo:
A criação de um ambiente e de uma cultura participativa
constitui-se em consequência das questões analisadas, em
importante foco de atenção e objeto de liderança pelo gestor
escolar, pelo qual, gradualmente, tem-se promovido mudan-
ças significativas na organização e orientação de nossas
escolas.
Sabemos que quando todos participam e têm o mesmo objetivo
de fazer uma boa educação, não apenas a escola sai ganhando, mas toda
a comunidade escolar. Esse bom relacionamento remete os valores da
inclusão, justiça, participação e dialogo que é primordial para se obter
uma gestão democrática, assim a importância de um bom relaciona-
mento entre gestor, professor, funcionários, pais, alunos, reflete futura-
mente em indivíduos democráticos.
A atuação do gestor democrático na escola do século XXI
O gestor da instituição possui um conhecimento sobre o que
deveria ser feito para uma melhor participação e democratização no
ambiente escolar, como um calendário escolar voltado não só para os
alunos, mas todos que fazem parte da comunidade escolar. Porém o que
se vê é um distanciamento dos gestores e das pessoas que fazem parte
da escola, os mesmos cobram uma participação nas tomadas de decisões
para além da direção.
Toda a comunidade escolar deve estar ciente do que acontece
dentro da instituição na qual integram, devem participar de todas as

224
DNA Educação

decisões tomadas na escola, pois delas depende o desenvolvimento, o


desempenho de alunos, professores e demais. A gestão deve ser mais
democrática para que haja uma educação, e a escola seja voltada para
cidadania, buscando mais autonomia no ambiente escolar, na hora de
preparar atividades que vão de acordo com as necessidades da comuni-
dade. Os alunos, pais e familiares possuem, “a capacidade de aprender,
não apenas para nos adaptar, mas sobretudo para transformar a
realidade, para nela intervir...” (Freire, 1996, p. 69)
É papel do gestor entender e mediar à contribuição de toda
comunidade escola, e não excluí-los desse processo de construção social.
Percurso metodológico
Para realizar este trabalho optou-se pela metodologia qualita-
tiva, utilizando-se a pesquisa bibliográfica e a pesquisa de campo. Para
Minayo (2003, p. 16-18) a pesquisa qualitativa trata-se de
uma atividade da ciência, que visa a construção da realidade,
trabalhando com o universo de crenças, valores, significados
e outros construto profundos das relações que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares,
correspondentes a diversos fatores, que contribuíram para a visão do
sujeito relacionada com o real, sua relação com o mundo que o cerca.
De acordo com Diehl (apud Ribeiro, 2015, p.45) a pesquisa
qualitativa:
busca descrever a complexidade de determinado problema,
sendo necessário compreender e classificar os processos
dinâmicos vividos nos grupos, contribuir no processo de
mudança, possibilitando o entendimento das mais variadas
particularidades dos indivíduos.
As citações acima foram utilizadas para nortear a pesquisa
bibliográfica, no qual abrange a discussão sobre assuntos relacionados a
educação, tais como gestão escolar democrática e participativa, entre
outros, esses assuntos foram escolhidos para debate, por perceber a
deficiência nas escolas por falta de uma gestão eficiente, onde percebe-
se a falta de respeito, falta de diálogo, falta de liberdade de expressão, que
são fatores primordiais para as boas práticas pedagógicas e para efetivar

225
DNA Educação

um ensino-aprendizagem de qualidade, onde todos envolvidos (alunos/


professores/pais/gestão/comunidade) fiquem satisfeitos e consigam
permear conhecimentos além dos que possuem, seja eles de início de
formação ou de mundo.
A metodologia utilizada neste trabalho será de cunho
bibliográfico, pois como afirma Gil (2010, p.29) praticamente:
Toda pesquisa acadêmica requer em algum momento a
realização de trabalho que pode ser caracterizado como
pesquisa bibliográfica que é elaborada com base em material
já publicado com o objetivo de analisar posições diversas em
relação a determinado assunto.
A importância da pesquisa bibliográfica sobre esse tema é de
suma importância, supri o interesse acerca do tema, através dessa busca
percebeu-se as dificuldades nas gestões encontradas em várias escolas, a
problemática para se efetivar uma educação eficiente a falta de formação
nessa area, além dos pontos negativos que essa gestão costuma trazer.
As observações foram realizadas ambos em sala de aula, e em
uma das escolas pode-se observar algumas “reuniões, pedagógicas”
entre: (gestores, pedagogos, docentes), no qual foi observado, a insatis-
fação de estar naquele local, pelo fato de não haver abertura para
participação da comunidade escolar, onde as reuniões são realizadas, não
para chegarem a uma resolução, ou para juntos resolverem ou decidirem
algo, mas para ser repassado as medidas ora tomadas pelo gestor. A
observação citada foi realizada em um estágio extracurricular remu-
nerado, no qual fez se necessário o tema proposto, e a outra observação
foi realizada em estágio curricular obrigatório, onde a fala de alguns
profissionais da escola nos levou a atentar a ação da gestora, onde
pudemos perceber que a insatisfação é motivada pela gestão centralizada,
a gestora, decide tudo sem permitir a participação dos demais
funcionários, deixando claro que a palavra democracia naquela escola,
não tem vez.
Considerações finais:
Diante deste contexto percebemos que o processo de gerir
democraticamente não tem sido praticado nas escolas observadas, uma
vez que o gestor não está preparado para assumir esse cargo de tamanha

226
DNA Educação

responsabilidade, reflete intrinsecamente em suas ações na comunidade


escolar, o fato de tomar todas as decisões abruptamente, sem qualquer
estudo, sem buscar a opinião da comunidade escolar que a cerca, dificulta
e compromete todas as atividades da escola, assim como as relações
interpessoais, criando um ambiente tenso e impróprio para todos que ali
estão.
A importância da escolha do gestor, é primordial para o bom
desenvolvimento da escola, e de todos que a fazem, tão quão é impor-
tante para o desempenho educacional dos alunos.
Uma relação adequada entre a gestão e a comunidade escolar, é
feita através de diálogo e projetos que alcance a todos que compõem a
escola. Atrelado a esta boa relação, o gestor deveria passar por uma
formação adequada.
Considerando que esses gestores antes de assumirem a direção
de uma escola, estavam em sala de aula, a formação adequada torna-se
crucial para uma boa administração/gestão, tanto para o seu crescimento
como gestor, tão como para a escola. Gerir uma escola, não é tarefa fácil.
Exercer uma gestão democrática também não, uma vez que cada pessoa
que está ali, tem seus ideais e suas convicções, porém é necessária essa
gestão participativa, onde todos possam ajudar, aliviando a carga do
gestor, e esse gestor, deve entender que cada componente da escola está
ali para somar, e ajudar na administração, não perdendo o foco principal
de seu trabalho, que é o projeto pedagógico e para isso é necessária
determinação, responsabilidade.

227
DNA Educação

Referências:
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 41 ed. São Paulo.Paz e Terra,
25.
GIL, Antônio Carlos, 1946- Como elaborar projetos de
pesquisa/Antônio Carlos Gil. - 4. ed. - São Paulo: Atlas, 2002
LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e
prática.Goiânia: Editora Alternativa, 2001. 259p.
LÜCK, H. Gestão educacional: uma questão paradigmática. Série
cadernos de gestão. v, 1 Petrópolis: Vozes, 2006.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de
pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
MINAYO, M.C. de S. (Org.) Pesquisa social: teoria, método e
criatividade. 22ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.
______. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2010.

228
UM BREVE DIÁLOGO SOBRE A IDENTIDADE
DO DOCENTE
Estevão Ribeiro Matiassi1

“O homem constrói sua especificidade e se constrói enquanto ser histórico


à medida que transcende o mundo natural pelo trabalho”.
Vitor Henrique Paro
RESUMO:
Este artigo visa apresentar um diálogo sobre a identidade docente, bem
como, uma reflexão do seu papel social e, suas multifacetas, considerando
que, sua função vai além do ensinar, ela contempla sobretudo uma atividade
profissional que ultrapassa as paredes da sala de aula e do estabelecimento
de ensino, isto é, a identidade do professor é antes de tudo social e política.
Também visa destacar questionamentos recorrente da trajetória de todo
professor, ou seja, se indagar a todo momento sobre sua atuação e didática,
construindo e reconstruído sua prática docente nos caminhos da teoria e
prática. Para fundamentar este trabalho foram utilizados principalmente os
conceitos de Freire (1996, 1987), Veiga (1989), Libâneo (2013) Gaeta e
Masseto (2013).
Palavras chave: Didática. Construção. Identidade. Docente
ABSTRACT:
This article aims to present a dialogue about identity, as well as a reflection
of its social role and its multifaceted parts, considering that its function goes
beyond teaching, it contemplates above all a professional activity that goes
beyond the classroom walls and educational establishment, that is, the
identity of the teacher is, first of all, a social and political identity. Likewise,
aims to highlight recurring questions of the trajectory of every teacher, that
is, make them ask themselves about their acting and teaching, building and
rebuilding their teaching practice in the ways of theory and practice. In
support of this work, were primarily used the concepts of Freire (1987,
1996), Veiga (1989), Libâneo (2013) Gaeta and Masseto (2013).
Keywords: Didactics. Construction. Identity. Teacher.

1Graduado em Pedagogia, Pós graduado em Gestão e Supervisão educacional e Docência no


ensino superior. Atuou como docente em escolas da rede pública e privada no Ensino
Fundamental I e II ensino Técnico Profissionalizante. Atua como orientador Pedagógico de
projetos sociais em ONG’s. ermatiassi@bol.com.br

229
DNA Educação

Introdução
Iniciar uma carreira como docente, tem se tornado cada vez
mais uma tarefa difícil e desafiadora, dado a complexidade deste ofício.
Estamos diante de um tema de grande discussão, pois este profissional
em suma, tem como principal função ensinar. Contudo, neste aspecto é
válido ampliar a discussão, pois, a função docente não se deve resumir
somente em ensinar. Para tanto, a diretriz do curso de Pedagogia aponta:
Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto
a:
Utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para
construção de conhecimentos pedagógicos e científicos.
(Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de
Graduação em Pedagogia, licenciatura, 2016.)
Conforme a diretriz, o papel do professor vai além de ensinar,
para também assumir um papel de produtor de conhecimento, sendo
assim, responsabiliza-se também com ser professor pesquisador, isto é,
considerar o processo de ensinar e aprender como atividade integrada à
investigação.
Ainda tratando se da atuação, o fato de ter como pano de fundo
o domínio de um conteúdo e conhecimentos científicos, há de se
considerar os contextos desta profissão, sobretudo, à sua atuação em sala
de aula, o relacionamento com os alunos, a necessidade do entendimento
do que diz respeito a burocracia e o papel social da profissão.
Repensando a formação dos professores a partir da análise da
prática pedagógica, Pimenta (1999) identifica o aparecimento da questão
dos saberes como um dos aspectos considerados nos estudos sobre a
identidade da profissão do professor. Parte da premissa de que essa
identidade é construída a partir da
(...)significação social da profissão; da revisão constante dos
significados sociais da profissão; da revisão das tradições.
Mas também da reafirmação das práticas consagradas
culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que
resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às
necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e
as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das
teorias existentes, da construção de novas teorias. (p. 19).

230
DNA Educação

Sendo assim, o professor pesquisador confronta-se com


questionamentos pertinentes aos conhecimentos pedagógicos, ou seja, o
que essencialmente tange a atuação do professor, isto é, o como ensinar.
Quais metodologias? Quais procedimentos utiliza-se? Como transmitir
um conteúdo que, mesmo sendo de grande complexidade, este é
compreendido pelo aluno, pela maneira como o professor passou?
Desenvolvimento
Diante desse contexto apresentado na introdução, pretende-se
neste diálogo, o seguinte percurso: construir uma linha de raciocínio,
desde a etimologia das palavras identidade e professor, afim de
compreender as relações construídas entre a origem e significados dessas
palavras, contudo sua significância na atuação; Outra questão abordada
também neste capítulo refere-se às competências e saberes necessários
para a docência de qualidade, sobretudo, refletir o como ensinar, não
com a intencionalidade de apresentar uma receita, mas propondo uma
reflexão sobre a prática e atuação em sala de aula, principal espaço de
atuação do professor, considerando a didática, como a teoria geral do
ensino e, importante instrumento no processo de reflexão tratando-se
de ensino aprendizagem, bem como na construção da identidade
docente, não reduzindo a didática à concepção técnica do ensino.
Ainda no que se diz respeito à docência de qualidade, Rios
(2011) acrescenta que:
O conceito de qualidade é abrangente, é multidimensional.
Na análise crítica da qualidade, devem ser considerados os
aspectos que possam articular a ordem técnica e pedagógica
aos de caráter político - ideológico. A reflexão sobre os
conceitos de competência e qualidade têm o propósito de ir
em busca de uma significação que se alterou exatamente em
virtude de certas imposições ideológicas.
Nesse sentido, a ideia de qualidade assume um amplo papel na
educação, especialmente na atuação do docente, pois não se trata
somente da capacidade técnica/teórico do professor, mas também do
propósito que este coloca em sua prática. Em educação, a palavra
qualidade, portanto, vezes assume uma dimensão dicotômica, isto é,
formação e prática docente (e vice-versa), causada por compreende-la

231
DNA Educação

como polos. É indispensável que vejamos a educação, sobretudo de


qualidade, como integralidade, inteireza, totalidade, sendo uma
possibilidade de atuação plena, quando esta é exercida a partir de um
novo olhar. Assim, sendo vista do aspecto informal, espontâneo, dentro
de um processo criativo, mediante as inúmeras possibilidades de
intervenção do professor, permitindo uma “liberdade” em sua atuação.
No entanto, pensar educação de qualidade também é, atuação formal, de
maneira sistemática, intencional e organizada, onde se desenvolve a partir
da definição de objetivos, planejamento e conteúdo a serem explorados
no processo educacional. Portanto a didática necessita dialogar com a
diversidade dos saberes da docência, enfrentar os desafios e buscar
alternativas para pensar e repensar o ensino.
Dado essa problematização na busca da identidade do
professor e sua significação profissional, a etimologia das palavras
identidade e professor, nos permite iniciar o diálogo. Identidade é uma
daquelas palavras carregadas de significado. Vinda do latim identitate, ela
é um substantivo feminino que tem acepções que vão desde o registro
geral até questões filosóficas importantes que caracterizam a existência
humana. Partindo-se do geral para o específico, em primeira instância,
identidade refere-se àquilo que é idêntico. Do ponto de vista da Filosofia,
ter consciência de si próprio é um elemento fundamental para se
diferenciar dos demais. Apesar de existir uma identidade coletiva, que
caracteriza a comunidade (ou as comunidades) na qual o indivíduo se
insere. A partir da origem da palavra podemos compreender que se trata
essencialmente de características, isto é, aquilo que marca algo, ou
alguém. Dando significado ao contexto do professor, identidade seria o
que supostamente caracteriza e marca a profissão professor, por isso ela
é construída ao longo de sua atuação
Quando se busca a origem da palavra professor, chegamos a:
“Professor” tem origem no Latim, vem de PROFESSUS que significa
“pessoa que declara em público” ou “aquele que afirmou publicamente”.
Esta palavra, por sua vez, é derivada do verbo PROFITARE. Este
significa “afirmar/declarar publicamente” e é comporto de PRO, “à
frente” e FATERI, “reconhecer”. Esta expressão era usada para as

232
DNA Educação

pessoas que se declaravam aptas a exercer alguma função, nesta situação,


o ensinar.
Dado a etimologia das palavras, podemos constatar que o a
atividade profissional docente, assumiu outras características, do que
meramente se identificar e, declarar algo à alguém. De fato, sua
identidade esta sobretudo aliada ao compromisso ético social, isto é, sua
responsabilidade está ligada a formação cidadãos ativos e participantes
na família, no trabalho, nas associações de classe, na vida cultural e
política. É uma atividade fundamentalmente social, porque contribui
para formação cultural e científica do povo, tarefas indispensáveis para
outras conquistas democráticas (LIBÂNEO, 2013). Considerando esta
afirmação, a atuação docente é ampliada em suas dimensões, sendo estas,
éticas, humanas, políticas, técnicas e estéticas, pois pressupõem
interação, escolhas, intencionalidades sistematizadas e idealizações.
Do mesmo modo Gaeta e Masseto (2013, p. 102) dialogam:
É verdade que somos especialiastas em determinada área de
conhecimento e como tais fomos contratados para lecionar.
Mas essa é apenas uma das facetas de nossa personalidade.
Quando entramos em sala de aula, trazemos junto o cidadão
que também somos comprometidos com o desenvol-
vimento de nossa sociedade, buscando melhores condições
para nossa comunidade, atuando com responsabilidade
social e procurando integrar as dimensões tecnológicas,
éticas, sociais, culturais ambientais e econômicas em nossas
ações.
Com base nos autores podemos concluir que essa dimensão
cidadã e política, ao realizarmos à docência, não podem estar desconec-
tadas do ofício do professor e, que estes contribuem de maneira
significativas, senão totalmente para a formação de sua identidade como
profissional da educação. Uma identidade profissional se constrói, pelo
modo como o sujeito se percebe em seu processo de formação. Os
professores ensinam tanto pelo que sabem, quanto pelo que são,
argumenta Zabalza (2004). A identidade não se trata de algo adquirível,
mas um processo de construção gradativa e ressignificação da própria
vida, isto é, um repensar constante de como esse indivíduo se age e
contribui em sociedade, uma vez que identidade não algo inerente, e sim

233
DNA Educação

algo construído diante de certezas e incertezas ao longo de sua trajetória


docente. Freire (1996, p. 25) enfatiza, com relação a formação da
identidade docente que, “quem forma se forma e reforma ao formar e
quem é formado forma-se e forma ao ser formado”.
Em suma, é uma atividade bem mais complexa do que apenas
conhecer algumas técnicas de ensino, a construção da identidade
profissional docente, é um processo de ressignificação em que o sujeito
situado se constrói historicamente e, assim fundamenta sua identidade.
Considerando a complexidade da docência, ainda nos
deparamos com outras questões relevantes, e de grande valia para
reflexão, não somente de sua identidade, mas também de sua prática.
Afinal, que competências profissionais são exigidas para se desempenhar
o oficio da profissão docente? Entretanto, é de grande valia também
questionar, o que é entendido por competência?
Competência é um “conjunto de habilidades de que as pessoas
necessitam para desenvolver algum tipo de atividade”, segundo Zabalza
(2006, p. 70). Para Perrenout (2000, p. 15) “a noção de competência
designará aqui uma capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos
para enfrentar um tipo de situação”. Os autores aqui dialogam por se
tratar da prática docente, sobretudo, frente as novas demandas
tecnológicas e sociais, isto é, o docente assume um papel diferenciado,
dissímil ao do Professor convencional, ou seja, apropria-se do perfil
mediador. Nesse sentido, TEBAR (2011, p. 115) reitera que, mediar
também é transmitir valores, é conectar vivências e elementos culturais,
é superar a ignorância e a privação cultural, abrindo ao outro um mundo
de significados. Considerando o professor como mediador do processo
de ensino aprendizagem, este deve refletir a educação e relaciona-la ao
mundo, pois são os intelectuais e mediadores, interpretes ativos da
cultura, dos valores e do saber em transformação, envolvendo-se na
formação integral dos seus educandos.
Essa definição insiste em quatro aspectos segundo Perrenoud
(2000):

234
DNA Educação

 As competências não são elas mesmas saberes, savoir-faire ou


atitudes, mas mobilizam, integram e orquestram tais
recursos;
 Essa mobilização só é pertinente em situação, sendo cada
situação singular, mesmo que se possa tratá-la em analogia
com outras, já encontradas;
 O exercício da competência passa por operações mentais
complexas, subentendidas por esquemas de pensamento,
que permitem determinar (mais ou menos consciente e
rapidamente) e realizar (de modo mais ou menos eficaz) uma
ação relativamente adaptada à situação;
 As competências profissionais constroem-se, em formação,
mas também ao sabor da navegação diária de um professor,
de uma situação de trabalho à outra. (p. 15)
Com base nos autores, podemos considerar que ao falarmos de
competência, sobretudo, na perspectiva docente, estamos falando de
competência pedagógica, ou seja, estamos abordando recursos e tarefas
pedagógicas. Por outro lado, é valido refletir também sobre a “didática
utilizada pelo professor”, considerando, essa expressão bem comum,
quando se trata de aulas consideradas “boas”. Ambas as situações, é
valido a reflexão no sentido de compreender sobre a importância da
competência para o professor e, o conjunto de conhecimentos, habili-
dades que o docente necessita em sala de aula, afim de desenvolver às
aprendizagens. No entanto cabe aqui dar atenção também, sobre o
discurso que envolve o fazer pedagógico, isto é, considera-se muitas
vezes uma “boa aula”, aquela que seja inovadora, ou diferente das
convencionais, aqui é válido saber com que base esse discurso é pautado,
sendo esses muitas vezes, falácias por parte de instituições afim de
silenciar a atuação do professor. Dessa forma, NOVOA (1999),
acrescenta:
Diante deste panorama, é grande a tentação de enveredar
por uma planificação rígida ou por uma “tecnologização do
ensino”. Estes caminhos levam, inevitavelmente, a uma
secundarização dos professores, ora obrigados a aplicar em
materiais curriculares pré-preparados, ora condicionados
pelos meios tecnológicos ao seu dispor. O reforço de
práticas pedagógicas inovadoras, construídas pelos profes-
sores a partir de uma reflexão sobre a experiência, parece ser
a única saída possível.

235
DNA Educação

Dessa forma é fundamental o docente compreender seu papel


identitário, uma vez que, sua atuação não se esgota no ato de ensinar,
amplifica-se no ato formativo de educar. Em outras palavras o professor
desenvolve suas competências com base em suas experiências ao longo
de suas formações, sendo elas teóricas, sobretudo práticas. Sendo assim
técnicas de ensino não podem preencher todo o discurso pedagógico.
Ao se falar sobre competência pedagógica, logo se pensa em
estratégias, formas, modos de dar a aula ou transmitir um conteúdo. No
entanto, há um processo laborioso que antecede a aula de fato, esse
processo sugere uma reflexão por parte do professor e o, levantamento
de alguns questionamentos intencionais, sobretudo, a cautela que todo
docente deve ter, uma vez que ele é responsável por uma disciplina e que
a formação do aluno, dar-se-á, a partir, de um conjunto delas. Sendo
assim, cabe ao professor se perguntar: Quais competências vão colaborar
para formação do meu aluno?
A partir desse processo reflexivo e, chegando as possíveis
respostas para tal pergunta, o professor inicia seu planejamento, afim de
organizar e estruturar os conteúdos à serem ministrados, considerando
os objetivos gerais e específicos, referencial teórico, isto é, a bibliografia,
estratégias de ensino que colaboram para aprendizagem e, critérios de
avaliação, seja processual formativa ou somativa e, ainda período do
tempo para que tal conteúdo será ministrado.
Para tanto nos elucida, Zabalza (2006, p. 183-209), com as
dimensões de uma docência de qualidade, o professor deverá ser
competente para:

 Planejar sua docência voltada para um projeto formativo de


seus alunos;
 Organizar o ambiente de trabalho;
 Selecionar os conteúdos interessantes e sua forma de
apresentação;
 Usar material de apoio, metodologia que incentive a
aprendizagem do aluno, incorporar novas tecnologias e
recursos diversos;
 Dar atenção pessoal aos estudantes e aos sistemas de apoio;

236
DNA Educação

 Desenvolver estratégias de integração com os outros


docentes;
 Desenvolver sistemas de avaliação do processo de
aprendizagem como um todo.

Sobre as dimensões, pode-se perceber que o papel do docente


como um problematizador e potencializador de aprendizagens, onde
dialoga, divide responsabilidades, e estabelece parcerias com os alunos.
Para tanto é valido se pensar num currículo que permita o aluno também
se apropriar do conhecimento de tal modo a assumir tal responsabili-
dades, sendo cooparticipativo, por este estar próximo ao seu cotidiano.
Nesse aspecto SACRITAN (2000, p. 46) afirma que, "o currículo
aparece, assim, como o conjunto de objetivos de aprendizagem selecio-
nados que devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que
tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa manter o
sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas
reacomodações". Nessa perspectiva, o docente em busca de uma atuação
competente, deve atentar-se que sua pratica deve basear-se na teoria,
porém sua finalidade é a transformação real, objetiva, de modo natural
ou social, satisfazer determinada necessidade humana, afirma VEIGA
(1989, p. 17). A reflexão feita até aqui nos possibilita entender que a
prática pedagógica deverá estar diretamente, se não totalmente ligada as
realidades que envolvem as instituições escolares e, que prática e teoria
não existem uma sem a outra, e sim se completam, complementam e
contribuem para formação da identidade do Professor.
Na tentativa de responder aos questionamentos do início do
capítulo pôde-se perceber que antes mesmo de responder tais
questionamentos, é de extrema relevância conceber que o todo o
contexto que envolve a identidade do professor, sua função histórica,
social e as possibilidades de transformação a partir de sua atuação. Nesse
sentido, VEIGA (1989) nos esclarece que a pratica pedagógica reflexiva
pressupõe, portanto:

 o vínculo da unidade indissolúvel entre teoria e pratica, entre


finalidade e ação, entre saber e fazer, entre concepção e
execução

237
DNA Educação

 ou seja, entre o que o professor pensa e o que ele faz;


 acentuada presença da consciência;
 ação recíproca entre professor, aluno e a realidade;
 uma atividade criadora (em oposição à atividade mecânica,
repetitiva e burocratizada);
 um momento de análise e crítica da situação e um momento
de superação e de proposta de ação.

A dos pontos citados, fundamenta que o confere a atuação em


sala do professor é a didática, sendo seu papel essencial no currículo de
formação de professores, contribuir para uma prática, além da reflexiva,
aquela que possibilita um olhar crítico com relação às experiências
concretas. Portanto nos permite entender que a didática assume a função
importante de orientação no que se refere a organização e sistematização
dos processos educativos, sobretudo propõe uma inter-relação
permanente entre indagação teórica e a prática educativa. Ainda nesta
linha de pensamento, dialoga com a autora LIBANEO (2013, p.27)
afirmando que a didática se caracteriza como mediação entre bases
teóricos-cientificas da educação escolar e a pratica docente. Ela opera
como uma ponte entre o “o quê” e o “como” do processo pedagógico
escolar.
Conclusão
Assim sendo esse diálogo, precede um longo processo de
reflexão que, com base na identidade docente busca-se aprimorar seu
papel no contexto de atuação, sobre tudo com a finalidade de prover
condições e meios pelos quais os alunos assimilam ativamente
conhecimento e habilidades, atitudes e convicções, onde chega-se a um
ponto que reencontra as questões iniciais deste capitulo: o como ensinar,
sendo assim a didática um ponto de partida que contribuirá para a
construção da identidade docente, pois ”temos que tomar iniciativa e dar
um exemplo de como fazê-lo” (FREIRE, 1986 p. 88).

238
DNA Educação

Referências
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em Pedagogia, licenciatura, 2016. Disponível em: ˂
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf˃ Acesso
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FREIRE, Paulo e SHOr, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor.
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25, n. 1, p. 11-20, 1999.
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SACRISTÁN, J. Gimeno e Gómez, A. I. Perez. O currículo: os
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ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus
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