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Observação Orientada

Autora: Profa. Daniela Emilena Santiago


Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias
Profa. Maria Francisca S. Vignoli
Professora conteudista: Daniela Emilena Santiago

Assistente social graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), especialista em Violência Doméstica
contra Crianças e Adolescentes pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Psicologia pela Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Assis - SP. Atualmente, é funcionária pública do município de
Quatá/SP, atuando como assistente social junto à Secretaria Municipal de Promoção Social. Exerce também a função
de docente no curso de Serviço Social da Universidade Paulista (UNIP), campus de Assis - SP.

Partindo de sua vinculação à UNIP, como docente do curso de Serviço Social no campus de Assis-SP, emergiu a
oportunidade de seu atrelamento também ao curso de graduação em Serviço Social na modalidade SEI, prestada pela
UNIP Interativa, o que lhe proporcionou a oportunidade de ministrar aulas da disciplina de Política Social de Habitação
nessa modalidade. Além disso, também ministrou, na modalidade SEPI, aulas da disciplina Política Social de Saúde no
curso de pós-graduação de Gestão em Políticas Sociais, oferecido pela UNIP. O vínculo com essa universidade também
lhe possibilitou elaborar o presente material.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S235o Santiago, Daniela Emilena

Observação orientada / Daniela Emilena Santiago. – São Paulo:


Editora Sol, 2012.

104 p., il.

1. Observação orientada. 2. Planejamento das ações. 3. Serviço


social. I. Título.

CDU 616

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

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Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

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Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo Okida


Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Profa. Melissa Larrabure

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Geraldo Teixeira Jr.
Juliana Maria Mendes
Amanda Casale
Sumário
Observação Orientada
Apresentação.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 A Observação como possibilidade de produção do conhecimento
nas Ciências Sociais e no Serviço Social........................................................................................11
2 A Instrumentalidade do Serviço Social..................................................................................... 22
2.1 O desenvolvimento histórico-social de instrumentos e técnicas do Serviço Social............22
2.2 A instrumentalidade em debate no momento atual.............................................................. 27
3 A Observação em Serviço Social...................................................................................................... 39
4 O Cotidiano: espaço privilegiado para a construção do conhecimento........... 42
4.1 O cotidiano: algumas concepções provenientes da Teoria Marxista............................... 44
4.2 O cotidiano e o Serviço Social......................................................................................................... 47
Unidade II
5 Estágio: modalidades e sua importância para a Formação Profissional......... 55
5.1 Estágio: legislação da Abepss e orientações da UNIP............................................................ 56
5.2 Estágio: considerações sobre a importância para a formação profissional.................. 62
6 Planejamento das ações: observaNDO a instituição........................................................ 67
6.1 Orientações para aproximar-se da instituição.......................................................................... 67
6.2 Exemplo de aproximação de uma instituição............................................................................71
Unidade III
7 Planejamento das ações: a observação da comunidade.............................................. 80
7.1 Aspectos a adotar para a observação da comunidade.......................................................... 80
7.2 Observação da comunidade: um exemplo.................................................................................. 82
8 Planejamento das Ações: a elaboração do Projeto.......................................................... 87
8.1 Os passos necessários ao projeto de integração...................................................................... 88
8.2 O projeto de integração: exemplo.................................................................................................. 90
Apresentação

A disciplina Observação Orientada foi constituída visando a atender ao disposto no Projeto


Pedagógico do curso de Serviço Social, o qual é, como sabemos, um documento que destaca todos os
conteúdos que devem ser trabalhados, tendo em vista uma formação de qualidade a ser prestada pela
instituição de ensino aos futuros assistentes sociais.

Tal disciplina torna-se, como as demais, extremamente relevante, visto que proporciona aos alunos
a oportunidade de estabelecer os primeiros contatos com espaços de atuação profissional de assistentes
sociais já inseridos no mercado de trabalho, mediante uma observação orientada por parâmetros,
que serão aqui elencados, da prática profissional desenvolvida. Essa experiência é de fundamental
importância, por possibilitar a você, aluno, estabelecer uma relação entre a teoria até então apreendida
e a experiência prática, por meio da observação, constituída com base na realidade experimentada pelos
profissionais já atuantes.

Essa aproximação da realidade laboral proporcionará a você o conhecimento de informações de


relevância, conforme já mencionado, dentre as quais podemos destacar a experiência prática dos
assistentes sociais em diversas áreas e campos de atuação, bem como a organização e a dinâmica das
instituições públicas e privadas, tendo em vista a sua intervenção nos segmentos empobrecidos de
nossa sociedade e o caráter indispensável dos instrumentais técnico-operativos do assistente social,
como ferramentas importantes de intervenção, dentre outros aspectos afins. De tal maneira, sua
perspectiva sobre a prática do assistente social irá se alterar significativamente, podendo até mesmo
auxiliar em sua escolha de futuros espaços de atuação, dada a amplitude de práticas possíveis a essa
profissão em diversas áreas.

Constitui objetivo geral da presente disciplina proporcionar a você, aluno, a reflexão sobre a
prática profissional observada e a compreensão da importância da formação técnico-científica para a
atuação profissional. Esse objetivo será atingido por meio da leitura e da interpretação de textos; da
pesquisa bibliográfica; e do desenvolvimento de intervenções que visem à expressão do pensamento
de forma clara, coerente e concisa, de modo que seja possível ampliar a compreensão geral sobre a
profissão, para instrumentalizá-lo sobre as diferentes abordagens encontradas nos diversos campos
de atuação profissional.

Para tanto, você deverá escolher uma instituição para realizar a observação prática. Essa instituição
pode ser de natureza pública ou privada, sendo necessário apenas que possua, em seu quadro de
funcionários, um assistente social devidamente registrado no Conselho Regional de Serviço Social
(Cress).

Partindo dessa constatação, você deverá aproximar-se da instituição e destacar para os envolvidos
a necessidade de realizar tal atividade. Havendo anuência da instituição, você irá realizar uma
caracterização desta e da comunidade em que foi constituída. Em seguida, deverá elaborar um projeto
interventivo e que busque ampliar as relações estabelecidas entre a instituição e a comunidade em que
ela se encontra.

7
Para isso, instrumentalizaremos você por meio do presente material e ainda por outros mecanismos
que a instituição oferece. Também serão disponibilizadas orientações posteriores em relação à entrega
do documento com as informações obtidas.

Por meio desta disciplina, você entrará em contato com a prática profissional, podendo ter acesso
a várias informações sobre esse assunto. Também será viabilizado o conhecimento sobre a instituição
onde a prática é desenvolvida e sobre a comunidade com a qual se relaciona. Por fim, será possível fazer
observações e elaborar um projeto, que é, como sabemos, um instrumento muito utilizado pelo Serviço
Social.

Na sequência, discorreremos sobre o conteúdo em questão, e você deverá apropriar-se do


conhecimento disponibilizado.

INTRODUÇÃO

Tendo em vista os objetivos desta disciplina, conforme elencamos no início deste livro-texto,
discorreremos, na sequência, sobre diversos conteúdos, com a finalidade de instrumentalizar você, aluno
de graduação em Serviço Social, no que diz respeito à observação orientada.

Na primeira Unidade, falaremos sobre a observação como meio de produção do conhecimento,


utilizado em pesquisas científicas, inclusive nas do Serviço Social, para que, na sequência, possamos
discorrer acerca da observação como uma técnica de pesquisa também usual na produção científica
dessa área. Poderemos, assim, conhecer a importância que a observação possui na produção do
conhecimento científico.

Em seguida, ainda na Unidade I, trataremos da observação como uma modalidade de intervenção


do Serviço Social e uma possibilidade tanto de formação para alunos quanto de educação continuada
para profissionais atuantes. Para isso, realizaremos uma discussão sobre a questão instrumental da área,
fazendo uma retrospectiva histórica sobre o desenvolvimento desta no Brasil, ou seja, sobre os métodos
que foram se desenvolvendo historicamente no decurso de nossa profissão e que orientam nossa
intervenção profissional. Trataremos também de aspectos contemporâneos afetos à instrumentalidade
e que precisam ser problematizados. Concluiremos esse conteúdo com o debate sobre a importância do
cotidiano para o desempenho das atividades profissionais, dentre as quais a observação.

Na segunda Unidade, continuando nossos estudos, realizaremos uma reflexão sobre as possibilidades
identificadas para que a observação seja colocada em prática no nosso cotidiano. Para a seguinte
apreensão, discorreremos sobre a importância do estágio para a formação do graduando em Serviço
Social, posto que essa intervenção deve ser compreendida como a primeira possibilidade que é a você
oferecida institucionalmente e que com certeza irá se constituir como respaldo a futuros estágios
que desenvolverá no decurso de sua formação. Note que, nessa primeira aproximação, você já poderá
realizar suas primeiras observações. Com tal finalidade e para que você já possa se ambientar ao estágio,
também destacaremos a legislação que regulamenta sua realização em Serviço Social, definida pela
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), bem como a legislação que orienta
a realização de estágio junto à UNIP.
8
Entretanto, como você estará realizando um estágio de observação, ofereceremos as informações que
forem necessárias para orientá-lo a desenvolver a observação e, partindo disso, a elaborar a caracterização
da entidade e da comunidade, para que isso culmine na elaboração do projeto de intervenção, visando
a integrar serviço e comunidade. É necessário, no entanto, destacar que, no momento, dada a fase
vivenciada em sua formação, você não poderá desenvolver estágio de intervenção, pelos motivos que
também iremos ressaltar e descrever.

Posteriormente a esse conteúdo, na Unidade III, discutiremos sobre o planejamento das ações a
serem desenvolvidas na comunidade, destacando inclusive um modelo do projeto de integração.
Nessa unidade, pretendemos destacar exemplos de intervenção profissional que só são possíveis em
decorrência de observação previamente realizada. Esta é uma técnica que deve ser apreendida desde o
período de estágio e deve sempre orientar a nossa intervenção.

Este material foi elaborado com recorrência à leitura de diversos textos científicos provenientes de
livros e artigos produzidos no âmbito do Serviço Social e das Ciências Sociais. Foi realizada também
recorrência a trabalhos com orientação da Teoria Marxista, com uma compreensão crítica sobre o tema
aqui tratado.

9
Observação Orientada

Unidade I
A Observação como possibilidade de produZIR conhecimento e
enquanto técnica de intervenção e formação do Serviço Social

Partindo das colocações arroladas no item introdutório deste livro-texto, buscaremos agora nos
aprofundar no conhecimento sobre a importância da observação, enquanto possibilidade de produção
do conhecimento nas pesquisas qualitativas como um todo e nas pesquisas de tal natureza produzidas
no âmbito do Serviço Social.

Após tais aproximações, orientaremos a nossa compreensão para a importância da observação como
uma técnica de intervenção do Serviço Social contemporâneo.

1 A Observação como possibilidade de produção do conhecimento


nas Ciências Sociais e no Serviço Social

Iniciamos assim nossas discussões sobre a observação como uma técnica de produção de
conhecimento científico. Para tal compreensão, será necessário realizar uma recorrência a algumas
informações sobre o desenvolvimento da pesquisa qualitativa enquanto modalidade de produção do
conhecimento e da observação nesse contexto.

Observação

A produção de conhecimento precisa ser compreendida como acessível


às pessoas, e não como restrita aos meios acadêmicos.

A produção do conhecimento científico não é algo inacessível. Muitas vezes, é percebida como
situada além das possibilidades do ser humano “comum” e, portanto, restrita a cientistas e, de preferência,
desenvolvida em grandes laboratórios, ou então estritamente vinculada a universidades ou centros de
formação.

No entanto, essa percepção acerca da produção do conhecimento precisa ser revista, e essa nova
forma de compreensão demanda entender o desenvolvimento das formas de pesquisa que foram
encontradas pelo ser humano ao longo da história da humanidade. Apenas após tal entendimento
poderemos introduzir a pesquisa em nosso cotidiano e buscar romper com essa forma de compreender
tais intervenções.

11
Unidade I

Observação

O objetivo desta disciplina não é aprofundar a discussão sobre a


compreensão das modalidades de pesquisa científica.

Como não é objetivo desta disciplina discorrer com profundidade sobre as modalidades de pesquisa
científica, tentaremos enfatizar a pesquisa qualitativa,1 por ser nesta que mais fazemos recorrência
à observação, e também pelo fato de compreendermos que essa modalidade de pesquisa é a mais
frequentemente adotada pelo Serviço Social, conforme elencaremos na sequência.

Chizzotti (2003) coloca que a pesquisa científica apresentou determinado percurso histórico em
seu desenvolvimento e que, por meio deste, tornou-se possível compreender a importância que a
observação passa a assumir na produção de conhecimento. Para o autor, a evolução da pesquisa nos
leva a compreender o grande desenvolvimento e a ampliação que a pesquisa qualitativa assume a partir
do século XX.

Sabemos, de acordo com Chizzotti (2003), que a pesquisa qualitativa pode ser definida como uma
modalidade de produção do conhecimento cuja base não está restrita apenas a números e aspectos
exatos, que possam ser comprovados. Nesses termos, de acordo com o autor, a produção de conhecimento
também está relacionada à elaboração de conceitos que, muitas vezes, não podem ser mensurados.

Lembrete

A produção de conhecimento científico se efetiva também por meio


das práticas profissionais.

Essa é, portanto uma modalidade de produção do conhecimento que se apoiará em outros aspectos,
além dos quantitativos, para produzir conhecimento; ou, conforme refere Minayo (1994):

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se


preocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais
profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser
reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 1994, p. 21-2).

Ainda segundo Minayo (1994), tal pesquisa só se constitui por trabalhar aspectos que estão
relacionados à realidade que afeta os seres humanos em seu viver cotidiano.
1 
A pesquisa quantitativa, grosso modo, respalda-se na utilização de dados e informações que podem ser
quantificados, como a própria nomenclatura sugere. A pesquisa qualitativa possui outras características, sobre as quais
discorreremos no decurso deste livro-texto.
12
Observação Orientada

Lembrete

A pesquisa qualitativa precisa estar relacionada a aspectos afetos à


realidade dos seres humanos.

Segundo Chizzotti (2003), essa tendência de pesquisa só se evidencia a partir do século XX, mas tem
suas raízes históricas a partir de finais do século XIX. Nesse período, segundo o autor, surgiram, na pesquisa
científica, experiências com foco em estudos da sociedade europeia, da vivência dos seres humanos, Nessa
época, era usual realizar pesquisas sobre as precárias condições de vida de uma parcela da sociedade da
Europa, sendo enfatizados, no período, estudos sobre a pobreza. Essas pesquisas eram realizadas por meio
da observação de determinados segmentos e pelo registro de todas as impressões obtidas.

Chizzotti (2003) ainda coloca que a partir da primeira metade do século XX, essas pesquisas
começam a receber a influência da Antropologia, da História, da Sociologia e da Educação, recorrendo à
investigação da vida de alguns agrupamentos no espaço local. Destacam-se para esse tipo de pesquisa
os estudos etnográficos, que podem ser compreendidos como pautados por um método interpretativo
da realidade, com base em narrativas. Destacam-se, nesse período, de acordo com o autor, os trabalhos
produzidos por Malinowski (1976), que realizou uma pesquisa de campo em Nova Guiné e nas Ilhas
Trobiand, na Melanésia: na ocasião, o pesquisador chegou a conviver com os sujeitos da pesquisa.
Nessas pesquisas, também era realizada a observação dos sujeitos, sobretudo daqueles pertencentes aos
segmentos “marginalizados” da sociedade daquele período.

Essa tendência, nos termos de Chizzotti (2003), foi se tornando cada vez mais evidente no campo das
pesquisas. Depois da Segunda Guerra Mundial, sobretudo até meados da década de 1970, a observação
de determinados segmentos enquanto técnica de produção de conhecimento tornou-se mais usual.
Nesse período, além das correntes teóricas de influência, surgiram também a Fenomenologia, a
Hermenêutica e o marxismo.2 Na sequência, segundo o referido autor, a partir das décadas de 1970 e
1980, vivenciamos na Europa uma ampliação significativa dos investimentos em pesquisa, colaborando
assim para a criação de novas técnicas e para um consequente aumento do número de métodos
destinados ao entendimento da realidade local como expressão condensada do todo. São priorizadas
técnicas de pesquisa que possibilitem o contato com a realidade.

Observação

As correntes teóricas são importantes influenciadoras na definição da


modalidade de pesquisa a ser adotada.

2 
Fenomenologia é uma corrente teórica que defende a apreensão do real com base na análise de fenômenos isolados e de
como esses fatos aparecem à consciência humana, tendo, dentre diversos expoentes, o filósofo Edmund Husserl. A Hermenêutica é uma
corrente da Filosofia que preconiza a produção do conhecimento com base na análise de textos escritos e de outros signos, possuindo
como principal teórico o filósofo Heidegger. Por fim, o marxismo é uma corrente teórica que explica os fenômenos sociais relacionando-
os às formas como a sociedade organiza sua produção e seu consumo; tem como principais expoentes Marx e Engels (SODRÉ, 2004).
13
Unidade I

Segundo Chizzotti (2003), tal tendência em pesquisa se faz presente até hoje. A partir da década de
1990, observou-se que, além dos aspectos tratados, o pesquisador começa a adquirir importância no
processo de produção do conhecimento. Nesse sentido, o autor destaca que o pesquisador passa a ser
percebido com um sujeito autônomo, mas que traz para o processo de pesquisa e coleta de dados suas
impressões e seus conceitos. Anteriormente, era visto como um sujeito que estava além da pesquisa,
visto que não exercia interferências nesta nem a influenciava. Era o mito da neutralidade do pesquisador
que, com o tempo, acabou rompido.

A observação de fatos e o registro das informações obtidas ganha destaque no que diz respeito
à pesquisa científica, à produção de conhecimento científico de modo geral. Seguindo esse percurso,
é possível concluir que essa técnica também passa a ser utilizada com vistas a uma possibilidade de
intervenção, sendo essa uma tendência atual tanto na pesquisa científica quanto na intervenção prática
de algumas profissões, sobretudo no que diz respeito à profissão de assistente social.

Dentre as possibilidades metodológicas a serem utilizadas, no que concerne à pesquisa qualitativa,


podemos citar os estudos de caso.

É necessário, no entanto, pontuar que o estudo quantitativo, antes hegemônico na produção


de conhecimento, não cai em descrédito. Os dados que podem ser por ele obtidos, relacionados
especificamente à quantificação de determinados aspectos, não deixam de ser importantes. O que ganha
relevância é a análise, que passa a ser realizada a partir das informações conseguidas. Alguns estudos
acabam mesmo recomendando a utilização combinada dessas duas possibilidades metodológicas.

Para ilustrar essa colocação,vamos fazer a leitura da matéria a seguir:

Para Ipea, redução da desigualdade é frágil

Figura 1

A redução da pobreza e da desigualdade no Brasil ainda se assenta sobre bases


frágeis, pois foi puxada pela oferta de empregos de baixa remuneração no setor
de serviços e comércio, aponta estudo divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o levantamento do órgão federal, dos 2,1 milhões

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Observação Orientada

de novos postos de trabalho criados por ano na década de 2000, 95% pagavam até 1,5
salário mínimo (R$ 817,50). Enquanto isso, a cada ano foram eliminadas 397 mil vagas
com salário de três mínimos ou mais.

O fenômeno está ligado à mudança na estrutura da produção, afirma o presidente do


Ipea, Marcio Pochmann. “Não é mais a indústria que comanda, são os setores de serviços”.

Na década, esses setores geraram 2,3 empregos para cada vaga na indústria – a relação
era de 1,3 nos anos 1970. Serviços e comércio respondem agora por 57,6% da ocupação,
contra 42,6% nos anos 1980. A proporção da indústria e da construção civil (24%) não
mudou.

“A sustentação dos êxitos recentes não depende só da qualificação da mão de obra. Para
o longo prazo, é preciso ampliar a oferta de empregos que sejam de maior remuneração”,
diz Márcio Pochmann.

O estudo destaca que, em boa parte devido a aumentos reais do mínimo, o crescimento
do emprego concentrado na base salarial contribuiu para reduzir a fatia de pobres na
população ativa, de 37,2% em 1995 para 7,2% em 2009.

Na classificação do instituto, a maior parte do contingente de novos assalariados foi


engrossar o “nível inferior” da população ativa: “Não é mais pobre, mas tampouco de classe
média”. Enquanto isso, a parcela que o Ipea classifica como de “nível médio” (combinando
renda a fatores como escolaridade, consumo e moradia) se manteve em 32,2%.

Os que vivem de “rendas da propriedade” (lucro, juros, terras e aluguéis) passaram de


3,9% para 14,3%. O Ipea vê uma “polarização” entre as “duas pontas” com maior crescimento
relativo na pirâmide social: “os trabalhadores na base e os detentores de renda derivada da
propriedade”. Hoje, só 16,4% dos brasileiros empregados ganham três mínimos ou mais,
contra 28,7% em 2000 e 25,9% em 1990.

Estagnação

Para Pochmann, a estagnação do “nível médio” explica parte da redução no grau


de desigualdade da distribuição da renda do trabalho, que foi de 10,4% entre 2004 e
2010 – índice inédito desde os anos 1960 (DIÁRIO DO NORDESTE, 2011).

Exemplo de aplicação

Podemos observar que a matéria faz uma série de referências a dados. Por exemplo, destaca, logo
no início, que partindo de uma pesquisa realizada pelo Ipea, foi constatada uma diminuição nos postos
de trabalho, apresentando o dado de que foram eliminadas 397 mil vagas de emprego. Na sequência, o
presidente do Ipea justifica que a queda do número de empregos decorreu da queda de oferta no setor

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Unidade I

de serviços. Como consequência, podemos concluir que há uma desigualdade na distribuição de renda
do trabalho.

Reflita sobre as seguintes questões:

• Como sobrevive o contingente populacional que ocupava as 397 mil vagas de trabalho e que foi
colocado junto ao exército industrial de reserva?
• É possível produzir um conhecimento qualitativo com base em dados quantitativos?

Assistentes sociais devem analisar os dados com base no conhecimento que possuem da realidade,
observando as informações que podem estar escondidas por trás deles.

No entanto, antes de traçarmos informações sobre os procedimentos a serem adotados pelos


assistentes sociais para a realização da pesquisa, precisamos voltar nossa compreensão para o
desenvolvimento das primeiras investigações em Serviço Social.

Para compreender o desenvolvimento sócio-histórico da pesquisa em Serviço Social devemos nos


reportar à década de 1940, quando, no Brasil, grande parte das escolas destinadas à formação de
assistentes sociais já estava constituída. Nesse estágio de desenvolvimento da profissão, foi realizada
recorrência à teoria proveniente das Ciências Sociais, com o objetivo de fundamentar a intervenção
profissional (ALMEIDA, 1990).

Essa orientação teórica, no entanto, influenciou a produção dos primeiros trabalhos de conclusão
do período, e esse cenário só veio a ser alterar a partir da década de 1970, com o Movimento de
Reconceituação. As décadas de 1970 e 1980 destacam-se pelo surgimento de projetos de pesquisa
em diferentes níveis, como a graduação e a pós-graduação, mas com o objetivo de aproximar-se do
marxismo. Almeida (1990) destaca como exemplo dessa modalidade de pesquisa o desenvolvimento
de pesquisas estruturalistas, com foco na realidade econômica, e pesquisas ideopolíticas, em que se
buscava discutir e ampliar os conteúdos ideológicos trazidos pelo marxismo à profissão.

Surgem nessa época, segundo Almeida (1990), as pesquisas pautadas pela metodologia chamada
“pesquisa-ação” ou “pesquisa participante”. Tal metodologia tinha como enfoque a apreensão da realidade
vivenciada por segmentos empobrecidos da nossa população, com base na observação metódica de tal
realidade e na interação do pesquisador com o objeto da pesquisa.

Notamos um amadurecimento dessas possibilidades de construção do conhecimento a partir de


1980-1990 no Brasil. Essa possibilidade veio a surgir a partir do Movimento de Reconceituação,
que emergiu no país a partir da década de 1970, mas que ganhou força somente a partir da década
de 1980, englobando toda a categoria profissional. A reflexão sobre a prática, sobre a questão
metodológica, resultou na compreensão da existência de diversas correntes que vinham, até esse
momento, embasando a ação e a reflexão desses profissionais, resultando, entretanto, em uma

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Observação Orientada

adesão ao marxismo como corrente teórica de fundamentação da prática dos assistentes sociais
(BOURGUIGNON, 2007).

A compreensão da realidade social e econômica partindo de um viés marxista faz os profissionais


desse período iniciarem uma nova forma de compreensão das expressões da questão social,
condicionando, assim, nos termos de Bourguignon (2007), o compromisso ético-político de toda a
categoria.

Igualmente ganham maior visibilidade as diversas formas de expressão


da questão social, havendo um grande esforço teórico-crítico, no
sentido de apreendê-las no movimento contraditório da sociedade,
possibilitando maior consistência à prática profissional no enfrentamento
destas expressões. No movimento das transformações societárias, e de
forma inerente no movimento de repensar a profissão, há um processo
de construção e afirmação de um projeto ético-político comprometido
com a cidadania e renovador da direção social da formação profissional
(BOURGUIGNON, 2007, p. 48).

Devemos atentar também para o fato de que a realidade política do país no período favorece o
surgimento de críticas à realidade econômica, à social e a outras afins, tendo em vista a queda do
regime ditatorial e os processos de abertura política que começam a ser constituídos. Isso favoreceu
muito a aceitação das teorias marxistas por um grande estrato da população brasileira mais vinculado
a movimentos de esquerda.

Também nesse período, segundo Bourguignon (2007), surge a compreensão da necessidade de


conhecimentos científicos para fortalecer a formação no que concerne a proporcionar competência
técnica. Segundo essa argumentação, o profissional capacitado é aquele que possui um respaldo teórico
que o qualificará em uma dimensão técnico-operativa, ou seja, somente será capaz de desenvolver
uma prática de qualidade aquele profissional que possuir subsídios teóricos. Essa tendência que surge
naquele período histórico torna-se relevante à formação de futuros assistentes sociais e também de
profissionais já atuantes.

Contemporaneamente, podemos dizer que os subsídios teóricos são dados a partir da produção de
conhecimento, que deve ser extraído do cotidiano dos profissionais, de sua prática. Assim, o Serviço
Social precisa ser compreendido como uma profissão essencialmente interventiva e investigativa, que
possui tanto condições de intervir quanto possibilidades de produzir o conhecimento com base na
intervenção empreendida via investigação (BOURGUIGNON, 2007).

Teixeira (2006) chama a atenção para o fato de que essa visão investigativa pressupõe também a
necessidade de a prática ser sistematizada, registrada pelos profissionais. Entretanto, o autor destaca
que essa sistematização ainda não é algo comum entre os assistentes sociais, dificultando assim as
formulações teóricas sobre a prática; por isso, a própria elaboração de pesquisas torna-se extremamente
difícil.

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Unidade I

Moraes, Juncá e Santos (2010), no entanto, chamam a atenção para a necessidade de compreendermos
a pesquisa e a produção do conhecimento como algo que está ao alcance dos profissionais atuantes.
Nesse sentido, a produção do conhecimento científico não deve ser compreendida como restrita aos
ambientes acadêmicos. Segundo esses autores, as pesquisas empreendidas em nosso cotidiano profissional
devem ser usadas como uma possibilidade de produção do conhecimento, devendo ser tais modalidades
adotadas pelos assistentes sociais constantemente e fazer parte da rotina profissional. Teixeira (2006),
partilhando dessa concepção, ainda destaca que é necessário ao assistente social introduzir mecanismos
que permitam o registro do seu cotidiano diariamente, como algo inerente à prática profissional.

A própria prática, tanto para Moraes, Juncá e Santos (2010) quanto para Bourguignon (2007), traz as
informações de que necessitamos para produzir conhecimento.

Retomando nosso cotidiano profissional, vemos facilmente como


colecionamos dados sobre os nossos chamados usuários: sexo, faixa etária,
profissão, composição familiar, condições habitacionais, escolaridade...
Dados que classificam, rotulam e correm o risco de ficar isolados em
cadastros, arquivos ou relatórios. Se é certo que tais dados permitem uma
primeira identificação dos usuários, propiciando ou não sua inclusão nos
programas sociais e/ou ações institucionais existentes, é certo também que
não basta juntar informações sem problematizar suas causas e possíveis
significados, bem como sem analisar alternativas de ação (MORAES, JUNCÁ
e SANTOS, 2010, p. 438).

Entretanto, essas informações precisam ser pinçadas da realidade, sendo também necessário
conferir-lhes um tratamento, uma análise ou uma problematização, conforme o texto citado
anteriormente. Caso contrário, não possuirão sentido nem conseguirão motivar ações buscando
melhorar a vida de nossa população. Fraga (2010) ainda atenta para o fato de que pesquisas só farão
sentido se, posteriormente à coleta de dados, for realizada uma problematização, uma reflexão sobre
o que foi observado, constatado.

De tal forma, o conhecimento produzido deverá resultar em melhorias na qualidade de vida


das populações atendidas pelo Serviço Social, e não apenas servir à formação teórica dos futuros
profissionais. Bourguignon (2007, p. 52) chama atenção para o fato de que o conhecimento produzido,
quando orientado pelo compromisso ético-político assumido pelo profissional, deve provocar mudanças
nas “condições de vida do cidadão”, de nossa população, nosso público-alvo.

Orientado pelo compromisso ético-político, o conhecimento construído


pelos profissionais precisa ganhar força social e romper com os muros da
academia e do próprio Serviço Social, para ser capaz de, através de uma
prática crítica e propositiva, interferir nas condições de vida do cidadão.
A preocupação com o retorno e o alcance social de nossas produções
refere-se a uma intenção de fazer o caminho de volta, isto é, retornar à
realidade que sustentou a produção de conhecimento e mobilizar ações que
transformem esta realidade, seus sujeitos e a própria profissão, alargando
18
Observação Orientada

seus horizontes e potencializando seus objetivos, suas competências e


habilidades profissionais (BOURGUIGNON, 2007, p. 52).

Dizendo de outro modo, conforme colocam Moraes, Juncá e Santos (2010, p. 436), a pesquisa, o
resultado produzido por essa intervenção, deve ser uma “ferramenta para interferência direta num
mundo social”, pois de nada adiantará o conhecimento produzido se este não causar resultados na
realidade concreta. No caso de nossa categoria, podemos acrescentar que de nada adiantará a produção
do conhecimento se não resultar em mudanças significativas na vivência de nosso público-alvo.

Vejamos o exemplo a seguir:

Tráfico de drogas: um problema de família, diz assistente social

Desagregação familiar versus impotência do Estado. A questão das drogas não se traduz
apenas em um problema de polícia. Os números são assustadores quando se fala das prisões
por tráfico. Segundo dados da Polícia Militar de São Paulo, de 2006 a 2010, o número de
presos por tráfico aumentou 118% e chegou a 86,6 mil. No mesmo período, a população
carcerária cresceu 37% e passou para 496,2 mil em todo o Estado.

Para a professora de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana


Boiteux, o aumento tem duas razões: a pena mínima por tráfico subiu de três para cinco
anos e usuários vêm sendo punidos como traficantes, o que infla os presídios. A realidade
por trás do tema é que existe um número cada vez maior de pessoas envolvidas com drogas.
Em contrapartida, acompanhamento e cuidado, em especial o familiar, não seguem esse
passo.

Segundo a assistente social Maria Grizante, que realiza trabalho com moradores de
rua e travestis, o problema está na estrutura social familiar, ou na ruptura das relações
familiares. “A família é o principal (e primeiro) grupo a que o indivíduo pertence e aprende
de si no contexto mais abrangente, o que determinará o seu sim ou não às drogas e a
todas as ‘belezas e maravilhas’ que elas sedutoramente apresentam, mas na verdade, não
são. A família tem papel fundamental na formação do jovem, assim como valores que são
aprendidos na prática diária do espelho. O aprendizado do que se vê, e não do que se teoriza
[...]. Questão de referencial não só na adolescência, mas para uma vida saudável, plena e
feliz”, explicou Grizante ao The Christian Post.

Os jovens entre 12 e 18 anos, hoje 15% da população brasileira, formam o principal


foco desse problema, segundo Grizante. “Não são considerados adultos nem responsáveis,
até que lhes deleguem algo. São expostos a apelos tão fortes, em especial os do capitalismo
selvagem, ostentando modismos despertados muitas vezes pela própria mídia, o que gera
pessoas com dois perfis: aquele que pode consumir e o que (em tese) não pode consumir.
É exatamente aí que surge o abismo que divide esses dois mundos, trata-se da busca
desenfreada pela realização desse desejo de consumo ou conquista”, enfatizou a assistente
social.
19
Unidade I

A família precisa, no entendimento de especialistas e pastores, preparar-se para essa


batalha. “Se a família acolhe, tudo é diferente”, finaliza Grizante (CAVAGNOLLE, 2011).

Nessa matéria, podemos observar que a assistente social prestou informações sobre dependência
química. Para problematizar o tema, a profissional entrevistada destaca a importância da referência familiar
para minimizar os impactos da utilização de drogas por adolescentes. Na sequência, destaca que além da
estrutura familiar, também tem influência no consumo de substâncias psicoativas a estrutura econômica
da sociedade, chegando a ressaltar que a população brasileira é hoje composta por 12% de adolescentes.

Essa matéria demonstra a produção de conhecimento, por uma assistente social, que foi socializada
e que com certeza poderá resultar em melhorias de vida para a população em geral.

Essas possibilidades de construção do conhecimento, considerada a prática do assistente social,


devem ser destacadas como alternativas amplas de produção do conhecimento científico, em virtude
do fato de que nossa profissão possui múltiplas possibilidades de intervenção nos mais variados campos
e áreas, o que favorece a produção de conhecimento diversificado, em razão da própria natureza da
prática (FRAGA, 2010).

Teixeira (2006) ainda coloca que a pesquisa por meio de observação ou sistematização da prática,
além de produzir conhecimento sobre os diversos campos, tem a possibilidade de fazer a prática ser
socializada entre os profissionais. Dessa forma, intervenções desenvolvidas podem ser divulgadas entre
os assistentes sociais, colaborando assim para o processo formativo. Essa socialização no entanto, não
está restrita aos profissionais da área, mas pode ser estendida a outros campos, podendo colaborar com
o aumento da visibilidade da profissão.

Pode, ainda, nos termos de Teixeira (2006), proporcionar ao profissional uma autoavaliação de sua
dimensão ética e técnico-operacional, contribuindo assim para a alteração na forma de conduzir e
orientar sua própria prática.

O esforço de sistematização como um componente central do trabalho


do assistente social não significa, portanto, apenas a geração de dados e
informações, mas um processo que envolve a produção, a organização e a
análise dos mesmos a partir de uma postura crítico-investigativa. Trata-se,
na verdade, de um esforço crítico, de natureza teórica, sobre a condução da
atividade profissional, constituindo-se como um esforço problematizador
sobre suas diferentes dimensões em relação às expressões cotidianas da
realidade social, mediatizadas pelas políticas sociais, pelos movimentos
sociais, pela forma de organização do trabalho coletivo nas instituições
e, sobretudo, pelas disputas societárias. A sistematização no trabalho
do assistente social é antes de tudo uma estratégia que lhe recobra sua
dimensão intelectual, posto que põe em marcha uma reflexão teórica, ou
seja, revitaliza e atualiza o estatuto teórico da profissão, condição social
e institucionalmente reconhecida para a formação de quadros nesta
profissão (TEIXEIRA, 2006, p.4-5).
20
Observação Orientada

A pesquisa influencia a prática de diversas formas e ainda tem o potencial de alterar a vivência dos
sujeitos pesquisados, conforme apontado anteriormente, o que, por si só, já justifica a necessidade de
sua realização.

Dessa forma, a pesquisa científica é tão relevante à formação dos assistentes sociais que, segundo
Fraga (2010) chama a atenção, é colocada pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço
Social (Abepss) como uma necessidade a ser trabalhada com os futuros profissionais. A Abepss, a partir
de 1996, reforça a importância de as “dimensões investigativa e interventiva” serem desenvolvidas
pelos centros de formação junto a seus alunos (ABEPSS, 1996 apud FRAGA, 2010, p. 50). Dessa forma, a
nosso ver, essa dimensão pode ser absorvida de modo que seja aprimorada quando tais alunos estiverem
alocados na prática, enquanto profissionais, ou mesmo enquanto observadores durante o processo
formativo.

A observação é um instrumental que tende a estimular a produção do conhecimento, a chamada


dimensão investigativa, sendo largamente utilizada pelo Serviço Social com esse objetivo, bem como
para a formação de profissionais atuantes e futuros profissionais por diversos centros. Assim, tendo
em vista a necessidade de mais aprofundamento sobre o tema, discorreremos, na sequência, sobre a
observação enquanto técnica de intervenção utilizada pelo Serviço Social.

Concluímos propondo uma reflexão sobre a importância de objetivarmos uma leitura da realidade
sobre a qual iremos interferir, mesmo que em determinados momentos seja extremamente necessário
recorrermos a dados estatísticos. Em tese, o que influencia a qualidade de determinada pesquisa não é o
fato de esta se propor a ser qualitativa ou quantitativa, e sim o olhar que é conferido ao que foi extraído
da realidade. Caso contrário, os indicadores serão percebidos com uma interpretação que nem sempre
corresponde ao real.

Saiba mais

Recomendamos que você procure aprofundar o estudo dos conceitos


tratados até o presente momento. Caso deseje, pode recorrer às indicações
bibliográficas a seguir, a fim de compreender aspectos relacionados a
pesquisa qualitativa:

CHIZZOTTI, A. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo:


Cortez, 1991.

DEMO, P. Pesquisa e construção de conhecimento. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 1996.

Você pode também constatar como pesquisas, partindo da observação da


realidade, mesmo que não sejam científicas, podem nos trazer informações

21
Unidade I

sobre a questão social em suas múltiplas formas de expressão. Para isso,


pode recorrer aos documentários elencados a seguir, que retratam tais
situações de uma forma visual, mas trazem muitos dados sobre a realidade
com a qual atuaremos. Ambos mostram como a pobreza afeta a vida das
pessoas em diferentes regiões do nosso país e proporcionam possibilidades
de conhecer essa vivência.

ILHA das flores. Direção: Jorge Furtado. Produção: Monica Schmiedt,


Giba Assis Brasil e Nora Goulart. Porto Alegre: Casa de Cinema de Porto
Alegre, 1989. 1 bobina cinematográfica (12 min).

O DRAGÃO da maldade contra o santo guerreiro. Direção: Glauber Rocha.


Produção: Glauber Rocha, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto e Claude Antoine.
Rio de Janeiro: Mapa Filmes, 1969. 1 bobina cinematográfica (95 min).

2 A Instrumentalidade do Serviço Social

Neste item, nos aproximaremos da observação, como uma técnica de intervenção na realidade
largamente utilizada pelo Serviço Social. Essa técnica é compreendida como um instrumental de
trabalho que deve ser utilizado pelo profissional que deseja realizar uma aproximação do seu cotidiano,
para que seja possível conhecer todos os condicionantes da realidade na qual está desenvolvendo sua
intervenção. Especificamente, essa compreensão deve ser alcançada também por você, aluno, dada a
capacidade que a observação possui de viabilizar a formação acadêmica e para que assim seja possível
orientar a atividade prática que deverá ser por você empreendida.

Não compreendemos, no entanto, a observação como uma atividade especulativa, nem como algo
empreendido com um caráter policialesco. Esse não é o tipo de observação proposto ao Serviço Social,
quer seja para o profissional, quer seja para o estudante. É importante para você, aluno, compreender
a importância da observação para o seu processo formativo e intelectivo, além de compreender que
você será instrumentalizado para empreender tal prática, para recorrer a essa técnica, com o objetivo de
formação, e não de avaliação do trabalho de outros profissionais.

Dessa forma, discutiremos a noção de instrumentos e técnicas, ou instrumentalidade, como tem sido
recorrente em nossa profissão. Partiremos, assim, de explicações sobre o desenvolvimento histórico do
instrumental na área, no qual se situa a observação, para que, na sequência possamos discorrer sobre a
compreensão contemporânea que é dada à questão instrumental e que coloca a observação, a leitura
de realidade, em um novo patamar.

2.1 O desenvolvimento histórico-social de instrumentos e técnicas do Serviço


Social

Nesse momento, retomaremos a história do desenvolvimento de instrumentos e técnicas utilizados


no Serviço Social desde o seu estabelecimento como profissão. Acompanhando esse desenvolvimento,
22
Observação Orientada

poderemos compreender não só o papel da técnica em nossa área, mas também as visões de mundo que
os profissionais possuíam, entendendo, no entanto, que essa perspectiva de compreensão da realidade
era ofertada a tais profissionais pelos centros de formação.

Observação

A observação também é compreendida como uma técnica de intervenção


e de pesquisa do Serviço Social.

Pires (2007), realizando uma reaproximação do instrumental da área, coloca que, se considerarmos
o surgimento da profissão, deveremos compreender que o Serviço Social não possuía instrumentais e
técnicas próprios, mas sim elaborações adotadas de outras intervenções e correntes de pensamento com
as quais realizou e realiza parte das suas próprias intervenções.

Segundo Pires (2007), essa adoção deu-se de duas maneiras: recorrência aos métodos já utilizados
pela caridade, em que as visitadoras sociais vinculadas às igrejas realizavam visitas, entrevistas, ajuda
material direta e indireta e aconselhamento; e recorrência a técnicas das disciplinas atreladas às Ciências
Sociais, tais como a Sociologia, a Medicina e o Direito, das quais, por sua vez, foram transplantadas as
técnicas de pesquisa, prestação de informações e mesmo vacinação e puericultura. Guerra (2007) coloca
que, atualmente, também percebemos que o Serviço Social ainda recorre a técnicas usadas nas Ciências
Sociais; porém, na contemporaneidade, é oferecido outro enfoque a essas técnicas.

Pires (2007) coloca que, no tocante ao instrumental da área, partindo da constituição das primeiras
escolas, no Brasil e na América Latina de modo geral, percebeu-se nítida influência dos métodos de
intervenção trazidos da Europa e dos Estados Unidos. A recorrência aos métodos norte-americanos teria
se evidenciada a partir da década de 1940.

De forma geral, estudar o desenvolvimento histórico-social de instrumentos e técnicas do Serviço


Social nos remete, nos termos de Pires (2007), a compreender os métodos de caso, grupo e comunidade,
hegemônicos no Serviço Social até o Movimento de Reconceituação da década de 1970.

Nesse sentido, Pires (2007) coloca que a abordagem de caso foi trazida para o Brasil e para a
América Latina nos primórdios da profissão. Destacam-se como grande expressão dessa modalidade
de intervenção os trabalhos de Mary Richmond, em que a abordagem individual era sistematicamente
ensinada aos assistentes sociais. O Serviço Social de Caso recorria à Psicologia como orientação teórica
e desenvolvia técnicas de apoio, de influência direta, de catarse e de discussão reflexiva sobre a pessoa-
situação (PIRES, 2007).

Aguiar (1995) coloca que, nos centros de formação, as primeiras assistentes sociais eram doutrinadas
para desempenhar a intervenção de caso, mas essas orientações, apesar de possuírem recorrência à
Psicologia, também eram fortemente influenciadas pela doutrina social da Igreja Católica. Note-se que
esta foi a grande responsável pela constituição das primeiras escolas, e tal influência na formação dos
assistentes sociais tornou-se algo inevitável.
23
Unidade I

Assim, além da Psicologia, o Serviço Social de Caso também trazia implícitas as normativas da Igreja
Católica, sendo relevante, nesse sentido, a fundamentação de recorrência à Filosofia tomista ou de São
Tomás de Aquino. Tal compreensão auxiliava os assistentes sociais a realizar uma prática focada no
indivíduo e a encontrar alternativas para diagnosticar os problemas trazidos por este e para realizar o
tratamento das anomalias apresentadas (AGUIAR, 1995).

Essas normativas da Igreja eram, assim, ensinadas às assistentes sociais e deveriam orientar sua
intervenção nos segmentos com os quais elas atuavam. Aguiar (1995) nos diz, no entanto, que as
próprias alunas também eram submetidas à aceitação dessa doutrina. O autor destaca que os professores
deveriam orientá-las quanto à doutrina social da Igreja e tinham até autonomia para corrigir possíveis
desvios de caráter.

Lembrando que, de acordo com Iamamoto (1982), as assistentes sociais deveriam ser moças,
preferencialmente, pertencentes às boas famílias burguesas da época e católicas. Isso era tão importante
que, segundo a autora, para realizarem as matrículas nos centros de formação, as interessadas deveriam
apresentar, dentre vários documentos pessoais, a carta de recomendação de uma família. Caso,
entretanto, houvesse “desvios” no padrão de comportamento esperado, após o ingresso no centro de
formação, Aguiar (1995) coloca que estes deviam ser corrigidos com orientações individuais ou grupais,
dependendo do caso, mas sempre com foco na doutrina social da Igreja.

Santos (2004), analisando o currículo dos principais centros de formação desse período, destaca que
as matérias oferecidas eram organizadas de forma fragmentada, sempre orientando a uma percepção
setorizada das questões sociais, indicando assim uma fuga da visão da totalidade. Partilhando das
posturas dos autores citados anteriormente, destaca que os currículos eram perpassados pelos valores
cristãos, como teoria a que recorriam para orientar as futuras profissionais.

O Serviço Social de Grupo, por sua vez, também recorrerá à Psicologia como matriz teórica,
incorporando também influências da Pedagogia e da Educação. As técnicas incorporadas desses ramos
do saber pelo Serviço Social, segundo Pires (2007), são as seguintes: psicodrama, técnicas de grupo,
técnicas de apoio, técnicas de motivação e incentivo, técnicas de condução do grupo, dinâmica de
grupo, dramatizações e debates. Aguiar (1995) coloca que o trabalho em grupo foi introduzido por se
considerar que os seres humanos possuíam dificuldades semelhantes, razão pela qual seria possível
realizar um trabalho conjunto, de forma articulada, entre os pares.

Algumas alterações são processadas a partir da introdução do método de Desenvolvimento de


Comunidade. Nesse caso, inicia-se uma interlocução com a Sociologia. Como procedimentos técnicos,
Pires (2007) destaca o uso de observação, enquetes, atividades para o desenvolvimento de liderança,
além de técnicas de motivação, conscientização, participação e mobilização. Aguiar (1995) chama a
atenção para o fato de que a conscientização, a participação e a mobilização deveriam ser monitoradas
pelo assistente social, ou seja, trata-se de um período em que esse profissional deveria controlar a
população e orientar a prática, sendo a participação das pessoas algo extremamente restrito.

O desenvolvimento de comunidade fora trazido dos Estados Unidos na década de 1940, partindo da
constituição da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945. Note-se que a ONU foi, inicialmente,
24
Observação Orientada

organizada para atender aos países acometidos pela guerra e, com o tempo, começou a realizar
intervenções para promover o desenvolvimento de alguns destes, oferecendo-lhes ajuda financeira e
outros subsídios.

Em razão disso, o Método de Desenvolvimento de Comunidade foi largamente utilizado pelos


assistentes sociais, posto que, segundo Aguiar (1995), estes passaram a ser requisitados para organizar
os processos de desenvolvimento nos âmbitos urbano e rural, acarretando grande aumento da procura
de profissionais para o trabalho.

O período Pós-Guerra foi marcado por orientações com relação à necessidade de adaptação dos seres
humanos, evitando assim o confronto e manifestações contrárias da parte da população. A ameaça que
deveria ser contida pelos profissionais era o avanço dos ideais comunistas no interior do movimento
operário, que começava a ganhar força no Brasil (AGUIAR, 1995). Por isso, o currículo dessas unidades de
ensino estava totalmente orientado ao ensino de processo com foco na adaptação dos seres humanos.
Para tal intento, os profissionais deveriam aprender, com acuidade, a desenvolver os métodos de caso,
grupo e desenvolvimento de comunidade, sendo essa tendência observada na profissão até a década de
1950 (SANTOS, 2004).

A partir daí, percebemos que a formação dos assistentes sociais não vivenciou profundas alterações,
mas o currículo a ser ensinado pelos profissionais junto às faculdades passou a enfatizar a importância
do planejamento social, do desenvolvimento de comunidade. Nesse período ainda eram utilizados os
métodos de caso, grupo e comunidade, porém com ênfase no desenvolvimento de comunidade, ou
desenvolvimentismo, como diz Santos (2004).

Devemos ainda considerar o momento político vivido pelo nosso país: conforme sabemos, o Brasil
já vivenciava um processo de governos militares sucessivos e de busca constante de minimizar a
participação popular. Sabemos também que, de certa forma, esses métodos usados pelo Serviço Social
(caso, grupo e comunidade) acabavam por ser funcionais para o controle necessário ao sistema capitalista
da época e também para a organização política adotada no Brasil e em alguns países da América Latina.
Apenas com a constituição dos movimentos sociais de luta pela abertura política e de requisição por
melhores condições de vida, torna-se possível um redimensionamento da questão operacional da área,
sendo esse reordenamento pensado inicialmente a partir do Movimento de Reconceituação. Apesar
de haver no currículo das universidades uma grande tendência ao tecnocratismo, ao burocratismo da
prática na busca por procedimentos técnicos que dessem “respostas” às questões sociais que estavam
se agudizando cada vez mais, nesse período começam as orientações para uma postura crítica por parte
da profissão (SANTOS, 2004).

Partindo do Movimento de Reconceituação da área, a questão instrumental assume determinado


tratamento nas produções teóricas. Pires (2007) identifica três momentos, os quais passaremos a
descrever.

O primeiro momento tem seu início a partir da década de 1960. Nesse período, algumas produções
teóricas analisadas por Pires (2007) tecem considerações sobre a questão instrumental. Assim, as técnicas
eram consideradas definidores da profissão como uma modalidade de intervenção social. Eram, ainda,
25
Unidade I

consideradas como um meio que o assistente social deveria utilizar para atingir um fim específico e
previamente determinado. Por isso, considera Pires (2007) que a técnica, no estágio em questão, era tida
como algo de suma importância ao fazer profissional.

Observação

Precisamos sempre ter em mente o desenvolvimento histórico de nossa


área profissional, compreendendo sua influência nos instrumentais.

Possivelmente em razão disso, surgiram colocações sobre a necessidade de que o instrumental técnico
do Serviço Social fosse mais bem-estudado, elaborado e, assim, fosse possível oferecer uma orientação
mais sistemática e una aos profissionais. Derivando em parte dessa necessária orientação a ser conferida
aos assistentes sociais, começam a se esboçar algumas propostas pela unificação dos métodos. Nesse
momento, no entanto, ainda não se concretizam essas propostas, havendo o predomínio de orientações
para cada tipo de abordagem, sendo estas ainda os métodos tradicionais de caso, grupo e comunidade,
ganhando grande assento e colaborando para a minimização das propostas de orientação do Serviço
Social de Caso (PIRES, 2007).

O segundo momento que evidencia Pires (2007) tem início na década de 1970 e caracteriza-se
por uma severa crítica ao instrumental até então utilizado pela profissão. Para a autora, essa crítica
decorreu da aproximação do Serviço Social da tradição marxista. Derivando dessa aproximação, alguns
profissionais passaram a compreender o instrumental como uma forma de controlar a população e,
assim, servir aos ideais burgueses. A autora ainda nos diz que, apesar de realizar essa crítica, autores
que representam essa forma de compreensão não apresentam outras propostas para a intervenção
profissional, e o assistente social acaba ficando sem alternativas para a sua prática.

O terceiro momento, por sua vez, teria se iniciado, nos termos de Pires (2007), a partir de meados da
década de 1980. A autora coloca que se inicia uma nova aproximação da questão instrumental, agora
considerada como algo relevante e imprescindível à formação profissional, sem, para tanto, deixar de
reforçar a importância de combater o tecnicismo, compreendido como a prática guiada apenas pela
execução de técnicas, sem reflexão. Nesse momento, começam também as propostas de utilização do
método único de intervenção.

Nesse momento, surgiu uma tendência profissional que hoje se constitui uma necessidade:
compreender a importância da técnica de forma estritamente relacionada à teoria, propondo, de tal
forma, a prática reflexiva, desenvolvida cotidianamente. No entanto, essa posição não é hegemônica na
categoria profissional, havendo ainda um predomínio da tecnificação em muitos profissionais.

No entanto, essa tendência veio ancorada na primeira reforma curricular de monta processada pelo
Serviço Social, na qual se tornou latente a compreensão da necessidade de crítica ao sistema capitalista,
proporcionando também uma maior aproximação, pela categoria, da Teoria Marxista, acontecida na
década de 1980, já no momento de abertura política e de democratização do país. Essa revisão curricular
foi retomada na década de 1990, quando a categoria repensou mais uma vez sua teoria e sua prática e
26
Observação Orientada

definiu que a profissão deve ser orientada pela compreensão marxista da realidade, tendo como foco o
entendimento da questão social, de seus principais eixos fundantes e das formas de intervenção junto
a essas expressões (SANTOS, 2004).

Observação

O método único caracteriza-se também por uma compreensão


diferenciada sobre o ser humano, buscando romper com a influência
positivista na profissão.

Atualmente, como método, não há mais essa distinção entre caso, grupo e comunidade, e a
intervenção é desenvolvida com base no chamado método único. Além da importância da questão
instrumental, nota-se também a importância da teoria de orientação, dentre outros e diversos aspectos
que perpassam a questão instrumental da área.

Na sequência, discorreremos sobre alguns aspectos acerca do instrumental da área, porém refletindo
sobre conceitos relevantes e que necessitam ser debatidos pela nossa profissão, considerando a sociedade
contemporânea.

2.2 A instrumentalidade em debate no momento atual

Neste tópico, discorreremos acerca das compreensões contemporâneas e que vigoram em


nossa profissão acerca da instrumentalidade. Mais que uma mudança de termos, o conceito de
instrumentalidade nos remete a outras formas de compreensão da nossa atividade profissional, no que
tange à metodologia de ação, bem como a instrumentos e técnicas que foram sendo desenvolvidos pelo
Serviço Social a partir de seu estabelecimento como profissão.

Esse termo passou a vigorar na nossa área a partir da década de 1990, quando Yolanda Guerra
passou a discutir a questão instrumental sob um novo enfoque. Antes das contribuições dessa autora,
eram raros os trabalhos que se dedicavam a compreender essa questão de uma forma diferenciada, e
esta acabava restrita à noção de instrumentos e técnicas usados pelo assistente social, encontrando-se
tal ideia desprendida da relação necessária entre teoria e prática.

Para que possamos discutir esse conceito, que faz referência a uma postura a ser assumida pelo
profissional em relação a teoria e prática, precisamos compreender o Serviço Social como uma profissão
que está inscrita nas relações de trabalho.

Lembrete

Precisamos sempre compreender o Serviço Social como parte integrante


de um processo de trabalho.

27
Unidade I

Nesse sentido, iniciaremos pela afirmação de que o Serviço Social deve ser compreendido como um
trabalho, o que, por sua vez, remete-nos a pensar: O que é trabalho? Como podemos compreender essa
categoria? Como esta vem sendo compreendida em relação ao Serviço Social? Partindo da resposta a
essas questões, poderemos compreender a nossa profissão como inserida em um processo de trabalho e
também a importância que adquirem a questão instrumental e a ampliação de nosso entendimento do
conceito de instrumentalidade.

Assim, o trabalho é concebido como toda ação humana desenvolvida para satisfazer uma dada
necessidade. Esse é o gesto mais antigo do gênero humano e tem orientado a humanidade para atingir
níveis cada vez mais elevados de desenvolvimento. A Teoria Marxista diz que o ser humano vivenciou
um lento processo de desenvolvimento, que orientou a apuração dos órgãos dos sentidos do antigo
Homo sapiens até chegar ao homem desenvolvido atualmente, o que Guerra (2010) descreve como o
chamado processo de hominização. Ou seja, partindo da atenção a determinadas necessidades, o ser
humano, durante o seu desenvolvimento, passou a trabalhar. As formas iniciais de trabalho demandaram
uma especialização das funções mentais e dos órgãos dos sentidos, tornando o homem cada vez mais
“humanizado”.

Para compreender o trabalho, segundo Iamamoto (2001), que recorre à perspectiva marxista de
compreensão da realidade, faz-se necessário entender tal ação como algo inerente ao ser humano,
visto que demanda um certo grau de desenvolvimento intelectivo, independentemente de se tratar de
trabalho físico, artístico ou intelectual. Assim, devemos compreender que outros gêneros que possuem o
intelecto menos desenvolvido, os animais, por exemplo, não têm as condições mínimas para o trabalho
tal como nós podemos experienciar.

Devemos ainda considerar, partindo de Iamamoto (2001), que tal ato provocará alterações tanto no
objeto sobre o qual incide a ação quanto no homem que as executa: no objeto, pelo fato de receber
o ato empreendido; e no homem, por despender esforços, inclusive no plano subjetivo, para que o
trabalho seja realizado. Assim, as ações influenciam tanto o objeto sobre o qual foram empreendidas
quanto o homem que as desenvolveu, sendo esse um processo contínuo, que acontece sempre que o
trabalho é colocado em prática. Isso ocorre mesmo que, muitas vezes, não percebamos a influência que
o trabalho exerce, dado o fato de frequentemente nos alienarmos nesse processo.

Iamamoto (2001) ainda aponta que compreender o trabalho demanda a concepção deste como
um processo e, como tal, composto por elementos básicos: a matéria-prima ou o objeto, os meios ou
instrumentos de trabalho e o próprio trabalho ou atividade, contidos no trabalho físico, no intelectual
e no artístico.

Assim, por meio desses parágrafos, mesmo com um tratamento subliminar, visto que esse conceito
é mais bem-detalhado em outras disciplinas, como em Teoria Geral, torna-se possível discutir algumas
das peculiaridades do que pode ser compreendido como trabalho, conforme elencado nas questões
anteriores. Não poderemos nos ater com tanta dedicação ao assunto posto não tratar-se do objeto
deste estudo. Entretanto, é um assunto que precisava ser introduzido para que possamos discutir a
questão instrumental, e, por isso, seguiremos com essa discussão.

28
Observação Orientada

Assim, retomando a última questão, “Como essa categoria vem sendo compreendida em relação ao
Serviço Social?”, a pergunta é “respondida” pela própria Iamamoto (2001), quando reforça a compreensão
de que o Serviço Social deve ser interpretado como um trabalho composto por todos os elementos que
formam o chamado processo de trabalho: a matéria-prima, a atividade e os instrumentos ou meios de
trabalho.

Iamamoto (2001) coloca que a matéria-prima de nossa profissão serão as múltiplas formas de
expressão da questão social, a atividade será a própria ação e os instrumentos ou meios de trabalho
deverão ser compreendidos além da utilização de técnicas. A autora diz que os instrumentos ou meios
de trabalho do Serviço Social correspondem à utilização das técnicas com recorrência a uma bagagem
teórica que as sustente e oriente o profissional a fazer uma leitura da realidade. Acrescenta ainda, a essa
bagagem teórica, os recursos, que oscilam desde os técnicos até os financeiros e demais que se fazem
necessários para a prática do profissional e que, muitas, vezes não estão sob o controle deste.

Sintetizando, isso equivale a dizer que o Serviço Social é, de fato, um trabalho, e mais, destaca a
relevância de compreender os instrumentos e as técnicas, além de entender que estes não devem ser
utilizados de forma indiscriminada, como procedimentos automáticos e repetitivos, sem reflexão.

Essa noção é partilhada por Guerra (2010), que desenvolve uma ideia diferenciada no que se refere
à metodologia de ação. A autora passa a utilizar o termo instrumentalidade, atualmente usual e
recorrente em nossa profissão, tanto entre profissionais atuantes quanto entre escritores e estudiosos.
Guerra (2010) também parte de uma análise marxista da realidade, inclusive da profissão e da própria
instrumentalidade, apontando-nos diversos conceitos sobre os quais precisamos pensar e repensar
constantemente em nossa construção dialética do conhecimento a respeito da nossa profissão.

Antes de seguirmos com a análise dos conceitos tratados pela autora, faz-se necessário descrever
com a maior riqueza de detalhes possível o que significa o termo instrumentalidade ao qual a autora
se refere. Segundo Guerra (2007), o sufixo idade acrescido ao termo instrumental faz referência a
capacidade, qualidade e propriedade de algo, o que nos leva a concluir que ao instrumental do
Serviço Social, em sua execução, são acrescidos esses valores como indispensáveis. Trata-se de uma dada
capacidade, de uma qualidade que precisa ser desenvolvida pelos profissionais para “fugirem” da prática
pautada pela supremacia da técnica.

Com isso podemos afirmar que a instrumentalidade no exercício


profissional refere-se não ao conjunto de instrumentos e técnicas (neste
caso, a instrumentalidade técnica), mas a uma determinada capacidade ou
propriedade constitutiva da profissão, construída e reconstruída no processo
sócio-histórico (GUERRA, 2007, p. 1).

Como podemos observar no item anteriormente estudado neste livro-texto, esse instrumental,
durante o desenvolvimento histórico-social da profissão, foi assumindo uma posição de destaque, como
se fosse o único fator relevante à formação do assistente social. Guerra (2007) reforça a necessidade
desse instrumental para a profissão, mas destaca que há outros aspectos que devem ser também
considerados como constituintes desta, como a importância da teorização.
29
Unidade I

Com isso queremos afirmar que reconhecer e atender às requisições


técnico-instrumentais da profissão não significa ser funcional à
manutenção da ordem do projeto burguês. Isto pode vir a ocorrer quando
se reduz a intervenção profissional à sua dimensão instrumental. Esta é
necessária para garantir a eficácia e a eficiência operatória da profissão.
Porém, reduzir o fazer profissional à sua dimensão técnico-instrumental
significa tornar o Serviço Social meio para o alcance de qualquer finalidade.
Significa também limitar as demandas profissionais às exigências do
mercado de trabalho. É também equivocado pensar que para realizá-las
o profissional possa prescindir de referências teóricas e ético-políticas
(GUERRA, 2007, p.11).

Dessa forma, ações imediatas fazem-se necessárias ao assistente social, ou seja, nunca se deve
perder o foco com relação às referências teóricas e ético-pollíticas, mas as ações imediatas são essenciais
a fim de viabilizar o acesso a determinados bens e serviços para a população com a qual atuamos,
posto não possuírem outros meios para terem acesso a estes. Isso não significa que o profissional
esteja colaborando com a ordem dominante, desde que esteja atrelado ao compromisso ético-político
assumido pela categoria profissional (GUERRA, 2007).

Guerra (2007) diz ainda que os instrumentais são importantes também ao passo que auxiliam no
reconhecimento social da profissão, demonstrando assim sua necessidade e reconhecendo a profissão
socialmente. Além disso, permitem que o profissional oriente sua intervenção a um fim específico,
partindo da realidade concreta.

Guerra (2010) também realiza uma análise de relevância sobre o tema racionalismo
formal‑abstrato, fundamental para a compreensão do conceito de instrumentalidade.

O racionalismo é descrito por Guerra (2010) como uma concepção da importância da razão no
processo de produção do conhecimento, constituindo-se em uma modalidade de primado da razão.
Já o racionalismo formal-abstrato, partindo ainda das definições de Guerra (2010), é uma forma de
compreender a produção do conhecimento que surge na contemporaneidade, partindo do segundo
Pós-Guerra, especificamente a partir da década de 1960, e que, de certa forma, inverte a concepção
de supremacia da razão. Nesse sentido, vivenciamos o surgimento de diversas teorias que negam as
possibilidades da razão na sociedade moderna.

Há uma crise da cultura, dos paradigmas antes estabelecidos, evidenciando-se uma negação dos
conhecimentos pautados pela compreensão da constituição ontológica da totalidade com base no real,
ou seja, negam-se os conhecimentos que privilegiam a totalidade e passam a ser valorizados aqueles
produzidos com base no focal, no local, sem estabelecer uma relação com o todo e com a realidade,
que passa a ser compreendida como algo que provém essencialmente da vivência de cada ser humano
(GUERRA, 2010).

O chamado racionalismo formal-abstrato, nos termos de Guerra (2010), destaca ainda o fim
das grandes narrativas, que seriam aquelas histórias que privilegiam a noção de continuidade, de
30
Observação Orientada

desenvolvimento do gênero humano, sendo mais uma vez assumida a importância da cultura local e de
cada população específica (GUERRA, 2010).

No campo político-ideológico, Guerra (2010) aponta também para a suspensão de algumas


“concepções” tidas como supremas até então, como o marxismo, o comunismo, dentre outras formas de
compreensão da realidade.

Essa forma de produção do conhecimento traz, no entanto, implicações para a constituição e o


desenvolvimento das profissões, posto que temos de considerar que essas mudanças estão diretamente
relacionadas com o modo de produção capitalista na idade dos monopólios. Nesse sentido, Guerra
(2010) coloca que, diante da fluidez das formas de produção do conhecimento, passam a ser exigidos
profissionais cada vez mais versáteis. Agora, estes precisam saber desempenhar todas as atividades
necessárias ao desenvolvimento do processo produtivo, e não é dada tanta importância ao profissional
que domina com profundidade determinado conhecimento. É a demanda pelo profissional polivalente,
sempre disposto a desempenhar qualquer função para a qual seja designado em nome do lucro e da
mais-valia.

De tantas atividades a desempenhar, o que é usual nessa nova forma de compreensão do trabalho,
surge o profissional que tenta seguir uma tendência generalista, mas que nem sempre consegue canalizar
a sua intervenção a um fim específico: o profissional polivalente.

No entanto, nem sempre polivalência é sinônimo de competência, de desenvolvimento efetivo das


atividades propostas. A polivalência pode até significar a ausência de um saber profundo em determinada
área.

Essa nova forma de pensar a produção de conhecimento e as posturas que são esperadas
para os novos profissionais também traz rebatimentos à forma como o Serviço Social passa a ser
compreendido e, respectivamente, condiciona a ação dos profissionais. Também o assistente social
passa a ser requisitado como um profissional polivalente, versátil. Segundo Guerra (2010), no caso do
assistente social, tanta versatilidade pode resultar em um profissional que não sabe certamente o que
faz, o que deve fazer, ou, conforme a autora coloca, em um profissional que não consegue encontrar
a sua especificidade.

Souza e Azevedo (2004), partindo da análise das novas exigências feitas à profissão, destaca a noção
de competência que passa a ser esperada do Serviço Social. Competência que, a partir de então, não estará
mais “restrita” às capacidades técnicas do profissional, mas que passará a demandar que este desenvolva
outras habilidades, tais como a flexibilidade, a transferibilidade, a polivalência e a empregabilidade. Os
autores nos falam ainda de um “pacote de competências” que passa a ser exigido do profissional que
deseje permanecer no mercado de trabalho.

Essas situações tornam-se mais agudas ao passo que assistimos o adeus ao trabalho formal, cada vez
mais substituído pelo subemprego ou pelo desemprego. A flexibilização das formas de produção conduz
à flexibilização também das formas de trabalho, reforçando assim a “necessidade” de o profissional ser
polivalente (GUERRA, 2010). A nosso ver, essa concepção está traduzida na sentença: “Caso você não
31
Unidade I

desempenhe uma série de atividades, fugindo de sua especificidade, poderá ser demitido”. Além disso, a
estabilidade acaba sendo rechaçada na maioria dos empregos.

Guerra (2010) atenta para o fato de que, a partir desses condicionantes, surge no bojo da profissão
a chamada racionalidade instrumental, que corresponde à utilização de instrumentos e técnicas pelo
profissional de modo que resolva os problemas que lhes são postos, chamada também, pela autora, de
ideologia da tecnificação. Segundo Guerra (2010), a profissão é perpassada pela ideia de que, por
meio da utilização da técnica correta e contando com as habilidades profissionais, será possível resolver
os problemas sociais que são apresentados ao assistente social. Essa tendência começa a consolidar-se
no Brasil a partir das décadas de 1960 e 1970, apesar de ser latente em nossa profissão desde as suas
protoformas, e ainda hoje exerce influência na área.

O que Guerra (2010) critica, entretanto, é que essa utilização das técnicas acaba colaborando para
camuflar a percepção da realidade pelos assistentes sociais, ou, como coloca a autora, colabora para o
processo de “fetiche” das contradições sociais. Dito de outra forma, os problemas sociais com os quais
atuamos, as expressões da questão social nas quais despendemos nossa ação são concebidas como
fenômenos que poderão ser solucionados partindo da intervenção correta, e não como expressões da
organização econômica que tem constituído a nossa sociedade.

De tal forma, a nosso ver, os profissionais acabam percebendo, por exemplo, que um dado
problema social não pode ser resolvido totalmente. No entanto, alguns acabam “acreditando”
que a sua “não solução” se dá, digamos assim, por não terem utilizado a abordagem correta. O
profissional acaba se sentindo responsabilizado por problemas que têm seu cerne na estrutura
da sociedade. Pense, nesse sentido, sobre a pobreza, que é uma das expressões da questão social
mais latentes e com a qual certamente você irá se deparar. Nesse caso, por mais corretas que
sejam as intervenções empreendidas, será impossível dissipá-la totalmente enquanto estivermos
assentados no modo de produção capitalista, por exemplo. Nossa ação, entretanto, acaba por
ser desenvolvida com vistas a minimizá-la e a buscar construir outros conceitos com foco na
emancipação dos usuários.

No entanto, segundo Guerra (2010), as técnicas e os instrumentos são de suma importância, desde
que sejam desenvolvidos com recorrência a uma bagagem teórica, como foi apontado por Iamamoto
(2001) e destacado no início deste livro-texto. Sem essa bagagem teórica, a profissão acaba por
desenvolver-se de forma utilitarista, tecnocrática e instrumental, apenas como um solucionador
de problemas de forma imediata e pontual e sem nenhuma reflexão sobre estes, ocorrendo assim uma
aplicação indiscriminada de técnicas.

Essa ausência de reflexão, segundo a autora, provém de uma forma de estruturar o processo
produtivo no sistema capitalista em que há uma diferenciação entre o trabalho manual e o intelectual.
Guerra (2010) coloca que essa cisão também se expressa no Serviço Social: em nossa profissão, aparece
sob a aparente dicotomia entre teoria e prática, como se ambos não possuíssem nenhuma relação, ou
como se, a partir da inserção do profissional no mercado de trabalho, não fosse a ele mais necessária a
teorização, a reflexão.

32
Observação Orientada

Entretanto, Guerra (2010) salienta ainda que muitas produções teóricas no Serviço Social também
acabam reforçando essa postura essencialmente tecnocrática e instrumental, colaborando, portanto,
com a manutenção dessa prática, além da desconsideração, pelos profissionais, do significado social e
político da área.

Ora, há que se questionar a filiação teórico-metodológica, epistemológica


e ideológica das teorias de médio alcance das quais os assistentes sociais
tentam extrair modelos de intervenção profissional; os pressupostos
contidos na noção de modelo ou paradigma explicativo da sociedade e,
ainda, o substrato do pensamento que apreende a realidade sob uma forma
fixa, cristalizada, e se reproduz pela repetição e pelo costume, podendo, por
isso, reivindicar modelos de intervenção (GUERRA, 2010, p. 150).

Essa tendência profissional encontra assento na forma fragmentada como o Estado enfrenta os
problemas sociais. Assim, segundo Guerra (2010), o próprio Estado, por meio das políticas sociais e
dos programas e projetos a elas atrelados, realiza uma intervenção segmentada das questões sociais,
fortalecendo assim a compreensão de que o enfrentamento setorizado e de acordo com intervenções
específicas será capaz de resolver todos os problemas sociais.

Ao fragmentar as questões sociais numa pluralidade de modalidades e


setores constituídos em “campos” nos quais serão tratadas as “anomalias”
da sociedade “tipificadas em políticas sociais” [...] (GUERRA, 2010, p. 135).

Acompanhando a história de nossa área, podemos concluir que o assistente social assume grande
destaque no tocante a enfrentar tais expressões, o que garante a constituição do espaço sócio‑ocupacional
de nosso campo de atuação.

Segundo a autora, o fato de o Serviço Social encontrar assento no mercado de trabalho


contemporâneo decorre do fato de que, ao passo que estabelece uma relação de compra e venda de sua
força de trabalho, está vendendo um conjunto de procedimentos e habilidades que são reconhecidos
histórica e socialmente como capazes de produzir determinados resultados. Iamamoto (2001) introduz
essa discussão no mesmo sentido que Guerra (2010), porém destaca que o Serviço Social só é contratado
porque pode também produzir algo por meio de sua intervenção. Ambas as autoras, partindo do
entendimento da profissão como processo de trabalho, defendem que o Serviço Social, por meio de
uma metodologia específica, tem condições de resultar em um produto.

No entanto, para Guerra (2010), a metodologia, a instrumentalidade do Serviço Social pode assumir
dois caminhos: o conservadorismo ou a emancipação. O conservadorismo faz referência à manutenção
de práticas já desenvolvidas sem que a respeito delas seja realizada uma reflexão, ao passo que a
emancipação consiste em buscar, por meio da práxis, superar a ação pautada exclusivamente pelo
tecnicismo. Disso deriva a requisição de um profissional que seja “culturalmente versado e atento ao
tempo histórico”, conforme nos coloca Iamamoto (2001, p. 144), mas que tenha também pleno domínio
da metodologia de sua intervenção.

33
Unidade I

A nosso ver, somente a partir da relação equilibrada entre a utilização de instrumentos e técnicas, a
teoria e o cotidiano é que será possível ao assistente social desenvolver uma prática condizente com o
projeto ético-político de sua categoria e assim colaborar para o fortalecimento dos segmentos menos
favorecidos de nossa sociedade.

Guerra (2010) ainda nos diz que quando o profissional consegue estabelecer uma prática em que
privilegie tanto a questão instrumental quanto a reflexão teórica, ele está fazendo a mediação entre
esses dois aspectos importantes e necessários à formação profissional. Somente por meio dessa mediação
torna-se possível que o “movimento teórico” explique a prática.

Por isso, a Abepss, órgão responsável por delimitar aspectos mínimos que precisam ser trabalhados pelos
centros de formação de assistentes sociais, reforça a necessidade da compreensão teórico-metodológica,
dentre outros aspectos. Assim, segundo as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, publicadas em
1997, pela Abepss, e que devem ser utilizadas como referência para a formação dos futuros profissionais
por todas as unidades de ensino, em todo o território nacional, essa compreensão teórico-metodológica
mostra-se importante, mas não é o único fator a ser observado. O documento destaca ainda a importância
da compreensão ético-política, da técnico-política e da investigativa (SANTOS, 2004).

Assim, a dimensão teórico-metodológica faz referência à compreensão da importância do


desenvolvimento sócio-histórico da profissão, tendo em vista, no entanto, a necessidade de tal
compreensão ser baseada na totalidade desse processo. Também faz acepção, nos termos de Sousa
(2008), ao rigor metodológico, partindo da interlocução com a teoria. A compreensão ético-política
faz referência à necessária consolidação dos valores éticos que são apresentados pelo Código de Ética
da categoria e pelo projeto ético-político assumido pela nossa profissão, e significa que o profissional
precisa ter um posicionamento político, não como partidário, mas tendo como foco a defesa dos direitos,
conforme também sinalizado por Sousa (2008).

A dimensão técnico-operativa, por sua vez, faz alusão à necessidade de instrumentalização operacional
para o desempenho das funções, sem desprezar, nesse processo, a importância dos compromissos políticos de
nossa profissão; é descrita também por Sousa (2008) como necessária habilidade técnica. Por fim, a dimensão
investigativa, como o próprio nome sugere, faz referência ao estímulo à pesquisa, tendo, entretanto, como
foco a realidade brasileira e a intervenção profissional feita nessa realidade (SANTOS, 2004).

Essas dimensões podem ser compreendidas a partir do momento em que são estabelecidas as
mediações entre teoria e prática. A mediação articula as dimensões como um todo que viabilizará a
formação e conduzirá o processo formativo dos assistentes sociais. Por isso, é urgente e necessário que
o profissional e o futuro profissional tenham contato com a realidade, para que iniciem esse exercício
de correlacionar conteúdos teóricos com a realidade que observam e na qual também estão inseridos
(GUERRA, 2010).

Mediações que fazem referência a toda a cultura que envolve a nossa categoria profissional, a qual
é uma construção coletiva, de profissionais e futuros profissionais (GUERRA, 2010), são, a nosso ver,
uma forma de compreensão acerca da importância da conjugação entre teoria e prática, o que deve ser
introjetado por toda a categoria.
34
Observação Orientada

Iamamoto (2001) também chama a atenção para a necessidade de o profissional enveredar pelo
caminho da pesquisa, sendo essa uma possibilidade de aproximar-se da realidade. Para a autora,
o profissional esperado para os novos tempos deve realizar pesquisas, com base na realidade,
considerando-a como algo que está em movimento, criação e constituição constantes. Assim, a autora
fala de um compromisso com a pesquisa a ser assumido pelo profissional. Esse seria, nos termos da
autora, o profissional propositivo. Tal perfil deve ser formado, nos termos de Iamamoto (2001), por uma
atualização constante, que é necessária aos profissionais, ou uma qualificação permanente, culminando
assim no perfil propositivo. Tal concepção vem ao encontro do que fora apontado por Santos (2004) e
ao que é colocado pela Abepss no que diz respeito à dimensão investigativa como peça-chave para o
processo formativo e constitutivo dos assistentes sociais.

Saiba mais

Para uma compreensão do trabalho na contemporaneidade, realize a


leitura do texto:

FREIRE, M. L. B. A desestruturação social do trabalho no Brasil e a globalização


da resistência. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 10., 2001,
Rio de Janeiro. Anais eletrônicos... Disponível em: <http://www.ts.ucr.ac.cr/
eventos/br-cbass-con-10-po-14.htm>. Acesso em: 26 mar. 2012.

Observe que essas dimensões estão diretamente relacionadas, e todas devem colaborar para o
processo formativo, conforme ilustra a figura a seguir:

Teórico-
metodológica
Técnico-
operativa

Ético-politica

Formação

Figura 2 – Ilustração acerca das dimensões que é necessário trabalhar no processo formativo do assistente social

35
Unidade I

A Abepss coloca que, para que essas dimensões sejam contempladas pelos centros de formação,
faz-se necessário eleger como metas a capacitação constante dos docentes e a interlocução com
o mercado de trabalho, fazendo os alunos atuarem por meio de diversas modalidades de estágio
(ABEPSS, 1999 apud SANTOS, 2004), ou seja, a nosso ver, para que essas dimensões sejam alcançadas,
é necessário que os docentes dos centros de formação estejam em um processo constante de
formação continuada e que possibilitem, além da base teórica, a introdução dos alunos nos campos
de trabalho já constituídos, favorecendo assim a constituição das diversas modalidades de estágio
citadas anteriormente.

A relevância da inserção dos alunos nos campos de trabalho é trazida pelos núcleos de
fundamentação presentes no documento da Abepss (1999 apud SANTOS, 2004) e que devem ser
adotados pelas faculdades de graduação em Serviço Social. Esses núcleos de fundamentos podem
ser compreendidos como eixos básicos que devem orientar todas as disciplinas oferecidas pelo
Serviço Social, com vistas à formação. Segundo as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social,
são destacados três núcleos, a saber: núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social,
núcleo de fundamentos e particularidades da formação sócio-histórica da sociedade brasileira e
núcleo de fundamentos do trabalho profissional (SANTOS, 2004).

O núcleo de fundamentos teórico-metodológicos propõe a realização de atividades e a


constituição de conteúdos que proporcionem ao aluno a compreensão das particularidades
histórico-sociais da realidade brasileira e da profissão nesse decurso, ao passo que o núcleo de
fundamentos teórico‑metodológicos da vida social deve possibilitar a compreensão da realidade
social contemporânea sobre a qual deverão atuar. O núcleo de fundamentos do trabalho profissional,
por sua vez, pretende orientar quanto aos aspectos técnico-operativos da profissão. Esse núcleo é
considerado por Santos (2004) como central na formação, desde que devidamente amparado pelos
demais. Assim, todos os núcleos são importantes e devem constituir-se de forma complementar e
dialética, a fim de viabilizar a formação.

É necessário, nesse sentido, dar aos alunos condições de conhecer os procedimentos a serem
executados pelo assistente social.

Em outros termos, há uma indicação de que o “ensino da prática” deve


ocorrer necessariamente nos três eixos, entretanto, considero que em níveis
diferenciados, uma vez que compreender o significado social da profissão
é fundamental para a ação, mas essa compreensão é de âmbito da teoria
e não leva, de imediato, à materialização da prática. Para isso, exige-se
também um outro tipo de conhecimento, o conhecimento procedimental
(SANTOS, 2004, p. 227).

Isso porque, apesar de complementares e indissociáveis, esse núcleos não desenvolvem as mesmas
capacidades, ou seja, não trabalham as mesmas dimensões com os alunos.

A instrumentalidade é tão relevante que volta a ser reafirmada no Currículo Mínimo: Novos
Subsídios para o Debate, também documento da Abepss e que foi publicado no ano de 1996.
36
Observação Orientada

Nesse documento, a Abepss reforça que a formação instrumental é de suma importância e deve
partir de conhecimentos das experiências profissionais já acumuladas pelo Serviço Social em seu
desenvolvimento histórico, considerando ainda as práticas desenvolvidas na contemporaneidade
(ABEPSS, 1999 apud SANTOS, 2004).

Santos (2004) coloca que os centros de formação devem orientar os alunos, buscando responder às
questões:

• O que fazer?
• Por que fazer?
• Como fazer?
• Para que fazer?

As respostas conferidas a essas questões poderão proporcionar a formação dos alunos quanto à
esfera operacional. Tal competência, segundo o documento da Abepss (1999 apud SANTOS, 2004),
pode ser viabilizada por meio da constituição de disciplinas, da realização de seminários temáticos,
de oficinas e laboratórios e de atividades complementares. O documento destaca, ainda, como
relevante, a introdução de modalidades de estágio para os alunos, a fim de que tal competência
seja desenvolvida.

A disciplina Observação Orientada não foi incluída no currículo de seu curso ao acaso. Foi
inserida justamente para que a questão instrumental fosse inicialmente trabalhada, atendendo
assim às orientações da própria Abepss e que mostram-se extremamente relevantes em seu
processo formativo.

Especificamente, com relação ao método, é hoje consensual na profissão, conforme já


referimos, a recorrência ao chamado método único de intervenção. Entretanto, há um número
de instrumentais que pode ser utilizado pelo assistente social em seu cotidiano. Sousa (2008)
realiza uma distinção destes, agrupando-os em instrumentais de trabalho diretos ou face a face
e instrumentais de trabalho indiretos ou por escrito. Para o autor, esses instrumentais funcionam
como mediadores da intervenção do assistente social, mas todos são orientados pelo principal
instrumento, que é a linguagem, a possibilidade de comunicação de nossa área. Essa concepção foi
extraída de Iamamoto (2001), que defende como principal instrumento de ação do Serviço Social
a linguagem, recurso básico de nossa intervenção.

Partindo assim do que é destacado por Sousa (2008), os instrumentos de trabalho face a face ou
diretos são aqueles em que há interação do profissional com o meio no momento de sua utilização.
O autor destaca que parte desses instrumentos vem sendo usada ao longo do desenvolvimento
do Serviço Social como profissão, mas que, na atualidade, estes não são adotados com o mesmo
objetivo com o qual foram utilizados anteriormente. São exemplos desses instrumentos: a observação
participante, a entrevista individual e a grupal, a dinâmica de grupo, a reunião, a mobilização da
comunidade e a visita institucional.

37
Unidade I

Já os instrumentos de trabalho indiretos ou por escrito são aqueles constituídos após a realização
da abordagem direta ou face a face. Sousa (2008) cita como exemplos desses instrumentos as atas de
reunião, os livros de registro, o diário de campo, o relatório social e o parecer social, destacando ainda
que, no caso destes instrumentais, é necessário que o profissional tenha domínio da escrita.

Na sequência, realizaremos um estudo sobre a observação no Serviço Social e poderemos ver


que essa técnica tanto é importante a fim de colaborar para a compreensão da realidade quanto
se mostra relevante para suscitar questões que precisam ser mais bem-compreendidas pelos
profissionais. Esse fato pode, assim, contribuir na busca, pelos profissionais, de teorias sobre os
fenômenos observados, fazendo, dessa forma, a técnica utilizada em nossa prática cotidiana assumir
um viés diferenciado, evitando assim que o profissional adote posturas baseadas meramente na
técnica pela técnica.

No entanto, desejamos destacar que todas essa habilidades não são inatas, ou seja, não nascemos
com elas. Portanto, auxiliaremos você, aluno, para que possa instrumentalizar-se nesse sentido.

Saiba mais

Caso seja possível, sugerimos a você aprofundar os seus estudos


sobre a constituição do sistema capitalista no Brasil e sua influência no
desenvolvimento da questão social. Os livros a seguir indicados trabalham
de forma aprofundada as questões do fim do trabalho e da flexibilização
das relações de produção e trabalho, por nós discutidas.

Consulte:

ADORNO, T. W. Capitalismo tardio ou sociedade industrial. In: COHN,


G. (Org.). Theodor W. Adorno: grandes cientistas sociais. São Paulo: Ática,
1986. p. 6275.

ANTUNES, R. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia


do trabalho.São Paulo: Boitempo, 2005. (Mundo do Trabalho).

ANTUNES, R.; ALVES, G. As mutações no mundo do trabalho na era da


mundialização do capital. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 87,
p.335-51, maio/ago. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/
v25n87/21460.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2012.

A realidade capitalista também se mostra retratada no documentário a


seguir, que ilustra as faces antagônicas e perversas do modo de produção,
tomando como referência a realidade norte-americana:

38
Observação Orientada

CAPITALISMO: uma história de amor. Direção: Michael Moore. Produção:


Kathleen Glynn e Michael Moore. EUA: Dog Eat Dog Films, Overture Films e
Paramount Vantage, 2009. 1 DVD (127 min).

3 A Observação em Serviço Social

A observação dos fatos do cotidiano é algo tão antigo quanto o desenvolvimento do gênero humano.
Quando criança, o ser humano vai conhecendo o mundo e apropriando-se dele por meio da observação,
a qual passa a ser inerente ao seu desenvolvimento. Assim, podemos afirmar que a observação é uma
forma utilizada para conhecer o mundo e dele se apropriar.

Nos itens anteriores deste livro-texto, vimos que a observação é utilizada como uma forma de
produção de conhecimento científico, mas também com outras possibilidades. De tal forma, também
vem sendo usada por diversas disciplinas profissionais como uma técnica de intervenção, dentre as
quais podemos citar a Psicologia, a Psicopedagogia e a Terapia Ocupacional. A observação tem, ainda,
encontrado espaço entre os assistentes sociais, que recorrem a essa técnica como uma possibilidade
de produção de conhecimento, de sistematização da prática e de aproximação da realidade na qual
atuam.

A observação é ainda largamente utilizada pelos centros de formação em Serviço Social, posto que
por tal abordagem o aluno começa a estabelecer relações com as áreas de intervenção do assistente
social e também a familiarizar-se com essa modalidade de pesquisa e de intervenção do profissional. Por
meio do estímulo a atividades em que o aluno utilize essa técnica, desde os anos iniciais da formação,
estaremos incentivando a dimensão investigativa, que é proposta pela Abepss, conforme indicamos no
item anteriormente trabalhado.

A observação comporta de tal forma um caráter dual que pode ser compreendida como uma
técnica de intervenção, quando é utilizada pelo profissional para aproximar-se da realidade em que
está inserido, mas também incorpora a característica de possibilitar a produção de conhecimento, a
pesquisa, posto que, partindo da observação da realidade, podem ser colhidos dados e informações que
poderão ser sistematizados com esse objetivo. Por isso a observação ganha tanto destaque e merece
tanta atenção da parte de todos os profissionais e estudantes em Serviço Social. Assim, segundo
Portes e Portes (2009), a observação pode ser considerada como uma possibilidade de formação e de
intervenção.

Neste item, buscaremos conceituar algumas das formas de compreender a observação: sistemática,
direta, estruturada e participante, para citar as mais correntes no Serviço Social. Também discorreremos
sobre outros aspectos relacionados a essa técnica.

Portes e Portes (2009) colocam que a observação colabora na realização do processo de trabalho do
assistente social, sendo considerada como um meio de execução do trabalho que combina atividades
intelectuais, de formação do profissional, com as técnicas desenvolvidas por ele.

39
Unidade I

A observação deve ser algo planejado pelo profissional que deseje desempenhá-la. Para Portes e
Portes (2009), ao organizar sua observação, o técnico deve orientar-se pelas seguintes perguntas:

• Aonde quer chegar?


• O que pretende fazer?
• O que precisa conhecer?

Partindo dessas questões, o profissional poderá orientar o processo de observação, direcionando-o a


um fim específico e com objetivos a serem alcançados.

Essa forma de orientar a observação conduz o profissional a uma apreensão da realidade que o
cerca e possibilita ao assistente social ir além das aparências. Permite-lhe ainda o rompimento com
a prática repetitiva, mecânica e sem reflexão, posto que ao se aproximar da realidade, o profissional
começa a conhecê-la, bem como passa a analisar a sua própria postura no trabalho, demandando assim
que os assistentes sociais introduzam a observação em seu cotidiano e a realizem com base em uma
perspectiva crítica de compreensão do real e da própria prática.

Para tanto é preciso que os profissionais tenham uma formação orientada em


uma perspectiva crítica, que permita apreender o processo de constituição
da realidade social na sua totalidade, bem como desvelar nexos causais
presentes nessa mesma realidade (PORTES e PORTES, 2009, p. 32).

Isso porque essa habilidade não é inata, precisa ser desenvolvida e, portanto, profissionais e futuros
profissionais precisam de orientação para alcançar esse objetivo.

Lembrete

A observação precisa ser compreendida como uma possibilidade de


aproximação da realidade.

Por meio da observação, segundo Portes e Portes (2009), torna-se possível que o assistente social,
partindo da sua aproximação da realidade, identifique aspectos que estão submersos, escondidos nesta,
conforme já referimos. Para as autoras, a observação tem o potencial de desvelar o indizível, fazendo
referência a conteúdos que não são expressos verbalmente, mas que podem ser captados de outra
maneira. No caso em questão, devemos ter em mente que, muitas vezes, precisamos realizar várias
abordagens com esse intuito, e que nós, como assistentes sociais, não devemos nos saciar apenas com
o que está aparente, ao alcance da vista, mas buscar captar outras formas de expressão do real. Nesse
processo, compete ao profissional articular o não dito, o indizível, com o dito, o exposto, e assim
compor o diagnóstico da realidade.

Esse processo de observação torna-se um momento de mediação entre o assistente social e a situação
observada, ou os sujeitos observados. Para Portes e Portes (2009), isso torna o processo relevante no que
40
Observação Orientada

concerne a proporcionar o crescimento e o conhecimento de ambos os atores, ou seja, do observador e


do sujeito observado.

Portes e Portes (2009) sinalizam que essa aproximação pode acontecer como um processo acolhedor.
No caso, este é considerado importante pelas autoras pelo fato de proporcionar uma aproximação entre
o assistente social e os sujeitos da pesquisa, a qual deve ser baseada no acolhimento e na escuta. As
autoras ainda colocam que, partindo de uma análise de nosso público-alvo, é possível concluir que,
muitas vezes, somos os mais próximos do universo dele, no que se refere à escuta. Como tais, vemos as
situações, os problemas vivenciados por eles, e devemos acurar nossa percepção de forma diferenciada.

Marsiglia (2006) considera também que os assistentes sociais devem incorporar a observação ao
seu cotidiano. A autora qualifica a observação, com possibilidade de constituir-se em sistemática e
assistemática. Segundo ela, a assistemática é a observação do cotidiano, mas sem uma orientação
específica, ao passo que a sistemática é a observação desenvolvida com uma referência e que deve ser
incorporada pelos assistentes sociais.

Tal modalidade de observação demanda, assim, a elaboração de um projeto, onde serão indicados os
objetivos das abordagens. Além disso, é fundamental fazer um registro detalhado de todas as informações
obtidas. Também é extremamente necessário realizar uma produção sobre a prática, socializando as
informações obtidas e ainda buscando formular propostas de intervenção sobre os sujeitos pesquisados,
para buscar, assim, melhorar as condições de vida destes.

A observação sistemática é, dessa forma, importante para profissionais em seu cotidiano, mas é
relevante para docentes e pesquisadores, e fundamental para estudantes, os quais Marsiglia (2006)
denomina de estagiários, pelo fato de essa técnica colaborar com a formação continuada de profissionais
já graduados e com a formação básica dos futuros profissionais.

A observação é ainda compreendida por Barbosa (1999) por meio da terminologia observação direta,
que, por sua vez, é tida como a técnica que deve ser desenvolvida com uma orientação específica, quase
similar ao conceito de observação sistemática que é trabalhado por Marsiglia (2006). Essa orientação
é necessária, nos termos de Barbosa (1999), porque a observação demanda treinamento por parte
dos observadores. Segundo o autor, no processo de estágio, esse treinamento deve ser fornecido pelo
processo de supervisão constante.

De tal forma, Barbosa (1999) destaca ainda que, para a observação ser considerada direta, é necessária
a elaboração de um projeto para a atividade. Nesse projeto deverão ser pontuados os objetivos de
desenvolvimento das intervenções, além de outros aspectos pertinentes e que devem ser considerados
durante o processo de observação. Além desse projeto de orientação, Barbosa (1999) destaca que é
necessário, ao observador, o desenvolvimento da atenção aos fenômenos sobre os quais irá se debruçar,
além de uma apuração dos órgãos dos sentidos que permitem o contato com o fenômeno estudado.

A essa modalidade de observação, alguns autores aplicam a terminologia observação estruturada,


como destacado por Buy (2002). Refere a autora que a observação estruturada deve ser compreendida
como aquela em que o observador elabora um roteiro prévio à sua inserção no processo.
41
Unidade I

A observação sistemática pressupõe também o registro dos dados obtidos. Considerando o âmbito
do estágio em Serviço Social, o usual é que a observação seja registrada em diário de campo.

No entanto, é também frequente no Serviço Social a organização de estágios e a realização de


pesquisas com base na observação participante. Lima, Almeida e Lima (1999) dizem que a observação
participante surgiu da Antropologia, inicialmente, apenas como uma técnica de pesquisa. Para essas
autoras, a observação participante é uma modalidade que torna possível a apreensão da realidade
empírica; em razão disso, segundo elas, essa modalidade torna-se extremamente relevante ao passo que
possibilita ao observador apreender as experiências diárias vivenciadas pelos seres humanos, atribuindo
a elas um significado.

Segundo pontuam Lima, Almeida e Lima (1999), essa modalidade de observação pode ser realizada
com a inserção do pesquisador próximo do que está sendo observado. Essa inserção, segundo as autoras,
resulta na subdivisão da observação participante em outros quatro tipos: participante total, participante
como observador, observador como participantes e observador total.

O participante total faz referência a uma modalidade de observação em que o observador age
como se fosse um membro do grupo em que realiza a participação, integrando-o ao longo de todas as
atividades desenvolvidas. O participante como observador faz acepção àquele que se limita à observação
durante o período em que acontece o trabalho de campo. No tipo observador como participante, a
observação acontece por meio de relações breves e formais. Por fim, o observador total faz referência
a uma modalidade de observação em que não há interação do observador com o fenômeno. Essa
modalidade pode ser complementada pela utilização de outras técnicas.

Partindo dessas definições, optamos por orientar você, aluno, a realizar uma modalidade de
observação sistemática. Nesse sentido, a observação deverá conter um roteiro previamente elaborado,
o qual será visto com destaque no decurso deste livro-texto. Também demonstraremos as opções de
registro e sistematização de dados para a elaboração de um relatório posterior à observação.

Na sequência, trataremos da importância do cotidiano profissional, posto ser esse o espaço


privilegiado em que a observação deverá acontecer.

4 O Cotidiano: espaço privilegiado para a construção do


conhecimento

Vamos iniciar nossa reflexão sobre o cotidiano tomando como referência a belíssima canção de
Chico Buarque.

Cotidiano

Todo dia ela faz tudo sempre igual


Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã
42
Observação Orientada

Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar


E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café

Todo dia eu só penso em poder parar


Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão

Seis da tarde como era de se esperar


Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão

Toda noite ela diz pra eu não me afastar


Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor

Todo dia ela faz tudo sempre igual


Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã (HOLLANDA, 1971).

O cotidiano incorpora ações desenvolvidas pelos seres humanos tendo em vista a satisfação das suas
necessidades. Partindo da música e da análise de nossa realidade, podemos destacar: o levantar-se todos
os dias, o trabalho, o café, o retorno para o lar às seis da tarde, o jantar, o amor, dentre outras ações
e situações com as quais nos deparamos. Em razão disso, o cotidiano é muitas vezes percebido como
o espaço das ações rotineiras, repetitivas e desprovidas de certa significação. Entretanto, incorpora
também os momentos de insubordinação às situações vivenciadas, em momentos como os descritos
pelo autor, em que “só penso em poder parar”, em mudar, “em dizer não”.

O cotidiano é, portanto, o locus privilegiado de reflexão sobre as situações que vivenciamos todos os
dias. Para o caso de nossa análise, devemos compreender o cotidiano profissional como um espaço rico
de possibilidades, as quais nos permitirão conhecer com maior propriedade nossos usuários, bem como
os serviços e campos de atuação em que trabalhamos, em que expressamos nosso fazer profissional.
É no nosso cotidiano profissional que estão expressas também as vontades, os desejos, os anseios da
população com a qual atuamos e as possibilidades de enfrentamento das situações econômico-sociais
que tanto os condicionam.

Portanto, quando falamos, no início deste livro-texto, sobre a importância da pesquisa com base
no real e de nos apropriarmos do conceito de instrumentalidade, estávamos nos referindo à necessária
aproximação do cotidiano.
43
Unidade I

De tal forma, realizaremos uma aproximação dos conceitos que tentam explicar a importância que
o cotidiano assume para as formas de compreensão da realidade, bem como destacaremos algumas
contribuições, que se originaram no seio da profissão, acerca da importância do cotidiano do profissional
da nossa área.

4.1 O cotidiano: algumas concepções provenientes da Teoria Marxista

Também dissemos que o referencial teórico a ser utilizado neste material tem influência da Teoria
Marxista, que é, segundo a Abepss e conforme já destacamos neste livro-texto, o referencial teórico a ser
adotado por todos os centros de formação em Serviço Social. Em razão disso, buscaremos aqui apontar a
compreensão de dois teóricos marxistas que muito vêm influenciando o Serviço Social na compreensão
acerca da importância do cotidiano: Agnes Heller e György Lukács. Desejamos, entretanto, destacar que
serão realizadas apenas algumas colocações, posto que a teoria de ambos os autores é muito complexa
e não pode ser resumida apenas no que iremos destacar.

Observação

O conceito de cotidiano é extremamente relevante ao Serviço Social, já


que nele se efetiva a possibilidade de observação.

Assim, é necessário pontuar que Agnes Heller nasceu em Budapeste em 1929 e que suas produções
derivadas do marxismo encontram-se vinculadas à Escola de Budapeste, fundamental na disseminação
de conceitos sobre a Teoria Social de Marx.

Figura 3 – Agnes Heller

Heller identificou que a Teoria Social de Marx, apesar de realizar uma análise profunda das questões
econômicas, acabou negligenciando a compreensão do cotidiano (HELLER, 1982a apud PATTO, 1993).

Para Heller, isso teria sido um descuido de Marx, posto que, segundo as suas compreensões, o
cotidiano expressa a realidade que é vivenciada por grande parte da população: uma realidade de
subordinação aos interesses do capital. Heller demonstra que a compreensão do cotidiano nos remete

44
Observação Orientada

a pensá-lo como possuidor de todas as peculiaridades que podem conduzir o homem à alienação ou
então fomentar processos de busca pela transformação da realidade na qual está inserido (HELLER,
1982a apud PATTO, 1993).

Portanto, o cotidiano não é visto como um momento focal e isolado do viver humano, mas sim
como expressão da realidade circundante, da totalidade dos fenômenos econômicos, sociais e históricos
(HELLER, 1982a apud PATTO, 1993). Araldi (2007, p. 64), partindo da teoria de Heller, aponta que o cotidiano
é determinado pelas: “[...] relações determinantes e determinadas pela economia, sociabilidade, cultura,
arte, formação familiar, religiosa, moral, sexo, etnia, ciência, mídia, escola, comunidade, sensações e
ações, em diferentes medidas em cada indivíduo [...]”. Essas relações influenciam os seres humanos de
forma diferenciada, mas os colocam em contato com a realidade de todo o gênero humano.

No sentido expresso, cada ser humano possuirá uma apreensão do real que, por sua vez, estará
relacionada à sua realidade concreta. É essa apreensão que o coloca em contato com a humanidade, de
modo geral. Dessa forma, a cotidianidade é, para Heller (1982a apud PATTO, 1993), o espaço em que a
heterogeneidade se manifesta.

Assim, segundo Heller, o cotidiano tem o potencial de colaborar no processo de humanização das
pessoas, pois é por meio dele que o ser humano vai estabelecendo relações sociais com outros homens
e, desse modo, vai sendo formada também a sua subjetividade. Portanto, concordando com a Teoria
Marxista, Heller parte do princípio de que a realidade concreta determina a subjetividade dos seres
humanos (HELLER, 1982a apud PATTO, 1993).

Heller diz ainda que o cotidiano é o espaço em que estão expressas as respostas imediatas e mediatas
que os seres humanos oferecem às suas necessidades. Tais necessidades provêm da realidade concreta.
Portanto, para a autora, o cotidiano é também resultado da construção do gênero humano (HELLER,
1996 apud ARALDI, 2007).

Como instância de atenção das necessidades, o cotidiano também pode ser compreendido como
o espaço da repetitividade, da rotina e da previsibilidade, posto que muitas das nossas ações
cotidianamente desenvolvidas são repetitivas, seguem uma rotina estabelecida e parte delas é previsível.
Por isso, de certa forma, a nosso ver, torna-se difícil uma compreensão crítica acerca do nosso cotidiano,
por desenvolvermos ações repetitivas, rotineiras e algumas delas previsíveis (ARALDI, 2007).

Entretanto, essa é uma instância insuprimível, ou seja, imprescindível ao desenvolvimento humano,


e nunca será possível ao ser humano, por mais crítico que seja, conseguir desvencilhar-se totalmente do
desempenho de ações rotineiras em seu cotidiano. Como também não há um ser humano que sobreviva
apenas desempenhando ações rotineiras e sem desenvolver nenhuma reflexão, mesmo mínima, sobre
elas.

A vida cotidiana é a vida de todo homem. Todos a vivem, sem nenhuma


exceção, qualquer que seja seu posto na divisão do trabalho intelectual e
físico. Ninguém consegue identificar-se com sua atividade humano-genérica
a ponto de poder desligar-se inteiramente da cotidianidade. E, ao contrário,
45
Unidade I

não há nenhum homem, por mais “insubstancial” que seja, que viva tão
somente na cotidianidade, embora essa o absorva preponderantemente
(HELLER, 1972, p. 17 apud ARALDI, 2007, p. 63).

Quando desempenhamos nossas ações em nosso cotidiano, mesmo inconscientemente, agimos


com base em uma hierarquia. Esta consiste em atribuirmos valores determinados às nossas ações,
hierarquizando-as de forma que sejam priorizadas as que julgamos mais relevantes. Esse também é um
processo rotineiro e que passa muitas vezes despercebido por nós (ARALDI, 2007).

Essa teoria de Agnes Heller vem encontrando grande aceitação entre teóricos do Serviço Social, posto
que dela têm sido extraídas muitas contribuições valiosas para orientar nossa prática e nossa relação
estabelecida com o cotidiano, inclusive o profissional. Realizaremos também uma aproximação de outra
fonte de compreensão do cotidiano, conforme elencado no início deste item, e que tem exercido grande
influência no Serviço Social: a compreensão de Lukács.

Observação

Lukács é um teórico relevante para o Serviço Social, bem como Agnes


Heller.

Lukács, nascido também em Budapeste, apresenta uma forma de compreensão do cotidiano similar
à de Agnes Heller.

Esse estudioso exerceu e exerce grande influência no Serviço Social, e suas concepções são trazidas
para o seio da profissão por diversos autores, dentre os quais o teórico José Paulo Netto. Esse autor
conseguiu aplicar a concepção de cotidiano trazida por Lukács à prática do Serviço Social.

Para Lukács, o cotidiano se organiza pelas necessidades do dia a dia, postas para que o ser humano
consiga sobreviver. Segundo essa concepção, a vida cotidiana é insuprimível, ou seja, é impossível ao
homem viver e sobreviver sem a ela. É a atenção a essas necessidades que garante, nos termos de Lukács,
a reprodução direta dos indivíduos, e, por conseguinte, a reprodução indireta de toda a sociedade, ou
seja, o indivíduo consegue sobreviver, reproduzir-se, e, de tal maneira, a sociedade em geral acaba
também se reproduzindo (LUKÁCS, 1980 apud SILVA, 2008).

Segundo Lukács, o cotidiano representa e expressa o “começo e o fim de toda ação humana”
(LUKÁCS, 1980 apud FREDERICO, 2000, p. 303) e pode ter momentos em que prevalece o senso comum
e momentos em que florescem “formas superiores de consciência” (LUKÁCS, 1980 apud FREDERICO,
2000, p. 303). Essas “formas superiores de consciência” podem ser desenvolvidas partindo do cotidiano,
desde que este seja observado sob a ótica da totalidade, reconhecendo o privilégio do desenvolvimento
histórico-social da humanidade no sentido em questão (LUKÁCS, 1980 apud SILVA, 2008).

Isso corresponderia, a nosso ver, a compreender o cotidiano como expressão do desenvolvimento


por que passou o gênero humano, e não como um fato isolado. Assim, apesar de o cotidiano ser, nos
46
Observação Orientada

temos de Lukács (1980 apud SILVA, 2008), dotado de ações espontâneas, devemos compreender que
essas ações possuem relação com os aspectos globais, de desenvolvimento econômico, social e histórico.

O ser humano deve, no entanto, ser concebido, segundo Lukács (1980 apud SILVA, 2008), como ser
singular e genérico. Singular porque faz referência à vida do indivíduo. No entanto, esse indivíduo nasce
e se desenvolve dentro de uma sociedade, composta por relações sociais, que trazem influência à vida
cotidiana, à singularidade do indivíduo.

Lukács (1980 apud SILVA, 2008) descreve, ainda, que o cotidiano é formado por três componentes
ontológicos: a heterogeneidade, a imediaticidade e a superficialidade extensiva.

A heterogeneidade seria compreender o cotidiano como expressão da diferença de cada ser


humano, ou seja, cada indivíduo vivencia um processo de constituição, o qual resulta em diferenças
entre os seres humanos, também descritas pelo termo diferencialidade. A imediaticidade, por
sua vez, faz referência a determinados atos que o ser humano precisa desenvolver para responder
ativamente às suas necessidades, sendo compreendida como a conduta imediata do ser humano.
Por fim, a superficialidade extensiva faz referência ao fato de que é impossível ao ser humano
refletir sobre todos os seus atos, sendo alguns destes compreendidos por ele de forma “superficial”
(LUKÁCS, 1980 apud SILVA, 2008).

Para Lukács (1980 apud FREDERICO, 2000, p. 302), o próprio cotidiano incorpora a possibilidade
de ascendermos do conhecimento do senso comum para “formas de elevação” de consciência, sendo,
assim, como em Heller (1972 apud FREDERICO, 2000), compreendido como de suma importância para
a superação das desigualdades sociais. Lukács (1980 apud FREDERICO, 2000) denomina essas formas
superiores de consciência com a terminologia consciência humano-genérica.

Essas reflexões, em grande parte, explicam por que o cotidiano profissional pode, em certa
medida, deixar de ser por nós observado: pelo fato de que muitas vezes, em nossa vivência e em nossa
prática profissional, realizamos ações repetitivas, corriqueiras, buscando oferecer respostas imediatas
aos problemas que enfrentamos. Para que possamos, no entanto, ascender a uma nova forma de
compreensão de nosso cotidiano profissional, precisamos nos aproximar dele, revendo-o sob uma nova
perspectiva, uma nova forma de olhar e de compreender, segundo os princípios teóricos; caso contrário,
permaneceremos no senso comum. Por isso, dedicamos este item do livro-texto para que você possa
compreender com outro significado o cotidiano profissional e a observação deste; e que esses conceitos
possam orientar o desenvolvimento das atividades propostas por esta disciplina.

Arroladas essas colocações, na sequência destacaremos a compreensão de teóricos e profissionais do


Serviço Social sobre o cotidiano.

4.2 O cotidiano e o Serviço Social

Partindo das definições de Heller e Lukács, podemos concluir que o cotidiano é um espaço privilegiado
para a aproximação da realidade; em virtude de tal aproximação, torna-se também possível colaborar
para o processo formativo de profissionais e futuros profissionais.
47
Unidade I

De tal forma, o primeiro passo para apropriar-se do cotidiano, segundo Souza e Azevedo (2004), é
aproximar-se dele, aproximar-se da realidade, desvelando-a. Para realizar esse desvelamento da realidade
e assim romper com posturas apenas respaldadas no senso comum, é fundamental a capacidade de
interrogar, de afastar-se do cotidiano da prática profissional e de olhar para esse cotidiano com certo
estranhamento.

Precisamos tomar distância de nosso mundo costumeiro, por meio de nosso


pensamento, olhando-o como se nunca o tivéssemos visto antes, como se
não o conhecêssemos a cada momento, no sentido de refletir para poder
ressignificar nossa prática cotidianamente (SOUZA e AZEVEDO, 2004, p. 55).

Assim, são necessárias duas posturas diferenciadas, as quais os autores do texto destacam tratar‑se
de uma necessidade imperativa de negar o senso comum, o aparente e os preconceitos, bem como
de questionar o que são determinados fenômenos e o porquê da ocorrência destes, transcendendo
assim o que é apresentado à primeira vista. Partindo dessa apropriação da realidade, devemos nos
conscientizar também da necessidade de que nossa prática seja conduzida de forma coerente com o
projeto ético‑político assumido por toda a categoria profissional.

Netto e Carvalho (2000) destacam esse processo por meio da expressão suspender a cotidianidade,
fazendo, assim, referência a essa necessidade de perceber o cotidiano de uma forma diferenciada. A
suspensão é tida pelos autores como um novo olhar que é conferido aos fenômenos com os quais nos
deparamos em nosso dia a dia, com o nosso cotidiano. Caso contrário, a nosso ver, estaremos apenas
desenvolvendo a prática pela prática, sem uma reflexão e sem que as dimensões necessárias à nossa
formação sejam desenvolvidas por nós.

Partindo dessa aproximação, ou suspensão, que vai nos trazer informações sobre a realidade
circundante e também sobre a nossa prática profissional, poderemos nos apropriar do cotidiano,
desvelar suas particularidades, suas singularidades, mas sempre relacionando-o com a realidade geral, na
perspectiva da totalidade. Isso porque, se não o relacionarmos com a realidade, a nosso ver, poderemos
incorrer na tendência, muitas vezes reproduzida em nossa categoria profissional, a compreender os
fenômenos sociais como resultados de situações focais, locais, sem relação com o todo.

Souza e Azevedo (2004) colocam, assim, que o cotidiano é o locus privilegiado em que os profissionais
objetivam sua ação, ou seja, em que desempenham atividades que modificam os seres humanos com
os quais atuam; entretanto, nesse processo, os próprios profissionais também são modificados. Essa
aproximação do cotidiano provoca, assim, mudanças em nosso público-alvo, mas também no próprio
profissional, podendo ser assim compreendida a objetivação do profissional. Por meio da aproximação
do cotidiano, é possível pensar em uma nova forma de compreender a profissão, a ação e mesmo a
metodologia utilizada.

A ação cotidiana dos assistentes sociais precisa, ainda, ser compreendida como um espaço em
que as heterogeneidades, as diferenças, ganham destaque. No caso, emergem tanto as diferenças de
classe quanto as de vivência, de organização da vida, dentre outras (SOUZA e AZEVEDO, 2004). Nessa
diversidade em que estamos inseridos e sobre a qual atuaremos, são expressas inúmeras dimensões,
48
Observação Orientada

situações, que afetam e condicionam o ser humano. Essa aproximação, portanto, produzirá em nós,
profissionais e futuros profissionais, a reconsideração de nossos valores, de nossas compreensões sobre
o mundo.

Essa apropriação do cotidiano de nossa prática profissional pode e deve, segundo Souza e Azevedo
(2004), basear-se em três perspectivas convergentes: a busca do real ou da realidade, a centralidade
do vivido e a totalidade. Podemos compreender que a busca do real ou da realidade só se dá por
meio da aproximação desta ao cotidiano que vivenciamos em nossa prática e que é experimentado por
nossos usuários. A centralidade do vivido refere-se às experiências que vivenciamos como profissionais
e também às vivências dos sujeitos com os quais atuamos. A totalidade, por sua vez, faz acepção à
compreensão de todos esse fenômenos, que não estão isolados de um contexto amplo, total, que define
a vida em sociedade e tem estreita relação com o modo de produção capitalista.

As autoras ainda apontam que essa aproximação da realidade deve acontecer de forma vinculada à
utilização de um instrumental pertinente, mas deve ser embasada em uma reflexão teórica que tenha
como norte o projeto ético-político assumido pela profissão.

É interessante atentar para o fato de que não nos apropriamos apenas das particularidades de nossa
prática profissional, mas também das particularidades da vida dos sujeitos com os quais atuamos. Assim,
a aproximação do cotidiano incorpora também a compreensão da realidade de nosso usuário (NETTO e
CARVALHO, 2000).

O cotidiano é o espaço privilegiado em que realizamos a observação dos fatos e, assim, empreendemos
a reflexão sobre a prática por meio da mediação entre esta e a teoria apreendida.

Na próxima Unidade, ofereceremos a você, aluno, os parâmetros necessários para que realize uma
observação da prática desenvolvida no cotidiano profissional. Demonstraremos, ainda, possibilidades de
construção de instrumentais com os quais você poderá caracterizar a instituição em que desenvolverá
a abordagem, bem como a comunidade em que ela está inserida. Orientaremos também sobre como
elaborar um projeto de integração.

Gostaríamos de lembrá-lo de que, ao final desta Unidade, destacaremos também exercícios para que
você busque resolvê-los e, assim, possa testar os conhecimentos até agora obtidos.

Saiba mais

Para que possa estudar com maiores detalhes as compreensões sobre


o cotidiano, partindo da Teoria Marxista, que tem influenciado o Serviço
Social no Brasil, você pode recorrer à fonte:

HELLER, A. Cotidiano e História. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

49
Unidade I

Resumo

Nesta Unidade, iniciamos as discussões sobre a importância da


observação na prática do assistente social. Para atingir tal objetivo,
começamos demonstrando que tal técnica, atualmente utilizada como
um instrumento de prática de nossa profissão, foi constituída a partir
da pesquisa científica. Essa modalidade de pesquisa que visa à produção
de conhecimento sobre a realidade vivenciada por alguns segmentos
populacionais começa a desenvolver-se no século XIX, tendo como
referência inicial a observação das condições de vida de alguns segmentos
da população. Assim, esse processo inaugura o uso da observação como
uma técnica de produção de conhecimento científico.

No que diz respeito ao Serviço Social, especificamente, devemos


destacar que a produção do conhecimento é recente em nossa profissão,
ganhando relevância a partir da década de 1980. Atualmente, é consensual
que a produção do conhecimento em Serviço Social deve ser orientada pela
pesquisa, e uma modalidade relevante é a pesquisa com base na coleta de
informações extraídas da própria prática profissional, do próprio cotidiano,
por meio de observação, sistematização e análise dos dados obtidos. Por
meio dessas abordagens, torna-se possível colaborar com a produção
de conhecimento; este deverá servir tanto para a formação profissional
quanto para oferecer possibilidades de mudança da vida das populações
pesquisadas.

Entretanto, a observação também se constitui como uma técnica


de intervenção do assistente social. Para isso, faz-se necessário realizar
uma abordagem histórico-social em que seja possível discutir aspectos
relacionados à instrumentalidade da profissão, desde o desenvolvimento
das primeiras abordagens metodológicas até as concepções atuais e
recorrentes em nossa área.

Foi possível observar que o Serviço Social teve sua metodologia


fortemente influenciada pela Psicologia, pela Sociologia e até mesmo pela
Medicina. Estudamos que no período da década de 1930 até meados da
década de 1960, foram influentes métodos provenientes desses ramos do
saber, e suas expressões se deram por meio das intervenções de caso, grupo
e comunidade. Essas possibilidades metodológicas só foram repensadas a
partir das décadas de 1960 e 1970, com o Movimento de Reconceituação,
em que foi proposto o rompimento com essas abordagens em favor da
constituição do método único, além da elaboração de uma metodologia
respaldada pela Teoria Marxista.

50
Observação Orientada

Tais abordagens metodológicas que foram se desenvolvendo


historicamente auxiliaram na constituição do Serviço Social como
profissão. Hoje, no entanto, a questão instrumental recebe as influências
da sociedade capitalista madura e consolidada e dos modos de produção
sobre os quais esta se encontra assentada. Segundo o que estudamos, há
a exigência de um profissional que tenha pleno domínio das técnicas, que
seja polivalente e, partindo da ótica burguesa, que não questione nem
leve seus usuários a questionar a estrutura social constituída. Espera-se
um profissional que produza resultados e que possa, assim, colaborar com
a sociedade burguesa estabelecida, requisitando-se, para isso, apenas um
profissional competente.

Esse predomínio das técnicas em detrimento da prática reflexiva,


ou práxis, é um fator com o qual nossa profissão precisa romper. Esse
rompimento só se torna possível por meio da observação e da aproximação,
pelos profissionais, da realidade sobre a qual deverão atuar, com recorrência
a uma bagagem teórica específica que, segundo a Abepss é o marxismo.

O rompimento com a ideia de profissão essencialmente técnica também


foi objeto de nosso estudo: reforçamos a importância de uma nova noção,
que corresponde à compreensão da instrumentalidade, uma forma de
entender a utilização do instrumental técnico com base na teoria e nos
princípios ético-políticos que orientam a nossa profissão.

Como parte desse processo se dá por meio da observação, também


estudamos nesta Unidade a importância que tal técnica possui para o
Serviço Social. Procurarmos demonstrar que a observação tanto pode ser
utilizada como técnica de pesquisa (e, por conseguinte, de produção do
conhecimento científico) quanto pode colaborar no processo formativo
de futuros assistentes sociais e ainda contribuir na formação continuada
de profissionais já atuantes no mercado de trabalho. Para tal, necessita
transcender da forma assistemática para a sistemática.

Partindo da inserção dos alunos em processos de observação, estaremos


também colaborando para estimular o desenvolvimento de duas habilidades
exigidas pela Abepss para o Serviço Social: a interventiva e a investigativa.
Essa aproximação dos campos de trabalho permitirá o entendimento
acerca da intervenção durante o processo investigativo. A observação será
desenvolvida no cotidiano das práticas profissionais.

Foi possível constatar que o cotidiano incorpora aspectos, situações


e fenômenos aos quais deveremos nos ater e dos quais deveremos nos
aproximar. Teremos de ver esses aspectos com um outro olhar. Essa
aproximação nos permitirá extrair, do cotidiano, informações relevantes
51
Unidade I

sobre a nossa prática profissional, sobre o público com o qual atuamos e


sobre outros fenômenos que influenciam e condicionam a nossa profissão.

A síntese desse processo equivale a compreender que a observação é


uma necessidade da profissão, se esta pretende, de fato, colocar a noção
de instrumentalidade em prática e, assim, colaborar com a qualificação
de nossa atividade profissional e com a qualidade dos serviços por nós
prestados.

Exercícios

Questão 1 (FCC – MPE-SE 2009 – Adaptada). Ao situar a particularidade da profissão na divisão


sociotécnica do trabalho, essa forma de compreender o surgimento do Serviço Social contribui para a
apreensão do significado sócio-histórico da profissão e de sua instrumentalidade. Permite apreender a
instrumentalidade da profissão como:

A) Expressão da interconexão das racionalidades formal-abstrata e instrumental, sendo o Serviço


Social considerado como uma técnica social com vistas a tornar-se uma ciência social aplicada.
B) O uso de meios e instrumentos imprescindíveis ao agir profissional, por meio dos quais os assistentes
sociais podem passar da mera intencionalidade para a efetivação de ações profissionais.
C) Razão instrumental, subordinada ao alcance dos fins particulares, dos resultados imediatos e
funcional às estruturas.
D) Razão substantiva, voltada para os fins universalistas, para valores sociocêntricos, preocupando‑se
com as implicações das escolhas dos meios e no estabelecimento de finalidades.
E) Um conjunto de condições que a profissão cria e recria no exercício profissional e que se diversifica
em função de um conjunto de variáveis.

Resposta correta: alternativa E.

Análise das alternativas:

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: a profissão vivencia as influências da racionalidade formal-abstrata expressa na


solicitação de determinados perfis profissionais, sendo estes o profissional polivalente e o trabalho
setorizado, dentre outros tantos perfis que foram destacados neste livro-texto. De certa forma, essa
colocação está correta, posto que a racionalidade formal-abstrata traz influências à instrumentalidade
da profissão, mas tal instrumentalidade não pode ser compreendida como resultado apenas desse
fenômeno. Além disso, o Serviço Social já se encontra compreendido como uma ciência social aplicada,
portanto não virá a se tornar algo que já é.

52
Observação Orientada

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: a instrumentalidade não pode ser compreendida apenas como o uso de meios e
instrumentos. Conforme observamos, instrumentalidade incorpora outros aspectos além das técnicas,
tais como a capacidade do profissional e a qualidade do serviço, sendo de suma importância a adoção de
um referencial teórico. Além disso, nessa alternativa são usados os termos meios e instrumentos, que
possuem o mesmo significado na teoria estudada. Os meios de trabalho fazem referência às técnicas,
aos instrumentos e à bagagem teórica adotada pelo profissional.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: a instrumentalidade busca romper com essa conotação de razão instrumental,


sem recorrência teórica e, sobretudo, com a concepção do instrumental do Serviço Social como um
mecanismo de manutenção da estrutura social atualmente constituída.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a instrumentalidade não pode ser compreendida como razão substantiva, posto que
esse termo faz referência a uma forma de compreender o mundo com base no bem comum, nem pode
ser entendida como orientada apenas a valores sociocêntricos para a construção de uma sociedade.
Isso porque faz referência à capacidade de um profissional e à qualidade do seu serviço, tomando como
base determinados valores. A alternativa dá a entender que a instrumentalidade do assistente social
é a responsável por alcançar uma mudança social, o que, como sabemos, é uma visão messiânica do
instrumental e da própria profissão.

E) Alternativa correta.

Justificativa: a instrumentalidade é condicionada por uma série de situações – econômicas, sociais


e políticas – que influenciam a sua constituição, ou, conforme descrito nessa alternativa, “um conjunto
de condições”, as quais possibilitam ao Serviço Social sempre reformular seus conceitos, fazendo a
instrumentalidade ser “criada e recriada” pela categoria profissional.

Questão 2 (UFAC 2010 – Adaptada). Acerca da instrumentalidade do Serviço Social, julgue os


itens a seguir:

I – Os objetivos da profissão são construídos a partir de uma reflexão teórica, ética e política, que
define os instrumentos e as técnicas de intervenção. Conclui-se que essas metodologias de ação
não estão prontas e acabadas.
II – Os instrumentos e as técnicas de intervenção são mais importantes que os objetivos da ação
profissional.
III – Cabe ao assistente social ter habilidade técnica de manusear determinado instrumento de
trabalho na sua prática e adaptar tal instrumento às necessidades a que precisa responder no seu
cotidiano.
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Unidade I

IV – É necessário compreender a dinâmica da realidade e quais mudanças são essas para que o
instrumental utilizado seja o mais eficaz possível e, de fato, possa produzir as mudanças desejadas
pelo assistente social – ou chegar o mais próximo possível disso.

Assinale a alternativa correta:

A) Estão corretas as afirmativas I e II.


B) Estão corretas as afirmativas I, III e IV.
C) Estão corretas as afirmativas I e IV.
D) Todas as afirmativas estão corretas.
E) Todas as afirmativas estão incorretas.

Resposta correta: alternativa B.

Análise das alternativas:

I - Afirmativa correta.

Justificativa: de fato, os instrumentos e as técnicas do assistente social estão em constante construção,


a qual é resultado da reflexão processada nos âmbitos teórico, ético e político, representando assim o
conceito de instrumentalidade defendido por Guerra (2007, 2010).

II - Afirmativa incorreta.

Justificativa: os instrumentos e as técnicas não são, para Guerra (2007, 2010), mais importantes que
os objetivos a serem alcançados pela profissão, mas são complementares.

III - Afirmativa correta.

Justificativa: segundo estudamos, a habilidade técnica é importante para proporcionar a intervenção


no cotidiano. Nesses termos, a realidade é dialética, está em constante construção e por isso se altera.
Para intervir nesse cenário, o domínio das técnicas é fundamental, mas tal habilidade técnica deve vir
também instrumentalizada pela reflexão teórica.

IV - Afirmativa correta.

Justificativa: está correta pelo fato de fazer referência à necessidade de o profissional compreender a
realidade que o cerca e sobre a qual irá atuar; somente a partir dessa leitura de realidade, associando‑se
à compreensão teórica, é que o profissional poderá atingir o conceito de instrumentalidade.

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