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da República
Dilma Rousseff
Ministro da Cultura
Juca Ferreira
Presidente
Francisco Bosco
Diretor Executivo
Reinaldo Veríssimo
CDD – 782.5
Índice
Autores
Apresentação
I - Entre mãos e corações
II - Contextos diversos, cantorias distintas
III - Um pouco de tudo
IV - Um gesto, múltiplos cantos
V - Muitas perguntas, muitos caminhos, muitas canções
VI - As múltiplas dimensões da prática coral
Autores
Eduardo Lakschevitz é Doutor em Música
pela Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO) e Mestre em Regência Coral
pela Universidade de Missouri-Kansas City
(EUA). É professor da UNIRIO, onde leciona a
cadeira de História da Música e coordena o
Programa de Mestrado Profissional em Ensino
das Práticas Musicais. É regente do Coro da
TV Globo. Pesquisador de aspectos
comportamentais na produção musical, realiza projetos em educação
empresarial nos quais aborda a música como ferramenta de
desenvolvimento cultural e humano.
1 No princípio era...
3 Que cantar?
Velas ao vento
Contexto
Repertório
Texto
Um cantor comunica idéias. O simples fato de o significado do texto
"sair da boca do cantor" o torna testemunha do que canta, como se
fosse um avalista das ideias sendo transmitidas. Isto é ainda mais forte
em se tratando de cantores voluntários, cuja participação num coro é
motivada por questões de ordem pessoal. Para estes, é praticamente
impossível separar suas ideias daquilo que seu corpo e sua voz
expressam no coro. Por isso, cantores sempre deixarão bem claro sua
discordância com qualquer conteúdo de um texto que lhes desagrada,
seja ela por razões de faixa etária – “meus alunos acharam esse texto
muito infantil”, comentam frequentemente alguns regentes – , religião,
política ou qualquer outra. Dessa forma, a identificação de um cantor
com a mensagem contida no texto de uma canção deve ser a base da
escolha do repertório. Não se trata de escolher repertório que o corista já
conheça, mas sim de buscar textos que promovam seu crescimento,
seja pela qualidade literária, pelas idéias que contém, ou pelo tratamento
que recebeu do compositor. Samuel Kerr, com quem colaboro nesse
Projeto, diz que um coro deve ser a voz de sua comunidade. Por isso,
conversamos muitas vezes a respeito do Painel em Maringá,
pesquisamos canções que dizem respeito àquela cidade, suas
características marcantes, clima, vegetação, população etc. Antes de
escolher peças, conversamos sobre o que queríamos falar, sobre a
mensagem que gostaríamos de deixar com cantores e ouvintes, e sobre
as relações que gostaríamos de estabelecer entre nossa cantoria e a
comunidade local.
Mas texto não é só conteúdo, significado. Há outros fatores a ser
analisados: Qual a sua qualidade literária? Tem originalidade? Como
está associado às melodias? É cantável? Todas as vozes têm
oportunidade de cantar trechos da letra, ou há alguma voz dedicada
apenas aos fonemas de acompanhamento (“tum, tum, tum” ou “lá, lá, lá”,
por exemplo), hoje tão comuns em arranjos e composições corais?
Todos devem ter a chance de comunicar o texto, a poesia. Às vezes
esse fato passa despercebido porque nós, regentes, tendemos a
analisar somente a visão geral, a sonoridade resultante. Mas todo cantor
gosta de melodia e de letra (alguns, mais inexperientes, até confundem
esses termos), e as peça que escolhemos devem proporcionar esse
equilíbrio.
E como é a prosódia desse texto? Somos capazes de compreendê-
la, bem como o sentido das frases musicais e poéticas? O sentido
musical acompanha o sentido do texto? O texto está adaptado à notação
musical com naturalidade? As acentuações do texto coincidem com as
da música? Há naturalidade na "entrega" de um texto para o ouvinte? A
definição mais precisa que já ouvi sobre a qualidade de um texto, e que
uso até hoje, é a seguinte: “Precisa ter qualidade literária, potencial
educativo (pessoas devem ter oportunidade de aprender com ele), e tem
que “ser bom de dizer”, o que significa ter prosódia equilibrada,
articulação justa e pronúncia fácil.
Tessitura
Textura
Ensaio
Organização
Todas essas são competências não-musicais fundamentais para o
desenvolvimento do meu trabalho como regente coral que, observado
com distanciamento crítico, consiste simplesmente em liderar um grupo
de pessoas a atingir um objetivo comum. Mas a compreensão clara
dessas questões tem sido uma dificuldade dos regentes corais hoje em
dia. Muitas vezes, a preocupação com questões técnico-musicais do seu
trabalho é tão dominante que este parece ser o único aspecto levado em
consideração quando, na verdade, essas deveriam ser apenas as suas
preocupações iniciais, pois constituem a base para o desenvolvimento
de um trabalho coral. A construção de uma sólida e ampla base musical,
nas áreas de análise, harmonia, contraponto, estilo, regência e
instrumento é de inquestionável importância, e deve ser desenvolvida
continuamente. São as ferramentas do dia a dia do regente,
fundamentais para a fluência de seu trabalho; fazem parte de sua
formação. Mas são meio, técnica, e não seu objetivo final. É inspirador
ouvir o Samuel Kerr dizer que "padrão com T de técnica vira patrão, e
convenção, também com T de técnica, vira contenção".
O regente é o líder de um grupo de pessoas e, por isso, as questões
relativas a esses processos coletivos de criação artística são as que
primeiro me vêm à mente. Assim, somente após analisar o coro com
quem trabalharei (as pessoas!), escolher o repertório e imaginar
potencialidades e dificuldades do trabalho eu posso começar a pensar
na parte musical, nos melhores processos e nas questões mais
importantes a serem abordadas nos ensaios. Esse trabalho musical
precisa ser organizado, coerente. Um dos aspectos mais difíceis para o
regente é levar o cantor a construir seu som de forma artística; esse
objetivo só poderá ser alcançado quando diferentes áreas do trabalho
coral forem tratadas isoladamente. Vou explicar.
Todo regente tem um som ideal em mente. Tenho a sorte de já ter
ouvido concertos de coros maravilhosos, de estilos e procedências as
mais variadas, de ter conversado com muitos regentes e professores e
de ter regido muitos coros diferentes (em situações as mais diversas, em
locais muito distintos). Tudo isso me ajuda a imaginar o som que
considero ideal. O gosto de um regente e seus ideais sonoros se
constróem a partir das referências adquiridas e das comparações
estabelecidas ao longo da vida.
Sempre que me coloco à frente de um grupo coral, tenho esse som
ideal em mente, como um objetivo, uma referência. Mas regência é uma
atividade intensamente dependente de outras pessoas e de múltiplos
fatores que, muitas vezes, propõem caminhos e sonoridades
alternativas. Assim, a mágica maior do trabalho coral é o caminho da
busca pelo som ideal, que é forjado no equilíbrio entre as referências do
regente e as situações que se lhe vão colocando. E a função mais
importante do regente é guiar os cantores a experimentar esse caminho,
sem cair na tentação de tentar trilhá-lo por eles.
Prioridades
Conclusão
Chegar a uma nova cidade, com expectativas diversas por parte dos
participantes, com inscritos vindos de contextos completamente
diferentes e possuindo diferentes formações acadêmicas é sempre um
enorme desafio. Cada Painel é muito diferente do outro. Se, por parte da
coordenação pedagógico-estrutural, na FUNARTE, sua gestação
acontece com meses de antecedência (nove?), para nós, professores, é
momento de também iniciarmos um processo de elaboração mental;
através dele, tentamos traçar metas cujas bases possam alcançar o
maior número de regentes-professores no desenvolver de seu trabalho
musical direcionado ao canto coletivo.
Hoje, somamos experiências advindas de grandes encontros dessa
natureza, pois atuamos como um dos professores convidados em Belém
(PA), São Luiz (MA), Palmas (TO), Crato (CE), Quixadá (CE), Mogi das
Cruzes (SP) e Maceió (AL). Estas cidades foram palco das mais
diferentes e intensas sensações, com momentos de congraçamento e de
trabalho árduo, locais onde desfrutamos do convívio com pessoas
ímpares: ora integrantes da banda local, ora alunos de Licenciaturas, ora
cantores de coros e seus familiares, ora integrantes de grupos vocais,
ora professores das redes estaduais e municipais ou mesmo
particulares, ora regentes de coros religiosos, ora curiosos tentando
assimilar as metodologias e as atividades para implementá-las em sua
prática pedagógica. Com tanta diversidade de interesses, com níveis
diversos de compreensão dos fenômenos musicais, inseridos em
comunidades com experiências tão díspares, que fazer em uma semana
de vivências? Estabelece-se uma questão fundamental: como alcançar o
regente, ou o professor que atua em escolas, ou o cantor interessado em
aprimorar seus conhecimentos na área coral, ou o estudante das
diferentes Licenciaturas, ávido por novas metodologias, por novas
dinâmicas, oferecendo-lhes alternativas para refletir sobre técnicas e
procedimentos que poderão redirecionar suas ações? Se por vezes não
redirecionam, esses procedimentos apresentados nos Painéis servirão
ao menos para ratificar atitudes saudáveis, justificadas por uma
bibliografia consistente sobre as abordagens ali feitas?
Com estas preocupações, iniciamos nosso planejamento para os
desafios de cada Painel. E cada um dos quais já fizemos parte
contribuíram para um crescimento ímpar: tanto para os alunos
participantes, por suas avaliações e seus retornos verbais expressos,
como também para nós, professores!
É sempre uma grande tarefa escolher o repertório a ser apresentado
como modelo de possibilidades de execução, selecionar atividades,
reunir bibliografia, separar textos, delimitar tópicos para discussão, e
ainda estruturar um repertório de canções a ser ensaiado como
culminância do processo que acontecerá durante a semana. Isto tudo
com variáveis que dependerão do perfil dos participantes, das
possibilidades espaciais do local de realização, da disponibilidade de
material xerográfico por parte da coordenação local do evento, do
horário a serem desenvolvidas as atividades.
Existe, como já afirmamos, um período necessário para a gestação
de um Painel; após a definição do trio responsável por sua
concretização_ dois professores e um pianista_ , o local de sua
realização(a) , o contato com a organização local (b)e a definição do
público alvo(c) passam a nortear muitas das decisões .
Com esses dados, ainda que com muitas alterações no decorrer do
processo, sua preparação, pelos professores, mescla fases de euforia,
de preocupação, de dúvida, de satisfação, de receio.
Em contextos em que o Painel FUNARTE pode apresentar-se como
uma das únicas oportunidades de aprimoramento de conhecimentos na
área coral, pela ausência de cursos específicos e sistemáticos em
diferentes regiões do país, a decisão por repertório adequado, a escolha
da metodologia, a definição de tópicos para reflexões conjuntas e a
elaboração de atividades práticas ganham outra dimensão. Serão estes
os momentos mais preciosos de experimentação, de vivência concreta,
de reflexão sobre os rumos de uma prática que já se consolidou como
uma grande oportunidade de convívio social, de canalização da emoção,
de prazer estético que outras atividades que não a coral são incapazes
de provocar.1
Mas quais as competências necessárias ao professor para o sucesso
dessa iniciativa? Trocando em miúdos, que investimentos são
necessários para o sucesso de cada Painel por parte de nós, seus
professores?
Não bastaria chegar ao local de sua realização e fazer ensaios das
peças sem planejamento, sem método, sem refletir sobre cada escolha
realizada. Esta já pode ser a rotina de ensaios de muitos grupos corais
em locais que ainda não subsidiaram um Painel FUNARTE. O Painel
tem de vir para provocar, para instigar, para propor outras alternativas,
para mostrar possibilidades de otimização de tempo de ensaio, para
sugerir métodos viáveis que possam ser aplicados pelos participantes
para enriquecer suas propostas cotidianas de ensaio coral. Sem esses
propósitos, seria improdutiva a realização de eventos dessa dimensão.
Em Belém (PA), o primeiro Painel desde que foi retomado o Projeto
pela FUNARTE, houve muita troca. Havia expectativas dos envolvidos
em relação a um projeto com crianças, pois montavam algumas peças
para serem executadas com uma orquestra jovem; um compositor local
ainda acabava de escrever as peças que seriam cantadas! Os
participantes eram bastante atentos, um grupo constituído por crianças
acompanhadas de alguns pais, além de professores e estudantes de
música que regiam grupos diversos. Houve necessidade de algumas
adaptações para a realização das peças anteriormente previstas por
nós, professores.
São Luiz (MA) foi surpreendente pelos interessados que se fizeram
alunos do Painel. Um grupo de integrantes da Banda local assiduamente
estava a postos, nos horários programados, para receber as orientações
e questionar essencialmente aspectos de técnicas de regência; estavam
ávidos por resolver problemas de regência buscando soluções para
aspectos específicos da condução, por exemplo, do Hino Nacional
Brasileiro. Mas muitos aspectos de dinâmica de ensaio e de
metodologias para ensino de canções foram bastante explorados ali.
Além desses alunos, a sala programada para acontecer o Painel estava
sempre lotada de interessados, que vibravam com cada proposta
lançada.
Em Palmas (TO), muitos integrantes de grupos vocais, além de
regentes de coros principalmente religiosos e vários professores
compunham o quadro de participantes do Painel. Foi desenvolvido um
repertório variado de canções, direcionado a grupos diversos, tanto
infantis como adultos e discutida muita metodologia de ensaio. As
atividades do Painel tentaram deixar uma amostragem de procedimentos
que tinham por escopo otimizar os ensaios vocais, propondo ações para
que fossem analisados aspectos dos ensaios que facilitassem a
aprendizagem do repertório pelos cantores.
Crato (CE) teve características distintas em termos de participantes:
vários alunos do curso de Licenciatura em Música, envolvidos em
atividades corais, mesclavam-se com professores de música e outros
interessados, ansiosos por bibliografia específica para pesquisa nas
áreas de canto coral e de regência. Foram realizadas atividades
bastante lúdicas e um repertório que atendia às expectativas do grupo,
pelo que pudemos verificar.
Quixadá (CE) também reuniu um bom número de interessados pelo
Painel. Professores de música, regentes de grupos vocais e
instrumentais tanto da cidade como de cidades próximas, professores de
escolas públicas, músicos que atendiam a Projetos com crianças e
adolescentes, estudantes, enfim, pessoas ávidas por conhecer
metodologias para trabalho com crianças , jovens e adultos e vivenciar
processos de educação musical através do canto coletivo.
Mogi das Cruzes (SP) mostrou-se ímpar em termos de organização e
motivação para o Painel. Seus participantes vibravam com todas as
atividades propostas! Questionavam, queriam experimentar a regência
das peças, buscavam bibliografia relativa ao canto coral, à regência, às
dinâmicas de ensaio, às metodologias desenvolvidas através das
práticas realizadas. Havia também integrantes de Bandas locais que se
faziam presentes diariamente para conhecer e refletir sobre
metodologias de ensaio desenvolvidas na semana de realização do
Painel.
Nossa experiência mais recente foi em Maceió (AL), onde um grupo
de aproximadamente 180 inscritos aguardava ansiosamente as
propostas do Painel, deixando evidente um interesse grande por
aspectos gestuais, por dinâmicas de ensaio, por indicações bibliográficas
na área vocal, por exercícios vocais que pudessem ser aplicados em
grupos iniciantes de diferentes faixas etárias, por repertório específico
para crianças. Muita disposição, muita vontade de experimentar novos
repertórios, muita dedicação principalmente de pessoas da comunidade
que demonstraram garra na realização de tudo o que foi proposto. Para
nós, professores, foram momentos desafiadores, compensados pela
alegria daqueles participantes que tentaram conduzir as tarefas até o
final do Painel, acreditando no que chegamos a pensar ser impossível de
realizar sob aquelas circunstâncias.
Praticamente em todas as cidades mencionadas, houve a
oportunidade de troca de experiências, de reflexão sobre procedimentos,
de indicação de bibliografia específica para consulta posterior pelos
alunos, de experimentação de um repertório variado de canções, de
apresentação de pedagogias que fossem adequadas a diferentes
momentos do ensaio. Desta forma, o Painel constituía-se como
oportunidade de reciclagem pessoal, de experimentação prática, de
abertura para novas possibilidades metodológicas de ensaio, fazendo
com que seus participantes ampliassem sua visão de como desenvolver
um ensaio vocal coletivo. Carlos Alberto Figueiredo, professor e regente
carioca, no capítulo em que inicia o livro “Ensaios: olhares sobre a
música coral brasileira”( 2006, p.18) sugere que o regente sempre volte
sua atenção ao ensaio coral, estando atento às possibilidades de
exploração musical que o próprio repertório propõe, ao afirmar:
Ensaiar é uma oportunidade para um processo permanente de musicalização. O
regente não pode desprezar qualquer oportunidade de transformar algum aspecto da
obra que está preparando num exercício para desenvolvimento da musicalidade de seu
cantor, seja no aspecto rítmico ou das alturas, melódica ou harmonicamente. (...)
(FIGUEIREDO et al., 2006, p. 18).
Concordamos com essa argumentação, tendo a absoluta certeza de
que podemos realizar uma verdadeira educação musical através do
trabalho de canto em grupo. Com esse objetivo em mente, temos de
voltar nossa atenção a todos os aspectos que possam advir das peças
que elegemos e que constituem nosso repertório para, daí, propiciarmos
momentos de exploração de parâmetros musicais, de criação, de
execução, de apreciação musical.
Assim que chegamos ao local de realização do Painel, esta nova e
desafiadora jornada se inicia! E nossas preocupações nos agitam:
conseguiremos realizar nosso intento? Quem serão os nossos alunos?
Que atividades atenderão melhor às ansiedades deles?Teremos de
readaptar nossos conteúdos de forma que todos possam acompanhar as
reflexões? Que peças trazidas realmente faremos?
São frequentes as questões levantadas pelos participantes em
relação a assuntos de ordens muito diversas. Que fazer com pessoas
que não afinam?Como resolver questões de disciplina?Como classificar
vozes de diferentes faixas etárias?Onde achar repertório fácil, e que
funcione bem com grupos iniciantes? Como desenvolver a habilidade de
cantar a vozes?Com que tipo de peças começar os ensaios se diante de
pessoas sem experiência vocal coletiva? Devemos cantar apenas em
uníssono no início do trabalho coral? Devemos realizar repertório
escolhido pelos cantores, ou peças que ouvem diariamente nas rádios?
(...) São tantas as questões levantadas! Tantas dúvidas!
Em nossa opinião, muitas dessas questões são de fundamental
importância para serem abordadas durante o Painel. Por elas,
poderemos traçar ações na busca de uma alteração do perfil dos
participantes, fazendo com que esses dados venham à tona durante as
aulas e tenhamos a oportunidade de refletir sobre cada tópico levantado.
É bastante comum a ausência de cursos básicos de regência no
contexto geral de nosso país, com pouca exceção além dos oferecidos
dentro dos cursos de Licenciatura; desta forma, em algum momento do
Painel faz-se necessária a abordagem de aspectos fundamentais de
condução gestual. Nesses momentos, nosso papel tem sido o de trazê-
los à reflexão sobre a funcionalidade dos movimentos, sobre sua
eficiência na obtenção de determinado resultado sonoro. Os movimentos
corporais sempre trazem uma mensagem que deverá ser compreendida
pelos cantores; os intérpretes, então, são a prova mais concreta de sua
eficiência. Sob este olhar, todo gesto deve ser pensado para não ser
excessivo em termos de informação, não gastar energia demasiada, não
sugerir articulação diferente daquela solicitada pela obra em estudo, não
executar apenas o diagrama indicado para determinado padrão sem que
haja emoção e “verdade” em sua realização, não confundir os
executantes. O gesto tem a função de encaminhar o intérprete para o
som imaginado pelo regente e dar vida musical à peça.
Sobre a questão dos exercícios vocais realizados por grande número
de regentes no início de seus ensaios (em geral), bem como aqueles
que antecedem as performances, vale observar que na maioria das
vezes mostram-se ineficientes e sem propósito. Grande parte dos
regentes não tem convicção sobre as diferentes funções das consoantes
e das vogais, não reconhecendo suas propriedades articulatórias ou sua
função no processo de emissão sonora. Algumas consoantes, por
exemplo, constituem-se valiosos elementos para desenvolver aspectos
respiratórios ou musculares, ou para explorar ressonância. Outras
podem ajudar a projeção do som, ou colaborar para que se evitem
golpes de glote. São as consoantes que dão forma ao texto, organizando
as significações! Por outro lado, são as vogais que conduzem a
sonoridade. Assim sendo, como utilizar as diferentes vogais, sem
observar também sua forma de articulação, ou seu papel na condução
das linhas melódicas? Se toda sonoridade é construída pela alternância
das vogais presentes nos textos, como realizar um som homogêneo sem
despertar o grupo para uma realização similar, sem procurar uma
mesma forma de produção? Em relação a esse tópico, tem sido muito
oportuno o Painel, oferecendo a oportunidade de levantamento de
questões a esse respeito e trazendo os regentes à reflexão sobre sua
responsabilidade na liderança dos grupos corais.
Escolha de repertório também tem sido tema recorrente nas reflexões
que acontecem nos Painéis; observemos, porém, que cada grupo tem
características peculiares que lhe dão personalidade própria. Desta
forma, o que pode funcionar muito bem para um grupo pode ser
catastrófico para outro, gerando frustração tanto para os cantores como
para o regente. Que tipo de repertório fazer com o grupo que temos
agora nas mãos? Como saber se o grupo vai conseguir realizar uma
obra que já elegemos como nossa preferida dentre as demais que nos
propusemos realizar, e que acabamos de trazer do curso mais recente
de que participamos?
Bem, caminhemos de pé no chão e por etapas. Reflitamos juntos
sobre estas questões. Quais são as características do coro que temos
nas mãos? Que funções ele vai desempenhar dentro da instituição da
qual faz parte?Quais são as expectativas dos seus integrantes, ou de
seus idealizadores? Quais são nossas expectativas em relação ao
grupo? Que tipo de repertório conseguimos realizar bem, hoje, e que
poderá trazer contribuições de diferentes ordens aos cantores? Seremos
capazes de adequar a escolha do repertório à capacidade atual dos
cantores?Ou seremos capazes de criar ou arranjar peças que sejam
adequadas ao nível de interesse e de realização do grupo, e que
possam contribuir para compor sua história dentro do contexto em que
ele se insere? Perguntas como estas sempre darão um suporte para que
possamos iniciar nossa busca por material vocal a ser explorado em
nossos ensaios.
Cabe ainda, porém, uma observação a respeito da interdependência
dos fatores relacionados a essa escolha: independentemente do nível de
dificuldade do repertório escolhido, será sempre a forma de sua
realização que poderá fazer toda a diferença no momento do ensaio.
Uma peça difícil pode-se tornar fácil nas mãos de um regente habilidoso.
Afinal, os cantores não sabem, muitas vezes, das dificuldades que terão
de enfrentar. É o líder que está à frente do trabalho que terá a missão de
transformá-la em algo fácil e prazeroso. As diferentes pedagogias nos
despertam para possibilidades infinitas de realizações metodológicas
para serem aplicadas nos ensaios, para que estes se transformem em
momentos mágicos. Basta que debrucemos sobre elas e busquemos
estudar as peças musicais, descobrindo os caminhos que elas mesmas
propõem para sua exploração. Ora o encaminhamento rítmico, ora o
melódico, ora o harmônico, ora o texto; todos estes elementos sugerem,
na maioria dos casos, formas de abordagem que facilitarão sua
execução até mesmo por pessoas completamente leigas em música.
Eric Ericson, regente sueco e um dos expoentes da música coral
mundial, já afirmara em seu artigo sobre método de ensaio que em
muitos casos o regente, por não sabe realizar determinadas peças, tenta
transferir essa incapacidade aos cantores. São palavras do maestro:
The statement `My choir will never be able to sing that piece, though commonly said,
only reflects on the conductor himself.` (p. 103).(ERICSON, Eric. Rehearsing Methods. In:
ERICSON, Eric; OHLIN,Gösta; Lennart SPÄNGBERG. Choral Conducting. Fort
Lauderdale,USA: Walton Music Corporation, [19-- ] , p. 99-103 ) 2
Vale registrar que enfatizamos também, nos Painéis, como a
utilização de recursos áudio-visuais, eurrítmicos e cinestésicos podem
alterar significativamente o resultado do trabalho coral, especialmente
com crianças e jovens. Esses recursos, quando utilizados nos ensaios,
dão concretude`a imaginação, deixam as referências mais claras,
possibilitam a compreensão dos parâmetros musicais através das
sensações oriundas dos movimentos corporais, além de darem mais
dinamicidade ao ensaio.
A utilização de recursos que os aproxima de um universo conhecido,
a saber, pião, bola, ioiô, bexiga, tubo de PVC, elástico, corda, mola
colorida, fantoche(e muitas outras coisas) permite um envolvimento dos
participantes em um nível mais lúdico e fascinante, trazendo mais
motivação ao momento do ensaio , simultaneamente ao fato de que esse
arsenal facilita a compreensão de muitas referências que, na ausência
dele , implicaria a necessidade de um tempo maior para sua assimilação.
Uma vez que no encerramento do Painel está prevista uma
apresentação final, como culminância do processo desenvolvido durante
a semana de atividades, vale a pena ressaltar a importância da
metodologia para a realização do repertório programado. Há uma real
necessidade de um planejamento cuidadoso em termos de otimização
do tempo para que esse repertório amplo de canções a 1, 2, 3 ou 4
vozes possa ser feito, paralelamente aos momentos de discussão sobre
condução gestual, sobre as etapas do trabalho vocal a serem feitas no
aquecimento, sobre preparação do ensaio, sobre a metodologia do
ensino de canções, sobre cuidados na escolha do repertório.
Como realizar rapidamente a leitura de peças vocais, envolvendo ora
dificuldades rítmicas, ora melódicas, ora harmônicas, ora timbrísticas,
ora de difícil articulação textual, num tempo exíguo, sem cansar os
cantores, sem deixar que o ensaio seja enfadonho, sem que os cantores
percebam o excesso de solicitações de repetição do mesmo trecho pelo
regente, ou sem deixá-los por muito tempo sem cantar? Sem um
planejamento cuidadoso do ensaio o regente nunca conseguiria seu
intento. É em situações como estas que percebemos a diferença de
estratégias metodológicas entre um regente e outro.
As atividades do Painel têm demonstrado a necessidade de estarmos
atentos a todos esses fatores. Uma semana intensa de atividades que se
alternam sob a orientação de dois professores/regentes e um (a)
pianista. Estes estão nas cidades hospedeiras se empenhando para
acolher os participantes com idéias, exemplos de ações, sugestões de
encaminhamento metodológico, materiais didáticos, dinâmicas
instigantes que os façam refletir sobre suas práticas e construir formas
de encaminhamento dos trabalhos corais de forma mais consistente,
com embasamento teórico que lhes dê amparo para sempre aprimorar
seus procedimentos.
Lembremos que as atividades desenvolvidas em todo ensaio coral
têm de servir para possibilitar aos cantores a construção de um
conhecimento musical através do canto em grupo. Nós,
regentes/professores, somos responsáveis pela exploração de todos os
dados musicais que afloram do repertório que elegemos, de forma que a
experiência coral que propiciamos aos nossos cantores seja rica em
conteúdos, dê-lhes a sensação de completude, por favorecer a aquisição
de conhecimentos sólidos em música, e lhes permita realizar
performances com habilidade e compreensão, conforme afirmou Doreen
Rao, regente americana, em seu livro “The art in choral music”
(RAO,Doreen, 1990, volume III, p. 4) ao comentar sobre a necessidade
de desenvolver “artistry” dentro da atividade coral. Tenhamos sempre em
mente o fato de que a performance de nossos grupos irá apresentar a
medida de nosso conhecimento na área. Assim sendo, pensemos na
amplitude de nossas responsabilidades e façamos de nossos ensaios
momentos que conduzam a uma verdadeira experiência estética; que
haja um deslumbramento em sua realização, permitindo um crescimento
pessoal artístico-cultural-musical que estimule o cantor nos primeiros
passos de uma caminhada musical de qualidade.
Estas são apenas algumas das reflexões levantadas pelos Painéis
FUNARTE de Regência Coral, quando de nossas “andanças” pelas
diferentes regiões do país. Que todos os regentes que deles já
participaram (ou que ainda irão participar) sintam-se tão provocados
quanto nós ao enfrentarmos o desafio de reger grupos corais, para que a
experiência do canto coletivo possa ser multiplicadora, satisfaça
condições psicológicas e sociais nos cantores e seja profunda em sua
tarefa de introduzir pessoas no universo da música.
Sugerimos a leitura do artigo “Que es lo que hace com que las
personas canten juntas? Perspectivas sócio-psicológicas y
transculturales sobre el fenômeno coral, escrito por Collin Durrant e
Evangelos Himonides, publicado no International Choral Bulletin,
abril,1999.
A afirmação “Meu coro nunca será capaz de cantar aquela peça”,
embora dita frequentemente, somente espelha o regente em si mesmo(
sua capacidade)”. (Tradução nossa).
Muitas perguntas, muitos caminhos, muitas
canções
Samuel Kerr
4 O repertório coral
6 (In)Expressividade musical
7 O ensaio coral
10 A plateia ideal