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Magistratura Federal
CURSO EXTENSIVO
Direito Civil
Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB)
MATERIAL DE APOIO
coordenadores:
A Lei de Introdução (Decreto-Lei 4.657/1942) não faz parte do Código Civil. Com a edição
da Lei nº 12.376/10, foi alterada a denominação da norma de “Lei de Introdução ao Código
Civil” (LICC) para “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (LINDB).
A aproximação da LINDB com o Código Civil é inegável, especialmente diante de seu caráter
histórico e de origem. Porém, é importante pontuar que o Código Civil regula os direitos e obrigações
de ordem privada, ao passo que a Lei de Introdução disciplina o âmbito de aplicação das normas
jurídicas em todas as suas formas de manifestação, aplicando-se, inclusive, às Emendas
Constitucionais, naquilo em que a Constituição Federal for omissa e houver compatibilidade.
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A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro é norma de sobredireito ou de apoio,
assim como é a LC 95, que trata do processo legislativo. Consiste num conjunto de normas cujo
objetivo é disciplinar as próprias normas jurídicas.
2. SÍNTESE DO CONTEÚDO
d) Critérios hermenêuticos;
3. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO
Lei é a norma jurídica escrita, emanada do Poder Legislativo, com caráter genérico e
obrigatório.
d) autorizante: porque a sua violação legitima o ofendido a pleitear indenização por perdas
e danos. Nesse aspecto, a lei se distingue das normas sociais.
a) cogentes ou injuntivas: são as leis de ordem pública, e, por isso, não podem ser
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modificadas pela vontade das partes ou do juiz. Essas leis são imperativas, quando ordenam um
certo comportamento; ou proibitivas, quando vedam um comportamento.
a) perfeitas: são as que preveem como sanção à sua violação a nulidade ou anulabilidade
do ato ou negócio jurídico;
b) mais que perfeitas: são as que preveem como repreensão à sua violação, além da
anulação ou anulabilidade, uma sanção ao agente violador;
c) menos que perfeitas: são as que estabelecem como sanção à sua violação uma
consequência diversa da nulidade ou anulabilidade;
d) imperfeitas: são aquelas cuja violação não acarreta qualquer consequência jurídica, de
modo que o ato não é nulo e o agente não é punido.
4. LEI DE EFEITO CONCRETO
2. Em se tratando de lei de efeitos concretos, uma vez que basta a vigência da lei instituidora
da base de cálculo do tributo para que haja a incidência da respectiva exação aos fatos
geradores ocorridos, ferindo direito subjetivo, é despicienda a produção de provas que
comprove a situação de risco da impetrante. Assim, plenamente cabível o mandado de
segurança impetrado com o objetivo de afastar a incidência do tributo em questão. 3
(REsp 1150865/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
23/11/2010, DJe 02/12/2010)
3. "Doutrina e jurisprudência entendem que, se a lei gera efeitos concretos, ferindo direito
subjetivo, é o mandado de segurança via adequada para impugná-la, o que afasta o enunciado
da Súmula 266⁄STF." (REsp 899.908⁄DF, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 16.12.2008)
(AgRg no REsp 1.031.053⁄PR, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJe de 5.8.2009)
1. Doutrina e jurisprudência entendem que, se a lei gera efeitos concretos quando é publicada, ferindo
direito subjetivo, é o mandado de segurança via adequada para impugná-la.
(RMS 24.608/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2008, DJe
21/11/2008)
Art. 1º - Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias
depois de oficialmente publicada.
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§ 1.º - Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três)
meses depois de oficialmente publicada.
Vê-se, portanto, que a LINDB adotou o sistema do prazo de vigência único ou sincrônico,
ou simultâneo, segundo o qual a lei entra em vigor de uma só vez em todo o país.
Essa sistemática nem sempre foi assim, tendo o Brasil já adotado o sistema de vigência
progressiva. O sistema de vigência sucessiva ou progressiva, pelo qual a lei entra em vigor aos
poucos, era adotado pelo Código Civil de 1916, com previsão em seu art. 2º. Com efeito, três dias
depois de publicada, a lei entrava em vigor no Distrito Federal, 15 dias depois no Rio de
Janeiro, 30 dias depois nos Estados marítimos e em Minas Gerais, e 100 dias depois nos
demais Estados.
É importante ressaltar que, muito embora adotemos o sistema de vigência única, nada
impede que a própria lei estabeleça o caráter progressivo de vigência, o que pode ser extraído
da parte inicial do art. 1º. Assim, o princípio da vigência sincrônica não é absoluto. De todo modo,
no silêncio, a lei entra em vigor simultaneamente em todo o território brasileiro.
Vacatio legis é o período que medeia a publicação da lei e a sua entrada em vigor. Tem a
finalidade de fazer com que os futuros destinatários da lei a conheçam e se preparem para bem
cumpri-la.
A Constituição Federal não exige que as leis observem o período de vacatio legis. Aliás,
normalmente, as leis entram em vigor na data da publicação.
a) Lei que cria ou aumenta contribuição social para a Seguridade Social. Só pode entrar
em vigor noventa dias após sua publicação (art. 195, § 6.º, da CF: As contribuições sociais de que
trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação
da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III,
"b").
b) Ressalvadas as exceções constitucionais, lei que cria ou aumenta tributo. Só pode entrar
em vigor noventa dias da data que haja sido publicada, conforme art. 150, III, c, da CF: Sem prejuízo
de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios: III - cobrar tributos: c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido 5
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b).
Além disso, há caso em que a vigência imediata da norma é imperativa, sem que se possa
falar em vacatio legis:
Lei que cria ou altera o processo eleitoral: de acordo com a Constituição Federal de 1988,
referida lei tem vigência imediata, na data da sua publicação, todavia, não se aplica à eleição que
ocorra até um ano da data de sua vigência (art. 16 da CF).
É importante salientar que a previsão de vigência da lei brasileira nos Estados estrangeiros
não é medida inócua e não viola a soberania. A previsão é voltada para embaixadas, consulados,
brasileiros residentes no estrangeiro e para todos os que fora do Brasil tenham, de alguma
forma, interesses regulados pela lei brasileira, especialmente contratos privados
internacionais que tenham seus efeitos estendidos ao território nacional ou qualquer de seus
termos submetidos à lei brasileira.
Conforme preceitua o § 2.º do art. 8.º da LC 95/1998, as leis que estabelecem período de
vacância deverão utilizar a cláusula “esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de 6
sua publicação oficial”. No silêncio, porém, o prazo de vacância é de 45 dias, de modo que continua
em vigor o art. 1º da LINDB.
Quanto à contagem do prazo de vacatio legis, dispõe o art. 8.º, § 1.º, da LC 95/98, que deve
ser incluído o dia da publicação e o último dia, devendo a lei entrar em vigor no dia seguinte.
Conta-se o prazo dia a dia, inclusive domingos e feriados, sem qualquer interrupção ou suspensão.
Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para
que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua
publicação" para as leis de pequena repercussão.
§ 1º A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-
á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente
à sua consumação integral.
§ 2º As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a cláusula ‘esta lei entra em vigor
após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial’.
Pode ocorrer de a lei ser publicada com incorreções e erros materiais. Nesse caso, se a lei
ainda não entrou em vigor, para corrigi-la, não é necessária nova lei, bastando a repetição da
publicação, sanando-se os erros, reabrindo‐se o prazo da vacatio legis em relação aos artigos
republicados.
Por outro lado, se a lei já entrou em vigor, a sua correção exige a edição de uma nova norma,
que é denominada de lei corretiva, aplicando-se, também em relação a ela, as disposições do art. 1º
da LINDB.
§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o
prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. 7
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não
revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido
a vigência.
A revogação expressa ou direta é aquela em que a lei indica os dispositivos que estão sendo
por ela revogados. A propósito, dispõe o art. 9º da LC 95/98, com redação dada pela LC 107/2001:
A revogação tácita ou indireta ocorre quando a nova lei é incompatível com a lei anterior,
contrariando-a de forma absoluta.
A revogação parcial é denominada de derrogação e ocorre quando uma lei nova torna
sem efeito apenas parte de uma lei anterior, como ocorreu com a primeira parte do Código Comercial,
revogada pelo Código Civil de 2002.
Deve-se lembrar que, em razão do modelo federativo adotado pelo Brasil, não há hierarquia
entre lei federal, lei estadual e lei municipal. Por essa razão, não há nenhuma possibilidade de um
ente federativo revogar lei editada por outro ente. Qualquer incompatibilidade normativa se
resolve com a declaração de inconstitucionalidade do ato normativo violador de competência
federativa ou no plano da eficácia, como, por exemplo, com a suspensão da norma estadual que
afronta orientação geral editada pela União no âmbito da competência federativa legislativa
concorrente (art. 24, §§ 1º a 4º da CF/88).
De acordo com a LINDB, a repristinação deve ser expressa, dada a dicção do artigo 2º, §
3º da LINDB:
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a
vigência.
Especifica o art. 3º da LINDB que o desconhecimento da norma não pode ser razão para se
furtar de seu cumprimento:
Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando não
a conhecer, o que traz, como consequência, de regra, a desnecessidade de prova em juízo da 9
norma aplicável ao caso concreto, uma vez que os juízes conhecem a lei nacional. É importante
lembrar que a imposição de conhecimento da lei não é absoluta, havendo hipóteses em que,
expressamente, o direito admite o erro de direito, como no caso de erro de proibição no Direito Penal.
Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito.
Já a integração prevê que o julgador possa se socorrer de outras ferramentas sempre que se
deparar com uma lacuna, ou seja, caso ele não possa julgar de acordo com a exata lei que se adeque
ao caso concreto.
Assim, pela aplicação das diversas fontes do Direito, quando a lei for omissa, o juiz pode
chegar ao pleno desfecho do caso concreto. No que se refere às fontes do Direito, pode-se apontar
a existência de fonte primária ou imediata, qual seja, a lei; e de fontes secundárias ou supletivas, que
são as utilizadas para suprir as lacunas, como a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito (disposição do art. 4º da LINDB), acrescidas da doutrina, jurisprudência e equidade.
Prevalece o entendimento no sentido de que a lacuna é unicamente da norma, mas não do
ordenamento jurídico, que sempre comportará solução para o conflito apresentado.
Os princípios gerais de Direito são aqueles preceitos que, compondo ou não conjunto de
leis escritas, norteiam de forma indissociável as relações de Direito. Exemplificativamente, temos o
princípio da dignidade humana, da boa-fé e da igualdade.
Por fim, apesar de não haver uniformidade quanto ao tema, podem ser destacadas como
critérios integrativos a jurisprudência, que é o conjunto de decisões reiteradas e uniformes sobre
um mesmo assunto, e a doutrina, constituída por obras intelectuais apresentadas pelos estudiosos
do Direito.
Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum.
De acordo com esse princípio, previsto no art. 5º, XXXVI da CF, a lei não pode retroagir para
violar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Devem ser respeitadas, portanto,
as relações jurídicas constituídas sob a égide da lei revogada.
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido
e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou.
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§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa
exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-
estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.
Direito Adquirido: é o que pode ser exercido desde logo, por já ter sido incorporado ao
patrimônio jurídico da pessoa. O §2º do art. 6º da LINDB considera também adquirido:
a) O direito sob termo. O art. 131 do CC também estabelece que o termo, fato futuro e
certo, suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.
Ato Jurídico Perfeito: é o já consumado de acordo com a lei vigente ao tempo em que se
efetuou. Exemplo: contrato celebrado antes da promulgação do Código Civil de 2002 não é regido
por este diploma legal, e sim pelo Código Civil anterior. A ressalva, contudo, diz respeito aos
contratos que surtirão efeitos na vigência do atual Código Civil, que poderão ser por ele
regulados. Essa mesma sistemática se aplica aos contratos de consumo, que, embora
firmados antes da entrada em vigor do CDC, serão por ele regidos, como, por exemplo, no
caso de renovação do seguro.
Coisa Julgada: é o efeito decorrente da decisão judicial resultando em sua imutabilidade,
circunstância alcançada quando a decisão judicial não está mais submetida a recurso. É a
imutabilidade da decisão.
Devemos lembrar que a Constituição Federal não impede a edição de leis retroativas;
veda apenas a retroatividade que atinja o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada.
Assim, a retroatividade não se presume, deve resultar de texto expresso em lei e desde
que não viole o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Como visto, a exceção fica
por conta da lei penal benéfica, cuja retroatividade é automática, vale dizer, independe de texto
expresso, desconstituindo inclusive a coisa julgada.
b) lei com cláusula expressa de retroatividade, desde que não viole o direito adquirido, o
ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
c) lei interpretativa: é a que esclarece o conteúdo de outra lei, tornando obrigatória uma
exegese, que já era plausível antes de sua edição. É a chamada interpretação autêntica ou
legislativa. A lei interpretativa não cria situação nova, ela simplesmente torna obrigatória uma
exegese que o juiz, antes mesmo de sua publicação, já podia adotar. Aludida lei retroage até a
data de entrada em vigor da lei interpretada, aplicando-se, inclusive, aos casos pendentes de
julgamento, respeitando apenas a coisa julgada.
Questão dilemática na doutrina diz respeito ao disposto no art. 2.035, parágrafo único, do
Código Civil:
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor
deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos,
produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido
prevista pelas partes determinada forma de execução.
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais
como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
A norma encontra-se inserida nas disposições finais e transitórias do Código Civil. Apesar da
divergência, há entendimento no sentido de que o parágrafo único do art. 2.035 do CC, ao prever a
retroatividade mínima das normas de ordem pública, tais como as que visam assegurar a função
social da propriedade e dos contratos, alinha-se à ordem constitucional. Assim, referido dispositivo
legal consagrou a retroatividade das normas de ordem pública, acolhendo o posicionamento
doutrinário de Serpa Lopes.
1. A aplicação da cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, a preservação do direito
adquirido e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI) impõe distinguir duas diferentes espécies de
situações jurídicas: (a) as situações jurídicas individuais, que são formadas por ato de vontade
(especialmente os contratos), cuja celebração, quando legítima, já lhes outorga a condição de ato
jurídico perfeito, inibindo, desde então, a incidência de modificações legislativas supervenientes; e (b)
as situações jurídicas institucionais ou estatutárias, que são formadas segundo normas gerais e
abstratas, de natureza cogente, em cujo âmbito os direitos somente podem ser considerados
adquiridos quando inteiramente formado o suporte fático previsto na lei como necessário à sua
incidência. Nessas situações, as normas supervenientes, embora não comportem aplicação retroativa,
podem ter aplicação imediata.
2. Segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as normas que tratam do regime
monetário - inclusive, portanto, as de correção monetária -, têm natureza institucional e estatutária,
insuscetíveis de disposição por ato de vontade, razão pela qual sua incidência é imediata, alcançando
as situações jurídicas em curso de formação ou de execução. É irrelevante, para esse efeito, que a
cláusula estatutária esteja reproduzida em ato negocial (contrato), eis que essa não é circunstância
juridicamente apta a modificar a sua natureza.
(RE 211304, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. TEORI ZAVASCKI,
Tribunal Pleno, julgado em 29/04/2015, DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015 EMENT
VOL-03992-02 PP-00339)
“Em relação às Leis, normalmente elas dispõem para o futuro, não alcançando os atos anteriores (ou
seus efeitos), que continuam sujeitos à lei antiga, do tempo em que foram praticados (tempus regit
actum).
Todavia, excepcionalmente, é possível uma lei nova retroagir para alcançar atos anteriores ou os
seus efeitos. Essa retroatividade excepcional varia de intensidade ou grau, podendo ser máxima,
média e mínima.
Ocorre a retroatividade máxima (também chamada restitutória) quando a lei nova retroage para
atingir os atos ou fatos já consumados (direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada).
A retroatividade média, por outro lado, se opera quando a nova lei, sem alcançar os atos ou
fatos anteriores, atinge os seus efeitos ainda não ocorridos (efeitos pendentes). É o que ocorre,
por exemplo, quando uma nova lei, que dispõe sobre a redução da taxa de juros, aplica-se às
prestações vencidas de um contrato, mas ainda não pagas.
Salvo as permissões constitucionais, as leis não retroagem, pois as impede desse efeito o
princípio constitucional da irretroatividade, segundo o qual “a lei não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Aplicam-se, assim, para o futuro, alcançando
apenas os novos atos e situações e seus novos efeitos.
O STF também entende que não há direito adquirido a Regime Jurídico de Servidor
Público.
1. aos proventos conforme lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, ainda
quando só requerida após a lei menos favorável;
2. à conversão de licença-prêmio não gozada em tempo de serviço (quando reunidos os
requisitos ao tempo da lei anterior permissiva);
I. Bem de família: impenhorabilidade legal (L. 8.009/90): aplicação à dívida constituída antes da
vigência da L. 8.009/90, sem ofensa de direito adquirido ou ato jurídico perfeito: precedente (RE
136.753, 13.02.97, Pertence, DJ 25.04.97). 1. A NORMA QUE TORNA IMPENHORÁVEL
DETERMINADO BEM DESCONSTITUI A PENHORA ANTERIORMENTE EFETIVADA, SEM
OFENSA DE ATO JURÍDICO PERFEITO OU DE DIREITO ADQUIRIDO DO CREDOR. 2. Se
desconstitui as penhoras efetivadas antes da sua vigência, com maior razão a lei que institui nova
hipótese de impenhorabilidade incide sobre a que se pretenda realizar sob a sua vigência,
independentemente da data do negócio subjacente ao crédito exequendo. II. Recurso extraordinário:
descabimento: a caracterização ou não do imóvel como bem de família é questão de fato, decidida
pelas instâncias de mérito à luz da prova, a cujo reexame não se presta o RE: incidência da Súmula
279. III. Alegações improcedentes de negativa de prestação jurisdicional e inexistência de motivação
do acórdão recorrido (STF, RE 497.850, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma,
julgado em 26/04/2007, DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007 PP-00084
EMENT VOL-02276-26 PP-05357 RJSP v. 55, n. 357, 2007, p. 141-143 RJSP v. 55, n. 355, 2007, p.
135-137 RJP v. 3, n. 16, 2007, p. 116-119 LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 284-287)
3. na perda dos dias remidos com base no art. 127 da LEP, em razão do cometimento
de falta grave (tal matéria foi assim tratada na Súmula Vinculante nº 9);
Por fim, em se tratando de coisa Julgada e Decisão do TCU, o STF entende que há
ofensa à coisa julgada na decisão do TCU que determina a exclusão de vantagem anteriormente
incorporada por decisão judicial:
a) caducidade: ocorre pela superveniência de uma situação cronológica ou factual que torna
a norma inaplicável, sem que ela precise ser revogada. Exemplo: leis de vigência temporária.
c) costume negativo ou contra legem: é o que contraria a lei. O costume não pode revogar
a lei, por força do princípio da continuidade das leis. Todavia, é inegável que ele pode gerar a
ineficácia da lei, especialmente quando não se trate de lei de ordem pública.
A nova interpretação deve ser a seguinte: quando o STF declara uma lei inconstitucional, mesmo em
sede de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e "erga omnes" e o STF apenas comunica
ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicidade daquilo que foi decidido.
(STF. Plenário. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 29/11/2017 (Info 886).
f) princípio da anterioridade da lei tributária, pois, uma vez publicada, sua eficácia
permanece suspensa até o exercício financeiro seguinte. Da mesma forma ocorre com a aplicação
da anterioridade nonagesimal.
g) a lei que altera o processo eleitoral entra em vigor na data de sua publicação, mas não
tem eficácia em relação à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.
No que se refere aos temas acima listados, a LINDB elegeu o domicílio como elemento
determinante de fixação do regramento:
Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da
personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 1º Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos
dirimentes e às formalidades da celebração.
§ 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro
domicílio conjugal.
§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes
domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5º O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu
cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a
adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta
adoção ao competente registro.
§ 7º Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos
filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8º Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou
naquele em que se encontre.
Já no que se refere aos bens, a LINDB acabou por eleger o local da situação como
elemento determinante para seu regramento:
Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em
que estiverem situados.
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§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele
trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
§ 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa
apenhada.
Já no que se refere às obrigações, a LINDB acabou por eleger o local de sua constituição
como elemento determinante para seu regramento:
Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.
§ 1º Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta
observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em
benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja
mais favorável a lei pessoal do de cujus.
Porém, como se observa pela redação do § 1º, em relação aos bens situados no Brasil, a
LINDB adotou a sistemática da regra mais favorável ao cônjuge ou filhos brasileiros, que poderá ser
a lei brasileira.
Art. 11. As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações,
obedecem à lei do Estado em que se constituírem.
§ 1º Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos
constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
§ 2º Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham
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constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis
ou susceptiveis de desapropriação.
§ 3º Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos
representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.
Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui
tiver de ser cumprida a obrigação.
§ 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no
Brasil.
Art. 13. A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao
ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira
desconheça.
Art. 14. Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da
vigência.
Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes
requisitos:
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar
em que foi proferida;
e) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. (OBS: a lei ainda traz a referência ao STF,
porém, houve revogação tácita pela EC 45/2004. Vide art.105, I, i da Constituição Federal)
Art. 16. Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á 21
em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não
terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes
celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de
nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado.
Neste tópico faremos um aprofundamento teórico do tema, com abordagem dos aspectos
técnicos pertinentes ao Direito Internacional Privado, destacando suas particularidades e tecnicismo
linguístico.
O direito aplicável a uma relação de direito privado com conexão internacional é sempre o
nacional ou um determinado direito estrangeiro. Em regra, as normas de Direito Internacional
Privado, como as previstas na LINDB, especialmente dos artigos que se seguem do 7º ao 19, apenas
indicam qual direito será aplicado (por isso, são chamadas normas indicativas). Elas não
concretizam, propriamente, qualquer direito.
Como visto, elas se limitam a indicar o direito aplicável. São a regra no que diz respeito às
22
normas de conexão internacional. Elas podem ser:
a) Unilaterais: declaram apenas uma única ordem jurídica como aplicável, em regra a
doméstica. É o caso do art. 7º da LINDB, em que há a indicação de um único ordenamento para
regular o objeto normativo nele previsto:
Art. 7º A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da
personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto
ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em
benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes
seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
2. Elemento de conexão objetivo: quando as partes não estão autorizadas por lei a escolher
o direito aplicável ou, estando, esta escolha não é feita.
Assim, para determinar o direito aplicável, primeiro deverá o juiz realizar a qualificação
para saber qual objeto de conexão trata a norma, que tema, que matéria é objeto de análise.
Determinado o objeto, na própria norma de referência, o magistrado avaliará o elemento de
conexão, o qual indicará o direito aplicável.
Art. 9º “Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem”.
Dessa forma, a lei determina que caberá ao direito inglês a regência das relações jurídicas
advindas do contrato em comento, de acordo com a lei de direito internacional privado brasileira,
visto que lá foi constituída a obrigação contratual.
10.3. QUALIFICAÇÃO
Como exemplo, pode-se citar o casamento. A definição de casamento brasileira pode ser
diferente da do Quirguistão. Como proceder, por exemplo, se o elemento de conexão da norma
determinar que a lei quirguistanense resolva a querela instalada sobre um casamento de brasileiros
que lá residam, se a lei de lá não reconhece como casamento o fruto do procedimento civilista aqui
adotado?
Em síntese, o que é casamento aqui não o é lá. Logo, apesar de a norma determinar que a
lei alienígena resolva o problema, a lei alienígena se recusará a tanto.
O estatuto pessoal da pessoa física determina o direito aplicável às suas relações pessoais
de direito privado com conexão internacional.
Atualmente, o elemento de conexão “domicílio” tem sido muito mais utilizado no Direito 25
Internacional Privado do que a nacionalidade, já que é cada vez mais comum a vida no estrangeiro.
Inclusive, é esse o elemento de conexão adotado pelo Brasil para reger o estatuto pessoal das
pessoas físicas, apesar de não haver uma definição legal interna de domicílio (o conceito é
doutrinário).
O elemento de conexão “domicílio” determina que será aplicada ao conflito de leis no espaço
a norma do domicílio de uma das partes.
À luz do Direito Internacional Privado, a pessoa só pode ter um domicílio, ainda que a lei
interna do país permita que tenha mais de um. Ele se encontra consagrado como elemento de
conexão:
Art. 7º A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da
personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
2 A "lex causae" é uma noção própria do direito internacional privado que corresponde à lei, como
designada pelas normas de conflitos de leis, que rege o fundo do processo, ou seja, a questão de direito
material relacionada ao pedido mediato. A "lex fori" é uma noção própria do direito internacional privado que
significa a lei do tribunal em que a ação é proposta. A "lex loci delicti" é uma noção própria do direito
internacional privado, que corresponde à lei do país em que, em matéria de obrigações extracontratuais, se
produz o fato danoso
[...]
§ 3º Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro
domicílio conjugal.
§ 4º O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes
domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal.
Art. 8º [...]
§ 1º Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele
trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
§ 2º O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver A PESSOA EM CUJA POSSE SE
ENCONTRE A COISA APENHADA.
Art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto
ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
[...]
Art. 12. É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui
tiver de ser cumprida a obrigação. 26
10.4.2. ESTATUTO PESSOAL: A NACIONALIDADE
Art. 7º [...]
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes
celebrar o casamento e os mais atos de registro civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento
e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascidos no país da sede do consulado.
Fora dos critérios vinculados ao estatuto pessoal, o elemento de conexão mais comum é o
da lex fori, pelo qual é aplicável a lei do lugar do foro, ou seja, a norma do lugar onde se
desenvolve a relação jurídica.
O critério também sempre se aplicará quando o direito estrangeiro não puder ser aplicado ou
não for verificável.
Outro elemento de conexão tradicional é o lex rei sitae, o qual determina ser aplicável
a lei do lugar de situação permanente onde situada a coisa, móvel ou imóvel, desde que
corpórea.
Art. 8º Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em
que estiverem situados.
27
Art. 12. [...]
§ 1º Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no
Brasil.
Também é exceção à lex rei sitae os bens móveis trazidos ao Brasil por alguém ou
destinados ao transporte para outros lugares, já que se aplica a lei do domicílio do
proprietário.
Elemento de conexão que determina a aplicação da norma do lugar em que o ato ilícito
foi cometido. É o critério que determina a lei reguladora das obrigações extracontratuais que
induzem à responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos.
Ela significa, no Direito Internacional Privado, que as partes podem escolher o direito
aplicável. O elemento de conexão aqui é a própria vontade manifestada pelas partes, vinculada a um
negócio jurídico de direito privado com conexão internacional (elemento de conexão subjetivo).
Entretanto, trata-se apenas de um princípio, não sendo uma regra de direito consuetudinário
internacional, já que é a lex fori de cada país que decidirá se será admitida ou não a autonomia da
vontade como elemento de conexão.
À MEDIDA QUE UM ESTADO ADMITE A AUTONOMIA DA VONTADE COMO ELEMENTO
DE CONEXÃO, SUAS REGRAS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO PASSAM A TER
CARÁTER SUBSIDIÁRIO, SOMENTE SE APLICANDO SE AS PARTES NÃO TIVEREM ELEGIDO
O DIREITO APLICÁVEL.
A autonomia da vontade também costuma ser limitada quando se trata de relações jurídicas
entre desiguais, como nos contratos de trabalho e nos contratos relativos às relações de consumo.
No Brasil, o elemento de conexão aplicável às obrigações está regido pelo art. 9º da LINDB
(local em que se constituírem), que é omisso quanto à admissão da autonomia da vontade como
elemento de conexão. A doutrina, por seu lado, está dividida e indecisa quanto à avaliação de
se o direito brasileiro admite ou não diante do texto da lei, a escolha do direito como elemento
de conexão.
3. O caso em julgamento traz à baila a controvertida situação do impacto da internet sobre o direito e
as relações jurídico-sociais, em um ambiente até o momento desprovido de regulamentação estatal. A
origem da internet, além de seu posterior desenvolvimento, ocorre em um ambiente com características
de autorregulação, pois os padrões e as regras do sistema não emanam, necessariamente, de órgãos
estatais, mas de entidades e usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente.
4. A questão principal relaciona-se à possibilidade de pessoa física, com domicílio no Brasil, invocar a
jurisdição brasileira, em caso envolvendo contrato de prestação de serviço contendo cláusula de foro
na Espanha. A autora, percebendo que sua imagem está sendo utilizada indevidamente por intermédio
de sítio eletrônico veiculado no exterior, mas acessível pela rede mundial de computadores, ajuíza
ação pleiteando ressarcimento por danos material e moral.
5. Os artigos 100, inciso IV, alíneas "b" e "c" c/c art. 12, incisos VII e VIII, ambos do CPC, devem
receber interpretação extensiva, pois quando a legislação menciona a perspectiva de citação de
pessoa jurídica estabelecida por meio de agência, filial ou sucursal, está se referindo à existência de
estabelecimento de pessoa jurídica estrangeira no Brasil, qualquer que seja o nome e a situação
jurídica desse estabelecimento.
6. Aplica-se a teoria da aparência para reconhecer a validade de citação via postal com "aviso de
recebimento-AR", efetivada no endereço do estabelecimento e recebida por pessoa que, ainda que
sem poderes expressos, assina o documento sem fazer qualquer objeção imediata. Precedentes.
7. O exercício da jurisdição, função estatal que busca composição de conflitos de interesse, deve
observar certos princípios, decorrentes da própria organização do Estado moderno, que se constituem
em elementos essenciais para a concretude do exercício jurisdicional, sendo que dentre eles avultam:
inevitabilidade, investidura, indelegabilidade, inércia, unicidade, inafastabilidade e aderência. No
tocante ao princípio da aderência, especificamente, este pressupõe que, para que a jurisdição seja
exercida, deve haver correlação com um território. Assim, para as lesões a direitos ocorridos no âmbito
do território brasileiro, em linha de princípio, a autoridade judiciária nacional detém competência para
processar e julgar o litígio.
8. O Art. 88 do CPC, mitigando o princípio da aderência, cuida das hipóteses de jurisdição concorrente
(cumulativa), sendo que a jurisdição do Poder Judiciário Brasileiro não exclui a de outro Estado,
competente a justiça brasileira apenas por razões de viabilidade e efetividade da prestação
jurisdicional, estas corroboradas pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, que imprime ao Estado
a obrigação de solucionar as lides que lhe são apresentadas, com vistas à consecução da paz social.
10. Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o
consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito
que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o
direito à imagem.
11. É reiterado o entendimento da preponderância da regra específica do art. 100, inciso V, alínea "a",
do CPC sobre as normas genéricas dos arts. 94 e 100, inciso IV, alínea "a" do CPC, permitindo que a
ação indenizatória por danos morais e materiais seja promovida no foro do local onde ocorreu o ato ou
fato, ainda que a ré seja pessoa jurídica, com sede em outro lugar, pois é na localidade em que reside
e trabalha a pessoa prejudicada que o evento negativo terá maior repercussão. Precedentes.
12. A cláusula de eleição de foro existente em contrato de prestação de serviços no exterior, portanto,
não afasta a jurisdição brasileira.
14. Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela internet, independentemente de
foro previsto no contrato de prestação de serviço, ainda que no exterior, é competente a
autoridade judiciária brasileira caso acionada para dirimir o conflito, pois aqui tem domicílio a
autora e é o local onde houve acesso ao sítio eletrônico onde a informação foi veiculada,
interpretando-se como ato praticado no Brasil, aplicando-se à hipótese o disposto no artigo 88,
III, do CPC.
(STJ, REsp 1168547/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
11/05/2010, DJe 07/02/2011)
Cada Estado possui normas próprias de direito internacional privado no seu ordenamento
jurídico. Igualmente, tratados internacionais vigoram dentro de um Estado apenas quando da sua
incorporação ao direito interno. A regra básica, portanto, é a de que o juiz aplique sempre as
normas de Direito Internacional Privado vigentes no lugar do foro, do país em que atua, ou
seja, a lex fori.
31
Essas normas são, em sua maioria, normas meramente indicativas ou indiretas, designando
apenas o direito aplicável a uma relação jurídica de direito privado com conexão internacional, mas
sem solucionar a questão materialmente.
O estatuto pessoal da pessoa jurídica determina a lei aplicável nas suas relações jurídicas
internacionais de direito privado, sendo denominado, pela doutrina, de lex societatis. Ele regula a
natureza jurídica da pessoa jurídica, sua constituição, dissolução e liquidação, seu nome comercial,
organização interna, responsabilidade civil pelos seus atos, responsabilidade jurídica por suas
dívidas, representação perante terceiros, emissão de títulos etc.
Há, basicamente, duas teorias sobre o estatuto das pessoas jurídicas: a da incorporação e a
da sede social.
Pela Teoria da Sede Social, é aplicável o direito do lugar da sede efetiva da pessoa
jurídica, onde se situa sua administração real. A sede estatutária, designada no ato constitutivo,
deve coincidir, obrigatoriamente, com a sede efetiva para que se reconheça a sua capacidade
jurídica.
O estatuto pessoal da pessoa jurídica está definido no art. 11, caput, da LINDB, da seguinte
forma: “As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e fundações, 32
obedecem à lei do Estado em que se constituírem”.
Por outro lado, o Direito brasileiro exige da pessoa jurídica estrangeira que queira se
estabelecer no país mediante uma sucursal, filial ou agência, autorização governamental específica
para poder funcionar.
Pessoa jurídica estrangeira é aquela que tem a sua sede social fora do território nacional.
Para poder ser acionista de sociedade anônima brasileira, a pessoa jurídica não precisa de
autorização governamental, ressalvados os casos expressos em lei.
Art. 17º “As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não
terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
Denega-se no Brasil efeito ao direito estrangeiro que choca concepções básicas do foro, que
estabelece normas absolutamente incompatíveis com os princípios essenciais da ordem jurídica do
foro, fundados nos conceitos de justiça, de moral, de religião, de economia e mesmo de política, que
ali orientam a respectiva legislação. É uma noção fluida, relativa, que se amolda a cada sistema
jurídico, em cada época, e fica entregue à jurisprudência em cada caso.
O conceito de ordem pública pode ser analisado sob duas perspectivas: a perspectiva da
ordem pública interna, referindo-se às normas e princípios que não podem ser afastados pela
vontade das partes e agindo como marco limitador à atividade individual de contratar; e sob a
perspectiva da ordem pública internacional, que está vinculada aos atos praticados no exterior que
têm repercussão em território nacional, e funciona como filtro de leis, sentenças e atos em geral,
impedindo sua eficácia quando proeminentes valores de justiça e moral são ameaçados.
Isso significa que as normas de ordem pública, tanto no direito interno como no direito
internacional, constituem os PRINCÍPIOS INDISPENSÁVEIS PARA ORGANIZAÇÃO DA VIDA
SOCIAL, CONFORME OS PRECEITOS DO DIREITO, consubstanciando um conjunto de regras e
princípios que tendem a garantir a singularidade das instituições de determinado país e a proteger 33
os sentimentos de justiça e moral de determinada sociedade.
A fraude à lei, porém, deve ser reconhecida tão somente quando o objetivo seja evitar a
aplicação de normas cogentes e imperativas no plano internacional. A principal consequência
da constatação da fraude é o não reconhecimento de qualquer efeito jurídico pelo Direito interno,
além de, muitas vezes, a declaração de nulidade, como determina nosso Código Civil (nulidade
absoluta).
Nesse caso, haverá o chamado reenvio de primeiro grau, já que nenhum dos ordenamentos
estabelece qual o direito material a ser aplicado, determinando apenas que sejam observadas as
normas de Direito Internacional Privado do outro para se chegar à solução.
Assim, o reenvio pode ser dar em vários graus, na medida em que envolvam dois ou
mais ordenamentos, ante suas normas de Direito Internacional Privado que determinam a
aplicação do ordenamento alienígena.
No Brasil, esses casos são resolvidos pela aplicação do previsto no art. 16 da LINDB.
Segundo ele, se a norma do país do direito aplicável determinar a remessa da questão a qualquer
outro ordenamento, deverá ser desconsiderado esse reenvio, aplicando-se a norma substantiva de
tal país e desconsiderando-se as remissões lá previstas.
Art. 16, LINDB. “Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira,
ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei”.
A questão prévia impede o juiz de apreciar a questão jurídica principal sem ter se pronunciado
anteriormente a seu respeito, que, pela lógica, a precede (prejudicial).
O que deve o juiz fazer quando a questão prejudicada está sujeita ao direito material
estrangeiro, mas a prejudicial não? Por exemplo, como fazer para aplicar o Direito das sucessões
vigente na Alemanha, onde residia e morreu o de cujus, se seu suposto filho, que se habilitou no
inventário aberto no Brasil, mora nos EUA? Se não houver regra determinando o direito aplicável a
esta, o juiz deve ponderar os interesses concorrentes, havendo tendência de aplicar o mesmo direito
da questão principal.
Exemplo: sujeito domiciliado na Inglaterra traz para o Brasil caríssimo equipamento óptico
para subsidiar pesquisas científicas. Pela LINDB, rege os bens móveis que trouxer do exterior a lei
do domicílio do proprietário, logo, a da Inglaterra. Ocorre que, antes de viajar, o proprietário celebrou
contrato de locação do bem com um marroquino, na Espanha, sendo que uma lei inglesa
expressamente proibia que a locação recaísse sobre esse bem específico.
O marroquino vem ao Brasil e ajuíza ação cautelar de busca e apreensão, pedindo, na ação
principal, que a coisa lhe seja entregue. O inglês contesta, alegando a nulidade do contrato de
locação perante o Direito inglês.
São institutos necessários quando, para a aplicação de um direito material estrangeiro, por
determinação do Direito Internacional Privado da lex fori, o juiz se depara com acumulação de
normas, falta de normas e instituições jurídicas desconhecidas.
A falta de normas dá causa ao uso da adaptação, que provavelmente ocorre com maior
frequência na prática do Direito Internacional Privado. Verifica-se a falta de normas quando o direito
material indicado pela lex fori é lacunoso, não apresenta as normas necessárias para o deslinde da
lide. Por exemplo, mulher iraniana e domiciliada no Irã, que se encontra no Brasil e possui ação
judicial que questiona sua capacidade jurídica. Deve ser aplicada, no caso, a lei do Irã para 36
determinação da capacidade, mas, naquele país nada há sobre o assunto.
Alteração de estatuto, em sentido amplo, significa toda alteração do direito aplicável a uma
relação jurídica de direito privado com conexão internacional.
Já em sentido estrito, o termo expressa que se alteram os fatos por meio dos quais se
determina o elemento de conexão no caso concreto e, por esse motivo, não se considera mais
decisivo o estatuto antigo, mas um novo. Como exemplo, teríamos o caso de quando o elemento
de conexão de determinada relação é o domicílio da pessoa. Se esta se mudar para outro país,
haverá modificação do direito aplicável não por alteração do próprio direito, mas dos fatos.
No Brasil, é mais adequado e corrente utilizar o termo conflito móvel para designar essas
situações.
Conforme destacado no início deste material, A LINDB (antiga LICC) é uma “norma de
sobredireito”. Isso quer dizer que ela é uma norma que tem por finalidade regulamentar outras
normas. Em razão disso, dizem que ela é uma “lei sobre lei” (lex legum), tal qual a LC 95/98, que
dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.
A interpretação dos arts. 20 a 30, portanto, deve ser a de que eles se aplicam para temas de
Direito Público, mais especificamente para matérias de Direito Administrativo, Financeiro,
Orçamentário e Tributário.
A Lei nº 13.655/2018 acrescenta à LINDB o art. 20, cujo caput possui a seguinte redação:
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores
jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
O dispositivo proíbe:
“motivações decisórias vazias, apenas retóricas ou principiológicas, sem análise prévia de fatos e de
impactos. Obriga o julgador a avaliar, na motivação, a partir de elementos idôneos coligidos no
processo administrativo, judicial ou de controle, as consequências práticas de sua decisão.”
“Quem decide não pode ser voluntarista, usar meras intuições, improvisar ou se limitar a invocar
fórmulas gerais como 'interesse público', 'princípio da moralidade' e outras. É preciso, com base em
dados trazidos ao processo decisório, analisar problemas, opções e consequências reais. Afinal, as
decisões estatais de qualquer seara produzem efeitos práticos no mundo e não apenas no plano das
ideias.”
Esfera administrativa
Aqui a Lei está se referindo precipuamente aos Tribunais de Contas, que são órgãos de
controle externo.
Esfera judicial
Esse dispositivo proíbe que se decida com base em valores jurídicos abstratos?
NÃO. No entanto, todas as vezes em que se decidir com base em valores jurídicos abstratos,
deverá ser feita uma análise prévia de quais serão as consequências práticas dessa decisão.
Em outras palavras, a análise das consequências práticas da decisão passa a fazer parte das
razões de decidir.
Resumindo:
• Não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as
consequências práticas da decisão.
• Isso vale para decisões proferidas nas esferas administrativas (ex: em um PAD),
controladora (ex.: julgamento das contas de um administrador público pelo TCE) e judicial (ex: em
uma ação civil pública pedindo melhores condições do sistema carcerário).
Esses valores jurídicos abstratos são normalmente classificados como princípios. Isso porque
os princípios são normas que possuem um grau de abstração maior que as regras.
Com base na força normativa dos princípios constitucionais, o Poder Judiciário, nos últimos
anos, condenou o Poder Público a implementar uma série de medidas destinadas a assegurar
direitos que estavam sendo desrespeitados. Vamos relembrar alguns exemplos:
• Município condenado a fornecer vaga em creche a criança de até 5 anos de idade (STF. RE
956475, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 12/05/2016).
É como se o legislador introduzisse uma condicionante para a força normativa dos princípios:
eles somente podem ser utilizados para fundamentar uma decisão se o julgador considerar “as
consequências práticas da decisão”.
Trata-se, portanto, de uma reação retrógrada à força normativa dos princípios constitucionais.
“De acordo com a Análise Econômica do Direito (AED), a economia, especialmente a microeconomia,
deve ser utilizada para resolver problemas legais, e, por outro lado, o Direito acaba por influenciar a
Economia. Por esta razão, as normas jurídicas serão eficientes na medida em que forem formuladas e
aplicadas levando em consideração as respectivas consequências econômicas.” (OLIVEIRA, Rafael
Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 31).
Ex: em tese, pela aplicação do art. 20 da LINDB, o juiz poderia deixar de condenar o Estado
a fornecer a um doente grave determinado tratamento médico de custo muito elevado sob o
argumento de que os recursos alocados para fazer frente a essa despesa fariam falta para custear
o tratamento de centenas de outras pessoas (“consequências práticas da decisão”).
Previsão contraditória
Vale ressaltar que o art. 20 da LINDB revela uma enorme contradição. Isso porque ele
defende que o julgador não deve decidir com base em “valores jurídicos abstratos” sem que sejam
consideradas as consequências práticas da decisão. Ocorre que a própria Lei nº 13.655/2018
introduz na LINDB uma série de expressões jurídicas abstratas, como por exemplo: “segurança
jurídica de interesse geral”, “interesses gerais da época”, regularização “de modo proporcional e
equânime”, “obstáculos e dificuldades reais do gestor”, “orientação nova sobre norma de conteúdo
indeterminado” etc.
Veja o que diz o parágrafo único do art. 20 acrescentado pela Lei nº 13.655/2018:
Motivação
Isso significa que o administrador, conselheiro ou magistrado, ao tomar uma decisão, deverá
indicar os motivos de fato e de direito que o levaram a agir daquela maneira.
... explicando, inclusive, as razões pelas quais não são cabíveis outras possíveis alternativas.
Ex.: em uma licitação na qual se descobre que houve fraude, o administrador que decidir pela
anulação do ato deverá demonstrar que essa medida é necessária e adequada para resguardar a
moralidade administrativa e que não é possível que seja feita a convalidação (possível alternativa),
considerando que houve superfaturamento e, portanto, prejuízo ao erário, por exemplo.
Necessidade e adequação
A Lei nº 13.655/2018 demonstrou uma preocupação muito grande com decisões que
acarretem invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa. Por isso, inseriu
na LINDB dois dispositivos para tratar sobre o tema: o parágrafo único do art. 20 e o art. 21.
O art. 20, parágrafo único, vimos acima. Confira agora o caput do art. 21:
Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de 43
ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas
consequências jurídicas e administrativas.
O art. 21:
“exige o exercício responsável da função judicante do agente estatal. Invalidar atos, contratos,
processos configura atividade altamente relevante, que importa em consequências imediatas a bens e
direitos alheios. Decisões irresponsáveis que desconsiderem situações juridicamente constituídas e
possíveis consequências aos envolvidos são incompatíveis com o Direito. É justamente por isso que o
projeto busca garantir que o julgador (nas esferas administrativa, controladora e judicial), ao invalidar
atos, contratos, processos e demais instrumentos, indique, de modo expresso, as consequências
jurídicas e administrativas decorrentes de sua decisão.”
(https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf)
Exigências de motivação
Vale ressaltar que tais exigências são aplicáveis para as esferas administrativa, controladora
e judicial.
Regularização
A invalidação de um ato, contrato, ajuste, processo ou norma pode acarretar graves prejuízos
para a parte envolvida, para a própria Administração e para terceiros. Pensando nisso, o parágrafo
único do art. 21 trata sobre o tema, assim como sobre a possiblidade de regularização da situação:
Art. 21 (...)
Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as
condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos
interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das
peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos.
Primado da realidade
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as
dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos
dos administrados.
§ 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma
administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou
condicionado a ação do agente.
Uma das principais teses de defesa dos administradores públicos nos processos que tramitam
nos Tribunais de Contas ou nas ações de improbidade administrativa é a de que não cumpriram
determinada regra por conta das dificuldades práticas vivenciadas, em especial quando se trata de
Municípios do interior do Estado. Alega-se, por exemplo, que não se apresentou a prestação de
contas porque a internet no interior é ruim. Argumenta-se também que não se apresentou o balanço
contábil porque no Município não há contadores e assim por diante.
Em geral, tais argumentos não são acolhidos porque os Tribunais de Contas e o Poder
Judiciário entendem que essas dificuldades são previamente conhecidas e que os administradores
públicos já deveriam se preparar para elas.
Assim, o objetivo do dispositivo foi o de tentar “abrandar” essa jurisprudência pugnando que
o órgão julgador considere não apenas a literalidade das regras que o administrador tenha
eventualmente violado, mas também as dificuldades práticas que ele enfrentou e que possam
justificar esse descumprimento.
O grupo de juristas que auxiliou na elaboração do anteprojeto assim justificou a nova previsão
legal:
“(...) a norma em questão reconhece que os diversos órgãos de cada ente da Federação possuem
realidades próprias que não podem ser ignoradas. A realidade de gestor da União evidentemente é
distinta da realidade de gestor em um pequeno e remoto município. A gestão pública envolve
especificidades que têm de ser consideradas pelo julgador para a produção de decisões justas,
corretas.
As condicionantes envolvem considerar (i) os obstáculos e a realidade fática do gestor, (ii) as políticas
públicas acaso existentes e (iii) o direito dos administrados envolvidos. Seria pouco razoável admitir
que as normas pudessem ser ignoradas ou lidas em descompasso com o contexto fático em que a
gestão pública a ela submetida se insere.” (https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem- 45
criticas.pdf)
“Os elaboradores do texto normativo chamam essa exigência de primado da realidade. Todavia, podem
existir vários olhares sobre essa previsão, por exemplo: (a) desnecessária, pois já deveria estar
pressuposta na interpretação jurídica feita na área da gestão, que não pode se estabelecer sem que
se considere a realidade; (b) ineficaz, porque podem existir interpretações variáveis e que não deixam
de ser especulativas, abstratas, portanto, sobre quais seriam os obstáculos e dificuldades; e, por fim,
(c) perigosa: se for utilizada como uma brecha capciosa para se alegar que, por exemplo, como a
realidade não nos permitiu cumprir adequadamente as exigências legais, então, podemos nos eximir
de garantir direitos…
(...)
Aqui é interessante que essa determinação normativa não seja utilizada, portanto, como um pretexto
para o argumento no sentido de que a realidade vence o direito… ou seja, que se as circunstâncias de
cumprimento da lei forem muito penosas, vamos questionar tal requisito, ou pior, negociar o seu
cumprimento por um regime de transição, conforme será visto na sequência…
Uma alegação dos elaboradores do projeto foi no sentido da necessidade de se estreitar o contato dos
órgãos fiscalizadores com os órgãos fiscalizados… Mas isso já era uma tendência dos Tribunais de
Contas, no sentido de intensificar um monitoramento preventivo e concomitante, baseado na
orientação também, ou seja, de uma fiscalização não apenas punitiva, mas também ponderada em
função das dificuldades práticas existentes.” (Disponível em: < http://direitoadm.com.br/proposta-de-
alteracao-da-lindb-projeto-349-2015/).
Critérios para aplicação de sanções
c) Agravantes;
d) Atenuantes;
e) Antecedentes.
Art. 22, § 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais
sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
46
11.1.7. MUDANÇA DE INTERPRETAÇÃO OU ORIENTAÇÃO E MODULAÇÃO DOS EFEITOS
DA DECISÃO
Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação
nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de
direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou
condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo
aos interesses gerais.
Mudanças de interpretação não podem lançar situações anteriores em regime de incerteza. Orientar a
transição é dever básico de quem cria nova regulação a respeito de qualquer assunto.”
(https://www.conjur.com.br/dl/parecer-juristas-rebatem-criticas.pdf)
b) Essa interpretação nova deve recair sobre uma norma de conteúdo indeterminado;
c) Por conta dessa interpretação, será imposto novo dever ou novo condicionamento de
direito;
d) O regime de transição mostra-se, no caso concreto, indispensável para que o novo dever
ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente; 47
e) A imposição desse regime de transição não pode acarretar prejuízo aos interesses gerais.
Cabe ao órgão julgador a análise dos preenchimentos dos requisitos acima, sendo passível
de recurso caso o interessado entenda que deveria ter direito ao regime de transição.
Dispositivo do CPC
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato,
contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em
conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de
orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Algumas vezes demoram anos para que a Administração Pública (controle interno), o Tribunal
de Contas ou o Poder Judiciário examine a validade de um ato ou contrato administrativo (em sentido
amplo) que já tenha se completado. Nesse período, pode acontecer de o entendimento vigente ter
se alterado. Caso isso aconteça, o ato deverá ser analisado conforme as orientações gerais da época
e as situações por elas regidas deverão ser declaradas válidas, mesmo que apresentem vícios.
De outro lado, o Ministério Público Federal, em Nota Técnica, afirma que se trata de previsão
perigosa porque amplia muito a possibilidade de “convalidação” dos atos viciados, não fazendo
qualquer ressalva quanto a ilegalidades graves:
“O dispositivo, a rigor, traz mais justificativas abertas para eventual convalidação de ato ou de contrato
inexistentes ou nulos. De fato, os atos anuláveis, convalidados, seriam até aceitáveis. O dispositivo, no
entanto, abre espaço para que, considerando a passagem do tempo, a estabilidade das relações, a
“orientação geral” que não foi à época contestada, o ato inexistente ou o ato nulo se tornem válidos.
Assim, esses atos não seriam mais considerados inexistentes ou nulos com efeitos ex tunc. Esse tipo
de conduta/previsão, no entanto, fere os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência. Importante relembrar que a validação do ato administrativo
depende da verificação contrastada entre ele e a ordem jurídica, sendo que descompasso constatado
deve possibilitar a reposição ao estado de legalidade.” (https://www.conjur.com.br/dl/nota-tecnica-pgr-
lindb.pdf)
Para que esse compromisso seja realizado, é indispensável a prévia manifestação do órgão
jurídico (ex.: AGU, PGE, PGM). Em alguns casos de maior repercussão, é necessária também a
realização de audiência pública.
Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito
público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do
órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de
relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação
aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.
49
Requisitos do termo de compromisso:
I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;
II – (VETADO);
III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos
por orientação geral;
IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções
aplicáveis em caso de descumprimento.
§ 2º (VETADO).
Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor
compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou
da conduta dos envolvidos.
§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu
cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os
envolvidos.
“O dispositivo em questão visa evitar que partes, públicas ou privadas, em processo na esfera
administrativa, controladora ou judicial aufiram benefícios indevidos ou sofram prejuízos anormais ou
injustos resultantes do próprio processo ou da conduta de qualquer dos envolvidos. O art. 27 tomou o
cuidado de exigir que a decisão que impõe compensação seja motivada e precedida da oitiva das
partes. Há, também nesse caso, a possibilidade de celebração de compromisso processual entre os
envolvidos.” (http://antonioanastasia.com.br/documentos/)
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso
de dolo ou erro grosseiro.
“o art. 28 quer dar a segurança necessária para que o agente público possa desempenhar suas
funções. Por isso afirma que ele só responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões em caso
de dolo ou erro grosseiro (o que inclui situações de negligência grave, imprudência grave ou imperícia
grave) (...)” (http://antonioanastasia.com.br/documentos/).
50
Apesar disso, parece que o art. 28 da LINDB vai de encontro ao art. 37, § 6º da CF/88, senão
vejamos.
Se um servidor público, no exercício de suas funções, pratica ato ilícito que causa
prejuízo a alguém. Ele poderá ser responsabilizado?
• regressiva (primeiro o Estado terá que ser condenado a indenizar a vítima e, em seguida, o
Poder Público cobra do servidor a quantia paga).
Art. 37 (...)
1º) Para que o agente público responda, o art. 28 exige que ele tenha agido com dolo ou erro
grosseiro. Ocorre que a CF/88 se contenta com dolo ou culpa.
O erro grosseiro é sinônimo de culpa grave. Assim, é como se o art. 28 dissesse: o agente
público somente responde em caso de dolo ou culpa grave. Há ainda uma observação: alguns
autores afirmam que a culpa grave é equiparada ao dolo.
2º) O art. 37, § 6º da CF/88 exige que a responsabilidade civil do agente público ocorra de
forma regressiva. O art. 28, por seu turno, não é explícito nesse sentido, devendo, no entanto, ser
interpretada a responsabilidade ali prevista como sendo regressiva por força da Constituição e
daquilo que a jurisprudência denomina de teoria da dupla garantia:
A vítima somente poderá ajuizar a ação contra o Estado (Poder Público). Se este for condenado,
poderá acionar o servidor que causou o dano em caso de dolo ou culpa. O ofendido não poderá propor
a demanda diretamente contra o agente público. Essa posição foi denominada de tese da dupla
garantia. 51
STF. 1ª Turma. RE 327904, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 15/08/2006.
STF. 1ª Turma. RE 593525 AgR-segundo, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 09/08/2016.
NÃO. Apesar de a expressão “agente público” ser ampla, não parece que o objetivo do
legislador tenha sido o de alcançar os juízes.
Art. 143, CPC. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:
Esse mesmo texto era repetido pelo art. 133, I, do CPC/1973 e pelo art. 121, I, do CPC/1939.
A razão para isso é simples. Uma disposição legal que estipule responsabilidade do juiz por
erro grosseiro (culpa) seria inconstitucional por tolher, de forma desproporcional, a independência
judicial, afrontando a separação dos Poderes (art. 60, § 4º, III, da CF/88).
A decisão judicial é naturalmente passível de recurso. Aliás, o que não faltam são recursos.
Toda decisão judicial que fosse reformada em instância superior poderia, em tese, ser considerada
como errada. A classificação desse erro como “grosseiro” é exageradamente subjetiva. Em última
análise, todo magistrado que tivesse uma decisão reformada poderia responder a um processo de
indenização no qual seria discutido se o seu erro foi ou não grosseiro. O resultado seria uma enorme
insegurança para o exercício da função típica dos juízes.
Dessa forma, seja por força da previsão específica, seja por conta do princípio da separação
dos poderes, penso que os magistrados, na sua função típica, continuam regidos pelo art. 143, I, do
CPC e art. 49, I, da LOMAN. Contudo, caso o magistrado esteja agindo na sua função atípica de
administrar, ou seja, enquanto gestor público, mostra-se possível a aplicação do art. 28 da LINDB. É 52
o caso, por exemplo, do Presidente de um Tribunal que conduz uma licitação.
Art. 181. O membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando agir com
dolo ou fraude no exercício de suas funções.
Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com
dolo ou fraude no exercício de suas funções
Art. 187. O membro da Defensoria Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com
dolo ou fraude no exercício de suas funções.
Responsabilidade do parecerista
Ressalte-se que existe um precedente do STF, anterior ao CPC/2015, reconhecendo a
responsabilidade de advogado público pela emissão de parecer de natureza opinativa, desde que
configurada a existência de culpa ou erro grosseiro:
(...) 3. Esta Suprema Corte firmou o entendimento de que “salvo demonstração de culpa ou erro
grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a
responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente
opinativa” (MS 24.631/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º/2/08). (...)
STF. 1ª Turma. MS 27867 AgR/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 18/9/2012 (Info 680).
Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo
os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de
interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.
§ 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta
pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver.
§ 2º (VETADO).
Mais uma vez recorrendo aos melhores esclarecimentos sobre o tema:
“O art. 29, ao prever a consulta pública prévia à edição de atos normativos por autoridade
administrativa, procura trazer transparência e previsibilidade à atividade normativa do Executivo. Trata-
se de medida consentânea com as melhores práticas.” (http://antonioanastasia.com.br/documentos/).
Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das
normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação
ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.
11.1.14. VIGÊNCIA
A Lei nº 13.655/2018 entrou em vigor na data de sua publicação (26/04/2018), com exceção
do art. 29 da LINDB, que possui vacatio legis de 180 dias (artigo 2º da lei 13655/2018).
No mês de abril do ano de 2.018 foi aprovada a Lei federal 13.655/2018, de autoria do
Senador mineiro Antônio Anastasia (PSDB-MG), que acrescentou artigos (20 a 30) à Lei de
introdução às normas de direito brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42), a fim de disciplinar e dispor sobre
a segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. A partir desta nova
legislação, não há dúvida de que haverá alteração de paradigmas na criação e na aplicação do direito
público. A nova legislação vem acompanhada de profundas controvérsias e dúvidas, em especial
porque nasceu sem que houvesse debate mais qualificado com a sociedade civil e instituições que
dependem do direito público.
O PL 7448, que resultou na lei em referência, foi aprovado pelo Congresso Nacional no
mesmo dia em que o STF julgava o HC do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Tal lei traz regras
obscuras que restringe de forma clara e inequívoca a atuação do Judiciário e dos órgãos de controle
na aplicação do direito público. A lei, com redação truncada, palavras rebuscadas, termos
extremamente técnicos e com ares de casuísmos, certamente será alvo de críticas, porque interferirá
na responsabilização de gestores públicos e na efetividade e concretização da lei de improbidade
administrativa. A pretendida segurança jurídica e a propugnada eficiência poderão mascarar o seu
verdadeiro objetivo: criar obstáculo para responsabilidades de gestores públicos.
É verdade que a referida legislação não tem relação direta com o direito privado, mas, como
a Lei de introdução às normas de direito brasileiro possui regras de vigência, eficácia e aplicação de
leis que também interessam ao direito civil, é comum que seja tratada em livros desta matéria. O foco
da legislação é o direito público, âmbito de atuação dos agentes políticos, em especial aqueles que
se beneficiarão dos efeitos da lei. Em momento tão complexo da sociedade brasileira, onde se busca
a transparência de atos de gestores públicos e se impõe a responsabilidade de agentes públicos que
não tem compromisso com a ética e a moralidade administrativa, a lei deveria ter sido precedida de
amplo debate e não ter sido aprovada na sombra do HC do ex-Presidente da República, que
monopolizou a atenção da mídia impressa e falada.
O parágrafo único deste mesmo artigo dispõe que a motivação dos órgãos de controle ou do
judiciário deverá demonstrar a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidade do
ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive se houver alternativas menos
danosas. A restrição à atuação dos órgãos de controle e do judiciário é escandalosa. Além de
observar as consequências práticas de decisões baseadas em valores jurídicos abstratos, os
princípios que orientam a administração pública, a decisão de qualquer órgão de controle ou do
judiciário, que vise aplicação de medida ou invalidação de atos, contratos, ajustes ou normas
administrativas, deverá estar pautada no binômio necessidade/adequação e ainda considerar
alternativas. Quais seriam estas alternativas? A aplicação de medidas menos gravosas? A
manutenção de atos viciados? A não responsabilidade do mau gestor?
A pretexto de segurança jurídica e eficiência, retóricas vazias da lei, será dado um salvo
conduto para administradores e gestores públicos, com restrições para a responsabilização dos
mesmos, com amarras para o controle destes atos pelos Tribunais de Contas e órgãos judiciais?
Não se compreende a atuação do Poder Legislativo.
Se houver a possibilidade de aplicar sanções ao gestor, a lei dispõe que serão consideradas
a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração
pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. As sanções
aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza
e relativas ao mesmo fato.
Será que o tratamento desta matéria no âmbito da Lei de introdução às normas de direito
brasileiro é adequado? Será que a lei teria chamado a atenção da mídia e da sociedade se tivesse
sido disciplinada como lei autônoma e não de forma escamoteada, por trás da terminologia pura da
LINDB? 57
Na sequência da inovação legislativa, de acordo com o artigo 23 da LINDB, a decisão
administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre
norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá
prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de
direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses
gerais. Houve veto ao malsinado parágrafo único deste dispositivo.
Segundo esta norma, a fim de evitar surpresas aos agentes públicos em caso de interpretação
ou nova orientação sobre norma de conteúdo indeterminado, capaz de impor novos deveres ou
condições a direitos, é essencial, para fins de segurança jurídica e eficiência, um regime de transição.
No dispositivo vetado, o regime de transição poderia ser objeto de negociação, inclusive com
celebração de compromisso. O problema é a ausência de parâmetros para essa denominada
interpretação ou nova orientação. Não há nenhum indicativo na lei da origem desta interpretação e
desta nova orientação, seus limites, sentido e alcance.
De acordo com o artigo 26, “para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação
contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade
administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta
pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, 58
observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.”. O
compromisso buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os
interesses gerais. Não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de
direito reconhecidos por orientação geral. Deverá prever com clareza as obrigações das partes, o
prazo para cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
Houve veto ao inciso II do § 1º deste artigo, pois, na lógica dos vetos anteriores, se pretendeu
proibir que o compromisso envolvesse acordo quanto a sanções e créditos do passado (como uma
“delação premiada do bem”) e foi vedado qualquer acordo sobre um regime de transição em caso
interpretações capazes de gerar insegurança jurídica e novas orientações.
O artigo 27, introduzido pela nova legislação, dispõe que a decisão do processo, na esfera
administrativa, por meio de órgãos de controle ou judicial, poderá impor compensação por benefícios
indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos.
Tal dispositivo é confuso e deixa margem a dúvidas. Na prática, tal compensação será quase
impossível, pois pressuporá irregularidades ou malfeitos que nunca serão admitidos pelos gestores
públicos. Ademais, não há qualquer critério sobre como seria a mencionada compensação, seus
limites e extensão. Não há nada sobre o conteúdo da compensação e a relação desta compensação
com eventuais responsabilidades dos gestores. O § 1º do dispositivo, na tentativa de apresentar
algum parâmetro, dispõe que a decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente
as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor. A necessidade de motivação é
uma obviedade. A oitiva dos envolvidos apenas atende preceitos constitucionais fundamentais, como
o contraditório necessário. O problema é justamente a forma, o modelo e os limites desta
compensação. O risco será o casuísmo, para que a compensação seja o pretexto para se excluir
responsabilidades de maus gestores. O § 2º deste artigo admite que é possível prevenir ou regular
a compensação por meio de compromisso processual celebrado entre os envolvidos.
O artigo 28 retrata o óbvio no que tange à responsabilidade do agente público por decisões
ou opiniões técnicas no caso de dolo ou erro grosseiro. Todavia, há uma armadilha não perceptível
à primeira vista. Em caso de dolo ou erro grosseiro do agente público em qualquer decisão ou quando
expressar opinião técnica, a responsabilidade é pessoal. Ou seja, nestas duas situações, aquele que
tiver interesse ou direito lesado não poderá acionar a pessoa jurídica a qual o referido agente está 59
vinculado. A pessoa jurídica que integra a administração direta ou indireta não mais responderá por
atos dolosos ou erros grosseiros do agente público, fato que, a pretexto de segurança jurídica, retira
eficiente proteção de lesados por tais decisões e opiniões.
Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo
os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de
interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. A princípio,
tal consulta pública denota transparência, mas poderá servir para ratificar ilegalidades, em especial
porque a população não tem a cultura de se manifestar sobre edição de atos normativos e, muitas
vezes, o mero fato de se submeter um ato a consulta pública servirá de pretexto para legitimar o ato,
sem que de fato haja manifestação em massa da coletividade.
Neste caso, a convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais
condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se
houver.
O artigo 30 finaliza esse ornitorrinco legal com uma norma retórica. De acordo com este
dispositivo, as autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação
das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.
Tais instrumentos terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até
ulterior revisão.
A lei entrará em vigor na data de sua publicação, salvo o art. 29, que entrará em vigor após
decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial. (artigo 2º da Lei 13655/18)
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