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Resumo: A crítica de arte brasileira ganhou grande importância a nível mundial entre os anos de 1950
e 1970 devido a fatores como a instituição da Bienal de São Paulo, o advento dos movimentos concreto
e neoconcreto e a construção de Brasília. O presente trabalho busca entender os caminhos que a crítica
tomou a partir desse momento a partir da comparação entre dois críticos com concepções diferentes
sobre arte contemporânea: Frederico Morais, que elabora estratégias que vão além do texto para
exercer a crítica, como o uso do mesmo código das obras; e Ferreira Gullar, que desconfia da
capacidade de comunicação da arte contemporânea e encontra dificuldades para escrever sobre obras
feitas em mídias diferentes das tradicionais como pintura e escultura.
Palavras chave: Crítica. Frederico Morais. Ferreira Gullar. Arte contemporânea brasileira.
Abstract: The Brazilian art criticism has gained great importance in the world between the years 1950
and 1970 due to factors such as the institution of the Bienal de São Paulo, the advent of concrete and
neoconcrete movements and the Brasilia construction. This paper seeks to understand the ways that
criticism took from that moment from the comparison between two different conceptions of critics with
contemporary art: Frederico Morais, working out strategies that go beyond the text to exercise
criticism, as the use of the same work’s code; and Ferreira Gullar, which distrusts the contemporary art
communication skills and finds it difficult to write about works done in no traditional media.
Key words: Criticism. Frederico Morais. Ferreira Gullar. Brazilian contemporary art.
Nos anos 1960 ocorreram transformações sem precedentes nas artes visuais
que alteraram a maneira como os agentes do circuito da arte, entre eles historiadores
da arte, críticos e o público passaram a entrar em contato com ela. O presente texto se
interessa pelo comportamento da crítica em relação a essas transformações,
particularmente no caso brasileiro, e compara dois modos distintos de realização da
crítica nos trabalhos de Frederico Morais e de Ferreira Gullar. Enquanto o primeiro,
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Mestrando em Teoria e História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Arte da Universidade
de Brasília, orientado pelo professor Dr. Emerson Dionísio. Bacharel em Desenho Industrial pela
mesma instituição com habilitações em Programação Visual e Projeto de Produto.
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insatisfeito com os limites do texto como forma de realização da crítica, cria um modo
de fazer comentários às obras usando códigos semelhantes aos da própria obra; o
segundo desconfia da capacidade de comunicação das novas formas de realização da
arte e considera os novos gêneros que surgem nesse período, como os happenings e
performances, como fora do âmbito da arte. O período aqui analisado compreende os
anos de 1959 a 1975, no qual entende-se que se deu o ápice da atuação crítica tanto de
Ferreira Gullar quanto de Frederico Morais. No caso de Gullar, observa-se nesse
período a transição de sua situação como integrante da vanguarda neoconcreta para a
negação de participação em qualquer grupo formal de vanguarda. E, no caso de
Morais, é quando ocorre o desenvolvimento de sua “A Nova Crítica” e da realização
do evento “Do Corpo à Terra”, ambos paradigmáticos para a crítica e para a curadoria
respectivamente.
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curador, irá sugerir propostas para que artistas realizem suas obras atendendo a certas
diretrizes conceituais. O crítico-curador se torna coautor. Esse evento ocorreu de
maneira simultânea e integrada à mostra “Objeto e Participação”, inaugurada no
Palácio das Artes em 17 de abril do mesmo ano. A ocorrência simultânea desses dois
eventos foi uma maneira de chamar a atenção para as especificidades de cada um. O
próprio Frederico Morais enumera os aspectos inovadores deles:
(...) 1 - pela primeira vez, no Brasil, artistas eram convidados não para
expor obras já concluídas, mas para criar seus trabalhos diretamente no
local (...); 2 - se no Palácio houve um vernissage com hora marcada, no
Parque os trabalhos se desenvolveram em locais e horários diferentes, o
que significa dizer que ninguém, inclusive os artistas e o curador,
presenciou a totalidade das manifestações individuais; 3 – os trabalhos
realizados no Parque permaneceram lá até sua destruição, acentuando o
caráter efêmero das propostas; 4 - a divulgação foi feita por meio de
volantes, distribuídos nas ruas e avenidas de Belo Horizonte, bem como
nos cinemas, teatros e estádios de futebol, tal como já ocorrera com Arte
no Aterro. Finalmente, também, pela primeira vez, um crítico de arte
atuava simultaneamente como curador e artista. Desde a realização da
mostra Vanguarda Brasileira, eu já vinha questionando o caráter
exclusivamente judicativo da crítica de arte, dando-lhe uma dimensão
criadora. A curadoria como extensão da atividade crítica, o crítico como
artista. (2001).
Entre as obras que integraram “Do Corpo à Terra” estão Situação T/T,1 de
Artur Barrio (trouxas de tecido recheadas com materiais como sangue, carne, ossos e
lixo e espalhadas em um córrego de Belo Horizonte), Tiradentes: Totem-Monumento
ao Preso Político de Cildo Meireles (em que galinhas vivas amarradas a um poste de
madeira foram queimadas) e Napalm de Luiz Alphonsus (incêndio de uma faixa de
plástico de cerca de quinze metros em pleno Parque Municipal). Morais vê nessas
obras a atitude do artista como um guerrilheiro e a arte como uma forma de
emboscada. Diante de uma situação em que tudo pode ser arte, mesmo o mais banal
dos eventos cotidianos, o espectador – e não só ele, mas também o artista, o crítico e o
público – se veem obrigados a tomar iniciativas, a aguçar e ativar seus sentidos (apud
FREITAS, idem, p.82), mudando constantemente de posição.
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(...) a “obra” não nasce dela, mas dele [do público], e nem de fato é obra:
quando enche os sacos de plásticos com água e os põe sobre os braços do
outro, tudo o que faz é provocar nele uma sensação que só ele pode sentir e
cujo “significado” só ele experimenta ou atribui. Isto, na verdade, é desistir
de criar a obra de arte e negar-se a construir uma linguagem capaz de
transferir ao outro suas ideias ou seu universo imaginário. Lygia se propõe
simplesmente a oferecer ao outro sensações que seus objetos lhe
possibilitem, convencida de que não cabe ao artista (a ela) fazer arte, já
que isto pode ser feito por qualquer um. (2007, p.66).
Gullar faz uma objeção a Lygia no momento em que acredita que sentir
sensações é comum a todos, mas isto não é fazer arte. Quando se institui a
impossibilidade de se fazer arte como forma artística, qualquer um se torna artista, o
que seria “uma espécie de populismo estético que tenta justificar o beco sem saída a
que chegou a vanguarda” (Idem: 66). Essa busca de transcendência em objetos ou em
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Em entrevista ao portal Terra a Claudio Leal em 1 de agosto de 2011, Ferreira Gullar diz que Décio
Pignatari o procurou para aderir à “poesia de base” um ano e meio após seu rompimento com o grupo
Concreto, depois que esse havia proposto uma poesia “matemática” em artigo publicado no
“Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil em junho de 1957. Considerando que seu último
manifesto foi Teoria do não-objeto publicado no Jornal do Brasil em 19 de março de 1959,
provavelmente a proposta de Décio Pignatari ocorreu após março de 1959.
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A comparação entre os dois críticos nos mostra que o conceito de arte varia de
crítico para crítico, sendo diretamente impactado pelas experiências sociais e
culturais. Não sendo explícito, na maioria das vezes podemos inferir sobre a definição
desse conceito, o que é de extrema importância para lermos crítica. Sendo a crítica um
dispositivo de atuação no campo político, não faz sentido exigirmos de seus vários
agentes um consenso e muito menos fazermos distinções do tipo maneira correta e
maneira errada de exercício da atividade. As incompatibilidades entre dois discursos
críticos expostas aqui nos mostra como a assimilação do texto crítico necessita de
uma leitura para além do próprio texto. Só assim poderemos perceber quais os pré-
textos que estruturam o texto em questão, contribuindo para a nossa atividade estética
de trânsitos entre subjetividades.
Referências
BELTNG, Hans. O fim da história da arte. Tradução: Rodnei Nascimento. 1. ed. São
Paulo: Cosac Naify Portátil, 2012. 448p.
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FREIRE, Cristina. Arte conceitual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 81p.
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MAMMÌ, Lorenzo. Mortes Recentes da Arte. Novos Estudos. São Paulo: Cebrap, n.
60, p.77-85, julho, 2001. Disponível em:
<http://www.mariosantiago.net/Textos%20em%20PDF/mortesrecentesdaarte.pdf>
Acesso em: 06 ago. 2013.
MORAIS, Frederico. Artes plásticas: A crise da hora atual. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1975. 120 p.
OSORIO, Luiz Camillo. Razões da crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
70p.
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