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MANEIRAS DE FAZER CRÍTICA DE ARTE NO BRASIL:


FREDERICO MORAIS E FERREIRA GULLAR

Pedro Ernesto Freitas Lima - UnB1

Resumo: A crítica de arte brasileira ganhou grande importância a nível mundial entre os anos de 1950
e 1970 devido a fatores como a instituição da Bienal de São Paulo, o advento dos movimentos concreto
e neoconcreto e a construção de Brasília. O presente trabalho busca entender os caminhos que a crítica
tomou a partir desse momento a partir da comparação entre dois críticos com concepções diferentes
sobre arte contemporânea: Frederico Morais, que elabora estratégias que vão além do texto para
exercer a crítica, como o uso do mesmo código das obras; e Ferreira Gullar, que desconfia da
capacidade de comunicação da arte contemporânea e encontra dificuldades para escrever sobre obras
feitas em mídias diferentes das tradicionais como pintura e escultura.

Palavras chave: Crítica. Frederico Morais. Ferreira Gullar. Arte contemporânea brasileira.

Abstract: The Brazilian art criticism has gained great importance in the world between the years 1950
and 1970 due to factors such as the institution of the Bienal de São Paulo, the advent of concrete and
neoconcrete movements and the Brasilia construction. This paper seeks to understand the ways that
criticism took from that moment from the comparison between two different conceptions of critics with
contemporary art: Frederico Morais, working out strategies that go beyond the text to exercise
criticism, as the use of the same work’s code; and Ferreira Gullar, which distrusts the contemporary art
communication skills and finds it difficult to write about works done in no traditional media.

Key words: Criticism. Frederico Morais. Ferreira Gullar. Brazilian contemporary art.

Nos anos 1960 ocorreram transformações sem precedentes nas artes visuais
que alteraram a maneira como os agentes do circuito da arte, entre eles historiadores
da arte, críticos e o público passaram a entrar em contato com ela. O presente texto se
interessa pelo comportamento da crítica em relação a essas transformações,
particularmente no caso brasileiro, e compara dois modos distintos de realização da
crítica nos trabalhos de Frederico Morais e de Ferreira Gullar. Enquanto o primeiro,

1
Mestrando em Teoria e História da Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Arte da Universidade
de Brasília, orientado pelo professor Dr. Emerson Dionísio. Bacharel em Desenho Industrial pela
mesma instituição com habilitações em Programação Visual e Projeto de Produto.

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insatisfeito com os limites do texto como forma de realização da crítica, cria um modo
de fazer comentários às obras usando códigos semelhantes aos da própria obra; o
segundo desconfia da capacidade de comunicação das novas formas de realização da
arte e considera os novos gêneros que surgem nesse período, como os happenings e
performances, como fora do âmbito da arte. O período aqui analisado compreende os
anos de 1959 a 1975, no qual entende-se que se deu o ápice da atuação crítica tanto de
Ferreira Gullar quanto de Frederico Morais. No caso de Gullar, observa-se nesse
período a transição de sua situação como integrante da vanguarda neoconcreta para a
negação de participação em qualquer grupo formal de vanguarda. E, no caso de
Morais, é quando ocorre o desenvolvimento de sua “A Nova Crítica” e da realização
do evento “Do Corpo à Terra”, ambos paradigmáticos para a crítica e para a curadoria
respectivamente.

Críticos e historiadores de diferentes tendências têm apontado os anos 1960


como um período de ruptura com o modernismo. A arte feita a partir desse período, a
arte contemporânea, teria provocado uma fratura irrecuperável em relação não só ao
modernismo, como também em relação a toda a história da arte (MAMMÌ, 2001,
p.77). No Brasil, sobretudo depois do golpe militar de 1964, os artistas, segundo
Ferreira Gullar, “voltaram a opinar” sobre os problemas sociais (apud FREITAS,
2013, p.23), mas sem abandonar as revoluções a nível estético e comportamental que
estavam em curso com o neoconcretismo. As questões fenomenológicas foram
ampliadas e mescladas com as novas figurações, tanto com a arte pop quanto do
“objeto”, seguidas pelo “programa ambiental” de uma arte utópica, participativa e
tropicalista de um artista como Hélio Oiticica (FREITAS, 2013, p.23).

Uma das grandes novidades desse período é a chamada Arte Conceitual.


Segundo Freitas (idem, p.47-50) – e aqui o autor prefere falar em “conceitualismo” –
essa arte atuará basicamente em três dimensões: da obra de arte em si, ou seja, em
questões estéticas, das instituições da arte e do contexto social. A atuação da arte de
vanguarda será no sentido de negar a qualidade convencional de “obra de arte” nas
suas dimensões de unicidade e de autenticidade, apagando os vestígios físicos que

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remontam ao corpo físico do artista. Ainda segundo Freitas, o “conceitualismo” seria


uma espécie de decantação histórica de Marcel Duchamp, deslocando a atenção do
juízo estético para a crítica institucional e para a consciência ética e política (idem,
p.50).

Essa Arte Conceitual irá questionar e problematizar as posições, que vão se


mostrar instáveis e cambiantes, dos agentes que compõem o sistema da arte, entre eles
críticos, curadores, editores, galeristas; do estatuto da obra de arte, por meio da
indiferenciação entre documentação e obra de arte; e das instituições que a legitimam
(FREIRE, 2006, p.13). Diferentemente da noção modernista de obra de arte
autônoma, a arte contemporânea não se restringirá mais à dimensão do objeto, mas
trará em si a informação de toda uma rede que a conecta ao circuito da arte. Segundo
Cauquelin (2005, p.81), “a realidade da arte contemporânea se constrói fora das
qualidades próprias da obra, na imagem que ela suscita dentro dos circuitos de
comunicação.”.

As novidades artísticas desse período alteram profundamente a prática da


narrativa da história da arte. A perspectiva desenvolvimentista da narrativa vasariana
dá lugar, no modernismo, à temporalidades simultâneas em que um movimento
estético não é resultado do desenvolvimento de um outro movimento. Mais tarde, a
percepção em relação à produção feita após os anos 1960 é, segundo Danto (2010,
p.70) de desordem narrativa. Belting (2012, p.12) identifica uma perda de
enquadramento da arte pela história e vice versa e propõe uma mudança no discurso
da história da arte, já que o objeto mudou e não se ajusta mais aos seus antigos
enquadramentos. Nessa perspectiva, a disciplina história da arte teria chegado ao fim.

A relação do crítico com a arte também se altera, ganha complexidade e


parece se tornar confusa. Para Belting (2012, p.311) os discursos da crítica são
“abertos”, nos quais não é defendida nenhuma posição fixa. Os textos sobre arte
acabam se transformando em uma arte dos textos:

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Quem escreve sobre arte assume o papel de um intérprete de música no


sentido de que ele é quem faz a música, embora diferentemente do
intérprete, pois não observa nenhuma partitura, mas dispõe generosamente
das fronteiras abertas do papel que tem a cumprir. Às vezes ele escreve até
mesmo a partitura, enquanto os artistas se tornam o seu intérprete, ou sai à
procura de novas obras e artistas que lhe garantam o seu papel favorito.
(2012, p.311).

Ainda segundo Belting, o especialista em arte é requisitado apenas por uma


questão ritual e não mais para um esclarecimento sério. Onde a arte não gera mais
conflitos, mas garante um espaço livre no interior da sociedade, ali desaparece o
desejo de orientação que sempre estava voltado para o especialista. Onde não existe
mais esse desejo, também deixa de existir o leigo (2012, p.40). Essa percepção é
endossada por Osorio (2005, p.10). Diante de uma situação de desabrigo e desamparo
fomentada pela arte contemporânea e de pulverização do público, a crítica parece ter
perdido o território comum da discussão pública. A crise identificada na crítica seria
simultânea à crise na política, em que a dificuldade está na prática do dissenso sem
submetê-lo ao consenso no espaço comum (OSORIO, idem, p.30).

Podemos ilustrar os desafios enfrentados pela crítica em relação à arte


contemporânea analisando dois importantes críticos brasileiros que tiveram seu
protagonismo nos anos 1960 e início dos anos 1970 e que tiveram comportamentos
muito distintos diante da nossa arte de vanguarda (cujas características já foram
expostas aqui): Frederico Morais e Ferreira Gullar. Luiz Camillo Osorio (Idem: 16)
distingue duas maneiras de prática da crítica: uma onde a escrita é sobre a obra,
entendida como uma representação de um sentido da obra analisada; e outra onde a
escrita é com as obras, participando abertamente da criação de sentido da obra.
Veremos adiante como podemos entender os dois críticos mencionados acima em
relação a essa proposta de Osorio, onde podemos identificar Frederico Morais como
quem escreve com as obras e Ferreira Gullar como quem escreve sobre as obras.

Até o processo de perda de hegemonia da Academia no fim do século XIX, a


atividade crítica se baseava em avaliar obras e confrontá-las com os interesses da

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instituição acadêmica, enquadrando as obras em termos de gosto e de temas, podendo


garantir o “sucesso” de obras na forma de reconhecimento e dinheiro para o artista.
Mesmo com a perda do protagonismo da Academia, a crítica era feita baseada em
valores acadêmicos, só que agora em outras mãos (CAUQUELIN, 2005, p.36).
Matinham-se os mesmos parâmetros de avaliação e a mesma hierarquia que a
Academia promovia. Com os movimentos modernos do início do século XX, a crítica
passa a teorizar as invenções pictóricas dessas várias correntes estéticas. A arte feita
após os anos 1960, cujas manifestações vão para além da materialidade da obra, não
admite uma aproximação apenas à maneira de um connaisseur que apreende a
materialidade sensível com o exame dos olhos. A questão agora é compreender os
meandros das redes constituintes do sistema da arte, onde um contexto mais amplo
deve ser considerado, de ordem social com suas implicações dinâmicas na história e
na política (FREIRE, 2006, p.75). Os novos procedimentos poéticos dessa arte que
agora se expressa nas formas de performance, happenings, vídeo, objetos, instalações,
entre outros, obriga a uma redefinição das noções de autoria, de obra e de modos de
tempos de recepção (OSORIO, idem, p.57).

Em obra publicada em 1975, Frederico Morais se opõe à crítica baseada em


critérios objetivos e comenta o ensaio Crítica literária e estruturalismo de Eduardo
Portela publicado na revista Tempo Brasileiro (s/d). Combatendo o positivismo
crítico, Eduardo Portela considera inconveniente ter a ciência como parâmetro para a
realização da crítica, o que significaria submeter a literatura a um código que não lhe
diz respeito além de considerá-la em uma situação hierárquica inferior à ciência. A
crítica baseada na ciência teria uma “ótica superlativa” e exerceria uma “ditadura de
sua verdade”. Em oposição a essa “crítica autoritária, opressora, que em nome de uma
hierarquia de valores submete a obra de arte a critérios absolutos e imodificáveis”
(MORAIS, 1975, p.48), Frederico Morais considera a crítica aberta uma maneira mais
adequada para abordar a arte contemporânea, a qual busca na obra uma multiplicidade
de sentidos e não a submete a controles rígidos. Nesse sentido, o crítico se torna
também um criador, um artista.

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Esse texto é um registro a posteriori da atuação de Frederico Morais com a


sua “A Nova Crítica”. Por volta de 1969, insatisfeito com os limites que o texto
impunha à crítica de arte e buscando explorar novos caminhos, Morais busca
reformular o papel exercido pela crítica, em especial à judicativo-formalista, e passa a
atuar como “crítico-artista”, onde elabora videoarte, proposições conceituais e
instalações que funcionam como comentários críticos abertos a obras de outros
artistas (CHAGAS, 2011, p.2). Essas ações visavam a um experimentalismo em
detrimento de uma ânsia pela verdade objetiva, a qual era absoluta e excludente por
ter como referência a História da Arte europeia. Em coexistência com essa História da
Arte oficial, havia uma contra-história, a qual ele chama de “história guerrilheira”.
Essa contra-história seria um território híbrido e múltiplo, desencaixada de categorias
e estilos. Portanto ela não poderia se ater a critérios a priori (Idem: 5-6).

Para distinguir a produção de artistas como Cildo Meireles, Artur Barrio,


Antonio Manuel, Guilherme Vaz, Luiz Alphonsus e Thereza Simões de outros artistas
da arte de vanguarda, que estariam inseridos em circuitos estabelecidos de salões e de
galerias, Frederico Morais cria os termos “contra-arte” e “arte de guerrilha”
(FREITAS, idem, p.29-30). A “contra-arte” estaria circunscrita pela ideia de
“vanguarda”, sendo essa “estilizada” e aquela “comportamental”, dicotomia essa que
remonta à estrutura bipartida da modernidade pensada, entre outros, por Jacque
Rancière e Peter Bürger (Idem: p.31). As características dessa “arte de guerrilha”,
para Morais, estariam centradas em três âmbitos: vivencial, ou seja, a obra não existe
sem a participação do espectador; conceitual, onde, diante da eliminação da obra,
resta apenas o conceito, a ideia, ou um diálogo direto e sem intermediários entre o
artista e o público; e o proposicional, o que significa o fim da expressão, por parte do
artista, de conteúdos subjetivos em favorecimento de propostas de participação (Idem:
p.55).

A “arte de guerrilha” será posta em prática por Frederico Morais no evento


“Do Corpo à Terra”, realizado no Parque Municipal de Belo Horizonte entre os dias
17 e 21 de abril de 1970. E aqui a ideia é realmente essa, o crítico, agora também

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curador, irá sugerir propostas para que artistas realizem suas obras atendendo a certas
diretrizes conceituais. O crítico-curador se torna coautor. Esse evento ocorreu de
maneira simultânea e integrada à mostra “Objeto e Participação”, inaugurada no
Palácio das Artes em 17 de abril do mesmo ano. A ocorrência simultânea desses dois
eventos foi uma maneira de chamar a atenção para as especificidades de cada um. O
próprio Frederico Morais enumera os aspectos inovadores deles:

(...) 1 - pela primeira vez, no Brasil, artistas eram convidados não para
expor obras já concluídas, mas para criar seus trabalhos diretamente no
local (...); 2 - se no Palácio houve um vernissage com hora marcada, no
Parque os trabalhos se desenvolveram em locais e horários diferentes, o
que significa dizer que ninguém, inclusive os artistas e o curador,
presenciou a totalidade das manifestações individuais; 3 – os trabalhos
realizados no Parque permaneceram lá até sua destruição, acentuando o
caráter efêmero das propostas; 4 - a divulgação foi feita por meio de
volantes, distribuídos nas ruas e avenidas de Belo Horizonte, bem como
nos cinemas, teatros e estádios de futebol, tal como já ocorrera com Arte
no Aterro. Finalmente, também, pela primeira vez, um crítico de arte
atuava simultaneamente como curador e artista. Desde a realização da
mostra Vanguarda Brasileira, eu já vinha questionando o caráter
exclusivamente judicativo da crítica de arte, dando-lhe uma dimensão
criadora. A curadoria como extensão da atividade crítica, o crítico como
artista. (2001).

Entre as obras que integraram “Do Corpo à Terra” estão Situação T/T,1 de
Artur Barrio (trouxas de tecido recheadas com materiais como sangue, carne, ossos e
lixo e espalhadas em um córrego de Belo Horizonte), Tiradentes: Totem-Monumento
ao Preso Político de Cildo Meireles (em que galinhas vivas amarradas a um poste de
madeira foram queimadas) e Napalm de Luiz Alphonsus (incêndio de uma faixa de
plástico de cerca de quinze metros em pleno Parque Municipal). Morais vê nessas
obras a atitude do artista como um guerrilheiro e a arte como uma forma de
emboscada. Diante de uma situação em que tudo pode ser arte, mesmo o mais banal
dos eventos cotidianos, o espectador – e não só ele, mas também o artista, o crítico e o
público – se veem obrigados a tomar iniciativas, a aguçar e ativar seus sentidos (apud
FREITAS, idem, p.82), mudando constantemente de posição.

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Outro exemplo do novo modo proposto por Morais de exercício da crítica de


arte é seu comentário à obra Inserções em Circuitos Ideológicos: Projeto Coca-Cola
(1970) de Cildo Meireles, integrante da série de mostras “Agnus Dei”. Após essa
mostra, Morais organiza na Petite Galerie, no Rio de Janeiro, a exposição “Nova
Crítica”, com obras de sua autoria. Para comentar Inserções, o crítico depositou na
galeria cerca de quinze mil garrafas do refrigerante. Essa ação foi realizada com o
consentimento da marca Coca-Cola, que inclusive providenciou o transporte das
garrafas. Junto a essas garrafas, em que algumas havia inclusive as interferências de
Cildo Meireles, havia uma mesa onde se lia a seguinte mensagem: “Quinze mil
garrafas de Coca-Cola, tamanho médio, vazias, gentilmente cedidas e transportadas,
em 650 engradados, por Coca-Cola Refrescos SA” (CHAGAS, 2012, p.104-112). O
comentário de Frederico Morais, que vai além do texto escrito e se instaura como uma
extensão material da obra de arte de Cildo Meireles, e é percebido como uma obra
feita por um “crítico-artista”.

Já Ferreira Gullar vai se relacionar de maneira muito diferente com a arte


desse período. Em 1954 Gullar publica A luta corporal, livro de poemas onde o autor
refletia sobre o uso do espaço em branco na estruturação espacial dos poemas. O livro
fez com que o poeta fosse convidado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e
Décio Pignatari a participar do grupo de poesia concreta. Mais tarde, Gullar rompe
com o grupo concreto e escreve o manifesto neoconcreto, texto usado para
fundamentar a I Exposição Neoconcreta, na qual expuseram Amílcar de Castro, Franz
Weissmannn, Lygia Clark e Lygia Pape, além dos poetas Ferreira Gullar, Reynaldo
Jardim e Theon Spanúdis. Integrado a esse grupo, desenvolve seus poemas espaciais,
onde incorpora a participação do leitor/expectador, o que viria a ser a marca do grupo
neoconcreto (GULLAR, 2007, p.50).

Baseado nas experiências de Lygia Clark em que a artista, ao invés de


trabalhar com a representação metafórica e do espaço imaginário na tela age
diretamente sobre a tela (Casulos e Bichos), Gullar desenvolve a teoria do não-objeto.
A ideia do não-objeto não se refere a algo oposto aos objetos materiais ou a um

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antiobjeto, mas sim a um objeto especial onde ocorreria a síntese de experiências


sensoriais e mentais (GULLAR, 1959, p.90). Esse seria “um ser do mundo cultural
que, por nada representar, é sua própria representação e, portanto, apenas
significação” (GULLAR, idem, p.58). Dito de outra maneira, levando em conta o
imprescindível manuseio do expectador, “o não-objeto é uma imobilidade aberta a
uma mobilidade aberta a uma imobilidade aberta (Idem: 59). Gullar chega a defender
a adoção de novos critérios fenomenológicos para a definição da obra de arte. Isso
não significava a adoção de uma oposição ao sentido convencional de objeto
(FREITAS, idem, p.246). A materialidade, portanto, é imprescindível para a ideia de
arte de Gullar.

Segundo o próprio Gullar (2007, p.65), seu afastamento no campo da


vanguarda se dá em 1962, quando passa a atuar no Centro Popular de Cultura da
União Nacional dos Estudantes (CPC da UNE). Nessa nova posição, analisando os
desdobramentos da obra de Lygia Clark e Hélio Oiticica, o poeta acredita que a
produção desses acaba ultrapassando o âmbito da arte. Nos Objetos relacionais de
Lygia, onde a obra não existe antes do espectador/participante, o único objetivo da
artista seria dar a oportunidade de o outro sentir. Nesses termos:

(...) a “obra” não nasce dela, mas dele [do público], e nem de fato é obra:
quando enche os sacos de plásticos com água e os põe sobre os braços do
outro, tudo o que faz é provocar nele uma sensação que só ele pode sentir e
cujo “significado” só ele experimenta ou atribui. Isto, na verdade, é desistir
de criar a obra de arte e negar-se a construir uma linguagem capaz de
transferir ao outro suas ideias ou seu universo imaginário. Lygia se propõe
simplesmente a oferecer ao outro sensações que seus objetos lhe
possibilitem, convencida de que não cabe ao artista (a ela) fazer arte, já
que isto pode ser feito por qualquer um. (2007, p.66).

Gullar faz uma objeção a Lygia no momento em que acredita que sentir
sensações é comum a todos, mas isto não é fazer arte. Quando se institui a
impossibilidade de se fazer arte como forma artística, qualquer um se torna artista, o
que seria “uma espécie de populismo estético que tenta justificar o beco sem saída a
que chegou a vanguarda” (Idem: 66). Essa busca de transcendência em objetos ou em

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situações comuns, para Gullar (2005, p.32), se mostra intranscendente, revelando


apenas a banalidade desses objetos e gestos. E o acréscimo de mais banalidade na
vida se faz sem a necessidade do artista (Idem).

O comentário acerca dos Objetos relacionais revela a preocupação de Gullar


com a comunicação da obra de arte, o que, para ele, é imprescindível na constituição
do elemento artístico. Segundo ele, é incontestável o fato de a arte contemporânea ser
incapaz de atingir as massas, o que está estreitamente relacionado com a dificuldade
que essa tem de estabelecer comunicação, seja com o público, seja com a crítica. A
crítica, por sua vez, não consegue formular juízos mais ou menos precisos, não
consegue dizer se uma obra é boa ou má, se é fruto de mestria técnica ou obra do
acaso, uma vez que a arte contemporânea estaria formulada em uma linguagem
cifrada, impossibilitando a observação de algum juízo objetivo (2002, p. 67).
Portanto, seria impossível criticar uma arte que não se pauta por nenhum critério
objetivo. Quando essa tentativa ocorre, verifica-se que o crítico produz um discurso
tão confuso quanto a obra que ele tem como referência. Isso seria uma demonstração
de que a obra de arte, que antes se comunicava com uma minoria de iniciados, agora
nem com essa minoria consegue se comunicar.

A dificuldade dessa comunicação seria atribuída à vontade do artista de só


querer comunicar sua experiência individual. Sua única referência ao mundo comum
que compartilha com outras pessoas é sua própria obra. Se essa obra não favorece a
comunicação com o “outro”, teríamos chegado ao limite da “destruição” da arte
(GULLAR, 2002, p. 83).

Umberto Eco utiliza a teoria da informação para examinar o conceito,


desenvolvido por ele próprio, de “obra aberta” (apud GULLAR, 2002, p.203).
Ferreira Gullar parte daí para discutir a importância de a obra de arte estabelecer
comunicação e reiterar, mais tarde, a importância de que o artista se expresse dentro
de uma linguagem. Eco prefere chamar a arte moderna de vanguarda de “obra aberta”,
ou seja, uma obra que tem como finalidade explícita a ambiguidade. Considerando

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que a obra é uma mensagem, ou seja, um conjunto de informações organizadas, para


ser perceptível e gerar interesse ela deve se distanciar do seu caráter previsível, de sua
banalidade. Portanto, para Eco (Idem: 204), se consideramos a língua um sistema de
probabilidades, elementos de desordem aumentariam a informação da mensagem
emitida. Dito de outra maneira, o artista recorre a figuras de linguagem tais como
metáforas, aliterações, elipses, inversões, sintáticas etc., que dissimulam a
significação e intensificam a expressão, dotando-a de originalidade. Esse é um
fenômeno genuíno da arte onde essa perturbação da ordem estabelecida pela
expressão poética cria uma relação de conflito, de dialética com o mundo e que dá
força à expressão artística. No entanto, para produzir sentido e estabelecer
comunicação, essa desordem deve ocorrer dentro de uma ordem geral, dentro de um
sistema de linguagem, o que determina os limites de “abertura” da obra (Idem: 206).
É importante ressaltar que esse processo não se limita apenas ao âmbito físico e
sensorial, como pretendiam os gestaltianos, mas se inserem no processo cultural e
sensorial.

A contestação da sociedade capitalista-burguesa que pareceu se generalizar na


segunda metade do século XX produziu, no campo das artes plásticas, os happenings
e performances que, para Gullar (2007, p.70-71) são renúncias à obra de arte, onde
gestos e atitudes que se bastam a si mesmos, de caráter simplesmente contestatório,
niilista e sarcástico demonstram falta de objetivos e de valores. Aliás, a questão do
objetivo das novas correntes estéticas ou gêneros artísticos será importante para
entendermos sua decisão de não tomar parte em novos manifestos. Gullar parece
duvidar da capacidade de novos movimentos artísticos cumprirem seus programas.
Quando procurado por Décio Pignatari para integrar o manifesto “Da poesia de
consumo à poesia de base”, provavelmente em 19592, Gullar pediu que lhe enviasse

2
Em entrevista ao portal Terra a Claudio Leal em 1 de agosto de 2011, Ferreira Gullar diz que Décio
Pignatari o procurou para aderir à “poesia de base” um ano e meio após seu rompimento com o grupo
Concreto, depois que esse havia proposto uma poesia “matemática” em artigo publicado no
“Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil em junho de 1957. Considerando que seu último
manifesto foi Teoria do não-objeto publicado no Jornal do Brasil em 19 de março de 1959,
provavelmente a proposta de Décio Pignatari ocorreu após março de 1959.

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os chamados “poema de base” que ele publicaria no “Suplemento Dominical” do


Jornal do Brasil, mas se recusava a assinar mais um manifesto que, segundo ele, não
iria cumprir o que propunha, como se verificou no fato do não envio dos “poemas de
base” (que sequer foram feitos) por parte de Pignatari (GULLAR, 2007, p.24-25).

Em 1970, Ferreira Gullar escreve um artigo para O Pasquim chamado É ferro


na boneca, onde comenta o ato de Antonio Manuel de ficar nu no vernissage do XIX
Salão Nacional de Arte Moderna. Antonio Manuel havia inscrito seu próprio corpo
como obra para esse Salão. Após a recusa de sua proposta, o artista, acompanhado de
uma conhecida, tirou a roupa no vernissage do Salão e chamou a atenção dos
presentes para o fato de que eles deveriam contemplar seu corpo, o qual era uma obra
(FREITAS, 2013, p.263-269). Em seu artigo, uma espécie de conto onde misturava
ficção e realidade, Gullar tratou com humor e ironia o comportamento de Antonio
Manuel, qualificando-o de risível e burlesco (FREITAS, idem, p.294). A certa altura,
Gullar narra o que seria um diálogo entre dois pretensos entendedores da arte
contemporânea

Passado o rebuliço [a nudez de Antonio Manuel], as pessoas voltaram a


contemplar as obras e a discuti-las. “Este pedaço de rolha aqui devia ser
um pouco maior ou não?” “No meu entender, em vez de rolha, o artista
devia por aí um pedaço de linguiça”. “Que absurdo! Comentou um
terceiro. Linguiça, o Goover já usou isso na Bienal de Paris”... (1970 apud
FREITAS, 2013, p.296).

O trecho acima nos mostra como a análise objetiva da materialidade é um fator


crucial para o juízo crítico de Gullar, mesmo diante de uma arte que vai além dessa
dimensão.

O tratamento irônico ao acontecimento de Antonio Manuel exemplifica a


posição de Gullar diante de gêneros como performances e happenings que, como já
foi dito, estão além do âmbito da arte. Ao lado da ironia, Gullar também emprega a
subtração do nome de artistas em alguns momentos. É o que faz, por exemplo, quando
comenta sobre “uma jovem brasileira” que junta cinzeiros de avião roubados para
construir suas obras e que, ao buscar nesse delito o conteúdo da sua ação como artista,
perde a linguagem e “o sentido dos seus gestos no mundo” (2005, p.59-60). Em

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nenhum momento do artigo Gullar cita o nome da artista e da obra em questão, a


saber, Jac Leirner e Corpus delicti (1992-2001). Podemos entender essa ocultação
como uma forma de deslegitimar obra e artista.

A comparação entre os dois críticos nos mostra que o conceito de arte varia de
crítico para crítico, sendo diretamente impactado pelas experiências sociais e
culturais. Não sendo explícito, na maioria das vezes podemos inferir sobre a definição
desse conceito, o que é de extrema importância para lermos crítica. Sendo a crítica um
dispositivo de atuação no campo político, não faz sentido exigirmos de seus vários
agentes um consenso e muito menos fazermos distinções do tipo maneira correta e
maneira errada de exercício da atividade. As incompatibilidades entre dois discursos
críticos expostas aqui nos mostra como a assimilação do texto crítico necessita de
uma leitura para além do próprio texto. Só assim poderemos perceber quais os pré-
textos que estruturam o texto em questão, contribuindo para a nossa atividade estética
de trânsitos entre subjetividades.

Referências

BELTNG, Hans. O fim da história da arte. Tradução: Rodnei Nascimento. 1. ed. São
Paulo: Cosac Naify Portátil, 2012. 448p.

CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. Tradução Rejane


Janowitzer. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 169p.

CHAGAS, Tamara Silva. Da crítica à Nova Crítica: as múltiplas incursões do


crítico-criador Frederico Morais. Dissertação de mestrado. Centro de artes da
Universidade Federal do Espírito Santo. Orientadora: Profa. Dra. Almerinda da Silva
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<http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_5967_Da%20cr%EDtica%20%E0%20Nov
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_______________. Do crítico-artista: a criação como fundamento da Nova Crítica


de Frederico Morais. XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, 2011, São
Paulo. São Paulo, 2011. Disponível em:
<http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1312572927_ARQUIVO_artigo_
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