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Discente: Erika Hurtado González

Ensaio final do curso “Etnología e Indigenismo”


Prof. José Manuel López
Programa de Pós-graduação em Antropologia Social
Universidade Federal de Roraima

O Um e o Múltiplo

A divisão cartesiana clássica característica do pensamento científico que


comumente se qualifica de “ocidental1” provê um marco eficiente para se aproximar dos
fenômenos e as experiências humanas operando duas distinções básicas: primeiro, separa
em unidades discretas e singulares, UNS, “isso” “aquilo” “eu” “o mundo”, “a árvore”,
indicando por demonstração a existência do elemento nomeado, uno em si mesmo,
diferente e de outros. A segunda operação é tentar definir as propriedades dos UM e
organizar a forma em que se pensa sobre eles de forma dicotômica: a parcialização e
organização por duplas em relação de contraste, complementaridade ou inimizade permite
a abordagem de subunidades funcionais que podem ser analisadas de forma confortável e
simétrica; ao definir uma qualidade/característica da dupla está se definindo
automaticamente o seu parceiro contrário: o que não é vida então é morte, o que não é
masculino então é feminino, o que não está certo então está errado e assim por diante.
No campo acadêmico existem divisões que fragmentam as ciências e repartem os
fenômenos para serem estudados por determinadas disciplinas, declarando-os propriedade
de certas epistemologias e, consequentemente, restringindo a sua abordagem para ser
efetuado sob certos enfoques metodológicos. Uma distinção conhecida e aceita nesse
sentido é, por exemplo, a distinção entre as ciências sociais e as ciências da natureza,
entendendo que cada uma tem permitido estudar seus “próprios” fenômenos utilizando seus
“próprios” métodos. As ciências se repartem os UM segundo a vocação de cada uma ou as
partes ou “dimensões” dos UM que cada uma pode estudar com os instrumentos que
possui. Esse cenário mais cooperativo é aquele que vem se chamando de “multidisciplinar”:
diferentes disciplinas abordam um mesmo tema de estudo, decompondo-o em várias
dimensões (não necessariamente duas) para depois juntar as análises feitas tentando
encaixá-los em um discurso coerente. Um problema associado a isso são os empréstitos
conceituales e de terminología que são feitos entre disciplinas sem pasar pelos filtros

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Outra distinção clássica, confortável e de muita utilidade para os discursos e a produção dos cientistas
sociais: ocidental-oriental. Questões nas que quase ninguém se detém para explicar ou definir de forma
certa, porém, quase todos nós sabemos o que significam.
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necessarios. Não quero falar mal de algo que ainda não consigo entender, mas nas minhas
experiências aqueles estudos chamados de multidisciplinares findam apresentando sempre
os seus resultados em uma fala associada à disciplina do membro da equipe que tenha
publicado a maior quantidade de artigos. A minha experiência, claro, não é a única possível,
mas é a que conheço melhor.
Dentro das ciências sociais (as que não estudam a natureza, ou seja, as que
estudam o que é contrário da natureza), particularmente na antropologia, existem
dicotomias muito férteis para a orientação das reflexões e descrições dos fenômenos
humanos (ou seja, os fenômenos contrários ou complementares dos fenômenos naturais)
e para o desenvolvimento dos métodos e técnicas de pesquisa: objetivo/subjetivo,
universalismo/particularismo, ocidente/resto-do-mundo2, ator/estrutura, natureza/cultura e
outros mais. Também as ciências naturais (ou seja, as que têm focado nos fenômenos não-
humanos o na dimensão não humana dos fenômenos) têm e utilizam suas próprias
nomenclaturas binárias e funcionais tipo Einstein/Newton, orgânico/inerte,
genético/congênito, metabólico/anabólico, próton/elétron e muitos mais. Dessa forma, toda
ciência tem mais ou menos clareza sobre os UM ou as partes deles que ficam no seu campo
de estudos, e também quais seus conceitos e terminologias.
A disciplina antropológica, que faz parte das ciências humanas, tem o
fenômeno humano no centro do seu interesse; para nomear e dar forma -ou seja delimitar
o seu UM- ao seu tema de preocupação tem-se escolhido a palavra-conceito “cultura”. O
que é a cultura depende de quem na antropologia esteja definindo-a: para os evolucionistas
do século XIX -nos origens da disciplina- era um rasgo único, singular e universal
compartilhado entre toda a humanidade porém, mais desenvolvido em certos grupos
humanos; para os particularistas a cultura deixou de ser universal e virou diversa e plural;
para os funcionalistas a cultura tinha a ver com as instituições humanas criadas com a
função de satisfazer as necessidades e garantir a permanência da espécie; para os
estruturalistas a cultura está no lado das regras inconscientes que regulam os
comportamentos; para os interpretativistas a cultura é um sistema de signos interatuando
e o antropólogo vira intérprete; para os pós-modernos, pessimistas e descontentes, a
cultura entra em crise, se desloca do centro e agora compartilha lugar com a
intersubjetividade e com a própria figura do antropólogo. Seja como for, a ideia da cultura
está presente nos debates e as tarefas antropológicas.

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Por que neste contexto não estaria certo dizer que o contrário do ocidente é o oriente. Confesso que,
depois de muito pensar, ainda não consegui encontrar um termo para nomear o que não é ocidental.
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Embora não exista a definição unívoca do que é a cultura, ela é um lugar de
referência clássico na antropologia, bem como o seu parceiro complementar e a relação
entre eles. Falo de a dupla natureza/cultura, ferramenta instalada no pensamento
antropológico e que, embora seja alvo de críticas e terreno fértil para amplos e acalorados
debates, está ainda vigente nos discursos da disciplina. Grosso modo, a natureza é aquilo
que está fora da atividade humana, a materialidade, o não-humano e a cultura tem a ver
com os artifícios desenvolvidos pelo ser humano, os costumes, as instituições, as crenças.
As ideais. A relação e distinção natureza/cultura tem orientado uma importante produção
acadêmica não apenas na antropologia, mas também em outras ciências sociais/humanas.

Implicações e limites da dupla natureza/cultura.

Para estudar questões específicas requerem-se técnicas e disciplinas específicas.


Lógico. Se alguém quer conhecer as características do solo para decidir quais árvores
plantar ali, então pega uma mostra do solo e a leva ao laboratório. Esse poderia ser o
trabalho de um profissional em química ou bioquímica, não precisa de um psicólogo porque
o solo não possui sentimentos iguais nem parecidos aos humanos; também não precisa da
antropologia porque nós estamos interessados na atividade humana, não na atividade do
ferro e o alumínio nem as atividades dos microrganismos.
Lógico, não é?
Mas toda lógica é susceptível de ser desafiada e problematizada.
Existe um tipo de pensamento distinto do ocidental que concebe uma organização
diferente das coisas. Falo, especificamente do pensamento dos povos indígenas
ameríndios (que não os únicos), cuja forma de conceber o mundo mostra um limite da
natureza/cultura. Estudos e reflexões antropológicas sobre comunidades indígenas da
Amazônia como os desenvolvidos por Eduardo Viveiros de Castro (2009) e Philippe
Descola (2006) deixam ver que na cosmologia ameríndia resulta inoperante a distinção
entre o que é natural e o que é cultural, por nela existe uma relação de continuidade entre
os humanos, as plantas e árvores, os animais, os espíritos, a lua, o sol, o vento e tudo mais.
Nesses povos, o campo e alcance das relações humanas, estende-se muito além da
convenção ocidental do ser humano; isto impossibilita, por um lado, diferenciar entre aquilo
que é humano e aquilo que não é e, por outro lado, faz que a distinção seja pouco útil e
inoperante.
Os trabalhos desses dois autores permitem se aproximar de pensamento que
concebe o mundo povoado por muitas entidades, não apenas os que chamamos de

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“humanos”, que se concebem a si mesmas como humanas, que possuem consciência da
sua existência e que coexistem com outros seres segundo sistemas de regras, “cultura”.
Assim, a humanidade não vem a ser uma característica exclusiva dos humanos, mas
inerente a todas as outras criaturas.
Viveiros de Castro propor o termo multinaturalismo para falar dessa cosmovisão
indígena ameríndia, isso como alternativa ao já conhecido termo multiculturalismo utilizado
pelos não-indígenas. Ou seja, enquanto a ideia generalizada é que os diferentes grupos
humanos compartilham uma condição biológica diferenciando-se pelos comportamentos,
formas de existir e interagir (cultura), a concepção que ele resgata dos povos indígenas por
ele estudados é que todas as criaturas compartilham uma mesma essência, a humanidade,
mas têm diferentes corpos/roupas.
A proposta dos acadêmicos Descolá e Viveiros de Castro, chamada de
perspectivismo, apresenta o limite da caixa natureza/cultura para tentar explicar os
fenômenos humanos, pois estas categorias analíticas são insuficientes para abordar as
novas complexidades desses outros pensamentos. Além disso, o assunto foca em questões
também muito discutidas da antropologia: o epistemocentrismo e o antropocentrismo. O
primeiro, visível na utilização de categorias analíticas ocidentais para o estudo de
sociedades não ocidentais, forçando os marcos interpretativos e explicativos dos
fenômenos negando-lhes as possibilidades de entendimento segundo a cosmovisão do seu
contexto de origem. O segundo porque problematiza a ideia de que o ser humano é uma
entidade superior respeito das outras criaturas com as que se relaciona.
Então, para responder à questão inicial, é válido dizer que existe uma realidade onde
para saber quais árvores podem ser plantadas com sucesso em um determinado solo, nem
precisar-se-ia do engenheiro químico nem do laboratório. Seria suficiente com perguntar do
solo e das plantas se elas aceitam serem juntadas ou conhecer o nível de afinidade que as
duas entidades têm entre elas para decidir.
Isso significa que o químico que entende o mundo em função de eletrólitos,
concentrações e decantações está certo ou errado? E o xamã que conversa com os
espíritos das plantas? E o camponês que nem sabe de minerais nem conversa com os
espíritos, mas que aplica na roça o que aprendeu dos seus pais e o que aprende todo dia
da sua própria experiência e da experiência dos seus vizinhos?

Do perspectivismo às realidades múltiplas


O perspectivismo fornece guias para explorar além dos limites da dicotomia
natureza/cultura e outros binarismos associados. Infelizmente, essa proposta nascida a

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partir de pesquisas no Brasil, não está sendo discutida como deveria em outros campos
temáticos antropológicos no país além do indigenismo. Acredito que isso aqui é um bom
exemplo da necessidade de resgatar o que Boaventura de Sousa Santos chama de
“epistemologias do Sul”, a reflexão própria que nasce do próprio e que cria alternativa às
propostas do norte global e configura novos horizontes de possibilidades para as ciências
nos atuais tempos de desafios e emergências. Inclusive, o perspectivismo é uma nova
escusa para renovar as discussões sobre aquela velha demarcação (tão inoperante como
perigosa) entre ciência, política e ética. Mas essa discussão faz parte de outro texto. Por
enquanto, sustenho que seria muito frutífero aproveitar os aportes do indigenismo em
outros campos antropológicos, como por exemplo a antropologia da saúde. É possível e
necessário assumir a tarefa de desconstruir os limites das ciências e entre as ciências,
ainda existem muitas autolimitações que os cientistas sociais precisamos identificar e
superar para descobrir novos caminhos possíveis.
Para refletir sobre isso, viajo bem longe até outro campo disciplinar: o paradoxo do
gato de Schrödinger
Um gato, junto com um frasco contendo veneno, é posto em uma caixa lacrada, sem
buracos nem transparências; a caixa contém um tubo com uma substância radioativa, um
aparelho que mede a radiação, um martelo, e um frasco de veneno. A nível de
radioatividade da substância tem as mesmas possibilidades de crescer os descer no lapso
de uma hora. Se crescer, o contador detectará a radiação, o martelo será acionado, o frasco
será quebrado e o gato morrerá; se descer, nada disso acontecerá e o gato vai continuar
vivo. Segundo a física quântica, sem nenhum observador que possa atestar a condição do
gato, depois de um tempo ele vai estar simultaneamente morto e vivo ou mortovivo, un
estado alternativo aos extremos vida-morte que já conhecemos. Duas possibilidades
opostas da realidade vão coexistir até alguém olhar dentro da caixa. Esse fenômeno se
chama de superposição quântica.
Os fatos que acho mais interessantes desse paradoxo são, por um lado o papel do
observador, quem define qual das duas possibilidades vai se materializar; por outro, a ideia
do que o gato possa estar em duas situações diferentes ao mesmo tempo e continue a ser
apenas UM. Como sabemos, acredita-se que o papel do observador humano nas ciências
físicas não é levado a sério, focando nas observadores feitas pelos não-humanos
(medidores, balanças, termômetros, etc.). Esse aqui é um exemplo certo de uma excepção
em este sentido.
Trouxe este exemplo para falar de uma ideia de rasgos análogos que está sendo
desenvolvida há um par de décadas na antropologia, propriamente na antropologia da

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saúde. Atenção: não se trata de uma translocação feita com ligeireza e descuido nem de
empréstimos perigosos (ou seja, que não passam pela análise crítica) feitos entre ciências:
o que me permite a estória do gato é explicar minha ideia de como as ciências naturais e
as ciências sociais não necessariamente estão divorciadas de forma irreparável.
O invés de considerar que existem "diferentes olhares do mundo" -frase de uso muito
frequente entre certos cientistas sociais-, que indica de forma implícita a existência de um
mundo só, Anne Marie Mol (2002), a propósito das suas pesquisas na área da saúde 3,
convida a considerar que existem diferentes versões de uma realidade que vêm a existir
pelos atos e as práticas dos envolvidos. Nesse sentido, a proposta de Mol permite continuar
a problematização de natureza/cultura muito além do multiculturalismo e ainda o
multinaturalismo. Como já foi dito, a ideia da multiplicidade das culturas supor uma singular
característica comum (o corpo biológico, o natural-material) e diferentes formas de estar no
mundo; a multiplicidade das naturezas indica uma singular forma de habitar no mundo (a
humanidade, intrínseca às diferentes entidades) através de diferentes corpos-
materialidades (seja humano, animal, árvore, chuva o espírito). Como seja que for,
pareceria que existisse uma singularidade inicial fundadora das coisas e que fica fora delas,
algo anterior a tudo. Não acontece assim nas realidades múltiplas, aqui a realidade pode
ter diferentes versões em sua materialidade plástica e em seu componente simbólico,
versões que estão parcialmente conectadas y que emergem das práticas e os discursos,
são performadas (enacted) e produzidas em virtude dessa performance. Não existem
diferentes perspectivas do mundo e da realidade mas diferentes mundos e realidades.
Mol chama a atenção sobre o fato dos antropólogos da saúde tendem a se
concentrar nas questões simbólicas e no campo das representações e “esquecer” o corpo
físico e as outras materialidades envolvidas nos processos de adoecimento, acreditando
que essa é uma “dimensão” do fenômeno que pertence à biomedicina e outras ciências da
natureza. Essa tendência teria muito a ver com a ideia de que existindo uma materialidade
e configuração biológica singular compartilhada pela humanidade, então haveria uma
realidade fatual única para cada doença (disease, nos termos dela; natureza, nos termos
planteados pela reflexão que orienta este texto); a diversidade estaria nas interpretações,
significados e perspectivas sobre essa doença, que seriam diferentes para os diferentes
grupos humanos (illness, dito por ela; cultura, dito por mim). A proposta de Mol sobre a
realidade da doença convida a pensar que ela pode ser múltipla e relacional, que ela é
performada pelo corpo das pessoas doentes, dos cuidadores, dos médicos que fazem
atendimento, dos legisladores, pelos aparelhos e os testes de laboratórios; mas também

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Influenciados pelos estudos nas áreas temáticas da ciência e a tecnología e pela Teoria Ator-Rede.
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ela é performada pelos atos de cuidado, atendimento, pelas ideias sobre a doença, pelos
significados que cada um dá para doença e assim. Segundo Mol, a doença é mais do que
uma e menos que várias, não tem unidade material nem simbólica, tem versões de si
mesma e essas versões são possíveis pelas práticas. Por fim, essas versões são múltiplas,
fluidas, cambiantes, estão interconectadas entre elas e podem coexistir no mesmo lugar e
tempo. Nesse sentido a pergunta sobre qual a natureza e qual a cultura da doença já não
faz mais sentido.
Aprofundar no pensamento de Mol permitiria problematizar as fronteiras e
classificações sobre quais fenômenos e/ou dimensões dos fenômenos pertencem a cada
ciência pois, neste caso, ela enfatiza que não é apenas nos significados da doença que os
antropólogos podem pesquisar deixando para os médicos as questões biológicas e para os
engenheiros as questões tecnológicas. Aqui subjetividade, materialidade e tecnologia estão
juntas e misturadas e não são exclusivas de nenhuma ciência. Ela reclama para a
antropologia a oportunidade de pesquisar o substrato material da doença.
Por fim, Mol (1999) afirma que mudar a compreensão das abordagens científicas de
um objeto-centro onde convergem várias perspectivas para múltiplos objetos criados pelas
perspectivas e as práticas implica uma mudança na pergunta sobre a representação dos
objetos pela ciência: agora é necessário perguntar como a ciência intervém neles. Ela
também tem força performadora. Então, também aquela distinção entre ciência, política e
ética vira insustentável.

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Referências

DESCOLA, P. As Lanças do crepúsculo: relações jivaro na Alta Amazônia. São


Paulo: Cosac & Naify, 2006.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América


indígena. In: A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac & Naify, 2009. p.
345-399.

MOL, Annemarie. Ontological politics. a word and some questions. In: LAW, John;
HASSARD, John. (Org.). Actor network theory and after. Oxford: Blackwell Publishing, 1999.
p. 74-89.

______________ The body multiple: ontology of medical practice. Durham:


Duke University Press, 2002.

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