Sei sulla pagina 1di 100

Oftalmologia - Vol.

34

Oftalmologia
PUBLICAÇÃO
TRIMESTRAL

VOL. 34

OUTUBRO - DEZEMBRO
2010
REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE OFTALMOLOGIA

Editor
António de Jesus Roque Loureiro
roqueloureirospo@gmail.com

Conselho Redactorial
David da Fonseca Martins
Ilídio Fernandes de Faria
Joaquim Carlos Neto Murta
Jorge Artur Pinho Palmares
José Fernando de Barros Castro Correia
José Rui Faria de Abreu
Luís Manuel de Vasconcelos Nogueira Dias Cabral
Maria Alcina Ferreira Vaz Saleiro da Silva Granate
Maria Manuela Varanda Cidade da Costa Martins
Mário Jorge Figueiredo da Silva

Sociedade Portuguesa de Oftalmologia


Comissão Central Conselho Fiscal
Presidente Rui Manuel Pereira Pinheiro
António Casa Nova Tavares Travassos José Manuel Alves Henriques
João Manuel Loureiro Antunes Monteiro
Vice-Presidente
Eduardo Conde Coordenadores das Secções da S.P.O.
Grupo Português de Retina-Vítreo
Tesoureira Rufino Martins da Silva
Maria João Capelo Quadrado
Grupo Português de Inflamação Ocular
Vogais Rui Daniel Mateus Barreiros Proença
Eduardo Manuel Lima Gomes Conde Grupo Português de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo
Manuel Flávio Alves Silva Eduardo José Gil Duarte da Silva
Secretário-Geral Adjunto Cirurgia Implanto-Refractiva de Portugal
José Pedro Rodrigues Pires da Silva Joaquim Manuel Bernardes Mira
Grupo Português de Contactologia
Secretária-Geral
Cristiano Margarida Oliveira Martins Tavares
Maria Manuela Pires Carmona
Grupo Português de Glaucoma
Mesa da Assembleia Geral Carlos Alberto Nunes da Silva
Presidente
Grupo Português de Neuroftalmologia
Francisco Luís Nunes da Silva
Sandra Carla Gomes Freire
Vice-Presidente Grupo Português de Patologia, Oncologia e Genética Ocular
José Joaquim Dias Arêde Maria Júlia Carvalho Fernandes Veríssimo
1.º Secretário Grupo Português de Ergoftalmologia
Rui Alberto Alçada da Gama Castela António Augusto Ferreira Barbosa

2.º Secretário Editor da página da S.P.O na Internet


João Pereira Figueira Susana Maria Pereira Teixeira Semedo de Sousa

Gráficos Reunidos, Lda. - Rua Álvares Cabral, 22-32 – Tlf. 222 000 608 – 4050-040 PORTO – Depósito Legal 93 889/95 – ISSN 1646-6950

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 I


Oftalmologia - Vol. 34

Oftalmologia
PUBLICAÇÃO
TRIMESTRAL

VOL. 34

OUTUBRO - DEZEMBRO
2010
REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE OFTALMOLOGIA

ÍNDICE

Editorial V

Degenerescência Macular da Idade Glaucoma: – Ambiguidades


Algumas considerações sobre a Etiopatogenia Sara Vaz-Pereira, Leonor Duarte de Almeida,
J. Castro-Correia 501 António Figueiredo, M. Monteiro-Grillo 547

Hemangioma Racemoso da Retina: Resultados Cirúrgicos em Crianças


Um caso clínico com Exotropia Intermitente
F. Mira, R. Andrês, A. Barbosa, C. Paiva, Sara Silva, Filipe Brás, Rui Fialho,
A. R. Loureiro 509 Gabriela Varandas, Maria Lourdes Vieira,
Prof. Dr. Castanheira-Dinis 559
Resultados Cirúrgicos no Tratamento
de Descolamento Macular Associado
a Fossetas Congénitas do Disco Óptico Reabilitação da Cavidade Anoftálmica
N. Costa Lopes, M., Gomes, B. Pessoa, Contracturada
N. Ferreira, M. Beirão, M. Meireles 513 Nádia Lopes, Guilherme Castela, Ana Miguel,
José Nolasco, Rui Andrés, Filipe Mira,
Roque Loureiro 567
Avaliação Funcional e Estrutural da Mácula
após Pelagem de Membrana Limitante
Interna em Puckers Maculares Idopáticos Intubação com Monoka no Tratamento
Marco Dutra Medeiros, Hernâni Monteiro, da Epífora em Idade Pediátrica
José Pedro Silva, Pedro Carreira, Gabriel Morgado, Salomé Gonçalves, Paulo Vale,
António Castanheira Dinis, José Pita Negrão 521 Faria Pires 575

Microperimetria no Diagnóstico Precoce


Pilomatrixoma Palpebral:
da Toxicidade por Hidroxicloroquina
– A propósito de um caso clínico
Marta Vila Franca, Tiago Silva, Rita Pinto,
Sara Vaz-Pereira, Joaquim Prates Canelas,
Conceição Ornelas, Paulo Caldeira Rosa,
Irina Alves, Maria da Conceição Crujo,
António Castanheira-Dinis 529
M. Monteiro-Grillo 579

Manifestações Clínicas Sistémicas


em Doentes com Uveíte Anterior Coroidopatía Central Serosa como
relacionada com HLA-B27 Complicación de La Gestacion
Jorge Filipe Silva Henriques, João Cardoso, M.ª Jesús González Blanco, Ana Campo Gesto,
Jorge Crespo, Júlia Veríssimo, Rui Proença 537 Severiano Campos García 585

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 III


Oftalmologia - Vol. 34

Editorial

O Futuro

N ão quero adivinhar o futuro mas também não o quero ignorar. Por isso
permitam-me que especule sobre o que aí vem e deixe uma mensagem de
esperança.
Nasci no Alto Alentejo onde vi a miséria que já lá não vejo. Onde vi o respeito
encapotado por uma revolta sentida e vivida, mas que pressenti muitas vezes ser
forjada, pelo não querer. O mesmo que ainda vejo!
Só que hoje, não a vejo só aqui ou ali, vejo-a no mundo. No mundo mediatizado,
servido por falsos jornalistas, economistas, comentadores, filósofos, romancistas e
outros anarquistas que modelam pensamentos disformes e os entalam em precon-
ceitos e visões alucinogénias. Como Andrew Oitke – em Mental Obesity – não
entendo porque «tantos educadores aceitam que a dieta mental das crianças
seja composta por desenhos animados, videojogos e telenovelas. Qualquer pai,
responsável, sabe que os seus filhos ficarão doentes se comerem apenas doces e
chocolates». É, na prática, o que nós comemos no «fast food do Big Brother» em
que vegetamos. Nos trabalhos «científicos» que produzimos e repetimos, para os
outros, sem valor acrescentado. O que leva Oitke a afirmar que «O conhecimento
das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi
assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos acham que Saddam foi mau
e Mandela bom, mas nem desconfiam porquê. Todos aprenderam que foi atribuído a
Pitágoras um teorema, mas ignoram o que é um cateto». Todos jurámos Hipócrates,
mas não raras vezes fazemos da Medicina uma actividade marginal, quando não
temos cuidado ou não reflectimos sobre a forma como a praticamos, ignorando
os direitos que jurámos proteger. A sociedade em que vivemos é devoradora, gera
turbilhões de atitudes e preconceitos, fabulosos e marginais, e faz-nos perder a
identidade. Perdemo-la na anarquia da condição humana, perdemo-la na ânsia do
poder, perdemo-la porque muitos não têm princípios, nem valor para os ter.
Por isso usam a contrafação, usam os títulos como nobres decadentes e
revêem-se nas blasfémias, no cabotinismo, na imitação, na sensaboria e no egoísmo
dos seus cérebros doentios e pré-putrefactos de ideias. Foi quase sempre assim…
diriam muitos dos que me lêem… reconheço que é verdade. Por isso, entendo que
cada um de nós, só pelo exemplo, só pela atitude e pelo querer, que deve manifestar
tranquilamente, poderá revoltar-se em «maioria não silênciosa, contra a idade das
trevas». Se queremos uma sociedade melhor vamos trabalhar e entendermo-nos
para que possamos elaborar um «orçamento» de liderança, com a diferença que
seja capaz de alavancar a economia da nossa inteligência, com a fraternidade, com
a lucidez e com a tolerância necessárias, para que as opiniões diferentes, quando
fundamentadas, sejam respeitadas.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 V


Oftalmologia - Vol. 34: pp. 501 - 508

Degenerescência Macular da Idade


Algumas considerações sobre a Etiopatogenia
J. Castro-Correia

A DMI verifica-se, sobretudo, depois dos


60 anos, mas a sua incidência é maior
depois dos 75 anos. Entretanto, apenas 10% a
Os factores epigenéticos provocam reacções
que incluem a reacção de Maillard, a degradação
proteolítica descontrolada e a libertação de
15% dos doentes com DMI sofrem de acentuada radicais livres 4.
perda da visão central. Daqui se deduz que, além
do envelhecimento, outros factores intervêm na
DMI. De facto, embora toda a gente envelheça, Epitélio pigmentado
apenas um décimo da população geral sofre de
DMI tardia atrófica ou exsudativa. Assim, ter-se-á Há evidência de que a lipofuscina progressi-
de concluir que a DMI não é exclusivamente vamente acumulada nas células do epitélio pig-
um processo de envelhecimento e que a este mentado e que se reconhece pelo aumento da sua
processo se acrescentam outros factores, quer autofluorescência reduz o citoplasma funcional
de natureza intrínseca (genéticos) ou extrínseca destas células e compromete a fagocitose dos
(epigenéticos), tal como acontece de resto com o foto-receptores 5. A disfunção das células do epi-
próprio envelhecimento. Do mesmo modo se pode télio pigmentado leva à produção de elevadas
explicar a razão pela qual as graves perdas da visão quantidades de produtos extra celulares que se
central na DMI se observam em ¾ das formas acumulam na membrana de Bruch e contribuem
exsudativas da doença e apenas em ¼ das formas para o aumento progressivo da sua espessura
atróficas, o que realça a importância dos factores com a idade 6.
intrínsecos na expressão fenotípica da doença.
Pode assim concluir-se que a idade é um
factor essencial na degenerescência macular da Membrana de Bruch
idade e, por isso, vamos analisar o factor enve-
lhecimento. Com o envelhecimento verifica-se uma alte-
ração progressiva dos constituintes normais das
cinco camadas da membrana de Bruch (colagé-
O factor envelhecimento nios, glicosaminoglicanos, fibronectina e lami-
nina)7, 8. As alterações moleculares da Bruch e
Em geral, o envelhecimento resulta de uma das tight junctions do epitélio pigmentado dimi-
hiper oxidação celular associada a modificações nuem a sua permeabilidade à medida que enve-
da matriz extra celular 2,3. lhecemos 8. Entretanto, enquanto a porosidade
No envelhecimento intervêm, como já refe- da camada colagénia interna diminui, a porosi-
rimos, factores epigenéticos e factores genéticos. dade da camada elástica aumenta. Este aumento

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 501


J. Castro-Correia

da porosidade da camada elástica facilita a pas- luz solar pode contribuir de modo significativo
sagem de vasos coroideus para o espaço subre- para o aparecimento das alterações da matriz
tiniano, como acontece na forma exsudativa da extra celular que levam à formação de drusas.
degenerescência macular da idade. Esta hipótese levou-nos a realizar um estudo
epidemiológico sobre a possível relação entre a
formação de drusas e a exposição a diferentes
Circulação coroideia intensidades de luz solar durante a vida dos indi-
víduos estudados.
A nutrição das camadas externas da retina
depende da circulação coroideia. Com o envelhe-
cimento o lume dos capilares coroideus diminui, Drusas e luz solar
os espaços intercapilares alargam-se e os pilares
conjuntivos intercapilares engrossam 9. Estes Escolhemos duas localidades com a mesma
factores contribuem para o empobrecimento da latitude (41º Norte) e da mesma região climática
nutrição da retina e sua consequente degradação, (área climática portuguesa Atlântico Norte), uma
com o aumento da destruição dos foto-receptores, delas situada ao nível do mar (Póvoa de Varzim)
a redução da capacidade fagocítica do epitélio e a outra situada a 80 km da costa marítima e a
pigmentado e a consequente alteração da compo- 100 metros de altitude (Amarante). Um total de
sição bioquímica da Bruch. Por outro lado, como 797 indivíduos de ambos os sexos foi examinado,
as células endoteliais intervêm activamente na 328 pescadores (115 com mais de 60 anos e
remoção de detritos da camada colagénia externa, 213 com menos de 60 anos) e 469 agricultores
a diminuição da córiocapilar também contribui (98 com mais de 60 anos e 371 com menos de
para o aumento da espessura e a diminuição 60 anos) 26,27,28,29,30. A análise estatística dos
da condutância da membrana de Bruch que, resultados permitiu retirar as seguintes con-
deste modo, também altera a passagem para clusões:
a coroideia das substâncias produzidas pelo
epitélio pigmentado e que regulam a anatomia e 1) Nos pescadores com mais de 60 anos a
a função da córiocapilar, estabelecendo-se deste prevalência das drusas foi de 51,86% e as drusas
modo um circuito reciprocamente prejudicial. foram mais frequentes no sexo masculino; nos
pescadores com menos de 60 anos a preva-
lência das drusas foi de 63,84% e também signi-
Envelhecimento e lesões oxidantes ficativamente mais alta nos homens do que nas
da retina mulheres. Nesta população também se verificou
que a prevalência das drusas é maior nos mais
A retina é particularmente sensível ao stress jovens e nos indivíduos à roda dos 50 anos, o
oxidante por causa da sua constante exposição à que sugere a existência de coortes com maior
luz solar, do seu alto consumo de oxigénio e do susceptibilidade à luz solar.
seu elevado conteúdo em ácidos gordos polin-
saturados. 2) Nos agricultores de Amarante com mais
de 60 anos a prevalência das drusas foi 58,35%
mas, contrariamente ao observado nos pesca-
Drusas dores, as drusas foram mais frequentes nas
mulheres (64,9%) do que nos homens. Nos indi-
As drusas são um sinal de envelhecimento da víduos com menos de 60 anos a prevalência
retina e, além disso, são o sinal patognomónico das drusas foi muito baixa, apenas de 11,32%.
da degenerescência macular da idade. Todavia a frequência das drusas nos agricultores
Esta associação fez-nos admitir que a prolon- também foi mais elevada nas mulheres do que
gada exposição dos indivíduos de raça branca à nos homens. De modo semelhante ao que acon-

502 OFTALMOLOGIA
Degenerescência Macular da Idade. Algumas considerações sobre a Etiopatogenia

teceu nos pescadores, não só o método da 10) Entre os agricultores são as mulheres que
regressão linear mas também a curva logística exibem uma frequência maior de drusas, o que
da população total de Amarante sugerem a se explica pelo facto de que são as mulheres que
existência de diferentes susceptibilidades à luz trabalham a terra e por isso estão mais expostas
solar em coortes sucessivas e, ainda, que 35% à radiação solar.
de todos os indivíduos provavelmente nunca
adquire drusas. 11) A prevalência das drusas nos grupos mais
idosos das duas populações estudadas é muito
3) Com o objectivo de analisar o paralelismo semelhante, o que prova que o envelhecimento
da distribuição das drusas nas duas populações tem um papel importante na exposição da retina
estudadas aplicou-se o “logits” , isto é, o logaritmo à luz solar.
da frequência dividido pelo seu complemento e
este método provou que o paralelismo é evidente.
Características clínicas, histológicas e quí-
4) Nas duas populações registou-se um micas das drusas típicas
aumento gradual da frequência das drusas com a
idade. Características clínicas

5) A frequência das drusas é maior nos Clinicamente as drusas típicas classificam-se


pescadores do que nos agricultores. como duras ou moles 30.
As drusas duras são formações nodulares
6) Na praia da Póvoa de Varzim a frequência amareladas ou branco-amareladas de bordos
das drusas foi mais elevada no grupo mais jovem, nítidos e tamanho variável. Geralmente são mais
o que pode se devido à fraca protecção contra pequenas do que as drusas moles e o seu diâmetro
a radiação solar pelo cristalino dos jovens que pode mesmo ser muito pequeno, medindo apenas
possui menor quantidade de cromóforos que o 50µm.
cristalino dos indivíduos acima dos 60 anos. As drusas moles são maiores do que as duras
e o seu tamanho pode ser igual ou superior a um
7) A oscilação da frequência das oscilações terço do diâmetro do disco óptico. Fundoscópi-
à roda das curvas teóricas foi paralela em ambos camente assemelham-se a bolhas amareladas ou
os sexos e em ambas as populações estudadas. branco-amareladas redondas ou ovais e os seus
Este modelo oscilante sugere a existência de dife- bordos são menos bem definidos do que os das
rentes susceptibilidades à luz solar em coortes drusas duras.
sucessivas e pode explicar a razão pela qual
alguns autores não encontraram um aumento
global da frequência das drusas com a idade. Características histológicas

Drusas duras ou nodulares


8) A comparação entre ambas as populações
sugere a existência de uma correlação significa- A microscopia de transmissão permite distin-
tiva entre os dois tipos de exposição à luz solar e guir dois tipos estruturais de drusas nodulares30:
a prevalência das drusas que aparecem mais pre-
cocemente e com maior frequência na população a) um constituído por material finamente
dos pescadores. granuloso, compacto e electronicamente
muito denso, a que damos o nome de
9) Finalmente o nosso estudo sugere que drusas nodulares compactas;
35% da população geral nunca adquire drusas, o
que evidencia a importância da hereditariedade b) outro formado por um material granular
na etiopatogenia das drusas. menos denso do que o das drusas compactas
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 503
J. Castro-Correia

e que contém um grande número de vesí- conjugados contendo manose, ácido siálico,
culas, pelo que as designamos por drusas N-acetilglucosamina e beta-galactose; lipídeos
nodulares vesiculares. peroxidados derivados dos ácidos linoleico e
docosahexanoico usualmente encontrados nos
segmentos externos dos foto-receptores; ésteres
Drusas moles ou serosas
de colesterol; fosfolipídeos e lipídeos neutros;
Maiores do que as drusas nodulares, histo- apolipoproteínas B e E; produtos terminais de
logicamente não podem distinguir-se dos desco- glicação avançada; factores do complemento
lamentos serosos do eiptélio pigmentado. São (C1q,C3c,C4,C5,C5b-9 complexo); inibidores
formadas por um material finamente granular, das metaloproteinases-3 da matriz extracelular;
pouco denso em microscopia electrónica e que e ainda muitos outros.
cora fracamente pelo corante de Shiff.

Formação das drusas


Drusas difusas membranosas
Com o envelhecimento não só as células do
As drusas difusas membranosas são acumula- epitélio pigmentado se degradam mas também
ções difusas de vesículas, de perfis curvilíneos a sua membrana basal. Formam-se então pro-
e de restos celulares situados entre a membrana trusões do citoplasma das células epiteliais que
basal do epitélio pigmentado e a lámina elástica são envolvidas pela membrana basal e colo-
da Bruch, contribuindo para o espessamento da cadas na colagénia interna da Bruch onde se
colagénia interna 30. acumulam de forma a originar drusas difusas
ou nodulares 30. No caso das drusas difusas a
deposição é sensivelmente uniforme ao longo
Depósitos laminares basais da colagénia interna, enquanto que no caso das
drusas nodulares o material celular se dispõe
Os depósitos laminares basais localizam-se irregularmente, acumulando-se em maior quan-
entre o citoplasma das células do epitélio pigmen- tidade nos pontos que correspondem às drusas.
tado e a membrana basal deste epitélio. Histo- Estas evoluem secundariamente para o tipo
logicamente os depósitos laminares basais assu- histológico nodular compacto ou nodular vesi-
mem três aspectos: cular através de um processo histoquímico ainda
não esclarecido.
1) pequenas acumulações de material granu-
loso muito denso electronicamente e semelhante
ao das drusas nodulares compactas; Formação de depósitos basais
2) depósitos com estriação semelhante ao
A presença de “coated vesicles” situadas, quer
colagénio mas largamente espaçada (120 nm);
no interior das células do epitélio pigmentado,
3) depósitos filamentosos. quer fundidas com a membrana plasmática destas
células, sugere que a produção dos depósitos
laminares basais se faz por um mecanismo de
Características químicas das drusas típicas exocitose.

A composição química das drusas típicas,


duras e moles, tem sido intensamente estudada31. Remoção das drusas
Muitas moléculas foram identificadas nas drusas,
encontrando-se já publicadas extensas listas dos Par além de mecanismos de provável natureza
seus componentes moleculares que incluem glico- química, o achado ocasional de macrófagos no
504 OFTALMOLOGIA
Degenerescência Macular da Idade. Algumas considerações sobre a Etiopatogenia

lume dos capilares da córicapilar pode estar meabilidade desta membrana. Estas alterações
relacionado com a remoção das drusas. Por estruturais da Bruch não só dificultam a remo-
outro lado, algumas imagens ultra-estruturais ção dos produtos do catabolismo, mas também
mostram restos celulares das drusas engolfados dificultam a passagem de hormonas e de substân-
por vilosidades das células endoteliais da cório- cias nutritivas, incluindo o oxigénio e a vitamina
capilar, sugerindo claramente a existência de um A, para o epitélio pigmentado. Em resposta o
mecanismo de fagocitose efectuado por estas epitélio pigmentado produz substâncias como
células 30. De facto, também no lume dos capilares o VEGF (factor de crescimento do endotélio
da córiocapilar podem ser observados restos vascular) e o factor básico de crescimento dos
celulares, o que reforça a ideia da participação fibroblastos que estimulam a formação de neo-
activa da córiocapilar na remoção das drusas. vasos. Células gigantes de corpos estranhos e
macrófagos oriundos da coroideia tentam digerir
a Bruch e dão origem à formação de citocinas
Patogenia da DMI que também estimulam o desenvolvimento de
neovasos coroideus.
Tendo em mente as considerações anteriores O aumento da expressão do VEGF derivado
podemos afirmar que a degenerescência macular do epitélio pigmentado pode ser suficiente para
da idade resulta do somatório das modificações a formação de neovasos coroideus 33. Entretanto
biológicas próprias do envelhecimento com o as células do epitélio pigmentado também pro-
código genético de cada indivíduo. Como aca- duzem PEDF (factor derivado do epitélio
bamos de referir, o stress oxidante acumulado pigmentado), uma proteína que é inibidora da
durante o envelhecimento produz profundas angiogénese. O stress oxidante, porém, pode
alterações nas células do epitélio pigmentado e alterar o equilíbrio entre o VEGF e o PEDF
na córiocapilar. produzidos pelo epitélio pigmentado e assim
As alterações do epitélio pigmentado e da intervir na formação de neovasos 34. Do mesmo
córiocapilar provocam o aparecimento de uma modo, as injecções intravítreas de substâncias
reacção inflamatória que agrava as alterações da inibidoras do VEGF podem diminuir ou suprimir
matriz extracelular da Bruch (aumento do número a formação de neovasos coroideus. Todavia, como
das drusas, aumento da espessura e diminuição o VEGF promove a fenestração do endotélio
da permeabilidade) e, por último, conduz à da córiocapilar, a sua supressão química leva à
apoptose das células do epitélio pigmentado 31. supressão desta fenestração e ao agravamento
As alterações patológicas da matriz extra- da impermeabilidade da Bruch o que aumenta a
celular da Bruch e a morte das células do epité- hipoxia que, por um lado, conduz à apoptose das
lio pigmentado conduzem ao aparecimento das células do epitélio pigmentado e, por outro lado,
lesões tardias da degenerescência macular da estimula a neovascularização. A necessidade da
idade, ou seja, quer à atrofia geográfica, quer à administração repetida dos inibidores do VEGF
forma exsudativa desta degenerescência, quando pode encontrar aqui explicação.
se criam condições que estabelecem o desequi-
líbrio entre a produção das substâncias anti-
angiogénicas e pró-angiogénicas de forma a A atrofia geográfica
conduzir à formação de neovasos coroideus.
A densidade da córiocapilar diminui com o
envelhecimento e na degenerescência macular
A forma exsudativa da degenerescência da idade 35,36. Este facto pode ser devido quer à
macular da idade lesão do endotélio dos capilares coroideus secun-
dária a lesões oxidantes crónicas; quer à perda de
Acabamos de ver que a acumulação de restos células do epitélio pigmentado; ou à combinação
celulares na Bruch altera a composição e a per- destes dois factores.
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 505
J. Castro-Correia

O aumento da autofluorescência do fundo niente lembrar que a degenerescência macular


ocular precede o aparecimento da atrofia geo- da idade muito provavelmente não é determinada
gráfica 37. A autofluorescência é devida à acu- por um único gene e por isso começamos por
mulação excessiva de lipofuscina no epitélio dizer que esta degenerescência é uma afecção
pigmentado, o que provoca alterações celulares poligénica com vários genes que conferem sus-
profundas neste epitélio. A atrofia das células do ceptibilidade ou resistência à doença, determi-
epitélio pigmentado conduz à perda do VEGF nando possivelmente vários subtipos de degene-
produzido por estas células e à atrofia da cório- rescência macular. De facto há uma série de
capilar. A atrofia da córiocapilar e o espessa- fenótipos consistentes com o diagnóstico de
mento da Bruch produzido pela acumulação de degenerescência macular da idade.
restos celulares criam condições desfavoráveis Os estudos epidemiológicos efectuados suge-
ao normal funcionamento do epitélio pigmen- rem que a degenerescência macular da idade
tado e ao normal metabolismo dos foto-recepto- tem um significativo componente genético e,
res que lhe estão associados, conduzindo à sua por isso, os métodos de genética molecular
destruição. Assim, a atrofia do epitélio pigmen- podem ser utilizados para identificar os genes
tado resulta muito provavelmente do desequilíbrio causadores desta degenerescência. De entre
criado entre a diminuição do aporte nutritivo e o estes métodos têm sido particularmente usados a
aumento das anormalidades metabólicas nos análise genética linkage, a clonagem posicional
locais onde há uma acumulação excessiva de e o estudo de gémeos, embora o começo tardio
restos celulares. da doença torne difícil encontrar famílias com
um número de casos suficiente para obter resul-
tados de confiança. Por outro lado, dado que o
fenótipo da doença é muito variado, é provável
O factor genético na degenerescência que o mecanismo fisiopatológico também o seja.
macular da idade De facto, têm sido propostos vários mecanismos
para explicar a formação das drusas como, por
A concordância no aparecimento de lesões de exemplo, anomalias da retina neurosensorial,
degenerescência macular em gémeos monozi- anomalias do epitélio pigmentado, anormali-
góticos, a existência do mesmo fenótipo neste tipo dades da membrana de Bruch, anormalidades
de gémeos (drusas moles, alterações pigmentares da córiocapilar, activação do sistema imunitário,
e 20 ou mais drusas duras 38 e a simetria e bilate- anormal rigidez da esclera, disfunção mitocon-
ralidade das lesões retinianas são dados que drial, toxicidade da luz e deficiências nutritivas.
conduzem à aceitação da natureza hereditária da Recentes observações genéticas apontam, por
degenerescência macular da idade. Actualmente um lado, no sentido de que vários destes meca-
aceita-se, de facto, que esta degenerescência nismos podem estar implicados na patogenia da
macular é uma afecção poligénica que confere degenerescência macular da idade, o que expli-
susceptibilidade à doença. Nos indivíduos saudá- caria o aparecimento dos vários fenótipos da
veis a sua capacidade funcional excede o limiar doença e, por outro lado, sugerem que o factor
abaixo do qual a doença assume expressão H do complemento está fortemente associado ao
clínica. A susceptibilidade à doença, pelo con- risco de desenvolvimento da doença. Uma troca
trário, aumenta nos indivíduos geneticamente tirosina-histidina no amino-ácido 402 do factor
afectados. A produção de matriz extracelular H do complemento do cromossoma 1q32 torna-
é genéticamente controlada mas os factores ria os portadores desta variante genética parti-
epigenéticos podem alterar a sua constituição cularmente predispostos ao desenvolvimento de
através, por exemplo, de produtos de glicação degenerescência macular 39.
avançada. Ora a matriz extracelular degradada Nos doentes com degenerescência macular
vai determinar o fenótipo por intermédio dos da idade haveria uma disregulação da cascata
receptores das membranas celulares. É conve- do complemento na membrana de Bruch e nas
506 OFTALMOLOGIA
Degenerescência Macular da Idade. Algumas considerações sobre a Etiopatogenia

células do epitélio pigmentado, o que originaria phometric analysis of Bruch’s membrane, the chorio-
a formação descontrolada das drusas. capillaris and the choroids in ageing. Invest. Ophthalmol.
Vis. Sci, 1994; 35:2857-2864
Estes últimos dados apontam para a possi- 17. HOGAN MJ, ALVARADO J.: Studies on the human
bilidade de intervenção da terapêutica genética macula, IV: aging changes in Bruch’s membrane.
na degenerescência macular da idade. De facto Arch. Ophthalmol., 1967; 77:410-420
o globo ocular, quer pelo seu tamanho, quer pela 18. MOORE DJ, CLOVER GM.: The effect of age on the
macromolecular permeability of human Bruch’s
sua anatomia, permite a utilização de peque- membrane. Invest. Ophthalmol. Vis. Sci., 2001; 42:
níssimas quantidades de vectores com efeitos 2970-2975
sistémicos colaterais mínimos e significativos 19. PAULEIKHOFF D, HARPER CA, MARSHALL J, BIRD AC.:
êxitos em casos de doenças retinianas heredo- Aging changes in Bruch’s membrane: a histochemical
and morphologic study. Ophthalmology, 1990; 97:
degenerativas 40. Actualmente o resultado mais
171-178
impressivo é o da amaurose congénita de Leber 10. FRIEDMAN DS, KATZ J, BRESSLER NM, RAHOMANI B,
causada por anomalias do gene que codifica a TIELSCH JM.: Racial differences in the prevalence of
enzima RPE65 que é uma isomerase fundamental age-related macular degeneration. Ophthalmology,
para o ciclo retinoide no epitélio pigmentado 1999; 106:1049-1055
11. Age-related eye disease study Research Group. Risk
da retina. As experiências em curso no Reino factors associated with age-related macular degenera-
Unido e nos Estados Unidos abrem excelentes tion: a case-control study in the age-related eye disease
perspectivas para os doentes com doenças reti- study: age-related eye disease study report number 3.
nianas heredodegenerativas. Ophthalmology, 2000; 107:2224-2232
12. VINGERLING JR, KLAVER CC, HOFMAN A, DE JONG PT.:
Entretanto poderemos afirmar que, apesar das
Epidemiology of age-related maculopathy. Epidemiol.
numerosas publicações feitas sobre a degene- Rev., 1995; 17:347-360
rescência macular da idade, a sua etiopatoge- 13. DOWLING JE, SIDMEN RI.: Inherited retinal dystrophy
nia continua ainda cheia de incógnitas. Assim, in the rat. J. Cell Biol., 1962; 14:73-107
julgo que para aumentar o nosso conhecimento 14. LANUM F.: The damaging effects of light on the retina.
Empirical findings, theoretical and practical appli-
e melhorar a nossa atitude terapêutica, além dos cations. Surv. Ophthalmol., 1992;22:221
estudos moleculares em patologia humana, o 15. LAUBER R, SCHUTZE J, MCBINNIS J.: Effects of exposure
contributo da investigação em animais e in vitro to continuous light on the eye of the growing chick.
será essencial. Proceedings Soc. Exp. Biol. and Medicine, 1961; 100:
871-872
16. LERMAN S.: Radiant energy and the eye. New York,
McMillan Publication Cº, 1980
17. NOELL WK.: Aspects of experimental and hereditary
retinal degeneration. In Biochemistry of the Eye,
Graymore CN ed., Academic Press, New York, 1965:
Bibliografia 51-72
18. Organisciak DT, Noell WK.: The rod outer segment
1. KLEIN R, KLEIN BE, FRANKE T.: The relationship of phospholipid opsin ratio of rats maintained in darkness
cardiovascular disease and its risk factors to age-related or cyclic light. Invest. Ophthalmol. Vis. Sci., 1977;
maculopathy: the Beaver Dam Eye study. Ophthal- 16:188-190
mology, 1993; 100:406-414 19. TSO MOM.: Photic maculopathy in rhesus monkey.
2. HARMAN D. AGEING: A theory based on free radical and A light and electron microscopic study. Invest. Oph-
radiation chemistry. J. Gerontol, 1956; 11:298-300. thalmol. Vis. Sci., 1973; 12:17-34
3. VERZAR F.: Aging of connective tissue. Gerontologia, 20. TSO MOM, WOODFORD BJ.: Effect of photic injury on
1957; 1:363-378 the retinal tissues. Ophthalmology, 1983; 90:952-963
4. MAILLARD LC.: Action des acides amines sur les sucres: 21. CLARK B, JOHNSON ML, DREHER R.: The effect of
formation des melanoidines par voie methodique. CR sunlight on dark adaption. Am. J. Ophthalmol., 1946;
Hebd Seances Acad. Sci., 1912; 154:66-68 29:828-836
5. SUNDELIN SP, WIHLMARK U, NILSSON SEG, BRUNK UT.: 22. HECHT S, HENDLEY CD, ROSS H, RICHARD PN.: The
Lipofuscin accumulation in cultured retinal pigment effect of exposure to sunlight on the night vision. Am.
epithelial cells reduces their phagocitic capacity. Curr. J. Ophthalmol., 1948; 31:1573-1580
Eye Res., 1998; 17:851-857 23. HELLER R, GIACOMETTI L, YNEN K.: Sunlight and
6. RAMRATTAN RS, VAN DER SCHAFT TL, MOOY CM, DE cataract: an epidemiologic investigation. Am. J. Epide-
BRUIJN WC, MULDER PGH, DE JONG PTVM.: Mor- miol., 1977; 105:450-459

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 507


J. Castro-Correia

24. LERMAN S.: Ocular photosensitivity. In Recent Advan- 33. SCHWESINGER C, YEE C, ROHAN RM, et al.: Intra-
ces in Ophthalmology. Davidson SI and Fraufelder FT, choroidal neovascularization in transgenic mice ove-
eds. Churchill Livingston 1985: 109-136 rexpressing vascular endothelial growth factor in the
25. ZIGMAN S, DATILES M, TORCZYNSKI E.: Sunlight and retinal pigment epithelium. Am. J. Pathol., 2001; 158:
human cataracts. Invest. Ophthalmol. Vis. Sci., 1979; 1161-1172
18: 462-467 34. OHNO-MATSUI K, MORITA I, TOMBRAN-TINK J, et al.:
26. CASTRO-CORREIA J, COUTINHO MF, MAIA J, COELHO Novel mechanisen for age-related macular degene-
DA SILVA A, ROSAS V, MARTINS N, PRÉZIA F.: Degene- ration: an equilibrium shift between the angiogenesis
rescência macular senil e radiação solar. Rev. Soc. factors VEGF and PEDF. J. Cell Physiol., 2001;
Port. Oftalmol., 1987; 13:55-64 189:323-333
27. CASTRO-CORREIA J, COUTINHO MF, MAIA J, COELHO 35. GRUNWALD J, HARIPRASAD S, DUPONT J, et al.:
DA SILVA A, ROSAS V, MARTINS N, PRÉZIA F, REIS F.: Foveolar choroidal blood flow in age-related macular
Epidemiology of the exsudative age-related macular degeneration. Invest. Ophthalmol. Vis, Sci., 1998; 39:
degeneration. Exp. Ophthalmol., 1988; 14:47-50 385-390
28. CASTRO-CORREIA J, COUTINHO MF, MAIA J, COELHO DA 36. CIRELLA TA, HARRIS A, CHUNG HS, et al.: Color
SILVA A, ROSAS V, REIS F, PRÉZIA F.: Epidemiology of Doppler imaging reveals reduced ocular blood flow
the toxic effects of solar radiation on the human retina. velocities in nonexsudative age-related macular dege-
In: Retinal pigment epithelium, Zingirian M. Cardillo, neration. Am. J. Ophthalmol., 1999; 128:75-89
F. Kluger and Ghedini eds. Amsterdam 1989: 175-181 37. HOLZ FG, BELLMAN C, STAUDT S, SCHUTT F, VOLKKER
29. CASTRO-CORREIA J, COUTINHO MF, MAIA J, COELHO DA HE.: Fundus autofluorescence and development of
SILVA A, ROSAS V, PRÉZIA F, ARAÚJO J.: Solar radiation geographic atrophy in age-related macular degenera-
and frequency of macular drusen. 2nd Meeting of the tion. Invest. Ophthalmol. Vis. Sci., 2001; 42:1051-1056
European Macular Group, Crète (May 1989). J. Fr. 38. HAMMOND CCJ, WEBSTER AR, SNIEDER H, BIRD AC,
Ophtalmol., 1989; 12:901 GILBERT CE, SPECTOR T.: Genetic influence on early
30. CASTRO-CORREIA J, COUTINHO MF, MOREIRA R.: Drusen age-related maculopathy: a twin study. Ophthalmo-
of Bruch’s membrane. Acta Oftalmológica, 1992; 3: 7-35 logy, 2002; 109:730-736
31. ZARBIN MA.: Current concepts in the pathogenesis of 39. QUIN S, RODRIGUES G, et al.: Progress and perspectives
age-related macular degeneration. Arch. Ophthalmol., on the role of rpe cell inflammatory responses in the
2004; 122: 598-614 development of age-related macular degeneration. J.
32. BEATTY S, KOH H-H, PHIL M, HENSON D, BOULTON Inflamm. Res., 2008; 1:49-65
M.: The role of oxidative stress in the pathogenesis of 40. BAINBRIDGE JW, TAN MH, ALI RR.: Gene therapy pro-
age-related macular degeneration. Surv. Ophthalmol., gress and prospects: the eye. Gene Therapy, 2006; 13:
2000; 45:115-134 1191-1197

508 OFTALMOLOGIA
Oftalmologia - Vol. 34: pp. 509 - 512

Hemangioma Racemoso da Retina:


– Um caso clínico
F. Mira 1, A. Barbosa 2, C. Paiva 3, A. Loureiro 4
1 – Interno do Internato Complementar de Oftalmologia do CHC (Centro Hospitalar de Coimbra)
2 – Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia do CHC
3 – Assistente Hospitalar de Oftalmologia do CHC
4 – Director do Serviço de Oftalmologia do CHC

RESUMO

Introdução: O Hemangioma racemoso da retina é uma malformação congénita


caracterizada por comunicações arteriovenovas (AV) retinianas. Em cerca de 30% dos
casos pode haver manifestações a nível do sistema nervoso central (SNC), denominando-
-se então por Síndrome de Wyburn-Mason. Material e Métodos: Os autores apresentam
um caso clínico de um doente, sexo masculino, de 39 anos, que recorre ao Serviço de
Urgência devido a diminuição da acuidade visual do olho esquerdo (OE) com cerca de
seis dias de evolução. Apresenta melhor acuidade visual corrigida olho direito (OD): 4/10
e olho esquerdo (OE): 2/10. À fundoscopia apresenta disco óptico com limites indefinidos,
alguma palidez, dilatação e tortuosidade AV marcada bilateralmente. Conclusão:
O Hemangioma racemoso da retina é um diagnóstico clínico raro, efectuado através
do exame oftalmológico. É importante o despiste de envolvimento do SNC através da
realização de ângio-ressonância magnética nuclear. Actualmente não existe nenhum
tratamento preconizado, sendo importante a realização de observações periódicas para
despiste de eventuais complicações.

ABSTRACT
Introduction: Racemose Haemangioma (RH) is a congenital anomaly, characterized
by retinal arteriovenous(AV) malformation. About 30% of patients have signs of central
nervous system (CNS) involvement, which has been called the Wyburn-Mason syndrome.
Case report: The authors present a 39-year-old male patient, who was admitted at
the emergency room with decreased visual acuity of his left eye, for the last 6 days.
Ophthalmic examination was performed and showed a visual acuity of 4/10 in his right
eye and of 2/10 in the left eye. Fundoscopy examination revealed pallor of both optic
discs, with blurred limits and a characteristic dilation and AV connections. Conclusion:
RH of retina is a rare entity which can be diagnosed by ophthalmic examination. Once
this diagnosis is established, involvement of CNS has to be rulled out performing an
angioMRI. Currently, no specific treatment has been defined, except a periodic follow-up
to prevent complications.

Palavras-chave: Malformação arteriovenosa; Hemangioma racemoso; Síndrome Wyburn-Mason.

Key words: Arteriovenous malformation; Racemose haemangioma; Wyburn-Mason Syndrome.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 509


F. Mira, A. Barbosa, C. Paiva, A. Loureiro

Introdução Tensão ocular (método aplanação): 12mmHg


ODE; Fundoscopia: ODE: Disco óptico de

A s malformações arteriovenosas (AV) são limites indefinidos, edema ligeiro das fibras
alterações vasculares congénitas e raras, peripapilares, palidez ligeira (mais evidente
descritas pela primeira vez no século XIX 4. no OE), dilatação e tortuosidade vascular
Vários foram os termos usados para descrever associadas a malformações AV (Figs. 1 e 2).
estas malformações, desde angioma AV,
aneurisma AV e hemangioma racemoso 6. As
malformações AV são um diagnóstico clínico
caracterizado por comunicações AV podendo ser
classificadas segundo Archer et al em 3 grupos 1.

Grupo I – comunicação AV com interposição


de um plexo capilar anormal entre os vasos;

Grupo II – comunicações AV directas ou


múltiplas, sem leito capilar;

Grupo III – comunicações AV complexas e


extensas, sem leito capilar;
Fig. 1 – Retinografia fundo ocular OD.

Trata-se de um quadro clínico normalmente


unilateral, idiopático, sem predilecção por
género ou raça, diagnosticado através de um
exame de rotina, podendo haver sintomas
visuais relacionados com a localização e exten-
são das lesões.
Em cerca de 30% dos casos existem também
comunicações AV no sistema nervoso central,
denominando-se Síndrome de Wyburn-Mason7.

Os autores apresentam um caso clínico de


malformações AV bilaterais.

Caso clínico Fig. 2 – Retinografia fundo ocular OE.

Doente de 39 anos de idade, sexo masculino,


raça caucasiana, recorre ao Serviço de Urgência
devido a diminuição da acuidade visual OE com A Angiografia Fluoresceínica (AF) demons-
cerca de seis dias de evolução. trou hiperfluorescência papilar, grande
Antecedentes pessoais de hipertensão tortuosidade vascular com compromisso arterial
arterial medicada e controlada com inibidor da e venoso, bem como vasos dilatados em “saca-
enzima de conversão da angiotensina. Ao exame -rolhas”. Fase inicial apresentou enchimento
oftalmológico apresentava Melhor Acuidade simultâneo da rede arterial e venosa sem rede
Visual Corrigida para longe: OD: 4/10, OE: capilar interposta, sobretudo na arcada temporal
2/10; Biomicroscopia: sem alterações relevantes; superior e inferior. A fase venosa tardia demons-
510 OFTALMOLOGIA
Hemangioma Racemoso da Retina: – Um caso clínico

trou um padrão laminar venoso e um nervo óptico orbitária e crânio-encefálica não demonstrou
com trama vascular intensa (Fig. 3). A ecografia nenhuma alteração relevante. A realização
ocular evidenciou elevação da cabeça do nervo de ecodoppler carotídeo bilateral também
óptico de aproximadamente 2mm bilateralmente não demonstrou alterações. O doente foi
(Fig. 4), ao passo que a tomografia de coerência observado pela Neurologia que descartou a
óptica (OCT) evidenciou diminuição da camada presença de alterações neurológicas tendo
de fibras nervosas peripapilares bilateralmente,
embora mais marcado no OE (Fig. 5). Os
campos visuais 24-2 demonstraram uma ilha
visão central e temporal superior no OD (Fig. 6)
e uma ilha visão temporal superior no OE.
Analiticamente não apresentava alterações
no hemograma, PCR, bioquímica, microbiologia
e imunoquímica. A realização de Tomografia
computorizada (TC) orbitária e posteriormente
ângio-ressonância magnética nuclear (RMN)

Fig. 5 – Camada de fibras nervosas no OCT.

Fig. 3 – AF em tempos precoces OD.

Fig. 4 – Ecografia ocular modo A e B OE. Fig. 6 – Campos visuais 24-2 OD.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 511


F. Mira, A. Barbosa, C. Paiva, A. Loureiro

posteriormente sido observado pela Hemato- hemangioma capilar, doença de Von Hippel
logia que descartou a presença de distúrbios da Lindau e macrovasos retinianos congénitos 5.
coagulação. Normalmente, o alto fluxo e a elevada
Após follow up de seis meses, o doente pressão hidrostática são responsáveis pela
mantém exame oftalmológico sobreponível dilatação e tortuosidade venosas, situação que
continuando a ser observado periodicamente em pode predispor a complicações oculares como
consultas de retina médica. sejam a hemorragia intra-retiniana, exsudação,
formação de aneurisma, oclusão vascular,
glaucoma neovascular e hemorragia do vítreo 3.
Os achados no exame oftalmológico, aliados
Discussão aos resultados dos restantes exames auxiliares
de diagnóstico, apontam como diagnóstico
A etiologia das malformações AV permanece mais provável o Hemangioma racemoso; a
desconhecida, mas especula-se que estas situação atípica observada neste caso clínico é
apareçam devido a lesões ocorridas durante a o seu aparecimento bilateral, que é pouco fre-
embriogénese com consequente diferenciação quente. Normalmente as lesões permanecem
anómala das células mesenquimatosas em estáveis, não sendo necessário cumprir qualquer
células endoteliais 2. tratamento oftalmológico, preconizando-se
As malformações AV, além de atingirem o uma observação oftalmológica periódica para
olho, podem também atingir o SNC e mesmo despiste de eventuais complicações.
outros órgãos 5, sendo mandatório o despiste O prognóstico deste quadro clínico está
de envolvimento do SNC através de avaliação dependente da localização e extensão das
pelo Neurologista e realização de AngioRMN. lesões, sendo sempre mandatório descartar o
Trata-se de um quadro clínico que se diagnos- envolvimento do SNC através da solicitação
tica durante a terceira década de vida, normal- de colaboração à Neurologia e realização de
mente através de uma observação oftalmológica AngioRMN.
ocasional ou, mais raramente, através de dimi-
nuição da acuidade visual 5. O diagnóstico é
efectuado através do exame oftalmológico,
podendo ser auxiliado pela AF, OCT, entre
outros. Na AF observámos em fase arterial Bibliografia
precoce a comunicação directa entre artéria 1. ARCHER DB, DEUTMAN A, ERNEST JT and KRILL AE.:
e veia, sem derrame tardio. Normalmente no Arteriovenous communications of the retina. Am J
OCT observa-se a diminuição da espessura da Ophthalmol.1973; 75: 224-241
camada de fibras nervosas peripapilares. 2. BROWN GC, DONOSO LA, MAGARGAL LE, GOLDBERG
No presente caso clínico existem malfor- RE and SARIN LK.: Congenital retinal macrovessels.
Arch Ophthalmol.1982; 100:1430-1436
mações AV que se enquadram no grau II de 3. GASS JDM.: Stereoscopic Atlas of Macular Disease
Archer, com comunicação AV directa sem leito Diagnosis and Treatment, Vol. 1. Mosby: St Louis.
capilar interveniente. Trata-se de uma situação 1997; p. 440-442
rara devido ao envolvimento ocular bilateral. 4. MAGNUS H.: Aneurysma arterioso-vensoum retinale.
Virchows Arch Pathol AnatPhysiol. 1874;60: 38-45
O envolvimento do SNC foi descartado através
5. MANSOUR AM, WALSH JB, HENKIND P.: Arteriovenous
da observação pela Neurologia e da realização anastamoses of the retina. Ophthalmology 1987; 94:
de AngioRMN. A observação oftalmológica, 35-40
assim como a AF estão de acordo com o padrão 6. P I TAU LT G, H A D DA D WM and S O U B R A N E G.:
típico da doença. Perante esta possibilidade Decompensation of a cirsoid aneurysm: a case report. J
Fr Ophtalmol. 2003; 26: 503-506
diagnóstica é importante ter em atenção alguns 7. THERON J, NEWTON TH, HOYT WF.: Unilateral retino-
diagnósticos diferenciais importantes, dos cephalic vascular malformations. Neuroradiology.
quais se destacam: telangiectasia peripapilar, 1974; 7(4): 185-196

512 OFTALMOLOGIA
Oftalmologia - Vol. 34: pp. 513 - 519

Resultados Cirúrgicos no Tratamento


de Descolamento Macular Associado
a Fossetas Congénitas do Disco Óptico
N. Costa Lopes, M., Gomes, B. Pessoa, N. Ferreira, M. Beirão, A. Meireles
Centro Hospitalar do Porto – Porto – Portugal: Secção de Retina Cirúrgica

RESUMO

Objectivo: Avaliar a eficácia da vitrectomia, extracção da membrana limitante interna,


laser e tamponamento com gás, no tratamento de pacientes com fossetas congénitas
do disco óptico e descolamento macular associado. Material e Métodos: Estudo
retrospectivo de 6 casos consecutivos de descolamento de retina seroso associado a fosseta
congénita do disco óptico, observados e tratados cirurgicamente nos dois últimos anos.
Documentação dos casos com dados de observação clínica e exames auxiliares pré e pós
operatórios: Retinografia, Tomografia de Coerência Óptica e Perimetria Estática. A técnica
cirúrgica utilizada foi: Vitrectomia com descolamento da hialoideia posterior, extracção da
membrana limitante interna, retinopexia com LASER 532nm, tamponamento com 0,4 cc
de C3F8 e posicionamento (face para baixo). Resultados: Em todos os doentes foi obtida
aplicação retiniana após cirurgia e houve melhoria da acuidade visual. Não foi possível
determinar relação de causalidade entre retinopexia com LASER e defeito campimétrico.
Não houve recorrência do descolamento de retina em nenhum doente ao longo do follow-
-up. Discussão: As fossetas colobomatosas do disco óptico são uma patologia rara,
ainda sem consenso terapêutico. A utilização da tomografia de coerência óptica permite
esclarecer melhor os diversos estádios do descolamento seroso de retina que complica
esta patologia em 25 a 75% dos casos. Os resultados sugerem que a técnica cirúrgica
empregue é válida, com melhorias anatómica e funcional na maioria dos pacientes.
A recuperação visual está dependente das alterações prévias da retina neuro-sensorial e
epitélio pigmentado da retina.

Palavras Chave: Fosseta congénita do disco; Descolamento seroso macular; Tomografia de


Coerência Óptica; Perimetria; Vitrectomia.

Introdução
Histologicamente corresponde a um defeito

A fosseta congénita do disco óptico (FCDO)


é uma anomalia rara, descrita pela
primeira vez por Wiethe em 1882 1, com uma
na lâmina crivosa que contém uma variedade de
tecidos retinianos, incluindo nervos aberrantes e
tecidos pigmentados, apoiados por uma rede de
incidência estimada de 1:11 000 pacientes. tecido glial 2.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 513


N. Costa Lopes, M. Gomes, B. Pessoa, N. Ferreira, M. Beirão, A. Meireles

A sua etiopatogenia está actualmente ainda têm sido propostos. A maior parte dos estudos
mal esclarecida, podendo estar relacionada com parece favorecer a hipótese de se tratar de uma
um mau encerramento da fenda fetal ou má forma de vítreo liquefeito 3.
involução da papila primitiva 3. Em 1988, baseando-se na análise de imagens
Apesar de poderem surgir bilateralmente estereoscópicas e campos visuais, Lincoff pro-
e em qualquer localização do disco, as pôs que o descolamento se processaria em duas
FCDO são normalmente únicas e unilaterais principais etapas 5:
(85%), ocorrendo com maior frequência na
1. Inicialmente surgiria uma cavidade de
região ínfero-temporal de papilas de dimensão
esquisis intra-retiniana, formada pelo movi-
aumentada e contorno irregular 3.
mento de fluido, através de uma solução de
Fundoscopicamente a FCDO apresenta-se
continuidade entre a fosseta e as camadas reti-
como uma depressão redonda ou ovalada, de
nianas internas.
cor cinza, branca ou amarelada, conforme o
2. Secundariamente, o fluido chegaria ao
tecido glial que a constitui. A dimensão da fos-
espaço sub-retiniano através de uma fístula
seta pode variar entre 0,1 e 0,7 diâmetros de
intra-retiniana, dando origem ao descolamento
disco (DD) e a sua profundidade pode atingir
macular seroso.
0,5 dioptrias (D), sendo em média de 0,3 D 3.
Outros achados fundoscópicos raros têm sido Estudos posteriores com tomografia de coe-
descritos em associação a fossetas do disco rência óptica (TCO) têm confirmado esta teoria 6-8.
óptico, como a presença de artérias cílio-reti- Em 1991, Bonnet, baseada em estudos de
nianas (60%) e trifurcação arterial (18%) 4. difusão angiográfica tardia, completou esta teoria,
As FCDO podem estar associadas a défices sugerindo a existência de um componente trac-
campimétricos, mais frequentemente escotomas cional do vítreo a nível máculo-papilar favo-
centrais e paracentrais. As alterações de campo recendo o descolamento bilaminar 9. Observou
visual (CV), quando presentes, podem reflectir também a remissão espontânea de descolamentos
a localização da fosseta ou não ter qualquer maculares após descolamento posterior do vítreo.
correlação retinotópica 3. Vários tipos de tratamento têm sido pro-
As FCDO são compatíveis com uma boa postos ao longo dos anos para o DR macular
acuidade visual (AV), excepto quando associa- seroso: Descompressão da bainha do nervo
das a descolamento de retina (DR) macular óptico, Corticóides, LASER isolado, Pneumo-
secundário. Geralmente o diagnóstico surge pexia isolada ou associada a LASER, Indentação
entre a 3.ª e a 4.ª décadas de vida, precipitado com explante macular, Vitrectomia + pneumopexia,
pelo início da maculopatia. Vitrectomia + LASER + pneumopexia, Vitrecto-
O DR associado às FCDO é um descolamento mia + retinotomia de drenagem + pneumopexia.
seroso que surge em 25 a 75% dos casos, com O tratamento de eleição é ainda controverso.
maior incidência nos pacientes com fossetas A retinopexia isolada com LASER é frequen-
temporais de grandes dimensões. A sua ocorrên- temente ineficaz e os re-tratamentos não são
cia agrava o prognóstico visual uma vez que raros 10-12.
propicia alterações do epitélio pigmentado da A pneumopexia com gás demonstrou ser
retina (EPR), degenerescência do neuro-epitélio capaz de reaplicar a retina isoladamente. No
e a não rara ocorrência de buracos maculares entanto o seu efeito poderá ser apenas temporá-
lamelares ou completos. rio até que ocorra novo movimento fluídico 8.
A fisiopatologia deste descolamento per- Theodossiadis descreveu resultados anató-
manece controversa. Perda de líquido a partir micos e funcionais favoráveis efectuando inden-
de vasos na base da fosseta, movimento de tação escleral macular 13.
vítreo liquefeito para o espaço sub-retiniano e Vários estudos sugerem que a vitrectomia
fluxo de líquido céfalo-raquidiano do espaço associada a LASER e pneumopexia poderá ser
sub-aracnoideu para o espaço sub-retiniano terapeuticamente eficaz 14-17.
514 OFTALMOLOGIA
Resultados Cirúrgicos no Tratamento de Descolamento Macular Associado a Fossetas Congénitas do Disco Óptico

É já conhecida a importância do alívio trac- Resultados


cional exercido pelo vítreo, no tratamento
de patologias como o edema e os buracos As características clínicas dos seis pacientes
maculares. estão resumidas nas tabelas 1 e 2 e as imagens
O objectivo deste estudo foi avaliar a eficá- mais representativas estão explicitadas na
cia da técnica cirúrgica utilizada por rotina no figura 1. Dos seis pacientes estudados, três eram
Centro Hospitalar do Porto, no tratamento de do sexo feminino e três do sexo masculino, com
pacientes com fossetas congénitas do disco idades que variaram entre os 13 e os 50 anos
óptico e descolamento macular secundário. (média de 33 Anos). Todos os doentes eram de
raça caucasiana.
A queixa principal de apresentação foi de
diminuição da acuidade visual. A segunda
Material e Métodos queixa mais referida foi de metamorfopsias.
O tempo desde o início dos sintomas variou
Foram incluídos neste estudo seis olhos de entre 2 dias e 3 meses.
seis pacientes que se apresentaram consecutiva- Nenhum dos olhos afectados tinha erros
mente no nosso serviço com DR secundário a refractivos significativos e as visões pré-opera-
FCDO nos dois últimos anos. tórias variaram entre contagem de dedos e 0,8.
Efectuou-se um estudo retrospectivo, ana- Nenhum dos pacientes tinha sido previamente
lisando dados de observação clínica e exames submetido a tratamento oftalmológico nem pos-
auxiliares pré e pós operatórios: Retinografia, suia antecedentes médicos e oculares relevantes.
Tomografia de Coerência Óptica (3D-OCT A presença de cavidade de retinosquisis
1000-Topcon) e Perimetria Estática (Humphrey intra-retiniana ou descolamento bilaminar foi
30.2) – 2 doentes. detectada em quatro pacientes (1, 2, 3 e 6)
Todos os doentes foram submetidos a e em três dos seis doentes observados (1, 2
intervenção cirúrgica, independentemente e 4) foi possível distinguir através de TCO
do tempo de início dos sintomas. Em todos uma continuidade entre as camadas retinianas
foi efectuada Vitrectomia20G via pars plana e a região da fosseta do disco. Observaram-se
com descolamento posterior do vítreo (DPV), dois casos com buraco macular (1 e 2), lamelar
extracção da membrana limitante interna (MLI), e completo respectivamente. Nenhum dos
retinopexia com LASER, tamponamento com pacientes apresentava descolamento posterior
gás e posicionamento. do vítreo pré-operatoriamente. O exame fundos-
Todas as cirurgias foram efectuadas pelo cópico e TCO efectuados em pré operatório
mesmo cirurgião (AM). não demonstraram evidência de tracção vítreo-
O tempo médio de seguimento foi de um -macular.
ano, variando entre 1 e 19 meses.
A extracção da MLI foi assistida pela uti-
lização de azul de tripano. Foi escolhido
este corante em detrimento do verde de indo-
Resultados Anatómicos
cianina, na tentativa de minimizar eventual Foi obtida re-aplicação macular em todos os
toxicidade. pacientes, tendo sido variável o tempo decor-
A retinopexia foi efectuada com sonda de rente até a re-aplicação completa (Tabela 2).
endolaser de 532 nm e em todos os pacientes O buraco macular completo presente pré-
foi efectuado tamponamento com 0,4 cc de -operatoriamente na paciente 2 manteve-se
perfluoropropano (12%) e posicionamento após a primeira cirurgia. Não foram observadas
com a face para baixo durante cerca de uma recorrências em nenhum dos pacientes. No
semana. paciente 3 e 4 permaneceram alterações fundos-
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 515
N. Costa Lopes, M. Gomes, B. Pessoa, N. Ferreira, M. Beirão, A. Meireles

Tabela 1 – Dados Clínicos.

Idade Início dos Local da


P Sexo Olho Queixa Principal AV Pré-Op
(Anos) Sintomas Fosseta

1 13 F D Metamorfopsias 2 dias 0,8 Temporal


2 29 F E Redução da AV 1 mês CD Temp. Inferior
3 37 M E Redução da AV 3 meses CD Temporal
4 36 M D Redução da AV 15 dias CD Temporal
5 33 F E Redução da AV 3 meses 0,05 Temp. Inferior
6 50 M D Redução da AV 3 meses CD Temporal

F = feminino; M = masculino; D = direito; E = esquerdo; AV = acuidade visual; P = paciente

Tabela 2 – Dados Clínicos.

Tempo até Aplicação AV Seguimento


P Retinosquisis BM DPV Complicações
Macular Final (Meses)

1 + + - 14 dias 0,9 *Agravamento 19


2 + + - 12 dias 0,2 do défice 16
3 + - - 10 dias 0,08 campimétrico 15
4 - - - 15 dias 0,7 - 12
5 - - - 30 dias 0,4 - 1
6 + - - 30 dias 0,2 - 7

BM = buraco macular; DPV = descolamento posterior do vítreo; AV = acuidade visual; + sim; - não

cópicas evidentes a nível do epitélio pigmentado de AV em todos os pacientes. A recuperação


da retina subjacente à região descolada. A absor- visual foi maior nos pacientes com início
ção de líquido intra e sub-retiniano foi gradual, recente de sintomas (1 e 4). Nos pacientes com
tendo sido completa em média ao final de boa acuidade visual (1 e 4) foi efectuada análise
4 semanas. O tempo de absorção variou entre perimétrica computorizada com teste limiar
3 e 6 semanas. (Humphrey 30.2 – SITA Fast). Na paciente 1
foi efectuada análise pré e pós operatória e no
paciente 4 apenas pós operatória, devido à baixa
Resultados Funcionais acuidade visual pré operatória. Antes da cirurgia
a paciente 1 demonstrava zonas de redução
As acuidades visuais (AV’s) pré-operatórias da sensibilidade centrais e para-centrais, cuja
estão evidenciadas na tabela 1. Houve melhoria extensão aumentou no exame efectuado em pós
516 OFTALMOLOGIA
Resultados Cirúrgicos no Tratamento de Descolamento Macular Associado a Fossetas Congénitas do Disco Óptico

operatório. O paciente 4, por sua vez, apre- retinopexia com LASER e pneumopexia. Consi-
sentou um exame pós operatório quase normal, deramos esta técnica terapeuticamente
apenas com um ou outro ponto de menor sen- válida com bons índices de sucesso anatómico e
sibilidade central. funcional comparativamente com as restantes
técnicas utilizadas no tratamento deste tipo de
DR 3.
Complicações Não foi possível com este estudo determinar
relação de causalidade entre retinopexia com
Houve agravamento do défice campimétrico LASER e defeito campimétrico. Foram efectua-
na paciente 1. das campimetrias nos casos 1 e 4. No primeiro
caso houve agravamento campimétrico entre
a perimetria pré e pós operatória. No quarto
Discussão caso apenas foi efectuada perimetria pós ope-
ratória que não revelou défices de sensibilidade
As fossetas congénitas do disco óptico são relevantes. De acordo com estes resultados e
uma patologia rara, sem consenso etiopato- dimensão da amostra não pudemos determinar
génico ou terapêutico. causalidade.
Os casos por nós observados demonstram os À semelhança de outros relatos 18, 20, na
diversos estádios de evolução do descolamento nossa série, a recuperação visual foi gradual
retiniano macular secundário a esta patologia. e o prognóstico funcional esteve intimamente
A utilização da tomografia de coerência relacionado com o tempo de duração do desco-
óptica permitiu-nos esclarecer melhor estes está- lamento e dependente das alterações da retina
dios. Os nossos achados estão de acordo com neuro-sensorial e epitélio pigmentado da retina
a teoria bilaminar proposta por Lincoff 5 que secundárias, particularmente degenerescência
sugere a existência de uma comunicação entre do neuro-epitélio, atrofia do EPR (Pacientes 3,
a cavidade da fosseta e as camadas retinianas 5) e buraco macular (Paciente 2).
internas, responsável pela passagem de fluído Estudos multicêntricos em realização
e formação de uma esquisis intra-retiniana (EVRS), com uma amostra maior e suportados
inicial (Fig. 1, B). Secundariamente surge o pela análise ultra-estrutural por aparelhos de
descolamento de toda a retina neuro-sensorial TCO de resolução crescente, poderão fornecer-
após fistulização intra-retiniana do líquido para -nos um entendimento mais completo do meca-
as camadas externas (Fig. 1, E). Este des- nismo subjacente ao descolamento de retina que
colamento tenderá a obliterar a cavidade de reti- acompanha esta patologia e eventualmente abrir
nosquisis que poderá persistir como um plano caminho para novas orientações terapêuticas.
quístico intra-retiniano (Fig. 1, F). Também nestes estudos, a comparação entre
Tal como Bonnet 9 e Hirakata 18 , entre retinopexia com LASER de diferentes compri-
outros autores, acreditamos que a tracção vítreo- mentos de onda, poderá elucidar eventuais dife-
-retiniana tem um importante papel na patogé- renças entre capacidade de pexia e/ou indução
nese do DR associado às FCDO. de defeitos campimétricos.
Por este motivo e sabendo que a evolução Fármacos interfactantes recentemente estu-
natural destes DR raramente é favorável, com dados para a vitreólise química 21, 22 (Plasmina
taxas de reaplicação retiniana de apenas 25% 19, e Microplasmina) poderão também vir a ter
efectuámos em todos os pacientes vitrectomia aplicação futura nesta patologia, induzindo de
com DPV e extracção da MLI seguidos por modo menos invasivo o DPV.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 517


N. Costa Lopes, M. Gomes, B. Pessoa, N. Ferreira, M. Beirão, A. Meireles

Figura 1
A, Retinografia da paciente 1. Fosseta do disco temporal associada a descolamento macular seroso delimitado pelas setas
B, (Paciente 1). TCO demonstrando comunicação entre a fosseta do disco e cavidade de esquísis intra-retiniana
C, (Paciente 1). TCO 1 mês após cirurgia demonstrando ainda algum líquido intra-retiniano
D, (Paciente 1). TCO ao 10.º mês de pós-operatório demonstrando aplicação retiniana. A AV era de 0,9 sem metamorfopsias
E, (Paciente 3). TCO pré-operatória. Descolamento seroso com evidente cavidade de retinosquisis
F, (Paciente 2). TCO pré-operatória. Adivinha-se no plano da região quística uma comunicação entre a fosseta e uma provável cavidade
prévia de esquísis intra-retiniana, agora obliterada pelo descolamento neuro-sensorial completo
G, (Paciente 3). Retinografia pós operatória. Extensa área de atrofia do EPR subjacente à retina previamente descolada
H, (Paciente 5). Retinografia pós operatória. Alterações do EPR subjacente à retina previamente descolada.
I, (Paciente 5). TCO 1 mês após cirurgia. Aplicação retiniana com persistência de escasso filme de fluido sub-retiniano. A AV era de 0,4

Bibliografia 4. BROWN GC, SHIELDS JA, GOLBERG RE.: Congenital pits


of the optic nerve head. II. Clinical studies in humans.
Ophthalmology, 1980; 87:51-65
1. WIETHE T.: Ein fall von angeborener Difformität der 5. LINCOFF H, LOPEZ R, KREISSIG I et al.: Retinoschisis
Sehnerven papille. Arch Augenheilkd 1882;11:14-9 associated with optic nerve pits. Arch Ophthalmol
2. KRANENBURG EW.: Crater-like holes in the optic disc 1988; 106:61-7
and central serous retinopathy. Arch Ophthalmol 1960; 6. RUTLEDGE BK, PULIAFITO CA, DUKER JS, et al.: Optical
64:912-24 coherence tomography of macular lesions associated
3. REED DD.: Congenital pits of the optic nerve. Clinical with optic nerve head pits. Ophthalmology 1996;
review. Clinical Eye and Vision Care 11 1999; 75-80 103:1047-53

518 OFTALMOLOGIA
Resultados Cirúrgicos no Tratamento de Descolamento Macular Associado a Fossetas Congénitas do Disco Óptico

17. KRIVOY D, GENTILE R, LIEBMANN JM, et al.: Imaging 16. M ITAMURA Y, T AKEUCHI S, T SUKAHARA I, et al.:
congenital optic disc pits and associated maculopathy Vitreous surgery in two cases of pit-macular syn-
using optical coherence tomography. Arch Ophthalmol drome. RinshoGanka 1997; 51:251-4
1996;114:165-70 17. SNEAD MP, JAMES N, JACOBS PM.: Vitrectomy, argon
18. LINCOFF H, KREISSIG I.: Optical coherence tomography laser, and gas tamponade for serous retinal detachment
of pneumatic displacement of optic disc pit maculo- associated with optic disc pit: a case report. Br J Oph-
pathy. Br J Ophthalmol 1998;82:367-72 thalmol 1991;75:381-2
19. BONNET M.: Serous macular detachment associated 18. HIRAKATA A, OKADA AA, HIDA T.: Long term results
with optic nerve pits. Graefes Arch Clin Exp Ophthal- of Vitrectomy without Laser Treatment for Macular
mol, 1991;229:526-32 Detachment Associated with an Optic Disc Pit. Oph-
10. GASS JDM: Serous detachment of the macula: secon- thalmology, 2005;112:1430-1435
dary to congenital pit of the optic nerve head. Am J 19. SOBOL WM, BLODI CF, FOLK JC, WEIGEIST TA.: Long
Ophthalmol 1969;67:821-41 term visual outcome in patients with optic nerve pit
11. GASS JDM: Stereoscopic Atlas of Macular Diseases: and serous retinal detachment of the macula. Ophthal-
Diagnosis and Treatment. Vol. II. 3rd ed. St. Louis: mology, 1990;97:1539-42
Mosby; 1987:728-33 20. WOLFF B, ROUBEROL F, GAMBRELLE J, GUERILLON F,
12. TOBE T, NISHIMURA T, UYAMA M.: Laser photocoa- FLEURY J, DENIS P.: Décollementséreuxmaculairecom
gulation for pit-macular syndrome. GankaRinchoiho pliquant une fosstetecolobomateure de lapapille. J Fr.
1991;85:124-30 Ophtalmol. 2006; 29, e17
13. THEODOSSIADIS GP.: Treatment of maculopathy asso- 21. SMET MD, GANDORFER A, STALMANS P, VECKENEER
ciated with optic disc pit by sponge explants. Am J M, FERON E, PAKOLA S, KAMPIK A.: Microplasmin
Ophthalmol 1996;121:630-7 Intravitreal Administration in Patients with Vitreo-
14. C OX MS, W ITHERSPOON D.: Evolving Techniques macular Traction Scheduled for Vitrectomy: The
in treatment of macular detachment caused by optic MIVI I Trial.Ophthalmol 2009; 116; 7:1349-1355
nerve pits. Ophthalmology 1988; 95:889-896 22. S EBAG J.: Pharmacological Vitreolysis – Premise
15. POSTEL EA, P ULIDO JS, M CNAMARA JA, J OHNSON and Promise of the First Decade. Retina July/August
MW.: The etiology and treatment of macular deta- 2009: 29; 7: 871-874
chment associated with optic nerve pits and related
anomalies. Trans Am Ophthalmol Soc 1998;96:73-88

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 519


Oftalmologia - Vol. 34: pp. 521 - 527

Avaliação Funcional e Estrutural


da Mácula após Pelagem de Membrana
Limitante Interna em Puckers Maculares
Idiopáticos
Marco Dutra Medeiros 1, 3, Hernâni Monteiro 2, 3, José Pedro Silva 2, 3, Pedro Carreira 2, 3,
António Castanheira Dinis 4, José Pita Negrão 5,
1 – Interno do Internato Complementar de Oftalmologia
2 – Assistente Hospitalar Graduado de Oftalmologia
3 –Serviço de Oftalmologia – Centro Hospitalar de Lisboa Central
4 – Director do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto
5 – Director do Serviço de Oftalmologia – Centro Hospitalar de Lisboa Central

Centro Hospitalar de Lisboa Central


marcomed@sapo.pt

RESUMO

Objectivo: Aferição estrutural e funcional da mácula após pelagem da membrana


limitante interna (MLI) no tratamento de olhos com pucker macular idiopático. Métodos:
Estudo prospectivo que incluiu 10 olhos de 10 doentes com pucker macular, que
foram submetidos a vitrectomia pars plana com pelagem da membrana limitante
interna. Em todos os doentes foi avaliada a melhor acuidade visual corrigida, realizado
perimetria estática computorizada (PEC), electrorretinografia multifocal (ERGmf),
e estudo morfológico da retina com tomografia de coerência óptica (OCT), antes e
3 meses após a cirurgia. Procedeu-se à análise por microscopia electrónica de quatro
amostras cirúrgicas. Resultados: Três meses após a cirurgia, a acuidade visual corrigida
média melhorou significativamente de 0,56 ± 0,16 logMAR para 0,31± 0,23 logMAR
(p≤0,05) e documentou-se uma redução estatisticamente significativa da espessura
central da fóvea de 424,20±102,48µm para 335,90±60,86µm (p≤0,002). As amplitudes de
resposta do ERGmf diminuíram em 7 doentes e em três destes verificou-se também uma
diminuição assintomática na sensibilidade do campo visual. A microscopia electrónica
documentou segmentos de podócitos das células de Muller na superfície retiniana da
MLI de todas as amostras. Conclusão: Neste estudo, o uso do ERGmf, OCT-Stratus,
PEC e análise de microscopia electrónica, revelaram alterações funcionais e estruturais
da mácula após o procedimento cirúrgico. Esta aferição quantitativa e qualitativa
permitiu uma melhor compreensão das alterações que ocorrem após a pelagem da MLI.

ABSTRACT

Objective: Structural and functional measurements in the assessment of internal limiting


membrane (ILM) peeling for the treatment of eyes with idiopathic macular pucker.
Methods: Prospective study including ten patients with macular pucker who underwent

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 521


Marco Dutra Medeiros, Hernâni Monteiro, José Pedro Silva, Pedro Carreira, António Castanheira Dinis, José Pita Negrão

pars plana vitrectomy with ILM peeling. Visual acuity measurement, standard automated
perimetry, multifocal electroretinography (mfERG) and optical coherence tomography
(OCT) were performed before and 3 months after surgery. Four surgical samples obtained
from similar patients were analyzed with electron microscopy. Results: Three months
after surgery, mean visual acuity ± SD improved from 0.56 ± 0.16 logMAR to 0.31 ±
0.23 logMAR (p ≤ 0.05), and mean central fovea thickness was significantly decreased
424.20 ± 102.48 µm to 335.90 ± 60.86 µm (p ≤ 0.002). Multifocal electroretinography
response amplitudes were slightly decreased in seven patients, and three of these also
had asymptomatic decreases in visual field sensitivity. Electron microscopy documented
segments of podocytes Muller cells in retinal surface of the MLI in all samples.
Conclusion: In this study the use of ERGmf, Stratus OCT-PEC and electron microscopy
analysis revealed functional and structural macular changes after surgery. These qualitative
and quantitative measures of visual function allow for better understanding of changes that
may occur after ILM peeling.

Palavras-chave: Pelagem de Membrana Limitante Interna; Pucker macular; Electrorretinografia multifocal;


Tomografia de coerência óptica; Perimetria estática computorizada; Microscopia electrónica.

Key words: Internal limiting membrane peeling; Macular pucker; Multifocal electroretinography; Optical
coherence tomography; Standard automated perimetry

Introdução digita-se com os podócitos das células de


Muller. Os efeitos da sua remoção têm sido

O pucker macular consiste num distúrbio da


interface vítreomacular caracterizado por
um crescimento fibrocelular de uma membrana
documentados na literatura 2,4-6. Num estudo
piloto realizado por Park et al. 4, a pelagem con-
junta da MLI com a MER produziu melhores
epirretiniana (MER) que induz uma força resultados a nível funcional com menor ocor-
traccional tangencial ao nível da retina com rência de recidivas, em detrimento da extracção
consequente deformação da sua arquitectura. isolada da MER. De forma similar, Bovey et
Traduz-se clinicamente por diminuição da al. 2 concluiram que a remoção da MLI asso-
acuidade visual e aparecimento de metamor- ciava-se a um melhor prognóstico visual. No
fópsias. A vitrectomia pars plana com pelagem entanto, num trabalho publicado por Sivaligam 8
da MER é o procedimento técnico de eleição, verificou-se que os olhos tratados com pelagem
nos casos sintomáticos, com resultados visuais conjunta da MER e da MLI tinham um pior
favoráveis1-4. prognóstico visual comparando com os subme-
No entanto, em alguns casos pode haver tidos apenas a extracção da MER. As variáveis
recidiva da membrana devido a uma remoção contempladas nestes estudos foram a acuidade
incompleta da MER e à presença de miofibro- visual e a taxa de recidiva. Uma das limitações
blastos residuais. A remoção da membrana limi- da aferição da visão é que não reflecte as altera-
tante interna (MLI) durante a pelagem da MER ções qualitativas e quantitativas que ocorrem a
previne o aparecimento de recidivas. Remove-se nível macular.
o substrato sob a qual os miofibroblastos proli- Neste estudo, avaliámos as alterações fun-
feram, e aumenta-se a eficácia do procedimento cionais e estruturais da mácula após o pro-
cirúrgico4-6. cedimento cirúrgico, através do uso da Electror-
A membrana limitante interna (MLI), estru- retinografia multifocal (ERGmf), Tomografia
tura acelular constituída principalmente por de coerência óptica (OCT), Perimetria estática
colagénio tipo IV, é contínua com o humor computorizada (PEC) e análise de microscopia
vítreo na sua face interna, e externamente inter- electrónica.

522 OFTALMOLOGIA
Avaliação Funcional e Estrutural da Mácula após Pelagem de Membrana Limitante Interna em Puckers Maculares Idiopáticos

Material e Métodos logarítmica de resolução mínima de ângulo


(logMAR) para permitir um tratamento esta-
Estudo prospectivo que incluiu a selecção tístico adequado.
de 10 olhos em 10 doentes com pucker macular A aferição da sensibilidade do campo visual
idiopático da consulta de Retina Cirúrgica do foi efectuada com o Octopus® 900 através da
Centro Hospitalar de Lisboa Central (5 do sexo realização do programa macular M2 que avalia
feminino e 5 do sexo masculino), com idades uma área correspondente aos 10º centrais.
compreendidas entre os 64 e os 84 anos, A análise da espessura foveal e do volume
Os critérios de exclusão foram: existência de macular foi obtida através da realização do mapa
pucker macular secundário, presença de opaci- “OCT Macular Thickness” do OCT – Stratus
dades significativa dos meios e/ou existência de Zeiss (Zeiss Humphrey Instruments, Dublin,
doença oftalmológica ou sistémica que pudesse CA). O programa “OCT Macular Thickness”
interferir com a realização do electrorretino- (Fig. 2) avaliou a espessura foveal média e o
grama. volume macular total através da disposição de
Todos os doentes foram sujeitos a uma três mapas circulares concêntricos, divididos por
avaliação oftalmológica completa 1 mês antes quatro quadrantes. No caso do mapa de 6 mm
e três meses após o procedimento cirúrgico que de diâmetro, o disco central corresponde
incluiu: à região foveal, medindo 1 mm de diâmetro.
Os anéis interno e externo são divididos em
 acuidade visual
4 quadrantes, com diâmetros de 3 e 6 mm
 perimetria estática computorizada
respectivamente. A espessura média da retina é
 tomografia de coerência óptica
aferida para cada uma destas nove regiões.
 electrorretinografia multifocal As respostas de ERGmf mediadas pelos
cones foram analisadas através do Vision
A melhor acuidade visual corrigida foi ava- Monitor (Metrovision®, Pérenchies, França).
liada através da escala de Snellen. Esta escala Este exame permite a realização de um mapa de
foi convertida para uma sequência de progressão respostas locais ERG (mfERG). O estimulador

Doente 1 Doente 2

Pré Pós Pré Pós

Fig. 1 – Análise da espessura foveal através do mapa “OCT Macular Thickness”, antes (pré) e após (pós) o procedimento
cirúrgico, documentando uma diminuição da espesura retiniana após a cirurgia. D1, Doente 1; D3, Doente 3; D7, Doente 7.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 523


Marco Dutra Medeiros, Hernâni Monteiro, José Pedro Silva, Pedro Carreira, António Castanheira Dinis, José Pita Negrão

visual gera uma matriz de 16-217 zonas que são avaliado pelo cálculo do nível de ruído e mostra
estimuladas com seqüências independentes de a evolução do sinal desde o início da gravação
flashes. A resposta do ERG global é gravada a (linha de base). O programa permite a visua-
partir de um eléctrodo único. As respostas locais lização em 2D e 3D, mapas de interpolação
são obtidas calculando a correlação inversa entre da amplitude e tempo de latência dos picos
esta resposta e a sequência de estimulação. N1, P1 e N2 das respostas locais. As respostas
O estímulo, constituído por 61 hexágonos podem ser agrupadas em função da excentrici-
que abrangem um campo visual de 26 graus dade (anel), por quadrantes ou dentro das zonas
na horizontal e 20 graus na vertical, foi definidas pelo operador.
apresentado através de um monitor de 20 O programa executa uma comparação de
polegadas preto e branco com uma taxa de análises de resultados corrigida para a idade do
quadros de 120 Hz e uma resolução de 1024 × doente, em função de uma base de dados nor-
× 768 pixels, a uma distância de 40 cm dos mativa.
olhos do doente. As amplitudes e as latências Todas as cirurgias foram realizadas pelo
foram avaliadas em cinco regiões circulares mesmo cirurgião e consistiram numa vitrecto-
da retina perifoveal, de acordo com as mia pars plana central com 23 Gauge. Em todos
excentricidades. Em relação ao protocolo clínico os doentes procedeu-se à extracção conjunta da
e preparação do paciente seguiram-se as normas MER e MLI através do uso do corante vital de
orientadoras do ISCEV (Internacional Society azul tripano (Membrane Blue). Realizou-se a
for Clinical Electrophisiology of Vision). troca líquido-ar no final da cirugia.
As pupilas estavam em dilatação máxima, o Quatro amostras cirúrgicas foram submeti-
paciente bem posicionado e centrado e a sua das a estudo de microscopia electrónica.
fixação monitorizada. A análise estatística foi realizada através
Durante o exame, o programa mostra em do programa SPSS (versão 15.0). Os diferen-
tempo real as respostas locais com uma iden- tes parâmetros estruturais e funcionais foram
tificação automática dos picos N1, P1 e N2 de comparados através da utilização de técnicas
cada resposta. A qualidade do sinal gravado é de análise comparativa que incluiu o teste de

MULTIFOCAL ELECTROPHYSIOLOGY EXAM

Fig. 2 – Electrorretinografia multifocal – Mapa de respostas locais/Análise por regiões

524 OFTALMOLOGIA
Avaliação Funcional e Estrutural da Mácula após Pelagem de Membrana Limitante Interna em Puckers Maculares Idiopáticos

MULTIFOCAL ELECTROPHYSIOLOGY EXAM

Fig. 3 – Electrorretinografia multifocal – Mapa de amplitudes de resposta P1.

t-student para comparação de médias de amos- Três meses após a cirurgia, a acuidade visual
tras independentes. Foram calculados os inter- corrigida média melhorou significativamente de
valos de confiança a 95% e a 98%. Valores de p 0,56 ± 0,16 logMAR para 0,31± 0,23 logMAR
inferiores a 0,05 e a 0,002 foram considerados (p≤0,05).
estatisticamente significativos (intervalos de Após o procedimento cirúrgico documentou-
confiança a 95%/ 98%, respectivamente). -se uma redução estatisticamente significativa da
espessura central da fóvea de 424,20±102,48µm
para 335,90±60,86µm (p≤0,002).
A sensibilidade foveal média avaliada pelo
Octopus® 900 aumentou de 24,44±2,68 dB para
24,96±3,01 dB, apesar de não ter significado
estatístico. Em três doentes documentou-se uma
diminuição assintomática na sensibilidade do
campo visual.
Relativamente à electrorretinografia multi-
Fig. 4 – Amplitudes de resposta P1 nas áreas sujeitas a focal, constatou-se diminuição das amplitudes
pelagem de membrana, em todos os doentes. P1 em seis doentes, após o procedimento cirúr-
gico, tendo como referência os 5º centrais
perifoveolares (Fig. 2). Dois doentes tiveram um
aumento da amplitude P1 após a cirurgia, e em
Resultados outros dois este valor manteve-se inalterável.
A análise ultraestrutural documentou em
Neste estudo, a aferição da acuidade visual todas as amostras cirúrgicas membrana limitante
pré e pós operatória, o uso do ERGmf, OCT- interna com células de Muller remanescentes na
-Stratus e PEC revelou alterações funcionais face retiniana do Pucker.
e estruturais da mácula após o procedimento
cirúrgico (Tabela 1).

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 525


Marco Dutra Medeiros, Hernâni Monteiro, José Pedro Silva, Pedro Carreira, António Castanheira Dinis, José Pita Negrão

Tabela 1 – Dados pré e pós operatórios.

Espessura central
Doente Acuidade visual (logMar) Sensibilidade foveal (dB)
da fóvea (µm)
Idade Sexo Pré Pós Pré Pós Pré Pós
1 77 M 0.50 0.20 21 24 514 367
2 76 F 0.70 0.20 25 26 387 370
3 65 F 0.30 0.10 27 25 332 298
4 77 M 0.50 0.10 24 24 450 319
5 78 F 0.70 0.30 24 28 522 414
6 77 M 0.70 0.50 19 21 346 315
7 64 M 0.40 0.70 26 24 595 411
8 67 F 0.40 0.0 27 30 267 243
9 76 M 0.70 0.50 27 21 470 372
10 71 F 0.70 0.50 24 27 359 250
Média ±DP 72,8± 5,5 0,56 ± 0,16 0,31± 0,23 24,4± 2,68 24,96± 3,0 424,2±102 335,9±60

Discussão A análise de microscopia electrónica das


amostras cirúrgicas documentou membrana
No nosso estudo, todos os doentes sujeitos limitante interna, fibras de colagénio, podócitos
a cirurgia de pelagem de membrana registaram das células de Muller, bem como astrócitos
uma melhoria efectiva da acuidade visual após e macrófagos. Estes resultados são similares
o procedimento cirúrgico. a outros estudos entretanto efectuados 8-10 .
O aumento da sensibilidade foveal e a As células de Muller desempenham um
diminuição da espessura central da fóvea são papel central na homeostase e funcionalidade
dados consistentes e que corroboram a melhoria retiniana, daí que a sua eventual disfunção
verificada em termos funcionais. se reflicta numa alteração da modulação da
No entanto, a electrorretinografia multifocal transmissão sináptica bem como dos circuitos
documentou uma ligeira diminuição das neuronais, afectando consequentemente as
amplitudes de resposta na maioria dos doentes. amplitudes de resposta ERGmf11-13.
Qual será a causa para esta diminuição? Terakasi et al. 14 constataram que as
Apesar da camada de fibras nervosas e das amplitudes focais de electrorretinografia estavam
células ganglionares da retina estarem sujeitas diminuídas após vitrectomia com pelagem de
a dano cirúrgico em função da sua proximidade MLI em relação à vitrectomia sem extracção
com a MLI, comparativamente às outras de MLI. Os autores atribuíram estes resultados
camadas mais profundas, é pouco provável a alterações fisiológicas das células de Muller.
que este facto interfira com as repostas obtidas Outra possível explicação poderá basear-se
na ERGmf. É consensual que as respostas à no facto de que a espessura foveal, apesar de
ERGmf são moduladas largamente pelas células diminuída, manteve-se aumentada em relação
das camadas externas da retina, nomeadamente ao olho adelfo, sugerindo a presença de alte-
células bipolares e dos fotorreceptores e que a rações anatómicas residuais. Uma reacção
inibição da actividade das células ganglionares gliótica iatrogénica, resultante da MER a longo
terá pouco efeito na variação dessa mesma prazo, poderá estar subjacente a esta alteração
amplitude11-12. estrutural.
526 OFTALMOLOGIA
Avaliação Funcional e Estrutural da Mácula após Pelagem de Membrana Limitante Interna em Puckers Maculares Idiopáticos

Conclui-se assim que o uso de exames para 15. SMIDDY WE, MAGUIRE AM, GREEN WR, MICHELS
aferição estrutural e funcional da mácula per- RG, DE LA CRUZ Z, ENGER C, JAEGER M, RICE TA.:
Idiopathic epiretinal membranes: ultrastructural cha-
mitiram documentar uma melhoria efectiva na
racteristics and clinicopathologic correlation. 1989.
acuidade visual, sensibilidade foveal e espessura Retina. 2005 Jul-Aug; 25(5 Suppl):811-20
central da fóvea. No entanto, a ERGmf mostrou 16. KWOK AKH, LAI TY, YUEN KS.: Epiretinal membrane
ligeira diminuição das amplitudes de resposta surgery with or without internal limiting membrane
nas regiões perifoveais na maioria dos doentes: peeling. Clin Experiment Ophthalmol. 2005 Aug;
a disfunção das células de Muller poderá estar 33(4): 379-85
17. DA MATA AP, BURK SE, FOSTER RE, RIEMANN CD,
na génese desta situação. PETERSEN MR, NEHEMY MB, AUGSBURGER JJ.: Long-
A maioria dos trabalhos actualmente publi- -term follow-up of indocyanine green-assisted peeling
cados contemplam apenas a aferição da acui- of the retinal internal limiting membrane during vitre-
dade visual bem como a taxa de recidivas deste ctomy surgery for idiopathic macular hole repair. Oph-
procedimento cirúrgico. Devem ser realizados thalmology. 2004 Dec;111(12):2246-53
18. SIVALINGAM A, EAGLE RC JR, DUKER JS, BROWN
mais estudos que avaliem outros parâmetros,
GC, BENSON WE, ANNESLEY WH JR, FEDERMAN J.:
reflectindo de forma mais consistente as alte- Visual prognosis correlated with the presence of
rações estruturais e funcionais que ocorrem ao internal-limiting membrane in histopathologic spe-
nível da mácula após a pelagem de MLI. cimens obtained from epiretinal membrane surgery.
Ophthalmology. 1990 Nov;97(11):1549-52
19. REZENDE FA, KAPUSTA MA.: Internal limiting
Bibliografia membrane: ultrastructural relationships, with clinical
implications for macular hole healing. Can J Ophthal-
mol. 2004 Apr;39(3):251-9
1. T ARI SR, V IDNE -H AY O, G REENSTEIN VC, B ARILE 10. MESSMER EM, HEIDENKUMMER HP, KAMPIK A.:
GR, HOOD DC, CHANG S.: Functional and structural
Ultrastructure of epiretinal membranes associated with
measurements for the assessment of internal limiting
macular holes. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol.
membrane peeling in idiopathic macular pucker.
1998 Apr; 236(4):248-54
Retina. 2007 Jun;27(5):567-72
11. NEWMAN EA, ZAHS KR.: Modulation of neuronal
2. B OVEY EH, U FFER S, A CHACHE F.: Surgery for
activity by glial cells in the retina. J Neurosci. 1998
epimacular membrane: impact of retinal internal
limiting membrane removal on functional outcome. Jun 1;18(11):4022-8
Retina. 2004 Oct;24(5):728-35 12. NEWMAN EA.: Glial modulation of synaptic trans-
3. GAUDRIC A, FARDEAU C, GOBERVILLE M, COHEN D, mission in the retina. Glia. 2004 Aug 15;47(3):268-74.
PAQUES M, MIKOL J.: Ablation of the internal limiting Review
membrane, macular unfolding and visual outcome in 13. NEWMAN EA.: A dialogue between glia and neurons in
surgery of idiopathic epimacular membranes.J Fr Oph the retina: modulation of neuronal excitability. Neuron
talmol.1993;16(11):571-6 Glia Biol. 2004 Aug;1(3):245-252
4. PARK DW, DUGEL PU, GARDA J, SIPPERLEY JO, THACH 14. TERASAKI H, MIYAKE Y, NOMURA R, PIAO CH, HORI K,
A, SNEED SR, BLAISDELL J.: Macular pucker removal NIWA T, KONDO M.: Focal macular ERGs in eyes after
with and without internal limiting membrane peeling: removal of macular ILM during macular hole surgery.
pilot study. Ophthalmology. 2003 Jan;110(1):62-4 Invest Ophthalmol Vis Sci. 2001 Jan;42(1):229-34

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 527


Oftalmologia - Vol. 34: pp. 529 - 536

Microperimetria no Diagnóstico Precoce


da Toxicidade por Hidroxicloroquina
Marta Vila Franca 1, Tiago Silva 1, Rita Pinto 1, Conceição Ornelas 2, Paulo Caldeira Rosa 2,
António Castanheira-Dinis 3
1 – Interno do Complementar de Oftalmologia do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto
2 – Assistente Hospitalar Graduado do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto
3 – Director do Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto e do Centro de Estudos das Ciências da Visão

RESUMO

Introdução: A hidroxicloroquina (HC) é usada no tratamento de múltiplas patologias auto-


-imunes. Este fármaco pode provocar toxicidade macular irreversível, sendo fundamental
a vigilância oftalmológica. Existem casos descritos que, mesmo sob terapêutica em
baixas doses e sem factores de risco, desenvolveram essa toxicidade. A determinação da
sensibilidade macular, pela microperimetria, constitui um novo método de rastreio destes
doentes. Objectivos: Avaliar a sensibilidade macular por microperimetria de doentes
sob terapêutica com HC. Material e Métodos: Foram incluídos 40 doentes (80 olhos)
sob terapêutica com HC, com acuidade visual bilateral de 10/10, com Grelha de Amsler
vermelha, visão cromática e perimetria estática computorizada dos 10º centrais sem
alterações. Foi realizada microperimetria (MP 1 – 10º centrais). Resultados: 28,3% dos
doentes apresentaram sensibilidade média (SM) inferior a 16 dB, 45% entre 16 e 18 dB
e 26,7% superior a 18 dB. Verificou-se uma correlação negativa forte entre a SM e o peso
real (p-0,01). Constatou-se uma assimetria dos valores de sensibilidade macular entre o
quadrante superior e o quadrante inferior. Essa diferença foi maior (p-0,05) nos indivíduos
com SM entre 16 e 18 dB. Conclusão: A microperimetria parece detectar precocemente
alterações associadas à toxicidade por HC.

ABSTRACT
Introduction: Hydroxicloroquine (HC) is used in the treatment of multiple auto-
immune diseases. This pharmacological agent may cause irreversible macular toxicity,
bringing about the need for close ophtalmologic surveillance. Cases have been described
wherein macular toxicity has occurred even at a low dosage and in the absence of
other risk factors. The determination of macular sensitivity through microperimetry
represents a new screening method for these patients. AIMS: To evaluate macular
sensitivity through microperimetry in patients undergoing therapy with HC. Materials
and Methods: 40 patients (80 eyes) undergoing therapy with HC were included, all of
whom had best corrected visual acuity of 10/10 in both eyes, normal Amsler Grid results,
normal chromatic vision and normal computerized static perimetry for the central 10º.
Microperimetry was performed on all patients (MP 1 – central 10º). Results: 28.3% of the
patients presented with a mean sensitivity value (MS) below 16 dB, 45% between 16 and
18 dB and 26.7% above 18 dB. A strong negative correlation was found between MS and
body weight (p – 0.01). Also, an asymmetry between the macular sensitivity values for the
upper and lower quadrants was noted. This difference was statistically smaller (p-0.05) in

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 529


Marta Vila Franca, Tiago Silva, Rita Pinto, Conceição Ornelas, Paulo Caldeira Rosa, António Castanheira-Dinis

individuals with MS greater than 18 dB, in comparison to the groups with MS between
16-18 dB and below 16 dB. Conclusion: Microperimetry proved to be a reliable method
in early detection of alterations related with HC toxicity.

Palavras-chave: Hidroxicloroquina; Microperimetria; Toxicidade Macular; Sensibilidade Macular; Perimetria


Estática Computorizada.

Key words: Hydroxicloroquine; Microperimetry; Macular Toxicity; Macular Sensitivity; Computerized Static
Perimetry.

Introdução subtil despigmentação granular. Nestas fases


a lesão pode ainda ser reversível ou não pro-

A hidroxicloroquina é actualmente utilizada


no controlo da inflamação crónica de múl-
tiplas patologias auto-imunes, nomeadamente
gressiva, suspendendo a terapêutica. As altera-
ções podem evoluir para maculopatia atrófica,
escotomas profundos bilateralmente e perda
Artrite Reumatóide e Lupus Eritematoso grave da visão. A progressão pode persistir
Sistémico 1 . Tem um bom perfil imunomo- mesmo após a suspensão da terapêutica, devido
dulador e com limitados efeitos secundários à acumulação do fármaco no organismo. Assim
sistémicos 2. A cloroquina por ter um maior sendo, o rastreio/diagnóstico precoce é funda-
perfil de toxicidade retiniana não é habitual- mental, e o fármaco deve ser descontinuado ao
mente utilizada como terapêutica crónica nestes primeiro sinal de suspeição. Existe, no entanto,
doentes. alguma controvérsia no que respeita à escolha
As primeiras descrições de retinopatia anti- dos exames de rastreio, à periodicidade das
malárica foram feitas por Hobbs e colaborado- visitas de rotina e aos critérios de diagnóstico
res em 1959. A C e a HC têm elevada afinidade precoce 12-18.
para estruturas ricas em melanina, o que explica A grande maioria dos autores defende que
a sua acumulação no olho 3. O exacto mecanis- durante o primeiro ano de toma deverá ser feita
mo patofisiológico não é conhecido mas sabe-se uma avaliação oftalmológica completa, incluindo
que causam uma diminuição do pH intracelular, exames complementares, programando as sub-
disfunção dos lisossomas do epitélio pigmen- sequentes avaliações de acordo com os acha-
tado e neurónios e uma menor resistência ao dos oftalmológicos e com a presença de facto-
stress oxidativo, por reduzirem indirectamente res como dose diária, idade, função hepática e
as concentrações de glutatião 4. Estudos histo- renal, entre outros.
lógicos mostram que o processo degenerativo No que respeita aos exames complementares
inicia-se nas células ganglionares, mas são os de diagnóstico/rastreio existem vários, que se
foto-receptores os mais afectados. Existe uma complementam e que deverão ser solicitados
degenerescência das camadas externas da retina, consoante as queixas e os achados do exame
particularmente dos foto-receptores e camada oftalmológico 19-21. A avaliação da visão cro-
nuclear externa, sem atingimento da fóvea nas mática, pelo teste de Farnsworth D-15 e pelas
fases iniciais 5. Podem ainda associar-se migra- Placas de Ishihara, não é sensível para detecção
ções pigmentares e esclerose das arteríolas da de alterações precoces, mas deverá ser realizado
retina 6-10. aquando da avaliação de doentes do sexo
Os sinais iniciais são alterações perimétricas masculino, com o objectivo de identificar defei-
paracentrais 11. Estas alterações precoces, de tos cromáticos congénitos que poderão ser factor
ordem funcional, são assintomáticas e prece- confundente em avaliações futuras. A Grelha de
dem a alteração inicial no fundo ocular: uma Amsler 22, sobretudo com linhas vermelhas, é
530 OFTALMOLOGIA
Microperimetria no Diagnóstico Precoce da Toxicidade por Hidroxicloroquina

um método sensível para detectar escotomas crónica com HC e seguidos na Consulta de


paracentrais e tem a vantagem de poder ser Inflamação Ocular do Instituto de Oftalmologia
disponibilizada ao doente para auto-vigilância. Dr. Gama Pinto. O estudo foi realizado após
A Perimetria Estática Computorizada (PEC) explicação do procedimento, seguido da
dos 10ºcentrais deve fazer parte da avaliação assinatura do consentimento informado.
inicial destes doentes. Os escotomas iniciais Os dados referentes ao tempo de uso, dose
são subtis e normalmente atingem os 10º da diária ingerida e total cumulativa foram obtidos.
fixação, sendo mais frequentes no quadrante Para o cálculo da dose ideal de HC considerou-
superior que no inferior 23. A angiografia fluo- -se o peso magro, calculado pela fórmula de
resceínica é pouco sensível para a detecção James.
precoce, uma vez que doentes com escotomas Foram incluídos 40 doentes (80 olhos) com
relativos têm exames normais 24. No entanto, melhor acuidade visual corrigida (MAVC) de
está indicada quando existe doença macular 10/10 bilateral, visão cromática, Grelha de
prévia. O eletrorretinograma multifocal gera Asmler vermelha e PEC dos 10º centrais sem
respostas electrofisiológicas topográficas do alterações. Excluiram-se doentes com outras
pólo posterior e é, como já foi demonstrado maculopatias, patologia querática, neuropatias,
em vários estudos, apropriado para o rastreio ametropias superiores a 4 dioptrias, alteração da
e seguimento destes doentes 25-30. Tem como função hepática ou renal.
principal desvantagem ser uma técnica mais
insavisa, comparativamente com os restantes
exames de rastreio, e não existir em muitos cen-
tros oftalmológicos. Avaliação Oftalmológica
A Microperimetria (fundus-related micro-
perimetry; MP1 microperimeter, Nidek Techno- Todos os doentes foram submetidos a
logies, Padova, Italy) é um estudo psicofísico, exame oftalmológico completo: determinação
funcional, perimétrico, construído e pensado da MAVC, biomicroscopia e fundoscopia, sob
para avaliar a sensibilidade macular, justamente midríase farmacológica (fenilefrina 1% - 3 ins-
o parâmetro mais precocemente alterado na tilações separadas por 5 minutos). A Visão
toxicidade pela HC. Permite uma exacta e cromática foi avaliada pelo teste de Farnsworth
automática correlação topográfica entre o e pelas Placas de Ishihara. Grelha de Amsler
limiar de sensibilidade estudado e os detalhes vermelha a cerca de 33 cm, com luz ambiente
morfológicos do fundo ocular, por possuir um e correcção óptica adequada quando aplicável.
mecanismo de compensação automática de PEC dos 10º centrais, Humphrey (Zeiss
desvios na fixação e localização precisa dos humphrey Systems Dublin, Califormia, USA)
estímulos através de sistema de eye tracking estratégia 10-2.
infra-vermelho 31, 32.
Foi realizado um estudo com o objectivo de
avaliar o papel da Microperimetria no rastreio/
/diagnóstico da retinopatia por hidroxicloroquina Microperimetria
e de estudar a sensibilidade macular em doentes
sob terapêutica com HC.
A microperimetria foi realizada com MP1
(fundus-related microperimetry; MP1 micro-
perimeter, Nidek Technologies, Padova, Italy),
Material e Métodos sob midríase farmacológica, fenilefrina 1%
- 3 instilações separadas por 5 minutos com
Foram estudados doentes do Instituto realização do exame 30 minutos após a última
Português de Reumatologia, sob terapêutica instilação. A estratégia usada foi um estímulo III

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 531


Marta Vila Franca, Tiago Silva, Rita Pinto, Conceição Ornelas, Paulo Caldeira Rosa, António Castanheira-Dinis

do Goldmann, com 33 localizações de estímulos Tabela 1 – Características da população em estudo.


distribuídos pelos 10º centrais. O diferencial de
luminância, definido como a diferença entre MÍNIMO MÁXIMO MÉDIO DP
a luminância do estímulo e a luminância do IDADE 17 71 51 12,3
fundo, foi de 127 cd/m2 com 0 decibéis (dB) DOSE DIÁRIA
de estimulação e o máximo de atenuação do 170 400 333 94
(mg)
estímulo foi de 20 dB. A duração do estímulo TEMPO DE TOMA
1 6 3,2 1,1
foi de 200 ms e o alvo da fixação usado foi uma (ANOS)
cruz de 2 graus. Foram incluidos no estudo EXCESSO
-8,8 38 9,6 10,7
DE PESO (kg)*
apenas doentes com fixação estável e predo-
* Excesso de peso = peso real – peso ideal
minantemente central durante o exame e
sem falsos positivos. Considerámos valores
de sensibilidade média inferior a 16 dB como
A grande maioria dos doentes tinha ante-
cut-off entre exame normal e alterado. O estudo
cedentes de Artrite Reumatoide e Lupus Eritma-
dos doentes estruturou-se por 3 grupos de
toso Sistémico.
sensibilidade retiniana: <16 dB, 16-18 dB e
>18 dB.
Tabela 2 – Tipo de patologia da população em estudo.

TIPO DE PATOLOGIA N.º DE DOENTES


Análise Estatística LUPUS ERITMATOSO SISTÉMICO 14

Usado SPSS (versão 17.0; Inc, Chicago, ARTRITE REUMATOIDE 10


Illinois, USA) para análise estatística. Todos POLIARTRITE 7
os valores são apresentados como média +/- CONECTIVITE INDIFERENCIADA 5
desvio padrão. Optou-se para realização de OUTROS 4
correlação de variáveis contínuas os coeficientes TOTAL 40
de correlação de Spearman. Utilizaram-se testes
Anova (paramétricos) para variáveis indepen-
dentes, nos casos em que se verifiquem os pres- A sensibilidade média (SM), perda média
supostos da normalidade, e testes não paramé- (PM) e sensibilidade central média (SCM)
tricos de Wilcoxon-Mann-Whitney, nos casos foram de 16,8 dB+/-1,7, -2,5 dB+/-1,6 e
em que o pressuposto da normalidade não foi 17 dB+/-2,1, respectivamente.
verificado. Um p inferior a 0,05 foi considerado
estatisticamente significativo. Tabela 3 – Características microperimétricas da popula-
ção em estudo.

Resultados Média
Desvio
Padrão
Mínimo Máximo

Foram incluídos 40 doentes (80 olhos), 37 Sensibilidade


16,8 1,7 14,8 19,7
Média
do sexo feminino. O grupo tinha idade média
de 51. A duração média do tratamento e a Perda Média -2,5 1,6 0 -5,4
dose diária média foi de 3,2 anos e 333 mg, Sensibilidade
17 2,1 14,6 20
respectivamente. Cinco doentes apresentaram Central
peso real inferior ao peso magro, 5 doentes Sensibilidade
16,2 1,7 13,5 19,7
tinham peso ideal e os restantes apresentavam Quad. Sup.
excesso de peso. A diferença média entre o peso Sensibilidade
17,3 1,7 14,5 20
real e o peso ideal foi de 9,6 kg. Quad. Inf.

532 OFTALMOLOGIA
Microperimetria no Diagnóstico Precoce da Toxicidade por Hidroxicloroquina

Fig. 1 – Exemplos de alguns dos exames microperimétricos realizados – Mapa de Cores.

Constituiram-se 3 grupos de acordo com Na tabela seguinte encontra-se a distribuição


a SM macular. A grande maioria dos doentes das características estudadas pelos 3 grupos de
apresentou SM entre 16 dB e 18 dB, sendo que SM macular.
28,3% inferiores a 16 dB. Embora se verifiquem diferenças na distri-
buição pelos grupos, não se verificaram cor-
Tabela 4 – Distribuição da população em estudo por relações entre os graus de SM macular e as
grupo de sensibilidade retiniana. seguintes variáveis: excesso de peso (peso real -
SENSIBILIDADE N.º DE PERCENTAGEM DE
- peso ideal), tempo médio de toma de HC
MÉDIA OLHOS OLHOS e a dose diária ingerida. Verificou-se uma
< 16 dB 23 28,3% correlação negativa forte (p<0,01) entre a sensi-
16-18 dB 36 45,0% bilidade média e o peso real.
> 18 dB 21 26,7%

Tabela 5 – Distribuição das características da população por grau de sensibilidade macular.

< 16dB 16-18dB >18dB


Média 57,2 50,3 45,2
IDADE
Desvio Padrão 9,3 14,5 7,7
Média 66,2 63,2 59,5
PESO REAL (kg)
Desvio Padrão 9,6 8,0 9,1
Média 12,9 9,3 6,7
EXCESSO DE PESO (kg)
Desvio Padrão 13,3 9,3 9,4
Média 3,7 3,0 3,2
TEMPO DE TOMA (Anos)
Desvio Padrão 1,6 0,9 0,8
Média 333 323 350
DOSE DIÁRIA (mg)
Desvio Padrão 96 96 89
Média 14,8 16,9 18,9
SENSIBILIDADE MÉDIA (dB)
Desvio Padrão 1,1 0,6 0,5
Média 15 17 19,3
SENSIBILIDADE CENTRAL (dB)
Desvio Padrão 1,7 1,5 0,7
Média -4,8 -2,5 -0,6
PERDA MÉDIA (dB)
Desvio Padrão 1,1 0,5 0,4
Média 13,8 15,5 17,6
S. Q. SUPER.(dB) 1
Desvio Padrão 1,3 0,8 0,9
Média 16,3 18,4 19,7
S. Q. INF. (dB) 2
Desvio Padrão 1,7 0,6 0,3
Média 2,5 2,9 2,1
DIFERENÇA DE QUADRANTE (dB) 3
Desvio Padrão 1,2 0,9 0,8

1 – Sensibilidade Média do Quadrante Superior; 2 – Sensibilidade Média do Quadrante Inferior;


3 – Sensibilidade Média do Quadrante Inferior – Sensibilidade Média Quadrante Superior

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 533


Marta Vila Franca, Tiago Silva, Rita Pinto, Conceição Ornelas, Paulo Caldeira Rosa, António Castanheira-Dinis

Verificou-se uma assimetria entre os valores da compreenda o exame uma vez que no caso de
sensibilidade do quadrante superior e o inferior, perdas de fixação a auto-correcção é quase que
sendo mais altos no último. Essa diferença foi imediata. Outra vantagem é a possibilidade de
maior (p-0,05) nos indivíduos com SM entre testar e definir a área a estudar, padrão cinético.
16-18 dB em comparação com o grupo com SM É portanto um exame conceptualmente ideal
superior a 18 dB. Não existiu diferença entre os para o estudo destes doentes.
grupos <16 dB e 16-18 dB. Nesta amostra consecutiva de doentes estuda-
dos, tratados com HC e sem nenhuma alteração
noutras avaliações clínicas e complementares de
Discussão rastreio, foram encontradas alterações micro-
perimétricas ligeiras mas significativas (a nível
É de extrema importância o diagnóstico clínico e estatístico) numa proporção importante
precoce da toxicidade retiniana por HC, uma de doentes. A sensibilidade média sub-normal e
vez que a hipótese de reversibilidade vai dimi- a assimetria altitudinal ocorreram em exames
nuindo com o avanço da doença. Apesar de com bons padrões de fiabilidade. De facto o pri-
existirem referências como as recomendações meiro relato sobre a assimetria da sensibilidade
da Academia Americana de Oftalmologia, não é de 1984, em que os autores descrevem que
é consensual qual o melhor método de rastreio os defeitos de campo nestes doentes eram mais
destes doentes, e especialmente naqueles que precoces e profundos no meridiano superior,
têm baixo perfil de risco quanto à dosagem, acima da fixação. Não se sabe qual é a causa.
duração do tratamento, peso ideal, perfil renal É importante destacar que estas alterações da
e hepática. Não está protocolada a frequência sensibilidade macular foram detectadas em
nem a escolha dos exames a realizar, nem doentes com baixo risco e que não se correla-
definidos os critérios de diagnóstico precoce ou cionaram com a dose diária e com o tempo de
sequer um exame complementar padrão gold toma. Este achado está de acordo com as suces-
standard 13,21,22. O debate que existe quanto sivas publicações de casos clínicos de retinopa-
à necessidade ou não de rastrear estes doentes tia tóxica em doentes sob baixas doses de HC
prende-se ainda com o facto de a toxicidade ou C e sem factores de risco 33,34.
ser rara 14-19 e ser necessário um grande inves- Estes resultados detectados na nossa popula-
timento económico, consultas e exames, para se ção podem representar formas muito precoces
detectarem poucos casos. As razões são portanto de perda funcional, ainda assintomática, suge-
também económicas. rindo uma maior sensibilidade da microperi-
A alteração mais precoce é a perda assin- metria em comparação com os outros exames
tomática de sensibilidade macular para-central. utilizados.
Nessas fases a lesão é habitualmente reversível, Devido à gravidade potencial da toxicidade
e devem ser elas o alvo do rastreio. Lesões que por HC, o fármaco deve ser suspenso aos pri-
evoluam podem ser bastante limitantes para o meiros sinais de suspeição. Todavia, como acre-
doente, não esquecendo que a maioria já sofre ditamos estar perante uma fase ainda muito
de patologias bastante incapacitantes. precoce, sem manifestações clínicas, e porque
A microperimetria é um exame estruturado a HC é um fármaco importante na terapêutica
para a avaliação da sensibilidade macular, com de múltiplas doenças reumatológicas, o nosso
rigorosa localização dos estímulos e compen- estudo não pode ser usado para determinar a
sação automática (na ordem dos milissegundos) suspensão do fármaco. Os resultados devem ser
para micro-perdas de fixação, através de sistema utilizados para estabelecer um plano de follow-
de eye-tracking e câmara de infra-vermelhos. -up que permita verificar se essas alterações
Este sistema de eye-tracking constitui uma são ou não progressivas. Esse plano basear-se-
enorme vantagem em relação à PEC 31,32. Não -á naturalmente nos dados da microperimetria
necessita de aprendizagem, basta que o doente bem como na presença de factores de risco, por
534 OFTALMOLOGIA
Microperimetria no Diagnóstico Precoce da Toxicidade por Hidroxicloroquina

forma a optimizar os recursos. É portanto pru- 12. SFIKAKIS PP, MAVRIKAKIS M.: Ophthalmologic moni-
dente recomendar uma monitorização cuidadosa toring for antimalarial toxicity. J Rheumatol. May
ponderando a modificação da terapêutica se 2004;31(5):1011-2; author reply 1012
13. MORSMAN CD, LIVESEY SJ, RICHARDS IM, JESSOP JD,
surgirem alterações evolutivas. Estas decisões
MILLS PV.: Screening for hydroxychloroquine retinal
implicam pesar riscos e benefícios de forma inte-
toxicity: is it necessary?. Eye. 1990;4 (Pt 4):572-6
grada com o reumatologista e o próprio doente. 14. M ILLS PV, B ECK M, P OWER BJ.: Assessment of
the retinal toxicity of hydroxychloroquine. Trans

Conclusão Ophthalmol Soc U K. 1981;101(1):109-13


15. EASTERBROOK M.: Screening for antimalarial toxicity:
current concepts. Can J Ophthalmol. Oct 2002;
A microperimetria parece ser um método 37(6):325-8, 331-4
eficaz no diagnóstico precoce/rastreio de doentes 16. MAVRIKAKIS I, SFIKAKIS PP, MAVRIKAKIS E, ROUGAS
sob terapêutica com HC. Comparativamente aos K, NIKOLAOU A, KOSTOPOULOS C, et al.: The incidence
exames habitualmente utilizados parece ser of irreversible retinal toxicity in patients treated with
mais sensível. São, no entanto, necessários mais hydroxychloroquine: a reappraisal. Ophthalmology.
estudos para reforçar estes resultados. Jul 2003;110(7):1321-6
17. M AVRIKAKIS M, P APAZOGLOU S, S FIKAKIS PP,
VAIOPOULOS G, ROUGAS K.: Retinal toxicity in long
Bibliografia term hydroxychloroquine treatment. Ann Rheum Dis.
Mar 1996;55(3):187-9
11. K LINGER G, M ORAD Y, W ESTALL CA, L ASKIN C, 18. LEVY GD, MUNZ SJ, PASCHAL J, COHEN HB, PINCE
SPITZER KA, KOREN G, et al.: Ocular toxicity and KJ, PETERSON T.: Incidence of hydroxychloroquine
antenatal exposure to chloroquine or hydroxychlo- retinopathy in 1,207 patients in a large multicenter
roquine for rheumatic diseases. Lancet. Sep 8 2001; outpatient practice. Arthritis Rheum. Aug 1997; 40(8):
358(9284): 813-4 1482-6
12. BERNSTEIN HN.: Ocular safety of hydroxychloroquine. 19. B ERNATSKY S, P INEAU C, J OSEPH L, C LARKE A.:
Ann Ophthalmol. Aug 1991; 23(8):292-6 Adherence to ophthalmologic monitoring for antima-
13. COYLE JT.: Hydroxychloroquine retinopathy. Ophthal- larial toxicity in a lupus cohort. J Rheumatol. Aug
mology. Feb 2001;108(2):243-4 2003;30(8):1756-60
14. MOORTHY RS, VALLURI S.: Ocular toxicity associated 20. SHIPLEY M, SILMAN A.: Should patients on hydroxy-
with systemic drug therapy. Curr Opin Ophthalmol. chloroquine have their eyes examined regularly?. Br J
Dec 1999;10(6):438-46 Rheumatol. May 1997;36(5):514-5
15. RAMSEY MS, FINE BS.: Chloroquine toxicity in the 21. SILMAN A, SHIPLEY M.: Ophthalmological monitoring
human eye. Histopathologic observations by electron for hydroxychloroquine toxicity: a scientific review of
microscopy. Am J Ophthalmol. Feb 1972;73(2):229-35 available data. Br J Rheumatol. May 1997;36(5):599-
16. DUNCKER G, BREDEHORN T.: Chloroquine-induced -601
lipidosis in the rat retina: functional and morphological
22. R AZEGHINEJAD MR, T ORKAMAN F, A MINI H.:
changes after withdrawal of the drug. Graefes Arch
Blue-yellow perimetry can be an early detector of
Clin Exp Ophthalmol. Jun 1996;234(6):378-81
hydroxychloroquine and chloroquine retinopathy.
17. RAINES MF, BHARGAVA SK, ROSEN ES.: The blood-
Med Hypotheses. 2005;65(3):629-30
-retinal barrier in chloroquine retinopathy. Invest
23. CRUESS AF, SCHACHAT AP, NICHOLL J, AUGSBURGER
Ophthalmol Vis Sci. Aug 1989;30(8):1726-31
JJ.: Chloroquine retinopathy. Is fluorescein angio-
18. TOIMELA T, TÄHTI H, SALMINEN L.: Retinal pigment
epithelium cell culture as a model for evaluation of graphy necessary?. Ophthalmology. Aug 1985; 92(8):
the toxicity of tamoxifen and chloroquine. Ophthalmic 1127-9
Res. 1995;27 Suppl 1:150-3 24. H ALFELD F URTADO DE M ENDONCA R, O LIVEIRA
19. B ERNSTEIN HN, G INSBERG J.: The pathology of MAIA JUNIOR O, YUKIHIKO TAKAHASHI W.: Electro-
chloroquine retinopathy. Arch Ophthalmol. Feb 1964; physiologic findings in chloroquine maculopathy. Doc
71:238-45 Ophthalmol. Sep 2007;115(2):117-9
10. RIVETT K.: Chloroquine-induced retinal toxicity. S Afr 25. S O SC, H EDGES TR, S CHUMAN JS, Q UIREZA ML.:
Med J. Jan 2004;94(1):41 Evaluation of hydroxychloroquine retinopathy with
11. W ARNER AE.: Early hydroxychloroquine macular multifocal electroretinography. Ophthalmic Surg
toxicity. Arthritis Rheum. Aug 2001;44(8):1959-61 Lasers Imaging. May-Jun 2003;34(3):251-8

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 535


Marta Vila Franca, Tiago Silva, Rita Pinto, Conceição Ornelas, Paulo Caldeira Rosa, António Castanheira-Dinis

26. T ZEKOV RT, S ERRATO A, M ARMOR MF.: ERG fin- 30. R OHTSCHNEIDER K, S PRINGER C, B ÜLTMANN S,
dings in patients using hydroxychloroquine. Doc VÖLCKER HE.: Microperimetry – comparison between
Ophthalmol. Jan 2004;108(1):87-97 the Micro Perimeter 1 and scanning laser bophthal-
27. MATURI RK, YU M, WELEBER RG.: Multifocal electro- moscope – fundus perimetry. Am J Ophthalmol 2005;
retinographic evaluation of long-term hydroxychlo- 139:125-134
roquine users. Arch Ophthalmol. Jul 2004;122(7): 31. S P R I N G E R C , B Ü LT M A N N S , V Ö L C K E R H E ,
973-81 ROHTSCHNEIDER K.: Fundus perimetry with the Micro
28. M OSCHOS MN, M OSCHOS MM, A POSTOLOPOULOS Perimeter 1 in normal individuals: comparison with
M, M ALLIAS JA, B OUROS C, T HEODOSSIADIS GP.: conventional threshold perimetry. Ophthalmology
Assessing hydroxychloroquine toxicity by the mul- 2005; 112:848-854
tifocal ERG. Doc Ophthalmol. Jan 2004; 108(1): 47-53 32. FALCONE PM, P AOLINI L, L OU PL.: Hydroxychlo-
29. P ENROSE PJ, T ZEKOV RT, S UTTER EE, F U AD, roquine toxicity despite normal dose therapy. Ann
ALLEN AW JR, FUNG WE, et al.: Multifocal electro- Ophthalmol. Oct 1993;25(10):385-8
retinography evaluation for early detection of retinal 33. THORNE JE, MAGUIRE AM.: Retinopathy after long
dysfunction in patients taking hydroxychloroquine. term, standard doses of hydroxychloroquine. Br J
Retina. Aug 2003;23(4):503-12 Ophthalmol. Oct 1999;83(10):1201-2

536 OFTALMOLOGIA
Oftalmologia - Vol. 34: pp. 537 - 545

Manifestações Clínicas Sistémicas em


Doentes com Uveíte Anterior relacionada
com HLA-B27
Jorge Filipe Silva Henriques 1, João Cardoso 2, Jorge Crespo 3, Júlia Veríssimo 4, Rui Proença 5
1 – Interno de Oftalmologia, Centro de Responsabilidade de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).
2 – Interno de Oftalmologia, Centro de Responsabilidade de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC).
3 – Chefe de Serviço de Medicina Interna, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC)
4 – Assistente Graduada de Oftalmologia, Centro de Responsabilidade de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC)
5 – Chefe de Serviço de Oftalmologia, Centro de Responsabilidade de Oftalmologia, Hospitais da Universidade de Coimbra; Professor da
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

Centro de Responsabilidade de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra

silvahenriques@gmail.com

RESUMO

Introdução: As manifestações sistémicas em doentes com uveíte anterior HLA-B27


são comuns. No entanto, o espectro de alterações e a frequência com que se manifestam
é variável. O objectivo deste estudo foi determinar a frequência e incidência das
manifestações sistémicas numa população com Uveíte Anterior relacionada com o HLA-
-B27. Material e Métodos. Estudo prospectivo e observacional em que foram incluídos
50 doentes com o diagnóstico de uveíte anterior e HLA-B27 positivos (UA HLA-B27).
Os doentes foram estudados sob o ponto de vista oftalmológico e sistémico, com exame
clínico e laboratorial completo, e imagiologia das articulações sacro-ilíacas. Foram
registadas as idades de início dos sintomas, sintomas sistémicos, o número total de crises
por ano, bilateralidade, acuidade visual e complicações oftalmológicas. Os doentes foram
sub-divididos de acordo com o diagnóstico clínico principal: Uveíte Anterior HLA-B27
isolada, Espondilite Anquilosante (EA), Doença Inflamatória Intestinal (DII), Artrite
Psoriática (AP) e Artrite Reactiva (AR), e foram determinadas as frequências e incidências
relativas nessa população. O tempo de seguimento foi de 10 anos. Resultados. Sessenta
e oito por cento dos doentes (n=34) eram do sexo masculino e 32% (n=16) do sexo
feminino. A idade média de apresentação foi de 40 anos e o número médio de episódios
de uveíte/ano foi de 4. A uveíte foi bilateral em 58% dos casos. Dezasseis por cento
(N=8) desenvolveram catarata com necessidade de cirurgia, em 28% (N=14) observou-
-se formação de sinéquias, em 2% (N=1) hipertensão intra-ocular, em 2% (N=1) edema
macular cistóide e hipópion em 8% (N=4). O diagnóstico de EA foi estabelecido em 46%
dos doentes (N=23), UA HLA-B27 isolada em 40% (N=20), DII em 6% (N=3), AR em
6% (N=3) e AP em 2% (N=1). Em 44% (N=22) da população em estudo foi observada
sacro-ilíte imagiológica, apesar de 84% (N=42) referirem dor sacro-ilíaca. Psoríase e
eritema nodoso foram observados em 2% (N=1); diarreia crónica em 18% (N=9), e aftas
em 12% (N=6). Conclusões. O prognóstico visual nos primeiros 10 anos na UA HLA-B27
foi favorável apesar do carácter recorrente da inflamação. As manifestações sistémicas são
muito frequentes, nomeadamente as do foro ósteo-articular e gastro-intestinal. O curso e

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 537


Jorge Filipe Silva Henriques, João Cardoso, Jorge Crespo, Júlia Veríssimo, Rui Proença

o prognóstico da UA HLA-B27 não diferiu significativamente na presença ou ausência


de doença de base e a associação sistémica mais comum foi a espondilite anquilosante.
Grande parte dos doentes com UA HLA-B27 isolada apresentou sintomas sistémicos, mas
sem critérios de diagnóstico para outras espondilartropatias sero-negativas.

Palavras-chave: Uveíte anterior; HLA-B27; Manifestações sistémicas na uveíte anterior.

Introdução A interacção entre o complexo MHC-célula


anómala, com as células T pré-sensibilizadas,
desencadeia uma resposta inflamatória10, 11, 12.
A uveíte anterior aguda (UAA) é uma forma
frequente de inflamação intra-ocular com
uma incidência anual de 8,2 casos novos por
A associação entre a UA e o HLA-B27 foi
descrita pela primeira vez por Brewerton DA
100 000 habitantes numa população branca 1. et al em 1973 13. Desde então, foram também
Caracteriza-se clinicamente por apresentação descritas claras associações entre o HLA-B27
súbita de olho vermelho, fotofobia, dor ocular e as espondilartropatias seronegativas (ES):
moderada a grave e visão turva associada a espondilite anquilosante (EA)14, artrite reac-
inflamação não granulomatosa do segmento tiva (síndrome de Reiter) (AR) 15 , doença
anterior 2, 3, 4. Tipicamente apresenta duração inflamatória intestinal (DII) 16, 17 e artrite pso-
inferior a 3 meses mas com carácter recidivante. riática (AP)18. Com efeito, cerca de metade dos
Cinquenta por cento dos doentes com UAA doentes com primeiro episódio de UAA têm
apresentam fenotipagem HLA-B27 positiva uma forma de espondilartropatia seronegativa
(UA-HLA B27); mas em doentes com UAA associada 2.
recorrente, a percentagem sobe para 70% 5. Não obstante, a UA HLA-B27 ocorre também
A UA HLA-B27 é duas vezes mais frequente na forma isolada, isto é, sem critérios de diagnós-
nos homens, do que em mulheres 2, 3 . No tico para qualquer outra doença sistémica – UA
entanto, durante a gravidez, a frequência da HLA-B27 isolada –, apesar de se acompanhar
UAA sobe, sobretudo se associada a espondilite de algumas manifestações clínicas sistémicas.
anquilosante (EA) 6, 7. O objectivo deste estudo foi determinar
Globalmente, os doentes com UA HLA-B27 prospectivamente a frequência e incidência das
desenvolvem maior número de recorrências e manifestações sistémicas numa população com
de complicações a longo prazo, quando compa- Uveíte Anterior relacionada com o HLA-B27 e
rados com os doentes com UA HLA-B27 nega- avaliar o impacto no prognóstico.
tiva, que manifestam um início mais tardio e
melhor prognóstico geral 8.
O sistema antigénico HLA (human leukocyte Material e Métodos
antigen) é geneticamente codificado pelo
complexo major de histocompatibilidade (MHC Estudo prospectivo e observacional de 10 anos
– major histocompatibility complex) localizado decorrido no Centro de Responsabilidade de
no cromosoma 6. O MHC é composto por Oftalmologia dos Hospitais da Universidade
glicoproteínas localizadas na superfície celular, de Coimbra (CRO HUC) para determinação
que se subdividem em 3 classes 9. O antigénio da frequência e incidência das manifestações
HLA-B27 pertence à classe I de antigénios, e sistémicas na UA HLA-B27.
desempenha um papel preponderante na des- O diagnóstico de UA HLA-B27 foi estabele-
truição de células infectadas ou aberrantes, cido em olhos com inflamação confinada ao
através da apresentação de peptídeos víricos/ segmento anterior e fenotipagem HLA-B27
/anormais às células T citotóxicas (CD 8). positiva, em que outras causas de uveíte foram

538 OFTALMOLOGIA
Manifestações Clínicas Sistémicas em Doentes com Uveíte Anterior relacionada com HLA-B27

excluídas. A classificação da uveíte foi efectuada conta o diagnóstico clínico principal: Uveíte
de acordo com o International Uveitis Study Anterior HLA-B27 isolada (UAI), Espondilite
Group e Jabs DA et al 19, 20. Somente foram Anquilosante (EA), Doença Inflamatória
recrutados doentes com apresentação inicial de Intestinal (DII), Artrite Psoriática (AP) e Artrite
UA e fenotipagem HLA-B27 positiva durante Reactiva (AR), usando os critérios padrão de
o período do estudo, e apenas foram incluídos diagnóstico 21,22,23,24,25, e determinadas as
doentes com seguimento continuado de 10 anos. frequências e incidências relativas em cada
Doentes com uveíte crónica, intermédia ou grupo.
posterior foram excluídos. A análise estatística foi efectuada usando o
Os doentes foram avaliados na consulta software StatView®.
de Imunopatologia Ocular do CRO dos HUC.
Trata-se de uma consulta de referência, para a
qual apenas alguns doentes com UA são refe- Resultados
renciados. Na consulta, procedeu-se à deter-
minação da melhor acuidade visual corrigida Cinquenta doentes consecutivos com o
(MAVC), biomicroscopia, tonometria de apla- diagnóstico de uveíte anterior HLA-B27 posi-
nação de Goldman e fundoscopia. Foram tivo (UA HLA-B27) foram incluídos no estudo.
realizados exames complementares (Optical Sessenta e oito por cento dos doentes (n=34)
Coherence Tomography – OCT -, e angiografia eram do sexo masculino e 32% (n=16) do sexo
fluoresceínica - AF) sempre que indicado pela feminino. A relação de incidência homem/
observação clínica. /mulher foi de 2,1:1. Todos os doentes eram de
Todos os doentes efectuaram a pesquisa do raça caucasiana e a idade média ao diagnóstico
antigénio HLA B27, tendo sido esta realizada foi de 40 (+ 13) anos (variação de 19 a 84 anos).
no Centro de Histocompatibilidade de Coimbra. Na Fig. 1 ilustra-se o número de doentes por
Foram registadas as idades de início dos faixa etária na idade de aparecimento da uveíte.
sintomas, incidência por sexo, MAVC, laterali- O número médio de episódios de UA por
dade (unilateral ou bilateral, considerando-se ano foi de 4 (+ 3) (variando de 1 a 10). A per-
bilateral os casos de inflamação simultânea centagem de episódios por doente por ano é
dos 2 olhos), número total de crises por ano e mostrada na Fig. 2.
duração, sintomas sistémicos, e complicações
oftalmológicas (hipópion, sinéquias, catarata,
hiper/hipotensão intra-ocular, edema macular N.º de doentes por faixa etária de aparecimento
cistóide - EMC). Todos os medicamentos usados de sintomas
no tratamento, quer tópicos quer sistémicos,
foram registados.
Os doentes foram seguidos mensalmente até
controlo dos episódios de UA, e depois, semes-
tralmente ou anualmente, com base no número
Idades

de recorrências.
De acordo com a sintomatologia extra-ocular,
os doentes foram referenciados para consulta de
reumatologia/medicina interna e estudados sob
o ponto de vista sistémico. A incidência e pre-
valência de sintomas e sinais ósteo-articulares
(artralgias), muco-cutâneos (aftas, eritema N.º doentes
nodoso, psoríase) e gastro-intestinais (diarreia,
dor abdominal) foram registadas. Fig. 1 – Distribuição do número de doentes por faixa etária
Os doentes foram classificados tendo em na data de aparecimento da uveíte.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 539


Jorge Filipe Silva Henriques, João Cardoso, Jorge Crespo, Júlia Veríssimo, Rui Proença

N.º de crises / doente / ano


Acuidade Visual na última consulta

N.º de olhos

Fig. 2 – Episódios de AU por doente e por ano.


Acuidade Visual

O número de crises por doente, aos 10 anos Fig. 3 – Distribuição da MAVC aos 10 anos de segui-
de seguimento, foi consistentemente superior mento.
em mulheres, mas de modo não estatisticamente
significativo em relação aos homens.
A uveíte foi bilateral em 58% (N=29) dos hipertensão intra-ocular (HTIO) secundária aos
casos. Dezasseis por cento (N=8) desenvolveram corticosteróides. Em 26% dos doentes (N=13)
uveíte crónica (duração > a 3 meses), e apenas foram usados corticosteróides perioculares (sub-
4% (N=2) apresentaram episódios de duração -conjuntival ou sub-tenoniano). Para tratamento
superior a 6 meses. da doença sistémica, os corticosteróides per
Em 8 doentes (16%) registou-se formação os foram usados em 30% (N=15), AINEs em
de catarata secundária à uveíte com necessidade 76% (N=38), azatioprina em 20% (N=10),
de cirurgia. A idade média à data da cirurgia salazopirina em 20% (N=10), e metotrexato
foi de 52 anos. Em 28% (N=14) observou-se em 4% (N=2). Não se observaram diferenças
formação de sinéquias, apesar do tratamento estatisticamente significativas entre os sexos em
com midriáticos. Em 2% dos doentes (N=1) relação ao uso de nenhum dos fármacos.
registou-se hipertensão intra-ocular persistente Aos 10 anos de seguimento, 60% dos doentes
com desenvolvimento de glaucoma secundário desenvolveram uma forma de espondilartropatia
e necessidade de medicação com 2 colírios seronegativa: EA em 46% dos doentes (N=23),
anti-hipertensores (β-bloqueante e inibidor da DII em 6% (N=3), AR em 6% (N=3) e AP em
anídrase carbónica). Os episódios de uveíte 2% (N=1). O diagnóstico de UA HLA-B27
anterior com formação de hipópion apenas isolada foi estabelecido em 40% (N=20). O
foram descritos em 8% dos doentes (N=4) risco de desenvolvimento de doença sistémica
durante o período de seguimento. Em 4% dos foi idêntico entre homens e mulheres. Na Fig. 4
doentes (N=2) reportou-se EMC no OCT, ou é mostrada a percentagem de desenvolvimento
na AF, com rebate na acuidade visual, um dos de cada ES no grupo de estudo.
quais efectuou tratamento com injecção intra-
-vítrea de triamcinolona. Diagnóstico Principal (n.º de doentes; %)
No final do período de seguimento, 78% dos
olhos (N=78) apresentaram MAVC de 1,0, e
apenas 3% (N=3) MAVC < 0,5. A distribuição
da MAVC final por olho é mostrada na Fig. 3.
Todos os doentes foram tratados inicialmente
com colírios de corticosteróide e midriáticos.
Foi adicionado um fármaco hipotensor ocular
sempre que se verificou pressão intra-ocular Fig. 4 – Distribuição do diagnóstico principal no grupo de
> 21 mmHg ou nos doentes que desenvolveram doentes com uveíte anterior e HLA B27.

540 OFTALMOLOGIA
Manifestações Clínicas Sistémicas em Doentes com Uveíte Anterior relacionada com HLA-B27

Noventa e seis por cento (N=48) da popula- manifestações sistémicas em doentes com UA
ção do estudo manifestou sintomatologia sisté- HLA-B27 de 96% aos 10 anos. O risco de desen-
mica em algum período do seguimento. De volvimento de doença sistémica (espondilar-
acordo com o protocolo estabelecido entre tropatia seronegativa) foi de 60% aos 10 anos
os serviços de oftalmologia e reumatologia/ e não houve diferença estatisticamente significa-
/medicina interna dos HUC, esses doentes tiva entre o sexo feminino e o masculino.
foram referenciados e estudados nessa consulta. A incidência anual de uveíte anterior (UA)
As manifestações articulares foram as mais varia entre 8,2 a 20 por 100.000 habitantes2, 26, 27,
frequentes e ocorreram em 87% (N=44) dos ocorrendo preponderantemente na faixa etária
casos. Oitenta e quatro por cento (N=42) dos dos 20 aos 50 anos de idade. Estes dados estão
doentes referiram artralgias na região das de acordo com os do presente estudo, em que
sacro-ilíacas mas em apenas 44% (N=22) se a idade ao diagnóstico de 84% (N=42) dos
demonstrou uma evidência imagiológica de doentes variou entre 27 e 50 anos.
sacro-ileíte: em 15 doentes através de radio- Este estudo decorreu na consulta de Imuno-
grafias simples das articulações sacro-ilíacas; patologia do CRO dos HUC, tratando-se por
em 4 doentes por cintigrafia óssea; e em 2 doen- isso de um estudo em doentes referenciados,
tes por ressonância magnética nuclear. e não na população geral. Decorrem neste
Oitenta e oito por cento referiram poliartral- centro cerca de 2400 consultas anuais de uveíte.
gias periféricas e 12% monoartralgias. O tipo Destas, 40% correspondem a casos de UA,
mais frequente de artralgia foi o inflamatório sendo que 34% das UA são relacionadas com o
(N=37); seguido do tipo misto (N=5), e do tipo HLA-B27.
mecânico (N=1). A localização axial foi a mais A idade média de apresentação da UA HLA-
frequente (N=37), seguida pela mista (N=6) -B27 varia entre as várias séries descritas: de 31
e pela periférica (N=2). O envolvimento das anos, no estudo de Monnet et al 28, a 36 anos,
articulações das mãos foi significativamente no estudo de Braakenburg et al29. No presente
maior no sexo feminino. As articulações estudo, a idade média de apresentação foi de 39
metacarpo-falângicas (MCFs) foram envolvidas ± 12 anos.
em 43% (N=22), as interfalângicas proximais Como referido por Tay-Kearney e tal 28, 30,
(IFP) em 29% (N=15), as interfalângicas distais parece haver predilecção pelo sexo masculino
(IFD) em 14% (N=7), e o envolvimento de todas na UA. Num estudo recente numa população
estas articulações em 14% (N=7) dos casos. dos EUA (N=175) 28 , a percentagem de
As manifestações gastro-intestinais regista- incidência no sexo masculino foi de 56,6% e
ram-se em 46% (N=23). Diarreia crónica/ recor- de 43,4% no sexo feminino, com proporção de
rente ocorreu em 18% (N=9) dos indivíduos; dor 1,3:1. Braakenburg et al em 2008 29 publicou
na fossa ilíaca direita em 12% (N=6), dor abdomi- uma incidência de 54% no sexo masculino e
nal inespecífica em 8% (N=4), e uma apendicec- 46% no feminino num estudo com 177 doentes.
tomia foi efectuada em 8% dos doentes (N=4). A relação de incidência homem/mulher no
As manifestações muco-cutâneas ocorreram presente estudo foi de 2,1:1 (68% em homens e
em 16% dos doentes (N=8): 12% (N=6) apre- 32% em mulheres).
sentaram aftas orais com frequência superior a O envolvimento ocular bilateral ocorreu
3 crises por ano. A psoríase e o eritema nodoso em 56% do grupo de estudo o que contrasta
foram observados em 2% (N=1) cada. amplamente com o descrito na literatura. Gene-
ricamente, a UA é tida como predominante-
mente unilateral ou alternante 2, 30, 31, 32 .
Discussão Tay-Kearney et al 30, reportou uma incidên-
cia de 56% de UA unilateral e de 44% de envol-
Os resultados deste estudo prospectivo vimento alternado ou simultâneo numa popu-
observacional mostram uma incidência de lação dos EUA. Braakenburg et al 29 descreveu
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 541
Jorge Filipe Silva Henriques, João Cardoso, Jorge Crespo, Júlia Veríssimo, Rui Proença

uma incidência de 21% de actividade bilateral intra-vítrea de triamcinolona, com melhoria


num estudo de 10 anos retrospectivo, publicado de duas linhas na escala de Snellen. A prevalên-
em 2008 (N=177). Estes resultados corroboram cia de EMC na UA HLA-B27 varia amplamente
os publicados por Power 8 num estudo de 1998. na literatura, de 4 a 31%2, 8, 28, 30, 36, 38, 39. No
Uma possível justificação para a grande per- estudo recente de Braakenburg29, o EMC foi
centagem de UA bilateral encontrada tem a ver reportado em 11% dos indivíduos.
com o número relativamente pequeno de indi- Dezasseis por cento dos doentes (N=8)
víduos estudados (N=50), e por isso constituir desenvolveram catarata com indicação cirúrgica,
um viés nesta análise. Por outro lado, o envolvi- de acordo com o Lens Opacities Classification
mento ocular bilateral, na maioria dos casos, foi System III (LOCS III). A idade média à data
consecutivo e não de início simultâneo, o que da cirurgia foi de 52 anos, o que sublinha a UA
pode corresponder na realidade a envolvimento (e/ou a corticoterapia) como factor de risco
unilateral sobreposto. para a formação de catarata. Estes dados estão
Tal como descrito por Tay-Kearney et al 30, de acordo com os publicados na literatura, que
o envolvimento bilateral foi mais frequente variam de 2 a 30% 2, 8, 28, 30, 32, 33, 34.
no sexo feminino, mas não foram encontradas Não foi demonstrada vasculite ou descola-
diferenças estatisticamente significativas. mento seroso de retina em nenhum doente
De acordo com o International Uveitis Study com EMC, embora estas complicações estejam
Group19, a UA é considerada crónica a partir descritas, ainda que numa pequena percentagem
dos 3 meses de duração 2, 19, 20, 28, 31. Dezasseis dos doentes com UA HLA-B27 36, 40.
por cento (N=8) desenvolveram uveíte crónica, Observou-se formação de sinéquias em 28%
e 4% (N=2) apresentaram episódios de duração (N=14), e em 2% dos doentes (N=1) registou-
superior a 6 meses. Na maioria destes casos, as -se HTIO persistente com desenvolvimento de
crises foram seguidas de intervalos mais longos glaucoma secundário e necessidade de medi-
livres de recorrência, tal como se caracteriza a cação com 2 colírios anti-hipertensores (β-blo-
UA HLA-B27. queante e inibidor da anídrase carbónica). A for-
O prognóstico visual verificado aos 10 anos mação de hipópion ocorreu em 8% dos doentes
foi bastante favorável: 78% dos olhos (N=78) (N=4) durante o período de seguimento. O grau
apresentaram MAVC de 1,0; e apenas 3% (N=3) de complicações oftalmológicas nesta série está
MAVC < 0,5 (Fig. 3). Não foram registadas de acordo com a literatura.
MAVC inferiores a 0,3 aos 10 anos. Vários estudos Não foram detectadas diferenças significa-
corroboram este prognóstico visual 28, 32, 33, 34, 35. tivas no grau de recorrência das crises, compli-
No entanto Power et al 8, verificou que 11% dos cações oftalmológicas e MAVC final entre os
doentes de estudo registaram MAVC inferior doentes que desenvolveram doença de base e
a 0,1, e 78% apresentaram MAVC final entre nos que apresentaram apenas UA HLA-B27
0,5 e 1,0. A diferença de prognóstico pode isolada.
ser justificada pela diferença dos critérios de A UA HLA B-27 é considerada uma forma de
inclusão, envolvimento ou não do segmento espondilartropatia sero-negativa (ES), podendo
posterior, período de seguimento ou população não estar associada a espondilite anquilosante
de estudo. (EA), a artrite reactiva (AR), a artrite psoriática
O principal factor condicionante do prognós- (AP) ou à doença inflamatória intestinal (DII),
tico visual na UA HLA-B27 é o desenvolvimento mas somente a algumas manifestações clínicas
de EMC 35, 36, 37. Quatro por cento dos doentes sobreponíveis às destas patologias. Diversos
(N=2) desenvolveram EMC (diagnosticado por doentes com UA HLA B-27 não apresentam
OCT ou AF). As MAVC finais destes doentes critérios de diagnóstico para estas espondilar-
foram, com efeito, de 0,3 e 0,4, respectivamente, tropatias sero-negativas, mas apresentam mani-
das mais baixas de entre o grupo de estudo. festações clínicas extra-oculares com relativa
Um doente efectuou tratamento com injecção frequência. Daqui a colaboração estreita entre

542 OFTALMOLOGIA
Manifestações Clínicas Sistémicas em Doentes com Uveíte Anterior relacionada com HLA-B27

oftalmologista e internista/reumatologista ser séries, entre 3,5 e 11,8%, sendo a episclerite a


crucial ao nível de um diagnóstico precoce e lesão mais frequente16, 42. Na série apresentada
tratamento conjunto destes doentes. encontrámos uma percentagem relativamente
Neste estudo, o diagnóstico de EA foi pequena de uveítes HLA B-27 associadas a
estabelecido em 46% dos doentes (N=23), a UA DII (6 %). Os sintomas muco-cutâneos foram
HLA-B27 isolada em 40% (N=20), a DII em os menos frequentes, e ocorreram em 16%
6% (N=3), a AR em 6% (N=3) e a AP em 2% dos doentes: aftose oral recorrente (> 3/ano)
(N=1) (Fig. 4). Monnet et al19 e Tay-Kearney30, em 12%, e psoríase e eritema nodoso em 2%.
reportaram mesma proporção de incidência nas Monnet et al 28, reportou uma incidência de
suas séries: EA, AR e DII respectivamente como psoríase 13,1% em doentes com UA HLA-B27,
as três patologias mais frequentes. A EA é consis- num estudo de 2004.
tentemente descrita como a doença sistémica mais Este é o primeiro estudo realizado numa
prevalente na UA HLA-B27 2, 3, 28, 30, 32, 41, 42. população portuguesa, de prevalência e incidên-
Não obstante o risco de desenvolvimento cia de manifestações sistémicas na UA HLA-
de EA em homens ser ligeiramente superior -B27. A maior limitação do estudo prende-se
em vários estudos 3, 8, 32, 41, na presente série o com a relativamente pequena casuística ava-
risco global de desenvolvimento de doença sis- liada. No entanto, optou-se por incluir apenas
témica foi idêntico entre homens e mulheres. doentes com seguimento mínimo continuado
De entre as manifestações sistémicas, as de 10 anos, em detrimento de uma casuística
mais frequentes foram as ósteo-articulares: 84% maior, na perspectiva de melhor compreender o
(N=42) dos doentes referiram artralgias na curso normal da doença ao longo de um período
região das sacro-ilíacas, mas em apenas 44% de seguimento prolongado.
(N=22) se demonstrou evidência radiológica
de sacro-ileíte. Isto constitui um achado impor-
tante porque a dor articular, ainda que muito
frequente, recorrente e/ou persistente, não Conclusões
implica artrite clínica ou imagiológica, nestes
doentes com uma predisposição genética O prognóstico visual nos primeiros 10 anos
aumentada. Outro estudo decorrido em França na UA HLA-B27 foi favorável apesar do
relatou 67,4% dos doentes com artralgia axial, carácter recorrente da inflamação. O principal
em que apenas 46% apresentavam sacro-ileíte factor condicionante do prognóstico visual foi
imagiológica 28. o desenvolvimento de EMC. As manifestações
A artralgia periférica mais frequente na sistémicas são muito frequentes, nomeadamente
população estudada foi a de tipo inflamatório as do foro ósteo-articular e gastro-intestinal.
(N=37), de carácter simétrico e poliarticular, A dor na região da sacro-ilíaca ocorreu em mais
encontrada sobretudo em homens (N=26). Por de 80% dos doentes, mas apenas cerca de metade
outro lado, um maior envolvimento das articu- apresentaram artrite clinicamente significativa.
lações das mãos foi registado em mulheres, com O curso e o prognóstico da UA HLA-B27 não
afectação preferencial das MCF. diferiu significativamente na presença ou ausên-
As manifestações gastro-intestinais regis- cia de doença de base e a associação sistémica
taram-se em cerca de metade dos doentes mais comum foi a espondilite anquilosante.
(46%). A diarreia crónica/recorrente e a dor Grande parte dos doentes com UA HLA-B27
na fossa ilíaca direita foram os sintomas mais isolada apresentou sintomas sistémicos, mas
frequentes (18% e 12%, respectivamente), e sem critérios de diagnóstico para outras espon-
sem relação directa com a progressão para DII. dilartropatias sero-negativas, podendo, em nossa
A prevalência de lesões oculares na Doença opinião, constituir uma entidade própria incluída
Inflamatória Intestinal (DII) varia, nas diferentes neste grupo de doenças.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 543


Jorge Filipe Silva Henriques, João Cardoso, Jorge Crespo, Júlia Veríssimo, Rui Proença

Referências 20. J ABS DA, N USSENBLATT RB, R OSENBAUM JT.:


Standardization of uveitis nomenclature for reporting
11. VADOT E et al: Epidemiology of uveitis. Preliminary clinical data. Results of the First International
results of a prospective study in Savoy. In Saari KM, Workshop. Am J Ophthalmol 2005;140:509-516
editor: Uveitis update, Amsterdam, 1984, Elsevier, 21. CHANG JH, MCCLUSKEY PJ, WAKEFIELD D.: Acute
p. 16 anterior uveitis and HLA-B27. Surv Ophthalmol
12. ROTHOVA A, VAN VEENEDAAL WG, LINSSEN A, GLASIUS 2005; 50:364-388
E, KIJLSTRA A, DE JONG PT.: Clinical features of acute 22. DOUGADOS M, VAN DER LINDEN S, JUHLIN R, et al.:
anterior uveitis. Am J Ophthalmol 1987; 103:137-145 The European Spondylarthropathy Study Group
13. MAPSTONE R, WOODDROW JC: HLA-B 27 and acute preliminary criteria for the classification of spondylar-
anterior uveitis, Br J Ophthalmol 59:270-275, 1975 thropathy. Arthritis Rheum 1991;34:1218 -1227
14. ZERVAS J et al: HLA-B27 frequency in Greek patients 23. LINDER R, HOFFMANN A, BRUNNER R.: Prevalence
with acute anterior uveitis, Br J Ophthalmol 61:699- of the spondyloarthritides in patients with uveitis. J
701, 1997 Rheumatol 2004;31:2226-2229
15. E HLERS N et al: HLA-B27 in acute and chronic 24. S IEPER J, R UDWALEIT M, K HAN MA, B RAUN J.:
uveitis, Lancet 1:99, 1974 Concepts and epidemiology of spondyloarthritis. Best
16. BENNETT PH, BURCH TA: New York symposium on Pract Res Clin Rheumatol 2006;20:40-417
population studies in the rheumatic diseases: new 25. Z OCHLING J, B RANDT J, B RAUN J.: The current
diagnostic criteria, Bull Rheum Dis 17:453-458, 1967 concept of spondyloarthritis with special emphasis
17. ROSENBAUM JT.: The eye in spondylarthritis. In: Calin on undifferentiated spondyloarthritis. Rheumatology
A, Taurog JD, eds. The Spondylarthitides. Oxford, (Oxford) 2005;44:1483-1491
UK: Oxford University Press; 1998:159-66 26. NUSSENBLATT RB, WHITCUP S, PALESTINE A.: Uveitis,
18. POWER WJ, RODRIGUEZ A, PEDROZA-SERES M, FOSTER Fundamentals and Clinical Practice, 2nd edition. St
CS.: Outcomes in anterior uveitis associated with the Louis, Missouri: Mosby-Year Book inc, 1996:18-287
HLA-B27 haplotype. Ophthalmology 1998;105:1646 27. P ALMARES J, C OUTINHO MF, C ASTRO -C ORREIA J.:
-1651 Uveitis in Northern Portugal. Curr Eye Res 1990;9:31-4
19. ALTMAN DM, TROWSDALE J: Major histocompatibility 28. MONNET D, BREBAN M, HUDRY C, et al: Ophthalmic
complex structure and function, Curr Opin Immunol findings and frequency of extraocular manifestations
2:93-98, 1990 in patients with HLA-B27 uveitis: a study of 175
10. BENJAMIN R, PARHAM P: HLA-B27 and diseases: a cases. Ophthalmology 111:802-9, 2004
consequence of inadvertent antigen presentation? 29. BRAAKENBURG A. M. D., HAROLD W. DE VALK, JOKE
Rheum Dis Clin North Am 18:11-21, 1992 DE BOER, AND ANIKI ROTHOVA: Human Leukocyte
11. IVANYI P: Immunogenetics of the spondyloarthro-
Antigen-B27–Associated Uveitis: Long-term Follow-
pathies, Curr Opin Rheumatol 5:436-445, 1993
-up and Gender Differences. Am J Ophthalmol
12. K ELLNER H, Y U D: The pathogenetic aspects of
2008;145:472-479. © 2008 by Elsevier Inc.
spondyloarthropathies from the point of view of HLA-
30. TAY-KEARNEY ML, SCHWAM BL, LOWDER C, et al.:
B27, Rheumatol Int 12:121-127, 1992
Clinical features and associated systemic diseases of
13. BREWERTON DA, CAFFREY M, NICHOLLS A, et al.:
HLA-B27 uveitis. Am J Ophthalmol 1996;121:47-56
Acute anterior uveitis and HL-A 27. Lancet 2:994-6,
31. HUHTINEN M, KARMA A.: HLA-B27 typing in the
1973
categorization of uveitis in a HLA-B27 rich popula-
14. BREWERTON DA et al: Ankylosing spondylitis and
HL-A, Lancet 1:904-907, 1973 tion. Br J Ophthalmol 2000;84:413-416
15. BREWERTON DA et al: Reiter’s disease and HL-A 27, 32. WAKEFIELD D, EASTER J, PENNY R.: Clinical feature
Lancet 2:996-998, 1973 of HLA-B27 anterior uveitis. Aust J Ophthalmol
16. SALMON JF et al: Ocular inflammation in Crohn’s 1984;12:191-196
disease, Ophthalmology 98:480-484, 1991 33. ROTHOVA A, BUITENHUIS HJ, CHRISTIAANS BJ, et al.:
17. V ERBRAAK FD, S CHREINEMACHERS MC, T ILLER A Acute anterior uveitis (AAU) and HLA-B27. Br J
et al: Prevalence of subclinical anterior uveitis in Rheumatol 1983;22:144-145
adult patients with inflammatory bowel disease, Br J 34. L INSSEN A, M EENKEN C: Outcomes of HLA-B27-
Ophthalmol 85:219-221, 2001 positive and HLA-B27-negative acute anterior uveitis.
18. C ALIN A: Spondylarthropathy, undifferentiated Am J Ophthalmol 120:351-61, 1995
spondylarthritis, and overlap. In Maddison Bj et al, 35. LARDENOYE CW, VAN KOOIJ B, ROTHOVA A.: Impact
editors: Oxford textbook of rheumatology, vol. 2, of macular edema on visual acuity in uveitis. Oph-
Oxford, 1993 Oxford University Press, pp. 666-674 thalmology 2006;113:1446-1449
19. BLOCH-MICHEL E, NUSSENBLATT RB.: International 36. RODRIGUEZ A, AKOVA YA, PEDROZA-SERES M, FOSTER
Uveitis Study Group recommendations for the evalua- CS.: Posterior segment ocular manifestations in
tion of intraocular inflammatory disease. Am J Oph- patients with HLA-B27- associated uveitis. Ophthal-
thalmol 1987;103:234-235 mology 1994;101:1267-1274

544 OFTALMOLOGIA
Manifestações Clínicas Sistémicas em Doentes com Uveíte Anterior relacionada com HLA-B27

37. ROTHOVA A, SUTTORP-VAN SCHULTEN MS, TREFFERS 40. GRAHAM EM, STANFORD MR, SANDERS MD, et al.: A
WF, KIJLSTRA A.: Causes and frequency of blindness point prevalence study of 150 patients with idiopathic
in patients with intraocular inflammatory disease. Br retinal vasculitis: 1. Diagnostic value of ophthalmo-
J Ophthalmol 1996;80:332-336 logical features. Br J Ophthalmol 1989;73:714-721
38. DODDS EM, LOWDER CY, MEISLER DM.: Posterior 41. ROSENBAUM JT.: Characterization of uveitis associated
segment inflammation in HLA-B27– acute anterior with spondyloarthritis. J Rheumatol 1989;16:792-796
uveitis: clinical characteristics. Ocul Immunol Inflamm 42. BECKINGSALE AB, DAVIES J, GIBSON JM, ROSENTHAL
1999;7:85-92 AR. Acute anterior uveitis, ankylosing spondylitis,
39. U Y HS, C HRISTEN WG, F OSTER CS.: HLA-B27- back pain, and HLAB27. Br J Ophthalmol 1984;
associated uveitis and cystoid macular edema. Ocul 68:741-745
Immunol Inflamm 2001;9:177-183

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 545


Oftalmologia - Vol. 34: pp. 547 - 558

Glaucoma: – Ambiguidades
Sara Vaz-Pereira 1, Leonor Duarte de Almeida 2, António Figueiredo 2, M. Monteiro-Grillo 3
1 – Interna do Internato Complementar de Oftalmologia do HSM
2 – Assistente Graduado de Oftalmologia do HSM
3 – Director do Serviço de Oftalmologia do HSM

Clínica Universitária de Oftalmologia - CHLN- Hospital de Santa Maria – Director: Prof. Dr. M. Monteiro-Grillo

saravazpereira@gmail.com

RESUMO

Introdução e Objectivos: A neuropatia óptica glaucomatosa, doença crónica progressiva,


é causa de cegueira evitável, sendo a detecção precoce um desafio. O diagnóstico
diferencial envolve ambiguidades de manuseamento e decisão. Os autores apresentam três
casos clínicos controversos, no âmbito do diagnóstico diferencial. Material e Métodos:
Retrospectiva de 3 casos clínicos: , idades dos 38-74 anos, seguidos em consulta
de Glaucoma. Realizado exame oftalmológico completo e exames complementares.
Resultados: Caso 1: Ao exame objectivo apresentava pressão intra-ocular normal, sob
medicação no olho útil. O estudo perimétrico (PEC) evidenciou um escotoma nasal com
respeito pelo meridiano vertical, mantido. O estudo imagiológico revelou envolvimento
artéria cerebral posterior direita. Sem alterações paquimétricas, camada de fibras
nervosas (CFN) ou biomecanicidade da córnea. Provável patologia neuroftalmológica vs
glaucoma. Caso 2: Apresentava hipertensão ocular com intolerância a terapêutica tópica.
O estudo perimétrico e da CFN eram normais em ODE. Paquimetria, histerese e factor
de resistência da córnea diminuídos. Medicar vs vigiar, após consentimento informado.
Caso 3: Apresentava diminuição AVOD e assimetria dos discos ópticos. Na PEC
esboçava escotoma Bjerrum superior OD, mantido. Realizou angiografia fluoresceínica
que confirmou tilt disk OD. Alta da consulta de Glaucoma. Conclusões: Reconhecer
ambiguidades no diagnóstico diferencial do Glaucoma. Ponderar risco-benefício ao
instituir terapêutica na hipertensão ocular. Estabelecer na relação médico-doente a partilha
da decisão, incluindo o consentimento informado.

ABSTRACT

Purpose: Glaucomatous optic neuropathy is a chronic progressive disease and a pre-


ventable cause of blindness, whose early detection is a challenge. The differential diagnosis
involves ambiguity in management and decision. The authors report 3 controversial case
reports in the field of the differential diagnosis. Methods: Three retrospective case reports:
males, ages 38-74, followed in a glaucoma clinic. Complete ophthalmologic examination
and complementary exams were obtained. Results: Case 1: Normal intraocular pressure,

Trabalho apresentado na forma de Comunicação Oral no 50.º Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmo-
logia (Porto, 8 de Dezembro de 2007).

Trabalho vencedor do Prémio Pfizer para melhor comunicação oral na área do glaucoma no 50.º Congresso da
Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (Porto, Dezembro de 2007).

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 547


Sara Vaz-Pereira, Leonor Duarte de Almeida, António Figueiredo, M. Monteiro-Grillo

with medication, in the single eye. Perimetric study (ASP) revealed a persistent nasal
scotoma which respected the vertical meridian. Radiologic study showed a lesion in the
right posterior cerebral artery. No significant changes were found in pachymetry, nerve
fiber layer (NFL) or corneal biomecanicity. Neurophthalmologic disease vs glaucoma.
Case 2: Ocular hypertension, intolerance to topic therapy. The pachymetry, corneal
hysteresis and resistance factor showed reduced values. Normal ASP and NFL study.
Institute therapy vs monitor. After informed consent, it was decided to monitor. Case 3:
Reduced right eye visual acuity and optic disk asymmetry. Serial ASP exams of the right
eye mimiked Bjerrum scotoma. Fluorescein angiography confirmed the diagnosis of right
eye tilt disk. Released from glaucoma clinic. Conclusions: It is important to recognise
particularities in the glaucoma differential diagnosis. Before initiating therapy in ocular
hypertension it is essential to balance risks and benefits. A solid bond between doctor and
patient facilitates decision making and informed consent.

Palavras-chave: Ambiguidades; Glaucoma; Patologia neuroftalmológica; Hipertensão ocular; Tilt disk.

Key words: Ambiguities; Glaucoma; Neurophthalmologic disease; Ocular hypertension; Tilt disk.

Introdução envolve o conceito de histerese da córnea, resis-


tência e sua relação com a PIO 8, 10 , vem

O glaucoma crónico simples é uma doença complementar o estudo desta patologia, o


crónica progressiva, constituindo uma das mesmo acontecendo com a paquimetria ultras-
principais causas de cegueira evitável no mundo. sónica que intervém com o conceito de factor
Caracteriza-se por uma apoptose prematura de risco7,9,14 para glaucoma 5-6,14, em caso de
das células ganglionares, que se traduz numa espessura central da córnea baixa.
neuropatia óptica glaucomatosa 1,15 . Esta é Através destes meios disponíveis, não só
habitualmente assintomática até existir lesão é possível detectar mais precocemente a doença
avançada do nervo óptico. Actualmente, existem glaucomatosa, como reavaliar doentes diagnos-
novos conceitos e exames complementares ticados como glaucomatosos.
para avaliar a doença glaucomatosa. O exame Neste trabalho propusemo-nos apresentar
objectivo permanece imprescindível envolvendo 3 casos clínicos controversos no âmbito do
a medição da pressão intra-ocular (PIO) pela diagnóstico diferencial de glaucoma.
tonometria de aplanação de Goldmann, reali-
zação de curva nictemeral, gonioscopia, biomi-
croscopia e análise detalhada do disco óptico Material e Métodos
(DO) 17-18.
A nível de exames complementares, para Estudo retrospectivo de 3 doentes (♂) segui-
além da tradicional avaliação funcional pelo dos na consulta de Glaucoma do HSM, com
estudo perimétrico convencional branco sobre idade média de 53 anos (38-74 anos). Todos
branco, existem hoje em dia exames funcionais, realizaram anamnese e observação oftalmo-
como o Frequency Doubling Technology lógica segundo o protocolo da consulta de
(FDT), e estruturais, como a polarimetria laser glaucoma. Complementou-se o estudo com
(GDxVCC) ou a tomografia de coerência perimetria estática computorizada (Octopus 101
óptica (OCT), entre outros, que identificam branco sobre branco), paquimetria ultrassónica
precocemente as lesões da camada de fibras (paquímetro biómetro Alcon – ocuSan RXP
nervosas (CFN) 11,19-20,22 . A introdução de v1.12), análise da CFN tanto por OCT (Stratus
novos métodos de avaliação da PIO como OCT Zeiss v3.0 (0052) como pela polarimetria
o Ocular Response Analyzer (ORA) 20 , que com vector de compensação da birrefringência
548 OFTALMOLOGIA
Glaucoma: – Ambiguidades

da córnea e cristalino (GDxVCC) e avaliação da sem outras alterações do segmento anterior,


biomecanicidade da córnea por ORA (Ocular e no OE foi sempre evidente queratopatia
Responser Analyser da Reichardt). Para além bolhosa, com impossibilidade de observação
destes exames, no caso 1 foi realizado um das outras estruturas do segmento anterior e
exame de neuroimagem - tomografia computo- posterior. O ângulo irido-corneano era aberto
rizada crânio-encefálica (TAC-CE), e no 3 uma nos 4 quadrantes sem depósitos ou pigmentação
angiografia fluoresceínica da retina (AF). anómala. A PIO, medida por aplanação de
Goldmann e sob terapêutica, manteve-se em
valores de 14 mmHg OD e 40 mmHg OE.
Resultados A observação detalhada do fundo ocular não
apresentava no OD sinais suspeitos de lesão
Caso 1: como documenta a retinografia (Fig. 1), sendo
impossível de observar no OE.
Doente de 74 anos, caucasiano, referenciado O doente foi seguido regularmente com uma
à consulta de Glaucoma em 1997. Encontrava-se periodicidade semestral, constatando-se uma
já medicado com betaxolol no olho direito (OD) observação sobreponível num período de 10 anos.
e betaxolol, apraclonidina e dorzolamida no olho A análise das PEC seriadas (Fig. 2) evidenciou
esquerdo (OE). Da história clínica, destacam-se
alterações no campo visual nasal (PEC) em OD.
Há referência a um traumatismo em OE, com
registo de trabeculectomia e facectomia nesse
olho. Nos antecedentes pessoais há a referir
hipertensão arterial sistémica e um acidente
vascular cerebral isquémico, sem sequelas
aparentes. Tem história familiar positiva para o
glaucoma (prima).
Desde a 1.ª observação oftalmológica, em
1997, que se regista uma acuidade visual corri-
gida de 10/10 no olho direito (OD) e PL em OE
(olho único). Ao exame biomicroscópico do
OD observou-se uma câmara anterior profunda, Fig. 1 – Retinografia OD.

Fig. 2 – PEC seriadas ao longo de 10 anos.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 549


Sara Vaz-Pereira, Leonor Duarte de Almeida, António Figueiredo, M. Monteiro-Grillo

um defeito da sensibilidade retiniana nasal (NFI) de 31 (Fig. 4) A análise estrutural do


superior e inferior, que respeita o meridiano DO e CFN por OCT não revelou alterações
vertical e cujas características se mantiveram significativas.
sobreponíveis ao longo de 10 anos, o que
também é reforçado pelo aspecto da curva Tabela 1 – Resultados ORA. Legenda: PIOcc – PIO cor-
de cumulativa de defeito/índices. A TAC-CE rigida para espessura central da córnea, PIOg – PIO
realizada mostrou uma área de hipodensidade esperada por aplanação de Goldmann, FRC – factor de
resistência da córnea, HC – histerese córnea.
córtico-subcortical occipital interna direita,
compatível com sequela de lesão vascular no
território da artéria cerebral posterior direita PIOcc PIOg
ORA FRC HC
(Fig. 3). (mmHg) (mmHg)
Optou-se pela suspensão terapêutica em
OD e reavaliação periódica. A PIO OD por 1 16,6 15,2 9,7 9,6
aplanação manteve valores de 14 mmHg, res-
pectivamente às 6, 9 semanas e 4 meses após
2 17,5 15,0 8,7 8,6
suspensão terapêutica. A biomecanicidade da
córnea por ORA mostrou valores de PIOcc
OD 3 16,3 13,9 8,5 8,8
de 16 mmHg e IOPg de 14,7 mmHg com
boa histerese, boa resistência e com sinais
de morfologia normal (Tabela 1). O valor 4 17,1 14,6 8,6 8,6
da paquimetria no OD foi normal - 556 µm
(média), bem como a análise estrutural da média 16,9 14,7 8,9 8,9
CFN pelo GDxVCC - nerve fiber indicator

Fig. 3 – TAC-CE compatível com lesão artéria cerebral posterior direita (seta).

550 OFTALMOLOGIA
Glaucoma: – Ambiguidades

Caso 2:

Doente de 48 anos, caucasiano, com diminui-


ção da AV para perto e cujos antecedentes são
irrelevantes. Foi referenciado para despiste de
glaucoma por evidenciar hipertensão ocular
borderline 22 mmHg.
À observação oftalmológica inicial apre-
sentava acuidade visual corrigida de 10/10
ODE. Ao exame biomicroscópico observou-
-se uma câmara anterior profunda, sem
outras alterações do segmento anterior ODE.
O ângulo irido-corneano era aberto nos 4 qua-
drantes sem depósitos ou pigmentação anómala.
Pressão intra-ocular, medida por aplanação,
com valores médios de 22 mmHg OD e 24
mmHg OE.
O fundo ocular não mostrava alterações
ODE (Fig. 5), DO respeitando a regra ISNT.
Perante os achados, havia sido iniciada
terapêutica com brinzolamida e latanoproste
ODE, medicação que o doente auto suspendeu
após 1,5 meses por intolerância.
Uma segunda avaliação, após 2 meses,
revelou-se idêntica, excepto nos valores da PIO
(PIOD: 18 mmHg, PIOE: 22 mmHg).
A curva nictemeral (Tabela 2) apresentava
valores normais nas 12h, excepto o valor de
22 mmHg OE às 12h; no entanto, não se veri-
ficaram variações superiores a 6 mmHg.
A paquimetria (valor médio) foi 520 µm OD
e 512 µm OE. Os resultados do estudo da bio-
mecanicidade por ORA encontram-se na
Tabela 3. Revelam uma PIOcc rondando os
21 mmHg em ODE, embora com valores de
histerese e factor de resistência da córnea
baixos.
O estudo perimétrico (Fig. 6) não apresentou
alterações, o mesmo se verificando com a
análise da CFN por OCT (Fig. 7) e GDxVCC
Fig. 4 – Resultados GDxVCC – NFI: 31. (Fig. 8).

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 551


Sara Vaz-Pereira, Leonor Duarte de Almeida, António Figueiredo, M. Monteiro-Grillo

Fig. 5 – Retinografia de OD e OE, respectivamente.

Tabela 3 – Resultados ORA. Legenda: PIOcc – PIO


Tabela 2 – Curva nictemeral. Tonometria de aplanação corrigida para espessura central da córnea, PIOg – PIO
de Goldmann e sem terapêutica há mais de 2 meses. esperada por aplanação de Goldmann, FRC – factor de
resistência da córnea, HC – histerese córnea.

Hora ORA PIOcc PIOg FRC HC


OD OE (mmHg) (mmHg)
PIO (mmHg)
1 18,9 15,4 8,0 7,6
2 20,7 16,6 7,7 6,8
9h 18 20
OD 3 22,2 17,2 7,2 6,0

12h 16 22 4 21,4 16,7 7,3 6,3


média 20,8 16,5 7,5 6,7
15h 20 18 1 21,8 17,9 8,2 6,9
2 23,7 19,2 8,0 6,2
18h 12 16 OE 3 21,8 18,4 8,6 7,3
4 20,2 16,7 8,3 7,5
21h 18 18
média 21,9 18,1 8,3 7,0

Fig. 6 – Estudo perimétrico.

552 OFTALMOLOGIA
Glaucoma: – Ambiguidades

Fig. 7 – Estudo CFN peri-papilar OD e OE, respectivamente, por OCT (Fast RFNL thickness 3.4).

Fig. 8 – Resultados GDxVCC ODE – NFI: OD: 8; OE: 13.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 553


Sara Vaz-Pereira, Leonor Duarte de Almeida, António Figueiredo, M. Monteiro-Grillo

Caso 3: Foram efectuadas na Consulta Geral medi-


ções regulares da PIO (Tabela 4) e exames de
Doente de 38 anos, caucasiano, referenciado PEC seriadas (Fig. 10), destacando-se no campo
à consulta de glaucoma após seguimento em visual OD um escotoma arqueado superior de
consulta geral durante vários anos, para despiste profundidade média com início na mancha
de glaucoma de pressão normal, sendo os cega, esboçando escotoma de Bjerrum superior,
sobreponível ao longo do tempo, tendo sido colo-
antecedentes familiares irrelevantes.
cada a hipótese de glaucoma de pressão normal.
Na observação oftalmológica inicial
O doente foi encaminhado para a consulta
apresentava melhor acuidade visual corrigida
de Glaucoma, realizando novos exames
de 8/10 (com -1.25-1.25x25º) no OD e complementares incluindo angiografia
10/10 no OE. Ao exame biomicroscópico fluoresceínica da retina, que mostrou tilt disk
observou--se uma câmara anterior profunda, OD, e paquimetria cujo valor médio foi de
sem outras alterações do segmento anterior 597 µm OD e 581 µm OE. Não se verificaram
em ODE. Na gonioscopia o ângulo era alterações significativas no estudo da
aberto nos 4 quadrantes e a PIO, medida por biomecanicidade da córnea por ORA (Tabela 5).
aplanação, de 15 mmHg OD e 18 mmHg OE. A análise estrutural do DO e da CFN por OCT
O fundo ocular mostrou uma assimetria dos (Fig. 11) foi compatível com o diagnóstico de
DO, com uma papila inclinada em OD e sem tilt disk. O estudo polarimétrico por GDxVCC
alterações em OE (Fig. 9). foi dentro da normalidade (Fig. 12).

Fig. 9 – Retinografia de OD e OE, respectivamente.


Tabela 5 – Resultados ORA. Legenda: PIOcc – PIO
corrigida para espessura central da córnea, PIOg – PIO
Tabela 4 – Registo PIO por tonometria de aplanação de esperada por aplanação de Goldmann, FRC – factor de
Goldmann ao longo do tempo. resistência da córnea, HC – histerese córnea.

Mês. Hora ORA PIOcc (mmHg) PIOg (mmHg) FRC HC


OD OE
PIO (mmHg) 1 15,3 15,7 11,1 11,2
05.2004 14 13 2 14,8 15,0 10,8 11,1
OD
3 14,8 15,1 10,9 11,1
03.2005 16 16
média 15,0 15,2 11,0 11,1
06.2005 17 16 1 14,0 14,6 11,0 11,5
2 17,4 17,1 10,9 10,4
09.2005 20 17 OE
3 13,6 14,6 11,4 11,9
12.2005 18 19 média 15,0 15,4 11,1 11,2

554 OFTALMOLOGIA
Glaucoma: – Ambiguidades

Fig. 10 – PEC seriadas OD e OE, respectivamente.

Fig. 11 – Estudo DO e CFN peri-papilar por OCT (Fast optic disc e Fast RFNL thickness 3.4).

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 555


Sara Vaz-Pereira, Leonor Duarte de Almeida, António Figueiredo, M. Monteiro-Grillo

Fig. 12 – Resultados GDxVCC ODE – NFI: OD: 20; OE: 21

Discussão mantida e dentro da normalidade, mesmo


após suspensão prolongada da terapêutica,
Caso 1 e que não há alterações relevantes no estudo
estrutural da CFN e ORA, ainda que alguns
Este doente apresenta campos visuais índices (CH, CRF, IOPcc) estejam nos limites
seriados sobreponíveis num período de 10 anos inferiores do normal. A espessura central da
e a TAC CE revela envolvimento da artéria córnea deste doente não constitui factor de risco
cerebral posterior direita. Constata-se que para glaucoma. Tendo em conta os resultados,
a pressão intra-ocular do OD foi sempre parece-nos mais provável que a alteração
556 OFTALMOLOGIA
Glaucoma: – Ambiguidades

do campo visual OD seja resultado de uma ser compatíveis com glaucoma ou patologia
lesão neuroftalmológica, em doente com olho neuroftalmológica, em particular, com adenoma
único e não uma lesão glaucomatosa. Apesar da hipófise 2,10 . É mandatória a exclusão
de não ser possível realizar uma perimetria desta última patologia em casos de alterações
ao olho adelfo para confirmação, pensamos campimétricas bilaterais 2,13 . Neste caso,
estar perante uma lesão campimétrica retro- unilateral, o escotoma de Bjerrum existente
quiasmática “homónima” esquerda 2,13 . podia confundir-se com uma lesão perimétrica
Sugerimos a suspensão da terapêutica OD e glaucomatosa dado ultrapassar ligeiramente
avaliação semestral. a linha média, contrariamente às lesões do
quiasma óptico 3,13.
Decidimos não serem necessários mais
Caso 2 exames perimétricos, pois este tipo de lesão
mantém-se inalterado ao longo do tempo,
Estamos perante um caso de hipertensão visto estarmos em presença de uma anomalia
ocular (HTO) num doente jovem, sem história congénita do nervo óptico. A vigilância anual
familiar. A paquimetria apresenta valores baixos proposta relaciona-se com outras complicações
o que constitui factor de risco independente possíveis do tilt disk como alterações corior-
para desenvolver glaucoma 7,14 . Os valores retinianas 8.
de histerese e resistência da córnea estão
também diminuídos. Todavia, não há alteração
dos exames estruturais e o doente menciona Conclusões
intolerância à medicação. Em suma, há um
conjunto de factores de risco 7. Segundo as Avaliar um doente com suspeita de Glau-
guidelines europeias, o doente poderia even- coma é um desafio, devendo ser evitadas preci-
tualmente ser medicado, já que cerca de 5% pitações ao fazer o diagnóstico e ao iniciar tera-
vem a desenvolver glaucoma 6,14 . A opção pêutica.
tomada foi vigiar apertadamente um doente O acesso a exames que mais precocemente
muito colaborante, que assumiu esta decisão permitem fazer a biografia da doença ajuda ao
de parceria com a equipa médica após diagnóstico (GDx, OCT, ORA, paquimetria).
esclarecimento adequado, fornecendo o seu Não devem ser interpretados exames isolada-
consentimento informado. mente sendo indispensável uma observação
clínica criteriosa.
Não deve ser esquecido que múltiplas
Caso 3 condições podem ser erradamente diagnosti-
cadas como Glaucoma, nomeadamente as de
A análise do DO é um factor importante tipo neuroftalmológico ou as congénitas, como
para o diagnóstico de glaucoma, existindo as apresentadas.
variações do DO – tilt disk – que podem ser Nos casos de HTO, deve sempre ser ponde-
confundidas com discos glaucomatosos 4. O tilt rada a relação risco-benefício antes de iniciar
disk é uma situação de ocorrência relativamente uma terapêutica, especialmente em casos de
comum, não hereditária, comummente bila- doentes colaborantes, obtendo o consentimento
teral, na qual a porção superotemporal do DO informado. Para tal, é fundamental estabelecer
é elevada e a inferonasal é deslocada pos- uma boa relação de confiança médico-doente,
teriormente, originando um disco ovalado como acontece com todas as doenças crónicas,
orientado obliquamente. Esta condição cursa encarando a qualidade de vida como um padrão
com alterações dos campos visuais 3 que podem de aferição da excelência da prática médica 16.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 557


Sara Vaz-Pereira, Leonor Duarte de Almeida, António Figueiredo, M. Monteiro-Grillo

Bibliografia 12. MELLO PA, FASOLO LR, TAVARES IM, MELO LAS,
JR, PARANHOS A et al.: Sensitivity and specificity of
CSLO, SLP, FDT and SWAP in primary open-angle
11. A NDERSON DR, H ENDRICKSON A.: Effect of intra- glaucoma: univariate and multivariate analyses. Invest
-ocular pressure on rapid axoplasmic transport in Ophthalmol Vis Sci 2004; 45: 5528
monkey optic nerve. Invest Ophthalmol. 1974 Oct; 13. M UÑOZ -N EGRETE FJ, R EBOLLEDA G.: Perimetría
13(10): 771-83 automática y neuro-oftalmología correlación topo-
12. BRAZIS PW, LEE AG, GRAFF-RADFORD N, DESAI NP, gráfica. Archivos de la Sociedad Española de Oftal-
EGGENBERGER ER.: Homonymous visual field defects mologia. Agosto 2002, n.º 8
in patients without corresponding structural lesions 14. LEE BL, WILSON MR.: Ocular Hypertension Treatment
on neuroimaging. J Neuroophthalmol. 2000 Jun; Study (OHTS). Ocular Hypertension Treatment Study
20(2):92-6 (OHTS) commentary. Curr Opin Ophthalmol. 2003
13. BRAZITIKOS P, SAFRAN A, SIMONA F & ZULAUF M.: Apr;14(2):74-7
Threshold perimetry in the tilted disc syndrome. Arch 15. Q UIGLEY HA.: Neuronal death in glaucoma. Prog
Ophthalmol.1990 Dec;108(12):1698-700 Retin Eye Res. 1999 Jan;18(1):39-57
14. BRODSKY MC.: Congenital optic disk anomalies. Surv 16. ROULAND JF, DENIS P, BÉCHETOILLE A, RIGEADE MC,
Ophthalmol. 1994 Sep-Oct;39(2):89-112 B ROUQUET Y, A RNOULD B, B AUDOUIN C, R ENARD
15. CONGDON NG, BROMAN AT, BANDEEN-ROCHE K, et JP, BRON A, NORDMANN JP, SELLEM E.: Du Groupe
al: Central corneal thickness and corneal hysteresis D’étude Glaucome Et Qualité De Vie. [Creating a
associated with glaucoma damage. Am J Ophthalmol. specific quality-of-life questionnaire in patients with
2006 May;141(5):868-75 glaucoma: item generation]. J Fr Ophtalmol. 2002
16. LESKE MC, HEIJL A, HYMAN L, BENGTSSON B, DONG Oct;25(8):785-94
L, YANG Z: EMGT Group. Predictors of long-term 17. SUSANNA JÚNIOR R, MEDEIROS FA.: Nervo Óptico no
progression in the early manifest glaucoma trial. Glaucoma. Cultura Médica, Rio de Janeiro, 2003
Ophthalmology. 2007 Nov;114(11):1965-72 18. SUSANNA JUNIOR R., PAOLERA MD, MEDEIROS FAA.:
17. FALCÃO-REIS F.: Diagnóstico precoce do glaucoma - Sinais oftalmológicos do nervo óptico - 20 razões
algumas considerações sobre o rastreio e o diagnóstico para não errar o diagnóstico do glaucoma. 1. Ed. São
precoce do glaucoma. Curso EUPO. 26-27 Set 2003, Paulo: Editora Phoenix, 2001. v. 1. 100 p.
Fundação Cupertino Miranda, Porto 19. TUULONEN A, LEHTOLA J, AIRAKSINEN PJ.: Nerve fiber
18. GIUFFRÈ G.: Chorioretinal degenerative changes in layer defects with normalvisual fields. Do normal
the tilted disc syndrome. Int Ophthalmol. 1991 Jan; optic disc and normal visual field indicate absence
15(1):1-7 of glaucomatous abnormality? Ophthalmology. 1993
19. L UCE D, D AVID D.: Reichert Ocular Response May;100(5):587-97; discussion.
Analyzer Measures Corneal Biomechanical Properties 20. W EINREB RN, Z ANGWILL L, B ERRY CC, B ATHIJA
and IOP - Provides New Indicators for Corneal R, S AMPLE PA.: Detection of glaucoma with
Specialties and Glaucoma Management, March 2006 scanning laser polarimetry. Arch Ophthalmol. 1998
10. MANFRÈ L, VERO S, FOCARELLI-BARONE C, LAGALLA Dec;116(12):1583-9
R.: Bitemporal pseudohemianopia related to the “tilted 21. www.ocularesponseanalyzer.com
disk” syndrome: CT, MR, and fundoscopic findings. 22. ZANGWILL LM, BOWD C, BERRY CC, WILLIAMS J,
AJNR Am J Neuroradiol. 1999 Oct;20(9):1750-1 B LUMENTHAL EZ, S ANCHEZ -G ALEANA CA, et al.:
11. MEDEIROS FA, WEINREB RN.: Evaluation of the Influence Discriminating between normal and glaucomatous
of Corneal Biomechanical Properties on Intraocular eyes using the Heidelberg Retina Tomograph, GDx
Pressure Measurements Using the Ocular Response Nerve Fiber Analyzer, and Optical Coherence
Analyzer. J Glaucoma. Oct 2006;15(5):364-370 Tomograph. Arch Ophthalmol. 2001;119(7): 985-93

558 OFTALMOLOGIA
Oftalmologia - Vol. 34: pp. 559 - 566

Resultados Cirúrgicos em Crianças


com Exotropia Intermitente
Sara Silva, Filipe Brás, Rui Fialho, Gabriela Varandas, Maria Lourdes Vieira,
Prof. Dr. Castanheira-Dinis
Departamento de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo, Instituto de Oftalmologia, Dr. Gama Pinto, Gabinete de Ciências da Visão

RESUMO

Objectivo: Determinar o resultado cirúrgico de indivíduos com diagnóstico de exotropia


intermitente, no 1.º mês e na altura da última avaliação. Método: Os processos médicos
de todas as crianças com menos de 18 anos submetidas a primeira cirurgia para correcção
de exotropia intermitente, entre Janeiro de 2004 e Dezembro de 2008, e com seguimento
pós-operatório, foram avaliados retrospectivamente. Resultados: Os 39 doentes com
exotropia intermitente analisados foram submetidos a 1.ª cirurgia com a idade média de
8,8 anos. A média do desvio para longe com correcção óptica no pré operatório era de
29 DP base interna (BI) (intervalo 10 a 45). Na maioria dos doentes foi realizada a técnica
de enfraquecimento dos músculos rectos externos bilateral e assimétrica. A quantidade
de cirurgia aplicada no olho com maior desvio foi em média de 9 milímetros (intervalo
de 6 a 10 mm). No 1.º mês pós operatório 24 (61%) dos casos apresentavam um desvio
≤ 10 DP de BI. Na última consulta de seguimento 26 doentes (67%) apresentavam desvio
para longe ≤ 10 DP BI, 11 casos (28%) apresentava um desvio superior (intervalo de
12 a 30 BI), e 2 casos apresentavam endotropia (5%). Houve 6 casos (15%) submetidos a
2.ª intervenção cirúrgica. O período médio de seguimento de doentes (não submetidos a
2.ª intervenção) foi de 15,9 meses (intervalo de 1 a 60 meses). Conclusões: Na maioria dos
doentes submetidos a 1.ª intervenção cirúrgica para tratamento de exotropia intermitente
obteve-se um alinhamento ≤ 10 DP BI na última avaliação.

ABSTRACT
Surgical results in children with intermittent exotropia
Purpose: To determine the surgical results in individuals diagnosed with intermittent
exotropia, in the first month and at the time of the last evaluation. Methods: The medical
records of all children under 18 years who underwent the first surgical procedure for
correction of intermittent exotropia, in the period between January 2004 and December
2008, with a follow-up period, were retrospectively reviewed. Results: We analyzed 39
patients with intermittent exotropia who underwent the first surgery. The mean age at
which the surgery was performed was 8.8 years. The mean deviation for distance with
corrective lenses preoperatively was 29 PD (prism diopter) base in (BI) (range 10 to 45).
In most patients we applied the technique of muscle bilateral and asymmetric lateral rectus
recession. The mean amount of surgery applied to the eye with greater deviation was 9
mm (range 6 to 10 mm). On the 1st postoperative month 24 (61%) cases had a deviation of
≤ 10 PD BI. At the last follow-up visit 26 patients (67%) presented a deviation at distance
of ≤ 10 PD BI, 11 cases (28%) had a higher deviation (range 12 to 30 BI DP), and 2 cases
showed endotropia (5%). There were 6 cases (15%) that underwent a 2nd surgery. The

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 559


Sara Silva, Filipe Brás, Rui Fialho, Gabriela Varandas, Maria Lourdes Vieira, Prof. Dr. Castanheira-Dinis

mean follow-up of these patients (not undergoing a second intervention) was 15.9 months
(range 1 to 60 months). Conclusion: Most patients with intermittent exotropia proposed
for the first surgery obtained an alignment of less than or equal to 10 PD IB in its last
evaluation.

Palavras-chave: Exotropia intermitente; Exotropia adquirida; Estrabismo divergente; Resultados cirúrgicos.

Key words: Intermittent exotropia; Exotropia acquired; Divergent strabismus; Surgical results.

Introdução máticas), com idade inferior a 18 anos na


altura da intervenção cirúrgica; submetidas a

A exotropia intermitente (XT’) é a forma de


exotropia mais frequente na infância.
Caracteriza-se por ser um exodesvio, inter-
primeira intervenção cirúrgica aos músculos
extra-oculares (realizada entre Janeiro de 2004
e Dezembro de 2008) e com pós-operatório
mitente e adquirido. A sua abordagem inclui mínimo de 1 mês.
observação, tratamento médico e intervenção Foram excluídos os casos com (qualquer
cirúrgica. Muitos doentes com exotropia inter- um dos seguintes): ausência de registo de
mitente acabam por necessitar de intervenção dados sobre as variáveis a admitir no estudo;
cirúrgica. A cirurgia é habitualmente planeada indivíduos previamente intervencionados cirur-
de acordo com o ângulo de desvio, sobretudo gicamente a exotropia intermitente; qualquer
para longe, mas a resposta à cirurgia difere de outro tipo de estrabismo; outra patologia ocular
um caso para outro e nem sempre se trata apenas (não refractiva); idade superior ou igual a 18
de uma questão de quantidade de cirurgia. anos; doença neurológica, nistagmo e/ou atraso
No que diz respeito à intervenção cirúrgica, de desenvolvimento.
prevalecem dúvidas quanto ao tipo de cirurgia O estudo decorreu entre Julho e Agosto de
e quantidade de cirurgia. Com frequência 2009.
verificam-se hipocorrecções e mais raramente Considerou-se ambliopia quando existia
hipercorrecções. Neste sentido pretende-se ava- uma diferença na MAVC de 2 ou mais linhas
liar os resultados motores cirúrgicos obtidos no na escala de Snellen entre os 2 olhos ou
nosso hospital. MAVC mono-ocular inferior a 6/10 na escala
de Snellen. O erro refractivo foi medido, na
maioria dos doentes, após cicloplegia com
Material e Métodos atropina ou ciclopentolato em crianças novas,
e por refracção manifesta nas crianças mais
Os processos médicos de todas as crian- velhas. O ângulo do desvio foi determinado
ças com menos de 18 anos submetidas a por Teste Cover com prismas para longe (longe
primeira intervenção cirúrgica para correcção ou horizonte) e para perto com correcção. Os
de exotropia intermitente, no Instituto de Teste sensoriais foram realizados com os Vidros
Oftalmologia Dr. Gama Pinto, entre Janeiro estriados de Bagolini na visão para perto e
de 2004 e Dezembro de 2008, e com segui- para longe e com Vectograph na avaliação da
mento pós-operatório foram analisados retros- estereopsia para longe. Não foram realizados
pectivamente. O trabalho foi aprovado pela tratamentos de ortóptica pré operatórios, excepto
direcção Hospitalar e Comissão de Ética do exercícios anti-supressão quando necessário.
IOGP. Foram incluídos para avaliação os A cirurgia foi proposta quando se verificava:
processos de: indivíduos com diagnóstico de aumento do ângulo de desvio; aumento do
exotropia intermitente (desvio intermitente período em exotropia e/ou diminuição das
para longe de pelo menos 10 dioptrias pris- funções sensoriais.

560 OFTALMOLOGIA
Resultados Cirúrgicos em Crianças com Exotropia Intermitente

O tratamento foi realizado por indicação do Tabela 2 – Características pré-operatórias das crianças
médico assistente e com consentimento parental. submetidas a 1.ª intervenção cirúrgica para XT inter-
mitente.
Os planos operatórios foram propostos pelos
especialistas do Departamento de Estrabismo média DP Intervalo
e realizados por médicos oftalmologistas espe-
Desvio para longe
cialistas. Definiu-se alinhamento motor como com correcção
29,08 9,343 10-45
inferior ou igual a 10 DP (dioptrias prismáticas)
Desvio para perto
BI (base interna). com correcção
15,49 11,934 0- 45
Os dados contínuos foram apresentados sob
Idade (anos) na altura
a forma de média e desvio padrão e os dados da cirurgia
8,87 3,814 3-17
categóricos como contagens e percentagens.
Foram descritos os testes estatísticos realizados.
O limiar de significância foi estabelecido para
p = 0.05. A média do desvio com correcção óptica na
avaliação pré-operatória para longe era de 29 ∆ DP
(intervalo, 10∆-45∆) e para perto 15 ∆ (intervalo,
0∆-45∆). A idade média em que se realizou a
Resultados cirurgia foi de 8,8 anos (intervalo, 3 -17).
Dos 39 casos estudados o estado sensorial (na
Foram admitidos para análise 39 doentes avaliação pré operatória mais próxima tempo-
com XT‘ submetidos a 1.ª intervenção cirúrgica. ralmente da cirurgia) foi documentado em
Características demográficas destes doentes são 14 casos. Em 3 casos verificou-se fusão (21,4%);
apresentadas na tabela 1. em outros 3 supressão unilateral (21,4%); em
5 casos supressão alternante (35,7%); e em
3 casos supressão intermitente 3 (21,4%).
Tabela 1 – Características clínicas das 39 crianças
Os procedimentos cirúrgicos realizados
submetidas a 1.ª intervenção cirúrgica para tratamento
de XT intermitente foram de 3 tipos: enfraquecimento dos mús-
culos rectos externos (RE) bilateralmente, enfra-
Número % quecimento do músculo recto externo unilateral
e reforço do músculo recto interno (RI) unilate-
Número de rapazes 19 48,7 ral. Os músculos rectos externos foram enfra-
Número de raparigas 20 51,3 quecidos pela técnica de ansa com sondas de
Weiss. O reforço dos músculos rectos internos
Número de indivíduos com
7 17,9 foi realizado pela técnica de encurtamento.
ambliopia
Na maioria dos doentes foi realizada a
Número de casos com
1 2,56
técnica de Ansa bilateral (82,1%). Dos 39 casos,
anisometropia em 1 caso a cirurgia de correcção do desvio
horizontal foi ainda associada a procedimentos
Média do equivalente esférico -1,19 D
para correcção de desvio vertical.
(intervalo) (-11,35 D
a +2,75D)
Nos casos de ansa bilateral, a quantidade
de cirurgia aplicada no olho com maior desvio
foi em média de 8,75 mm (intervalo, 6 mm-
-10 mm). No que diz respeito à quantidade
média total de cirurgia aplicada, na técnica
Houve 7 casos de ambliopia não associados de ansa bilateral, esta foi de 15,03 (intervalo,
a anisometropia. As características cirúrgicas 10-18mm). Nos casos de ansa unilateral, a
dos desvios submetidos a cirurgia estão apresen- quantidade de cirurgia aplicada no olho com
tadas na tabela 2. maior desvio foi em média de 8 mm.
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 561
Sara Silva, Filipe Brás, Rui Fialho, Gabriela Varandas, Maria Lourdes Vieira, Prof. Dr. Castanheira-Dinis

Tabela 3 – Características do tipo de cirurgia realizada. desvio para longe, nos casos em que este era
superior a 10 ∆ BI (hipocorrecções), foi de
Ansa bilateral 32 casos (82,1%)
19,09 (intervalo, 12∆ -30∆). Contabilizaram-
Quantidade (milímetros, mm) -se 2 casos de Endotropia (5.1%) na última
8,75 mm
de cirurgia aplicada no olho avaliação.
(intervalo, 6-10)
com maior desvio, média
Dos 39 casos estudados o estado sensorial
15,03 (na avaliação pós–operatória) foi documentado
Quantidade total, média
(intervalo, 10-18) em 29 casos. Verificou-se: fusão em 19 casos
Ansa unilateral 6 casos (15,4%) (65%); supressão unilateral em 2 casos (6,9%);
supressão alternante em 2 casos (6,9%); e
Quantidade (milímetros, mm)
8,0 mm supressão intermitente em 6 casos (20,7%). Não
de cirurgia aplicada no olho
(intervalo, 8-8) se obteve registos de estereopsia em número
com maior desvio
significativo para ser analisado.
Encurtamento de músculo
1 caso (2,6%) Dos 39 casos estudados, 6 foram sujeitos a
recto interno 2.ª cirurgia (15.4%). A média do desvio hori-
zontal para longe com correcção (DP) antes
da 2.ª intervenção, era de 23,50∆ BI (16-30).
Tabela 4 – Alinhamento motor no final do 1.º mês e na Em 5 dos 6 casos submetidos a reintervenção
última avaliação. cirúrgica, foi realizado o procedimento de
encurtamento do músculo RI, sendo a quan-
Sucesso motor Número %
tidade média de cirurgia aplicada de 7 mm
Desvio ≤ 10 ∆ no final 1.º mês 24 61,5 (intervalo, 6mm – 8mm). Em 1 dos casos
Desvio > 10 ∆ no final 1.º mês 14 35,8 reintervencionados, realizou-se ansa unilateral
de RE combinada com Encurtamento RI (sendo
Endotropia 1 2,5 que na 1.ª intervenção foi realizada ansa bila-
Desvio ≤ 10 ∆ última teral de RE).
26 66,7
avaliação
Tabela 5 – Características do tipo de procedimento reali-
Desvio > 10 ∆ última
11 28,2 zado na 2.ª intervenção cirúrgica.
avaliação
Quantidade
Valor médio hipocorrecção, 19,09∆ BI Tipo de procedimento
média n média de
(intervalo, 12-30) realizado na 2.ª
(%) cirurgia aplicada,
intervenção cirúrgica
Endotropia na última avaliação 2 5,1 milímetros

Encurtamento 5 7 mm (intervalo,
músculo R. Interno (83,(3)%) 6-8)

No 1.º mês pós operatório, dos 39 casos, Encurtamento


24 apresentaram um desvio inferior a 10 DP músculo R. Interno
1
para longe após o 1.º mês, representando 61.5%. com ansa músculo R.
(16,6(6)%)
Externo unilateral no
Em 15 casos, verificou-se um desvio superior a mesmo olho
10 DP para longe após o 1.º mês, representando
38,9% dos doentes em estudo.
Na última consulta de seguimento, 26 casos
apresentaram um desvio inferior a 10 DP na Nos 6 casos reintervencionados, verificou-
última consulta (66.7%). Em 11 dos 39 casos -se desvio inferior ou igual a 10 DP BI na visão
intervencionados, verificou-se um desvio supe- para longe, na altura da última avaliação.
rior a 10 DP na última consulta, prefazendo A tabela 6 apresenta as características do
28.2% de todos os doentes. O valor médio do período de seguimento.
562 OFTALMOLOGIA
Resultados Cirúrgicos em Crianças com Exotropia Intermitente

Tabela 6 – Características do período de seguimento de Identificámos 7 casos (17,9%) de ambliopia.


acordo com o número de intervenções cirúrgicas para Todos os doentes com história de ambliopia
tratamento de XT’.
observados não apresentam anisometropia.
Número de Em apenas 1 caso a ambliopia permaneceu
cirurgias Tempo seguimento, apesar de medidas terapêuticas aplicadas,
Número % média (intervalo), mas no entanto obteve-se neste caso sucesso
Estado do meses
seguimento cirúrgico. Procurámos testar a hipótese de
associação entre ambliopia e anisometropia.
Submetido a
33 84,61 15, 94 (1-60) Para avaliar se existe associação entre amblio-
1.ª cirurgia pia e anisometropia utilizou-se o teste do Qui-
Alta 16 43,6 16,31 (8-36) -Quadrado por simulação de Monte Carlo.
O resultado foi um valor de 0,225, está asso-
Não alta 17 56,4 15,59 (1-60)
ciado um p-value de 1,000, portanto, não
Submetido a
6 15,38 36,17 (24-51)
há evidência estatística, nesta amostra, para
2.ª cirurgia considerarmos nula a independência entre as
Nota: Na análise do tempo de seguimento dos casos que não tiveram alta
variáveis, mas na nossa amostra elas parecem
não foram incluídos os que foram submetidos a 2.ª intervenção cirúrgica. não estar associadas. Na literatura, a ambliopia
na exotropia intermitente não é frequente
(quando comparada com endotropia), excepto
O período médio de seguimento de doentes quando progride para exotropia constante (ou
(não submetidos a 2.ª intervenção) foi de 15,9 quase constante) numa idade precoce ou quando
meses (intervalo de 1 a 60 meses). esta presente outro factor ambliogénico como
anisometropia. No nosso estudo a frequência de
ambliopia é relevante (quase 20%) e associada
ao fenómeno de supressão, provavelmente
Discussão porque muitos doentes chegam tarde à consulta
ou não cumprem o tratamento anti-supressivo
Há vários factores que podem afectar o (oclusão) prévio à cirurgia.
resultado motor final após cirurgia de correcção Dos casos em que se obteve registo do
das exotropias intermitentes bem como a estado sensorial, 21% dos casos apresentava
manutenção de um bom resultado cirúrgico. fusão; 78% algum grau de fraqueza no controlo
Este estudo permitiu tirar informações sobre fusional (supressão unilateral; alternante;
os resultados motores de 39 crianças tratadas intermitente). O número de casos com registo
cirurgicamente para correcção da exotropia médico de estereopsia foi insuficiente para
intermitente, nos últimos 5 anos. análise.
A média do equivalente esférico das Os doentes que foram submetidos a cirurgia
crianças avaliadas, encontra-se no espectro tinham em média 8,8 anos (intervalo, 3 -17).
da miopia; mas num intervalo marcado nos Na nossa amostra uma análise estatística de
valores negativos (desde -11 D a +2,75 D). regressão logística (Método de Enter) reve-
Na nossa amostra, uma análise estatística de lou que a variável idade não tem um efeito
regressão logística (Método de Enter) revelou estatisticamente significativo sobre a proba-
que o equivalente esférico não apresenta um bilidade de sucesso cirúrgico na última consulta.
efeito estatisticamente significativo sobre a Há várias considerações a respeito dos intervalos
probabilidade de sucesso cirúrgico na última de idade em que a cirurgia deve ser realizada.
consulta. No entanto, têm surgido trabalhos com Há autores que consideram que a idade é
considerações em torno dos erros refractivos1, indiferente, uma vez que não identificaram
em como emetropisação pode ser um factor diferenças nos resultados cirúrgicos atribuíveis
positivo na estabilidade do resultado cirúrgico. à idade. Asjes-Tydeman verificaram que o
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 563
Sara Silva, Filipe Brás, Rui Fialho, Gabriela Varandas, Maria Lourdes Vieira, Prof. Dr. Castanheira-Dinis

alinhamento pós operatório e funções sensoriais A selecção da técnica não dependeu do sub-
em doentes com exotropia primária que tipo de exotropia intermitente. Parks demons-
tinham sido submetidos a intervenção antes trou que enfraquecimentos bilaterais são efi-
dos 7 anos, eram melhores, do que aqueles cazes nos 3 tipos de exotropias intermitentes5.
em que a cirurgia era depois dos 7 anos 2. Por Wilson também registou que cirurgiões nos
sua vez, Pratt-Johnson concluíram que cirurgia EUA preferem enfraquecimentos bilaterais
realizada antes dos 4 anos de idade era o factor como procedimento inicial nos diferentes 3
preditivo mais importante para obter um bom tipos de exotropias6. No entanto, outros estudos
alinhamento (com menos riscos de ambliopia)3. apresentam taxas de sucesso motor diferentes
No entanto, este factor não se verificou em para diferentes técnicas, alguns dos quais apli-
outros estudos 4. A análise da variável idade, cavam diferentes técnicas consoante o subtipo
neste estudo, permite concluir que estamos a clínico de exotropia intermitente7. Uma vez que
intervir num espectro de idades alargado: desde os subtipos de exotropia intermitente não foram
3 aos 17 anos. Estes dados estão de acordo com definidos neste estudo, não podemos comparar
o contexto em que é tomada a decisão cirúrgica, estes resultados.
uma vez que a variável idade é enquadrada no Realizou-se análise estatística para testar se
conjunto das outras variáveis que determinam os valores da assimetria influenciavam o resul-
a altura da cirurgia, em especial, se aumenta a tado cirúrgico (teste não paramétrico Wilcoxon-
fase de tropia, se diminui o controlo fusional -Mann-Whitney para amostras independentes).
e/ou se aumenta o ângulo de desvio. A relação entre assimetria e resultados cirúrgi-
A escolha da técnica cirúrgica dependeu: da cos não são significativas (para o nível de con-
inconcomitância do ângulo do desvio na visão fiança de p=0,05).
para perto e na visão para longe. Na maioria Considerou-se no estudo o limite de até
dos doentes foi realizada a técnica de enfraque- 10 DP prismáticas de exotropia para sucesso
cimento dos músculos RE bilateralmente (82% motor cirúrgico (um valor consensualmente
dos casos), pela técnica de ansas. aceite pela maioria dos autores). As taxas de
A quantidade de cirurgia aplicada no olho sucesso na cirurgia horizontal para tratamento
com maior desvio foi em média de 8,75 mm da exotropia intermitente dependem da defini-
(intervalo de 6 a 10 mm). A quantidade média ção de sucesso cirúrgico e do tempo de segui-
total de cirurgia aplicada nas ansas bilaterais foi mento pós-operatório. O sucesso cirúrgico foi
de 15,0 mm (intervalo de 10-18 mm). Nos casos atingido em 61% dos casos ao fim do 1.º mês
em que foi realizada ansa unilateral a quanti- após cirurgia e em 67% dos casos na última
dade de cirurgia aplicada foi de 8 mm (inter- avaliação, no final de um período de segui-
valo de 8 a 8 mm). Estamos a realizar maiores mento médio de 15,9 meses. Verificou-se uma
quantidades de cirurgia do que o habitualmente taxa de reintervenção de 15%.
publicado na literatura. Muitos cirurgiões evi- De uma forma geral, estudos com períodos
tam realizar enfraquecimentos dos músculos de seguimento mais curtos apresentam melhores
rectos externos superiores a 7 mm pelo risco taxas de sucesso cirúrgico quando comparados
de défice de abdução ou de hipercorrecção, com outros que consideram períodos de
no entanto (de acordo com a nossa experiên- seguimento maiores. Embora as taxas de
cia) com a técnica de ansas de Weis, em que sucesso nos estudos publicados se encontrem
o músculo continua a transmitir a sua força à entre 50 e 79% 4, o intervalo de seguimento pós
inserção primitiva, a deficiente abdução, se bem operatório é muito variável (1 a 10 anos). Os
que observada no pós operatório imediato, em estudos com período de seguimento de 1 ano
nenhum caso permanece além de uma semana. apresentavam taxas de sucesso entre 56 e 79%.
Além disso, não temos taxas de hiper correcção Portanto os nossos resultados são semelhantes
fora do esperado e obtivemos taxas de sucesso aos de outros estudos, tendo em consideração o
comparáveis às de outros estudos publicados. período de seguimento.
564 OFTALMOLOGIA
Resultados Cirúrgicos em Crianças com Exotropia Intermitente

Já é reconhecida desde há muito tempo a ODE), que apresentava um desvio de 14 DP


tendência para a divergência no pós operatório BE sem diplopia no pós-operatório, e que por
e a grande maioria dos doentes segue esta se encontrar esteticamente bem teve alta no
tendência independentemente do alinhamento final de um seguimento de 36 meses. O outro
inicial. No estudo “Post operative out come caso apresentava um desvio de 20 DP BE após
in children with intermitent exotropia from a cirurgia, mas sem diplopia. Foi administrada
population base cohort” 4. O único factor clínico toxina botulínica pós-operatória que não
associado a pior resultado de alinhamento produziu efeito e o doente mantém seguimento
motor pós-operatório foi um maior período de ao fim de 12 meses. Estes caso também não foi
seguimento. Portanto, é de teorizar que a taxa submetido a 2.ª cirurgia.
de sucesso cirúrgico verificada diminua com o O período médio de seguimento de
tempo. doentes, após 1.ª intervenção cirúrgica e que
Não encontrámos evidência estatística para não submetidos a 2.ª intervenção, foi de 15,9
afirmar que as variáveis em estudo (idade, meses mas com um intervalo de seguimento
equivalente esférico, tipo de cirurgia realizada muito heterogéneo (1 mês a 5 anos). Tendo em
ou quantidade de cirurgia aplicada) sejam boas conta o que já foi referido sobre a influência do
predictoras para o sucesso motor pós-ope- período de seguimento na análise do sucesso
ratório. cirúrgico, esta variável é crítica quando se
As hipo correcções são sequelas frequentes pretendem comparar sucessos cirúrgicos de
da cirurgia para XT’, e uma vez que o ângulo de diferentes estudos.
desvio para longe é muito variável (capacidade Dos 39 casos estudados, 6 foram sujeitos
de fusão, luz, estado de alerta, etc) pelo que a segunda cirurgia (15.4%). Nestes casos, a
se recomenda que o maior ângulo alguma vez média do desvio horizontal para longe com
medido seja considerado como o ângulo alvo correcção (DP) antes de 2.ª intervenção,
para a cirurgia e que a quantidade de cirurgia era de 23,50∆ (16-30). Quanto ao tipo de
seja baseada neste ângulo. procedimento: em 5 casos foi realizado o pro-
No que refere às hipo correcções, no 1.º cedimento de encurtamento do músculo RI,
mês pós-operatório, 15 casos apresentaram sendo a quantidade média de cirurgia aplicada
um desvio superior a 10 ∆ BI após o 1.º mês, de 7 mm (intervalo, 6mm – 8mm). Em 1 dos
representando 38,9% dos doentes em estudo. Na casos reintervencionados (com realização de
última consulta de seguimento, 10 casos apre- ansa 8mm OD e OE na primeira cirurgia), fez-
sentaram um desvio superior a 10 ∆ BI, -se revisão da ansa anteriormente executada
perfazendo 25.6% de todos os doentes. O valor e realizou-se ansa unilateral de RE (10 mm)
médio de hipocorrecção verificado foi de combinada com encurtamento RI (6mm).
19,09 ∆ BI (intervalo, 12∆ -30∆). Em outro caso, que tinha sido submetido a
No que refere às hiper correcções, um encurtamento RI 5 mm na 1.ª intervenção,
registou-se 1 caso de endotropia no 1.º mês, foi realizada uma ansa 6mm RE OD na 2.ª
que aumentou o valor do desvio de endotropia intervenção.
ao longo de 12 meses de seguimento pós Há alguns pontos de fraqueza no estudo:
operatório. Este caso não corrobora as teorias a sua natureza retrospectiva; os tempos de
que priveligiam uma hipercorrecção inicial 8, seguimento desiguais entre casos; o tempo
mas está de acordo com a consideração de de duração do desvio (desde da altura da
que nem todos os doentes com hipercorrecção observação pelos pais até à data da cirurgia)
inicial apresentam um bom resultado cirúrgico não foi possível determinar; não podemos tirar
final 9 . Na última consulta de seguimento, conclusões precisas quanto à avaliação sensorial
existiam 2 casos de Endotropia (5.1%), com por se encontrar irregularmente registada
um desvio médio de 17 DP BE (20;14). Um nos processos clínicos; e admitimos viés por
dos casos correspondia a um alto míope (-8,5 abandono da consulta.
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 565
Sara Silva, Filipe Brás, Rui Fialho, Gabriela Varandas, Maria Lourdes Vieira, Prof. Dr. Castanheira-Dinis

Conclusão 12. A SJES -T YDEMAN WL, G ROENEWOUD H, VAN DER


WILT GJ.: Timing of surgery for primary exotropia in
children. Strabismus 14: 191-7, 2006
Neste estudo, obteve-se em 67% dos casos 13. P RATT -J OHNSON JA et al: Early surgery in inter-
um alinhamento inferior ou igual a 10 DP na mittent exotropia. Am J Ophthalmol 1977; 84; 689-94
última avaliação após 1.ª intervenção cirúrgica 14. NOHA SE, KEVIN JN, et outros: Postoperative outco-
para tratamento da exotropia intermitente, no mes in children with intermittent exotropia from a
population-based cohort; J AAPOS 2009; 13:4-7
final de um período de seguimento médio de 15. PARKS MM: Concomitant exodeviations, in Parks MM
15,9 meses, e com necessidade de reintervenção (ed): Ocular Motility and Strabismus. Hagerstown,
cirúrgica em 15% dos casos. Harper & Row, 1975, pp 113- 22
Estes resultados são comparáveis com outros 16. WILSON ME: Exotropia: Focal points clinical modules
estudos realizados com a mesma definição de for ophthalmologists: 1-14, 1999
17. K USHNER BJ: Selective surgery for intermittent
sucesso cirúrgico e com períodos de seguimento
exotropia based on distance/near differences. Arch
semelhantes. Apenas 1 em cada 7 (6.5) doentes Ophthalmol 116: 324-8, 1998
foram submetidos a 2.ª intervenção, o que 18. RAAB EL.: Management of intermittent exotropia: for
também é sobreponível. surgery. Am Orthopt J 1998; volume 48: 25-29
A estabilidade do resultado cirúrgico na 19. BERLAND JE, WILSON ME, et al: Results of large (8-
exotropia intermitente é multifactorial, mas tem 9 mm) bilateral lateral rectus muscle recessions for
exotropia. Binocular vision and strabismus Quarterly
havido um crescimento na análise das estra-
volume 13 (N.º 2):97-104, 1998
tégias para obter um melhor sucesso cirúrgico, 10. R OSENBAUM AL: Evaluation and management of
como o acompanhamento precoce e a profilaxia intermittent exotropia. American Orthoptic Journal
activa da instalação da supressão. 1996; 46:94-98
São necessários mais estudos randomizados 11. A. A BROMS , B. M OHNEY , D. R USH , M. P ARKS , P.
para melhor esclarecimento destas questões. TONG.: Timely surgery in intermittent and constant
exotropia for superior sensory outcome. American
Journal of Ophthalmology 2001, 131, 111-116
12. STAGER D, IONITA N, et al: Long-Term Results of
Bibliografia Exotropia: Can It Be Cured? Amer. Orthoptic J
59(1):48-50 (2009)
1. ADEL AE, AKMAL R. Exotropia: Stability of surgical 13. V ALENZUELA A.: Exotropia intermitente. Anais
correction for intermittent exotropia; Transactions of de CLADE (XIV congresso do Conselho Latino-
the 30 th ESA Meeting (European Strabismological -Americano de Estrabismo) São Paulo - Brasil, Maio
Association, Killarney - Irland, June 2005) 2000; pág. 143-147

566 OFTALMOLOGIA
Oftalmologia - Vol. 34: pp. 567 - 573

Reabilitação da Cavidade Anoftálmica


Contracturada
Nádia Lopes 1, Guilherme Castela 2, Ana Miguel 1, José Nolasco 1, Rui Andrés 1, Filipe Mira 1,
Roque Loureiro 3
1 – Interno do Internato Médico de Oftalmologia
2 – Assistente Hospitalar de Oftalmologia
3 – Director de Serviço de Oftalmologia

Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de Coimbra, E.P.E

nadialopes80@gmail.com

RESUMO

Objectivo: Avaliação das diferentes técnicas cirúrgicas para corrigir a cavidade anoftál-
mica contracturada. Métodos e Material: Estudo retrospectivo incluindo 12 cavidades
anoftálmicas adquiridas que apresentavam insuficiência do fundo de saco conjuntival
inferior e/ou défice de volume orbitário. As diferentes técnicas cirúrgicas utilizadas foram:
sutura da conjuntiva ao periósteo (na retracção mínima do fundo de saco conjuntival),
enxerto de mucosa labial (na retracção moderada do fundo de saco conjuntival), enxerto
de cartilagem auricular (na retracção severa do fundo de saco conjuntival) e enxerto
dermo-adiposo (défice de volume orbitário). Resultados: A retracção do fundo de saco
conjuntival era mínima em 2 pacientes, moderada em 3 pacientes e severa em 2 pacientes.
Observaram-se 5 casos de défice de volume orbitário. Todos os casos de retracção do
fundo de saco foram corrigidos com sucesso, com boa adaptação da prótese. Nos pacientes
com défice de volume orbitário, verificou-se um caso de atrofia do enxerto após 8 meses.
Conclusão: Os auto-enxertos representam uma opção eficaz na reabilitação cirúrgica da
cavidade anoftálmica contracturada. A técnica utilizada depende da severidade do quadro
clínico e do componente que se encontra contracturado.

ABSTRACT
Purpose: Evaluate de diferent surgical techniques in the managment of the contracted
anophthalmic socket. Material and Methods: A retrospective study including 12 patients
with acquired anophthalmic socket witch presented inadequate fornices and/or orbital
volume loss. The surgeries performed were: conjunctival suture to the periosteum (mild
contraction of fornix), buccal mucosa graft (moderate fornix retraction), auricular cartilage
graft ( severe fornix retraction) and dermis fat graft (loss of orbital volume). Results: The
fornix retraction was mild in 2 patients, moderate in 3 patients and severe in 2 patients.
We observed 5 patients with loss of orbital volume. Successful correction was achieved
in all patients with fornix retraction who were able to wear an external prosthesis. One
patient with orbital volume loss developed a graft atrophy. Conclusion: The autologous
grafts are useful in the rehabilitation of the contracted socket. The surgical options
depends on the clinical presentation and on witch of the components is affected.

Palavras-chave: Enucleação; Evisceração; Prótese ocular externa; Cavidade anoftálmica; Enxerto.

Key words: Enucleation; Evisceration; External prothesis; Anophthalmic socket; Graft.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 567


Nádia Lopes, Guilherme Castela, Ana Miguel, José Nolasco, Rui Andrés, Filipe Mira, Roque Loureiro

Introdução foram determinados os dados demográficos,


a etiologia da anoftalmia e o tipo de implante

A cavidade anoftálmica contracturada é colocado. O período médio de follow-up após


uma complicação frequente após enu- a intervenção foi de 17 meses (de 7-25 meses).
cleação ou evisceração. A radioterapia, uma Os resultados foram considerados satisfatórios
etiologia traumática, a inflamação recorrente e na presença de um volume orbitário adequado,
a substituição do globo ocular por um implante fundos de saco-conjuntival profundos, simetria
de pequenas dimensões podem estar na ori- da abertura palpebral e sulcos superiores e uma
gem desta complicação. Bonavolonta classi- boa adaptação da prótese ocular externa.
ficou-a em 5 categorias1: ligeira e superficial
(contracção de fundo de saco conjuntival),
severa e superficial (contracção das pálpebras
e de fundo de saco conjuntival), ligeira e pro- Técnica cirúrgica:
funda (contracção de fundo de saco conjuntival
e da gordura orbitária), severa e profunda Reposicionamento do fundo de saco conjun-
(ausência de fundo de saco conjuntival e atro- tival com sutura ao periósteo:
fia severa da gordura orbitária) e total (anoma-
lias descritas anteriormente associadas a alte- Foi utilizada nas retracções mínimas, com
rações ósseas). Clinicamente, pode traduzir-se encurtamento vertical do fundo de saco conjun-
por uma prótese ocular externa instável e o tival. O procedimento é feito sob anestesia
síndrome pós-enucleação. O síndrome pós- local (lidocaína 2% e bupivacaína 0,5%). Uma
-enucleação foi inicialmente descrito por incisão conjuntival infratarsal é realizada ao
Collin et al.2 e caracteriza-se por enoftalmia, longo da pálpebra inferior até atingir o rebordo
sulco palpebral superior profundo, ptose e laxi- orbitário inferior. A conjuntiva é fixada ao
dão da pálpebra inferior. periósteo através de 3-4 pontos transfixiantes
A restituição do volume orbitário e a cor- em U (Nylon 4.0). Os pontos foram retirados
recção das patologias do fundo de saco conjun- por volta das 3 semanas.
tival representam os principais objectivos da
reabilitação da cavidade anoftálmica contrac-
turada. Vários materiais (autológos e aloplás- Enxerto de mucosa labial:
ticos) e diferentes técnicas cirúrgicas foram desen-
volvidas para a sua reconstrução. O objectivo Foi a técnica eleita nas retracções moderadas
deste trabalho consiste em avaliar as diferentes que não permitiam a colocação de uma prótese
modalidades terapêuticas utilizadas. ocular externa. Nesta técnica, um enxerto de
mucosa labial com dimensões adequadas para
criar um novo fornix sem tensão, é excisado
após infiltração local de anestésicos (lidocaína
Materiais e Métodos 2% e adrenalina 1/100000). De seguida, realiza-
-se uma incisão no fundo de saco conjun-
Estudo retrospectivo realizado, entre Janeiro tival, após anestesia local (lidocaína 2% e
de 2006 e Dezembro de 2008, em 13 cavidades bupivacaína 0,5%). Finalmente, o enxerto é
anoftálmicas adquiridas que foram submetidas suturado à conjuntiva, com vicryl 6.0. No final
a cirurgia reconstrutiva. Todos os pacientes reposiciona-se a conjuntiva ao periósteo com
incluídos no estudo apresentavam uma cavidade três pontos transfixiantes em U (Nylon 4.0).
anoftálmica contracturada com insuficiência Nestes pacientes, recomenda-se a utilização
do fundo de saco conjuntival inferior e/ou de elixir de clorohexidina na cavidade bucal,
défice de volume orbitário. Em todos os casos, durante uma semana.
568 OFTALMOLOGIA
Reabilitação da Cavidade Anoftálmica Contracturada

Enxerto de cartilagem: Sempre que existia laxidão horizontal da


pálpebra inferior, um procedimento de tira
Recorremos a esta técnica nos casos de tarsal foi associado.
retracção severa com encurtamento horizontal
e preenchimento total do fundo de saco
conjuntival, associada a retracção palpebral. Resultados
Neste procedimento, recolhe-se um enxerto de
cartilgem auricular de dimensões adequadas Doze pacientes (7 de sexo masculino e 5 de
ao grau de encurtamento palpebral. Após uma sexo feminino), com idade média de 50 anos
incisão infratarsal, sutura-se o enxerto entre (entre 5 e 73 anos) foram submetidos a cirurgia
os retractores/conjuntiva da pálpebra e o bordo reconstrutiva de cavidade anoftálmica. Os dados
inferior do tarso, com vicryl 6.0. Finaliza-se demográficos, etiologia, cirurgias realizadas e
o procedimento com um ponto de frost que se resultados observados estão descritos no quadro
retira passadas 24 horas. 1 e 2.
A etiologia mais comum foi o traumatismo
ocular (n=4), seguido por tumor intra-ocular
Enxerto dermo-adiposo: (n=3). Outras etiologias foram a endoftalmite,
descolamento da retina e glaucoma terminal.
Escolhemos esta técnica quando existe con- Observámos 7 pacientes com retracção do fundo
tractura total da cavidade orbitária. O procedi- de saco conjuntival. A sutura da conjuntiva
mento é realizado sob anestesia geral. O enxerto ao periósteo foi realizada em 2 pacientes com
é recolhido no quadrante temporal superior da retracção mínima. A reconstrução com recurso
nádega. O enxerto deve ter volume suficiente a enxerto de mucosa labial foi efectuada em 3
para preencher a cavidade e habitualmente tem pacientes com retracção moderada (Fig. 2). Em
uma dimensão de 2.5 cm por 3 cm. Depois 2 pacientes com retracção severa, recorreu-se a
de remover a epiderme, o enxerto é colocado um enxerto de cartilagem auricular. Em todos
na cavidade orbitária o mais posterior pos- os pacientes, o fundo de saco conjuntival ficou
sível. Os muscúlos extraoculares ou os seus mais profundo possibilitando a colocação de
remanescentes são suturados ao bordo dérmico uma prótese ocular externa, sem necessidade
e posteriormente sutura-se a conjuntiva à derme de reintervenções. Não se verificaram compli-
com vicryl 6.0. A quantidade de derme exposta cações a nível da cavidade e/ou no local de
depende do grau de retracção conjuntival asso- recolha.
ciada. No final da cirurgia, é colocado um Os 4 pacientes com défice de volume orbi-
conformador para evitar a formação de simblé- tário foram submetidos a enxerto dermo-
faros (Fig. 1). -adiposo. Em todos os casos, houve aumento

a b c

Fig. 1 – Foto operatório do enxerto dermo-adiposo: (a) recolha do enxerto na nádega; (b) enxerto após remoção da epi-
derme; (c) enxerto na cavidade.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 569


Nádia Lopes, Guilherme Castela, Ana Miguel, José Nolasco, Rui Andrés, Filipe Mira, Roque Loureiro

Quadro 1 – Pacientes com patologia de fundo de saco conjuntival.

Antecedentes
Paciente Idade Sexo Diagnóstico Exame Objectivo Cirurgia Resultados
cirúrgicos

1 62 M Melanoma Enucleação Retracção mínima Sutura da Boa adaptação


da coróide sem implante do fundo de saco conjuntiva ao da prótese
conjuntival inferior periósteo Resultado
estético
satisfatório
2 70 M Glaucoma Evisceração Retracção mínima Sutura da Boa adaptação
terminal sem implante do fundo de saco conjuntiva ao da prótese
conjuntival inferior periósteo Resultado
estético
satisfatório
3 21 F Traumatismo Evisceração Retracção moderada Enxerto de Boa adaptação
ocular com do fundo de saco mucosa labial da prótese
(tiro de implante de conjuntival inferior com sutura ao Resultado
caçadeira) hidroxiapatite periósteo estético
satisfatório
4 65 F Descolamento Evisceração Retracção moderada Enxerto de Boa adaptação
da retina com implante do fundo de saco mucosa labial da prótese
de silicone conjuntival inferior com sutura ao Resultado
periósteo estético
Tira Tarsal satisfatório
5 73 F Endoftalmite Enucleação Retracção moderado Enxerto de Boa adaptação
com colocação do fundo de saco mucosa labial da prótese
secundária de conjuntival superior e com sutura ao Resultado
implante de inferior periósteo estético
silicone. Tira tarsal satisfatório
6 5 M Retinoblastoma Enucleação Retracção severa do Enxerto de Boa adaptação
com prótese FSC inferior cartilagem da prótese
de polietileno, auricular Resultado
com estético
radioterapia satisfatório
7 35 M Traumatismo Evisceração Retracção severa do Enxerto de Boa adaptação
ocular contuso com prótese de FSC inferior cartilagem da prótese
hidroxiapatite auricular Resultado
Tira Tarsal estético
satisfatório

a b c

Fig. 2 – Paciente com retracção moderada do fundo de saco. (b-c) aspecto pós-operatório.

570 OFTALMOLOGIA
Reabilitação da Cavidade Anoftálmica Contracturada

Quadro 2 – Pacientes com défice de volume orbitário.

Antecedentes
Paciente Idade Sexo Diagnóstico Exame Objectivo Cirurgia Resultados
Cirúrgicos

1 67 F Glaucoma Evisceração Défice de volume Enxerto Boa adaptação


terminal com prótese orbitário dermo- da prótese
de silicone adiposo Resultado
estético
satisfatório
2 65 M Melanoma da Enucleação Défice de volume Enxerto Boa adaptação
coróide com prótese orbitário e do FSC dermo- da prótese
de silicone inferior adiposo. Resultado
estético
satisfatório
3 39 M Traumatismo Enucleação Défice de volume Enxerto Boa adaptação
ocular com colocação orbitário dermo- da prótese.
(acidente de secundária de adiposo Atrofia
viação) implante de moderada do
hidroxiapatite enxerto após
8 meses.
4 44 F Descolamento Evisceração Défice de volume Enxerto Boa adaptação
de retina com extrusão orbitário dermo- da prótese
da prótese de adiposo e volume
silicone no 1º orbitário
mês de pós- adequado.
-operatório Sulco palpebral
superior
profundo.

5 54 M Traumatismo Evisceração Défice de volume Enxerto Boa adaptação


Ocular contuso com prótese orbitário dermo- da prótese.
de silicone adiposo Volume
orbitário
adequado

do volume orbitário com boa adaptação da Discussão


prótese ocular externa entre as 6 e 8 semanas.
Num paciente, observou-se um sulco palpebral O principal objectivo da reabilitação da
superior profundo sem atrofia do enxerto cavidade anoftálmica consiste na colocação
associado. Este paciente foi proposto para de uma prótese ocular externa com finalidade
enxerto dermo-adipócito no sulco supra-tarsal estética mas também funcional ao prevenir a
com fixação ao periósteo. Verificou-se ainda retracção do fundo de saco conjuntival. Um
um caso de atrofia moderada do enxerto após fundo de saco conjuntival profundo e um
8 meses. volume orbitário adequado são fundamentais
Um paciente apresentava retracção de para um bom suporte da prótese.
fundo de saco conjuntival associado a défice de A retracção do fundo de saco conjuntival é
volume orbitário. Um enxerto dermo-adiposo uma complicação frequente e surge em 25%
preencheu o défice de volume orbitário e a parte dos pacientes enucleados ou eviscerados 3 .
dérmica foi utilizada para a reconstrução do A reconstrução do fundo de saco conjuntival
fundo de saco conjuntival. requer, na maioria dos casos, a correcção da

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 571


Nádia Lopes, Guilherme Castela, Ana Miguel, José Nolasco, Rui Andrés, Filipe Mira, Roque Loureiro

laxidão da pálpebra inferior com recurso a um No tratamento de défice de volume orbitário,


procedimento de tira tarsal. Este tratamento não vários materiais podem ser utilizados: enxerto
só melhora o suporte da pálpebra inferior como dermo-adiposo, enxerto de adipócitos, enxerto
também contribui para aprofundar o fundo de ósseo e biomateriais.
saco conjuntival 4. No enxerto dermo-adiposo a parte dér-
Na retracção mínima, apesar de existir mica tem tendência em crescer enquanto que
volume conjuntival adequado, o fundo de saco a parte adiposa sofre uma atrofia fisiológica
é pouco profundo. Habitualmente resulta da nos primeiros 6 meses que varia de 25 a 30%.
migração anterior da gordura orbitária e da Determinadas condições tais como trauma-
deiscência dos retractores. Nestes pacientes, tismos, radioterapia e múltiplas intervenções,
observa-se uma rotação anterior da prótese. favorecem esta reabsorção. A componente dér-
O tratamento consiste no reposicionamento da mica pode ainda ser utilizada na reconstru-
conjuntiva suturando-a ao periósteo 5. ção do fundo de saco pelo que este enxerto
Quando existe contracção da conjuntiva, representa uma alternativa eficaz quando existe
resultando em prenchimento do fundo de saco, a retracção de fundo de saco associada ao défice
colocação de uma prótese é impossível. Nestes de volume orbitário. As complicações surgem
casos é necessário proceder à reconstrução do em 5% dos casos e as mais comuns são: ulcera-
fundo de saco conjuntival recorrendo a dife- ção do enxerto por má vascularização, infecção,
rentes tipos de materiais tais como fáscia lata, formação de granuloma, epitelização e cres-
mucosa oral (bucal e palatina), cartilagem auri- cimento de pêlos pela localização dérmica de
cular e membrana amniótica alguns folículos 12.
A fáscia lata e a mucosa oral constituem O enxerto de adipócitos é realizado pela
uma alternativa eficaz para expandir a lamela técnica de Coleman que consiste em aspirar com
posterior, todavia pela sua menor rigidez têm uma seringa a gordura da região periumbilical
tendência em retrair-se e estão indicados nos ou coxa. A gordura é centrifugada de forma
casos de retracção mínima a moderada 6. a obter 3 fases (líquido, adipócitos e sangue).
Por outro lado, a mucosa do palato superior Os adipócitos são de seguida injectados na cavi-
é formada por um tecido conjuntivo denso dade. Todavia a taxa de atrofia com esta técnica
conferindo um bom suporte palpebral, redu- é muito elevada 13.
zindo assim o risco de retracção 7. No entanto, Dentro dos materiais biocompatíveis dispo-
já foram descritos casos de hemorragia severa e níveis para a reconstrução da órbita contrac-
fistulização no local de recolha 8. turada, os enxertos ósseos endocondrais e
Smith e Malet utilizaram a cartilagem auri- membranosos são pouco utilizados pela grande
cular para corrigir a retracção moderada a morbilidade associada (hemorragia, infecção e
severa em 55 pacientes. Os resultados estéticos dores persistentes no local de recolha) 14.
foram satisfatórios e não foram observadas Os biomateriais, pela sua disponibilidade,
complicações. Os autores consideraram a car- estabilidade e menor co-morbilidade repre-
tilagem auricular como um material ideal, pois sentam uma opção na expansão orbitária. Os
não só expandia o fundo de saco como também biomateriais classificam-se em dois grupos, os
fornecia um suporte palpebral adequado 9. não-porosos e os porosos. O material não poroso
Dentro dos materiais homólogos, a esclera (p.ex silicone) não é integrado nos tecidos e
expande a lamela posterior contudo pode estar está associado a complicações tais como migra-
associada a transmissões de doença por priões 10. ção e extrusão. O material poroso (hidroxia-
A membrana amniótica representa uma alter- patite coralina e sintética, polietileno e óxido
nativa aos enxertos mucosos ao promover a reepi- de alumínio), acompanha-se por uma colo-
telização conjuntival, ao reduzir a inflamação e nização fibro-vascular na sua superfície que
ao prevenir a fibrose. Contudo, a sua eficácia está se torna completa entre as 4 e 12 semanas
limitada a casos de retracção leve a moderada 11. e tem menor incidência de complicações.

572 OFTALMOLOGIA
Reabilitação da Cavidade Anoftálmica Contracturada

O défice de volume pode ser corrigido através Bibliografia


de implantação a nível intra-tenoniano ou sub-
-periósteo. Este último procedimento consiste 11. BONAVOLONTA G.: Temporalis muscle transferi n the
na implantação de material no espaço sub- treatment of the severely contracted socket. Adv
Ophthalmic Plasr Reconstr Surg 1992;9:121-9
-periósteo do pavimento da órbita, sendo a 12. TYERS AG, COLLIN JR.: Orbital implants and post
abordagem realizada por via transconjuntival enucleation socket syndrome. Trans. Ophthalmol. Soc
ou transcutânea. Está indicado em pacientes UK 1982;102(Pt1):90-92
com implante intra-tenoniano de dimensões 13. MORAX S, MANN F, SCHAPIRO D.: Pathologie et chirur-
gie das cavités anophtalmes
adequadas mas deslocado inferiormente 15.
14. ANDERSON RL.: Tarsal strip procedure for correction
No nosso estudo, todos os casos de retracção of eyelid laxity and canthal malposition in the ano-
de fundo de saco conjuntival foram corrigidos phthalmic socket. Ophthalmology 1981;88:895-903
com sucesso, tendo-se obtido bons resultados 15. NEUHAUS RW, HAWES MJ.: Inadequate inferior cul-de-
cosméticos e funcionais, sem necessidade de -sac in the anophthalmic socket. Ophthalmology 1992;
99:153-7
reintervenção. Nos pacientes com cavidade 16. MOLGAT Y, HURWITZ J, WEBB MC.: Buccal mucous
orbtária contracturada, observámos um caso de membrane-fat graft in the management of the contrac-
atrofia moderada do enxerto dermo-adiposo. ted socket. Ophthal PlastReconstr Surg 1993;9:267-72
Tratava-se de um doente com antecedentes de 17. H OLCK D, F OSTER J, D UTTON J, D ILLON H.: Hard
palate mucosal grafts in the treatment of the contracted
traumatismo severo (acidente de viação) e que
socket. Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery
já tinha sido submetido a cirurgia reconstrutiva. 1999; 15: 202-209
Durante a cirurgia, observou-se tecido cicatricial 18. GUYOT L, LAYOUR W, RICHARD O, GOLA R.: Greffe
sub-conjuntival extenso. A presença de cicatri- fibro-muqueuse palatine en chirurgie palpébrale. J Fr
zação severa está associada à diminuição de Ophtalmol 2001; 1071-76
19. SMITH R, MALET T.: Auricular cartilage Grafting to
vascularização da cavidade e é um factor de correct lower conjuntival fornix retraction and eyelid
risco para a falência do enxerto. Em nenhum malposition in anophtalmic patients. Ophthalmic
dos pacientes operados com recurso a enxerto Plastic and reconstructive surgery 2008;24: 13-18
(mucosa labial, cartilagem auricular e enxerto 10. MEHTA JS, FRANCK S.: The sclera, the prion and the
dermo-adiposo) se observaram complicações no ophthalmologist. Br J Ophthalmol 2002; 86:587-92
11. BAJAJ MS, PUSKER N, SINGH K.: Evaluation of amniotic
local de recolha. membrane grafting in the reconctruction of contracted
A abordagem da cavidade anoftálmica é socket. Ophthal Plast Reconstr Surg 2006; 22:116-20
complexa e representa um verdadeiro desafio 12. GOTZAMANIS A, DUCASSE A, BRUGNIART C, SAYAG D.:
para o cirurgião óculoplástico. A escolha da La greffe dermo-graisseuse, utilisation en chirurgie
de reconstruction des cavités. J Fr Ophtalmol
técnica e material utilizado depende da forma
2001;24:617-622
de apresentação clínica, da sua severidade e da 13. COLEMAN S.: Structural fat graft: the ideal filler. Clin
componente que está contracturada (conjuntiva/ plast Surg 2001;28:111-9
/órbita). Os enxertos autólogos são eficazes 14. S HAH S, R HATIGAN M, S AMPATH R, Y EOMEN S,
na reconstrução da cavidade contracturada. As SUNDERLAND S, BRAMMER R.: Use of proplast II as sub-
periosteal implant for the correction of anophthalmic
complicações associadas ao seu uso são baixas enophtalmos. Br J Ophthalmol 1995; 79(9): 830-833
e por serem biocompatíveis não há risco de 15. CUSTER P, KENNEDY R, WONG J.: Orbital implants
migração e extrusão. in enucleation surgery: a report by the American
Academy of Ophthalmology. Ophthalmology 2003;
110:2054-2061

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 573


Oftalmologia - Vol. 34: pp. 575 - 578

Intubação com Monoka no Tratamento


da Epífora em Idade Pediátrica
Gabriel Morgado 1, Salomé Gonçalves 2, Paulo Vale 1, Faria Pires 2
1 – Hospital Pedro Hispano
2 – Hospital Maria Pia

gabrielmorgado@iol.pt

RESUMO

Objectivo: Avaliar as indicações, resultados e complicações de doentes submetidos


a intubação monocanalicular para tratamento da epífora em idade pediátrica.
Métodos: Análise retrospectiva dos casos com epífora em idade pediátrica
que realizaram intubação com monoka em 2 Serviços de Oftalmologia do Grande
Porto, entre 2000 e 2007. Foram avaliadas as indicações, complicações e resultados.
Resultados: Foram intubadas 15 vias lacrimais de 14 doentes. A idade média de
intubação foi de 31.4 meses. 10 (66.6%) vias lacrimais tinham sido previamente sondadas
sem sucesso. O tempo médio de intubação foi de 5.2 meses. Foi necessário realizar
a subluxação/fractura do corneto inferior em 5 (33.3%) dos casos. 4 (26,6%) das
vias lacrimais apresentavam disgenesia dos canalículos e/ou pontos lacrimais. Como
complicações verificou-se um caso de epistáxis pós-operatória e 2 saídas acidentais
do tubo. Houve resolução da epífora em 13 (86,7%) dos casos (12 total e 1 parcial).
Conclusões: A intubação com monoka representa uma opção eficaz e segura no tratamento
da epífora por obstrução congénita do canal lacrimonasal e patologia mais proximal das
vias lacrimais.

ABSTRACT

Purpose: To evaluate indications, results and complications of patients submitted to


nasolacrimal monocanalicular intubation for the treatment of epiphora in pediatric age.
Methods: Retrospective analysis of cases of epiphora in the pediatric age that performed
intubation with the Monoka device, in 2 Ophthalmic Units of Porto area, between 2000
and 2007. Demographic variables, indications, complications and results were registered.
Results: 15 lachrymal systems of 14 patients were intubated. Mean age at intubation was
31,4 months. 10 (66,6%) lachrymal systems had been previously sounded without success.
Mean intubation time was 5,2 months. It was necessary to subluxate / fracture the inferior
turbinate in 5 (33,3%) of cases. 4 (26,6%) of lachrymal systems presented canaliculi and/
or lachrymal puncta digenesis. One case of post operative epistaxis and 2 extrusions of
the tube occurred. Epiphora resolved in 13 (86,7%) of cases (12 totally and 1 partially).
Conclusions: Monoka intubation represents a safe and effective option in the management
of epiphora secondary to congenital nasolacrimal duct obstruction and more proximal
lachrymal system pathology.

Palavras-chave: Epífora; Obstrução canal lacrimonasal; Monoka; Intubação.

Key words: Epiphora; Nasolachrymal duct obstruction; Monoka; Intubation.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 575


Gabriel Morgado, Salomé Gonçalves, Paulo Vale, Faria Pires

Introdução uma vez que o tubo só é passado uma vez; é


facilmente retirado em consulta evitando desta

A epífora afecta 20% dos recém-nascidos, forma os riscos e os custos de mais uma ida
ocorrendo resolução espontânea em 96% ao bloco; não faz uma ansa que facilmente se
dos casos 1. Para a epífora persistente, a sonda- extrusa; não provoca o “cheese wiring” dos
gem é um procedimento eficaz, com uma alta canalículos 9,10. Contudo, devido à necessidade
taxa de sucesso, contudo este sucesso diminui de um colarete rígido para ancoragem, apresenta
com o aumento da idade 2. uma taxa de erosão da córnea superior; necessita
Para a epífora persistente a seguir à son- de pontos lacrimais íntegros, e não pode ser
dagem ou em situações malformativas uma usado em caso de retroposição dos puncta
abordagem mais agressiva é necessária. As lacrimalis 9,10.
técnicas descritas são a dacrioplastia com O objectivo deste estudo foi avaliar as indi-
balão3, intubação lacrimonasal 4,5,6,7 e dacrio- cações, resultados e complicações dos doentes
cistorrinostomia 8, sendo a menos agressiva a submetidos a intubação monocanalicular para
intubação canalicular. Nesta última existem tratamento da epífora em idade pediátrica.
dois tipos: a intubação bicanalicular, em que um
tubo de silicone é passado pelos 2 canalículos,
constituindo uma ansa cujas extremidades são Material e Métodos
unidas através de um nó na fossa nasal; e a
intubação monocanalicular em que apenas Foi efectuada uma análise retrospectiva dos
um dos canalículos, habitualmente o inferior, casos em que foi realizada intubação mono-
é intubado, ficando assim o tubo ancorado, canalicular para o tratamento da epífora
através de um colarete, à ampola do canalículo. congénita em idade pediátrica, no período
A extremidade inferior do tubo é cortada à saída compreendido entre Janeiro de 2000 a
do nariz, ficando livre na cavidade nasal 9,10 Dezembro de 2007, no Hospital Maria Pia e
(Figs. 1 e 2). no Hospital Pedro Hispano. Foram incluidos
A intubação monocanalicular apresenta os casos em que a epífora teve início nos
algumas vantagens face à bicanalicular: é menos primeiros 3 meses de vida. Excluiram-se os
traumática para a via lacrimal e mucosa nasal casos de epífora de causa traumática. Todos os

Fig. 1 – Intubação bicanalicular. Fig. 2 – Intubação monocanalicular.

576 OFTALMOLOGIA
Intubação com Monoka no Tratamento da Epífora em Idade Pediátrica

procedimentos foram efectuados com anestesia intubações foram realizadas aos 3,5 e 7 anos,
geral e em regime ambulatório. Após dilatação respectivamente.
do ponto lacrimal, efectuou-se sondagem da Foi necessário realizar a fractura / subluxação
via lacrimal com sonda de Bowman seguida da do corneto inferior em 33,3% (5) dos casos.
passagem do Monoka e ancoragem à ampola do Todas as intervenções foram realizadas com a
canalículo. Fez-se a secção do tubo de forma a presença ou com a disponibilidade imediata de
este permanecer endonasal. Nos casos em que um otorrinolaringologista.
não foi possível recuperar o tubo da fossa nasal A saída do tubo foi programada em 87% dos
devido ao corneto inferior, realizou-se a fractura/ casos, e realizada em consultório, à excepção de
/ subluxação deste. um caso em que a criança apresentava síndrome
de Down, e foi necessário a remoção no bloco
operatório. Em 2 casos (13%) a saída foi aci-
Resultados dental, ocorrendo 1 caso ao fim de 1 mês e
outro ao fim de 3 meses. O tempo de intubação
Foram seleccionadas 15 vias lacrimais de médio foi de 5,2 +-1,86 meses com um mínimo
14 doentes. Em todos os casos foi utilizado o de 1 mês (saída acidental) e um máximo de 8
dispositivo Monoka. 60% dos doentes eram do meses no caso de reconstrução do canto interno
sexo masculino. O parto foi distócico em 26,7% e disgenesia do canalículo.
das crianças e 20% dos casos apresentavam Após retirada do Monoka, 80% (12) das
malformações da via lacrimal (2 casos) ou vias lacrimais, não apresentavam epífora. 7%
síndrome polimalformativo (1 caso de síndrome (1) apresentavam epífora intermitente, e os
de Down). O tempo de seguimento foi superior restantes 2 casos (13%), (um caso de obstrução
a 12 meses em todos os casos. A idade média de do canal lacrimonasal isolado e outro com
introdução do Monoka foi de 2,6 anos, com um obstrução do canal lacrimonasal associado a
mínimo de 12 meses e um máximo de 7 anos. disgenesia do canalículo inferior) mantiveram
66,6% (10) das vias lacrimais foram sondadas epífora, acabando por ser propostos para
previamente à intubação. Destas 60% foram dacriocistorrinostomia (Gráfico 1).
sondadas uma vez e 40% duas vezes. Um destes Como complicações foi registado um caso de
casos apresentava ausência de formação do epistáxis no pós-operatório imediato em que foi
ponto e canalículo inferior, tendo-se intubado o necessário realizar tamponamento nasal. Esta
canalículo superior. A idade média da primeira hemorragia foi atribuída à fractura do corneto
sondagem foi de 16,6 meses e a da segunda inferior. Não se verificou a migração inferior do
sondagem de 18 meses. tubo ou lesões erosivas da córnea.
33,3% (5) das vias lacrimais foram intubadas
em primeira intenção. Duas vias lacrimais, Gráfico 1 – Resultados da intubação com Monoka.
correspondendo ao mesmo doente, foram
intubadas aos 12 meses após se ter verificado
dificil progressão da sonda. Uma via lacrimal
que apresentava mucocelo, aos 17 meses. Os
outros 2 casos apresentavam disgenesia do
canalículo inferior (presumível ausência do
1/3 distal) em que se forçou a entrada para o
saco lacrimal de forma a formar um trajecto e
se intubou para manter a patência da via. Um
destes casos apresentava também distopia do
canto interno, tendo sido feita a reconstrução
em conjunto com a cirurgia plástica. Estas
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 577
Gabriel Morgado, Salomé Gonçalves, Paulo Vale, Faria Pires

Discussão A intubação monocanalicular apresenta-se


como um procedimento eficaz na epífora em
O sucesso absoluto e relativo, 80 e 87% idade tardia, após insucesso de sondagens
respectivamente, é sobreponível ao encon- anteriores, em casos de disgenesia do sistema
trado na literatura para a intubação monoca- canalicular e na presença de mucocelo. Tem
nalicular 4,5 , assim como bicanalicular 6,7 . uma taxa de complicações baixa e sucesso
Contudo há que ter em conta que neste estudo idêntico à intubação bicanalicular, sem algumas
foram incluídos casos além da obstrução isolada das desvantagens desta.
do canal lacrimonasal, sendo que os estudos
publicados com séries grandes se limitam a
incluir apenas casos com esta patologia. Bibliografia
Na maior parte dos casos optámos pelo 11. MACHETE CJ, YOUND JDH.: Epiphora during the first
colarete mais pequeno. Pensamos ser essa a year of life. Eye 1991;5:596-600
explicação para a ausência de lesões provocadas 12. ROBB RM.: Success rates of nasolacrimal duct probing
pelo contacto do colarete com a córnea ou a at time intervals after 1 year of age. Ophthalmology
1998;105:1309-10
conjuntiva. Esta opção não fez com que a taxa 13. G OLDSTEIN SM, G OLDSTEIN JB, K ATOWITZ JA.:
de extrusão do tubo fosse superior a outros Comparison of monocanalicular stenting and balloon
estudos 4,5. dacryoplasty in secondary treatment of congenital
A parte mais difícil da técnica cirúrgica nasolacrimal duct obstruction after failed primary
é a recuperação do tubo na cavidade nasal. probing. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2004 Sep;
20(5):352-7
Por esse motivo consideramos importante, 14. ENGEL JM, HICHIE-SCHMIDT C, KHAMMAR A, OSTFELD
na ausência de um oftalmologista com expe- BM, VYAS A, TICHO BH.: Monocanalicular silastic
riência no manuseamento de sistemas de intubation for the initial correction of congenital
imagem endonasal, a presença de um otor- nasolacrimal duct obstruction. J AAPOS. 2007
Apr;11(2):183-6. Epub 2007 Feb 15
rinolaringologista. A utilização do sistema tipo
15. KAUFMAN LM, GUAY-BHATIA LA.: Monocanalicular
Ritleng em vez da sonda de metal também intubation with Monoka tubes for the treatment of
facilita esta etapa (Fig. 3). congenital nasolacrimal duct obstruction. Ophthal-
mology. 1998 Feb;105(2):336-41
16. YAZICI B, AKARSU C, SALKAYA M.: Silicone intubation
with the Ritleng method in children with congenital
nasolacrimal duct obstruction. J AAPOS. 2006
Aug;10(4):328-32
17. CHEN PL, C HEN CH, H SIAO CH, C HANG CJ.: The
experience with Ritleng intubation system in patients
with congenital nasolacrimal duct obstruction. J Chin
Med Assoc. 2004 Jul;67(7):344-8
18. CIFTÇI F, KARADAYI K.: Pediatric DCR for nasola-
crimal duct obstruction. Ophthalmology. 2002 Sep;
109(9):1587-8
19. RICHARD M. ROBB.: Focal Points. Nasolacrimal Duct
Obtsruction in Children. 2004 Sep 12 (8)
10. LORENZ, BIRGIT; BORRUAT, FRANCOIS-XAVIER. Essen-
tials in Ophthalmology-Pediatric Ophthalmology.
Fig. 3 – Sonda tipo Ritleng. 2008

578 OFTALMOLOGIA
Oftalmologia - Vol. 34: pp. 579 - 584

Pilomatrixoma Palpebral:
– A propósito de um caso clínico
Sara Vaz-Pereira 1, Joaquim Prates Canelas 2, Irina Alves 3, Maria da Conceição Crujo 4,
M. Monteiro-Grillo 5
1 – Interna do Internato Complementar de Oftalmologia do HSM
2 – Assistente Graduado de Oftalmologia do HSM
3 – Interna do Internato Complementar de Anatomia Patológica do HSM
4 – Assistente Graduada de Anatomia Patológica do HSM
5 – Director do Serviço de Oftalmologia do HSM

Clínica Universitária de Oftalmologia – CHLN - Hospital de Santa Maria, EPE. Director: Prof. Doutor M. Monteiro-Grillo

saravazpereira@gmail.com

RESUMO

Introdução e objectivos: O pilomatrixoma, também designado por epitelioma mumi-


ficado de Malherbe, é um tumor benigno raro com origem na matrix do folículo
piloso. Surge habitualmente em indivíduos jovens e apresenta-se como um nódulo
subcutâneo solitário de coloração azul ou avermelhada, de crescimento lento, localizado
habitualmente na pálpebra superior e supra-cílio. Os autores descrevem um caso de
pilomatrixoma palpebral numa doente na quinta década de vida e fazem uma breve revisão
da literatura. Material e Métodos: Descrição retrospectiva de um caso clínico. Caso
clínico: Doente do sexo feminino, 52 anos, sem antecedentes relevantes, que apresentava
uma neoformação no bordo da pálpebra superior esquerda com cerca de 1 mês de
evolução, indolor e de crescimento rápido. Ao exame objectivo identificou-se uma lesão
nodular azul-avermelhada, bem delimitada, com 9 mm de diâmetro na horizontal e 7 mm
na vertical, de consistência firme, indolor, pouco móvel, com ingurgitamento vascular,
localizada na porção média do bordo da pálpebra superior esquerda. A restante observação
oftalmológica foi normal. Clinicamente o nódulo era compatível com quisto epidérmico
ou dermóide, chalázio e hemangioma. Foi realizada uma biópsia excisional e o diagnóstico
histopatológico revelou tratar-se de um pilomatrixoma, observando-se células basofílicas e
células “sombra”. Conclusão: O pilomatrixoma palpebral é um tumor de bom prognóstico
que raramente é correctamente diagnosticado pré-operatoriamente. O tratamento é pela
excisão cirúrgica completa e o diagnóstico definitivo é feito pelo aspecto histopatológico
característico. O facto de ser erradamente diagnosticado como carcinoma basocelular ou
pavimento-celular, pode levar a uma abordagem terapêutica desnecessariamente agressiva.

ABSTRACT
Introduction and Purpose: Pilomatrixoma, also termed benign calcifying epithelioma
of Malherbe, is a rare benign neoplasm that arises from the matrix cells at the base of
the hair follicle. It usually affects young patients and presents as a subcutaneous red to
blue solitary nodule with a slow growth located in the upper eyelid and eyebrow. The

Trabalho enviado como Poster para o 53.º Congresso da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 579


Sara Vaz-Pereira, Joaquim Prates Canelas, Irina Alves, Maria da Conceição Crujo, M. Monteiro-Grillo

authors report a case of eyelid pilomatrixoma in a patient in the fifth decade and review
the relevant literature. Material and Methods: Case report. Case report: A healthy
52 year-old woman presented with a rapidly growing painless lesion in the left upper
eyelid margin with one month evolution. Ophthalmic examination revealed a painless,
firm, well-circumscribed nodular reddish blue tumor, measuring 9 mm horizontal and 7
mm vertically with vascular engorgement, located in the middle of the left upper eyelid
margin. The rest of the ophthalmological exploration was normal. Clinically the lesion
was consistent with dermoid or epidermal cyst, chalazion and hemangioma. The neoplasm
was managed by complete excision and the histopathology established the diagnosis
of pilomatrixoma revealing the characteristic basaloid and shadow cells. Conclusions:
Eye pilomatrixoma is a neoplasm with a good prognosis commonly misdiagnosed
preoperatively. Treatment involves complete surgical excision and the definitive diagnosis
is based on the characteristic histological features. The diagnostic inaccuracy and
confusion with basal or squamous cell carcinoma may lead to an unnecessary aggressive
therapeutic procedure.

Palavras-chave: Pálpebra; Tumor do folículo piloso; Epitelioma mumificado de Malherbe; Pilomatrixoma.

Key words: Eyelid; Hair follicle tumor; Benign calcifying epithelioma of Malherbe; Pilomatrixoma.

Introdução Nalguns estudos verifica-se ainda uma ligeira


preponderância do sexo feminino (3:2) 5,12,16.

I nicialmente descrito em 1880 por Malherbe


e Chenantais 1, o pilomatrixoma, também
designado por epitelioma mumificado de
Usualmente, o pilomatrixoma envolve um nódulo
único, estando descrita uma forma multifocal
em menos de 5% dos casos 2,12,17-18. O apare-
Malherbe, é um tumor cutâneo benigno raro cimento de múltiplas lesões correlaciona-se
com origem na matriz do folículo piloso 1-8. fortemente com doença sistémica, nomeada-
A sua etiologia exacta é ainda desconhecida, mente com distrofia miotónica de Steiner19-21
mas pensa-se que esteja relacionado com podendo existir formas familiares. Menos
mutações na β-catenina e bcl-2 9-11 . Este frequentemente, tem também sido associado
tumor surge habitualmente em indivíduos a Síndrome de Gardner, Síndrome de Turner,
jovens 3,6, estimando-se que 40% surjam na Síndrome de Churg-Strass, Síndrome de
primeira década de vida e 20% na segunda Rubinstein-Taybi, sarcoidose e espinha
década de vida 5,7,12. Julian e Bowers13 des- bífida 19-20,22-25.
creveram um segundo pico de apresentação O pilomatrixoma é um tumor geralmente
em adultos, entre os 50 e os 65 anos. Quanto benigno, apesar de existirem na literatura relatos
à sua localização anatómica, apesar de poder de pilomatrixomas malignos, habitualmente
ocorrer em praticamente qualquer zona, são em homens de meia-idade e raramente na
atingidos com frequência decrescente 12 a pálpebra 18,26-29.
cabeça, membros superiores, pescoço, tronco Clinicamente, manifesta-se como um nódulo
e membros inferiores, tendo Moehlenbeck 12 subcutâneo solitário, bem circunscrito, de colo-
reportado que envolve a cabeça e pescoço em ração azul ou avermelhada, consistência firme
51.8% dos casos. A região peri-orbitária está e crescimento lento 2-6,8, embora estejam des-
afectada em cerca de 17% dos casos 7,12,14. critos casos associados a crescimento rápido
Este tumor tem predisposição para a pálpebra e desconforto ou dor 2,30. De referir que rara-
superior e supra-cílio1-8, representando cerca mente o pilomatrixoma é correctamente dia-
de 1% das lesões palpebrais em crianças 15. gnosticado pré-operatoriamente 4,13,31 ,
580 OFTALMOLOGIA
Pilomatrixoma Palpebral: – A propósito de um caso clínico

sendo a confusão diagnóstica mais frequente 9 mm de diâmetro na horizontal e 7 mm na ver-


com o quisto palpebral (dermóide e epidér- tical, de consistência firme, pouco móvel, com
mico), 6,13,16,31-34 chalázio35, heman- ingurgitamento vascular, localizada no terço
gioma 3,13,30,34 e raramente com granuloma médio do bordo da pálpebra superior esquerda
piogénico 32 , queratoacantoma 36 ou outros (Fig.1). Não se verificou dor, hemorragia ou
tumores malignos como o carcinoma de baso- ulceração da lesão. A restante observação oftal-
celular, pavimento-celular ou rabdomiossar- mológica foi normal. Clinicamente o nódulo
coma 13,16,30,37. era compatível com quisto epidérmico ou der-
Os autores descrevem um caso de piloma- móide, chalázio e hemangioma. Foi realizada
trixoma palpebral numa doente na quinta década uma biópsia excisional, tendo-se excisado o
de vida e fazem uma breve revisão da literatura. tumor a partir de uma incisão cutânea superior
à lesão, e o diagnóstico histopatológico revelou
tratar-se de um pilomatrixoma, observando-se o
aspecto histopatológico típico caracterizado por
Material e Métodos células de dois tipos: basofílicas e “sombra”,
eosinofílicas. As células basofílicas, semelhan-
Caso Clínico tes às do folículo piloso, encontravam-se na
periferia da lesão e apresentavam pouco cito-
Doente do sexo feminino, 52 anos, cauca- plasma e limites celulares pouco definidos.
siana, sem antecedentes pessoais ou familiares Em posição central, nos ninhos celulares, eram
relevantes, que recorreu ao Serviço de Urgência evidentes células “sombra”, eosinofílicas, com
por apresentar uma neoformação no bordo da mais citoplasma e limites celulares bem defi-
pálpebra superior esquerda com cerca de 1 mês nidos. A transição entre os dois tipos celulares
de evolução, indolor e de crescimento rápido. faz-se abruptamente (Fig. 2). Em relação com
De referir que havia recorrido ao mesmo local as células “sombra” observaram-se, no estroma,
cerca de 2 semanas antes, tendo sido feito o células gigantes multinucleadas do tipo de
diagnóstico de chalázio e prescrita terapêutica “corpo estranho” (Fig. 3).
com uma pomada de corticóide e antibiótico. Obteve-se bom resultado estético e funcional
Ao exame objectivo identificou-se uma lesão (Fig. 4) e após 4 meses de follow-up não se
nodular azul-avermelhada, bem delimitada, com verificou recidiva tumoral.

Fig. 2 – O tumor é constituído por ninhos (ponta de seta)


Fig. 1 – Fotografia da lesão tumoral na palpebral superior irregulares de células basofílicas (seta tracejada) e células
esquerda. “sombra” (seta a cheio), eosinofílicas (HE, 200x).

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 581


Sara Vaz-Pereira, Joaquim Prates Canelas, Irina Alves, Maria da Conceição Crujo, M. Monteiro-Grillo

Fig. 3 – Em relação com as células “sombra” (seta a cheio) Fig. 4 – Fotografia da pálpebra superior esquerda uma
observam-se, no estroma, células gigantes multinucleadas semana depois da intervenção cirúrgica, imediatamente
(pontas de seta) do tipo “corpo estranho” (HE, 200x). após remoção dos pontos.

Discussão localização, coloração azul-avermelhada, pouca


mobilidade e consistência firme. Todavia, estes
O pilomatrixoma palpebral é um tumor de tumores são menos frequentes na faixa etária
bom prognóstico que raramente é correctamente desta doente e o crescimento é habitualmente
diagnosticado pré-operatoriamente 31, apesar mais lento. Apesar de este parecer ser um caso
de ter sido descrito inicialmente em 1880 1 e isolado, é importante não esquecer que em
os primeiros casos relatados na literatura data- casos de associação familiar ou pilomatrixomas
rem de há cerca de 50 anos 2. Pode ocorrer múltiplos, deve ser excluída doença sistémica,
em qualquer idade, com maior incidência na como a distrofia miotónica 18,21.
primeira e sexta década de vida 13 e afecta mais O tratamento é pela excisão cirúrgica com
frequentemente a cabeça e pescoço com afini- margem de segurança, uma vez que não se
dade para a pálpebra superior e o supra-cílio 1-8. verifica remissão espontânea, sendo a recidiva
Noguchi et al 38 sugeriram que a distribuição rara após ressecção completa 3,6,18. Neste caso,
do pilomatrixoma se correlacionava com a optou-se por uma excisão simples por via cutâ-
distribuição dos pêlos intermédios. nea, mas também seria lícito submeter a doente
Em adultos, o diagnóstico diferencial deve a uma excisão em bloco.
contemplar várias entidades, nomeadamente o Pensamos que todas as lesões palpebrais
quisto epidémico e dermóide, tumores vascula- excisadas devem ser submetidas a diagnóstico
res e tumores benignos derivados do folículo anátomo-patológico, uma vez que existe grande
piloso, apesar de se estimar que em cerca de variabilidade entre o diagnóstico presuntivo e
65% dos casos o diagnóstico é histológico, sem o definitivo. Segundo o estudo de Julian and
correlação com o aspecto clínico7, 37. Outros Bowers 13, o diagnóstico correcto foi feito pré-
diagnósticos a considerar são o carcinoma -operatoriamente em apenas 21% dos casos.
basocelular e pavimento-celular, o quera- Nalguns casos duvidosos, poderá haver indi-
toacantoma e metástases cutâneas 7. Devido cação para recorrer a ecografia, especialmente
à sua raridade, este diagnóstico não foi con- em crianças, ou biópsia aspirativa com agulha
templado na avaliação inicial da doente, sendo fina 3,7,33,39.
o diagnóstico feito pelo aspecto característico Este caso ilustra que o pilomatrixoma, apesar
no estudo anátomo-patológico. Clinicamente, de raro, deve incluir a lista de diagnóstico
poder-se-ia ter suspeitado de pilomatrixoma pela diferencial dos tumores palpebrais, já que o

582 OFTALMOLOGIA
Pilomatrixoma Palpebral: – A propósito de um caso clínico

facto de ser erradamente diagnosticado como 15. DOXANAS MT, GREEN WT, ARENTSEN JJ, ELSAS FJ.:
carcinoma de basocelular ou pavimento-celular, Lid lesions of childhood: a histopathologic survey at the
Wilmer Institute (1923-1974). J Pediatr Ophthalmol.
pode levar a uma abordagem terapêutica desne- 1976 Jan;13(1):7-39
cessariamente agressiva. 16. MENCÍA GUTIÉRREZ E, GUTIÉRREZ DÍAZ E, RICOY JR,
GÓMEZ LEDESMA I, MONESCILLO J, GARCÍA TORRE JP.:
[Benign hair-follicle derived eyelids tumors in adults].
Arch Soc Esp Oftalmol. 2002 Nov;77(11):605-10
17. URVOY M, LEGALL F, TOULEMONT PJ, CHEVRANT-
-BRETON J.: Pilomatricomes multiples. J Fr Ophtalmol.
Bibliografia 1996;19:464-466
18. MCCULLOCH TA, SINGH S, COTTON DWK.: Pilomatrix
11. MALHERBE A, CHENANTAIS J.: Note sur l’épithéioma carcinoma and multiple pilomatrixomas. Br J Derma-
calcifié des glandes sébacées. Prog Med (Paris). 1880; tol. 1996;134:368-371
8:826-837 19. BARBERIO E, NINO M, DENTE V, DELFINO M.: Guess
12. FORBIS R, HELWIG EB.: Pilomatrixoma (calcifying epi- what! multiple pilomatricomas and Steiner disease.
thelioma). Arch Dermatol. 1961;83:606-617 Eur J Dermatol. 2002;12(3):293-294
13. DUFLO S, NICOLLAS R, ROMAN S, MAGALON G, TRIGLIA 20. GEH JL, MOSS AL.: Multiple pilomatrixomata and
JM.: Pilomatrixoma of the head and neck in chil- myotonic dystrophy: a familial association. Br J Plast
dren: a study of 38 cases and a review of the litera- Surg 1999;52(2):143-5
ture. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1998 Nov; 21. HARPER P.: Calcifying epithelioma of Malherbe: asso-
124(11):1239-42 ciation with myotonic muscular dystrophy. Arch Der-
14. YAP EY, HOHBERGER GG, BARTLEY GB.: Pilomatri- matol 1972;106:41-4
xoma of the eyelids and eyebrows in children and 22. PUJOL RM, CASANOVA JM, EGIDO R, PUJOL J, DE
adolescents. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1999 May; MORAGAS JM.: Multiple familial pilomatricomas:
15(3):185-9 a cutaneous marker for Gardner syndrome? Pediatr
15. MENCÍA-GUTIÉRREZ E, GUTIÉRREZ-DÍAZ E, GARCÍA- Dermatol. 1995;12(4):331-335
SUÁREZ E, RICOY JR.: Eyelid pilomatricomas in young 23. WOOD S, NGUYEN D, HUTTON K, DICKSON W.: Pilo-
adults: a report of 8 cases. Cutis. 2002 Jan;69(1):23-6 matricomas in Turner syndrome. Pediatr Dermatol.
16. SHIELDS JA, SHIELDS CL, EAGLE RC JR, MULVEY L.: 2008;25(4):449-451
Pilomatrixoma of the eyelid. J Pediatr Ophthalmol 24. PIELOP JA, METRY D.: Multiple pilomatricomas in
Strabismus. 1995 Jul-Aug;32(4):260-1 association with spina bifida. Pediatr Dermatol. 2005
17. LEVY J, ILSAR M, DECKEL Y, MALY A, ANTEBY I, PE’ER Mar-Apr;22(2):178-9
J.: Eyelid pilomatrixoma: a description of 16 cases and 25. BAYLE P, BAZEX J, LAMANT L, LAUQUE D, DURIEU C,
a review of the literature. Surv Ophthalmol. 2008 Sep- ALBES B.: Multiple perforating and non perforating
Oct;53(5):526-35 pilomatricomas in a patient with Churg-Strauss syn-
18. NI C, KIMBALL GP, CRAFT JL, WANG WJ, CHONG drome and Rubinstein-Taybi syndrome. J Eur Acad
CS, ALBERT DM.: Calcifying epithelioma: a clinico- Dermatol Venereol. 2004 Sep;18(5):607-10
pathological analysis of 67 cases with ultrastructural 26. MARTELLI G, GIARDINI R.: Pilomatrix carcinoma: a
study of 2 cases. Int Ophthalmol Clin. 1982 Spring; case report and review of the literature. Eur J Surg
22(1):63-86 Oncol. 1994 Dec;20(6):703-4
19. MORENO-BUENO G, GAMALLO C, PÉREZ-GALLEGO L, 27. CAHILL MT, MORIARTY PM, MOONEY DJ, KENNEDY
CONTRERO F, PALACIOS J.: Beta-catenin expression in SM.: Pilomatrix carcinoma of the eyelid. Am J Oph-
pilomatrixomas. Br J Dermatol. 2001;145(4):576-581 thalmol. 1999 Apr;127(4):463-4
10. HASSANEIN A, GLANZ S.: β-catenin expression in 28. BASSAROVA A, NESLAND JM, SEDLOEV T, DANIELSEN
benign and malignant pilomatrix neoplasms. Br J Der- H, CHRISTOVA S.: Pilomatrix carcinoma with lymph
matol 2004;150(3):511-6 node metastases. J Cutan Pathol. 2004;31(4):330-335
11. FARRIER S, MORGAN M.: bcl-2 Expression in piloma- 29. AUTELITANO L, BIGLIOLI F, MIGLIORI G, COLLETTI G.:
tricoma. Am J Dermatopathol. 1997;19(3):254-7 Pilomatrix carcinoma with visceral metastases: case
12. MOEHLENBECK FW: Pilomatrixoma (calcifying epithe- report and review of the literature. J Plast Reconstr
lioma). A statistical study. Arch Dermatol 1973 Oct; Aesthet Surg. 2009 Dec;62(12):e574-7
108(4):532-4 30. MATHEN LC, OLVER JM, CREE IA.: A large rapidly
13. JULIAN CG, BOWERS PW.: A clinical review of 209 growing pilomatrixoma on a lower eyelid. Br J
pilomatricomas. J Am Acad Dermatol. 1998 Aug; 39(2 Ophthalmol. 2000 Oct;84(10):1203-4
Pt 1):191-5 31. KUMARAN N, AZMY A, CARACHI R, RAINE PA,
14. ORLANDO RG, ROGERS GL, BREMER DL.: Pilomatri- MACFARLANE JH, HOWATSON AG.: Pilomatrixoma-
coma in a pediatric hospital. Arch Ophthalmol. 1983 -accuracy of clinical diagnosis. J Pediatr Surg. 2006
Aug;101(8):1209-10 Oct;41(10):1755-8

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 583


Sara Vaz-Pereira, Joaquim Prates Canelas, Irina Alves, Maria da Conceição Crujo, M. Monteiro-Grillo

32. I ZQUIERDO -R ODRÍGUEZ C, M ENCÍA -G UTIÉRREZ E, 36. KANG HY, KANG WH.: Guess what! Perforating pilo-
GUTIÉRREZ-DÍAZ E, SUÁREZ-GAUTHIER A.: [An unusual matricoma resembling keratoacanthoma. Eur J Der-
presentation of a pilomatrixoma in the eyelid]. Arch matol. 2000 Jan-Feb;10(1):63-4
Soc Esp Oftalmol. 2006 Aug;81(8):483-6 37. SIMPSON W, GARNER A, COLLIN JR.: Benign hair-
33. MARBACK EF, CARDOSO C, MOITINHO LM, MARBACK -follicle derived tumours in the differential diagnosis
RL.: Estudo clínico-patológico do pilomatrixoma of basal-cell carcinoma of the eyelids: a clinico-
palpebral: experiência no hospital universitário Prof. -pathological comparison. Br J Ophthalmol. 1989
Edgard Santos. Arq Bras Oftalmol. 2007 May-Jun; May; 73(5):347-53
70(3):501-3 38. NOGUCHI H, YAHASHIBARA T, ONO T.: A statistical
34. HAWKINS DB, CHEN WT.: Pilomatrixoma of the head study of calcifying epithelioma, focusing on the sites
and neck in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. of origin. J Dermatol 1995; 22: 24-27
1985 Mar; 8(3):215-23 39. HWANG JY, LEE SW, LEE SM.: The common ultrasono-
35. KATOWITZ WR, SHIELDS CL, SHIELDS JA, EAGLE RC JR, graphic features of pilomatricoma. J Ultrasound Med.
MULVEY LD.: Pilomatrixoma of the eyelid simulating 2005 Oct;24(10):1397-402
a chalazion. J Pediatr Ophthalmol Strabismus. 2003
Jul-Aug;40(4):247-8

584 OFTALMOLOGIA
Oftalmologia - Vol. 34: pp. 585 - 588

Coroidopatía Central Serosa como


Complicación de La Gestacion
M.ª Jesús González Blanco 1, Ana Campo Gesto 1, Severiano Campos García 2
1 – Licenciado en Medicina y Cirugía. Complejo Hospitalario Universitario de Vigo (CHUVI).
2 – Doctor en Medicina y Cirugía. Complejo Hospitalario Universitario de Vigo (CHUVI).

Complejo Hospitalario Universitario de Vigo (CHUVI), Servicio de Oftalmología. Vigo, Pontevedra. España.

chus.gonbla@gmail.es

RESUMEN

Caso Clínico: Gestante de 37 semanas con déficit visual y metamorfopsia presenta


una coroiditis central serosa que se reabsorbe tras el parto sin necesidad de tratamiento.
Discusión: El embarazo es un estado fisiológico que puede cursar con múltiples
alteraciones visuales. La coroidopatía central serosa constituye una de las patologías
retinianas asociadas a la gestación siendo ésta, junto al uso de corticoides, uno de
los factores de riesgo más conocidos. Las nuevas técnicas como la tomografía de
coherencia óptica limitan el uso de técnicas invasivas en su diagnóstico. Su curso suele ser
autolimitado con la curación tras el parto.

ABSTRACT
Central serous chorioretinopathy and pregnancy
Case Report: Pregnant woman of 37 weeks with low vision and metamorphopsia presents
a central serous chorioretinopathy. It is resolved spontaneously within a few months after
delivery. Discussion: Pregnancy can have important effects on the normal physiology
and pathophysiology of the mother’s eye. The central serous chorioretinopathy is a
retinal pathology associated with pregnancy. Systemic steroid use and pregnancy are the
most important risk factors for central serous chorioretinopathy. The optical coherence
tomography limits the use of invasive techniques in the diagnosis. Its course is usually
self-limiting.

Palabras-claves: Coroiditis central serosa; Gestación; Embarazo.

Key words: Central serous chorioretinopathy; Pregnancy.

Introducción a patologías larvadas o que previamente no


existían así como provocar complicaciones

E l embarazo es un estado fisiológico que


puede agravar enfermedades oculares o
sistémicas subyacentes, como la retinopatía
propias de la gestación 1, 2. También constituye
una situación terapéutica compleja dada la
probable repercusión de la medicación en el
diabética, o hacer susceptible a la mujer feto.
VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 585
M.ª Jesús González Blanco, Ana Campo Gesto, Severiano Campos García

Las manifestaciones oftalmológicas de la


gestación, tanto fisiológicas como patológicas,
son muy variadas pudiendo afectar a cualquier
localización del sistema visual 1, 2.
La coroidopatía central serosa se caracteriza
por una disfunción localizada del epitelio
pigmentario de la retina que favorece el
acúmulo de líquido subretiniano provocando
un desprendimiento neurosensorial que puede
o no afectar a la mácula 3. Múltiples factores
han sido relacionados con el desarrollo de
esta patología, siendo el uso de corticoides
sistémicos y el embarazo los factores que con
mayor potencia se relacionan con el debut de
Fig. 1 – Ritinografía del ojo derecho. Desprendimiento
esta patología 3. El mecanismo fisiopatológico neurosensorial con exudado fibrinoso subretiniano.
es desconocido y en el caso de la gestación
los cambios hormonales y hemodinámicos
asociados a este estado parecen jugar un papel
importante en el desarrollo de la coroidopatía.
Se presenta el caso clínico de una coroiditis
central serosa asociada al embarazo.

Caso clínico
Fig. 2 – Imagen tomográfica del ojo derecho. Espacio
Gestante de 37 años acude a nuestro servicio hiporreflectante a nivel subretiniano con región más
por presentar visión borrosa y metamorfopsia en reflectante y línea supraadyacente hiperreflectante
correspondiente con el área de exudado fibrinoso
el ojo derecho de una semana de evolución. La
paciente es miope y se encuentra en el octavo
mes de gestación. La exploración oftalmológica
pone de manifiesto una agudeza visual de 2/3 Se decide realizar, con consentimiento previo
en el ojo derecho y 1 en el ojo izquierdo. La de la paciente, una angiografía fluoresceínica
presión intraocular, biomicroscopía y reflejos que revela un punto hiperfluorescente desde la
oculares son normales. La rejilla de Amsler fase arteriovenosa que lentamente va tiñendo el
está alterada en el ojo derecho y a nivel fun- desprendimiento subretiniano (Fig. 3).
doscópico, en ese mismo ojo, se observa un En fases muy tardías se observa una gran
acúmulo de líquido subretiniano con compro- área hiperfluorescente secundaria al acúmulo de
miso de la mácula y con un tamaño superior a 3 colorante en el espacio subretiniano (Fig. 4).
diámetros papilares acompañado de exudación Se establece el diagnóstico de coroiditis cen-
blanquecina subretiniana (Fig. 1). tral serosa asociada a la gestación y se decide
La tomografía de coherencia óptica objetiva establecer una actitud expectante. Tras el parto
un desprendimiento de retina neurosensorial se produce la reabsorción progresiva del líquido
con afectación macular así como una región subretiniano y al cuarto mes del diagnóstico se
más reflectante en el espacio subretiniano resuelve por completo el cuadro retiniano (Figs.
con una línea supraadyacente hiperreflectante 5 y 6) con agudeza visual de la 1 y presentando
correspondiente con la zona del exudado fibri- como secuela residual una ligera metamorfopsia
noso (Fig. 2). y micropsia.
586 OFTALMOLOGIA
Coroidopatía Central Serosa como Complicación de La Gestación

Fig. 6 – Imagen tomográfica al alta. Resolución completa


del cuadro.
Fig. 3 – Fase venosa de la angiografía. Área hiperfluore-
cente correspondiente con el punto de fuga.

Discusión
La coroidopatía central serosa constituye
una de las posibles alteraciones oftalmológicas
relacionada con la gestación. Suele presentarse
como una patología unilateral y debutar en
el tercer trimestre del embarazo 1. No asocia
enfermedades oculares previas salvo errores
refractivos ni se relaciona con otras patologías
frecuentes de la gestación como la pre-
-eclampsia o eclampsia. El 90% de los casos de
coroidopatía central serosa asociada al embarazo
Fig. 4 – Fase angiográfica tardía. Gran área hiperfluo-
rescente secundaria al ácumulo de colorante en el espacio presenta el exudado blanquecino subretiniano 4
subretiniano. que se comporta como material hiperreflectante
en la tomografía de coherencia óptica. Este
hecho contrasta con las coroidopatías centrales
serosas en el contexto de otras situaciones
diferentes a la gestación en las que el exudado
subretiniano de fibrina está presenta solo en el
10% de los pacientes siendo la causa de esta
diferencia desconocida.
La fluoresceína sódica es una molécula
hidrosoluble que atraviesa la barrera pla-
centaria y, por ello, la realización de la angio-
grafía fluoresceínica en mujeres gestantes es
controvertida. Desde la década de los 70 es
conocido la no teratogenicidad de la fluores-
ceína en animales de experimentación 5 pero
al tratarse de un estudio invasivo no exento
de complicaciones sistémicas está indicada
Fig. 5 – Aspecto del fondo de ojo 4 meses después del
parto. Reabsorción completa del desprendimiento neuro- exclusivamente cuando el beneficio potencial de
sensorial y desaparición del exudado subretiniano. la prueba es superior al riesgo de utilización y,

VOL. 34, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2010 587


M.ª Jesús González Blanco, Ana Campo Gesto, Severiano Campos García

hoy en día, con el desarrollo de nuevas técnicas


como la tomografía de coherencia óptica limita
su uso en la patología retiniana asociada a la
gestación.
Nuestra paciente presenta un caso típico de
corioditis central serosa asociada al embarazo
en la que la actitud terapéutica expectante fue
la más correcta con resolución del cuadro a los
4 meses del diagnóstico. La realización de la
angiografía fluoresceínica podía haberse evitado
dada la utilidad de la tomografía de coherencia
óptica en el diagnóstico y seguimiento de esta
patología.

Bibliografía
1. SUNNESS JS, SANTOS A.: Pregnancy and the mother’s
eye. En: Duane TP, Jaegger EA. Clinical Ophthalmo-
logy. Philadelphia, Harper & Row, 1997; 5; 32:2
2. S UNNESS JS, H ALLER JA, F INE SL.: Central serous
choroidoretinopathy and pregnancy. Arch Ophthalmol
1993; 111(3):360-364
3. H AIMOVICI R; K OH S; G AGNON DR; L EHRFELD T;
WELLIK S.: Central Serous Chorioretinopathy Case-
Control Study Group. Risk factors for central serous
chorioretinopathy: a case-control study. Ophthalmolog.
2004;111(2):244-9
4. G ASS JDM.: Central serous chorioretinopathy and
white subretinal exudation during pregnancy. Arch
Ophthalmol. 1991; 109: 677-681
5. MCENERNEY JK, WONG WP, PEYMAN GA.: Evaluation
of the teratogenicity of fluorescein sodium. Am J
Ophthalmol. 1977; 84(6):847-50

588 OFTALMOLOGIA
Normas

INDICAÇÕES AOS AUTORES


(revisão de 4/2006)

Oftalmologia, a Revista da Sociedade Os trabalhos devem ser enviados em


Portuguesa de Oftalmologia, publica artigos formato electrónico, por correio electrónico para
de Oftalmologia clínica e básica ou assuntos o endereço do editor, ou em CD. É excluído
directamente relacionados. Conforme foi o envio em papel, em película ou em diskette
oportunamente divulgado (Oftalmologia 2005 (única excepção poderá ser o envio de imagens
Mar-Abr; 29(2): 57-77), a Revista da S.P.O. – fotografias de doentes, de microscopia, etc –
adopta na sua generalidade as normas do quando não seja possível a sua digitalização). Os
International Committee of Medical Journal ficheiros de texto serão enviados de preferência
Editors (Uniform Requirements for Manuscripts em formato universal (.RTF) ou em formato
Submitted to Biomedical Journals: Writing Word (.DOC), com texto seguido e sempre
and Editing for Biomedical Publication). com o mesmo tipo e tamanho de letra. Devem
Como revista da Sociedade Portuguesa de ser dactilografados em Arial, tamanho 11, ou
Oftalmologia, poderá ainda publicar outros outro tipo de letra com tamanho equivalente,
documentos de interesse para a Sociedade, com espaçamento de 1,5 linhas. O formato
nomeadamente notícias ou os resumos do seu das figuras, quadros e gráficos encontra-se
congresso nacional. discriminado abaixo, no ponto 7.
Na organização dos artigos recomenda-se
Antes da sua aceitação os artigos serão a seguinte ordem de apresentação (com as
lidos por um ou mais revisores (referees), indispensáveis adaptações ao tipo de artigo
do corpo redactorial da revista ou externos. – carta ao editor, caso clínico, artigo de revisão,
Dentro do possível, serão tomadas as medidas etc.), constando de páginas separadas:
necessárias para assegurar o anonimato dos
artigos sujeitos a revisão, assim como o anoni- 1. Página do título: Contendo título do
mato dos revisores. artigo, nome(s) do(s) autor(es), serviço(s)
Os artigos serão preferencialmente redigi- hospitalar(es) e departamentos ou organismos
dos em português. Poderão ser publicados arti- onde foi realizada a investigação e/ou onde
gos numa outra língua (Inglês, Espanhol ou trabalham os autores, títulos académicos e/ou
Francês). hospitalares do(s) autor(es). Nesta página
Os artigos e toda a correspondência deverão deve ainda figurar o endereço postal completo
ser enviados para o Editor com a finalidade de para envio de correspondência e o endereço
serem submetidos à apreciação do Conselho electrónico do autor principal. Se o trabalho já tiver
Redactorial. Os trabalhos que não cumpram sido apresentado, indicar onde e em que data.
minimamente as normas de publicação da 2. Resumos: Em português e inglês, com um
revista poderão ser liminarmente devolvidos ao máximo de 250 palavras, incluindo o resumo
autor, para correcção das deficiências com vista inglês a tradução do título. Devem traduzir
a nova apreciação. Sugere-se que, dentro da fielmente o exposto no texto, cobrindo todas as
medida do possível, o título e o texto do artigo suas áreas. São escritos num único parágrafo,
não contenham elementos que identifiquem os com “títulos” a separar as secções (por exemplo:
autores e local de elaboração do trabalho, de Objectivo, Resultados, etc.).
molde a manter o máximo de imparcialidade
pelo(s) revisor(es) do artigo. Uma vez o trabalho 3. Palavras chave: Duas listas de 5 palavras
publicado todo o material enviado (textos, CD, chave, em português e inglês, que indiquem os
fotografias, etc.) será destruído, pelo que não principais assuntos focados no texto para fins de
devem ser enviados originais. codificação no index.

VOL. 31, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2007 589


Normas

4. Texto: Recomenda-se que o texto tenha 6.1. Regras específicas de citação biblio-
as seguintes secções separadas: Introdução, gráfica
Material e Métodos, Resultados e Discussão; Para livro – devem ser indicados sucessiva-
poderá ser necessário fazer adaptação a circuns- mente
tâncias particulares, como por exemplo no caso 1. Nome(s) do(s) autor(es) ou editor(es) ou
de se tratar de um caso clínico. Da Introdução organizador(es) ou instituição respon-
deverão fazer parte a natureza do trabalho, os sável. Se forem menos de 6 autores devem
conhecimentos existentes e a finalidade que se figurar os nomes de todos; se forem 7 ou
pretende atingir. Deve-se evitar extensa revisão mais, indicam-se os 6 primeiros, seguidos
da literatura. Quanto ao Material, será aquele por “et al.”. Para cada autor indica-se
sobre o qual as observações ou os estudos o seu último nome seguido por um espaço
foram realizados; nos Métodos de investigação e as iniciais dos restantes nomes (sem
serão mencionadas de forma sucinta todas as espaço ou pontuação entre elas); os nomes
informações relativas a técnicas usadas, métodos dos autores são separados por vírgula e
estatísticos ou outros necessários e suficientes espaço e após o último há um ponto final
para que as observações possam ser repetidas e espaço. No caso de ser/em editor(es),
e os resultados devidamente apreciados. Nos após o nome do último escrever “edi-
Resultados, quando se justificar, será necessária tor(es)”, em minúsculas e por extenso.
uma análise estatística. A Discussão será (Exemplo - Smith AK, Jones BC, editores.)
baseada directamente na contribuição do(s) 2. Título (e subtítulo se existente) do livro;
autor(es), enquadrando os resultados de acordo só é escrita com maiúscula a primeira
com os trabalhos e investigação anteriormente palavra; termina com ponto final e espaço.
existentes. Hipóteses não justificadas deverão 3. No caso de não se tratar da primeira
evitar-se. Quando for o caso, num último edição, indicar o seu número e abreviar
parágrafo da discussão serão apresentadas as a palavra “edição” para “ed.” seguida por
conclusões. O autor deverá indicar no texto, um espaço.
no local apropriado, em numeração árabe 4. Local de publicação – se a Editora se
e em superscript, as citações bibliográficas
localizar em vários locais indicar só o pri-
que fizer. Quando no mesmo local existirem
meiro; se o local for pouco conhecido
referências múltiplas elas devem ser separadas
acrescentar, após vírgula e espaço, o nome
por vírgulas se os números forem descontínuos,
do país. Termina com dois pontos e espaço.
ou por hífen se forem contínuos. É da exclusiva
5. Editora – deve ser indicado o nome
responsabilidade do(s) autor(es) a verificação da
completo, seguido por ponto e espaço
exactidão das referências bibliográficas e da sua
(exemplo: Williams & Wilkins. )
colocação no texto. Exemplos: «Conforme foi
já esclarecido 3-6,9,13» ou «como querem Pinto e 6. Ano de publicação; no caso de se segui-
Vaz, 1998 2» ou «Shikano et al., 2004 5», quando rem os números das páginas, é seguido
forem mais de dois autores. por um ponto e um espaço.
7. Números das páginas, são precedidos por
5. Agradecimentos: Tanto a pessoas, como “p. ”
a entidades, quando tal for justificado. 8. Se se tratar de uma série, indicar entre
parentesis o nome da série, seguido por
6. Bibliografia: De modo geral segue-se o ponto e vírgula, “vol” e o número do
sistema de Vancouver, com a diferença principal volume [Exemplo - (Annals of the New
de que a lista das referências bibliográficas deve York Academy of Sciences; vol 288) ]
ser alfabetada e subsequentemente numerada.
Se houver mais de uma referência do mesmo Exemplos:
autor serão indicadas em primeiro lugar aquelas
em que o autor aparece isolado e só depois Trelease SF. How to write scientific and
aquelas em que há mais de um autor; em ambos technical papers. Baltimore: Williams &
os casos a ordenação será cronológica. Wilkins. 1966. p. 92
590 OFTALMOLOGIA
Normas

Lodish H, Baltimore D, Berk A, Zipursky SL, Clinical Neurophysiology. 15-19 Out 1995,
Matsudaira P, Darnell J. Molecular cell biology. Kyoto, Japão. Amsterdam: Elsevier. 1996
3.ª ed. New York: Scientific American. 1995 Bengtsson S, Solheim BG. Enforcement
Fauci AS, Braunwald E, Isselbacher KJ, of data protection, privacy and security in
Wilson JD, Martin JB, Kasper DL, et al., medical informatics. In: Lun KC, Degoulet P,
editores. Harrison’s principles of internal Piemme TE, Reinhoff O, editors. MEDINFO
medicine. 14.ª ed. New York: McGraw Hill, 92. Proceedings of the 7.º World Congress on
Health Professions Division. 1998 Medical Informatics. 6-10 Set 1992, Genebra,
Stedman’s medical dictionary. 26.ª ed. Suissa. Amsterdam: North-Holland. 1992. p.
Baltimore: Williams & Wilkins. 1995. Apraxia; 1561-1565
p. 119-120
(No caso de dicionário ou obra de referência Para artigo – devem ser indicados sucessiva-
análoga incluir a referência procurada, neste mente
caso “Apraxia”, entre o ano e as páginas)
1. Nome(s) do(s) autor(es) – de acordo com
Para capítulo de livro – as regras gerais as mesmas regras que para livro. Se o
são as mesmas que para o livro. A ordem das autor for desconhecido, o título passa a
entradas é: nome(s) do(s) autor(s), título do ser o primeiro elemento da referência. No
capítulo, nome dos organizadores do livro caso dos editoriais, se ele for assinado são
precedido de “In:” e seguido de “editor(es)”, as regras usuais; se não estiver assinado,
título do livro, número da edição, cidade, acrescentar “(editorial)” a seguir ao título.
editora, ano e página. 2. Título (e subtítulo se existente) do artigo
na língua original – de acordo com as
Exemplos: mesmas regras que para livro. Quando
a língua original não for comum (por
Porter RJ, Meldrum BS. Antiepileptic exemplo: checo, russo, japonês), no fim
drugs. In: Katzung BG, editor. Basic and cli- da referência bibliográfica acrescentar a
nical pharmacology. 6.ª ed. Norwalk, U.S.A.: tradução do título, entre parentesis.
Appleton and Lange. 1995. p. 361-380 3. Título da revista – abreviado de acordo
Bennett GL, Horuk R. Iodination of com o estilo da Medline e sem “ponto”
chemokines for use in receptor binding analysis. nas abreviaturas. A lista de abreviaturas
In: Horuk R, editor. Chemokine receptors. pode ser consultada em http://www.nlm.
New York: Academic Press. 1997. p. 134-148. nih.gov.
(Methods in enzymology; vol 288) 4. Ano de publicação, seguido por ponto
Kaufman HE. Topical corticosteroids: dose- e vírgula, quando a numeração das
-response relationships. In: Leopold IH (editor). páginas for contínua ao longo do volume.
Symposium on Ocular Therapy, vol. 2. 2.ª ed. Se a numeração for descontínua (por
Saint Louis: C V Mosby Company. 1968. p. exemplo, iniciando-se a partir de 1 em
106-109 cada número da revista) a seguir ao ano
Conferências e congressos – os “Proceedings” pode ser necessário acrescentar o mês
de conferências ou análogos são tratados (abreviatura de 3 letras) e data para
como os livros, acrescentando a informação correcta identificação; deixar um espaço
relativa à conferência a seguir ao seu nome; as entre ano, mês e dia e terminar com ponto
apresentações individuais figuram como no caso e vírgula.
de capítulos de livro. 5. Volume (no caso de numeração descon-
tínua das páginas é seguido pelo número
Exemplos: da revista, entre parentesis); termina com
dois pontos e espaço.
Kimura J, Shibasaki H, editores. Recent 6. Número das páginas – número da primeira
advances in clinical neurophysiology. Proceedings e da última página, por inteiro, separadas
of the 10.ª International Congress of EMG and por hífen.
VOL. 31, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2007 591
Normas

Exemplos: Exemplos:

1 – Numeração das páginas descontínua Morse SS. Factors in the emergence of


– incluir mês, (data) e número da revista infectious disease. Emerg Infect Dis (revista
Russell FD, Coppell AL, Davenport AP. online) 1995 Jan-Mar 1(1): [24 ecrans].
In vitro enzymatic processing of radiolabelled Disponível em: URL:http://www/cdc/gov/
big ET-1 in human kidney as a food ingredient. ncidoc/EID/eid.htm. Acedido em 25 Dez 1999
Biochem Pharmacol 1998 Mar 1; 55(5): 97-101 LaPorte RE, Marler E, Akazawa S, Sauer F.
The death of biomedical journals. BMJ (revista
2 – Numeração das páginas contínua – omitir online). 1995; 310: 1387-1390. Disponível em:
mês, data e número da revista http://www.bmj.com/bmj/archive/6991ed2.htm.
Stark WJ, Opelz G, Newome O, Brown Acedido em 26 Set 1996
R, Yanker R, Terosaki PL. Sensitization to
human lymphocyte by corneal transplantation. Site da Internet – se o autor não estiver
Inv Ophthalmol Vis Sci 1973; 12: 638-649 indicado, o título passa a ser o primeiro
elemento da referência. No caso de falta de
Material multimédia – os pormenores elementos (ex. ano) eles são suprimidos.
necessários são os mesmos que para o livro,
indicando entre parentesis e a seguir ao título e Exemplos:
edição o suporte usado (ex., videocassete).
Hoffman DL. St John’s Wort. 1995; [4 ecrans].
Internet e outras fontes electrónicas – Disponível em: URL:http://www.healthy.net/
inclui software e fontes da Internet como sites library/books/ /hoffman/materiamedica/stjohns.
da web, revistas electrónicas e bases de dados. O htm. Acedido em 16 Jul 1998
número destas fontes de informação tem vindo Health on the net foundation. Health on the
net foundation code of conduct (HONcode) for
a aumentar e as normas para a sua citação ainda
medical and health web sites. Disponível em:
não estão totalmente definidas. Por este motivo
http://www.hon.ch/Conduct.html. Acedido em
seguem-se as recomendações da National
30 Jun 1998
Library of Medicine. No seu aspecto básico as
citações seguem os princípios adoptados acima
CD-ROM
para as fontes de informação impressas. No
caso de fontes sujeitas a alteração ao longo do Livro em CD-ROM – idêntico ao formato
tempo é importante indicar a data de acesso adoptado para o livro impresso, apenas
à informação. Isto é particularmente verdade acrescentando “(livro em CD-ROM)” após o
para sites da Internet que podem desaparecer título.
ou ser modificados, ou CD-ROMS que sejam
actualizados durante o ano. Exemplo:

Revista na Internet – análogo à revista The Oxford english dictionary (livro em CD-
impressa, com as adaptações necessárias à -ROM). 2.ª ed. New York: Oxford University
diferença de meio. Assim, acrescentar a seguir Press. 1992
ao nome da revista “(revista online)”; a seguir
Revista em CD-ROM – idêntico ao formato
ao ano pode ser ou não necessária a indicação
adoptado para a revista impressa, apenas
do mês; situação análoga para o número da
acrescentando “(revista em CD-ROM)” após o
revista, que deve figurar dentro de parentesis
nome da revista.
curvo; segue-se o número das páginas, que
pode ser substituído pelo número de ecrans, Exemplo:
figurando este número dentro de parentesis
recto; no final fica “Disponível em: ” seguido Gershon ES. Antisocial behavior. Arch Gen
pelo endereço electrónico e após ponto final Psychiatry (revista em CD-ROM). 1995; 52:
“Acedido em “ e a data completa do acesso. 900-901
592 OFTALMOLOGIA
Normas

7. Quadros, gráficos e figuras: Os quadros, permitir a identificação do doente, devendo ser


gráficos e figuras seguem numerações sequen- tomadas as medidas adequadas (por exemplo:
ciais (uma para quadros – “quadros” –, outra ocultação do nome e número do processo nos
para gráficos e figuras – “figuras”), pela ordem exames radiográficos, nas retinografias ou
em que cada uma aparece no texto. Em qualquer campos visuais; limitação da área apresentada
dos casos devem ter uma legenda curta; se ou ocultação por barra negra de modo a ocultar
forem necessárias explicações para os quadros, pormenores faciais; etc.). Quando, pela natureza
elas devem figurar em notas e não na legenda. do artigo e elementos clínicos necessários, tal
São enviados em formato electrónico, em não seja possível, deverá ser enviada à redacção
ficheiros separados do texto. da revista autorização para publicação (que
Os quadros podem ser feitos num proces- identifique o tipo de fotografia e o nome do
sador de texto (em formato .RTF ou .DOC) ou artigo e do seu primeiro autor) assinada pelo
numa folha de cálculo (em Excel ou noutro doente ou seu representante legal.
programa, desde que compatível com o Excel).
Os gráficos devem ser feitos em Powerpoint ou 8. Legendas dos quadros e figuras: deverão
em programa compatível; quando resultarem ser concisas e agrupadas numa página separada.
de um programa específico (por exemplo, também figuram nesta página, imediatamente a
programa de estatística SPSS) deverá ser feita seguir à legenda do quadro a que dizem respeito.
a sua conversão para formato Powerpoint ou
serem enviados como ficheiro separado em 9. Abreviaturas e símbolos: Só devem ser
formato .TIF ou .JPG. As figuras devem ser usadas abreviaturas de uso corrente. Se for
enviados no formato .TIF ou .JPG, um ficheiro imprescindível recorrer a abreviaturas menos
para cada imagem, com resolução de 300 dpi usuais, na primeira vez em que o termo aparece
e a maior dimensão não inferior a 10 cm, para no texto ele deve figurar por extenso, logo segui-
permitir qualidade tipográfica suficiente. Poderá do pela abreviatura entre parentesis. Exemplo:
eventualmente ser necessário o envio de repro- A hipertensão arterial (HTA) é um factor de
duções de radiografias, preparações histológicas, risco, tal como a diabetes mellitus (DM) …
fotografias, etc. sob a forma de fotografias em
positivo; neste caso, quando a orientação não for **
evidente, indicar com uma seta o lado superior.
Embora a publicação seja normalmente a preto A publicação de trabalhos extensos tais
e branco, as figuras a cor devem ser enviadas como as teses, monografias, etc. será apreciada
como tal, devendo os autores assegurar-se que a caso a caso; poderá ser necessário fazer reflectir
conversão da cor para preto e branco não leva à no(s) autor(es) parte ou a totalidade do custo.
perda da informação pretendida. Comunicações preliminares ou artigos
A revista assume os custos de publicação breves, de uma ou duas páginas, serão publicados
de um número de imagens a preto e branco quando o(s) autor(es) e o conselho redactorial
adequado ao artigo. A inclusão de figuras a julguem importante a sua rápida publicação.
cor implica custo adicional, que será da Só a título excepcional (por exemplo, infor-
responsabilidade dos autores; neste caso, os mação relevante surgida após a data de envio
autores devem, aquando do envio do artigo, do original) será permitido o acrescento e modi-
referir expressamente que pretendem as imagens ficação do texto original.
a cor para lhes ser enviada a respectiva nota de
Se assim pretender, o primeiro autor receberá
custos no momento da aceitação do artigo.
sem encargos vinte e cinco separatas do seu
No caso de as figuras serem adaptações de
outras já publicadas, deve ser feita referência artigo; neste caso deverá informar o Editor
à fonte original, com a indicação de que se quando se verificar a aceitação definitiva do artigo.
trata de uma adaptação; se se tratar de uma No caso de os autores pretenderem um número
cópia deve ser obtida autorização escrita do de separatas superior ao indicado devem
proprietário do copyright e o documento informar o Editor, aquando da aceitação defi-
enviado à redacção da revista para ser arqui- nitiva do artigo, assumindo o custo adicional
vado. As fotografias ou exames não podem daí resultante.
VOL. 31, OUTUBRO - DEZEMBRO, 2007 593

Potrebbero piacerti anche