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ISSN: 2316-3992

O JORNAL E SUAS REPRESENTAÇÕES: OBJETO OU


FONTE DA HISTÓRIA? 1
Maurilio Dantielly CALONGA 2
Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS

Resumo

Neste trabalho pretende-se discutir a questão do uso dos jornais impressos enquanto fonte para o conheci-
mento do passado. A problemática visa refletir sobre as metodologias adequadas ao tratamento dos periódicos.
O objetivo primeiro é situar as fontes impressas no contexto de renovação historiográfica dos anos de 1970.
Posteriormente, debater acerca das possibilidades usuais da imprensa escrita como objeto e fonte de pesquisas,
e, por fim, analisar o conceito de representações, relacionando-o à leitura dos periódicos.

Palavras-chave: Imprensa Escrita; Fontes Históricas; Representações.

1
Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigran/
Dourados/ MS.
2
Mestrando do Curso de História da FCH-UFGD, email: dantielly@gmail.com

Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 79-87, nov 2012
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Em 1988, a historiadora Maria Helena Capelato afirmou ser a imprensa manancial dos mais férteis para o
conhecimento do passado, pois “possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tem-
pos” (CAPELATO, 1988, p.13). Tal afirmação enquadra-se num contexto de renovação historiográfica, a partir,
sobretudo, das proposições advindas com a chamada Nouvelle Histoire. Os Annales, especialmente a partir de
1970, propuseram à História, por meio da interdisciplinaridade, “novos objetos, problemas e abordagens”3. Am-
pliou-se, com isso, a noção de documento na historiografia, inclusive em relação aos métodos de investigação.
Entretanto, até aquele momento, os historiadores assumiam posturas distintas com relação aos periódicos.
No século XIX a tradição positivista, restrita a descoberta da verdade, impedia a utilização dos im-
pressos na produção historiográfica. Imaginava-se, pois, subjetivo, portanto, falsificador da realidade, o que
distorcia, por assim, as imagens do passado. Restituir os tempos pretéritos implicava ao historiador rigor no dis-
tanciamento do objeto, tanto temporal quanto imparcial, tornando-se, então, tarefa fundamental para se atingir
o conhecimento objetivo e verdadeiro.
O modelo histórico-científico proposto por Leopold Von Ranke, “o qual a função do historiador seria
a de recuperar os eventos, suas interconexões e suas tendências através da documentação e, a partir dela fazer
a narrativa histórica” (ALVES; GUARNIERI, 2007, p.36) não admitia a leitura de outras espécies de documentos
senão das fontes escritas oficiais. Conforme Bloch “a fórmula do velho Ranke é celebre: o historiador propõe
apenas descrever as coisas tais como aconteceram” (2002, p.125), nesse sentido, a mesma se limitaria a docu-
mentos escritos oficiais de eventos essencialmente políticos, sobretudo, documentos militares, eclesiásticos e de
governos.
O historiador, portanto, manter-se-ia neutro diante do objeto, para assim, poder conhecer a verdade
dos fatos. A ideia de que o historiador deveria ter uma visão objetiva dos acontecimentos levou à negação de
determinadas fontes, como a imprensa, que não poderia servir à História por ter uma alta carga de subjetivida-
de na maneira como narrava os acontecimentos. Na verdade, pensava-se “atingir seus fins aplicando técnicas
rigorosas respeitantes ao inventário das fontes, à crítica dos documentos, à organização das tarefas na profissão”
(BOURDÉ; MARTIN, 1993, p.97).
Não obstante, a partir da década de 1930, o uso da imprensa escrita como fonte histórica começou
a ser encarada com outras perspectivas. Erguendo-se contra o paradigma tradicional, os franceses Marc Bloch
e Lucien Febvre, inauguram a revista Les Annales. Sob a influência das Ciências Sociais a corrente inovadora
despreza o acontecimento e insiste na longa duração, deriva a sua atenção para a atividade econômica, a or-
ganização social e a psicologia coletiva (BOURDÉ; MARTIN, 1993). Recusam-se, pois, os objetos tradicionais da
história para dar atenção à vida econômico-social e mental.

3
Publicação da coletânea com esse nome, na França, por Jaques Le Goff e Pierre Nora (1974).

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Através das propostas de análises históricas difundidas pela Écolle des Annales, os estudos históricos
receberam novos ares. Ampliaram-se as pesquisas que passaram a tratar com novos objetos, novos enfoques e
métodos, e com outros documentos capazes de responder as problemáticas surgidas na investigação. A partir
de então, a noção do que se constituía como fonte histórica ampliou-se e o documento deixou de ser apenas o
registro político e administrativo, identificado, pois, em um processo temporal de construção, portanto, histórico.
Enquanto os historiadores metódicos viam nos documentos, e mais, apenas nos documentos oficiais a
possibilidade de investigação histórica científica, à procura de uma certeza objetiva, os Annales, recusando esta
ideia, afirmavam ser o discurso histórico fruto das interferências do historiador, de suas escolhas, de seu olhar. O
historiador, nesse sentido, não estaria mais submisso ao documento.
Por meio de problemas, hipóteses e ampliada documentação a história denominou-se conhecimento
“cientificamente conduzido” ou, simplesmente, ciência em construção. Segundo Febvre “a fórmula cientifica-
mente conduzido implica duas operações, as mesmas que se encontram na base de qualquer trabalho científico
moderno: por problemas e formular hipóteses” (1989, p.32).
Apesar disso, mesmo os primeiros Annales não efetivaram imediatamente as potencialidades da
imprensa enquanto fonte, relegadas, portanto. Isso porque, os estudos deste período fixavam-se, sobretudo, na
época medieval, distantes no tempo, concentrando-se suas análises às temáticas econômicas e sociais.
Somente a partir da chamada terceira geração dos Annales, os caminhos abriram-se efetivamente aos
impressos. Os historiadores pertencentes a esse grupo, incluindo-se Jacques Le Goff, Georges Duby, Emmanuel
Le Roy Ladurie, entre outros, propuseram novas aberturas, problemas e abordagens. Sem negar definitivamente
a análise estrutural da segunda geração, com seu expoente máximo Fernand Braudel, os Annales promoveram
um relacionamento íntimo da História com a Linguística, Psicologia e Antropologia, nesse sentido, incorporaram
um modelo essencialmente interdisciplinar, sobretudo, em relação à metodologia. Portanto, neste contexto, a
história multiplica suas curiosidades. Desloca-se a análise histórica para a descontinuidade, a ruptura, o novo,
fragmenta-se numa especialização extrema. Segundo Le Goff e Pierre Nora:

A novidade parece-nos estar ligada a três processos: novos problemas colocam em cau-
sa a própria história; novas abordagens modificam, enriquecem, subvertem os setores tra-
dicionais da história; novos objetos, enfim, aparecem no campo epistemológico da história.
(LE GOFF; NORA, 1978, apud, DE LUCA, 2010, p.113)

A corrente historiográfica dos Annales na década de 1970 alterou o campo de atuação do historia-
dor, conduzindo-os a novos rumos, a trilhar novos caminhos. A utilização dos impressos resulta justamente dessa
renovação da própria disciplina. Significa, ao menos, que tais mudanças provocaram rupturas epistemológicas
ao conhecimento histórico, constituindo-se, entre outros, uma “revolução documental” (LE GOFF, 2010, p.531).
Indagar a noção de fonte na história tornou-se, assim, passo essencial na vida dos historiadores.
Conhecer e historicizar as fontes permitiu adequações ao método. Tais mudanças decorreram de processos des-

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contínuos, onde a postura acerca do metier foi questionada. De acordo com Ciro Flamarion Cardoso, tal alar-
gamento na concepção de documento trouxe para a produção historiográfica uma ampliação das possibilidades
de investigação, conforme avalia:

Assim, hoje tal crítica tem dimensões jamais sonhadas pelos historiadores de fins do sé-
culo XIX; os textos não são tratados apenas em seus conteúdos ou enunciados, mas também
mediante métodos linguísticos de análise do discurso, da enunciação, com apoio em alguma
teoria das classes e das ideologias sociais. Em outras palavras, procura-se determinar em
que condições sócio-históricas a produção do texto pôde ocorrer. (CARDOSO, 1986, p.54)

A renovação no campo histórico abriu novas possibilidades, entre elas, o retorno da História Política
e a consolidação da História Cultural, o que permitiu incluir antigas e novas temáticas. Em relação ao político,
a abordagem de outrora, ligada ao espectro positivista, invalidou por muito tempo análises profundas sobre o
tema. Já a chamada Nova História Política, longe de restringir suas análises a modelos macropolíticos, biográfi-
cos, ou mesmo, de enaltecimento dos governos, busca, acima de tudo, romper com esta visão, valorizando, pois,
questões que envolvam o poder por outros prismas. Destacam-se aí, os micropoderes, os símbolos políticos, as
propagandas ideológicas, enfim, as relações do imaginário político com o próprio poder, como por exemplo, as
relações e formas de poder que permeiam o jornal.
Neste imenso contexto, a História Cultural também (re)surgiu. Embora o corpo teórico cultural seja
foco de críticas, são inegáveis suas contribuições. Notadamente, a História Política relacionou-se com a cultural.
A noção de cultura, que evocou desde Febvre seu lugar na historiografia, talvez atualmente tenha vencido, ao
menos por hora, a queda de braço contra o determinismo econômico. Destaca-se, neste ínterim, a contribuição
dos próprios marxistas na renovação do campo cultural, em especial E. P. Thompson. A renovação marxista foi,
portanto, outro ponto convergente para o alargamento do campo histórico ligado a cultura.
A renovação das abordagens políticas e culturais redimensionou a importância da imprensa escri-
ta, que passou a ser considerada como fonte documental, na medida em que enuncia discursos e expressões,
como agente histórico que intervém nos processos e episódios. Além disso, problemáticas surgidas em processos
históricos recentes enquadraram-se, igualmente, na esteira atual da História, isto é, os estudos relacionados à
história do tempo presente. Implica-se, por isso, verificar como os meios de comunicação impressos interagem na
complexidade de um determinado contexto. Haja vista, que “o conhecimento que temos da realidade é mediado
pelos fatos divulgados pela imprensa escrita e radiotelevisiva” (DE LUCA; MARTINS, 2006, p.10).
Nesta conjuntura os impressos são validados no campo de análise do historiador. O discurso da
imprensa e sua linguagem não se restringiam apenas a um conjunto de vocabulários, mas antes, seriam capazes
de desvelar o nível básico das relações sociais. Expressam-se, portanto, através dos jornais, as forças políticas
dos grupos que compõe a sociedade, desse modo:

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A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa


fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida
social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero veículo neutro
dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere. (CAPELATO;
PRADO, 1980, p.19)

Nesta perspectiva, os jornais, por meio dos discursos, “produzem estratégias e práticas tendentes a im-
por autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas” (CARVALHO, 2005, p.149), isto porque, “é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder” (LE GOFF, 2010,
p.536). Os jornais procuram atrair o público e conquistar seus corações e mentes. “A meta é sempre conseguir
adeptos para uma causa seja ela empresarial ou política, e os artifícios utilizados para esse fim são múltiplos”
(CAPELATO, 1988, p.15).
Conforme Capelato (1988) a imprensa impôs-se como uma força política. Os governos e os pode-
rosos, por isso, sempre a utilizam e temem; ora adulando, ora vigiando, controlando e punindo. Pois, os impres-
sos têm a função de “‘despertar as consciências’ e ‘modelá-las’ conforme seus valores e interesses, procurando
indicar uma direção ao comportamento político do público leitor” (CAPELATO, 1980, p.23). Mesclam-se, assim,
os interesses políticos e de lucro, uma vez que:

Jornais, revistas, rádios e televisões são empresas e, portanto, também buscam lucros.
De outra parte, negociam um produto muito especial, capaz de formar opiniões, (des)estimu-
lar comportamentos, atitudes e ações políticas. Elas não se limitam a apresentar o que acon-
teceu, mas selecionam, ordenam, estruturam e narram, de uma determinada forma, aquilo
que elegem como fato digno de chagar até o público. (DE LUCA; MARTINS, 2006, p.11)

O trabalho com a imprensa, por tudo isso, constitui-se para o historiador numa das possibilidades
de resgatar a participação de grupos sociais, em contextos específicos. Contudo, faltavam ainda trabalhos
sobre os próprios jornais.
Fundamental, portanto, é o estudo dos periódicos enquanto objeto, transformando-se, ele mesmo, no
foco dos trabalhos. Destacam-se no Brasil a obra “O Bravo Matutino” (1980), estudo de Maria Helena Capelato
e Maria Ligia Prado sobre o jornal “O Estado de São Paulo”. Outra referência são as análises de Tania Regina
de Luca sobre a Revista do Brasil (tese de doutoramento, USP, 1996). Aliás, segundo a autora “não era nova a
preocupação de se escrever a História da imprensa, mas relutava-se em mobilizá-los para a escrita da História
por meio da imprensa” (DE LUCA, 2010, p.111). Dessa maneira, é possível encontrar inúmeros livros que tratam
da trajetória da imprensa e do jornalismo no Brasil. Exemplo disso, Nelson Werneck Sodré, na clássica obra “A
História da Imprensa no Brasil”, de 1966. No entanto, apesar do relativo aumento das pesquisas, o campo ainda
se mostra inexplorado, sobretudo, em relação aos impressos fora do eixo das grandes cidades.

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A significação do passado envolve, por assim, sérias tarefas que embora pareçam lógicas, isto é, partindo-se
de fontes seguras o resultado certamente será confiável, situa, ao invés disso, a história numa rede complexa de
análises. O pesquisador dos jornais, na verdade, “trabalha com o que se tornou notícia, o que por si só abarca
um aspecto de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram à decisão de dar publicidade
a alguma coisa” (DE LUCA, 2010, p.140). Torna-se, então, fundamental ao analisar os jornais, “relacionar tex-
to e contexto: buscar os nexos entre as ideias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e
o conjunto de determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos”
(CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.378). Deve-se ainda considerar que a construção do fato jornalístico interfere
não apenas em elementos subjetivos de quem os produzem, mas também dos interesses aos quais os jornais
estão vinculados (CAPELATO, 1988).
Propomo-nos, portanto, ao analisar o discurso da imprensa, considerar a opinião de Manzière (2007),
quando diz que a análise do discurso não se separa do enunciado nem de sua estrutura linguística, nem de suas
condições de produção, de suas condições históricas e políticas, nem das interações subjetivas, visando permitir
uma interpretação. Entende-se, pois, o discurso como fruto de condições sócio-históricas específicas, nesse sen-
tido, Koselleck afirma:

[...] o mesmo pode ser pressuposto para um texto político, como por exemplo um artigo
de jornal, suas manchetes e editoriais, que se ligam a um dia e fatos específicos, e que, pas-
sados cinco dias, perdem a força que possuíam no momento de sua publicação, posto que o
cotidiano pode superá-los. (KOSELLECK, 1992, p.143)

Para Cardoso e Vainfas, “o pressuposto essencial das metodologias propostas para a análise de tex-
tos em pesquisa histórica é o de que um documento é sempre portador de um discurso que, assim considerado,
não pode ser visto como algo transparente” (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.337). É necessário identificar, de
antemão, o público ao qual o jornal pretende atingir, pois se alteram em função do leitor os aspectos visuais e
de materialidade, incluindo-se maior ou menor número de ilustrações, páginas, textos, seções, formas de lingua-
gem, diagramação, qualidade tipográfica, etc.
Ao analisar o documento impresso, levar-se-á em consideração à análise semântica da linguagem
e o contexto social. Destacam-se as propostas de Laurence Bardin (1997), nas quais, “a unidade de contexto diz
respeito à totalidade, ao contexto histórico, às estruturas sociais e/ou ao universo simbólico no qual se insere(m)
o(s) discurso(s) analisado(s)” (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.383), pois:

[...]os jornais não são, no mais das vezes, obras solitárias, mas empreendimentos que
reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas
em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita. (DE
LUCA, 2005, p.140)

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Segundo Ciro Flamarion e Ronaldo Vainfas, no capítulo intitulado “História e Análise de Textos”, con-
tido na obra Domínios da História (1997), a semântica é a “teoria do conteúdo das significações ou, como agora
passou a preferir-se, estudo das mencionadas significações que seja ao mesmo tempo gerativo (investimentos
sucessivos de sentido em patamares diferentes)” (1997, p.377). Desse modo, Reinhart Koselleck assevera:

A semântica é assim imprescindível para a comunicação linguística e para o uso prag-


mático da língua. É ainda imprescindível para que se possa fazer política, exercer influência
social, fazer revolução, enfim tudo aquilo que se possa imaginar como atos sociais e históri-
cos (KOSELLECK, 1992, p.141).

O acontecimento ou fato singular, uma das opções de unidade de registro propostas por Bardin
(1997), integra o eixo entre a análise do discurso dos periódicos e o momento histórico de sua produção, uma
vez que “a linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do público que o jornal ou revista preten-
de atingir” (LUCA, 2010, p.140). Deve-se, assim, levar em consideração para quem os discursos eram produzi-
dos, já que “tais determinações, que regulam as práticas, dependem das maneiras pelas quais os textos podem
ser lidos diferentemente pelos leitores que não dispõem dos mesmos utensílios intelectuais e que não entretêm
uma mesma relação com o escrito” (CHARTIER, 1991, p.179).
Os impressos são produtos forjados a partir de representações contextualizadas da realidade. O que,
invariavelmente, revelam formas simbólicas de luta pelo poder de representar, afirmando-se, com isso, a memó-
ria de um grupo ou mesmo de partidos políticos. Segundo Capelato, “nos vários tipos de periódicos e até mesmo
em cada um deles encontramos projetos políticos e visões de mundo representativos de vários setores da socieda-
de (CAPELATO, 1988, p.34). Identifica-se, portanto, nos impressos, as “lutas de representações decorrentes do
recuo da violência física; e para a constatação de que o poder depende do crédito concedido à representação”
(CARVALHO, 2005, p.150).
De acordo com Chartier (1990), as representações são entendidas como classificações e divisões
que organizam a apreensão do mundo social como categorias de percepção do real. Parte-se, desse modo, de
um objeto ausente que é substituído por uma imagem material, que por sua vez irá reconstituir uma memória.
Conforme Francismar Carvalho, “as representações são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes
sociais; aspiram à universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam”
(CARVALHO, 2005, p.49). O historiador, dessa maneira, procura estudar os jornais como agente da história e
captar o movimento vivo das ideias e personagens que circulam pelas páginas dos impressos (CAPELATO, 1988).
O campo das representações, portanto, pode incluir as formas de pensar, sentir e agir, transformando-
se em máquina de fabricar respeito e submissão. (CHARTIER, 2002), servindo como “matrizes geradoras de con-
dutas e práticas sociais” (PESAVENTO, 2005, p.40), uma vez que as representações não são discursos neutros.
Torna-se, assim, fundamental, através dos jornais, “identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos,
uma realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p.16).

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Sob a influência do paradigma tradicional a imprensa era vista como subjetiva demais, ao ponto de
ser desprezada. Some-se a isso o fato dos estudos restringirem-se apenas aos episódios políticos. Após 1970, ao
invés disso, a imprensa “passou a ser concebida como espaço de representação do real, ou melhor, de momentos
particulares da realidade. Sua existência é fruto de determinadas práticas sociais de uma época” (CAPELATO,
1988, p.24). A possibilidade de analisar as formas de representação de um dado contexto levou os historiado-
res a voltar-se para este tipo de documento antes praticamente descartado. O jornal, nesse sentido, não é um
transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos e tampouco uma fonte desprezível porque permeada pela
subjetividade (CAPELATO, 1988).
Historiadores de diversos matizes teóricos reconheceram na imprensa escrita novas possibilidades de
análises e resignificações do passado. Contudo, a inserção dos impressos na produção historiográfica brasileira,
especialmente o uso de jornais, revistas, folhetins e edições ilustradas, ainda é recente se comparado a Europa
e Estados Unidos. Somente nos últimos anos, os trabalhos que se valham de jornais e revistas como fonte para
o conhecimento da história do Brasil se consolidaram. Identificam-se, a partir daí, relativo aumento na utilização
dos periódicos como documento e objeto de pesquisas, incluindo-se dissertações de mestrado, teses de douto-
rado, publicações de artigos e/ou livros.
As discussões apresentadas neste artigo não tiveram a pretensão de modular as fontes periódicas em
compartimentos estanques. Na verdade, apenas ilustram as problemáticas no tratamento desta. Revela-se aqui,
como já mencionado, a preocupação central dos historiadores em pontuar questões fundamentais relativas ao
tratamento dos documentos na pesquisa histórica. Referir-se, pois, as problemáticas contemporâneas da história
requer, ao menos, compreender as mudanças ocorridas no campo de ação do historiador. A compreensão do
passado faz-se por meio de fontes, isto significa que o historiador apropria-se de documentos para construção de
narrativas, por isso, tornou-se fundamental situar o contexto onde a história traçou novos caminhos, incluindo-se,
dessa forma, os impressos na historiografia. Portanto, antes mesmo de negar a figura subjetiva do historiador é
necessário desdobrar-se na própria subjetividade dos documentos. Talvez seja esse o maior desafio dos historia-
dores neste momento.

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CALONGA, Maurilio Dantielly 87

REFERÊNCIAS

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