Sei sulla pagina 1di 70

www.icls.com.

br

O que é o pão.
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Transcrição não revisada pelo professor.

Transcrição: Ronaldo Bertoni


Revisão: Danilo Roberto Fernandes
Sumário

Capítulo 1: o tesouro escondido que temos na alma. .................................................. 1

1.1. Alerta preliminar aos novos cruzados. .................................................................. 1

1.2. “O reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo.


Achando-o um homem, escondeu-o de novo, então em sua alegria foi, vendeu tudo o
que tinha e comprou aquele campo” (Mateus 13:44-46). ............................................ 4

1.3. “Pensai que Eu vim para trazer paz à terra? Não, Eu vo-lo asseguro. Ao
contrário, vim trazer separação!” (Lucas 12:51-52). ................................................... 6

1.4. “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens” (João 1:4). ............................ 6

1.5. A concepção equivocada que os brasileiros têm sobre a fé. ................................. 7

Capítulo 2: como fabricar o pão de que precisamos para iniciar a busca do nosso
tesouro. .......................................................................................................................... 10

2.1. Primeiro passo: obter trigo limpo. ...................................................................... 10

2.2. Segundo passo: transformar o trigo obtido em farinha. ..................................... 14

2.3. Terceiro passo: acrescentar água à farinha........................................................ 14

2.4. Quarto passo: bater a massa formada pela água e pela farinha. ....................... 15

2.5. Quinto passo: colocar a massa no forno para assar. .......................................... 17

2.6. O padeiro espiritual e o primeiro estágio da vida cristã. ................................... 21

Capítulo 3: indicações práticas gerais sobre cada etapa de fabricação do pão


espiritual. ....................................................................................................................... 22

3.1. Indicações práticas sobre a participação na liturgia e sobre a necessidade que


temos de estudar a religião. ........................................................................................ 22

3.2. Indicações quanto à prática do jejum.................................................................. 23

3.3. Indicações quanto à prática das orações. ........................................................... 24


3.4. Indicações quanto à prática da esmola. .............................................................. 28

3.5. Por que se deve manter o segredo durante certas etapas do processo de
fabricação do pão espiritual. ...................................................................................... 29

3.6. A compra de pão espiritual por meio da ajuda material dada às pessoas
piedosas. ..................................................................................................................... 30

Capítulo 4: considerações finais sobre cada etapa de fabricação do pão espiritual.


........................................................................................................................................ 32

4.1. O trigo como quintessência ou alimento espiritual em sua forma natural. ........ 32

4.2. A perseverança, a disciplina e o conhecimento da religião como a pedra que mói


o trigo recebido. .......................................................................................................... 33

4.3. O jejum como aquilo que unifica nossos desejos terrenos tal como a água unifica
numa só massa o trigo moído. .................................................................................... 34

4.4. A oração como o ar que expande a nossa alma. ................................................. 35

4.5. A esmola como o fogo que fortalece o nosso caráter. ......................................... 36

4.6. A ajuda material aos piedosos como os juros de um investimento. .................... 37

4.7. O simbolismo dos cinco elementos e o processo de fabricação do pão espiritual.


.................................................................................................................................... 37

Capítulo 5: o vinho. ...................................................................................................... 38

5.1. A diferença entre o pão e o vinho. ....................................................................... 38

5.2. O piedoso e o santo. ............................................................................................. 42

5.3. O estágio avançado e o perfeito da vida cristã. .................................................. 44

5.4. A milícia divina. ................................................................................................... 46

5.5. A intimidade com Deus. ....................................................................................... 49

5.6. A intercessão dos santos. ..................................................................................... 55

5.7. Deus é pai. ........................................................................................................... 56


Capítulo 6: o Inferno. ................................................................................................... 59

6.1. Descrição do estado infernal. .............................................................................. 59

6.2. Por que somos condenados.................................................................................. 62

6.3. Por que somos salvos. .......................................................................................... 64


Capítulo 1: o tesouro escondido que temos na alma.

1.1. Alerta preliminar aos novos cruzados.

Carlos Eduardo: Em primeiro lugar, devemos deixar bem claro que o conteúdo desta
conferência é exclusivamente cristão; não recorremos a nenhum tipo de disciplina e a
nenhum ensino de outra religião. Também precisamos deixar claro que esta conferência
não é promovida oficialmente pela Igreja Católica: ela é promovida por um instituto
interreligioso de São Paulo, juntamente com uma equipe de Paranavaí. Alguns dos
organizadores são católicos e outros são ex-católicos que se tornaram muçulmanos.

Devemos mencionar também um problema ocorrido enquanto organizávamos este ciclo


de palestras: algumas pessoas, inclusive ex-alunos do professor Luiz Gonzaga,
começaram a maldizê-lo, pedindo às pessoas para que não comparecessem. Essas
pessoas fizeram publicações nas redes sociais dizendo que o que seria ministrado não
era compatível com as doutrinas da Igreja Católica, acusaram o professor de satanista e
usaram o nome do bispo Dom Jeremias, o qual supostamente se opusera a este encontro.

Pois bem, conhecemos o bispo já há um tempo e fomos procurá-lo para questionar a


veracidade dessa oposição. Quando questionado, chegou a dar risada, dizendo que
nunca fizera tal proibição, que isso era um absurdo, que estavam usando o seu nome
sem a sua permissão, que não poderia comparecer devido a outros compromissos, mas
que, inclusive, gostaria de um exemplar do livro O Pai Nosso, motivo desta reunião. Em
suma, Dom Jeremias foi muito receptivo conosco.

Ele também nos disse que esse grupo de pessoas é composto de alguns católicos um
tanto rebeldes os quais o estão pressionando a fazer algumas coisas que eles querem.
Contou a nós que, recentemente, foi encurralado dentro da Cúria pelos revoltados, pois
estes queriam a missa de uma determinada maneira, o que era impossível de ser feito
pelo bispo. E o que eles fizeram? O chamaram de herege dentro da Cúria! Então, esse
relato é o suficiente para que se tenha uma idéia de quem são esses insurgentes.

Luiz Gonzaga: Devemos acrescentar mais uma coisa a esse aviso: usar publicamente o
nome do bispo de maneira fraudulenta é pecado mortal, e quem assim o faz deve se
confessar antes de comungar. Isso está no Código de Direito Canônico, não há
discussão. Ora, a lei da Igreja Católica não visa, digamos, a harmonia das sociedades
deste mundo, ela visa a harmonia entre os fiéis e Deus. Se alguém viola essa lei
gravemente, cria-se uma profunda desarmonia entre Deus e essa pessoa, o que dificulta
a sua salvação. Não adianta falar que ama Jesus, que serve à Igreja e que é católico
enquanto se está sistematicamente violando a lei da Igreja.

1
O que o Cristo disse acerca dessas pessoas? Ele disse: “não é todo aquele que vem a
Mim dizendo ‘Senhor, Senhor’ que é meu discípulo. Meus discípulos são os que
cumprem meus mandamentos”. Quer dizer, a lei da Igreja não é senão um sistema de
organização dos mandamentos que visa facilitar a nossa vida. Ela não é nada mais do
que isso.

Segundo a própria doutrina da Igreja, nessa lei existem elementos variáveis e elementos
invariáveis. Existem elementos que são pura e simplesmente de disciplina, e que no
curso do tempo, mudando-se a circunstância concreta, muda-se a lei, como de fato a
Igreja a mudou, tornando-a mais favorável aos fiéis. Porém, a existência de elementos
variáveis não anula a existência dos elementos invariáveis. E usar o nome de um bispo
de maneira fraudulenta é invariavelmente pecado mortal, e não há desculpa que apague
a culpa desse ato. Quem assim procedeu deve se confessar.

Também é claro que, se o nome do bispo foi usado de maneira a sujar sua imagem
pública, a mera confissão não basta. Um padre que cumpre a lei da Igreja Católica
condicionaria o perdão da confissão a certas reparações, como, por exemplo, o pedido
de desculpas ao bispo e o esclarecimento às outras pessoas a respeito de toda a
inveracidade da situação. É assim que funciona a lei da Igreja Católica.

É muito fácil às pessoas dizer: “sou católico”, “sou evangélico”, “sou ortodoxo”, “sou
muçulmano”, “sou judeu”, “sou budista” etc. Hoje em dia podemos até falar que não
somos nem homens nem mulheres, mas outra coisa. No entanto, o que falamos não
altera a realidade das coisas, pois a palavra humana é diferente da palavra divina, uma
vez que esta cria as coisas e aquela não. Deus diz: “Céu, exista!”, e o céu existe, mas se
alguém disser que o bispo falou tal coisa sem ele ter verdadeiramente dito, essa mentira
não altera a realidade do que realmente aconteceu. A palavra humana não é uma
imagem da palavra divina, ela é apenas um vestígio.

O Gênesis nos diz que o ser humano é imagem e semelhança de Deus. O que se quer
dizer com “imagem e semelhança”? Hoje em dia, essas duas palavras podem soar como
uma igualdade, como uma identidade absoluta entre uma e outra coisa, porém de fato
não é assim. Por quê? Porque todas as coisas criadas são semelhanças de Deus; em
todas as coisas existe uma pista, um indício – ou, usando a palavra que São Boaventura
preferia –, um vestígio de como é Deus. Isso é o que se chama “semelhança”. Porém, a
existência de um animal e a existência de uma pedra, por exemplo, não são iguais ao
modo de existência da vida divina, e nem poderiam ser.

Então, a palavra humana é semelhante à palavra divina, mas ela não é uma imagem
desta. O ser humano sim é a imagem da palavra divina, isto é, o ser humano sim é uma
imagem do Verbo de Deus. E aqui podemos nos perguntar: qual o significado da
palavra “imagem”? Qual a diferença entre “semelhança” e “imagem”?

2
Pois bem, imaginemos a seguinte situação: quando pintamos o quadro ou tiramos a foto
de uma pessoa, temos uma representação dela, isto é, temos o que hoje chamamos de
uma “imagem” dela. Em linguagem bíblica, isso não é uma imagem, isso é apenas uma
semelhança da pessoa. Por quê? Pois podemos perguntar à pintura do quadro o que a
pessoa real representada quer almoçar ou o que ela está sentindo, mas não obteremos
nenhuma resposta. A pintura não responderá o que a pessoa real, por ela representada,
quer almoçar, porque a pintura é só uma semelhança. A vida que está na pessoa real não
está presente no quadro.

Porém, imaginemos agora outra situação: nossos pais nos ensinaram algumas coisas
durante a nossa criação, e quando eles nos ensinaram, esses ensinamentos eram vida
dentro deles. O que queremos dizer com isso? Queremos dizer que tais ensinamentos os
quais recebemos eram um modo pelo qual eles sentiam as coisas dentro de si, eram
vida, eram uma maneira de entender, de sentir, de pensar, de amar as coisas e as
pessoas. No momento em que tais ensinamentos nos foram passados, eles se tornaram
uma parte viva nossa, e isso que em nós passou a viver é uma imagem daquilo que vive,
ou viveu, em nossos pais. Quando, ao olharmos uma foto de um ente querido, nos
lembramos de tudo o que partilhamos com ele, essas lembranças são imagens dessa
pessoa, porque elas são imagens de uma vida real que estão vivas em nossa memória.

O que a Bíblia fala do Verbo de Deus? “Nele estava a vida”. Já a palavra humana não
tem essa vida sobrenatural e não é como a palavra divina, ou seja, não é uma imagem da
palavra divina. E alguém poderia nos perguntar: “E a palavra de um santo”? Bem, às
vezes um santo diz para um morto “levanta”, e então o morto se levanta; às vezes diz
para um doente “sê curado”, e então a cura se opera. Nesses casos, tanto os santos
quanto suas palavras são vivificados pela palavra divina, e por isso eles se tornam uma
imagem desta. Isso evidentemente não acontece com a palavra humana comum.
Podemos falar algo e nada acontecer em seguida. Por isso, não devemos cometer esse
engano, não podemos atribuir à palavra humana o poder da palavra divina, porque isso é
um tipo de idolatria.

Disseram algumas mentiras usando o nome do bispo e, nessa situação, dar ouvidos a
uma palavra humana só porque ela soa católica é um erro. Inventaram que o bispo disse
que teria excomunhão. Bem, as palavras usadas nesses casos de fato soavam católicas,
mas o que estavam falando era verdade? O bispo tinha realmente dito isso? Não, não era
verdade. Apesar de tudo, essas não eram palavras católicas, não eram palavras do
Salvador dos homens, mas palavras do inimigo do homem.

Então, devemos ser inquiridores, mas não contestadores. Devemos investigar as coisas.
Se alguém disser que o Catolicismo é assim ou assado, devemos procurar os
documentos da Igreja e os escritos dos santos para compararmos se o que foi dito é
realmente verdade. Não devemos aceitar a palavra proferida por qualquer um, porque o
ser humano pode falar o que bem entender. E essa regra se aplica mesmo ao que está
sendo dito neste momento. As pessoas que comprarem O Pai Nosso não devem se

3
contentar somente com o que está escrito nesse livro, elas também devem conferir o que
dizem Santo Agostinho, São Tomás de Aquino e outros santos sobre essa oração.

Há situações em que aceitamos o que nos foi dito como verdade sem maiores
preocupações. Se esse algo era realmente verdade, então demos sorte. Porém, conhecer
por nós mesmos essa verdade dita é melhor ainda, porque a verdade aceita de maneira
passiva é apenas uma semelhança de conhecimento da verdade. Quando investigamos e
entendemos as coisas por iniciativa própria, essas verdades descobertas se tornam vida
em nós, e a partir desse momento elas nos dão meios de vivificar o próximo. Isso não
acontece com as verdades que aceitamos de maneira, digamos, passiva. As únicas
verdades que devemos aceitar desse modo são as que em si mesmas não podemos
compreender e nem investigar, as quais são as verdades que provêm do próprio Deus,
pois Ele sabe de coisas que não podemos compreender por nós mesmos. Do que os
homens dizem, devemos investigar tudo! Do bispo também? Sim!, porque o bispo tem
que falar dentro da tradição da Igreja. Essa é uma diferença entre Deus e os homens,
pois estes enganam, mentem, e suas palavras não determinam as coisas, enquanto as
palavras de Deus determinam.

1.2. “O reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo.


Achando-o um homem, escondeu-o de novo, então em sua alegria foi, vendeu tudo
o que tinha e comprou aquele campo” (Mateus 13:44-46).

Hoje no Brasil, quando tentamos explicar certas coisas sobre as religiões cristãs, e até
especificamente da religião católica, as pessoas acham estranho, pois elas são
extremamente ignorantes da própria religião. Não falamos isso por maldade, mas já
frequentamos muitas e muitas igrejas, já conversamos com muitos e muitos fiéis, e
constatamos em que ponto a coisa está. As pessoas nunca procuram desenterrar a pérola
que o Cristo diz estar enterrada no campo, porque o desenterrar é algo trabalhoso e
difícil.

Mas alguém pode nos perguntar: “O que é essa pérola de que o Cristo fala e que
devemos desenterrar?”. Na alma de cada ser humano há uma imagem de Deus. Essa
imagem é comparada a uma pérola, a uma coisa preciosa. Por quê? Pois essa pérola é a
capacidade que temos de discernir o verdadeiro do falso, o bem do mal, o belo do feio, o
justo do injusto, etc. Só que essa pérola está enterrada num campo. E o que geralmente
costumamos enterrar? Lixo, esgoto, esterco etc. Ou seja, enterramos as piores coisas que
existem. No entanto, essa pérola é a melhor coisa que temos, e ela está escondida em
meio a todas essas coisas ruins que também estão em nós. Isso significa que esse é um
processo muito trabalhoso. De fato, para acharmos essa pérola, teremos de nos
confrontar com aquilo que é mais inferior em nós.

Quando falamos desse assunto, devemos ter em mente que os Evangelhos e a Bíblia
inteira só tratam de um assunto: a salvação da nossa alma e o que podemos fazer para
agarrá-la a Deus. Então, quando Cristo diz que “havia uma pérola no campo”, Ele não

4
está falando literalmente de pérolas e campos. Ele está falando da imagem de Deus que
há escondida dentro de nós em meio a todas as nossas inclinações pecaminosas.

E o que são exatamente essas inclinações pecaminosas? Suponhamos que um sujeito


nos diga: “O Catolicismo é isso e não aquilo”. Será que é? Como saberemos? Então
nossas desculpas começam: “Isso é muito difícil de saber, e também não tenho tempo
para investigar, pois já trabalho o dia todo para pagar minhas contas etc.”. Esse tipo de
reação, que vem à tona quando nos perguntamos algo da religião, é a sujeira que há em
nosso campo. E sim, teremos de nos confrontar com isso, teremos de desenterrar essas
inclinações enquanto buscamos nossa pérola e não poderemos recuar diante delas, caso
contrário nunca encontraremos nosso tesouro.

Devemos notar que, em todos os tempos, na Igreja, sempre houve muitos santos. Todas
as gerações sempre tiveram seus santos realizando milagres a torto e a direito,
reforçando assim a fé de todo mundo. E por que havia tantos santos antes e agora há tão
poucos? Por que no Brasil quase nunca surge um santo? Temos quinhentos anos de
história, quinhentos anos de Catolicismo, quinhentos anos em que as pessoas estiveram
rezando, indo à missa e, no entanto, não temos quase nenhum santo brasileiro! Não
surgem santos em nosso país! Por quê?

Bem, existe um jeito de ficar santo, e esse jeito é indicado de diversas maneiras na
Escritura e nos escritos dos Santos Padres, os quais desdobram e explicam mais
detalhadamente o que está nos Evangelhos. Cristo nos diz que o Reino dos Céus é
semelhante a um homem que encontrou uma pérola num campo. Depois que a pérola é
encontrada, o homem que a encontrou deve vender tudo o que tem para comprar o
campo em que ela está.

Então, de onde vem a força demonstrada nos atos heróicos e grandes que os santos
praticam? De onde vem a força pela qual eles se entregam a Deus? Essa força surge
justamente dessa pérola. Se não a encontrarmos, o Espírito Santo não descerá de repente
para nos transformar de pessoas comuns a pessoas santas que realizam milagres e mais
milagres. Temos que fazer a nossa parte, que é justamente a de encontrar o tesouro que
Deus nos deu, e não podemos recuar diante desse trabalho.

Se recuarmos diante dessa tarefa, nunca acontecerá de vendermos tudo o que temos para
nos entregarmos a Deus. Mas por que isso não acontecerá? Porque se não temos a
pérola, não sabemos a diferença entre Deus e o Diabo, uma vez que ela é justamente o
nosso instrumento de discernimento. O que a Bíblia fala do Verbo de Deus? Diz que Ele
é uma espada, que é a ruína para muitos e ressurreição para muitos outros. Ora, essa
pérola é uma imagem dessa espada que há dentro de nós. Ela por si não é capaz de
causar ruína e ressurreição, mas é capaz de nos dizer o que é aquilo que causa nossa
ruína e o que é aquilo que nos leva à ressurreição, porque ela é uma imagem de Deus, é
uma parte da vida divina que existe em nós.

5
1.3. “Pensai que Eu vim para trazer paz à terra? Não, Eu vo-lo asseguro. Ao
contrário, vim trazer separação!” (Lucas 12:51-52).

Hoje em dia, a maior parte dos evangélicos, católicos e ortodoxos pensa que Deus veio
ao mundo para deixá-lo bonitinho. No entanto, quando lemos o Evangelho de maneira
mais detalhada e com mais cuidado, vemos que esse nunca foi o propósito de Nosso
Senhor Jesus Cristo, de maneira nenhuma! Nosso Senhor Jesus Cristo não está nem aí
para isso! Na verdade, o que Ele nos diz é o seguinte: “Eu vim trazer um fogo para esse
mundo, e o meu propósito é espalhar esse fogo”. O que isso significa? Que Cristo nos
está dando uma oportunidade, e se seguirmos as suas orientações, acharemos essa pérola
e com ela saberemos a diferença entre o certo e o errado, entre o que nos leva ao Céu e
o que nos afasta Dele, e então poderemos realmente escolher de qual lado ficaremos.

Mas no momento em que fizermos essa escolha, veremos que nossos pais ou nossos
filhos não escolheram o mesmo, e então eles nos dirão: “Dá muito trabalho esse negócio
de desenterrar pérola! Não quero nem saber! Só quero deitar na rede! Já trabalho e já
tenho problemas demais! Se Deus quisesse que eu O buscasse Ele acertava minha vida
antes! Ah, meu Deus, me manda um salário bom primeiro, depois quando tirar minhas
férias procurarei essa tal pérola! Irei procurá-la na Itália, na Grécia e na Califórnia!”.

Então, no momento em que descobrirmos a pérola e escolhermos o lado da ressurreição,


outras pessoas nos olharão e nos dirão que estamos exagerando, que estamos loucos,
que estamos sendo fanáticos etc. E quem são essas pessoas que nos dirão isso? São
nossos pais, irmãos, filhos e amigos. As pessoas que nos dirão isso não serão os nossos
“inimigos”, não serão “os outros” e nem “os da outra igreja”. Serão aqueles da igreja
que frequentamos, as pessoas da nossa comunidade! Eles nos olharão e começarão a nos
atrapalhar em nossa tarefa, e então nos separaremos deles, porque se não nos
separarmos, se não nos afastarmos, a nossa presença será um sinal da condenação deles,
pois o que estaremos fazendo é o que Deus mandou fazer, é o caminho de Deus, é o
caminho que é o próprio Jesus Cristo.

1.4. “Nele estava a vida e a vida era a luz dos homens” (João 1:4).

Por que Jesus Cristo fala que Ele é o caminho? O que significa dizer “Ele é o caminho”?
Significa que o começo do caminho, que o começo da estrada é essa pérola. Esta já é a
imagem de Deus em nós. E quanto à luz de Deus? Podemos ler nos Evangelhos: “Nele
estava a vida, e a vida era a luz dos homens”. Então, Deus tem uma luz, e esta vai desde
essa pérola até Ele mesmo. A pérola de que falamos já é o Cristo, e a luz dela ilumina o
caminho que vai até Ele também. Portanto, esse é o caminho de que Nosso Senhor Jesus
Cristo fala.

Algumas pessoas podem dizer: “Mas eu já sigo os mandamentos!”. Porém, isso não é o
fim do caminho, é só a preparação. O caminho de que Cristo fala é o percurso que vai

6
desde a semente de Deus, a qual Ele pôs dentro de nós, até Ele em Sua plenitude. O
começo desse caminho já é Deus e o fim dele também O é: todo esse percurso é Deus, é
Graça sobre Graça.

Mas para percorrer essa estrada precisamos nos decidir firmemente a encontrar essa
pérola e precisamos fazer o esforço necessário. E é aí que Cristo fala que devemos ser
violentos para ganhar o Reino dos Céus, porque para isso teremos que fazer muita força,
teremos que cavar muito dentro de nós para encontrar o tesouro que Deus nos deu. E se
alguém não estiver sentindo as palavras do Cristo direito, deve fazer a experiência de
pegar uma pá e cavar a terra. Quando essa pessoa fizer isso, verá como esse trabalho é
horrível! E é exatamente isso o que teremos que fazer. É algo terrível, e dentro de nós
acharemos um mundo de sujeira. Se quando escavamos a terra achamos muito entulho,
também quando escavarmos nossa alma encontraremos muitos vícios e defeitos.

1.5. A concepção equivocada que os brasileiros têm sobre a fé.

Pois bem, quando começarmos esse trabalho de escavação, nossa tendência será a de
arrumar desculpas para que o interrompamos. Por exemplo, diremos que essa tarefa não
é necessária, pois já possuímos fé. No entanto, isso não é fé! E o que ela é afinal? Jesus
Cristo disse que temos uma pérola escondida em nós. Ora, não a estamos vendo, mas
quem nos disse que a possuímos foi Deus, então devemos acreditar nEle. Portanto, esse
é o primeiro grau da fé.

Hoje é comum encontrarmos pessoas repetindo o seguinte chavão: “Aceito tudo o que
falam na minha igreja porque tenho fé”. Mas como dissemos, isso não é ter fé, pois essa
pessoa não faz a mais mínima idéia se o padre está ensinando as coisas de maneira
correta ou não. E se ele estiver ensinando o contrário do que o Cristo prega? E se ele
não estiver ensinando as coisas corretamente? É tão inverossímil assim imaginar que
haja padres que ensinam as coisas de maneira completamente errada no Brasil? As
pessoas deveriam começar a frequentar mais igrejas para entender como a situação está
realmente grave. Há uma quantidade muito grande de padres, e mesmo bispos,
ensinando de maneira torta. Por quê? Porque eles também não estão fazendo esse
trabalho de escavação. Atualmente, ninguém se propõe a procurar esse tesouro
escondido. As pessoas ouvem uma bela passagem bíblica, ou então algum comentário
religioso que soa estranho, mas não procuram ativamente inquirir o que essas coisas
realmente significam dentro do Cristianismo.

Poderíamos perguntar às pessoas quantas orações elas fizeram neste ano e quantas
dessas orações foram pedidos ao Senhor para que Ele as ajudassem a encontrar a pérola
de que estamos falando. Mas o que ouviríamos como resposta? Provavelmente o
seguinte: “Mas já estou na igreja certa, então isso quer dizer que já tenho a pérola!”.
Porém, isso é um tremendo equívoco! O que significa dizer “sou católico”? O que as
pessoas querem dizer com isso? Querem dizer que vão a um lugar onde há um altar, um
padre e uma plaquinha oficial com as palavras “Igreja Católica”, que os documentos

7
desse lugar são oficialmente católicos, e que, portanto, como frequentam tal lugar elas
são evidentemente católicas.

No entanto, documentos são escritos por homens. As pessoas por um acaso não assinam
documentos de maneira fraudulenta? Nunca ninguém assinou um contrato sem ter a
intenção de cumpri-lo? Pois bem, as pessoas podem frequentar lugares cujos
documentos são todos católicos, mas os quais lugares em si mesmos não são ambientes
católicos. Mais ainda: as próprias pessoas podem não ser católicas, pois o único
catolicismo delas consiste em frequentar esses tais lugares. Também o mesmo vale para
os Evangelhos: as pessoas dizem que estão seguindo as escrituras, mas o que de fato
estão fazendo? Apenas frequentando um lugar no qual as pessoas dizem estar seguindo
os Evangelhos. Porém, como quase ninguém investiga nada sobre a própria religião,
ninguém de fato sabe quem está ou não seguindo a Bíblia.

O que acontece no nosso país infelizmente é isto: muitos dizem ser evangélicos,
luteranos, presbiterianos e católicos. Mas se perguntássemos: o que é Catolicismo? Se
fizéssemos essa pergunta, em menos de dois minutos o sujeito já diria alguma coisa que
é contrária à lei católica. São necessários apenas cinco minutos de conversa com um
católico brasileiro para que ele diga algo anticatólico. Cinco minutos! Se ele não disser
algo desse tipo, então fará alguma coisa da mesma natureza, como, por exemplo, o
sujeito que mandou essas mensagens falsas usando o nome do bispo. E o pior disso tudo
é que, se alguém lhe perguntar “qual a sua religião?”, ele dirá: “Sou católico! Ca-tó-li-
co!”. No entanto, no momento mesmo em que diz ser católico está cometendo um
pecado mortal! E o que é um pecado mortal? É aquele que, caso não confessado até a
morte da pessoa, acarreta a sua condenação ao Inferno. E se o indivíduo não sabe disso,
bem, então ele não é católico, porque é assim que funciona a Igreja Católica.

E por que essas coisas estão acontecendo hoje? Porque ninguém está fazendo o esforço
necessário para encontrar a pérola; ninguém pede isso a Deus. Todos pensam já fazer
parte do grupo dos salvos. O que as pessoas querem dizer com “sou católico”, “sou
evangélico”, “sou ortodoxo”, “sou budista”, “sou macumbeiro”? Elas querem dizer que
já estão no grupo certo e que já estão no ônibus que leva ao Céu. Elas realmente
acreditam que a salvação das suas almas já está garantida, e que basta não chatear
ninguém para que não as mandem embora dessa condução. E qual a consequência
disso? A consequência é que todos são extremamente respeitosos dentro das próprias
igrejas, respeitosos num nível que chega a ser caricato. Por quê? Pois, achando que já
estão no trem que leva ao Céu, não querem ser chutadas para fora. Porém, e se esse não
for o ônibus que leva ao Céu?

E devemos enfatizar bem o seguinte ponto: não estamos falando para as pessoas
questionarem os dogmas e a doutrina da religião. O que estamos dizendo é que aquilo
que estão chamando de religião é uma mera idéia abstrata que se concretiza em suas
vidas pela mera frequência a um determinado lugar e pela mera convivência respeitosa
com determinadas pessoas. Ora, é óbvio que isso deve ser sim questionado!

8
Se isso não for questionado, qual o perigo a que estaremos sujeitos? Diremos qual é
esse perigo, e isto não é mera opinião, são as próprias palavras de Jesus Cristo: “É largo
o caminho que leva para a perdição”. Quer dizer, é muito fácil que peguemos o ônibus
errado, enquanto pegar o ônibus certo é muito difícil. Só há um ônibus certo e centenas
de errados. Por isso não podemos nos garantir somente pela placa escrita “Céu” que há
nessa condução, pois ela pode ser falsa.

Então, como dito, temos uma pérola, o que nos obriga perante Deus a desenterrá-la. Ela
já está no campo que é a nossa alma. No entanto, geralmente as pessoas perguntam por
que não conseguem fazer as mesmas coisas que os santos fazem. É simples: isso
acontece porque elas não são donas de suas almas, ou seja, elas não compraram suas
almas ainda. Nessa situação em que ainda não somos donos de nossa alma, só teremos a
disposição e a capacidade de procurar e efetivar essa compra. Para que possamos fazer
cem dias de jejum, como alguns acham que podem fazer, ou para que rezemos e os
anjos apareçam para nós, precisamos ter soberania sobre nossa alma, e se não temos
essa soberania é porque ainda não sabemos como governá-la.

Muitos provavelmente já tiveram a experiência de estar sob o comando de um chefe


bom e de estar sob o comando de um chefe ruim. Há chefes que são o motivo da
prosperidade de certas empresas, pois por causa deles as atividades do negócio são bem
executadas e também por causa deles os empregados se desenvolvem e aprendem a
executar melhor suas tarefas. Porém, há chefes que não entendem nada da atividade as
quais devem comandar, e por sua causa os negócios afundam e os bons empregados vão
embora. Acontece conosco e o governo da nossa alma a mesma coisa: somos o chefe
ruim, não sabemos governá-la, não sabemos como ela funciona, não sabemos qual é a
estrutura dela, não sabemos o que há de melhor e de pior lá dentro; não sabemos nada, e
por isso a confiamos às pessoas erradas, e confiamos nos pensamentos e sentimentos
errados. Somos o próprio caos! Nessa situação, é correto dizer que a nossa alma é pior e
mais desorganizada do que o Brasil!

Por quê? Porque não sabemos como ela é. Quando fechamos os olhos, só enxergamos
uma escuridão, não enxergarmos nada e não conhecemos o que está lhe acontecendo. A
única luz que podemos ter é essa pérola, e enquanto não a desencavarmos, não seremos
capazes de governá-la. Muitos querem fazer o bem, mas não aguentam, não conseguem
e se esquecem disso. E a maior parte das pessoas que diz ter religião, não diz e faz tudo
o que é contrário à religião por maldade. Só que elas pegaram o ônibus expresso para o
Inferno, ainda que estejam rezando todos os dias.

É possível pegarmos o ônibus expresso para o Inferno mesmo que rezemos todos os
dias? Claro que sim! Porque nossas orações são neutralizadas por todas as vezes que
deixamos de fazer um esforço para chegar à Verdade. Quando temos que fazer isso,
arranjamos uma desculpa, como, por exemplo, dizer que já temos problemas e trabalho
demais para estudar tais coisas sobre a religião. Essas verdades são algo sobre o que as

9
pessoas nunca investigam, nunca estudam, nunca meditam e nunca refletem.
Praticamente ninguém procura saber o que os Santos Padres diziam, e todos se atêm ao
que o bispo, o padre e o Papa disseram, ditos esses que foram presenciados enquanto
estavam sendo pronunciados. Todos se fiam somente no que foi falado agora, e dizem
que aceitam essas proposições porque têm fé. Mas, na verdade, as aceitam por serem
idiotas, e tanto quem as ouviu quanto quem as falou juntos irão para o Inferno. Por quê?
Porque é largo o caminho para o Inferno!

Então, temos que saber o seguinte: se não encontrarmos essa pérola, iremos para o
Inferno! Isso é para sempre e não tem volta! Só temos uma chance, uma alma, uma
vida. Precisamos investigar até discernirmos esse tesouro. É claro também que, nessa
investigação, erraremos muitas vezes: cavaremos de um lado, e nada acharemos;
cavaremos de outro, e ainda não encontraremos nada. No entanto, temos uma promessa
feita pelo Cristo. Alguns podem perguntar: “E se eu cavar a vida toda e não achar
nada?”. Se isso acontecer é porque eles não cavaram e estão mentindo! Quem foi que
disse “pedi e vos será dados”, “buscai e encontrareis”, “batei e abrir-se-vos-á”? Quem
disse isso? Jesus Cristo. Ele por um acaso mente? Jamais! Se alguém disser que cavou a
vida toda e não encontrou nada, trata-se de um mentiroso! Na hora em que Jesus Cristo
estiver diante de nós, depois de mortos, não teremos nem a coragem de Lhe dizer que
procuramos a pérola e não a encontramos. Mas se ainda assim alguém o disser, Ele
provavelmente dirá: “Você sabe o que Eu disse, certo? Eu não mudarei o que disse para
inventar uma desculpa para você”. Quem, diante dEle, disser que não encontrou a
pérola, será tomado pela vergonha.

Capítulo 2: como fabricar o pão de que precisamos para iniciar a busca do nosso
tesouro.

2.1. Primeiro passo: obter trigo limpo.

Há alguma maneira de sabermos que estamos cavando no lugar certo? Esse lugar será
onde mais encontraremos sujeira? Bem, os santos todos e o próprio Deus sabem que
tudo é difícil para o ser humano, e que este é um ser miserável. Eles fizeram tudo
facilitado, e esse é justamente o significado da tradição da Igreja. As pessoas falam
muito, da boca para fora, que seguem o magistério da Igreja, mas é mentira! Elas nem
sabem o que é esse magistério! Se soubessem o que é e o seguissem, já estariam em paz,
e no entanto estão aí tirando a paciência dos outros e mentindo sobre o que o bispo fala.
Quem efetivamente segue o magistério da Igreja já tem a paz e a alegria do Espírito
Santo.

E o que podemos fazer para facilitar essa busca? Os Santos Padres diziam que na vida
cristã existem três estágios: principiante, avançado e perfeito.1 É comum hoje em dia
falarem que a perfeição é impossível. Isso está correto? Não, isso é mentira! Devemos

1
Nota do revisor: Ler as conferências de São João Cassiano.

10
acreditar em quem diz isso ou devemos acreditar nos Santos Padres? Devemos acreditar
nessas lorotas ou em Santo Antão? Claro, acreditaremos em Santo Antão, pois os que
dizem que a perfeição é impossível são todos malandros, enquanto Santo Antão não era.
Se disserem que nada é perfeito, que a perfeição é impossível neste mundo, saiba: trata-
se de uma mentira! O próprio Cristo disse: “Sede perfeitos como Vosso Pai do Céu é
perfeito”. Então, Ele propositalmente deu esse mandamento impossível de ser cumprido
para todo mundo se ferrar? Devemos pesar as coisas muito bem: quem tem mais
credibilidade? Devemos usar os mesmos critérios que usamos para comprar as coisas:
há um sujeito que é honesto, que faz tal produto bem e que já conhecemos há anos; e há
outro sujeito meio malandro, que tenta nos engambelar com algum produto que
sabemos ser de procedência duvidosa. De quem devemos comprar? A resposta é óbvia.
E se usamos esse critério para adquirir os bens deste mundo, por que não o usamos para
os bens do outro? Porque somos vagabundos, porque queremos ir mesmo é para o
Inferno e não estamos nem aí para a nossa salvação.

Temos então os três estágios: principiante, intermediário e avançado. O que caracteriza


o principiante? Como nos tornamos um principiante em vida cristã? Precisamos de
quatro coisas e de uma intenção, o que totaliza cinco requisitos. Se perseverarmos por
alguns anos tentando preencher esses requisitos, então chegaremos nesse estágio.

E não adianta nos iludirmos achando que em apenas dois meses conseguiremos alcançar
esse objetivo. Há sempre os que dizem ter começado esse trabalho mas que, após dois
meses sem nenhum resultado, pararam. Esses são vagabundos, querem mesmo é ir para
o Inferno! Que empreendimento humano em apenas dois meses produz algum fruto?
Por exemplo: um curso superior leva quatro anos para ser concluído; uma empresa leva
mais ou menos cinco anos para começar a engatar; etc. No entanto, quando se trata da
religião, as pessoas esperam resultados em dois meses, e, na ausência de resultados,
começam a dizer que Deus não está respondendo e que esse não é o caminho. Quem diz
isso é vagabundo mesmo!

Tudo o que tem alguma substância real, tudo o que é de verdade leva no mínimo cinco
anos de esforço. E nesses cinco anos é só esforço, sem nenhum resultado. Quando
alguém começa a estudar Medicina, nos primeiros cinco anos esse sujeito não trata de
nenhum paciente. Nos negócios também: quando alguém abre uma empresa, os
primeiros cinco anos são só esforço e trabalho, sem praticamente nenhum retorno. E
com a religião não é diferente. Mas, mesmo ouvindo todas essas razões, sempre há os
que dizem: “Mas a religião não é bem assim, pois a Graça de Deus...”. Quem diz isso
deve calar a boca! Que graça de Deus!? Quem diz isso deve ir trabalhar! “Ganharás o
teu pão com o suor do teu rosto”. Os únicos que não tiveram de se esforçar para
conseguir alguma coisa foram Adão e Eva, mas essa oportunidade acabou há muito
tempo. Agora precisamos ganhar o pão com o suor do nosso rosto.

Quanto ao pão, que nessa passagem bíblica foi mencionado, podemos dizer que há o
que alimenta o corpo e o que alimenta a alma. E para nos tornarmos principiantes na

11
vida cristã, temos que aprender a fazer o alimento espiritual. Temos que aprender a nos
alimentarmos bem, porque uma boa alimentação nos dará forças para prosseguirmos na
nossa jornada. Graças a Deus a religião é simples, porque se fosse complicada estava
todo mundo ferrado mesmo. E simples do jeito que é as pessoas ainda se enganam. É só
alguém dizer alguma coisa e as pessoas ficam com medo. As pessoas que são assim
provam que não têm força nenhuma. Imaginemos a seguinte situação: um sujeito estava
desempregado e arruma um emprego, e a primeira coisa que o seu chefe fala causa
desgosto e estranheza, e então o antes desempregado passa a não gostar mais do seu
trabalho. Pode uma coisa dessas? Ele que morra de fome então, pois não pode ser assim,
não pode ser fraco.

Qual a primeira coisa que devemos fazer como católicos? Existem leis sobre a liturgia.
Então, a primeira regra é a seguinte: temos que cumprir os mandamentos e participar da
liturgia. Isso é a primeira coisa. E devemos fazer isso todas as semanas, durante o ano
todo? Sim, os mandamentos devem ser cumpridos todos os dias! E mais uma coisa:
falar que o bispo disse algo que ele na realidade não disse é violar os mandamentos.

Muitos se enganam ao pensar que esse primeiro requisito é algo que já fazem. Na
realidade, isso é mentira, pois quase ninguém cumpre essa que é a mais fácil das nossas
tarefas. E por que isso é mentira? Por que as pessoas não cumprem esse mandamento
tão simples? Pois no lugar em que vão, na liturgia que frequentam, o pessoal dança com
as mãozinhas para o alto, sacudindo-as juntamente com o corpo de um lado para o
outro, como uma barata doida. Pois é, segundo o Direito Canônico esse negócio de
dancinha é sacrilégio. E segundo o Direito Canônico também é proibido participar de
sacrilégio. Por isso, se alguém foi a uma missa na qual houve danças desse tipo e
permaneceu até o final, deve sair imediatamente dela e ir direto para o confessionário.
Sim, deve-se confessar o sacrilégio. Essa é a primeira coisa.

No entanto, alguns dirão que os bispos não estão falando nada acerca disso. Se não
estão, é porque os bispos são todos vagabundos também. Devemos sempre lembrar o
lugar onde estamos: o Brasil. Aqui não é a ordem franciscana da geração de São
Francisco. Isso aqui é o Brasil! Mas, mesmo fazendo esse alerta, alguns teimosos ainda
dirão: “Isso que você diz parece meio estranho. Não sei não...” Não sabem? Então,
ótimo! Ainda bem que esses teimosos sabem que não sabem. Por isso, eles devem
procurar essa regra no Código de Direito Canônico. E a esse conselho de buscar a lei da
Igreja, alguns responderão, como sempre: “Isso dá muito trabalho. Onde eu vou
comprar um? Tem na internet?”. Devemos nos virar para buscar essas informações, pois
é a nossa alma que está em jogo. Ninguém, a não ser nós mesmos, pode enfiar a mão
dentro do nosso peito para nos pegar a pérola que procuramos. Essa então é a primeira
coisa: temos que participar da liturgia sem sacrilégios. É proibido participar de
sacrilégio.

Após encontrarmos locais em que a missa é celebrada sem essas danças, devemos nos
atentar para o seguinte ponto: o padre fala coisas contrárias à doutrina da Igreja? A lei

12
da Igreja é uma e no entanto ele fala coisas contrária a ela? Por exemplo: podemos
frequentar missas em que não haja dancinhas, mas o padre diz que pode ser gay e que o
que importa é o amor. Isso também é sacrilégio, e não podemos participar desse tipo de
missa. Se estivermos numa missa e começarem o sacrilégio, temos que sair e procurar
outra até encontrarmos. E mais: temos que ficar procurando o dia inteiro. Se alguém
frequenta a missa no domingo, o seu dever é procurar por uma missa válida o dia
inteiro. Se alguém procurou o dia inteiro e não achou nenhuma, então essa pessoa
cometeu apenas um pecado venial. Essa é a lei, é assim que funciona. Isso dá trabalho?
Claro que sim, mas queremos o Céu, a felicidade eterna, e não queremos ter trabalho ao
menos uma vez por semana? Uma vez por semana é muito pouco!

A partir do momento em que, cumprindo os mandamentos, participamos da liturgia sem


sacrilégio, o que recebemos? Antes de passar diretamente a essa resposta, devemos
notar que a liturgia tem um ciclo anual. O ano litúrgico varia de acordo com o ano, e a
liturgia é uma espécie de agricultura espiritual. Da mesma maneira que a agricultura
varia no ciclo do ano, a liturgia também varia. Na agricultura comum, há o período de
plantar o trigo, há o período de colher o trigo e há o período de recolher o trigo colhido.
E na agricultura espiritual? É a mesma coisa. E, ainda insistindo neste ponto: toda a
agricultura espiritual começa com a participação na liturgia sem sacrilégios! Se alguém
não souber em que consistem os sacrilégios, procure, pois estamos tratando da nossa
religião, e saber disso é a nossa obrigação! Não, não confiem, pois o Cristo não disse
“confie no Luiz Gonzaga e sua salvação estará garantida”. Ele disse o seguinte:
“Procure e encontrarás”. Isso de fato Ele falou. Então, voltando à nossa pergunta: o que
receberemos de uma missa válida? Receberemos, digamos, trigo espiritual, que em
termos técnicos, em linguagem jurídica da Igreja, se chama graça santificante. Na
verdade, não gostamos de usar termos técnicos. Por quê? Porque quando os usamos as
pessoas geralmente não entendem o que queremos dizer.

Outro ponto importantíssimo que devemos ressaltar: podemos receber esse trigo mesmo
participando missas válidas, porém sacrílegas? Nesse caso, o trigo vem misturado com
veneno. De fato, há missas válidas em que recebemos o trigo, porém este vem
misturado com coisas contaminadas. E não adianta fazer farinha com esse trigo
envenenado, por motivos óbvios: comida envenenada mata! O sacrilégio envenena o
trigo que recebemos, pois junto com este recebemos veneno espiritual. Se estivermos
com fome e alguém nos der um pão com veneno, o pão nos matará ou matará nossa
fome? Com a religião as coisas funcionam do mesmo jeito.

E também devemos ser sensatos e prudentes como serpentes. O que é uma pessoa
sensata e prudente como uma serpente? Quando encontrarmos uma missa em que
recebamos trigo limpo, não devemos parar de procurar outras missas limpas. Pelo
contrário, devemos continuar procurando pelo menos mais umas vinte igrejas que
possamos frequentar. Por quê? Pois a qualquer momento uma missa pode começar a ser
realizada com sacrilégios, e se não tivermos mais opções, estaremos em perigo. Não

13
podemos ser preguiçosos. Preguiça é pecado, e podemos ir para o inferno por causa
disso!

2.2. Segundo passo: transformar o trigo obtido em farinha.

Recebemos então um trigo, e desse momento em diante teremos que pegá-lo e moê-lo
para que ele vire farinha. O que significa “moer para virar farinha”? Significa esse
esforço constante e cotidiano que devemos fazer para achar a verdade sobre a religião.
Moer é um trabalho pesado, é uma coisa dura. “Moer o trigo” significa também a
determinação interna da pessoa de praticar a religião até a morte. Não importa o que
aconteça, devemos continuar procurando a verdade sobre a religião e devemos ter a
intenção de praticá-la até o dia da nossa morte. Quando fazemos essas duas coisas,
estamos moendo o trigo espiritual que recebemos e o transformando em farinha. Essa
determinação e esse esforço constante são coisas difíceis, mas moer o trigo e
transformá-lo em farinha é igualmente difícil. Esse é mesmo um trabalho duro e pesado.

2.3. Terceiro passo: acrescentar água à farinha.

A partir desse momento teremos a farinha, que é melhor do que o trigo, pois com ela
podemos fazer pão. Mas como transformamos a farinha em pão? O que devemos
acrescentar nela para isso? Água. Mas o que a água fará? A água reunirá todos os grãos
da farinha em uma só massa. Se repararmos bem, os grãos da farinha deixados ao acaso
acabam por se dispersar e se espalhar pelo ambiente. Outra coisa: comer farinha é
horrível! Pois bem, a água juntará a farinha numa massa só. E o que é essa água que
devemos acrescentar à farinha? Ela é o jejum feito em segredo. Por que em segredo?
Pois o Cristo diz expressamente que, quando formos jejuar, devemos fazê-lo em
segredo, sem que as pessoas saibam. Se assim fizermos, receberemos a recompensa
também em segredo.

Agora, honestamente, aqui temos pessoas que se dizem católicas, pessoas que se dizem
evangélicas e pessoas que se dizem ortodoxas, mas a realidade é que ninguém de fato
tem religião. Quem é que jejua em segredo aqui? Ninguém!

Voltando ao assunto, por que o jejum é a água? Temos um monte de desejos nessa vida:
alguns desejam trabalhar menos, outros desejam uma mulher mais bonita, outros
desejam ser admirados e venerados, outros desejam ganhar dinheiro, outros desejam
mais saúde, outros desejam ser mais jovens, etc. etc. Em todos os dias da nossa vida os
desejos surgem em nossa cabeça espontaneamente, mesmo que não façamos nada para
isso. Que história é essa de ficarem surgindo desejos do nada? Pois é, eles são assim:
eles aparecem e são inumeráveis. Cada um desses desejos é uma linha que sai da sua
alma, te agarra e te prende neste mundo. Os desejos são com um anzol que nos prendem
no mundo terreno.

14
Mas qual o problema disso? Bem, é altamente provável que um dia morreremos. Nesse
momento, todas essas linhas que mencionamos continuarão a nos prender neste mundo,
porque elas estão saindo da nossa alma, e não do nosso pé e do nosso corpo. E eis o
problema: não teremos mãos para pegar o mundo, não teremos pés para andar nele, não
teremos olhos para vê-lo, não teremos boca para saboreá-lo. Então, todos esses desejos
que nos prendem aqui, serão para nós causas de tormento quando morrermos. E para
podermos ser salvos disso, temos que criar dentro de nós um meio pelo qual
resistiremos à pressão que eles oferecerão quando morrermos.

Pois bem, qual é esse meio? É o jejum. Deus, olhando o homem nessa situação,
percebendo que este tem muitos desejos e percebendo a sua dificuldade de se
desprender deles, fez o seguinte: no dia em que jejuamos, todos os nossos desejos
perdem a importância, a não ser o desejo de comer. Isso é um fato que qualquer um
pode comprovar. Durante o dia do jejum, o desejo de comer prevalece sobre todos os
outros. Assim, Deus estabeleceu que, se durante o dia do jejum resistirmos ao desejo de
comer, então esse esforço de resistência contará também para todos os outros desejos
que temos, justamente porque a fome, durante esse dia, acaba canalizando a potência de
todos os outros desejos que temos. Por isso, da mesma forma que a água reúne toda a
farinha numa só massa, também o jejum reúne todos os nossos desejos num só. Durante
o jejum, devemos resistir ao desejo de comer por Deus, pelos Céus, pela nossa salvação.
Quando estamos com fome, por um acaso ficamos pensando no carro do ano? Que
nada! Pensamos na coxinha que vimos no bar e que queremos comer! Quando estamos
com fome, todos os nossos outros desejos se apagam, e, resistindo a esse que é o maior
desejo durante o jejum, Deus corta os laços que temos com este mundo terreno.

Comentamos sobre a necessidade de o jejum ser feito em segredo, porém há uma


exceção a isso: quando se tratar de marido e mulher, um e outro podem saber, porque
eles são uma só carne. Fora esse caso, nem os filhos podem saber, pois essa é a
recomendação dos Santos Padres!

Então, o jejum faz com que todos os desejos sejam unificados em um só: o desejo do
alimento. Ritualmente, diante de Deus, a fome corresponde a todos os desejos. E porque
renunciamos a ele, aos olhos de Deus, é como se renunciássemos a todos os outros.
Deus é generoso, Ele conta apenas uma coisa como muitas, contanto que façamos o
jejum do jeito que Ele ensinou.

2.4. Quarto passo: bater a massa formada pela água e pela farinha.

Após termos misturado a farinha com a água, o que devemos fazer? O pão já está pronto
somente com isso? Já podemos comer a farinha misturada com a água sem fazermos
mais nada? Não, pois devemos amassá-la, devemos batê-la antes de a levarmos para o
forno. Teremos que bater essa massa. E quando a amassamos, o que acontece com ela?
Por que temos que batê-la? Pois enquanto fazemos isso, nela entra ar, e é justamente
esse ar que, ao colocarmos a massa para assar, fará com que o pão cresça.

15
O que é esse ar? O ar representa a disciplina de oração que devemos ter, representa as
orações que são repetidas todos os dias, independentemente de como nos sentimos.
Portanto, devemos rezar o Rosário todos os dias da mesma maneira. Por quê? Quando
rezamos, a palavra humana se transmite por meio da circulação do ar. Então, circulando
esse ar enquanto fazemos uma oração, circula também um ar vindo de Deus até nós. O
que é esse ar? É o Espírito Santo. Quando rezamos, Ele reza em resposta para nós. A
oração dEle é a benção do Espírito Santo, e esse é o ar que entra no pão da nossa obra
espiritual.

Não importa que realizemos a oração sem devoção. O que importa é a nossa constância,
a nossa disciplina, mesmo que não estivermos muito devotos. Não precisamos olhar o
nosso futuro pão espiritual e pensar em como ele é belo, em como ele é bonito, em
como ele é querido para nós, em como nos sentimos felizes enquanto estamos o
fabricando. A única coisa de que precisamos é a nossa força de vontade de
continuamente bater e amassar a massa que será transformada em pão. Devemos ter
essa disciplina de oração, devemos rezar todos os dias sem falhar. Se fizermos isso, o
Espírito de Deus começará a insuflar a nossa obra espiritual. Ter uma religião é ter de
fazer essas coisas. E, fazendo isso, a religião recebe o Espírito de Deus. A palavra
espírito significa ar, e é esse ar que fará com que a nossa massa cresça e fique macia. Se
não fizermos isso, o que acontece? Nosso pão ficará duro como pedra e não poderá ser
comido.

Também quanto às orações o Cristo insiste muito: devemos fazê-las em segredo. Não
adianta ir em grupos de oração, pois tudo o que é feito em grupo, seja cultos, seja
orações, refere-se à colheita de trigo. E, claro, nesses casos, será colheita de trigo limpo
se não houver os sacrilégios, como, por exemplo, o “iê-iê de Jesus”. Essas atividades
feitas em grupo servem para pensar e adorar o Santíssimo, e, quando as realizamos,
estamos colhendo trigo espiritual. No entanto, devemos transformar o trigo em alimento
de fato, e uma das etapas que precisamos percorrer é a da oração feita em segredo, como
o próprio Cristo diz que devemos fazer. Então, devemos entrar no nosso quarto, fechar a
porta, rezar o Pai-Nosso em segredo, para que então Ele nos recompense também em
segredo. O porquê da necessidade do segredo explicaremos mais adiante.

A oração deve ser feita com insistência e firmeza. Mas o que significa “com firmeza”?
Como dissemos, há dias em que estamos cansados e não rezamos com tanta atenção
assim. Há dias em que estamos tristes e não oramos com tanta devoção. Não é
verossímil que alguém reze da seguinte forma: “Meu Deus, obrigado por esse dia em
que só tenho tristezas!”. Se alguém rezasse dessa forma seria um pouco estranho. No
entanto, mesmo nessas situações devemos estar atentos às palavras que falamos. Temos
de ter investigado previamente o sentido delas: quando rezamos, qual o sentido do que
falamos e por que falamos isso para Deus? Devemos estar muito atentos ao significado
das nossas orações. Não adianta repeti-las como papagaios.

16
Isso também entra no trabalho de bater a massa do pão. É muito mais importante isso do
que estarmos com sentimentos maravilhosos na hora em que oramos. Alguns acham
que, ao orar, devem dizer: “Meu Deus, como o Senhor é bom, como o senhor é
maravilhoso!”. Parem com isso, pelo amor de Deus! Ele não se importa com isso, mas
sim com o seguinte: que estejamos atentos e comprometidos com aquilo que estamos
falando, isto é, que estejamos falando seriamente e que estejamos nos comprometendo
perante Ele quanto ao que dissemos.

Esse foi o principal motivo pelo qual escrevemos O Pai-Nosso. As pessoas ficam
repetindo essa oração todos os dias e nunca pensam no que estão dizendo. Já
perguntamos para milhares de cristãos no Brasil o que significa o “santificado seja o
Vosso nome”, o “venha a nós o Vosso reino” etc., e ninguém faz a menor idéia do
sentido real desses pedidos. Isso quer dizer que, no Brasil inteiro, ninguém reza. Por
quê? Porque as pessoas nunca pararam para pensar o que estão pedindo, e esse é
justamente o trabalho de bater a massa do que formará o nosso pão espiritual.
Realmente, não é da nossa natureza termos esse nível de atenção quando oramos, e por
isso temos de nos esforçar para saber o que estamos pedindo e por que estamos pedindo.

Obviamente também que as orações a que nos referimos devem ser as tradicionais, e
não as inventadas em nossa cabeça. Sempre perguntam o seguinte: “Mas e se eu falar o
que eu quero? É mais espontâneo!”. Não, não podemos falar o que quisermos para
Deus, pois Ele não está nem aí para o que queremos. O que Ele quer é que sejamos
salvos, pois, depois disso, quando já estivermos no Céu, aí sim poderemos arrumar
alguma desculpa para reclamar! Quando já estivermos salvos, Ele nos permitirá pedir o
que quisermos. Porém, o fato é que nada nos faltará, e não teremos nada a pedir. Deus
sabe o que queremos melhor do que nós mesmos, e é por isso que Ele já definiu as
orações que devemos fazer. Então, por exemplo, depois de ter terminado o Rosário,
podemos fazer a lista das nossas intenções: “Meu Deus, eu queria isso, queria aquilo,
queria aquilo outro, etc.”. Prestem atenção: as intenções vêm depois, e não antes! Mais
ainda: depois das intenções, devemos fazer mais uma dezena por elas! Mas o Reino dos
Céus e a Sua Justiça devem vir em primeiro lugar, e depois aquilo que pode ser dado
por acréscimo.

2.5. Quinto passo: colocar a massa no forno para assar.

Após feita a oração, o que acontece? Deus envia a Sua Graça em nossa obra espiritual,
Ele envia a presença do Espírito Santo, que amaciará o nosso futuro pão espiritual. E o
que devemos fazer depois disso? Colocar essa massa no forno. O que há dentro de um
forno? Fogo. E o que ele faz? Duas coisas: ele esquenta o ar, que se expande, fazendo
com que a massa do pão cresça; e esquenta a água, fazendo com que uma parte dela vá
embora e a outra também se expanda e cresça. O que é essa água que vai embora?
Lembremos do jejum, que representamos com o símbolo da água: ele reuniu todos os
nossos desejos, as nossas maldades e as nossas sujeiras. Então, o fogo é o elemento que
expulsa todas essas coisas reunidas pela água. E o que o fogo representa? A esmola.

17
Estamos falando aqui de esmola, e não de caridade. O Cristo no Evangelho não usa a
palavra “caridade”, mas sim “esmola”. É comum hoje falarmos em jejum e as pessoas
entenderem “renúncias”. Não! O Cristo não falou “renúncias”, Ele falou “jejum”.
Quando falamos em oração, as pessoas entendem isso como “a leitura dos Evangelhos”.
Mas Jesus não falou de leitura dos Evangelhos, Ele falou de oração. Com a esmola a
mesma confusão acontece, porque quase sempre interpretam isso como caridade, mas
estamos falando de esmola. Es-mo-la!

E a esmola, aquela que os santos praticaram, segundo Jesus Cristo, consiste no seguinte:
abrir a carteira, pegar o dinheiro e dar para o mendigo. Há pessoas que inventam mil e
uma maneiras de dar esmola, mas, bem, é melhor fazer isso do jeito que Jesus Cristo
mandou. Se outros jeitos de praticar a esmola são bons ou maus não sabemos, mas
devemos acreditar no jeito que Ele mandou que a praticássemos. E também existem
inúmeras desculpas para não dar dinheiro para os mendigos, no entanto não temos
nenhuma desculpa no Evangelho para não darmos esmolas. Na Bíblia não encontramos
desculpas para não praticarmos esse ato.

E por que devemos dar esmolas? Explicaremos contando um pouco sobre Beato Jordão
da Saxônia. Ele foi sucessor de São Domingos na ordem dominicana e mestre de Santo
Alberto Magno, que por sua vez foi professor de São Tomás de Aquino. Pois bem,
Beato Jordão da Saxônia era um grande santo. Quando era jovem, quando ainda era um
frade, os outros frades sempre caçoavam dele, porque ele era muito ingênuo. E, de fato,
dizem que ele era mesmo muito ingênuo. E como era a sua ingenuidade? Um dia estava
ele e mais dois frades andando numa estrada quando, de longe, viram o bêbado mais
notório da aldeia. Os dois frades o viram, enquanto o irmão Jordão não, pois estava com
o corpo virado em outra direção. O bêbado até então estava andando alegre e contente
com a vida, mas quando viu os frades se curvou e começou a andar se arrastando, como
se estivesse sofrendo terrivelmente. Os frades perceberam o truque, enquanto o Beato
Jordão não.

Quando o bebum chegou perto, ouvindo os seus falsos gemidos Jordão perguntou:
“Irmão, o que te aflige?”. Os frades que o acompanhavam já estavam dando risada da
situação. Então, o bêbado respondeu: “Sou doente, minha família é pobre, minha
mulher também está doente e ainda me roubaram”. Enfim, típica história de bêbados,
que consiste sempre em uma perseguição cósmica contra um sujeito, a qual perseguição
já dura há umas quatro gerações de sua família. Após a resposta, o Beato Jordão tornou
a perguntar: “Mas o que posso fazer para te ajudar?”. Ao que o bêbado respondeu: “Dá
um dinheirinho”. Então, disse o Beato Jordão: “Dinheiro não tenho, porque na minha
ordem é proibido carregá-lo, mas pega a minha túnica, vá na aldeia e, após vendê-la,
compra o que você precisar”. Enquanto isso, os outros frades não paravam de rir.

Depois disso, não deu outra: o bêbado foi para a taberna da aldeia e trocou a túnica por
vinho na frente dos três! Claro, por isso os dois frades riram ainda mais na cara do

18
Beato Jordão e lhe disseram: “Como você pode ser tão tolo assim? Você não sabia que
ele ia trocar por vinho para beber?”. Ao que Jordão respondeu: “Sim, suspeitei que ele
compraria vinho, mas achei melhor me separar da minha túnica do que me separar da
minha caridade”.

Então, o que tiramos disso? O seguinte: devemos dar esmola para o mendigo que nos
pedir. Evidentemente isso não nos torna pessoas maravilhosas cuja obrigação é tornar a
vida dele um mar de rosas. Longe disso. Damos esmola para não nos separarmos da
nossa caridade. Por que agora diferenciamos a esmola da caridade? Porque o Beato
Jordão fez um ato de esmola e não um ato de caridade. No entanto, ele fez um ato de
esmola para não perder a sua caridade. E para não restar nenhuma dúvida quanto à
natureza da esmola, diremos no que ela consiste mais uma vez. Ela consiste em dar
dinheiro para quem pedir: “Pedi, e vos será dado.”! Então, damos esmola para os
mendigos para que Deus também nos atenda quando pedirmos algo para Ele: “Sede
misericordiosos, como Vosso Pai do céu é misericordioso.”, “bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão a misericórdia”. Os motivos que temos para não
darmos o nosso dinheiro provêm de forças internas em nós que nos separam da nossa
caridade. Se guardarmos o dinheiro e negarmos a esmola, o que vai embora é aquele ar,
aquele espírito que Deus derramou sobre o nosso futuro pão enquanto estávamos
orando.

A esmola é um fogo que nos separa de um bem material para nos manter unidos a um
bem espiritual. Se não usarmos esse fogo para nos separarmos dos bens materiais, estes
é que irão nos separar dos bens espirituais. O propósito da esmola é permanecermos
unidos à nossa caridade. A esmola é o meio para o sujeito ter caridade. Uns dizem
possuir o dom da caridade, mas isso é pura mentira caso não dêem esmolas.

Quando olhamos as pessoas que dizem ter religião, que dizem ser católicas, notamos
algumas coisas. Em primeiro lugar, elas são fracas e reclamam de ir à missa uma vez
por semana. Em segundo lugar, tudo as coloca em crise sobre a sua religião. Alguém faz
uma coisa errada na igreja e elas já se perguntam: “Será que essa é mesmo a verdadeira
religião?”. Elas ouvem qualquer coisa e já começam a ter crises de fé. Mas como é
possível ter crise de fé? Se essas pessoas praticassem mesmo a religião direito, elas não
teriam crise de fé, porque a religião consiste em fazer esse alimento espiritual. Quem
está bem alimentado não é fraco, tem paz, satisfação, contentamento e está preparado
para continuar trabalhando. Quem diz ter crise de fé nem repara quando faz coisas
contrárias à religião. Às vezes a pessoa está tão afundada no erro, pensando ser católica,
que comete um pecado mortal por dia e nem se dá conta disso. É óbvio que um sujeito
desses está fora da religião! Outros só a praticam de um jeitinho agradável, sem nunca
entrar em conflito com ninguém. São todos sebosos com a comunidade, cheios de
respeitos humanos com a sua turminha. E, desse modo, se ele é católico, sua religião
consiste em dizer: “Esses evangélicos não têm Deus!”. Se um sujeito desse tipo for
evangélico, sua religião consistirá em dizer: “Esses católicos papistas não têm Deus!”.
A religião dessas pessoas consiste nisto: ir uma vez por semana num lugar e falar mal

19
dos que são de outra Igreja. Mas não é bem essa a religião que está descrita nos
Evangelhos e na vida dos santos. Todas essas pessoas, como já dissemos, irão para o
Inferno. Não tem discussão! Esse é o caminho do Inferno, o largo caminho da perdição.

Dessas condutas que descrevemos, a menos pior é a crise de fé. Por que as pessoas têm
crise de fé? Porque elas estão tentando praticar a religião, mas estão se esforçando de
maneira errada, o que significa que elas não estão obtendo alimento espiritual suficiente.
Quando as pessoas não comem, ficam fracas, e é justamente aí que começam as crises
de fé. Já os que ficam cheios de pudores quanto à sua comunidade e os que adoram
falar mal das outras Igrejas para se sentirem bem consigo mesmos, bem, esses estão
comendo veneno, que evidentemente também é mortal. O que queremos dizer com
“morrer”, nesse contexto, é que essas pessoas irão para o Inferno. É isso que significa
morrer espiritualmente. Devemos nos analisar cuidadosamente para ver o quanto de
nossa vida se encaixa nisso que acabamos de dizer, pois essas são coisas que
efetivamente podem nos levar ao Inferno.

Os que não estão fazendo todas essas coisas e, pelo contrário, estão procurando e
recebendo trigo limpo, não estão violando os mandamentos e nem estão em pecado
mortal, estão transformando o trigo recebido em farinha e adicionando água a ela, estão
batendo a massa e depois a assando no forno, bem, esses estão conseguindo seu pão
espiritual. E a partir do momento em que esse pão é comido, essas pessoas se tornam
fortes, ficam em paz e satisfeitas, e estão efetivamente dentro da religião.

Agora, quando as pessoas aprendem realmente a fazer o pão espiritual e o estão fazendo
consistentemente durante uns cinco anos, o que acontece? Quais são as características
dessas pessoas? Como podemos as reconhecer? Em primeiro lugar, uma pessoa dessas
tem paz e segurança em sua própria religião. Em segundo lugar, todas as pessoas do seu
lar se convertem também. Se um pai diz ter religião mas os seus filhos também não a
estão praticando, então ele está fora da religião! É simples! Porque se temos um bom
alimento espiritual, as pessoas que estão perto de nós acabam provando desse alimento,
e quem o prova, quando experimenta o alimento ruim, percebe claramente a diferença
entre um e outro.

Se nossos irmãos, nossos filhos e nossas esposas e esposos não têm religião, enquanto
nós dizemos tê-la, então a verdade é que não temos religião! Nesse caso, estamos
oferecendo a eles pão com cuspe, um pão com veneno, pão com terra, pão com lodo etc.
E isso se estivermos realmente dando algum tipo de pão! Se esse for caso, estaremos
dando sujeira para eles comerem e chamando isso de religião. E o que acontece quando
damos esse pão de baixa qualidade? É evidente. Eles experimentam e dizem: “Há outras
sujeiras que me agradam mais. Sujeira por sujeira, fico com as minhas”.

Outro porém que devemos fazer: crianças não contam como medida de aferição disso,
pois elas fazem tudo o que os pais mandam. Dos quinze, dezesseis, dezessete anos em
diante, se o filho ainda estiver piedoso é porque os pais estão efetivamente obtendo pão

20
espiritual e lhes oferecendo. Adolescentes assim cresceram se alimentando com o que
há de melhor. É óbvio também que, durante uma fase da adolescência, eles irão
experimentar coisas diferentes por curiosidade, mas, vendo a diferença de qualidade
entre o alimento que recebem dos pais e o alimento que recebem do mundo, farão
certamente a escolha pelo que é bom. Se o adolescente quis o alimento ruim é porque o
alimento que oferecemos também é ruim! Claro, se alguém tiver uma dúzia de filhos,
pode haver um que seja o filho da perdição. Pode mesmo acontecer que um dos filhos
sempre tenha comido coisa boa, mas depois tenha escolhido o alimento ruim. Porém,
essa não é a norma. De modo geral, se os filhos, depois de adultos, não têm religião, é
porque seus pais também não têm.

2.6. O padeiro espiritual e o primeiro estágio da vida cristã.

Pois bem, vamos supor que já estamos fazendo pães excelentes há anos. O que podemos
dizer que somos? Padeiros! Quando formos capazes de fazer isso, seremos verdadeiros
padeiros espirituais e teremos atingindo o estágio de principiante na vida cristã. Isso é o
que os Santos Padres chamavam de principiante em vida cristã. As pessoas que não
eram principiantes na vida cristã iam aos Santos Padres, mas eles nem as atendiam.
Imaginemos um sujeito desses indo conversar com Santo Antão. Ele bateria a porta na
cara da pessoa! A maior parte dos santos só atende de padeiros para cima. Essa é a
regra. Alguns poderiam perguntar: “Mas e aqueles santos que saíam e pregavam para
todo mundo?”. Bem, naquele tempo a maior parte das pessoas fazia pão e não comia
veneno como hoje.

Então, a religião é clara. Não diremos que ela é fácil, porque nada nessa vida é. Se
precisássemos trabalhar apenas um dia em nossa existência, então isso seria fácil.
Porém, temos que trabalhar a vida toda, o que não é fácil. No entanto, se estivermos
bem alimentados e bem nutridos, tudo fica mais fácil. Há uma grande diferença entre o
sujeito que não está se alimentando bem e o sujeito que está se alimentando bem. Se
estamos famintos, tudo o que é difícil fica impossível e o que é fácil fica difícil. Mas se
estamos bem alimentados, o que é difícil fica fácil e o que é impossível fica apenas
difícil.

Outro ponto que devemos nos lembrar: ao começarmos a colocar o que foi dito em
prática, nunca devemos esquecer a situação do Brasil: as pessoas dizem ser católicas ou
evangélicas mas nem mesmo investigam o que é trigo limpo. Nem mesmo o primeiro
passo do primeiro estágio da vida cristã as pessoas dão. Quando efetivamente nos
tornamos principiantes nisso, chegamos ao átrio, ao quintal da religião. E esse quintal é
alcançado quando colocamos em prática todos esses passos que acabamos de descrever.

Não seremos salvos somente por frequentar missas em que obtemos trigo limpo. Não!
Deus dirá: “Te dei trigo limpo, mas você não fez nada com ele”. O que Ele disse sobre a
pessoa a qual foi dada um talento o qual não foi por ela trabalhada? Seremos salvos por
que aceitamos uma coisa que nos foi dada gratuitamente? Foi-nos dado alimento de

21
graça e por causa disso temos que ganhar uma medalha também? Não. Devemos
começar a trabalhar o trigo, moê-lo para transformá-lo em farinha, juntar a água, bater a
massa e assá-la. Lembremos: o trabalhador é digno de seu salário.

Capítulo 3: indicações práticas gerais sobre cada etapa de fabricação do pão


espiritual.

3.1. Indicações práticas sobre a participação na liturgia e sobre a necessidade que


temos de estudar a religião.

No início desta conversa, comentamos um pouco sobre o perigo de participarmos de um


sacrilégio. Qual é um dos sacrilégios mais comuns? Músicas que induzam ao
movimento corporal. Segundo o Direito Canônico, toda música que induz ao
movimento corporal, durante a liturgia, é sacrílega. Por isso, durante a liturgia esse tipo
de música é proibido. Fora da liturgia não há problema algum quanto a reuniões em que
haja danças, desde que não seja nada evidentemente imoral.

Alguém quanto a isso poderia objetar: “Mas os tempos mudaram!”. É claro que os
tempos mudam, mas a última proclamação da Sagrada Congregação para a Liturgia,
confirmando essa regra, foi em 1985, então ela continua válida. Por isso, se alguém vir
uma bateria na missa, saia correndo na hora! Acabou! Fim! Os outros que pratiquem o
seu sacrilégio sozinhos.2

E por que esse tipo de música é proibido? Porque durante a liturgia há alguém sendo
sacrificado. É evidente que não podemos dançar diante do sacrifício de Deus. É um
sacrifício! A Missa é um sacrifício! Não há nada que proíba qualquer tipo de dança
religiosa e espiritual. Alguns tradicionalistas sempre perguntam: “Pode dançar na
reunião carismática?”. É claro que pode. O que é proibido é dançar durante a celebração
da missa.

Quando constatamos esse que deveria ser um fato evidente para todos, é comum que
nos perguntem: “Por que a Igreja permite isso até hoje?”. No entanto, a Igreja não
permite isso! A Igreja, aquela dos Concílios, não permite, ela proíbe! Mas é o seguinte:
todo mundo com chapeuzinho de bispo é da Igreja? Isso é Deus quem vai julgar, mas se
alguém vir um bispo permitindo isso, deve saber que ele está permitindo o que a Igreja
proíbe e proibindo o que a Igreja permite.

2
Nota do revisor: verificar o documento “Tra le Solicitude – Sobre a Música Sacra”, elaborada pelo Papa
Pio X e validado por João Paulo II. Nele se encontra a proibição do uso de qualquer tipo de instrumento
que não o órgão nas liturgias, a não ser em casos particulares em que haja expressa autorização do bispo,
autorização essa que deve ser dada todas as vezes que se pretender o uso de tais instrumentos. Também
trata do tema a carta encíclica “Musicae Sacrae Disciplina – Sobre a Música Sacra”, elaborada pelo Papa
Pio XII.

22
Pelo que podemos ler sobre o que os santos disseram, esses bispos e padres serão
julgados por Deus como malditos. Não interessa que o sujeito tenha um chapeuzinho de
bispo e diga que a Igreja permite essas coisas, pois isso é mentira.

Se alguém duvidar disso, que leia os documentos da Igreja. Hoje em dia isso é muito
fácil de descobrir. Antigamente, as pessoas precisavam ir a bibliotecas para ler essas
coisas, e só as achavam escritas em latim. Mas hoje é só pesquisar no Google ou no site
do Vaticano que todos esses documentos estarão traduzidos em várias línguas. A coisa
mais fácil do mundo é verificar o que é permitido e o que não é, o que a Igreja permite e
o que ela não permite.

Como dissemos antes, é fácil alguém dizer: “A Igreja permite”. Falar é fácil, qualquer
um pode falar o que quiser. E há muitos padres e bispos que nos dirão que a Igreja
permite o que na realidade ela proíbe. Se formos negligentes nesses casos, iremos nós,
os padres e os bispos para o Inferno! Deus não irá invalidar a Sua lei porque certas
pessoas foram tontas e acreditaram cegamente nos padres e bispos mal-intencionados. O
que Ele dirá aos tontos? “O azar é seu. Quem mandou ser tonto? Eu te avisei para você
não ser tonto! Eu falei para você ser prudente como a serpente. O que você não
entendeu do que Eu disse?”.

Deus inventou uma regra fácil e simples. Não estamos mais na Idade Média, tempo em
que quase todas as pessoas eram analfabetas e não sabiam ler, tempo em que quase não
havia livros e os que existiam estavam em latim. Hoje basta que procuremos um pouco
na internet para que saibamos o que é a Sua lei.

Então, se alguém presenciar um sacrilégio na missa, deve abandoná-la no ato e sair para
procurar outra. E se passar o dia todo procurando pela cidade e não encontrar? Então
isso será apenas um pecado venial, e um dia de jejum o apaga. Sério! Se o sujeito for
em uma ou duas perto de onde mora, não encontrar uma missa sem sacrilégio e depois
desistir de procurar, então ele é um vagabundo mesmo! Mas ainda é melhor ser
vagabundo do que ser um desgraçado! O vagabundo ainda irá para o Inferno, mas, como
este é composto de graus inferiores e superiores, ele irá para um grau um pouco menos
pior. No entanto, o Inferno continua sendo um castigo do mesmo jeito.

3.2. Indicações quanto à prática do jejum.

Vamos especificar agora alguns pontos sobre o jejum e como ele funciona. O principal
jejum cristão é o da Grande Quaresma. A Grande Quaresma é a preparação para a
páscoa e dura pouco mais de quarenta dias. Geralmente são seis semanas de preparação
para a páscoa. Nesse período, o que devemos fazer idealmente? Qual o exemplo que os
santos nos dão? Durante a Grande Quaresma devemos nos abster de todos os produtos
de origem animal: leite, manteiga, carne etc. etc. Além disso, nas quartas e sextas
devemos comer apenas pão e água. Quanto ao pão, continua valendo a abstinência
relativa aos produtos de origem animal, portanto, ele não pode ser fabricado com ovos
ou leite ou qualquer coisa do tipo. Quanto ao peixe, bem, tudo pode ser concedido, mas

23
na verdade essas são concessões aos doentes que estão enfraquecidos, às crianças etc.
Tudo isso são concessões.

Pela experiência histórica do Cristianismo, ninguém chega até nós e nos manda praticar
o jejum, porém, se não o fizermos, a religião se dissolve em nossa alma. As leis da
Igreja não são como as leis da sociedade. Então, temos a indicação do caminho, e
praticamos o quanto achamos que devemos. O que e quanto devemos fazer? Devemos
fazer o que os santos faziam. No entanto, ninguém nos mandará fazê-lo.

Então, durante a Quaresma, temos que nos abster de todos os produtos de origem
animal, e, nas quartas e sextas, comer apenas pão e água. Que mais os santos fazem?
Devemos estender esse jejum da sexta-feira para todas as sextas-feiras do ano. Após
termos estendido o jejum da sexta a todas as sextas do ano, o que fazemos? Estendemos
os jejuns da quarta a todas as quartas do ano também. Depois disso, e se quisermos
fazer exatamente como os santos faziam? Além da Grande Quaresma e dos jejuns nas
quartas e sextas, temos ainda a Pequena Quaresma, que é o tempo do advento, ou seja, a
preparação para o natal.

Esses são os dois momentos mais importantes do ano litúrgico: a páscoa e o natal.
Devemos então fazer quaresmas de preparação para esses dois eventos. A Grande
Quaresma é, num grau mínimo, obrigatória para todos. No entanto, todos os santos
sempre praticaram, tanto a Grande Quaresma, quanto a Pequena Quaresma, como ainda
os jejuns nas quartas e sextas.

Como funcionam os jejuns das quartas e sextas? Comecemos pela sexta-feira. Esse
jejum começa às vésperas deste dia, isto é, no final da tarde da quinta, quando o Sol
começa a se pôr mais ou menos às seis horas, e se estende até o mesmo horário do dia
seguinte. Durante esse período que vai do fim da tarde de quinta até o fim da tarde de
sexta, nos mesmos horários em que tomamos as nossas refeições normalmente, teremos
apenas uma refeição, que consistirá apenas de pão e água. Na sexta-feira à noite já
podemos jantar uma sopa, fazendo uma transição suave do jejum para a alimentação
normal. Quanto ao jejum da quarta, ele segue o mesmo modelo: iniciamos no fim da
tarde de terça e terminamos no fim da tarde de quarta, e, durante esse período, nos
alimentaremos apenas de pão e água.

Por que isso é importante? Porque temos de sentir o peso de desejar alguma coisa para
que possamos renunciá-la por Deus. E essa renúncia, perante os olhos dEle, contará
como se fosse uma renúncia quanto a todos os nossos desejos.

3.3. Indicações quanto à prática das orações.

Quanto às orações, o que devemos fazer? Temos que fazer as orações tradicionais, isto
é, as orações escriturais, as orações que Deus compôs. Alguns evangélicos sempre
dizem: “Não vou rezar Ave-Maria, pois isso é coisa de católico!”. Isso está

24
completamente equivocado! A Ave-Maria é uma oração que Deus revelou aos homens
por meio de um anjo. Essa oração é uma palavra de Deus, ela também faz parte das
Escrituras, as quais não foram tiradas da cartola de ninguém. É engraçado que algumas
pessoas pensem que, certo dia, um sujeito chamado Lucas estava entediado e deu na sua
telha escrever umas palavras para serem rezadas, como se ele tivesse pensado: “Acho
que o anjo falou mais ou menos assim. Não tenho muita certeza, então vai desse jeito
mesmo”. Não! Foi o Espírito Santo que lhe determinou escrever certas palavras e não
outras. As palavras das orações tradicionais são as palavras de Deus, e temos de rezá-las
precisamente do jeito em que nos foram transmitidas.

E outro evangélico ainda poderia levantar a questão: “Mas o Cristo fala que não é para
rezar como os fariseus, com vãs repetições. E os católicos ficam repetindo a Ave-Maria,
o que é uma vã repetição”. Não, de maneira nenhuma! No que consiste a vã repetição de
que o Cristo fala? Os fariseus, quando chamavam o pessoal para as festas em suas casas,
sempre ofereciam mesas abundantes de comidas. No entanto, antes de comer, eles
evidentemente se colocavam a rezar: “O Senhor que está no Céu é maravilhoso, nos
abençoou com alimentos etc. etc.”. E o problema é que eles ficavam falando a mesma
coisa com palavras diferentes, todas bonitas, enfeitadas, durante meia hora, enquanto
todos ficavam olhando para a comida na mesa.

Outra coisa comum que os fariseus faziam era parar as pessoas na rua e ficar tomando o
tempo delas com palavras e repetições vãs: “Vamos abençoar o Senhor!”. Imaginemos
alguém assim vindo falar conosco, nos segurando por uma grande quantidade de tempo.
É claro que iríamos querer sair dessa situação o mais rápido possível, mas ficaríamos
constrangidos por não querer desrespeitar a oração.

É disso que Jesus Cristo fala quando diz para não rezarmos com vãs repetições. Rezar
com vãs repetições é o sujeito ficar falando um monte de coisas quando, no fundo no
fundo, ele só queria dizer: “Obrigado, Senhor, por esse alimento.”. No entanto, a pessoa
fica embaçando com palavras bonitas que são apenas vento, e atrapalha a vida das
outras pessoas com isso: no caso da refeição, o sujeito estava com fome; no outro caso,
a pessoa precisava ir trabalhar.

Como podemos evitar isso? Por exemplo, se formos sair para trabalhar, devemos fazer
uma breve oração: “Meu Deus, me garanta um bom dia de trabalho, um retorno seguro e
que eu não me desvie do Teu caminho nesse dia”. Se formos nos sentar para comer, a
oração deve ser feita da mesma forma, isto é, deve ser algo breve, sem vãs repetições
que seguram as outras pessoas e atrapalham a vida delas. É disso que Ele estava
falando.

O fariseu era um sujeito chato, e provavelmente muitos devem conhecer na igreja


pessoas desse tipo. Talvez alguns de nós frequentem lugares em que só haja santos.
Porém, é comum encontrar nas igrejas aquele sujeito chato, que fica segurando as
pessoas e falando: “Porque Deus e o Evangelho, etc. etc.”. Isso por mais de meia hora,

25
enquanto a outra pessoa pensa: “Eu tenho que pegar minha filha na escola; tenho que
comprar remédio para minha mãe etc.”. E o chato fica oprimindo e atrapalhando as
outras pessoas com a sua lenga-lenga. É exatamente contra isso que o Cristo falou, pois
é errado fazer essas coisas com as pessoas. Jesus não estava condenando a repetição das
orações que Ele mesmo ensinou, muito pelo contrário! Isso não faria o menor sentido!

Temos sempre que interpretar uma passagem do Evangelho pela outra. Por exemplo,
ainda quanto ao sentido de “vãs repetições”, na Bíblia podemos ler a história de um
rapaz que incessantemente repetia: “Senhor, filho de Davi, tenha piedade de mim.
Senhor, filho de Davi, tenha piedade de mim. Senhor, filho de Davi, tenha piedade de
mim”. Ele repetia isso sem parar. O que o Cristo disse? Ele por acaso falou que essa
oração consistia de vãs repetições? Não, Ele atendeu o rapaz e ainda disse: “É assim que
se deve pedir. De maneira incessante o mesmo pedido”. Então, nesse sentido, a
repetição é válida quando a pessoa sabe o que quer e usa uma oração tradicional para
pedir. Jesus abençoou este tipo de oração, dizendo: “Mesmo que você for mau, se você
pedir a Deus repetindo dessa forma, ainda assim Ele te atenderá, porque você encheu a
paciência Dele”. Ele falou isso literalmente.

Então, os evangélicos devem saber: deve-se rezar o Pai-Nosso, a Ave-Maria, o Rosário


e todas as orações tradicionais. Cristo não estava falando disso ao condenar os fariseus e
suas vãs repetições. Ele estava falando justamente das pessoas que ficam ensebando e
atrapalhando a vida dos outros por pretextos religiosos. Jesus tem aversão por isso.
Como já mencionado, hoje nas igrejas podemos encontrar novos fariseus aos montes. É
muito fácil ir numa igreja e alguém desse tipo nos segurar por meia-hora, falando sobre
o grupo de vigília e qualquer outra coisa do tipo. Essas pessoas não têm respeito pelos
outros, elas não conseguem imaginar que os outros também têm uma vida para cuidar.
Portanto, devemos evitar agir como fariseus, devemos evitar as vãs repetições de que o
Cristo fala, mas não devemos evitar rezar as orações tradicionais. É uma obrigação
nossa rezá-las.

Se Ele tivesse dito para não repetirmos as mesmas palavras, não teria nos ensinado as
orações. Elas nos foram por Ele ensinadas para que as rezássemos apenas uma vez e
depois nunca mais? Quer dizer então que se rezarmos uma única vez o Pai-Nosso, por
exemplo, já estaremos salvos e teremos cumprido os mandamentos, uma vez que Ele
disse para não ficarmos com vãs repetições? Não, não é bem isso que Ele falou. Se Ele
achasse que não devemos repetir as mesmas fórmulas, teria dito: “Ao rezar as orações
que ensinei, use estas palavras ou outras equivalentes sem repetição”. Porém, não foi
isso o que Ele disse, não foi assim que Ele agiu diante do sujeito que repetia uma
oração. Ao sujeito que repetia uma oração Ele atendeu e o apontou como um bom
exemplo.

Concluindo esse ponto, repetimos mais uma vez: devemos entender as passagens dos
Evangelhos umas pelas outras. Não podemos ficar atrapalhando a vida do nosso
próximo para brincarmos de devotos, porque isso é errado. Se fizermos isso, Cristo

26
virará o rosto para a gente, pois Ele tem aversão das pessoas que atrapalham os outros
para pagar de cristãozinhos! E esse é justamente um dos motivos pelo qual Ele nos
manda rezar em segredo, porque assim não atrapalhamos ninguém.

Não falamos muito do Pai-Nosso, porque já escrevemos um livro sobre essa oração
específica. E o escrevemos justamente para as pessoas lerem e se darem conta daquilo
que estão pedindo, para então elas se decidirem a orar de maneira mais sincera e
consciente. O que queremos dizer com “sinceridade” durante o ato da oração?
Costumam associar essa atitude com a fé e com a crença. Mas que fé os brasileiros
possuem? Os brasileiros deviam parar de mentir, pois não têm fé alguma! Com
“sinceridade” queremos dizer que sabemos o sentido das palavras que estamos
proferindo e, por isso, estamos conscientes e desejosos do que estamos pedindo a Deus
durante a oração que nos foi ensinada por Ele. Foi justamente isso o que ensinamos no
livro sobre o Pai-Nosso. Ele é muito mais um guia prático para que consideremos os
significados das palavras da oração; não é um tratado de Teologia profunda. É claro que
o Pai-Nosso também possui vários outros significados, mas tratamos dele basicamente
segundo a linha de interpretação de Santo Agostinho.

É bom ressaltar que o Cristo ensina o Pai-Nosso durante o Sermão da Montanha, e


todos os Santos Padres sempre entenderam que esse sermão é uma espécie de resumo
dos Evangelhos. Por isso, quando Ele o termina, diz: “Quem ouve estas minhas palavras
e as cumpre será comparado a um homem sábio que construiu a sua casa sobre a rocha”.
Jesus disse expressamente “estas minhas palavras”. Ou seja, quem ouve este sermão e
tenta cumpri-lo possui uma casa construída sobre a rocha e, portanto, não ficará sem
forças.

Resumimos hoje uma parte dessas palavras, que diz respeito a como devemos produzir
o nosso pão espiritual. A outra parte se refere a como produzimos o vinho, porque no
Cristianismo devemos produzir pão e vinho, os quais são as duas coisas que devemos
oferecer para Deus. Quem não sabe disso e não sabe produzir essas duas coisas é um
incompetente completo. Por isso, devemos aprender primeiro a fazer o pão, porque
assim Deus já nos dá um pouco de vinho. Porém, como dissemos, fazer o pão é o
estágio inicial da vida cristã, e quem quiser alcançar a santidade deverá aprender
também a fazer o vinho. Por quê? Porque não há consagração, não há eucaristia, não há
o Verbo de Deus encarnado para nós sem o pão e sem o vinho. Se perguntarmos a um
padre se é possível fazer a consagração somente com o pão ou somente com o vinho, ele
nos dirá que isso não é possível. Assim é com a nossa alma. Se ela não produzir esses
dois materiais, nunca será transformada em Jesus Cristo. Sem isso, nunca poderemos
dizer o que disse São Paulo: “Não sou eu mais quem vivo, é o Cristo quem vive em
mim”.

Após isso que acabamos de dizer, fica claro que o “pão nosso” que pedimos na oração
do Pai-Nosso é justamente o pão espiritual que pode ser consagrado por Ele. Quanto ao
pãozinho da padaria, devemos trabalhar para comprá-lo. Se estivermos tendo

27
dificuldades para obtê-lo – se estivermos doentes, desempregados etc. – podemos pedir
para que Deus facilite a nossa vida quanto a isso também. Mas essa oração não é aquela
que devemos fazer em segredo, e por isso não receberemos a recompensa que nos é
prometida também em segredo. Aliás, é muito melhor que façamos esse tipo de pedido
junto com outros piedosos, pois assim há mais chances de que Deus nos atenda.

Agora, voltando um pouco o assunto, pode acontecer, uma vez ou outra, de estarmos
muito cansados durante a oração, e por isso nesses dias é possível que de nossas bocas
saiam somente vento. É possível que algumas vezes as palavras saiam de nossas bocas
sem que pensemos sobre o significado delas. Mas isso quer dizer que, nesses dias, não
devemos orar? De maneira nenhuma! Temos que orar até mesmo nesses dias em que
estivermos cansados e desatentos, porque a disciplina, a repetição constante é um dos
elementos da salvação e da religião.

Também é evidente que, durante a oração, não é possível meditar profundamente sobre
o significado de cada sentença que estamos proferindo. Isso dificilmente podemos fazer.
Essa meditação profunda devemos fazer em outro momento. Devemos estudar e meditar
sobre as orações e, quando terminarmos esse estudo, rezamos a oração sobre a qual
estudamos, pois assim as coisas ainda estarão frescas em nossa mente. Depois, a cada
vez que formos rezar, devemos tentar lembrar e colocar em ato algumas daquelas
palavras e daqueles sentidos sobre os quais estudamos.

E por que agora não estamos dando tanta ênfase ao significado das orações que
devemos rezar? Pois, como dissemos, a oração corresponde ao ato de bater a massa do
pão espiritual para que nela entre o ar do Espírito Santo. No entanto, se não tivermos os
outros ingredientes, estaremos batendo numa massa de nada e isso de nada adiantará.
Orar é sempre bom, mas a oração sozinha não nos ajuda muito, pois ela é só um
componente do que devemos praticar segundo a religião. Para estarmos bem
alimentados, precisamos de pão, e para fazê-lo precisamos de trigo. Depois disso
precisamos moê-lo e adicionar água a ele, formando assim a farinha. Tendo feito a
farinha, precisamos batê-la para que o ar nela entre. Por fim, precisamos colocá-la no
forno para assar. Todos esses passos correspondem ao seguinte: participar da liturgia e
cumprir os mandamentos; aprofundar o conhecimento sobre a religião e fortalecer a
disciplina necessária para praticá-la; praticar o jejum, a oração e a esmola.

3.4. Indicações quanto à prática da esmola.

Como já dissemos, a esmola consiste em dar dinheiro para que então recebamos o dom
da caridade. A Caridade é recebida em segredo, não sabemos onde ela está. E devemos
saber: se não nos separarmos do nosso dinheiro, se este não for para as mãos do
mendigo, iremos nos separar da Caridade. Assim, a recompensa recebida em segredo irá
embora. Foi isso que Deus disse. Então, temos uma escolha. Também devemos nos
lembrar do que Ele disse: “Você não pode servir a Deus e ao dinheiro”. Que dinheiro é
esse? Oras, o nosso dinheiro! Mas e se o mendigo for beber?! O que o mendigo faz com

28
o dinheiro que agora é dele é seu problema, não nosso. Enquanto o dinheiro estava no
nosso bolso, ele era nosso problema. Quando o dinheiro passa para o bolso mendigo,
torna-se um problema dele. É simples!

Os ensinamentos de Jesus Cristo não são diretrizes que visam deixar o mundo
funcionando. Eles não visam trazer a justiça social e nem consertar a vida de ninguém.
O Cristo disse: “Meu reino não é deste mundo”. Então, se os Seus ensinamentos
produzem um bom efeito na sociedade não importa! Os ensinamentos dEle nos foram
transmitidos para que participemos do mistério da encarnação e sejamos salvos! E qual
é o primeiro grau de participação nesse mistério? Justamente o pão. Se não tivermos pão
limpo, feito exatamente como a religião manda, não há nada para ser consagrado. Se
tivermos pão, estaremos alimentados e viveremos.

Quando morrermos, o que acontecerá? Se só conseguimos fazer pão, quando


morrermos, Cristo olhará esse pão e dirá: “Esse pão está bom. Agora trarei um pouco de
vinho, porque você não tem, e vou consagrá-los junto com você”. E então depois da
morte ficaremos santos. Ele nos ensinará a fazer vinho depois da morte. Agora, se
alguém desejar ficar santo já neste mundo, deve saber: o primeiro passo é conseguir
trigo limpo e aprender a fazer o pão. Depois dessa etapa, quem sabe conseguiremos
avançar em nossa vida espiritual. A maioria das pessoas que dizem querer ser santas,
dizem isso por estarem famintas e por desejarem comer pão. Para nos alimentarmos
bem, basta que sejamos piedosos. E isso acontecerá na hora em que estivermos
praticando a religião de maneira sistemática. Alguns acharão que isso já é a santidade
ou o Céu, mas não. Para ficarmos santos, devemos perseverar por muito tempo na nossa
fabricação de pão espiritual. Após isso, alguns ainda irão querer mais, e é aí que começa
a santidade.

3.5. Por que se deve manter o segredo durante certas etapas do processo de
fabricação do pão espiritual.

Devemos também nos aprofundar sobre a necessidade de fazer certas coisas em


segredo. Por que o segredo é necessário? Em primeiro lugar, quando fazemos o que é
preciso fazer em segredo, Deus nos recompensa também em segredo. E por que Ele faz
isso? Pois assim nos recompensando o Demônio não sabe onde está o nosso prêmio.
Quando fazemos algo em segredo, é praticamente impossível que alguém não nos
descubra. No mínimo o Diabo descobre. Mas quando Deus faz algo em segredo, não há
quem possa descobrir, pois ninguém tem o mesmo poder que Ele. Dando-nos uma
recompensa espiritual num lugar da nossa alma em que o Diabo não pode ver, isso
significa que este não pode nos tirar esse prêmio. Desse modo, o Diabo não tem como
distorcer e misturar essa recompensa com veneno, porque ele não vê onde ela está. Esse
segredo está num lugar oculto em nossa alma, que nem mesmo nós sabemos onde é.

Algumas pessoas sempre dizem: “Mas eu rezarei junto com o grupo de orações!”.
Porém, está cheio de diabos nos grupos de oração, e não se trata nem das pessoas! Todo

29
mundo imagina que o Diabo não entra nas igrejas, mas isso é de uma estupidez e burrice
tremenda! Essas pessoas não entendem como as coisas funcionam e pensam que há um
campo de força nas igrejas que impede o Diabo de nelas entrar. Mas não é assim que a
banda toca. Os Santos Padres dizem: “As igrejas estão cheias de diabos”. Então, as
coisas que nelas fazemos o Diabo está vendo, e por isso ele sabe o que vai acontecer,
porque ele vê a maneira como nos portamos durante essas atividades. Quando fazemos a
nossa oração em segredo, o Diabo de fato também a vê, mas o que o Cristo nos disse?
“Teu Pai te recompensará em segredo”. Essa recompensa o Diabo não sabe onde está,
então ele não tem como abalar, minar, corroer, tirar, roubar, trapacear, nem como nos
convencer a jogá-la fora, porque ele não sabe do que se trata. É por isso que essas ações
em segredo nos garantem, pois elas nos dão uma recompensa que não nos pode ser
tirada, e isso é extremamente importante.

Para cada coisa que Deus ensina há um motivo seríssimo. Esses ensinamentos não são,
digamos, palavras vãs. Chega a ser engraçado testemunhar pessoas que sobre isso
pensam o seguinte: “Jesus foi somente um cara legal, o qual achou que se fizéssemos
umas coisas daquelas seria bom”. Não é assim! Para cada coisa que Ele falou há um
motivo exato do porquê as coisas devem ser feitas de um jeito e não do jeito que
achamos ou imaginamos que deve ser feito.

Jesus Cristo facilitou e simplificou a religião para que os homens pudessem cumpri-la,
mas não podemos abusar dessa facilidade. Temos que praticá-la estritamente segundo os
critérios que Ele definiu. Se assim não fizermos, o que nos acontecerá? Iremos para o
Inferno! É claro que, se perguntarmos pelo Brasil afora, todos dirão que possuem
alguma religião, mas o fato é que podemos contar nos dedos as pessoas as quais estão
fora dos mosteiros que sabem fazer pão. E para aprender a fazer o pão espiritual
levamos de três a quatro anos. E depois que aprendemos, viramos santos? De maneira
alguma, pois quem só faz isso está somente no primeiro estágio da vida cristã.

3.6. A compra de pão espiritual por meio da ajuda material dada às pessoas
piedosas.

Outra dica que podemos dar, quando estamos com um pouco de dificuldade para
produzir o nosso pão, é a seguinte: devemos aprender a identificar as pessoas que já
sabem fazê-lo. Após isso, devemos ficar de olho em suas vidas. Alguma delas ficou
doente? Então temos que visitá-la para ver se está precisando de alguma coisa. Uma
dessas pessoas está precisando pagar uma conta mas não tem dinheiro? Então devemos
ajudá-la a pagar essa conta. Em suma: devemos ajudar os piedosos. Devemos “comprar”
esses amigos com o dinheiro da iniquidade.

Mas fazendo isso precisamos ter em mente sempre o seguinte: não é porque ajudamos
os piedosos que eles automaticamente se tornam nossos devedores. O que acontece
quando ajudamos uma pessoa piedosa? Quando lhe damos um dinheiro, Deus olha para
nós e diz: “Agora Eu tenho que dar um pouco de pão para ele”. De fato, o que acontece

30
nesses casos é que compramos pão espiritual com dinheiro ou com qualquer outro tipo
de ajuda material que oferecemos aos piedosos. Quando auxiliamos materialmente
aqueles que já sabem fazer pão espiritual, Deus os partilha conosco e quem ajudamos
nos trata como irmãos. Então, na verdade, quem saiu ganhando fomos nós.

Agora, se nos observamos cuidadosamente, perceberemos que não gostamos muito de


ajudar os piedosos. Geralmente, só gostamos de ajudar quem está totalmente podre e
ferrado. Por quê? Porque quando ajudamos esse tipo de pessoa passamos a nos sentir
bem, pois nos colocamos numa posição em que nós somos os bons e a pessoa que
ajudamos é a pecadora. Já quando ajudamos um piedoso acontece o contrário: nós é
que somos os pecadores e ele á boa pessoa.

O interessante sobre isso é que o próprio Cristo vivia de esmola! Então, quando
ajudamos essas pessoas, é como se tivéssemos ajudado o próprio Nosso Senhor Jesus.
E, se pensarmos bem, não fomos nós que O ajudamos, mas sim nós que fomos
ajudados, pois ganhamos em troca uma coisa de valor imensamente maior!

Não gostamos de ajudar os piedosos, porque eles não afagam o nosso ego. Quando os
ajudamos, eles não nos dizem: “Caramba, como você é maravilhoso!”. A única coisa
que nos dizem é: “Obrigado.”. Um simples “obrigado”. Por que isso? Pois eles são
melhores do que nós, e seria uma falsidade para com Deus que se colocassem numa
posição inferior a pessoas que são piores do que eles. No momento em que agradecem a
ajuda que receberam, é muito possível que pensemos: “Ele nem me agradeceu direito!”.
Mas o que estávamos esperando? Uma medalha, um brilho nos olhos e uma massagem
no nosso ego? Tenha santa paciência! Nós é que saímos ganhando nessa troca!

É muito importante que observemos como preferimos naturalmente ajudar as pessoas


que estão em um nível inferior ao nosso nível de piedade. Em nossa própria comunidade
costumamos ajudar somente as pessoas que têm menos piedade do que nós. Se tivermos
consciência das nossas diferenças em relação às pessoas piedosas, poderemos operar
independente do mau que há em nós, pois mesmo não tendo encontrado a nossa pérola,
ela ainda está escondida em nossa alma. Por isso, sempre temos oportunidade de agir
segundo critérios que são superiores aos que achamos serem os melhores em cada
momento.

Mas como podemos identificar o indivíduo que tem pão? Uma pessoa assim não é
alguém que fala e, de repente, tudo se torna maravilhoso. Porém, quando estamos perto
dela não ficamos perturbados; pelo contrário, sentimos firmeza, estabilidade e paz. O
que seria a perturbação? Uma espécie de fome, cujo efeito é o estômago roncar. Então,
os piedosos não são assim; eles são estáveis na religião e não fazem alarde e nem
causam perturbação.

E quando aprendemos a fazer o pão espiritual, o que acontecerá? Nós viveremos, pois se
não nos alimentamos, morremos. Quando nos alimentamos, temos força para buscar a

31
pérola de que já falamos nos tópicos anteriores. Além disso, como teremos comido um
alimento sagrado, esse alimento deixará um sabor em nossa boca. Tal sabor é da mesma
natureza do que a natureza da nossa pérola escondida, o que nos facilitará o
reconhecimento dela.

Também, como já repetimos inúmeras vezes, o grau inicial da vida cristã consiste em
aprender e em fazer sistematicamente o nosso pão. O trabalho de sermos capazes de
identificar as pessoas que já fazem esse pão também entra nesse estágio, assim como a
obrigação que temos de ajudá-las materialmente. Se alguém ainda se recusar a prestar
essa ajuda aos piedosos por se sentir ofendido quando não for tratado como um rei, deve
saber que a recompensa diante dos homens é curta. Quando morremos, ninguém mais
nos aplaudirá. Mesmo se as pessoas forem nos visitar em nossos túmulos para nos
aplaudir, isso de nada nos adiantará. É por isso que devemos aprender a fazer o nosso
pão e é por isso que devemos nos aproximar e ajudar as pessoas piedosas.

Se trabalharmos nisso aí, não há escapatória: em quatro ou cinco anos estaremos bem
alimentados. Deus não mente e não falha. O problema no Brasil não é que Ele não
manda a santidade para as pessoas daqui. O problema é que não tem ninguém para
recebê-la. Ninguém aqui possui pão e vinho, então não há nada para ser consagrado por
Ele.

Capítulo 4: considerações finais sobre cada etapa de fabricação do pão espiritual.

4.1. O trigo como quintessência ou alimento espiritual em sua forma natural.

O trigo é aquilo que tecnicamente, em Teologia Católica, chamamos de Graça


Santificante; ele é a Graça que recebemos e que vem nos sacramentos. A Graça é como
um trigo que ficou em nossa alma. Esta era uma terra vaga e vazia na qual Deus
despejou Sua luz. A Graça despejada é um alimento que Ele entrega a nós. Só que
temos de pegar e elaborar esse alimento.

Porém, devemos notar que Cristo não chega para os apóstolos, pega um monte de trigo
e diz “esse é meu corpo”, nem pega um monte de uvas e diz “esse é meu sangue”. Esse
trigo e essas uvas já foram elaborados pela ação humana. Para que cheguemos a Deus –
e não estamos falando de desaparecer em Deus, mas em formar uma unidade com Ele –
temos que cooperar. Isso é o que, também em Teologia Cristã Tradicional, chamamos
de sinergia ou cooperação: um trabalho cooperativo entre o homem e Deus.

Deus, então, nos dá o material limpo, puro, excelente e com potencial para nos elevar ao
Céu. Cristo veio à Terra, instituiu os sacramentos e instituiu a religião, e na religião Ele
deu um meio simples de obtermos a Graça. É claro que, além desses meios
sacramentais, Ele pode enviar a Graça para quem quiser e do jeito que quiser. No
entanto, qual é a característica dos sacramentos? Eles têm uma forma física evidente.
Por exemplo, o sacramento da confissão: há uma pessoa concreta que, em determinado

32
momento, oficia o perdão como se fosse Jesus Cristo. E no sacramento da Eucaristia na
Missa? Temos o pão e o vinho que mostram que Ele está presente; a Graça então estará
presente no pão e no vinho. E assim por diante.

Os sacramentos são sinais visíveis de graças invisíveis: essa é definição católica mais
básica, que também vale para a Igreja Ortodoxa, e que, em última análise, também vale
para as igrejas protestantes – embora estas últimas não tenham todos os sacramentos
católicos e ortodoxos, elas têm alguns sacramentos e atividades sacramentais. A leitura
coletiva do Evangelho, por exemplo, é uma atividade sacramental. Se fizerem isso
juntos, pensando em Jesus Cristo e com a intenção de cumprir o Evangelho: “Onde
houver dois ou três reunidos em Meu nome, Eu estarei lá”. É Ele quem está dizendo que
enviará a Graça sobre tal grupo. Claro, isso não é um sacramento no sentido estrito, mas
é uma atividade sacramental. É uma maneira que Ele mesmo indicou, e, se assim
fizermos, Ele nos dará a Sua Graça.

4.2. A perseverança, a disciplina e o conhecimento da religião como a pedra que


mói o trigo recebido.

Graça, portanto, é o alimento espiritual na sua forma natural, digamos assim, como
Deus o trouxe. Então, recebemos a Graça de Deus, e a partir daí teremos que pôr nessa
Graça a nossa alma.

Mas como fazemos isso? Transformando o trigo em pão, e transformando as uvas em


vinho. Ele mesmo indica como fazemos isso: quando formos orar, por exemplo,
devemos ir em segredo. Jesus fala isso da oração, do jejum e da esmola; essas três
coisas devem ser feitas em segredo. Cristo também fala que a perseverança nessas
coisas é a chave da salvação. Não adianta o sujeito dizer: “Hoje praticarei os
mandamentos; quanto ao amanhã, veremos”. O amanhã chega e ele diz: “Hoje manterei
mais uma vez minha palavra, mas amanhã já não sei”. Isso exemplifica uma alma sem
resolução e cuja obra não tem frutos.

O que devemos fazer é o seguinte. Devemos dizer: “Isso daqui é a religião? Realmente
entendi bem ela? Então a minha intenção é praticá-la hoje e sempre, até o fim da minha
vida”. Essa decisão de perseverar e a disciplina nas atividades é o moer de que
falávamos. O moer é dado pela intenção de perseverar e pela disciplina na perseverança.
É esse trabalho que refina a Graça de um jeito que ela pode ser assimilada pela alma.

Se o sujeito não faz esse trabalho e se decide a ficar com o trigo puro, sem transformá-lo
em pão, ele ainda assim terá recebido algum alimento, mas ele certamente comerá
aquele alimento tal como um boi quando for ao campo no qual há trigo irá comer, ou
seja, comerá como um animal come. Então, quem não continuar o trabalho em cima da
Graça recebida irá comê-la como um animal, e não como um ser humano.

33
Mas quando pegamos o trigo para moê-lo, depois jogamos água na farinha formada para
reuni-la, em seguida batemos a massa formada para que o ar nela entre e por fim a
assamos, então aí humanizamos o alimento. Se não tivermos comprometimento e
resolução com essas coisas, é como se estivéssemos soprando nosso trigo: talvez
tenhamos algum efeito benéfico, mas não teremos acrescentado a ele muita qualidade.

Temos que entender: a religião é de Deus; ela é como uma casa que pertence a Ele na
qual podemos entrar ou sair, porém sem podermos mudá-la de lugar. A Graça é
completamente Dele. Para que nos tornemos coproprietários desta Graça, temos que
elaborá-la desta maneira que explicamos e que Ele nos ensinou, e então a recompensa
celestial que está no Céu será depositada interiormente em nós num lugar secreto.

E a partir do momento em que essa recompensa for depositada nesse lugar secreto ela é
nossa. Por quê? Porque ninguém pode nos tirar aquilo que não se sabe onde está. Tudo
o que as pessoas sabem onde está, ou que os diabos sabem onde está, pode ser tirado de
nós. Basta que o sujeito tenha força e o desejo de tirar. Com a Graça acontece a mesma
coisa: ela será nossa até vir um demônio nos tentar e nos enganar na direção contrária.
Às vezes não precisamos nem de um diabo para isso, pois pelas nossas próprias
minhocas na cabeça fazemos isso e perdemos o que antes tínhamos recebido de Deus.
De maneira simbólica, esse é o grão que é sufocado ou queimado pelo Sol. E é
interessante notar que Ele sempre compara a Graça a grãos. Essa é uma comparação
evangélica, e é o próprio Cristo quem a faz.

Então, temos que elaborar a Graça recebida. Por quê? Porque Ele colocou a Graça em
nós e a partir daí temos de nos colocar na Graça. E como fazemos isso? Com a firme
decisão de perseverar na religião e de conhecê-la e a disciplina na oração, no jejum e na
esmola realizados em segredo.

4.3. O jejum como aquilo que unifica nossos desejos terrenos tal como a água
unifica numa só massa o trigo moído.

Quanto ao jejum, em todas as igrejas e mesmo na Ortodoxa, não há uma lei definindo
que devemos jejuar na Quaresma. No máximo, o que dizem é que, se não jejuarmos,
devemos confessar. Portanto, o jejum não é uma lei firme em nenhum lugar, justamente
por ter de ser feito em segredo. Se essa fosse uma lei firme, então poderia ser imposta
publicamente e o jejum deveria ser realizado para que todos vissem a lei sendo
cumprida.

É justamente por isso que toda religião tem elementos que são lei e elementos que não
são obrigatórios. E são esses últimos, feitos em segredo somente para Deus, que vão
gradativamente santificando a pessoa.

E a pessoa que já sabe fazer pão, ela é uma pessoa santa? Não, mas ela é uma pessoa de
obras santas, porque a oração, o jejum e a esmola feitos em segredo são obras santas.

34
Então, a pessoa mesma ainda não é santa, mas a sua obra é. E a obra é santa não por
causa de quem a constrói, mas por causa do material de que ela é feita, o qual foi dado
pelos Céus.

Dessas três coisas – oração, jejum e esmola – Ele disse que devemos fazer todas elas, e
não somente uma ou duas.

O Jejum porque, como dito, temos muitos desejos que nos prendem à Terra, e embora o
Céu seja um lugar maravilhoso, ele é diferente daqui. Se tivermos muitas coisas nos
prendendo, a morte será algo terrível, e quem está muito perturbado não pensa
claramente no que fazer com ela. Por isso é preciso que tenhamos algo que nos liberte
desses apegos terrestres, e o jejum existe justamente para isso. Lembremos também que,
simbolicamente falando, ele é a água.

4.4. A oração como o ar que expande a nossa alma.

Já a oração é o ar que colocamos na massa ao batê-la. Esse ar faz o pão crescer e o torna
macio. Analogamente, esse é o mesmo efeito da oração para nossa alma: a oração faz a
alma crescer. E o que acontece quando a alma cresce pela disciplina da oração? A
pessoa passa a ter uma sensibilidade e um refinamento da percepção sobre a religião, o
mundo e tudo o mais, que outras pessoas não têm.

Por quê? Para respondermos isso, devemos perguntar outra coisa: o que nos diferencia
dos animais? A capacidade de falar, de criar, de ter conceitos na alma e de ter sinais
visíveis desses conceitos, que são as palavras; enfim, a capacidade de refletir e falar é o
que nos diferencia do animal. Desse modo, essa faculdade precisa ser exercitada. E
qualquer um com um pouco de senso sabe que quem conversa com pessoas inteligentes
e sábias também se torna mais inteligente e sábio. Ora, quem é mais inteligente e mais
sábio do que Deus? Assim, a conversação com Deus criará uma sensibilidade e um
refinamento na percepção da pessoa.

Há quem pense que o propósito da oração é pedir coisas a Deus ou louvá-Lo. No


entanto, isso está errado, pois o propósito da oração é justamente a conversa com Deus,
mesmo que não o escutemos. Isso refina a nossa percepção, porque estar falando com a
Luz das luzes torna a nossa inteligência sensível e sutil. A pessoa que tem a oração
disciplinada sabe as situações que lhe favorecem pecar e as situações que lhe favorecem
tornar-se uma pessoa melhor, enquanto outras pessoas têm uma percepção muito
grosseira do bem e do mal, da verdade e do erro etc.

A pessoa que tem a oração disciplinada também tem o coração gentil, tem mais
resignação, tem mais disposição para perdoar e para aguentar os males, enquanto as
outras pessoas tem o coração duro: se alguém lhes faz algo ou alguma coisa lhes
acontece, elas ficam rancorosas com Deus e o mundo. E a vida de todos nós tem dessas

35
mudanças imprevistas, e se tivermos o coração duro, as duas coisas se chocarão e uma
delas se quebrará.

Quando oramos a Deus, Ele faz a Sua oração para nós também. Se falamos com Deus,
Ele fala com nós num lugar secreto, que é o nosso coração. Ele nos dá uma recompensa
em segredo e, no momento que precisamos dela, sabemos onde encontrá-la. Uma das
recompensas da oração é justamente deixar o nosso coração gentil e a nossa inteligência
sutil.

4.5. A esmola como o fogo que fortalece o nosso caráter.

Quanto à esmola, dissemos que ela pode ser comparada ao fogo. Da mesma forma que a
água reúne os desejos e apegos terrestres numa só massa, o fogo extirpa de nós esses
mesmos desejos e apegos. Como isso acontece? Se observarmos as pessoas que dão
esmola regularmente, o que perceberemos? Em primeiro lugar, que elas têm o caráter
fortalecido. O pão, antes de o assarmos, é uma massa mole. Quando o assamos, aquilo
que o amolecia sai e ele passa a ter firmeza.

Hoje, as pessoas não dão esmola, e por isso todo mundo é mole. O nosso coração deve
sim ser gentil, mas o nosso caráter também deve ser forte. Hoje em dia as pessoas têm o
coração duro e o caráter molenga. Por quê? Porque não oram e nem dão esmola.

Quando damos esmola, temos um milhão de motivos terrenos para não dar aquele
dinheiro: foi difícil de ganhá-lo; queremos fazer alguma coisa com ele; provavelmente o
pedinte irá usá-lo para beber, além de ele ser sujo e fedido; etc. Em nossa alma, temos
vários motivos para não dar o dinheiro para o mendigo. No entanto, quando entregamos
o dinheiro, atravessamos todos esses motivos, e tudo o que neles havia de mau vai
embora e não entra em quem recebeu a esmola; toda a maldade escondida nesses
motivos terrenos desaparece, queima, evapora. Com a esmola nos livramos dos maus
desejos e fortalecemos o nosso caráter.

Não há coisa mais agradável nesse mundo do que o convívio e a conversação com
pessoas de coração gentil e caráter firme. A melhor coisa que podemos fazer é ter
amizade com essas pessoas. São pessoas para as quais olhamos e sabemos que podemos
contar com elas, que podemos confiar nelas e que podemos ser livres com elas.

Por outro lado, há gente de caráter firme, mas com o coração duro, opaco, e sem muita
sensibilidade. Isso não é tão bom. Há ainda gente com o coração gentil, porém com o
caráter mole. Se baterem muito nesse tipo de pessoa, ela desiste e não segue seu
coração. Já o de caráter firme e coração duro, na hora que não entender uma situação e
ficar revoltado será um Deus nos acuda, porque ele será bruto. É por isso que
precisamos das duas coisas, ou seja, da oração e da esmola.

36
Então, todas essas coisas são obras santas, porque o material delas é santo, e cada uma
delas refina, melhora e aperfeiçoa uma coisa no ser humano, e cada uma dessas coisas
passa então a coabitar com a Graça recebida. Conforme isso vai acontecendo, elas vão
se tornando uma só. No pão espiritual, o trigo e o esforço humano neste aplicado se
tornaram um só. Esse é um grau mínimo de união com o Cristo. Não é a união pessoal e
plena tal qual a dos santos, mas ela já é uma união, porque essa obra já é unida a Deus.

4.6. A ajuda material aos piedosos como os juros de um investimento.

Então, como dissemos, a Graça que recebemos é de Deus. Ela é o talento que teremos
de investir do qual o Cristo fala. Se não investirmos esse talento, quando o devolvermos
Ele nos dirá: “Você não presta mesmo! Por que ao menos não o colocou no banco para
me render juros?”.

O que significa “colocar no banco para render juros”? Imaginemos alguém que não faz
nada com a Graça. No entanto, apesar de não realizar ativamente todo o processo de
fabricação do pão espiritual, essa pessoa vai à missa toda semana, cumpre tudo o que os
bons padres ensinam, ajuda materialmente os piedosos, os monges, a Igreja etc. Então,
fazendo isso, esse sujeito está colocando sua Graça no banco para render juros, porque
as pessoas que estão sendo ajudadas, elas estão trabalhando para Cristo, e o tempo delas
rende benefício espiritual.

A pessoa que coloca sua Graça no banco não vale muito, porque só o que ela tem é
tempo e dinheiro. Para Deus, tempo e dinheiro é coisa de pouca monta. Pensemos bem:
Ele é o Criador do Universo; quanto vale para Ele todo o dinheiro que ganhamos
durante toda a vida? E quanto vale para Ele, que é eterno, o tempo da vida de cada um
de nós, que dura quando muito uns cem anos? Isso também é de pouco valor. Mas,
como dito, isso é aceitável aos olhos de Deus. Devemos entender esses “juros” como
uma coisa menor, porém aceitável aos olhos de Deus. E se não fizermos nada com ela?
Se nada fizermos iremos para o Inferno, oras!

4.7. O simbolismo dos cinco elementos e o processo de fabricação do pão espiritual.

Como já deve ter ficado claro, todo esse processo de fabricação do pão espiritual pode
ser relacionado com a doutrina dos elementos de Aristóteles. Já dissemos que o trigo, a
Graça, é a quintessência, o elemento que veio do Céu. Quando moemos o trigo fazemos
isso com a pedra, que é do elemento terra. O jejum relacionamos com a água, a qual
unifica o trigo moído numa só massa. A oração é o ar que nela entra ao ser batida. Por
fim, a esmola é o fogo que dá a forma final ao pão. Esses são também os cinco
elementos da Cosmologia Medieval.

Depois de todo esse processo temos uma obra completa, e é por isso que sempre
disseram que o pão é um alimento completo, porque ele contém todos os cinco
elementos em equilíbrio e harmonia. E aos que ainda não sabem, os medievais e os

37
antigos diziam que o corpo é constituído desses cinco elementos, e que por isso ele
precisa de um alimento que corresponda a todos eles – justamente o pão.

Quando o Cristo pegou um pão e disse “este é meu corpo”, as pessoas da época que
tinham estudo acharam tudo muito evidente, porque o pão é constituído dos mesmos
elementos que o corpo humano. Cristo não escolheu esse alimento aleatoriamente
quando disse que ele representava o Seu corpo. Não, Jesus escolheu esse alimento
especificamente porque ele tem um sentido evidente, porque ele realmente tem essas
propriedades em si.

Devemos lembrar que muito antes do Cristo fazer isso, Deus-Pai também ensinou o
homem a fazer pão. Quando Adão caiu do Éden, o que Deus lhe disse? “Ganharás o teu
pão com o suor do teu rosto”. Ou seja, a partir daí o homem teria que comer pão, e este
seria um alimento que ele sozinho teria de produzir, enquanto no Éden não havia essa
necessidade de trabalhar e de produzir o próprio alimento. Essa é a primeira passagem
bíblica em que o pão é mencionado. Além disso, ela nos mostra também como Deus é
generosíssimo, pois mesmo punindo o homem Ele ainda lhe deu o conhecimento de
como produzir o próprio alimento.

Também é por isso que, se não fizermos pão, não temos religião, porque o pão é o
alimento para o ser caído. Se ele está caindo, ele precisa de um alimento que é enviado
pelos Céus e sobre o qual terá de colocar o próprio esforço e suor. E é esse alimento que
segura o movimento da queda.

Capítulo 5: o vinho.

5.1. A diferença entre o pão e o vinho.

E quando o vinho aparece pela primeira vez na Bíblia? Com Noé, e cronologicamente já
bem depois do pão. Assim, o pão aparece quando a humanidade toda é representada por
Adão, e o vinho aparece quando a humanidade toda é representada por Noé. Primeiro
tivemos a criação, a queda e o pão. Algumas pessoas acham que o homem saiu do Éden
sabendo o que era e como se fabricava o pão, mas isso é errado, pois Deus usou a
palavra pão, ensinou a Adão o que isso era e como era feito.

Em Noé o processo já diferente. Enquanto em Adão o pão surge como auxílio para a
interrupção da queda, o vinho surge já numa circunstância em que Noé estava subindo.
Deus olha para este e diz: “O mundo inteiro ficou ruim, e a única coisa boa aqui é o Noé
e sua família, e Eu não aguento mais vê-los dividindo o mundo com esse pessoal”.
Então veio o dilúvio, todos morrem e Noé, ao sair da arca com sua família, passa a ser o
rei do mundo. Naquele tempo a relação entre pai e filho era a seguinte: o pai mandava e
o filho obedecia. Não havia essas chorumelas de hoje. Desse modo, Noé saiu da
condição de “um homem entre os outros” e é elevado à condição de soberano do
mundo. E, nessa condição, Deus o ensina a fazer vinho.

38
Então, explicitando ainda mais essa diferença. Precisamos do pão para não cair no
Inferno, e isso é representado por Adão. Com Noé já estamos indo na direção do Céu.
Nessa situação já viramos as costas para o mundo, o qual morreu para nós, e ficamos
sós um tempão num barco onde há apenas água. Após isso, ganhamos outro mundo de
volta sem as coisas ruins. E neste novo mundo aprendemos a fazer vinho.

Essas duas imagens correspondem exatamente àquilo que o Cristo fala para o jovem
rico. Este pergunta para Aquele: “Senhor, como faço para obter a salvação?”. Jesus diz:
“Faça isso, isso, isso e isso”. Ao que o jovem responde: “Ah! Senhor, já faço isso desde
a juventude!”. Então Cristo replica: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens,
dá aos pobres e depois vem e me segue”. Se alguém então quer vinho, então “vai, vende
tudo que tens, dá aos pobres e depois vem e me segue”. O vinho só será dado a quem
largou o mundo e entrou solitário numa arca; depois da tormenta, a essa pessoa será
dado um novo mundo no qual ela aprenderá a vinicultura.

Isso quer dizer o quê? Que o pão é um dever de todos, ou seja, todo mundo deve escapar
do Inferno. Por que é um dever de todos? Porque isso é uma necessidade universal. Se
não o fizermos, pior para nós. Deus, quando deu o pão a Adão, disse: “Você é um
pecador e acabou de inventar o pecado, mas ainda assim te dou o pão, e você vai ter que
fazê-lo, porque se não o fizer morrerá de fome”. Já o vinho não, ele é um extra, digamos
assim. O vinho é dado na circunstância contrária: é para o sujeito que se separou
completamente do pecado e entrou numa arca apertadinha após perder tudo.

Por isso, quem deseja vinho espiritual, deve saber o seguinte: há um monte de coisas em
nós, em nossos pensamentos, sentimentos, desejos, em suma, em nossas vidas, que deve
morrer para que possamos adquirir o vinho espiritual. Deus não deu o vinho para Noé
antes do dilúvio e da destruição do mundo. Pelo contrário, primeiro Ele disse que uma
arca deveria ser construída e abastecida, e que nela Noé deveria entrar e se fechar até a
tormenta passar. Dentro de nós o processo se dá da mesma forma.

Mas por que isso é assim? Bem, para sabermos isso, temos que nos remeter mais uma
vez ao simbolismo do vinho. Qual é a sua característica? Qual é o efeito do vinho em
quem o bebe? Imaginemos que um sujeito saiu do trabalho muito bravo e quer brigar
com a esposa, e que antes de voltar para casa ele passa no bar e enche a cara. O que ele
fará em seguida? Ele voltará para casa e baterá na esposa. Agora, imaginemos outra
situação: uma pessoa está muito triste, deprimida e frustrada. Se ela encher a cara, o que
acontecerá? Ela certamente irá chorar. Uma última situação: um indivíduo está muito
contente e quer festejar, mas está com vergonha. Então ele enche a cara. O que
acontecerá? Ele festejará.

Temos que notar o padrão nisso. Havia algo dentro dessas pessoas que elas ou não
queriam ter, ou não conseguiam suprimir, ou tinham vergonha ou medo de mostrar, ou
até desconheciam, e que por um desses motivos não era trazido à tona e não era

39
revelado. A capacidade de ocultar ou de manter ocultas essas coisas desaparece com o
vinho. Às vezes costumamos falar que as pessoas se transformam quando bebem, mas,
na verdade, ninguém se transforma coisa nenhuma, porque tudo o que fazem bêbadas já
estava dentro delas. E às vezes nem mesmo sujeito que bebeu sabia o que estava dentro
dele. Quando Noé, por exemplo, prova o vinho, ele se mostra nu para seus filhos – a
nudez normalmente é coberta, e daí ela é descoberta –, e então eles têm que desviar o
olhar.

Portanto, o vinho tem este efeito: ele revela o que está oculto. E como o que está oculto
aparece agora ampliado e aumentado, o sujeito perde a capacidade de domínio. Porém,
dizer isso não é dizer que o vinho revela quem a pessoa é. Não, pois o que somos é
Deus que decide. Só o santo sabe o que é, pois ele já comeu do pão, já provou do vinho
e já teve a consagração. O vinho apenas mostra o que está oculto, o que o sujeito não
pode ver. Se ele tinha guardado dentro dele uma coisa boa e maravilhosa, o vinho
mostrará uma coisa boa e maravilhosa. Já se o sujeito só tinha paixões dentro de si, a
bebida só mostrará umas dessas três paixões principais: a) amor aos prazeres, caso em
que ele começará a festejar e a passar a mão nas mulheres; b) a tristeza, caso em que irá
chorar; c) e a raiva, caso em que ele começará a brigar com todo mundo – ou pelo
menos tentar, pois dependendo do grau de bebida não conseguirá.

É por isso que o vinho só pode ser concedido para alguém que sofreu uma profunda
transformação espiritual. A partir do momento em que as paixões, representadas pela
humanidade do tempo de Noé, representam as paixões humanas, são eliminadas, só
então é possível que se revele o que está dentro do sujeito, porque nele sobrou apenas
aquilo que é de natureza excelente.

Podemos dizer que esse vinho é o vinho da Santa Ceia? Não. Se alguém já é um santo,
no momento em que comunga ele recebe esse vinho; para o santo, quando ele comunga
assim, revelam-se os mistérios ocultos de Deus. O santo literalmente vê o Cristo na
eucaristia. Já quando nós, réles mortais, vamos à Missa e recebemos a eucaristia,
chegamos a ver o Cristo no pão e Seu sangue no vinho? Portanto, os mistérios estão
ocultos a nós, e isso porque não temos ainda vinho espiritual.

E isso que estamos dizendo não é uma acusação, mas um diagnóstico. Acusação seria se
disséssemos que alguém não tem nem pão. Isso seria mesmo algo para a pessoa se
envergonhar, porque quem não tem pão irá para o Inferno. Porém, quanto ao vinho, o
próprio Cristo disse: antes de ficarmos santos temos que alcançar a salvação.

Relacionando a passagem de Noé e do dilúvio com a passagem do jovem rico e de Jesus


Cristo, podemos dizer que o “vende tudo que tem” é o fazer a arca, que o “dá aos
pobres” é o entrar na arca e a destruição do mundo, e que o “vem e me segue” é o
navegar da arca até um ponto determinado por Deus, onde as águas baixarão e
poderemos descer dela, e onde finalmente formaremos uma aliança com Ele a qual por
Ele será consagrada. Somente após todo esse processo é que o vinho nos será dado.

40
Quando Cristo fala que devemos vender tudo o que temos, esse “tudo o que temos” é a
nossa alma com seus movimentos e suas paixões. Se não nos separarmos desses
movimentos e paixões, então seremos destruídos com eles. Esse é um dos motivos por
que Deus não dá o vinho a qualquer um.

No Brasil, o bom padre no máximo nos dará trigo limpo. Esse é o nível aqui. Já num
ambiente normal, o padre pode ensinar o processo completo de fabricação do pão
espiritual: para isso ele daria indicações sobre a liturgia a ser frequentada, qual a
maneira correta de rezar, de jejuar e de dar esmolas. Isso é o que o padre perfeito faria, e
é uma coisa que pode ser ensinada mais ou menos de maneira uniforme para todo
mundo. Agora, ensinar a construir uma arca e entrar nela para que Deus destrua o que
lhe é exterior são outros quinhentos. Isso já não pode ser ensinado para todos. No tempo
do Noé, da humanidade inteira Ele ensinou apenas uma pessoa.

Cristo disse que “muitos serão chamados, mas poucos os escolhidos”. As pessoas que
fazem pão são os “chamados”. Hoje em dia é comum pensarem que “chamado” é
alguém que Ele chamou para praticar a religião mas se recusou a tal, e o “escolhido”
seria o que começou a praticá-la. Não, isso é tudo besteira, isso é tudo invenção da
nossa cabeça! “Chamados” são todos os que partilham da religião e que fazem o pão.
Muitos são os que fazem isso, graças a Deus. Agora, dos que sabem fazer pão, quantos
farão vinho? Poucos.

Dizer que muitos foram e serão chamados é o mesmo que dizer que todos serão salvos?
Também, não. Ou seja, nem todos aceitarão o chamado, que é o chamado para praticar a
religião e obter a salvação, mas que todos foram e serão advertidos quanto a isso não há
dúvidas. Deus admoestará a todos, porque Ele é Deus e não o Diabo. Ele sempre dá uma
advertência suficiente para que as pessoas comecem a praticar a religião.

Quando entramos na religião, atendemos a um chamado e passamos a ser “os


chamados”. Agora, dentro da religião, quantos poderão aprender a fazer vinho? Quantos
construirão uma arca, entrar nela e seguir o ensinamento de Deus quanto a isso? Muito
poucos. Por quê? Esse ensinamento normalmente não é dado por padres e bispos. São
estes que nos ensinarão a fazer vinho? A maioria das pessoas nunca leu nenhum santo
falando entre o século IV e XX de padres e bispos. Nunca! Quem pode nos ensinar a
fazer vinho são santos, pois eles são as pessoas que aprenderam essa arte. Um bom
padre pode até nos dizer: “Existem os santos e o seu caminho”. Mas tal padre não pode
nos ensinar a ficar santo. E isso não porque seja proibido, mas simplesmente porque é
uma impossibilidade, porque ele não sabe. Se soubesse, talvez ele próprio já fosse um
“escolhido”.

Então, a diferença entre o pão e o vinho é essa: o vinho é para poucos, é para os que
entraram na arca, venderam tudo que tinham e deram aos pobres, e para todos os outros
ele é destruição.

41
5.2. O piedoso e o santo.

Já comentamos um pouco sobre a existência, na Igreja, do pão e do vinho. Idealmente,


temos que fabricar ambos para nos tornarmos santos. Porém, realmente não é necessário
que nos preocupemos agora com a fabricação do vinho, pois o que acontece quando
uma pessoa faminta e de estômago vazio toma essa bebida? Ela passa mal! Deus
escolheu essas figuras de linguagem para nos ensinar uma coisa óbvia. E a aquisição de
vinho é até impossível sem a anterior aquisição de pão. Se morrermos e a única coisa
que sabemos fazer é o pão, não devemos nos preocupar, pois já estaremos salvos. Isso
foi Jesus quem nos garantiu. Quando nos tornamos principiantes em vida cristã
automaticamente nos tornamos parte da comunidade cristã e já estamos salvos.

No entanto, se alguém ainda achar que somente frequentar uma igreja qualquer é o
suficiente, tudo bem, mas não garantimos a salvação dessa pessoa. Não diremos
também que alguém assim esteja dentro da religião cristã, pois não foi assim que os
santos nos ensinaram a praticá-la. Às vezes algumas pessoas podem ter tido uma
iluminação pessoal, às vezes o arcanjo Gabriel pode ter aparecido para elas e dito: “As
regras mudaram: agora não precisa mais de pão, vale batata-chips”. Pode ser que isso
aconteça. Pode ser que alguém tenha uma religião a qual foi por ela ou por outra pessoa
inventada, mas não podemos dizer que tal religião a salvará, pois isso seria desonesto
para com Deus e para com os santos.

A coisa mais fácil do mundo é colocar a nossa salvação em modo de piloto automático.
É muito fácil entrarmos num ônibus e não olharmos para onde ele está indo. Porém, de
repente, começamos a ver um vulcão e lavas saindo dele, e depois começamos a ver um
bicho com chifres e um tridente na mão. E, ainda assim, algumas pessoas diriam: “Isso
não é nada! Estamos no ônibus para o Céu!”. Mas é muito fácil sentarmos no ônibus
errado, e por isso devemos ter em mente o seguinte: tudo na religião tem que ser feito
no espírito e na verdade. Esse espírito e essa verdade são aquilo que conhecemos com a
nossa pérola. O que é feito com espírito e verdade é o que Deus aceita. E o resto? Deus
não aceita, porque Deus é espírito, e o próprio Cristo explica isso. Dá trabalho? Um
pouco. Na verdade, dá menos trabalho do que ganhar dinheiro, e todos nós conseguimos
ganhar dinheiro para pagarmos as nossas contas.

Pois bem, num processo de desenvolvimento espiritual normal, identificamos o campo


em que está a nossa pérola quando nos tornamos padeiros profissionais. Neste
momento, algo pode acontecer em nossas vidas e fazer com que nos perguntemos:
“Como será o Céu? Como será Deus? Como será realmente o Fogo da Caridade?”. Pode
ser que alguma questão sobre a vida divina apareça em nossa mente e nos incite a
transitar, digamos assim, de uma profissão para outra, isto é, de padeiros para
vinicultores. O normal é que isso aconteça às pessoas que já sabem fazer o pão.

42
Mas, como dissemos, isso é variável. Há casos em que a pessoa não tinha nem religião
e, de repente, algo acontece em sua vida que a faz pensar: “Caramba, achei uma pérola
em mim, e agora preciso começar a colher trigo!”. Realmente há pessoas que são assim.
Mas existem pessoas para as quais isso não acontece. Tais pessoas não sabem o que é
santidade, não sabem como é Deus, mas elas não querem ir para o Inferno e estão
dispostas a praticar a religião como Deus a prescreveu. Então, ela vai aprendendo a
fazer pão e se consolida nesse trabalho, e um dia ela percebe a diferença que há entre
pão e vinho.

Como isso acontece? Devemos nos lembrar primeiramente sobre a comunhão dos
santos. Se conseguirmos fazer pão, tornamo-nos parte da verdadeira comunidade cristã,
tornamo-nos parte da Cidade de Deus, como dizia Santo Agostinho. Nessa cidade, há
pessoas que produzem vinho, e essas pessoas não gananciosas e egoístas. Quando esses
vinicultores vêem uma pessoa com pão, elas pingam um tanto de vinho nele, e então a
pessoa que antes nunca o experimentara percebe: “Meu pão hoje está mais gostoso”.
Assim, as pessoas que fazem pão habitualmente muitas vezes já provaram algo de
vinho, e só não se tocaram que essa diferença no sabor se dá por causa da bebida.
Quando elas se dão conta disso e conscientemente sabem o que é o pão e o que é o
vinho, então elas chegam na Quarta Morada de que fala Santa Teresa.

Não estamos aqui descrevendo os graus de desenvolvimento espiritual tal como Santa
Teresa os descreve, de maneira geral, porque esse desenvolvimento tal como ele
acontecia em sua época não acontece da mesma forma hoje. Naquele tempo, a religião
estava muito limpa. Mas hoje em dia, na maior parte das igrejas católicas e evangélicas,
encontramos trigo misturado com veneno. A maior parte das igrejas em que as pessoas
iam só tinha trigo puríssimo, e por isso todos, mesmo os maus cristãos, estavam
habituados com um tipo de alimento que hoje quase ninguém está habituado. Então,
antes havia um ambiente espiritualmente homogêneo com uma base sólida de sanidade.
Em tal contexto, a transição espiritual de um estágio para o outro costuma seguir muito
o manual de instruções. Já num ambiente tão doentio como o Brasil, o desenvolvimento
espiritual de uma pessoa que compreende essas realidades pode parecer bastante
irregular.

Justamente por isso, há pessoas que descobrem a pérola estando na Primeira Morada, o
que faz com que elas comecem a praticar a religião. Há ainda as pessoas que são o
contrário: que só depois de estarem muito habituadas a fabricar pão percebem que já
provaram alguma coisa de vinho. E há ainda aqueles que só descobrem isso depois da
morte, o que não é em si mesmo um problema. Se alguém já se alimentava de pão, a ele
não será negado nem descobrir a pérola nem comprar o campo em que a pérola está. Por
quê? Porque o trigo com que é feito esse pão é plantado no mesmo campo em que a
pérola está escondida. E porque a pessoa passou a plantar o trigo nesse campo, ela
adquire sobre ele o direito de propriedade. Não é que ela adquire o domínio real sobre
ele. Ela não se torna o rei e o dono do campo, mas ela tem o direito de usufruto
justamente por trabalhá-lo.

43
É esse o motivo pelo qual seremos salvos mesmo não tendo descoberto a pérola. Como
adquirimos o direito sobre aquele campo, em certo sentido é uma questão de tempo para
que achemos a pérola. E, na verdade, nem levará tempo algum, pois o Cristo mesmo e
os santos de nós se aproximarão e dirão: “Está vendo isso aqui? Este é o campo da sua
alma. Olhe como você o trabalhou durante sua vida. Então, está vendo aquele lugar ali
que tem um trigo melhor? Por que será que tem um trigo melhor?”. Jesus mesmo irá nos
orientar e nos salvar, porque nós e nosso campo já estaremos ligados, ainda que não
tenhamos o poder de império sobre ele como os santos têm.

E por que os santos têm esse poder de império sobre as suas almas? Porque quando os
santos mandam a alma obedece, ou seja, eles têm o domínio de fato sobre seus campos.
Já o piedoso adquire apenas o direito de posse sobre sua alma, isto é, ao piedoso é
garantido o direito de trabalhar o seu campo para que ele produza seu alimento. O santo,
sobre o seu campo, pode construir, se quiser, torres, castelos, piscinas etc. Ele tem poder
de império total sobre a sua alma e pode fazer com ela o que quiser. Já os piedosos só
podem plantar e colher o trigo para fabricar o pão. É por isso que os santos fazem coisas
que nos deixam maravilhados, pois eles têm pode real sobre suas almas.

Podemos com dizer com toda segurança que a Cidade de Deus é uma sociedade
justíssima. Se alguém precisa de pão, a ele é garantido um campo para que possa
produzi-lo. Na sociedade humana, às vezes isso não acontece. Às vezes precisamos de
alguma coisa, temos a habilidade, o talento e a força, mas não conseguimos uma
oportunidade, seja por azar seja por injustiça. Na Cidade de Deus, podemos obter tudo:
alimento, bens, riqueza e até mesmo uma coroa! Foi Deus quem nos prometeu um reino,
e nesse reino cada um recebe o que lhe é devido. Então, a quem quiser fabricar pão,
Deus dará o direito de produzi-lo num campo. A quem quiser encontrar trigo limpo para
plantar, Deus dará as sementes. Não precisamos nos preocupar, pois estamos falando da
Cidade de Deus, e o soberano dela é Deus, então necessariamente nela encontraremos
tudo o que precisarmos. Então, concluindo esse ponto, enquanto estivermos fazendo
pão, esse campo será nosso. Se morrermos fazendo pão, ele ainda continuará sendo
nosso.

5.3. O estágio avançado e o perfeito da vida cristã.

Quando os Santos Padres falavam em principiante, avançado e perfeito em vida cristã,


essa terminologia não era usada por eles serem orgulhosos, mas porque esse era o termo
que o Cristo mesmo usou quando disse: “Se queres ser perfeito [...]”.3 Por isso devemos
ter o seguinte em mente: se alguém afirma que a perfeição é impossível, essa pessoa
acredita numa religião diferente da do Cristo, porque Ele disse expressamente: “Se
queres ser perfeito [...]”. Ele não disse: “Se queres ser quase perfeito”. E é por isso que

3
[...] vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e depois vem e me segue.

44
os Santos Padres, nos primórdios da Igreja, usavam a terminologia do principiante, do
avançado e do perfeito.

Porém, qual a diferença entre o estágio avançado e o perfeito? É interessante notar que
há uma descontinuidade no simbolismo que usamos até agora para representá-los. O
vinho pode ser usado como símbolo da perfeição, como de fato é usado no caso de Noé:
nesse caso, ele representa o estado de perfeição, porque quem está construindo a arca é
o principiante, o avançado é quem está dentro da arca, e quem saiu da arca e recebeu o
vinho é o perfeito.

De maneira geral, no Cristianismo o simbolismo é um pouco diferente. Quem está


fazendo pão é principiante, porque o pão cristão tem uma característica: ele não é
exatamente uma lei formal como a lei judaica. Ao mesmo tempo em que é um conjunto
básico de disciplinas ele também já é um primeiro grau de aproximação de Deus e de
santificação. Como dito, o pão é o estágio principiante. Quando estamos aprendendo a
fazer o vinho, então estamos no estágio do avançado. E quando esse vinho é
consagrado, então estamos no estágio perfeito.

Se um santo nos ensinasse a passar do estágio principiante em vida cristã para o estágio
avançado e o perfeito, como ele faria isso? Em primeiro lugar, ele nos ensinaria a fazer
o melhor pão possível. A segunda coisa que ele faria seria ensinar orações que nos
levariam para dentro de nós mesmos, ou seja, para dentro de uma arca. Dentro dessa
arca então provaríamos vinho. E quando saíssemos da arca, olharíamos para a realidade
e o mistério das coisas transpareceria para nós.

Mas como isso? Uma pessoa comum, quando olha uma parede, só vê uma parede, e
quando olha uma árvore, só vê uma árvore. Já avançado em vida cristã, quando olha
uma parede ou uma árvore, ele vê o poder criador de Deus realizando aquilo. Por quê?
Porque o vinho revela as coisas que lhe estavam ocultas, e, ao sair da arca, ele sai com
essa embriaguez. Então, as coisas não o separam do mistério delas. E, por estar vendo a
operação divina, ele tem um critério de julgamento sobre o que deve fazer muito
diferente do critério das pessoas comuns, porque na maior parte do tempo ele não está
interagindo com coisas e pessoas, mas está se relacionando com Deus – isso ainda não é
uma relação de intimidade pessoal com Ele, mas sim com as Suas obras.

Uma pessoa assim ainda pode sofrer tentações? Devemos esquecer as tentações por
enquanto. Por que não devemos tentar, nesse momento, entender como funciona o
sistema das tentações ou o Demônio? Este é um princípio básico não do Cristianismo,
mas de Ontologia e Metafísica: se não entendemos o fenômeno positivo, não
entenderemos o negativo. Se não soubermos o que é um anjo, não entenderemos o que é
um demônio. Se não entendermos o que os anjos fazem, não entenderemos o que os
demônios fazem. Isso é impossível, porque o ser humano não inteligente como os anjos.
O ser humano é burro, como os animais. Para sabermos como uma coisa é, temos que
pô-la na boca, por assim dizer, assim como um bebê quando nasce começar a colocar

45
tudo em sua boca. O estado humano é esse. Precisamos colocar as coisas na boca senão
não sabemos de nada e tudo se resume ao “ouvi falar”. E mais ainda: as coisas ruins, os
venenos e os demônios, se os colocamos na boca, morremos. Para entender o que são
essas coisas não podemos experimentá-las, pois se as experimentássemos morreríamos.

Mas como então podemos entendê-las? Temos de saber que este fenômeno é a negação,
a privação, o contrário, a falta, uma espécie de imagem invertida de outro. Se provarmos
o fenômeno por assim dizer positivo, entenderemos o negativo por abstração e reflexão.
Se sabemos o que é um alimento bom e que ao comê-lo nos tornamos fortes, podemos
entender reflexivamente que o alimento ruim é aquele o qual comemos e nos torna
fracos. Essa é uma característica da inteligência abstrata: conhecendo uma coisa, ela é
capaz de conhecer igualmente o seu contrário, sem a necessidade de experimentar as
duas para conhecê-las.

Daremos mais um exemplo: o médico estudou como cortar as nossas tripas para que
possamos viver. Agora, e se o perguntássemos se ele sabe cortar as nossas tripas de uma
maneira que nos faça morrer? Melhor do que ninguém ele sabe como fazer isso, e sem
nenhum treino. Ele não precisou aprender como é que se mata alguém cortando as suas
tripas. Não, ao aprender a costurar as pessoas, aprendeu a estropiá-las. No entanto, se
aprendêssemos a estropiar os outros, aprenderíamos a curá-los? É claro que não.

5.4. A milícia divina.

Não devemos pensar em quem tem tentação e quem não tem. Isso pouco importa.
Somente no Céu não há tentação. No Paraíso teremos nossa folga, a nossa
aposentadoria. Lá as árvores se inclinam, nos dão o fruto e nós comemos. Não há mais
nenhum elemento de dificuldade. Fazer o pão no Reino dos Céus será a coisa mais fácil
e simples do mundo, porque Deus organizou a sua cidade de maneira perfeita. Que
maneira é essa?

Como dito, se fizermos pão, passamos a ser civis da Cidade de Deus. Assim, Ele nos
colocará no miolo do reino, o qual é cercado e protegido por Seus exércitos, os quais
estão lutando contra os demônios. Quem está nesse exército? Os santos e os anjos. Se
fizermos pão, então seremos trabalhadores úteis e seremos protegidos. Mas justamente
como trabalhadores, teremos condições de meditar e identificar os demônios, as
tentações e de nos livrarmos deles. Não, não poderemos! Não temos essa capacidade!
Padeiros não se caracterizam por sua sabedoria. Estaremos protegidos dessas coisas,
isso é certo. Os anjos e os santos estarão formando um círculo em torno de nós o qual
repelirá os piores demônios e tentações de nossas vidas.

Portanto, o santo é alguém que entrou no exército divino. Se alguém é uma pessoa
muito legal – e isto já é raro no Brasil –, ele ficará folgadinho e em paz fazendo pão
dentro da capital. Mas o santo é aquele sujeito que olha para essa vida pacata e diz:

46
“Que vergonha! Os outros estão lá lutando e eu estou na maior fartura!”. Eles criam
vergonha na cara e decidem entrar no exército.

Há quem diga: “Ah!, mas então o santo tem tentações!”. Essa pessoa não sabe do que
está falando. Quem diz isso age como o sujeito que fala mal do militar da sua nação. No
entanto, os militares foram o proteger, a vida deles é dura, eles ganham mal, eles têm
que estar toda hora obedecendo alguém num lugar em que podem morrer a todo
momento.

Então, o santo é um combatente, enquanto nós somos somente civis, e isso se


estivermos fazendo pão. Estamos falando aqui de quem já está fazendo pão. Quem
come uns trigozinhos, de vez em quando limpos, de vez em quando sujos, não entra
nessa categoria. Quem consistentemente está fazendo pão é um cidadão dentro de um
território pacificado e conquistado pela milícia de Deus.

Por isso devemos saber, quanto às tentações dos santos, o seguinte: os demônios são
quem poderia nos levar para o Inferno. Vendo isso, os santos lhes dizem: “Venham cá,
vamos quebrar o pau!”. Depois da briga, os diabos saem amoados dizendo: “Não
aguento mais ir lá e fazer Fulano se perder. Não aguento!”. Os demônios, ainda que
tenham muito poder, não o tem infinito e nem são ilimitados. Eles também se esgotam e
se cansam. Quando os santos e os anjos os combatem, eles não aguentam vir nos tentar
e nos desviar. É por isso que muito do que dizem das tentações, das provações e das
dificuldades dos santos e dos avançados não tem nada a ver com as suas necessidades
espirituais, pois eles se submetem a isso para proteger os fiéis.

E, obviamente, eles têm uma recompensa pelo seu esforço: Deus põe uma medalha de
honra em seus peitos. Há quem ache que por fazer pão deve ganhar uma medalha
também, mas isso não faz o menor sentido! Aquele que está se arriscando e suando, que
está perdendo sangue, suor e lágrimas para que vivamos em paz e tenhamos a liberdade,
Deus o exaltará, porque Ele também é nobre, e não um padeiro. Deus é o senhor do
universo, é o soberano, é o rei dos reis, é o mais nobre dos nobres. É justo que Ele
iguale um padeiro que vive no bem-bom a um militar que arrisca a própria vida pelos
outros? Claro que não.

Devemos ter em mente que as tentações dos santos não são iguais às de um zé-ninguém.
As pessoas comuns têm tentação ou porque não praticam a religião, ou porque comem
veneno. Os comuns não precisam de demônios para serem derrubados! Nas palavras do
próprio Demônio, ele diz que os diabos vão atrás dos grandes porque os pequenos vêm
por si. O Diabo, para os pequenos, é o contrário: para estes aquele dá mais dinheiro,
saúde, mulher; ele facilita a vida dos outros para que ninguém nunca nem pense em
Deus e na possibilidade de ir para o Inferno. E se tem uma coisa que sabemos é que,
quando aperta o cinto, a fé aumenta. Portanto, o Diabo não quer apertar o nosso cinto;
muito pelo contrário.

47
Então, a fabricação de vinho é para os que são combatentes no exército de Deus. E será
que queremos ser combatentes? Será que nascemos para isso? Só há um jeito de saber:
primeiro temos que nos tornar membros da Cidade de Deus, e para isso temos de passar
bastante tempo colhendo trigo limpo, transformando esse trigo em pão e nos
alimentando deste pão. Mas, no geral, o que acontece à maior parte das pessoas? Se
fizerem isso por três anos, perceberão que todos os seus dilemas interiores e suas
angústias principais desaparecerão; os problemas que as fazem pensar que talvez
tenham que ficar santas e procurar a Deus desaparecerão. Elas terão paz, firmeza,
estabilidade, satisfação. Elas estarão na ambiência do Espírito Santo.

Talvez, depois que estiverem nessa ambiência, pode lhes acontecer duas coisas. Quando
nos tornamos piedosos, lembramos de como nossa vida era terrível, de como vivíamos
no lixo e na imundície como um animal vil. Lembramos disso porque temos um ponto
de comparação. Quem não tem um estado da limpeza habitual não tem a comparação na
mente e sente que está limpo, porque só o que conhece é sujeira. No momento em que
estamos vivendo num lugar limpo, perfumado, arejado, bem alimentado, ensolarado,
com uma brisa agradável e com árvores nos lembramos onde vivemos antes, e temos
noção de como era terrível nossa condição anterior.

Nessa ambiência, estaremos ouvindo as coisas dos santos, e alguns de nós terão vontade
de ser combatentes. A santidade é como entrar numa milícia. É uma coisa difícil, árdua
e arriscada. É uma coisa para os fortes. Então, elas só saberão se realmente querem isso
quando estiverem bem alimentadas e na Cidade de Deus. A memória da nossa condição
passada somada à notícia da condição futura, que é o Céu, pode criar a inclinação
suficiente pra que alguns decidam entrar no exército.

Esses dois fatores juntos é que podem levar alguém a essa escolha, porque se alguém
está num lugar maravilhoso e olha somente o seu estado presente, será mesmo que ela
se decidiria a arriscar essa vida? Vivemos atualmente protegidos pelo Estado, e a
maioria de nós nem pensa em se arriscar no combate a traficantes e bandidos para
proporcionar uma vida boa para os outros. Não, ficamos confortáveis pagando nossos
impostos e reclamando por isso. A maior parte das pessoas decide não entrar na milícia
celestial, e isso não é um problema, porque quem está no refúgio que é a Cidade de
Deus não irá para o Inferno. Mas esse refúgio não é um lugar ou um templo a que
podemos ir. Esse refúgio é uma operação que realizamos, é um alimento que fazemos.

As pessoas dizem querer ter uma vida boa, e então pensam um monte de coisas: ter
dinheiro, amigos, paz na família etc. Essa é a imagem que têm do que é uma vida boa,
mas isso é viver no lixo, na fossa, na sujeira com vermes e fezes. Mas quando passamos
a comer um pão espiritual saudável e limpo, num lugar limpo e são, na companhia de
pessoas limpas e sãs, nos sentimos como se estivéssemos no Céu. Somente quando isso
for uma condição estável é que podemos decidir se queremos a santidade. Não podemos
passar do estado de animal diretamente para o estado de combatente na milícia divina.
Não, temos que passar do estado de animal para o estado de mendigo, depois para o

48
estado de cidadão, depois para o estado de combatente, e por fim ao estado de herói de
guerra. O santo é um combatente heróico que vence a guerra com honrarias. Não
podemos pular do estado de cachorro diretamente para o estado de herói de guerra.
Temos que subir gradativamente.

Primeiro, então, passamos do estado de cachorros para mendigos. O que é o mendigo? É


o sujeito que procura onde há bons alimentos justamente por não saber como fazê-los
ou consegui-los por suas próprias mãos. Como mendigos, temos que procurar lugares
em que outras pessoas nos darão um bom alimento, e, ao mesmo tempo, pedir
incessantemente a Deus que nos ensine a produzir nossa comida. Se fizermos isso, Ele
irá nos ajudar e nos ensinar, e então viveremos de um alimento são num ambiente são.
Então, quando passarmos a nos alimentar bem e a viver num ambiente saudável, é mais
provável que não pensaremos em sair da vida para ir a uma vida de dificuldades e
combates.

A pessoa que não tem um bom alimento está a todo momento esperando que sua vida
mude de direção. Há sempre uma parte nela que está insatisfeita ou vazia. Mas a pessoa
que bem se alimenta é diferente, pois está com suas necessidades satisfeitas. E a pessoa
que está satisfeita pode, talvez, se ela quiser, fazer algo de grandioso, justamente porque
tem forças para isso.

Na vida espiritual é a mesma coisa. Só quando estivermos bem alimentados e num lugar
seguro poderemos pensar em sermos heróis, em querer que os mistérios de Deus se nos
abram e em querer uma relação de intimidade e amizade com Ele. A intimidade com e a
amizade de Deus é própria dos perfeitos: estes se aproximam dAquele e Aquele se
aproxima destes. Ambos se tornam como membros da mesma família e da mesma casa.
E essa é a recompensa dos perfeitos.

Quanto a este ponto, temos que enfatizar mais uma vez: a diferença entre uma pessoa
que está aprendendo a produzir um bom alimento e uma pessoa perfeita é maior do que
a distância entre o Céu e a Terra.

5.5. A intimidade com Deus.

Quando dizemos isso, sempre nos perguntam: “Mas não posso ter intimidade com o
Cristo quando eu estou fazendo o pão?”. É claro que não. O Cristo nos delegou uma
tarefa muito simples: disse-nos para sermos fiel nesse pouco que nos foi mandado e que,
depois de um tempo, Ele voltaria para avaliar a nossa condição. Se tivermos cumprido a
nossa parte, então quer dizer que poderemos ser fiéis também em tarefas mais árduas, e
somente então nos será dado um reino e seremos como Ele. E porque Deus é o rei dos
reis, para termos alguma intimidade com Ele também precisamos ser reis. Reis só têm
intimidade com reis, e não com padeiros.

49
E alguém ainda poderia insistir e objetar: “Mas Ele não é Pai?”. Ele é Rei, e nós somos
apenas servos. Qual a imagem por Ele usada? Ele diz que somos servos e que devemos
trabalhar no Seu negócio. Quando sai para viajar, Ele nos dá um talento, diz para o
investirmos e vai embora. Quando Ele volta, é crível que volte nos abraçando como
fazem amigos íntimos que se reencontram? Claro que não. Quando Ele voltar, irá nos
perguntar sem rodeios: “E aquele talento que Eu te dei? O que você fez?”.

E esse talento, o que já dissemos sobre ele? O talento é o trigo que Ele nos dá para que
façamos o pão. Somos somente servos que trabalham no campo, e Ele não tem nenhuma
intimidade conosco. Deus não convive com o que é sujo. Claro, Ele nos ajuda, nos
ensina como devemos nos limpar e até mesmo nos dá banho, mas não nos dá
intimidade.

É comum as pessoas fantasiarem uma intimidade com Ele a qual não existe. Isso seria
fazer o mesmo que um zé-ninguém quando este fica se gabando de ser amigo dos
famosos: “Ah, fui na festa do Fulano, fui na festa do Ciclano etc.” Quem não fica com
vergonha alheia de uma pessoa assim? Se alguém vai à festa dos famosos isso não
permite concluir que estes sejam amigos íntimos daquele. Poderíamos perguntar do zé-
ninguém para os artistas: “E então, ele estava na festa de vocês?”. Ao que eles nos
diriam: “Mas quem é o zé-ninguém? Nós vamos lá saber de todo mundo que estava na
nossa festa?”. Então, o mesmo acontece com quem diz: “Meu amigo Jesuzinho!”. Será
que Ele está falando a mesma coisa? Não, porque Ele nos disse como trata das coisas.

Em primeiro lugar, Ele aceita que trabalhemos por Ele, o que nos coloca não condição
de seus servos. E o que significava ser servo na época de Jesus? O servo era aquele que
se vendia como propriedade para seu senhor. Então, o senhor era dono do servo! Então,
nessa situação, é como se Jesus nos dissesse: “Eu te aceito como servo, mas não venha
com intimidade e com beijação de mão, porque Eu não quero que você encoste em
mim!”.

Então, depois de um tempo, Ele nos diria: “Você tem trabalhado bem e tem sido um
bom servo. Como tenho que fazer uma viagem, aqui estão alguns bens que você deverá
administrar na minha ausência. Vamos ver do que você é capaz”. Ao retornar da
viagem, Ele certamente não chegará dizendo: “Meu servo! Que saudades!”. Não. Jesus
certamente diria: “E então, o que você fez com os bens que deixei em suas mãos?”. Se
disséssemos que multiplicamos os bens por cinco, então Ele nos responderia: “Bom
servo! Toma aqui um reino, pois agora você não é mais um servo, e sim um senhor
como eu”. Nesse momento Deus passaria a ter intimidade conosco e a nos visitar em
nossos próprios reinos.

Devemos pensar no seguinte: muitos já leram a vida dos santos, certo? E por que
ninguém consegue atingir esse estado de perfeição? Deus mentiu quando disse “pedi e
vos será dado”? É óbvio que não! Então, temos que concluir: estamos pedindo alguma
coisa errada. Podemos até pensar que estamos pedindo, mas não estamos. Nós e Deus

50
estamos usando as palavras em sentidos diferentes: Ele está falando uma coisa enquanto
estamos entendendo outra.

Assim, pensamos que cumprimos o que Ele nos ordenou quando na verdade fizemos
algo diferente. E Deus sabe muito bem que não fizemos o que Ele mandou. Sobre a
religião, Ele não disse para pensarmos em nossas bobagens sendo que depois teríamos
outra explicação Sua. Isso não faz parte da promessa Dele. E o que isso quer dizer? Que
estamos tentando fazer algo, mas estamos fazendo tudo errado, tudo errado.

Todas essas coisas que estamos falando estão nas Escrituras: o pão, o vinho, a
consagração. Deus não deu a Bíblia para uns, e a Bíblia e o dicionário para outros
poderem traduzi-la. Tudo isso está explicado nas Escrituras, a qual é a mesma para nós
todos. Isso quer dizer que a estamos lendo, mas estamos entendendo outra coisa.

Sabemos que isso não é por maldade. Há pessoas que se acham espertalhonas e pensam:
“Vou pegar a Bíblia e descobrir um jeito de enganar as pessoas para me dar bem!”. Se
achássemos que os leitores são assim, nem escreveríamos este livro para eles. Na
verdade, o que aqui estaria escrito seria: “Segue teu caminho sujo e imundo e não
chegue perto de nós”. Mas geralmente as pessoas são honestas: pensam que a religião é
de um jeito e querem cumpri-la como Cristo ensinou. Mas daí surge a questão: “Como é
a religião do Cristo?”. E logo em seguida a resposta vem: “Ah, é assim, assim e
assado!”. Caso reste alguma dúvida, o padre pode inventar mais umas minhocas para
colocar em nossas cabeças.

Como dito, as pessoas pensam que têm intimidade com Deus, mas isso é errado. Quem
teve intimidade com Ele, por exemplo, foi São Bento e Santa Escolástica. Uma vez, São
Bento foi visitá-la, mas Santa Escolástica não queria que ele fosse embora, então pediu
a Deus: “Ah, faz chover para São Bento não ir. Quero que ele fique mais aqui”. E o
pedido dela foi atendido. Isso é intimidade com Deus.

Quando alguém é íntimo de outra pessoa, esse alguém faz favores pessoais à outra e
vice-versa, e há coisas que somente são feitas porque existe a relação de intimidade
entre ambos. Há vezes em que um amigo nos pede certo favor e lhe respondemos:
“Farei isso só porque é você que está pedindo! Para ninguém mais eu faria tal coisa!”.
Se tivéssemos intimidade pessoal com Deus, Ele certamente estaria nos fazendo esses
favores especiais. O que é perfeito, como o Pai dos Céus é perfeito, tem intimidade
pessoal com Ele, porque o perfeito ama o perfeito, e os perfeitos gostam de conviver
com os perfeitos. Então, Deus só tem intimidade com os perfeitos, e para estes Ele
concede favores pessoais.

Mesmo os apóstolos, só ficaram amigos de Cristo depois de um tempo. Estamos falando


dos apóstolos! Aqueles que estavam aprendendo o Cristianismo com o Cristo em
pessoa! Foi apenas um pouco antes da Paixão que Jesus lhes falou: “Agora vocês são
meus amigos”. Eles estavam se esforçando já há três anos, sendo perseguidos pelos

51
judeus, odiados pelos fariseus e vivendo na pobreza! Antes de seguirem o Cristo, os
apóstolos tinham dinheiro e vida boa: um era cobrador de impostos, outro pescador, etc.
Quando passaram a seguir Jesus, não mais mantiveram seus empregos, tiveram que
começar a pedir esmolas e a comer aquilo que lhes davam. E mesmo fazendo tudo isso
demorou três anos para que Cristo se referisse a eles como amigos!

Devemos ler com atenção as Escrituras, e não como se estivéssemos lendo um conto de
fadas. Antes os apóstolos tinham uma vida e um trabalho. Eles eram exatamente como
nós. Depois veio o Cristo, eles passaram a Lhe seguir, e perderam absolutamente tudo o
que tinham! Construir a barca a qual mencionamos é isso: é perder tudo aquilo que os
apóstolos perderam. E nesse estágio não existe ainda nenhuma relação de intimidade
com Deus. Há alguém ainda pensando que é amiguinho de Deus?! A relação aqui é a
seguinte: Ele manda e nós obedecemos! Essa era relação do Cristo com os apóstolos.

Certa vez São Pedro, cheio de frescuras, foi falar com Cristo: “Ah, Senhor, não
acontecerá nada de ruim com você, porque você é meu amigo!”. Nesse momento,
quando São Pedro tenta ter uma intimidade com Deus a qual ainda não existia, o que
Jesus diz? Ele diz: “Vade retro, Satanás!”, “Afasta-te daqui, Satanás! Você acha que
quero sua companhia, seu abraço? Sai pra lá!”. A pessoa que inventa uma intimidade
com Deus a qual não existe está servindo aos diabos! E isso é muito sério porque
destrói a religião: se as pessoas têm uma falsa intimidade com Ele, então nunca terão
uma verdadeira.

Hoje, a maior parte das pessoas que se dizem cristãs, de fato não são. Em alguns casos,
não acreditam mais que Cristo é Deus, e pensam da seguinte maneira: “Jesus é só um
cara bonzinho. Ele não tem poder para me dar a santidade e a religião, nem para abrir os
mistérios para mim. Ele disse que se pedíssemos nos seria dado, mas Ele não aguenta
fazer mais nada. Acabou a Sua gasolina”. Em suma, essas pessoas não acreditam mais
que Ele é Deus. Se esse não for o caso, então as pessoas inventam uma pessoa humana,
a qual é interposta na frente Dele, com a qual imaginam ter alguma intimidade e
amizade. E essas duas coisas destroem o Cristianismo para nós, porque elas estão nos
separando de Jesus.

Quem faz essas coisas está praticando a religião do anti-Cristo. O que é a religião do
anti-Cristo? É aquela não qual se inventa um homem chamado Jesus Cristo, com o qual
se tem uma amizade e intimidade que não existe.

Por isso devemos ser francos e honestos conosco mesmos. Deus abre o Mar Vermelho
para nós? Ele ressuscita nossos parentes quando pedimos? Ele cura os doentes quando
oramos? Ele nos transporta instantaneamente de um lugar para o outro quando
queremos conhecer algum lugar? Ele nos faz favores pessoais? Se a respostar for
negativa, então não temos nenhuma intimidade com Ele, e não devemos nos atribuir
aquilo que não temos, nem mentir para nós mesmos.

52
Lembremos o que Ele disse: “Agora Eu vos chamo de amigos, e o que vocês pedirem
Eu vos dou”. O que ele quer dizer com isso? Exatamente dos favores especiais, os quais
serão dados apenas aos íntimos que os pedirem. Ele não está falando da salvação, pois
essa será dada para os servos e até mesmo para os cãezinhos.

Abaixo do homem que tem intimidade com Deus, há aquele para quem os mistérios
Dele se revelam: esse é o sujeito que sabe o que e como Deus está operando no mundo,
e por isso ele sabe como conduzir sua vida de maneira reta. Esse indivíduo é o
avançado, é o que sabe avançar, o que sabe para onde ir. Abaixo desse há o principiante,
o qual já realiza algo que é o começo de toda religião: o pão. Abaixo desse a quem
chamamos padeiro está o mendigo. O mendigo é aquele que quer a religião do Cristo,
mas não tem a menor ideia de como ela seja, e justamente por isso começa a procurar
pelo trigo limpo desesperadamente. O mendigo, então não está nem no grau de
principiante, pois se encontra ainda nas trevas exteriores, sendo-lhe permitido bater na
porta do Cristianismo e entrar na religião. Por fim, abaixo do mendigo está o cachorro,
o que está comendo vômito e trigo e não sente diferença nenhuma de sabor.

O mendigo é o sujeito que começou a perceber a diferença: “Ah, na fome dá para comer
um pouco de lixo, mas eu prefiro pedir esmolas, porque lixo é ruim”. O mendigo então
já tem algum senso e já sabe diferenciar um pouco o que é bom e o que é ruim. Ele é um
ser humano, e não um cachorro, e por isso deve ser tratado com essa dignidade.

É comum em nosso tempo que as pessoas joguem restos de comida para os cachorros,
mas quando é para dar dinheiro para um mendigo elas não dão. E ainda têm a cara de
pau de achar que o seu senso de valores é igualzinho ao de Jesus Cristo. O que será que
Ele lhes dirá quando chegarem perto Dele? Não precisamos nem tentar adivinhar. Aliás,
hoje em dia as pessoas não dão mais restos de comida para os cachorros. Não, elas
compram ração especial, dão banhos com perfumes etc. E para o mendigo? Para este,
que é da nossa espécie, que é uma imagem de Deus, não dão cinco reais! As pessoas se
justificam dizendo: “Ah, não dou porque ele vai beber”. Mas o cachorro vai fazer o que
com os banhos que lhe dão?! O cachorro se deitará e começará a lamber o próprio saco!

No entanto, devemos dizer mais uma vez: a partir do momento que pessoa passa a se
alimentar de pão, ela passa a ter uma boa vida. Porém, na cidade de Deus, isso não lhe
confere dignidade alguma. Na humanidade, temos alguma dignidade se formos cidadão
de um país bom. Já no país divino não. Deus é o rei desse país, e Ele nem quer conversa
com seus padeiros. Toda a nossa relação de intimidade com Ele se resume a isto:
quando Ele passa numa procissão, de vez em quando, dá uma olhadela meio de lado
para os cidadãos, sem muito interesse.

Devemos ter consciência disso, porque você não está aprisionado nessa condição
eternamente. O reino de Deus é justíssimo, e Deus é generosíssimo. Aqui na Terra, se
um nasce rei e outro nasce lixeiro, o um morrerá rei e o outro morrerá lixeiro. Nosso
mundo é injusto. O reino de Deus não é assim, pois Ele disse: “Aqui, todos poderão ser

53
reis e ter o seu próprio reino”. Por isso não é vergonhoso decidir entrar na Cidade de
Deus como um mendigo ou um padeiro, porque não permaneceremos para sempre nessa
condição. Não, em algum momento também nos tornaremos reis, seja na Terra como
santos, seja nos Céus.

A partir desse ponto, Deus, que é o rei dos reis, passará a se relacionar conosco, pois as
coisas que nos ocuparão, as coisas em que pensaremos, os nossos gostos, o nosso jeito
de agir, tudo isso será semelhante. E é importantíssimo sempre ter em mente que, se
entrarmos na Cidade de Deus, estaremos garantidos, pois alcançaremos o estado de
realeza com certeza. Então, não é vergonhoso admitir nosso estado real. Pelo contrário,
esse é o único jeito de sairmos da vergonha. Quando avaliamos se somos os cachorros,
os mendigos, os cidadãos, os combatentes ou os perfeitos, descobrimos o que
necessitamos fazer para progredir ao próximo estágio da vida cristão.

Constatado que nem combatentes somos ainda, o que devemos fazer? Colocar a cruz, ou
a imagem do Cristo, e nos curvar perante ela. Devemos começar a tratá-Lo como nosso
soberano, sem essa conversa mole de “ai, meu Jesuzinho!”., porque Ele tem nojo e
aversão quando fazemos isso! Nem mesmo os combatentes têm ainda intimidade com
Ele, pois a condição de soldado inferior num exército impõe a condição de respeito com
o seu general, ainda que possa haver respeito e honra mútuos entre eles. Porém, nem o
solado, nem o capitão, nem o coronel podem chegar para o seu general e dizer: “E aí,
camarada?”. Não! Não tem essa de “camarada” num exército. Num campo de batalha o
que há são as estratégias de guerra, as tarefas que cabem a cada soldado, respeito e
amor, mas tudo com muita sobriedade e seriedade, e não com intimidade.

Depois de termos ganhado a guerra, então teremos alcançado o grau de perfeitos, e


ganharemos por isso nossas medalhas. Seremos reis, líderes de exércitos e, como tais,
sentaremos na mesma mesa que Deus, conversaremos, partilharemos o mesmo alimento
e concederemos favores uns aos outros. O santo é o sujeito que, se Deus lhe pede um
favor especial, como passar quarenta dias em jejum, vai lá e faz. E o que lhe é
concedido em troca? Se ele pedir a Deus que cure um doente, Ele irá curá-lo. Ou seja,
essa relação de intimidade só existe entre Deus e os santos.

E como saber se somos perfeitos, se temos intimidade com Deus? Simples, acabamos
de falar: é ter intimidade com Deus. E, além do que dissemos, o que mais significa ter
intimidade com Deus? Significa que tudo o que fizermos será divino, e tudo o que Deus
fizer para nós será humano. Intimidade é uma coisa na outra. Então, as obras dos santos
são divinas, e as obras de Deus para os santos são humanas. Para que Deus precisa curar
um doente? Isso não é problema de Deus, mas Ele faz isso por causa da intimidade. Isso
é um problema para os homens, e o santo sabe que também é um homem. Assim,
quando ele vê outro homem que está com problemas, sente certa tristeza, e então Deus
faz algo para alegrá-lo. Essa é a única intimidade de verdade com Deus e com o Cristo.
Se quisermos saber se temos intimidade com Deus, a coisa mais simples é irmos ao

54
encontro de uma árvore e lhe dizer: “Vai e lança-te ao mar”. A árvore se mexeu? Não?
Isso significa que não temos intimidade com Deus. Critério simples e evangélico.

Se somos combatentes, Deus irá nos respeitar e honrar, além de nos conceder honrarias
que nos dignificam e nos colocam acima da nossa condição de animais. Entre o bom
capitão e o bom general há amor e amizade um pelo outro, mas esses sentimentos não se
manifestam abertamente como numa relação íntima. Não, eles ficam contidos, e o que
se manifesta é a honradez, o respeito, a dignidade, a obediência hierárquica, a coragem,
a bravura. Essa é a diferença entre o avançado e o perfeito.

5.6. A intercessão dos santos.

Onde entra a intercessão dos santos nisso tudo? Como acabamos de explicar, um santo é
alguém perfeito, e por isso possui intimidade com Deus. No entanto, ele tem a memória
de sua condição passada, e por isso pensa: “Um dia fui um cão, alimentava-me de
vômito e me deitava entre os vermes, mas agora tenho um assento na mesa divina”.
Então, ele olha para os outros homens e deseja ardentemente que eles saiam dessa
condição degradante. Há algo no santo que se entristece profundamente pela condição
de outros homens, porque eles são seus irmãos e irmãs de sangue, mas não mais irmãos
e irmãs de espírito. Tanto é assim que, se alguém atrapalhar o caminho de Deus, o santo
vira as costas para essa pessoa. Quando falam que a Santíssima Virgem chora no Céu
pelos homens, é justamente este o significado: os perfeitos tem um profundo amor pelos
homens e uma profunda tristeza pela sua condição.

Mas isso não significa que as coisas que acontecem no santo não são divinas. Não, as
coisas que lhe acontece são divinas, e não mais humanas. Deus é íntimo dele, e essa
profunda tristeza não diminui em nada a sua profunda felicidade beatífica. Não diminui
nada, porque os santos são muito grandes, enquanto o nosso peito é pequenino e um
sentimento abala o outro muito rápido. Isso é uma questão de grandeza. O coração dos
santos tem proporções sobrenaturais, então eles são capazes de sentimentos imensos os
quais destruiriam outra pessoa: a felicidade de um santo, a sua tristeza pela condição
humana e a sua ira contra os demônios e contra os que odeiam Deus destruiria uma
pessoa comum. Esses são sentimentos que as pessoas não são capazes de ter, pois, se
tivessem, o coração delas explodiria.

Como falamos, o sujeito avançado em vida cristã contempla muitos mistérios de Deus, e
isso vai alargando o seu peito. Esse alargamento acontece para que a intimidade com
Deus seja possível, porque, quando essa intimidade estiver estabelecida, a tristeza que
ele terá pelos que se perdem, o ódio que terá dos que fazem os outros se perderem, a
alegria que terá com Deus, o amor que terá pelos outros perfeitos, esses serão
sentimentos tão imensos, mas tão imensos, que destruiriam fisicamente uma pessoa
comum.

55
Podemos afirmar, então, que esses sentimentos dos santos são as manifestações que
fazem a mediação entre Deus e os homens. Ou seja, os santos são os nossos
intercessores. Deus eleva o elemento humano do santo ao grau divino, humanizando-Se
a Si mesmo nele.

Quando Deus envia o Cristo para nós, faz isso por meio da Santíssima Virgem. Por quê?
Pois o Cristo não caberia neste mundo, mas coube antes na Santíssima Virgem. Se Ele
descesse diretamente para o nosso mundo, este explodiria! É por isto que representamos
a Santíssima Virgem com um manto, o qual é como o céu: para mostrar que o coração
dela é mais vasto que os céus e a terra, porque ele foi capaz de abarcar o Verbo
Encarnado. A Virgem abarca os céus e a terra com o seu próprio ser. E todas as graças
que Deus envia são sempre enviadas assim. As pessoas perguntam: “Por que Deus não
fala comigo?”. Simples, porque seríamos destruídos.

Mesmo quando pedimos algo numa oração, se esse pedido for atendido, ele o será por
meio de uma intercessão. Afinal, quem nos ensinou a orar? Quem nos disse que orar é
uma coisa boa? Quem ensinou ao homem a linguagem? Porque a linguagem é um
elemento indispensável da condição humana, e, no entanto, não é algo que vem do
nosso desenvolvimento orgânico. Se alguém crescer num meio em que não existir
linguagem, essa pessoa chegará aos cem anos e não desenvolverá uma linguagem nova,
assim como acontece com os meninos-lobos. Assim, mesmo para fazer uma oração com
as nossas palavras dependemos de alguém que nos ensinou a nossa língua. E essa
pessoa que nos ensinou aprendeu com outra, que aprendeu com outra, que aprendeu
com um profeta que Deus mandou. Sem os perfeitos nada é possível! Devemos parar de
sonhar!

É por isso que pedimos a intercessão dos santos, que beijamos as suas relíquias e que os
veneramos. Há quem pense: “Falarei aqui com Deus”. Pois bem, boa sorte para essa
pessoa, pois não é assim que funciona! Devemos ser sensatos e ler o que Ele disse: os
apóstolos O seguiram por três anos, e somente quando eles perceberam que morreriam é
que conquistaram a intimidade com Cristo. Um pouco antes da Paixão de Cristo, os
apóstolos ainda estavam com a esperança de São Pedro de que nada de ruim
aconteceria, mas eles perceberam que, se eles fossem descobertos, também morreriam.
E o que eles fizeram? Abandonaram Jesus? Traíram-No? No momento em que o
combate de vida ou morte chegou, eles não conseguiram negar a Cristo, e então Ele
disse: “Agora sois meus amigos e daqui em diante terão a minha intimidade”.

5.7. Deus é pai.

Se prestarmos atenção ao sujeito que diz ter intimidade com Deus, o que perceberemos?
O que ele come? Lixo e trigo envenenado. E é esse indivíduo que tem intimidade com
Deus? Quando ele morrer, Deus lhe dirá com quem tem intimidade. Esta é uma
promessa de Dele. Deus mandará essa pessoa para o Inferno, mas, antes disso, dirá:
“Lembra de mim? Eu sou Deus, eu sou o Cristo aqui! É, agora é de verdade! Então,

56
você não é dos meus, está bem? Como assim você é meu amigo? Quem é você? Eu nem
te conheço! Tchau!”.

Mas por que Ele fará isso? Porque essa pessoa fez o que fez de maldade. Ela podia ter
procurado trigo limpo, podia ter feito pão, podia ter feito as coisas como Ele ensinou.
Tendo feito essas coisas, e com a garantia dada por Deus, essa pessoa poderia conseguir
intimidade com Ele. A pessoa que vai para o Inferno por ter se enganado quanto a ter
intimidade com Ele, vai porque não acredita nem um pouco nas Suas promessas.
Sempre ouvimos o seguinte: “Ah, mas não tenho como entender essas coisas!”. Mas a
verdade é que temos sim capacidade, pois temos inteligência racional, e devemos
aplicá-la à religião.

A religião tem um esquema geral. Qual é esse esquema? Em primeiro lugar, devemos
urgentemente parar de comer veneno e começar a comer trigo limpo. Isso é, sem
brincadeira, uma questão de vida ou morte. Não há discussão quanto a esse ponto: ou
comemos alimento ou veneno. Antes disso, não adianta nem mesmo pensar em fazer
pão, pois o que nos acontecerá se comermos pão fabricado com trigo envenenado? É
óbvio que morreremos! Depois que tivermos aprendido essa parte, Deus nos ensinará o
próximo passo.

Mas sempre há os insensatos que, não dando nem o primeiro passo, pensam: “Ah, bem
que Deus podia fazer um milagre para mim!”. Isso é realmente uma maravilha! O
sujeito não dá nem o primeiro passo e quer que Ele lhe dê a recompensa do último
estágio da vida cristã! Não devemos agir como soberbos diante de Deus. E o que
devemos fazer? Dar o passo que nos é possível e em seguida pedir muito: “Ah, meu
Deus, fortaleça-me, faça com que eu dê o passo certo e me guia para eu poder dar o
próximo”. Isso é o “pedi e vos será dado”. Quando sabemos a nossa condição e pedimos
aquilo que nos eleva dela, então Ele nos dará o que pedimos.

Na Bíblia é contada a história de Jacó, e, em certo momento, ele deita num lugar no
deserto e vê uma escada cheia de degraus pelos quais os anjos sobem e descem. Quando
Jacó deita a cabeça sobre a pedra e tem essa visão, ele diz: “Esse é um lugar terrível e
assustador, porque Deus está presente aqui!”. Essa escada é a religião, e os seus degraus
são os passos que devemos dar para alcançar a Cidade de Deus. O que ele faz depois
disso? Jacó abençoa a pedra. E justamente no lugar em teve sua visão e abençoou a
pedra foi fundada a cidade de Belém, onde nasceu o Cristo.

Então, o Cristianismo, que ainda estava por vir, tem uma escada. Se pedirmos para Deus
nos jogar diretamente no último degrau, Ele não fará isso. Se um pai tem um filho de
quatro anos que lhe pede um carro, esse pai fingirá que nem ouviu a criança. E se esta
começar a insistir, ele dirá: “Cala a boca menino! Quer levar uma chinelada?! Aqui,
mete bronca nesse hot wheels, porque um carro de verdade eu não vou te dar!”.

57
Se pedirmos uma coisa insensata para Deus, Ele fará de conta que não nos ouviu. E se
enchermos muito a Sua paciência, Ele nos dará um tapa, porque Deus não é um pai
moderno e não tem psicologia infantil. Com Ele não tem esse papo de diálogo, como
Ele é na base da vara de marmelo! O que Ele escreveu na Bíblia sobre a paternidade?
Que a vara tira os filhos do Inferno. Deus é nosso Pai, e não nos dará nada se o que
pedirmos forem coisas insensatas.

Mas, voltando ao exemplo do filho de quatro anos, se ele pedir comida ao seu pai
quando estiver com fome, este irá se recusar a dá-la? É claro que não. Mesmo que ainda
não seja hora do almoço ou da janta, o pai dará alguma coisa para aplacar a fome da
criança.

Deus também age do mesmo jeito: se pedirmos o que for apropriado, Ele é o primeiro a
se lançar para nos entregar, Ele não vai medir esforços e nada O impedirá de nos dar
aquilo que pedirmos e que nos for adequado. Porém, se pedirmos o que é impróprio, Ele
nunca nos atenderá, nada irá movê-Lo do Seu lugar, porque é assim que um pai age.

Os pais e mães humanos podem se enganar e dizer: “Acho que isso é bom para o meu
filho”. E o que eles acharam ser bom na verdade é ruim. E o contrário também pode
acontecer: eles podem achar que algo é ruim, sendo que na verdade é bom. Os pais
ainda podem fraquejar e satisfazer as paixões dos filhos, porque eles também têm
paixões e gostam de satisfazê-las. Enfim, os pais humanos sempre podem mimar ou
castigar demais por fraqueza ou mesmo por maldade. No entanto, Deus não se engana e
não erra nem por fraqueza nem por maldade, porque Deus é sábio e poderoso e nunca
erra: Ele nunca cederá às nossas manhãs e nunca nos privará daquilo de que precisamos.

Não estamos dizendo que nada podemos pedir a Ele. Pelo contrário, nós podemos, mas
somente aquelas que nos são apropriadas, pois quando as pedirmos começaremos a
melhorar e a progredir na vida cristã. Já se pedirmos as minhocas que surgem em nossa
fantasia, quem nos atenderá? O Demônio, porque ele quer nos enganar e é o pai da
mentira. Então, inventamos uma mentira em nossa cabeça e o Diabo imediatamente diz:
“Espera aí que vou te dar um sinal para te confirmar a tua mentira!”.

Agora, devemos examinar a nossa condição, pedir, procurar e bater por aquilo que nos é
apropriado: “Ah, meus Deus, me manda uma liturgia limpa, por favor!” Depois de
pedir, devemos procurar. Quando acharmos uma liturgia limpa, o que devemos fazer?
Bater a massa, isto é, estudar o que é esse negócio de liturgia limpa e liturgia suja,
estudar a vida dos santos e, em suma, estudar sobre a própria religião. Quando fizermos
essas três coisas, o que acontecerá? Deus nos elevará para o próximo estágio. Pedir,
procurar e bater: é isso que devemos fazer. Mas alguém pode dizer: “Ah, mas é difícil
procurar”. Então essa pessoa que não procure. É muito simples.

São Paulo era um cara bom, mas nós que estamos ensinando isso aqui não somos. São
Paulo ensinava a religião e ficava insistindo para que os outros a praticassem. Nós

58
ensinamos um pouco da religião e não queremos nem saber se os outros irão começar a
praticá-la, pois estamos felizes e em paz. Não ficaremos empurrando ninguém. Quem
quiser colocar em prática o que aqui está sendo ensinado, essa pessoa que leia isso aqui
de novo e examine sua própria condição. Quando sentir que já passou de estágio, ela
deve então se examinar novamente, pedir o que lhe falta, procurar e bater. Se as pessoas
que lerem isso forem consistentes e colocar em prática tudo o que dissemos, talvez um
dia estarão ressuscitando os mortos por aí.

Não somos videntes, mas fingir uma intimidade com Deus não fará que ninguém
consiga ressuscitar morto nenhum. O que São Bento fala da pessoa que finge ter
intimidade com Deus? Ele diz: “Pára de querer parecer santo, porque você não é. Faça
essas coisas que estou te ensinando, pois então você ao menos irá parecer um”.

As pessoas hoje em dia recebem uma péssima formação, então elas pensam que a
religião é criar uma intimidade artificial com Deus. Todo mundo fica insistindo e
repetindo isto: “Você tem que ter amor a Deus, porque Deus gosta de você”. Todo
mundo repete esse negócio o tempo todo na cabeça dos outros, e aí todo mundo pensa
que a pessoa que tem religião é a pessoa que tem intimidade com Deus. Mas isso é um
absurdo! Quem tem intimidade com Deus são os santos!

Todo mundo fala de intimidade com Deus, mas ninguém ensina que essa intimidade é a
nossa recompensa final. A amizade entre as pessoas, em geral, é difícil de ser
construída, ainda mais quando se trata de pessoas de valor. Com Deus é mais demorado
ainda, pois o Seu valor é infinito! Essa intimidade não cabe em nós, em nosso corpo ou
em nossa alma, pois Ele é grande demais. Para isso, teremos primeiro que nos alimentar
e alargar o nosso peito, como dito e repetido exaustivamente até aqui.

Capítulo 6: o Inferno.

6.1. Descrição do estado infernal.

Devemos falar agora um pouco sobre o Inferno. A alma humana possui uma série de
aspirações que acabam não se realizando durante a sua existência, e todas elas acabam
se acumulando umas em cima das outras em um lugar da alma que é imortal. Enquanto
estamos vivos, parte dessas aspirações se refere a coisas que podemos fazer com o
nosso corpo, como, por exemplo, comer um doce. Para fazermos isso, temos mãos para
pegá-lo, olhos para vê-lo e boca para comê-lo. Quando finalmente o comemos, nosso
desejo é saciado, fecha-se o ciclo e finalmente repousamos.

O que devemos notar é que essas aspirações não estão em nosso corpo propriamente
dito, mas em nossa alma. E as pessoas costumam pensar que, ao morrerem, todas essas
inclinações irão embora. Mas não é bem assim que a banda toca.

59
O que nos acontece então quando morremos? Uma hora iremos acordar. No entanto,
não é o nosso corpo que acorda, pois ele continua no lugar onde todas as outras pessoas
estão. Mas quem é que acorda então? Somos nós, a nossa alma. Então, nesse primeiro
momento, nem notaremos que já falecemos, pois será como se tivéssemos acordado,
como todos os dias, após uma boa noite de sono. Porém, começaremos a notar algumas
coisas estranhas, como falar e as pessoas não nos escutar. Depois, pode ser que
lembremos de alguém que não esteja presente conosco no lugar em que acordamos e, de
repente, essa pessoa aparecerá para nós. Quando isso acontecer, diremos: “Caramba! O
que aconteceu? Como assim? Que bizarro! O que é isso?”. Após um tempo, isso
começa a nos causar certo medo e desespero, porque logo depois nos daremos conta:
“Nossa, olha eu deitado ali, pálido e fedendo. É o meu corpo que está lá!”. Nesse
momento estaremos mesmo desesperados. No auge desse desespero, desmaiaremos.

Quando acordarmos desse desmaio, já não estaremos vendo nada desse mundo e nem o
lugar em que estivermos, não estaremos ouvindo mais ninguém, iremos nos mexer mas
não seremos capazes dever a nossa mão, tentaremos agarrar o nosso peito e não o
sentiremos de maneira alguma. Em suma, estaremos numa escuridão total e completa, e
alguns processos terão em início.

Por enquanto, os detalhes desse processo não importam. O que temos de saber é que, se
o grosso dos movimentos da nossa alma dependia do corpo para ser saciado, estaremos
com problemas. Por exemplo: há pessoas que gostam de café doce. A apreciação de café
doce depende do corpo, porque é necessário que tenhamos mãos, língua, cérebro e todo
o aparato sensorial para que possamos experimentá-lo sensivelmente. Então, devemos
imaginar a situação de alguém que está nessa escuridão total e que sente solidão e o
desejo de tomar café: “Está tão difícil aqui na escuridão! Se eu tivesse pelo menos um
cafezinho, pelo menos um cigarrinho agora, aliviava a minha barra um pouco! Se meu
irmão, minha mãe e minha esposa estivessem aqui isso não seria tão ruim assim.”. É o
seguinte: os desejos vão surgir e isso é um fato. Mas como saciá-los?

O que nos acontece quando temos um grande desejo e percebemos que não há maneira
alguma de saciá-lo? Sentimos tormento. Por exemplo: se o filho de alguém está com
uma doença mortífera e o seu tratamento é caríssimo, longíssimo e complicadíssimo. É
claro que o pai dessa criança irá querer que ela se cure, no entanto, nessa situação isso
será impossível. O que esse pai ou mãe sentirá? Há alguns mentirosos que diriam: “Está
tudo em paz. O que Deus decidiu é o que Deus decidiu, e se Ele decidiu é porque isso é
bom para mim”. Seria realmente assim que nos sentiríamos numa situação dessas? Seria
desse modo que os sentimentos em nosso peito ficariam? Não! Começaríamos a ficar
angustiados, desesperados, com medo e com raiva.

Só que, no meio de toda essa avalanche de sentimentos negativos, ainda haveria uma
pontinha de esperança. As pessoas, em situações muito difíceis, sempre se agarram à
esperança de que pode acontecer alguma coisa que mude a situação. Quando estivermos
mortos, e se estivermos na situação que estamos descrevendo, não saberemos nem se as

60
coisas que podem satisfazer os nossos desejos ainda existem, porque só o que veremos
será um preto, uma treva. Será como se estivéssemos, agora, de olhos fechados, no
entanto, sentiremos estar de olhos abertos.

Devemos ressaltar que estamos supondo a situação de alguém que será condenado com
toda a certeza. É claro que, antes de chegar nesse nível de desespero, haverá alternativas
celestiais para a pessoa, mas isso será concedido se ela tiver alguma religião. Se não
tiver, quando acordar do desmaio que mencionamos, já começará a sentir tudo isso que
estamos descrevendo.

Então, chegaremos nesse estado e acontecerá o seguinte: do medo e do desespero


passaremos para outro estado. Quando estamos com medo e desespero, ainda existe em
nós um fundo de esperança, ainda pensamos que há uma possibilidade de conseguirmos
escapar. No entanto, como dito, desses estados passaremos a outro, no qual
concluiremos: “Não há escapatória!”. Aqui no mundo terrestre, o que ocorre quando
estamos numa situação ruim e constatamos que não temos mais saída? O medo e o
desespero viram raiva e ódio.

Por exemplo: imaginemos que há um bandido próximo a nossas casas, e que estamos
com medo de ele nos assaltar. Nesse primeiro momento, pensaríamos: “Tenho uma boa
fechadura na porta, e, além disso, tenho nela uma imagem do Cristo, sem contar o fato
de que estou rezando para que nada de mal me aconteça. Além, disso, não sou uma
pessoa ruim, então não acontecerá nada comigo”. No entanto, apesar da esperança, o
medo está presente nessa situação, pois não sairíamos às duas da manhã sem trancar a
porta. Só que suponhamos que tenha acontecido o pior: o ladrão entrou nossas casas,
bateu em todo mundo, estuprou as nossas filhas, nos roubou e foi embora. E agora,
ainda sentiríamos medo e desespero? Não, sentiríamos ódio!

Os sentimentos de medo e desespero se tornam presentes quando existe conjuntamente


uma possibilidade de sofrermos um mal e uma possibilidade de escaparmos dele. Mas
quando esse mal já aconteceu e não tivemos saída, o que sentimos é ódio!

Quando da nossa morte, se formos realmente condenados para o Inferno e depois que
passarmos desses primeiros estados emocionais, o que começaremos a sentir é
justamente o ódio. O mundo terá acabado para nós, ainda existiremos e não haverá mais
solução para esse problema. De nada adiantará mentalizarmos a nossa volta para o
corpo, pois nem isso acontecerá e nem o mundo aparecerá diante de nós novamente.
Não haverá qualquer esperança, e então passaremos a sentir raiva.

Mas ainda teremos outro problema, pois a dinâmica do ódio é a seguinte: quando não
achamos um objeto para o qual direcionar esse sentimento, ele se multiplica. Se
sentíssemos ódio enquanto o ladrão estivesse em nossas casas, pelo menos poderíamos
socá-lo. Se isso fosse feito, o problema estaria resolvido e o sentimento iria embora.
Porém, no Inferno não haverá objetos sobre os quais poderemos descarregar nossa raiva.

61
De quem ou em que iremos nos vingar? Não teremos como reverter o ódio, porque não
existirá um objeto para dar vazão a ele.

E então o que acontecerá? A raiva crescerá cada vez mais. E depois? Imaginemos o
seguinte: quando estamos com ódio de tudo e uma pessoa nos lembra de alguma coisa
boa por que passamos em nossas vidas, como reagimos? Suponhamos que nesse estado
emocional, alguém nos dissesse: “Lembre-se da sua infância. Ela não era legal?”. O que
responderíamos? Isto: “Não, eu odeio isso, odeio criança!”. Por que reagiríamos dessa
forma? Porque os objetos a que essa lembrança se refere tornaram-se bens perdidos, ao
menos momentaneamente, e então começamos a odiar todas as coisas que amávamos.
Porém, no Inferno, todos os bens de que desfrutamos enquanto vivíamos estarão
terminantemente perdidos, e assim o nosso ódio nunca cessará de existir e se alastrará
por toda a nossa alma, contaminando todas as nossas lembranças e bons sentimentos
que antes tínhamos.

Quando esse processo se consolidar, estaremos no Inferno. Depois disso, a nossa raiva
seria tão forte, mas tão forte, que se assemelharia à natureza do fogo: ela iluminaria o
ambiente, e daí veríamos o Inferno. Quando o víssemos, o ódio só aumentaria, pois até
então não saberíamos onde estávamos, apenas sentiríamos o nosso estado interiormente.
Então, em certo sentido, é correto dizer que o Inferno é criado por nós mesmo, mas só
em certo sentido, porque de fato ele não é.

6.2. Por que somos condenados.

A maior parte das pessoas que vão para o Inferno, não vão por serem pessoas más. Mau
é o Diabo. A maior parte das pessoas são idiotas e são condenadas por bobeira. Quando
dizemos isso, sempre nos perguntam: “E aquela pessoa que julgamos ter sido boa
durante a vida, aquela pessoa que ajudou o próximo e que nunca prejudicou ninguém?
Quando ela morrer, irá para o Inferno?”. No entanto, o nosso julgamento quase nunca é
certo quando se trata disso! Quem decide quem é bom ou mau e quem vai ou não para o
Inferno é Deus!

Nascemos com uma responsabilidade no mundo. Não somos bichos nem pedras, somos
seres humanos, somos uma imagem de Deus. Por isso a nossa existência deve se dar em
função dessa dignidade. Quem, não vivendo em função dessa dignidade, disser que é
bonzinho, na verdade é um maldito, porque desperdiçou essa oportunidade que é a
existência humana! Essa pessoa tinha a imagem de Deus dentro dela, e o que fez com
isso? Jogou lixo em cima dela! Bonzinho é o escambal! Por isso Cristo fala que é larga
a entrada para o Inferno. Se o Inferno fosse só para os maus, Ele diria: “Não se
preocupa não que o caminho para o Inferno é estreitinho”.

A maior parte das pessoas que conhecemos não é maldosa; isso é a menor parte delas.
Mas o caminho da perdição não é só para os maus, é para os maus e para os tolos. O que
Ele fala no final do Sermão da Montanha? O seguinte: “Quem ouve estas palavras e as

62
pratica é comparado ao homem sábio e prudente”. Devemos reparar que Ele não diz
“comparado ao homem bom”. Jesus não diz que quem não pratica Suas palavras é
comparado ao homem mau, e sim que é comparado ao homem insensato o qual
desperdiçou a própria vida. Uma pessoa insensata – nesse sentido que acabamos de
estabelecer -, pode ter criado para si uma autoimagem de bondade, e ela pode de fato ter
sido boazinha, no entanto, se ela não seguiu os conselhos de Deus, se ela não colocou
em prática os mandamentos divinos, se ela não buscou dignificar a própria vida em
função daquilo que Deus espera de nós, então essa bondade foi construída em cima de
areia, e por isso afundará.

Alguém poderia perguntar: “E o que seria bondade para nós?” Acabamos de falar! A
pessoa é cristã? Então o primeiro grau da bondade é fazer pão! A religião é claríssima!
“N’Ele estava a vida, e a vida é a luz dos homens”. A religião é clara. Nós é que
inventamos coisas para não ter que praticá-la. Fazemos com a religião o que os maus
fazem com a lei: os criminosos inventam desculpas para poder roubar o nosso dinheiro,
e nós inventamos desculpas para não praticar a religião. Mas essas desculpas estamos as
inventando em nossas cabeças, e nenhuma delas resolve o problema da nossa salvação!

Quando perguntaram para Cristo qual é o maior de todos os mandamentos, Ele disse:
“Escuta, ó Israel, o Senhor teu Deus é um. Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu
coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento, e ao
teu próximo como a ti mesmo.”. A primeira coisa que Ele diz é: “com todas as suas
forças”! Forças! No entanto, as pessoas não fazem força na religião. A segunda é: “com
todo o teu entendimento”! Mas, no geral, quase ninguém medita e tenta descobrir o que
é verdadeiro e o que é falso sobre a religião. Ora, se alguém não está fazendo essas
coisas, se não está aplicando a força, se não está fazendo esforço, se não está usando o
próprio entendimento para conhecer mais a religião, então não a está praticando! É
simples! Como poderia uma pessoa dizer que a está cumprindo se toda a sua força é
direcionada para ter saúde, para ter dinheiro, para ter amigos e para entrar no ônibus da
salvação? É impossível aplicar todas as forças em mais de um objetivo, pois é óbvio
que, se alguém tem ao menos dois objetivos primordiais, sua força será divida em duas
partes: uma para cada um deles. E, no entanto, Jesus disse “com todas as tuas forças” e
não “com metade de tuas forças”.

O objetivo da nossa existência, como dissemos, é levar uma vida à altura da imagem de
Deus que somos nós. Ele criou o ser humano para isso. Nada mais, nada menos. Se não
conseguirmos levar uma vida desse modo, Ele ainda facilitou as coisas para nós, pois
permitiu que fôssemos salvos apenas produzindo o nosso próprio pão espiritual. Ele não
exige nem que façamos o vinho! Se não conseguirmos nem produzir o pão, não teremos
nada para levar ao Céu, e nada existirá em nós que poderá também existir no Paraíso. Se
hoje nos olhássemos no espelho, constataríamos que não há nada em nós que faça com
que as pessoas do Céu queiram que estejamos com elas. Agora, se já estivéssemos
produzindo pão limpo, todos os moradores celestiais diriam: “Esse pão é legal!”. Então,
já teríamos alguma coisa que é celestial, já teríamos um pão vivo que desceu do Céu, e,

63
se do Paraíso desceu, então nele pode existir e continuar a ser produzido. Isso significa
que quem produz o pão espiritual terá um papel a cumprir no mundo celestial.

6.3. Por que somos salvos.

Agora, digamos que certa pessoa era piedosa, pertencia à Cidade de Deus, mas possuía
uns defeitos que não conseguiu superar. De fato, somos fracos, e às vezes as pessoas
podem ter se colocado no trilho certo, mas ou não tiveram tempo de se corrigir
totalmente, ou não conseguiram isso. No entanto, suponhamos que uma pessoa assim se
colocou no trilho certo, que ela percebeu a necessidade de fazer o pão e começou a
trabalhar nesse sentido. Como falamos, ela não cairá naquele estado infernal. Isso não
acontecerá, porque o Cristo e os santos aparecerão para ela antes disso. E porque tinha
um pouquinho de pão ela os reconhecerá. Mas, não sabendo produzir pão direito, deverá
isso aprender. Cristo a colocará num lugar em que ela aprenderá, e Ele mesmo a
ensinará. Porém, tal ensinamento é mais difícil e mais doloroso do que seria na Terra. E
por que Jesus faz isso? Porque Ele prometeu, e Ele nunca dá menos do que promete.

Como dissemos, a pessoa estava aqui na Terra tentando produzir pão, estava
caminhando nesse sentido e, de repente, morre. O que acontecerá? Ela pode receber o
pão que os outros produziram. A Cidade de Deus é uma cidade justíssima e os Seus
filhos não são pessoas mesquinhas. Tanto Deus quanto Seus filhos são magnânimos. E
por que essa pessoa pode receber o pão que outras pessoas produziram? Porque ela já
tinha se decidido firmemente a praticar a religião, já estava procurando trigo, já estava
tentando fazer a farinha, enfim, ela já estava no trilho certo. Por isso, ainda que não
tivesse avançado muito nesse caminho, já possuía uma comunhão com os santos e já
pertencia à comunidade celeste. E todos os que têm pão e vinho consagrados nessa
comunidade podem beneficiá-la.

É fato que todas as cidades têm seus bêbados, mas é correto deixá-los morrer de fome
pelo simples fato de serem beberrões? É óbvio que não. Devemos lhes dar uma esmola,
um sanduíche, um cobertor no inverno etc. Devemos deixá-los viver. Chutá-los para
fora da cidade não melhorará a vida de ninguém.

Digamos então que alguém leia o que dissemos aqui e a partir disso se decida: “Quero
pão, entendeu? Pão! O pão que o Cristo envia do Céu, é esse que quero aprender a fazer,
e é desse que quero viver”. Mas, depois de ler isso aqui, esse alguém é atropelado e
morre. Ora, Deus sonda os rins e os corações, Ele sabe o que o sujeito já tinha se
determinado a fazer, Ele sabe em que trilho a pessoa ficou: nesse caso, ela entrou para a
comunidade. Mas que papel esse indivíduo representa na comunidade? O papel de
cãozinho: ele pode se sentar ao lado da mesa e ganhar umas migalhinhas. O cão é um
bicho que está acostumado a comer vômito! Quando lhe damos bife, ele o come, vomita
e depois come o próprio vômito. Todo mundo que não tem religião é como um
cãozinho.

64
É claro que estamos usando aqui uma linguagem simbólica. Sabemos que ninguém é
retardado o suficiente para comer vômito literalmente. Mas espiritualmente é mais ou
menos assim que a coisa se dá. Então, quando vomitam uma mentira sobre a religião, o
cão a come na hora. Ele não procura saber se aquilo era pão ou vômito. É assim que
agem os cães. Tudo que está na Bíblia é importantíssimo, e quando Ele fala “o cão”, o
que está querendo dizer? O que caracteriza o cão? Ele não é um animal ruim, mas é o
bicho com menor senso de paladar que existe. Para ele, comer um bife com manteiga e
alho e tão bom quanto comer vômito ou cocô.

Pois bem, o sujeito que acabou de se colocar nos trilhos corretos, que se decidiu
firmemente a produzir e a se alimentar de pão, torna-se um cão. Se lhe jogarem vômito,
ele comerá, porque está acostumado a tratar o vômito e o manjar mais excelente no
mesmo nível. Então, assim que nos decidimos àquilo, estaremos no estágio de ganhar
migalhas espirituais. Temos que nos sentar ao lado da mesa de refeição sem reclamar de
nada.

No entanto, quem acaba de se converter geralmente diz: “Fui à igreja e só tinha


hipócrita!”. Mas do que ele está reclamando? Ele é um cachorro! O hipócrita ao menos
é uma pessoa, enquanto o recém-convertido ainda é um cão! Do que ele está
reclamando?! No Brasil o pessoal não tem senso. As pessoas aqui sabem diferenciar pão
espiritual de vômito espiritual? Não, não sabem. Então, o seu estado é de cãozinho. Elas
deveriam pedir suas migalhazinhas e ficarem quietinhas.

Se essas migalhazinhas ganhas eram realmente de pão espiritual, então imediatamente


tais pessoas são alçadas à condição de mendigos. Mas nesse momento elas ainda não
são fiéis, não são cristãs de maneira nenhuma! Na cidade de Deus, elas se tornam
mendigos, e os cidadãos do reino celestial as deixam ficar por ali mesmo que não
tragam nada de positivo. Essa permissão é dada somente porque os mendigos, apesar de
tudo, são da mesma espécie que os outros cidadãos. Enfim, a pessoa que algumas vezes
experimentou migalhas do que é verdadeiramente o pão de que estamos tratando, irá
começar a ganhar saúde e irá se decidir a somente comer trigo limpo.

Mas onde podemos obter esse alimento? Temos que ir a cem igrejas diferentes, e, desse
número, acharemos uma ou duas as quais terão trigo limpo. Mas ao encontrarmos essas
duas igrejas não devemos parar de procurar, porque na verdade temos que achar umas
vinte. Se alguém não conhece ao menos umas vinte igrejas boas, então essa pessoa não
é piedosa. Por quê? Porque para ir para o Céu não tem ônibus, mas para ir para a igreja
tem! Tem ônibus, tem carro, tem táxi – na verdade táxi não conta, pois isso no Brasil é
muito caro –, tem moto, tem bicicleta, tem skate, tem perna!

Por que devemos procurar tanto? Porque como não temos experiência da diferença entre
o pão e o vômito, podemos confundir com facilidade. Não estamos falando que é de
maldade, mas sim falta de experiência. Por isso temos que visitar muitos lugares: para
irmos nos acostumando com a diferença entre uma coisa e outra. A pessoa que foi

65
somente a três igrejas e já escolheu uma só pode ser brasileira, ela só pode estar de
brincadeira! Isso está errado, pois devemos ir a umas duzentas igrejas diferentes e ficar
um mês em cada uma observando bem as coisas! Somente então começaremos aprender
a diferenciar. Em cada uma dessas igrejas comeremos a migalha que nos oferecerem. E
depois que tivermos comido nuns cinco lugares diferentes migalhas de pão sagrado,
começaremos a preferir uns locais a outros. Tudo isso é gradativo, e é como todo e
qualquer aprendizado: não é fácil e não é súbito, ele demanda amar a Deus com todas as
nossas forças e com todo nosso entendimento.

66

Potrebbero piacerti anche