Sei sulla pagina 1di 52

.

981

: ~a

1111111111111111111111111111111111111I111111111111
Capa:
Olsen Jr.! Marcos D. Lourenção
Revisão:
Paralelo 'n
Fotos:
Arquivo Histórico de Blumenau
(utilizadaspeloautoremsuaprimeiraedição) :>0 '0\ (n' {
Composição e Projeto Gráfico: D( - 1 \í \ /
Paralelo'n J
Editoração Eletrônica:
MarcosD. Lourenção CG~312 05
Conselho Editorial:
Celso Martins
Enulia Teixeira
1;-:',R"~Tict():;
Jair Francisco Hamms Centr
OlsenJr.
Raul Caldas
l ~E.AWS-
l ___ _

~.______
Catalogação Biblioteca Dr. Fritz Müller! Blumenau - SC ,,;' U
S568d Silva, J. Ferreira da
O Doutor Blumenau ! J. Ferreira da Silva.
2. ed. - F1orianópoJis - EDEME - Paralelo 'n, 1995

l04p. :iJ.

1. Blumenau, Hermann Bruno Dto - Biografia.


I. Titulo.
CDD 923.9
920.71

~ Direitos Reservados Impresso no Brasil


Printed in Brazil

ISBN 85-85433-72-8
Hermana Blumenau, na época em que

EDEME
Rodovia Virgílio Várzea, S/n°
*r chegou ao Braril.

F: (048) 234-1122 - Saro Grande


88000-000 - Florianópolis - SC
EDITORA 7
Av. Hercílio Luz, 639 - Ed Alplia Centauri
Sala 1107 - fooe/Fax: (048) 223-5123 C. P.
423
8802~ - Aorianópolis - Santa Catarina
"Tu cantarás na voz dos sinos, nas charruas
No esto da multidão, no tumultuar das ruas,
No clamor do trabalho e nos hinos da paz!
E subjugando o olvido, através das idades,
Violador de sertões, plantador de cidades,
Dentro do coração da Pátria viverás! W

(Bilac. - "O Caçador de Esmeraldas").


SUMÁRIO

CAPÍTULO I
t o Doutor Blumenau .......................................................... 1 S
CAPÍTULO 11 .......................................................... 2S
CAPÍTULO ID ........................................................... 33
CAPÍTULO IV ...........................................................43
CAPÍTULOV .............................................................. 49
CAPÍTULO VI ........................................................... 61
CAPÍTULO VII .......................................................... 69
CAPÍTULO VID ....................................................... 7S
CAPÍTULO IX ...........................................................8S
CAPÍTULO X .............................................................9S

9
Antes do Livro

o perfil do Dr. Hermann Blumenau ainda não encon-


trara, entre nós, quem o focalizasse com a minúcia e a medi-
da do jovem historiógrafo Sr. José Ferreira da Silva. No
volume que se vai ler, flagrante, vivo é o retrato do coloni-
zador do vale do Itajaí-Açu.
Método útil o do autor para nos revelar, explicar a ener-
gia criadora de Blumenau - o município mais opulento, o
máximo empório industrial e agrícola de Santa Catarina,
onde, certa vez, Hermes-Fontes surpreendera "as núpcias
da natureza com o trabalho". Em vez de, em molduras en-
fáticas ou cadentes verbalismos, prefere fixá-Ia o autor nas
cartas íntimas, no abandono das confidências em que nos
aparece tocável, "à vista", o amigo de Humboldt e Fritz
MüIler.
Vêmo-Io na fatigada melancolia da surdez, pobre e ar-
dente, paladino da emigração alemã para o Brasil, reputan-
do bela obra integrar em nossas regiões ricas e saudáveis a
capacidade de trabalho e o senso da ordem do colono teuto,
esquivo e idealista, no seu pudor, à idéia do ganho, às sedu-
ções do dinheiro.
Arruinado por um sócio, nos primeiros anos de coloni-
zação o discreto heroísmo do Dr. Blumenau tudo arrostou e
venceu. Do engenho de serra que montara, devastadora en-
chente o telhado atingira, agravando-lhe a ruína financeira.
Pensa na mãe viúva, longínqua, e, empolgado pela força
desse pensamento, se decide a recomeçar, com desespero
surdo, o trabalho.

1
1
Assim, encontramos o "papai Blumenau" de 1884, pa-
Sem preço os produtos suadamente conquistados à ter-
triarca abençoado e feliz, após quarenta anos a nosso servi-
ra? Cada vez mais escassa a imigração, porque, na Alema-
ço, e o idealista moço que fala, às vezes, rudemente, aos
nha, assalariados de países americanos procuram, pela ca-
governos, das vantagens do plano para o Itajaí-Açu, redige
lúnia, desviá-Ia do Brasil? Continuam as enchentes inutili-
relatórios, e, solitário, sem fortuna, combatido, caminha com
zando colheitas, matando colonos? O bugre, despojado da
o destemor, a vibração daqueles cujos pulsos não obedecem
gleba, vingativo, tocaia a população nascente? Não encon-
a amarras.
tra quem gise novos caminhos, marque derrubadas, distri-
Muito há o que aprender e sentir no volume em que o
bua víveres? Não importa. O doutor em filosofia, enfeitiça-
Sr. José Ferreira da Silva, biógrafo festejado de Fritz Müller,
do pelo futuro de sua raça na floresta brasileira, pelejará,
sempre escorreito e nítido, nos convida a amar e admirar o
resistirá, embora as suas mãos finas, manuseadoras dos li-
extraordinário Dr. Hermann Blumenau. Nobre iniciativa a
vros da ciência, nas tarefas apenas calejem.
sua de atrair para tão alta memória a comovida gratidão dos
Renunciará o jovem Dr. Blumenau ao seu amor, por-
brasileiros.
qu~ não ~~ ~uer partil?ar o difícil destino a noiva que t!f-
cela o mistério do Brasil deslumbrante, fabuloso, terrífico.
Janeiro, de 1933.
Não bebe, não joga, e, só, ama com prudência, para
que lhe imite o colono as virtudes. Esquece as traições que
Oliveira e Silva.
não lhe perdoam ao desinteresse a tocante beleza, colecio-
nando orquídeas. Quando se queixa, nas epístolas, é como
um forte que procura, com a vontade, criar o próprio desti-
no.
Em sua pátria, a violenta campanha contra a emigra-
ção para a nossa terra vai culminar no ato governamental
que a proíbe. O colonizador publica livros, corre à impren-
sa, doutrina, esclarece, arrazoa, desagravando dos ataques
desonestos o solo e o clima do Brasil. Mesmo enfermo, não
repousa, porque o inflama o sentido da luta. Eis o predesti-
nado que surge das cartas íntimas.
O Sr. José Ferreira da Silva reconstitui, com justeza, a
lição de tal vida, com o método interessante de nos mostrar
o herói nos momentos em que não fala para o público e se
totaliza e trai escrevendo a amigos. Nem o agiganta, nem o
amesquinha.

12 13
o DOUTOR BLUMENAU

ennann Bruno Otto Blumenau, sétimo filho do ca

H sal Karl Friedrich Blumenau e Cristiane Sofie Kegel,


nasceu em Hasselfelde, no ducado de Brunswick,
Alemanha, a 26 de dezembro de 1819.
Seu pai era couteiro-mor, chefe das guardas de florestas e
minas do ducado.
Enérgico, probo, e tendo esposa inteiramente dedicada
aos cuidados domésticos, amorosa e tema para com os fi-
lhos, o pai do nosso futuro colonizador soube educar a sua
prole dentro dos melhores princípios de moral, de religião e
dos bons costumes.
De fanu1ia tradicionalmente honrada, com os exemplos
e, por vezes, com severas admoestações e castigos, encami-
nhava os filhos pela mesma estrada que ele seguia, de ho-
mem às direitas, honesto e temente a Deus.
Ia, assim, o pequeno Herman crescendo em meio a uma
atmosfera de carinho, de virtude, capaz de fazer dele, mais
tarde, um ente útil a si mesmo e aos seus semelhantes.
Com a idade de seis anos, começou a freqüentar a esco-
la primária de sua vila natal, onde estudou até aos dez.
Em 1829, deixou a casa paterna, entrando para o
pensionato dirigido pelo pastor evangélico Goetting, nas
proximidades da vila de Schoppenstadt, a fim de aí se pre-

1
5
parar para a admissão em um ginásio. . Humboldt, Müller e Blumenau, trindade magnífica de
Adoeceu nesse estabelecimento, aos 12 anos de Idade, ciência, perseverança e intrepidez, dedicada toda ao amor e
provindo-lhe, dessa moléstia, a surdez de que sofreu toda a culto da natureza!
sua vida. Blumenau, como os dois sábios, tinha singular pendor
No mês de abril, páscoa de 1832, submeteu-se à ceri- para o estudo da botânica, das ciências naturais e foi, pro-
mônia da confirmação, ato que, entre os protestantes, se vavelmente, do trato e convívio com o grande viajante e com
reveste da solenidade e importância da primeira comunhão o paciente observador, a quem a humanidade deve impor-
dos católicos. tantes e proveitosas descobertas, que em Blumenau desper-
Poucas semanas depois, partiu para a capital do ducado, taram idéias de emigrar, para, no seio das florestas brasilei-
ingressando no ginásio "Martino Cathatinenseum". ras, erguer o estabelecimento que lh'e imortalizou o nome.
Aplicado aos estudos, conseguiu, em quatro e meio anos, Essas idéias se lhe radicaram no espírito por ocasião de
alcançar a segunda classe superior (Ober segunda) e, em uma viagem a Londres, aonde fora, em princípios de 1844,
outubro de 1836, deixou o ginásio contra sua vontade, para a serviço da fábrica Tromsdorff para conseguir patente de
se empregar, como era do desejo do pai, em uma farmácia. invenção de preparados e privilégio de venda dos mesmos.
'Com 17 anos, entrou, pois, para o estabelecimento far- Na capital da Inglaterra, Blumenau travou conhecimento
macêutico de um certo Herr Hampe, na cidade de com o cônsul geral do Brasil na Prússia, João Sturz, do qual
Blanckenburgo, nas encostas do Harz, aí permanecendo um teve ensejo de ouvir coisas maravilhosas sobre a natureza,
ano apenas e indo terminar o período de aprendizagem (2 clima e futuro da terra que representava junto ao governo
112: de outubro de 1837 a abril de 1841), na cidade de Erfurt, alemão, terra que pintou com as mais brilhantes cores, como
com o farmacêutico Koch. um Eldorado para os alemães que quizessem emigrar.
Depois da estada de um ano (abril de 1840 a abril de Esse Sturtz, mais tarde, deu sérios incômodos a Blu-
41)na farmácia de Hasselfelde, sua terra, e de quase outro menau, como veremos.
tanto na do farmacêutico Brandes, em Salzuffeln, entrou a
Depois dessa viagem a Londres, pediu ele demissão da
convite de Herman Tromsdorff (janeiro de 1842) na conhe-
Fábrica e matriculou-se na Universidade de Erlangen.
cida fábrica de produtos químicos desse grande industrial,
Durante seus estudos, não se descuidou dos problemas
em Erfurt.
que o preocupavam então: emigração e colonização.
Admirado e benquisto pelos seus chefes, o jovem dire-
Pôs-se em contato com obras que tratavam do assunto
tor freqüentava a casa da família Tromsdorf e foi nessas
e com pessoas que conheciam o Brasil.
visitas que conheceu e travou relações com o célebre viajan-
Por esse tempo (1845-46) entrou em entendimentos com
te e sábio Alexander Von Humboldt e o depois não menos
a "Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães" e foi,
célebre naturalista Dr. Fritz MüIler, de quem já publicamos
por essa sociedade, convidado para visitar o Brasil, a servi-
a biografia.

16 17
ço da mesma, convite que o Cônsul Sturz secundou, pondo- Auxiliaram-no amizades que ia conquistando, como a
lhe em vista ainda uma colocação, ou como professor na do negociante Hermann Schroeder, cônsul da cidade livre
Escola Politécnica ou como químico de um Laboratório que de Hamburgo, do cônsul prussiano Léo Von Theremin, dos
ia ser fundado no Rio de Janeiro. três irmãos Roberto, Alexandre e Luiz Lallement, de
Em 23 de março de 1846, depois de brilhantes exames Femando Hackradt, amizades e conhecimentos que de mui-
orais e defesa da tese: "Di e Alcaloide und die ihnen to lhe valeram.
stammrerwandten Salzbasen in Ihren Gesammverhaeltnisse Espírito naturalmente ativo, os oito meses que teve de
und Beziehungen", conquistou o grau de doutor em filoso- permanecer na capital do Império, foram de contínua ativi-
fia, muito embora não tivesse concluído o curso de ginásio. dade.
Logo depois desse fato, preparou-se o doutor Blume- Além de cuidar da habilitação da Sociedade, procurou
nau, mesmo contra a vontade paterna, para empreender sua as mais minuciosas informações sobre tudo quanto dizia
viagem ao Brasil, não sem ter antes feito contrato com a respeito ao problema da emigração, condições e vantagens
"Sociedade de Proteção aos Emigrados Alemães", com sede feitas aos emigrantes, sobre natureza, clima e condições de
em Hamburgo. vida nas diversas províncias brasileiras.
Essa viagem tinha por escopo o reconhecimento da alu- Em_princípios de abril de 1847, deixou o Dr. Blumenau
dida sociedade pelo governo brasileiro e uma demorada vi- o Rio de Janeiro, em companhia do barão Von der Goltz,
sita do representante às províncias do Paraná, Santa Catarina com destino a Desterro, capital de Santa Catarina.
e Rio Grande do Sul, onde, desde 1824, existiam muitos Desta cidade passou-se ao continente e visitou a colô-
colonos alemães, e ali estudar a situação destes, ouvir-lhes nia São Pedro de Alcântara, fundada em 1829, colônia en-
as reclamações e verificar as possibilidades da criação de tão muito florescente, apesar da situação imprópria e da
novos estabelecimentos coloniais. pouca fecundidade de suas terras.
No mês de abril do ano referido, despediu-se de seus Fez ali observações climatéricas, constatando, em 11
pais, embarcando, poucos dias depois, em Hamburgo, no de abril, às 8 horas da manhã, 8 graus; ao meio dia 20 graus
veleiro "Johannes". e, à noite 12 lfz graus Reaumur.
Dois meses de viagem e a 19 de junho de 1846 aportou Foi, por essa ocasião, que ouviu referências e informa-
no Rio Grande do Sul. ções seguras sobre o vale do Itajaí-Açu, suas possibilidades
Fez ligeira excursão pelo interior da província, seguin- econômicas, seus meios de comunicação com a capital, etc.
do, depois, para o Rio de Janeiro, onde fez entrega das car- Dessa colônia, o nosso viajante regressou ao Desterro
tas de recomendação que trouxera, cartas assinadas por Von e, se pôs a caminho da freguesia do Santíssimo Sacramento.
Humboldt, pelo Professor Martius e pelo cônsul J. Sturtz, Estradas intransitáveis, rios cheios em conseqüência das
dando, afinal, desempenho ao mandato que conferira a Soci- grandes chuvas, forçaram-no a caminhar de pé longos tre-
edade por conta da qual viajava.
19
18
chos, de forma que, quando alcançou Itajaí, sentiu-se muito Ângelo Dias, prático do rio e das redondezas, para
doente. acompanhá-los.
Na pequena freguesia os recursos médicos eram ne- Nos primeiros dias de 1848 deu-se início, de canoa, a
nhuns. Essa circunstância o obrigou a voltar à capital. subida do Itajaí-Açu.
Mal restabelecido ainda foi ao Rio Grande do Sul, em Quem já fez o trajeto de Itajaí a Blumenau, pelo rio,
viagem de inspeção e de observações às colônias alemãs, admirando as belezas incomparáveis que se desdobram, in-
especialmente a São Leopoldo e Três Forquilhas. terminavelmente, por ambas as margens, mal poderá fazer
Como estudioso e minucioso que era em tudo, não lhe idéia da impressão que deveria ter causado aos dois deste-
passaram despercebidas a maneira por que eram os colonos midos alemães a majestade da floresta que a água do rio
tratados pelas autoridades brasileiras e a ampla liberdade cortava, refletindo aqui uma clareira aberta por mão de ca-
que se lhes dava quanto a assuntos de religião. Ia anotando boclo arrojado, uma casinha coberta de palha, plantada na
tudo: os meios de transporte, preços dos gêneros e sistema barranqueira carcomida de uma curva, ali um grupo de pe-
de comércio. quenos ranchos de palmitos, primeiros vestígios de povoa-
Bem orientado e com planos já assentados, o Dr. Blu- ção nascente e, para cima, mato, só o mato virgem e impe-
menau deixou o Rio Grande (17 de julho de 1847) para netrável, árvores gigantescas elevando a considerável altu-
Desterro de onde prosseguiu para o Rio de Janeiro. ra as esgalhadas comas, entrelaçadas de cipós.
Colheu, aí, novos informes sobre as terras devolutas na Dobrando curvas suaves, ou sulcando mansamente as
província de Santa Catarina e transmitiu, em relatório, as águas quietas e negras dos poços profundos, a canoa em
suas observações à "Sociedade Protetora dos Emigrados que viajavam os exploradores, corria silenciosa, impelida
Alemães", resolvendo, depois volver a Santa Catarina para com vigor, descobrindo espetáculos sempre novos e sempre
explorar os terrenos das margens do grande Itajaí e de seus belos que o jovem doutor em filosofia e o pacato comercian-
copfluentes. te da Côrte não se cansavam de admirar.
Fernando Hackradt, a quem já nos referimos, propôs- Passaram a colônia Belga, depois Pocinho e, mais adi-
se a tomar parte na expedição. ante, Belchior, arraiais criados havia pouco e que iam num
Combinados e assentados todos os planos, partiu progresso de tartaruga.
Hackradt a 16 de outubro para a capital da província, a fim Um pouco mais acima e os expedicionários ultrapas-
de organizar os preparativos para a viagem de exploração. sam a zona colonizada.
A 25 de dezembro, juntou-se-lhes o Dr. Blumenau em Ao chegarem à confluência do Ribeirão da Velha des-
Desterro. cem à terra e armam acampamento.
Desta cidade, os dois amigos seguiram para a freguesia No dia seguinte, continuaram a subida.
do Santissimo Sacramento, onde fizeram provisão de man- Mal, porém, haviam navegado seis quilômetros, enor-
timentos e armas e contrataram um remador e o caboclo me queda d'água embarga-lhes a passagem. É o Salto Gran-
de.
20

- 21
Da embocadura do
Resolvem, então, separar-se nesse ponto. ribeirão Subida (67 quilômetros da
Blumenau continuou a subida, enquanto Hackradt pro- confluência do Velha) assentou o Dr. Blumenau regressar
cedeu à exploração dos afluentes de uma e outra margem, para reunir-se a Hackradt que já aguardava a sua volta no
do ribeirão Garcia ao Salto. lugar combinado.
Ângelo Dias, o prático, acompanhou Blumenau. Trocadas as primeiras impressões, os dois amigos e
Já agora o curso do rio era cheio de enormes corredeiras sócios comunicam um ao outro interessantes descobertas.
que, entretanto, são transpostas pelos arrojados explorado- Hackradt encontrara às margens do Garcia, do Itoupava,
res, ora arrastando a canoa pelo seco, ora desviando-a, com do Velha e dos ribeirões próximos, alguns moradores que
cuidado, das itoupavas e da vegetação de que muitas delas lhe forneceram esclarecimentos sobre a fertilidade das ter-
eram cobertas. ras e outros dados que muito interessavam os planos do Dr.
Tinham percorrido cerca de 20 quilômetros quando Blumenau.
descobrem a embocadura de outro grande rio, na margem Este, em vista do que vira, formou o propósito de en-
esquerda, rio largo, de águas quietas e cristalinas. trar em acordo com o governo provincial e adquirir, para a
Tomam por esse braço acima. É o Benedito. Companhia que representava, a extensa área de terras, rica
Navegaram até onde o rio dos Cedros nele se lança, na e fértil, em ambas as margens do ltajaí, a começar da mar-
atual sede do distrito de Timbó. gem do Garcia, até onde fosse necessário para estabelecer o
O destemido alemão não tinha ainda saído das dúvidas maior número possível de famílias.
em que se pusera sobre se deveria, ou não, abandonar o Tomada essa resolução, o Dr. Blumenau deixou
curso do Benedito para explorar, antes, o rio dos Cedros, Hackradt à margem do "Velha" onde ele deveria, desde logo,
quando Ângelo Dias, que esgotara a provisão da cachaça, dar começo aos trabalhos de instalação da colônia, e partiu
"espírito" sem o qual não era gente, negou-se a ir adiante. para a freguesia do Santíssimo Sacramento e, dali, para a
Nem pelo Benedito, nem pelo Cedros. O remédio foi voltar. capital da província, a fim de se entender com o Presidente.
De regresso ao grande ltajaí, não sabemos por que ar-
tes, o canoeiro conseguiu refazer a provisão de aguardente.
O Dr. Blumenau resolveu aproveitar-se desta feliz cir-
cunstância para dispor Ângelo Dias a remar rio acima.
Com a pinga à disposição, o canoeiro iria ao inferno, se
preciso fosse.
Seguiram, então, até aos contrafortes da Serra do Mar,
por entre os quais o majestoso rio, rugindo incessantemente
abre gargantas formidáveis.

22 23

-
vale do Itajaí-Açu que,

O pela primeira vez, o Dr.


Blumenau perlustrará em 1848, pode dizer-se que
saía, então, da incultura e agrestia primitivas.
É verdade que, já nessa época e desde mais de vinte
anos, existiam, à confluência do grande rio no oceano, pro-
gredindo morosamente, a freguesia do Santíssimo Sacra-
mento e, uns trinta ou quarenta quilômetros acima, as
incipientes colônias e arraiais de Belchior, Pocinho e Ilhota.
Mas, em geral, os fertilíssimos terrenos das margens
do Itajaí, jaziam cobertos de matas impenetráveis, a não ser
às feras e ao gentio que nelas viviam em absoluto sossego e
que, longe de ser incomodados, assaltavam, muito amiúde,
os raros moradores que tinham a coragem de se afastar de-
masiadamente dos mais próximos centros habitados.
Do grande salto, para cima, cerca de 80 quilômetros da
barra, os terrenos eram completamente desabitados e incul-
tos.
De documentos do arquivo estadual, consta que, antes
de 1845, houve quem tivesse requerido terras nessas altu-
ras.
Entre requerer terras, porém, e habitá-Ias e cultivá-Ias
vai grande distância. Nada ainda conseguimos encontrar que
comprovasse a existência, nesse tempo, de moradores além

25
dos ribeirões da Velha, Itoupava e outros próximos. .• ... A Câmara procedeu a mais restrita indaga-
Parecendo-nos conveniente, para darmos melhor a com- ção para poder responder a V. Excia. com conheci-
preender o plano grandioso do Dr. Blumenau, plano que mento de causa e tem a informar a V. Excia. que as
muito tinha de arrojado e que só a sua extraordinária capa- terras que os suplicantes requerem o primeiro pos-
cidade de administrador e a sua persistência conseguiram suidor delasfoi João, ou Francisco Pinheiro e deste
levar a bom termo, vamos fazer uma ligeira exposição da casal ficaram três filhos Antonia, Caetano e Joa-
marcha do povoamento e cultura do vale do Itajaí desde a quim. Caetano morreu afogado há mais de quarenta
época anterior a Vasconcelos Drummond até a data da ex- anos; Joaquim é ausente há mais de sessenta anos e
ploração feita pelo Dr, Blumenau. não deixou mulher nemfilhos ... "
Parece que o rio Itajaí foi conhecido do território
catarinense. Não há nisso, porém, nada de certeza.
Afirma-se que, por ocasião do massacre da fanu1ia de Que Alexandre de Azeredo Leão Coutinho, entretanto,
Dias Velho pelos piratas espanhóis, um dos filhos do funda- possuia uma fazenda nas proximidades das Cabeçudas e
dor' de Desterro se encontrava tirando ouro no morro do que para ali se passou, com sua fanu1ia e alguns escravos,
* em 1790, é fora de dúvida como o é, também, a existência,
T·'
aro,
Quer essa notícia se refira ao morro que ainda hoje tráz em 1793, das famílias de Silvestre Nunes Leal Corrêa e de
esse nome, nas cabeceiras do rio Hercílio, ou seja ao atual José Corrêa de Negreiros, possuindo e cultivando as terras
morro do Baú, sobranceiro ao Itajaí e que, segundo parece, compreendidas entre o Itajaí-mirim e o mar, na margem sul
também foi conhecido por morro do Taió, o fato é que aque- do grande Itajaí.
le filho de Dias Velho devia ter perlustrado os sertões do Isso se deduz de documentos fidedígnos que examina-
Itajaí para chegar ao local donde extraiu o ouro. mos.
Os primeiros indícios de cultura dos terrenos à margem Data, porém, de 1819 a entrega definitiva do vale do
do Itajaí, porém, só aparecem em documentos de 1790 e dos Itajaí-açu à atividade constante do homem civilizado.
anos seguintes. Nesse ano, Antonio de Menezes Vasconcelos
Num requerimento que João Coelho da Rocha e José Drummond, um dos líderes da campanha da independência
Antônio da Rocha fizeram ao Governo da Província, em do brasil e que foi, depois, o admirado estadista e diplomata
1842, a Câmara Municipal de Porto Belo deu a seguinte de reconhecidos méritos, veio para Santa Catarina com o
informação da qual se conclui que às margens do Itajaí já propósito de colonizar as margens do Itajaí.*
tinham moradores antes de 1782. Montou, ali, um engenho de serrar madeiras, fez derru-

* Há dúvidas sobre esse propósito e também sobre a atividade de Drwnmond na colonização do


* Lucas Boiteux . Notas para a história de Santa Catarina. ltajaí. Não é porém aqui lugar para tratar desse assunto.

26 27
badas e plantações. Construiu, também, a sumaca S. Do- O primeiro deveria compor-se de dois arraiais: Pocinho
mingos Lourenço, a qual, carregada com muito taboado e e Belchior.
produtos da colônia, foi a primeira embarcação de grande Seus dez artigos dispunham mais que a cada colono
calado que até então transpusera a barra. fosse dado um lote de terras de 200 braças de frente, se
Partindo para a Corte em 1821, Vasconcelos solteiro, de 300 se casado e de 400 se casado com mais de 3
Drummond filhos, todas com 500 de fundos, ficando o colono sujeito ao
deixou fundada a povoação do S. S. Sacramento, hoje a pagamento das despesas de demarcação dentro do prazo de
próspera cidade de Itajaí. 5 anos, mas estando isento de todo o ônus pessoal fora do
A atividade de Drummond, o dinheiro por este gasto no distrito da colônia e de imposições, de qualquer natureza
estabelecimento* foram extraordinários impulsos para a que fossem, pelo prazo de dez anos.
progressiva colonização do vale. De fato, nos anos que se Já então pelo tempo do sancionamento dessa lei, as
seguiram à estada do diplomata no Itajaí, começaram a acu- imediações da atual povoação de Gaspar, de Poço grande,
dir de várias partes colonos que se iam firmando pelas mar- de belchior e até mesmo do "Garcia"* e do "Velha"eram
gens, requerendo terras ao Governo Provincial ou, simples- habitadas por um bom número de famílias de caboclos e,
mente, "fazendo posse", que consistia em tomar conta de também, algumas de alemães da colônia de S. Pedro de
uma determinada área, aí fazer seus ranchos e suas roças. ** Alcântara.
O Governo da Província, acudindo aos reclamos que Foi primeiro diretor das colônias do Itajaí o já mencio-
constantemente lhe eram feitos e vindo ao encontro das su- nado Agostinho Álvares Ramos, sargento-mor e mais tarde
gestões de alguns deputados, especialmente de Agostinho coronel. A sua sede foi a povoação do S. S. Sacramento,
Álvares Ramos, cidadão prestimoso que foi dos que muito onde ele residiu até 1856, ano em que se verificou a sua
se bateram pelo aproveitamento das terras do Itajaí, baixou morte, cercado de grande prestígio e influência. Tinha ali
a lei n.Q 11, de 5 de maio de 1835, com a qual abriu novas uma casa de negócio.
perspectivas à colonização dessas terras, pelas vantagens Belchior, a princípio, progrediu bastante. Depois, os
com que eram favorecidos os que pretendessem habitar os bugres começaram a aparecer nas proximidades assaltando
dois núcleos coloniais que a mesma lei criava, um no Itajaí- diversas famílias, roubando e matando, de sorte que não foi
açu e o outro no Itajaí-mirim. pequeno o número de colonos que abandonaram a colonia,
procurando centros mais seguros.
O Governo Provincial tomou medidas prontas, baixan-
* Um folheto do qual o autor da "História da Província de S. Catarína", A1meida Coelho, nos dá
nessa obra a coohecer alguns trechos afinna que no pouco tempo da sua estada no Itajaí, Drummond
gastou cerca de cinco mil cruzados. * 00 arquívo da câmara de Porto Belo, constam informações de requerimentos de terras desse
** A nascente povoação e, com ela, todo o vale do Itajaí, que até 1832 dependía da câmara da tempo, às margens do Garcia e Velha e das quaís consta que em 1848 já não existiam mais terras
vila de S. Francisco do Sul passar nesse ano para a jurisdição da Câmara de Porto Belo. Em 1833 devolutas nas margens do primeiro desses ribeirões.
foi elevada a freguesia com a denominação de S. S. Sacramento e tendo por limites ao norte o rio
Gravata e ao Sul o rio Camboriú.

29

28
do a lei n.? 120, de abril de 1839 e, em conseqüência, crian- Comprou, em conseqüência, o major Van Lede, de José
do um posto de pedestres em Belchior. Já era alguma coisa, Henrique Flores, uma légua de terras em quadro no lugar
embora fossem os guardas gente pouco recomendável, mal hoje conhecido por Ilhota e para aí trouxe, em 1846, os seus
alimentada e mal armada. * colonos que eram em número de noventa.
Esse fato deu novo ânimo aos colonos fugitivos que Nesse mesmo ano, Van Lede regressou à Europa e o
foram, pouco a pouco, regressando e atraiu grande número seu estabelecimento progrediu pouco, tendo logo nascido
de novos moradores às terras fertilíssimas e planas, frontei- sérias desinteligências entre os colonos e a direção e, daí, a
ras ao ribeirão do Gaspar e às margens deste. desorganização completa dos serviços, de forma que, pouco
Agostinho Álvares Ramos possui a grandes extensões depois, os colonos ficaram entregues à própria sorte.
de terras próximas à colônia em uma e outra margem do rio. Inimizados com os chefes, sem orientação capaz e ex-
Ao sul deste, de Gaspar para baixo, era dono de léguas e periente, muitos deles se viram obrigados a deixar suas ter-
léguas de terreno um outro cidadão que também conta ser- ras, procurando centros onde vivessem sem os aborrecimen-
viços inestimáveis em pról da colonização do vale. tos e preocupações que encontraram no estabelecimento de
Dotado de um espírito inteligente e empreendedor, José VanLede.
Henrique Flores, também coronel, foi um dos fatores decisi- Quando, pois, o doutor Blumenau subiu, pela primeira
vos da grandeza do Itajaí. vez, o rio Itajaí, contavam-se, como vimos, moradores nas
Como um verdadeiro bandeirante, explorara todos os povoações de S. S. Sacramento, Belchior, Pocinho e Ilhota
recantos, navegara o rio até grandes alturas, conhecia os e outros esparsos por ambas as margens do rio até o grande
menores detalhes do terreno e fazia deste, sempre que po- salto. Deste, para cima, os terrenos eram quase que comple-
dia, uma propaganda intensa e proveitosa. tamente virgens. Na margem esquerda do rio do Testo havia
A esse cidadão foi ter, em 1845 o major belga Carlos um ou outro caboclo estabelecido.
Lebon Van Lede, que, com alguns colonos seus compatrio- O mais, era tudo a mataria selvagem que se estendia
tas, aportara à província afim de aqui se estabelecer. por léguas e mais léguas até aos confins da província, corta-
Van Lede requerera, em outubro de 1844, duas léguas da pelos três Itajaí, extensos e caudalosos, fecundando ter-
de terras em quadro, à margem do Itajaí-mirim, no lugar renos riquíssimos que viriam a ser, mais tarde, o centro de
então denominado Tabuleiro, tendo tido, porém, a preten- uma atividade magnífica, sem exemplo na história da colo-
são despacho desfavorável, em virtude de ter a Câmara in- nização do Brasil.
formado não estarem os terrenos devolutos.

* Mais tarde, o Dr, Blwnenau dizia em relatório que esses soldados tinham carabinas tão velhas
e enferrujadas que em cada cinco tiros falhavam quatro. Eram gente preguiçosa e que cumpria só
de má vontade o seu dever.

30 31
Deixamos o doutor Blumenau a
caminho da cidade
de Desterro para se entender com o Governo da
Província sobre os seus planos de colonização. Isso
demandaria, entretanto, além de outros requisitos, um capi-
tal não pequeno. Blumenau era homem de pouco recurso e
estava a serviço de uma empresa cujos fins eram, também,
os referentes à imigração dos alemães, à sua localização e
bem estar na nova pátria. Requerer terras em seu nome e
colonizá-Ias seria, além de empresa superior às suas posses
materiais, uma deslealdade à companhia por conta de quem
viajava.
Bem ponderadas todas essas circunstâncias, o doutor
Blumenau iniciou os entendimentos com o governo provin-
cial para a concessão à "Sociedade Protetora de Emigrados
Alemães" dos terrenos ainda devolutos às margens do Itajaí.
Para tanto, endereçou à Assembléia Provincial, em 16
de março de 1848, um requerimento acompanhado de uma
"proposta de colonização".
Nesses documentos o Dr. Blumenau expunha as vanta-
gens que a Companhia pleiteava que lhe fossem dadas, enu-
merando os muitos benefícios que adviriam ao Estado com
a projetada fundação. Exigia, por exemplo, que o Governo
garantisse solenemente à companhia e aos colonos a posse

33
segura e incontestável das terras concedidas; a isenção do de qualquer parcela destes terrenos poderá ficar ao
pagamento de cisa nas escrituras de compra, ou de venda; mesmo tempo dono de escravos. H

isenção dos direitos de ancoragem aos navios que trouxe-


ram colonos para a Companhia; os direitos de cidadãos bra- O doutor Blumenau era intransigente nessa questão de
sileiros aos colonos que entrassem para a colônia; conces- escravos. Estabeleceu, no artigo, uma regra para a qual não
são gratuita de passaportes pelos agentes diplomáticos do admitia circunstâncias que pudessem criar exceções. E tal
Governo Imperial e muitíssimos outros favores. orientação foi por ele sempre religiosamente observada,
Essa "proposta de colonização" é um documento inte- muito embora o Governo nunca chegasse a dar força de lei
ressante que atesta o espírito organizador e metódico de seu ao projeto apresentado.
elaborador, além de patentear a maneira pela qual ele pre-
tendia orientar o seu estabelecimento e a escolha dos seus .• Art. 10 - Os agentes da Companhia deverão
elementos de formação, elementos que não teriam senhores, fazer sair das colonias, para não mais a elas tornar,
mas seriam escravos da lei e da virtude, saudáveis física e aquele indivíduo que por sua notória imoralidade
moralmente. ou por sua índole rixosa perturbar a paz interna das
Os dois artigos que, a seguir, transcrevemos, definem colônias e com o seu procedimento ameaçe a
bem as intenções sinceras do Dr. Blumenau: moralidade dos colonos, observando, quanto se pos-
sa, as leis do Império a respeito. "
.• Art. 14 - Fica desde já e para sempre proibida
a entrada de escravos nas terras concedidas pelo Em todos os passos futuros do nosso biografado, vere-
Governo à Companhia e seus colonos, para se em- mos a sua constante preocupação de ter a colônia sempre
pregarem em serviço de qualquer natureza, nessas como modelo, não apenas de trabalho, de atividade produ-
terras ou em serviços domésticos, proibição esta que tora, mas também de moralidade.
se estende às aquisições de terras devolutas nacio- Ao par da cultura física dos indivíduos que o destino
nais que de futuro houverem de fazer a Companhia pôs sob sua direção, ele cuidou com muito carinho de dar-
ou os colonos e que fica também autorizada a Com- lhes, logo no começo de seu empreendimento, meios para
panhia de impôt; conformando-se às circunstâncias conservarem e, até, melhorarem, no novo ambiente que res-
especiais, nas terras particulares que comprar, ou piravam, os princípios morais aprendidos de seus maiores
adquirir por qualquer outro título. Nunca poderão na velha pátria.
entrar escravos da Companhia, nem das pessoas É pena que não possamos dar, na íntegra, todos os 24
estabelecidas nas terras concedidas pelo Governo à artigos de que se compõe esse trabalho do colonizador. Ul-
Companhia e a seus colonos e nenhum proprietário trapassaríamos de muito os limites traçados a este livro.

34 35
•.
"'''! "".IUII!

, ," ,
I
. ','
.
Ele serviria bem para ponto de partida de um estudo Tal fato veio colocar o Dr.
que se pretendesse fazer do caráter de seu autor, pois apre- Blumenau em sérias dificul-
senta pontos de que se podem tirar conclusões de grande dades.
interesse psicológico. Mas já não era mais possível voltar atrás; havia enca-
O requerimento do Dr. Blumenau e seu projeto de colo- minhado as coisas para um ponto de onde regressar seria
nização, com as modificações propostas pela comissão a provocar a queda, para sempre, dos planos que vinha, há
que fora encaminhado, lograram ser aprovados pela Assem- tantos anos, acariciando; seria a renúncia completa aos ide-
bléia Provincial, subindo à sanção do Presidente Antéro José ais que sonhara, de proporcionar a milhares de compatrio-
Ferreira de Britto. Este, porém, apesar de seu conhecido tas seus o bem estar e a abastança que eles não poderiam
interesse por quanto dizia respeito à entrada, na província, encontrar no velho mundo.
de braços estrangeiros, vetou a resolução da Assembléia. Blumenau, embora não fosse homem de resoluções pron-
Voltaram os deputados a discutir os motivos do veto e a tas, era-o de atitudes francas e desassombradas.
examinar, com maior cuidado, o projeto. Desse exame, re- Pensou maduramente no caso e assentou colonizar, de
sultaram violentas discussões na Assembléia, muitos de cujos parceria com fernando Hackradt, as terras do Itajaí.
membros, tendo à frente José Bonifácio Caldeira de Andrade, Continuou, pois, as negociações com o Governo Pro-
combateram rigorosamente as pretensões e sugestões da vincial, já agora pleiteando a concessão para a firma Blu-
"Companhia Protetora". menau & Hackradt.
A comissão encarregada de dar parecer sobre o projeto Não dispondo de mais de trinta mil thalers, toda a sua
opinou pela sua rejeição, mas, tendo em vista as vantagens fortuna, metia-se numa tarefa muito superior às suas for-
apreciáveis que as intenções da Companhia, uma vez postas ças.
em prática, poderiam trazer à colonização das terras da pro- Tinha, porém, consigo, o jovem doutor, grandes rique-
víncia, apresentou um substitutivo, que foi logo aprovado, zas e estas eram a sua tenacidade, a sua energia inquebran-
o qual, fugindo às questões complexas e que demandavam tável e a grande confiança que depositava em si mesmo.
muito estudo para sua solução, autorizava simplesmente o Em junho de 1848, o presidente Antero de Britto, de-
Presidente da Província a contratar com a Companhia que o pois de ouvir demoradamente o Dr. Blumenau, concedeu à
Dr. Blumenau era representante, pela forma que mais con- nova firma a permissão de demarcar e medir dois distritos
veniente entendesse aos interesses do Estado, fazendo, para de colônia, á margem sul do rio, sem, entretanto, dar-lhe
tanto, as necessárias modificações na lei nº 49, de 1836, e deles título definitivo.
os acréscimos que se tomassem precisos. No mês seguinte, Blumenau mandou instruções ao seu
Todas essas discussões e providências, porém, toma- sócio, que ficara à barra do "Velha", e seguiu para a Corte,
ram-se inúteis, visto que, quando iam a meio, dissolveu-se e aí renovou, junto ao Governo Imperial o pedido das con-
em Hamburgo, onde tinha a sua sede, a Companhia que as cessões que, na Província, lhe tinham sido negadas, suge-
provocara.

37
36.
rindo medidas que lhe pareceram indispensáveis à intensifi- rica, os Boesche, os inumeráveis agentes pagos pelo gover-
cação da emigração alemã para o Brasil, enumerando, numa no norte-americano e de várias das repúblicas da América
exposição muito franca e sem rodeios, providências erradas do Sul que, o interesse de conseguirem colonos para as suas
que o Governo havia tomado e que devia revogar e outras terras, não perdiam oportunidade de deprimir o nosso país,
sem as quais tomava-se-lhe impossível tentar sequer a pro- o nosso povo, as nossas instituições e os nossos costumes.
paganda e o conseqüente aliciamento de colonos de sua pá- Esse Boesche, Eduardo Teodoro, natural de Hannover, por
tria para o Brasil. Não conseguiu, porém, mais do que pro- exemplo, tendo estado, alguns anos, no Brasil, servindo no
messas. Estas, entretanto, bastaram para animá-Io a regres- batalhão de alemães, o 3Q de granadeiros, aquartelado à Praia
sar à Alemanha e tentar ali conseguir os elementos para a Vermelha, publicara, em 1836, na Alemanha, em livro que
fundação de sua colônia. teve larga repercussão, as suas memórias, onde criticava
As autoridades a que expusera os seus planos e entre- acertadamente os nossos homens e as nossa coisas, ridicu-
gara os seus memoriais asseguravam-lhe que, com muita larizado-as de maneira irritante, resumindo quanto até aquela
simpatia e com muito carinho, S.M. o Imperador recebera data havíamos feito e construído neste período envenenado:
as sugestões e se dispunha a examinar o assunto com cuida- "Tudo o que a natureza fez no Brasil é bonito e admirável;
do para deferir as pretensões de Blumenau, no que fosse tudo o que o homem fez não vale nada."
possível. Em seu livro, o Dr. Blumenau demonstrava, com since-
Tendo, pois, embarcado em setembro, no Rio, o ridade, a injustiça e a inverdade dessa e de outras afirma-
Dr.Blumenau chegou a Hamburgo em novembro. ções dos detratores do Brasil, dando preciosas informações
Desenvolveu, desde logo, uma intensa propaganda em sobre o estado das colônias alemãs de São Pedro de Alcântara
prol da emigração para o sul do Brasil, publicando, nos co- e Vargem Grande em Santa Catarina, e São Leopoldo e Três
meços de 1850, o seu livro "Suedbrasilien in seinem Forquilhas, no Rio Grande do Sul.
Beziehungen zu deutscher Auswanderung und Kolonisation ", Nas suas informações, não escondia as dificuldades que
impresso em Rudolstadt. os emigrantes encontrariam fatalmente nos primeiros anos
No prefácio desse trabalho, o colonizador explica os do seu estabelecimento na nova pátria e aconselhava a que
motivos que o levaram a dar-lhe publicidade, oferecendo o emigrassem para o Brasil apenas os que estivessem dispos-
seu próprio bom nome como garantia da verdade de tudo tos a trabalhar com afinco e coragem, garantindo a estes
quanto narra e do acerto de tudo quanto aconselha. bem estar e prosperidades.
É um livro consciencioso, sem exageros, em que ataca, Em entrevistas a jornais, nas viagens, nas visitas a seus
com argumentos irrespondíveis, os interessados em desviar amigos e parentes, Blumenau desenvolvia, também, uma
para outros países as correntes emigratórias alemãs, com- intensa propaganda que, não só pelas informações contrári-
batendo, num estilo agradável e despido dos atavios da retó- as e tendenciosas, como também pela própria situação polí-


38. 39
tica em que a Alemanha então se encontrava, produziu re- e mar tão agitado que tive que ficar deitado, sem
sultados quase nulos. poder mover-me. O navio jogava desesperadamente
Depois de muitos esforços e canseiras, conseguiu sem- revolvendo tudo a bordo. As dezoito mudas de árvo-
pre o Dr. Blumenau encontrar dezesseis patrícios que se dis- res frutíferas morreram todas.
punham a acompanhá-lo ao Brasil. À entrada do Rio de Janeiro, sentí-me invadido
Além deles contava também Reinoldo Gaertner, seu de um inexplicável sentimento de tristeza, como se
sobrinho, que lhe foi um valioso auxiliar nos primeiros anos estivesse a pesar-me sobre a alma um enorme man-
da colônia. to de chumbo. Foram pressentimentos, sem dúvida,
Confiou esses dezesseis emigrantes aos cuidados de pois, ao desembarcar fui à casa de meus amigos
Gaertner, que deveria providenciar o seu embarque para Schroeder & Cia., onde me entregaram várias car-
Santa Catarina algum tempo depois, e deixou Hamburgo, tas, da Europa e de meu sócio, três das quais me
com destino ao Brasil. traziam notícias bem tristes.
Sobre essa viagem, escreveria ele mais tarde a um ami- A primeira noticiava-me a morte de meu pai".
go:
A segunda, dava-me parte de um fato não menos
acabrunhador e que deixou por muito tempo a mi-
"No mês de março de 1850, parti de Hamburgo
nha alma mergulhada em profunda mágoa. "
e depois de uma péssima viagem de 84 dias, o nosso
navio chegou ao Rio de Janeiro com um dos mastros
Blumenau referia-se na segunda carta ao seu desastre
quebrados. A epidemia de febre amarela, que
amoroso. Quando, anos antes, deixara a Alemanha, namo-
grassara com violência, estava diminuindo de in-
rava uma patrícia a quem amava sinceramente e com quem
tensidade. Durante a viagem cuidei muito bem das pretendia compartilhar as suas alegrias e penas, casando-
plantas, sementes e bulbos que você me deu e de 250 se.
roseiras que eu tinha comprado e das quais dois ter- Voltando à sua terra, Blumenau insistiu no matrimô-
ços secaram ou brotaram durante a viagem. nio. A noiva, porém, protelava o seu assentimento, ante a
Ao norte do Equador ficamos parados quatro idéia de ter que vir para o Brasil. O Brasil assustava-a. Mil
semanas por falta de vento. A água potável come- versões corriam a respeito da terra maravilhosa, cheia de
çou a minguar e era distribuída em rações calcula- surpresas e de mistérios. Contava-se a respeito dela, tanta
das com cuidado. coisa de mal, que nem as palavras do Dr. Blumenau conse-
Ao sul do Equador apanhamos fortes aguacei- guiram desvanecer no espírito da moça o medo que dele se
ros. O precioso líquido foi recolhido em boa quanti- apoderara.
dade em velas e barris. Houve também ventos fortes
* Karl Frederico B1wnenau faleceu a 2 de abril de 1850, com 79 anos.

40
41
Para não magoar porém o generoso coração do na-
morado, a donzela ao se despedir dele na sua volta ao Bra-
sil, não lhe dera a conhecer a resolução que já assentara de
negar assentimento à proposta de casamento, dizendo que
lhe mandaria a resposta por carta.
Esta, por se ter o navio em que o Dr. Blumenau Via-
java, demorado na travessia, chegou antes dele no Rio, e
veio ferí-lo profundamente.
Sobrava-lhe em medo, o que lhe faltava em amor.

C
omeçara para o jovem
doutor uma era de
contrariedades, de verdadeiros suplícios. A sua
extraordinária capacidade e os seus grandes dotes
iam ser postos a provas bem duras.
Fernando Hackradt, como já vimos, ficara às margens
do Ribeirão da Velha, para dar começo aos trabalhos de
instalação da colônia.
Blumenau entregara-lhe boa soma para as despesas com
ranchos, roças e engenhos e para a compra de alguns terre-
nos vizinhos, no Garcia e à margem esquerda do Itajaí, de
propriedade de particulares, que jaziam incultos.
Tudo ficara combinado entre os sócios, de forma que,
quando Blumenau regressasse da Alemanha com os emi-
grantes que conseguisse aliciar, Hackradt deveria ter pron-
tos os ranchos para abrigá-Ios, os engenhos trabalhando e
as roças plantadas, produzindo o mais indispensável à ali-
mentação.
Hackradt, de fato, contratou trabalhadores na colônia
Belchior e arredores e deu início ao serviço.
A sua atividade, porém, não correspondeu à expectati-
va e à confiança que Blumenau nele depositara. Fez gastos
inúteis e descuidou muito os interesses de seu sócio e ami-
go.

42
43
Continuemos a transcrever a carta a que, no capítulo
lhou-me a voltar à terra, com a segurança de que
anterior, fizemos referências:
me mandaria avisar logo que o tempo permitisse a
"A terceira carta era de meu sócio o qual pedia saída do barco. Cessou o temporal e eu fui até o
que eu levasse dinheiro, e já, porque havia o perigo cais. Com surpresa vejo que o navio já ia longe ten-
de perder tudo quanto se fizera. Além disso, desis- tei alcançá-lo num bote alugado, mas qual! Tomara
tia, irrevogavelmente, do contrato que fizera comi- enorme dianteira e eu fui obrigado a voltar. A mi-
go e pretendia mudar-se do Vale do Itajaí. nha bagagem e plantas lá se foram para o sul.
O engenho de serra que ele construiu e eu pa- Quatorze dias depois eu segui num vapor. En-
guei, estava mal feito e ameaçando ruir a cada mo- contrei a minha bagagem num estado miserável, re-
mento; as tábuas não tinham preço e ele não tinha colhida a um quintal, exposta ao sol e à chuva. As
mais dinheiro. plantas estavam irremediavelmente perdidas e o res-
De nove negros que ele comprou com o meu ca- tante muito desfalcado e estragado. Ao ver tudo isso,
pital, existiam apenas dois; os outros, ou fugiram, chorei de raiva.
ou foram seduzidos pelos patrícios e vizinhos. Afinal, depois de uma ausência de quase dois
Em 1848, eu entregara ao meu sócio 4.000 anos, cheguei ao Itajaí. Novas e desagradáveis sur-
thalers e deixei à disposição dele, no Rio, quando presas aí me esperavam.
parti para a Alemanha, mais 1.500 e, daqui do Rio * No local onde eu havia empregado o melhor de
lhe mandei outro tanto.Ele escreve agora que não 6.000 thalers, encontrei apenas algumas choupanas
fez muita coisa porque os negros fugiram há muito mal feitas que não valiam trezentos thalers; um ne-
tempo, de forma que as roças eram poucas e ele, gro paralítico e uma preta velha; um engenho de
assim, quase nada tinha preparado para receber os serra que, com a menor enchente já não trabalhava
colonos. mais. Nada de plantação a não ser um pasto mise-
Essas noticiasforam-me uma recepção bem tris- rável no qual estavam fechados uns oito ou dez bois
te. Começou, com elas, uma série de lutas e desgra- carreiros.Não havia nada preparado para receber
ças tamanhas que eu sucumbiria se tivesse que prová- e abrigar os colonos que já estavam em viagem.
Ias novamente. Meu sócio estava firmemente resolvido a reti-
Bem depressa despachei os meus negócios, e rar-se. Como um verdadeiro irmão eu aceitei a mi-
embarquei num veleiro. nha parte nos prejuízos, sem reclamação, continu-
Sobreveio, porém, tempo muito desfavorável e ando a estimá-lo e a considerá-Ia, atribuindo ao
o capitão, transferindo a hora da partida aconse- imprevisto, à fatalidade, os danos sofridos. Mais
tarde verifiquei que a maioria deles aconteceu pela
* A carta foi escrita do Rio a LL de janeiro de L854.

45
4.4
sua negligência muito culpável. Iam-se, entretanto, conformando com a situação e ati-
Com o meu dinheiro ele havia feito hábeis ne- ravam-se, corajosamente, ao trabalho.
gócios para si, comprando em seu nome, terras que Em pouco tempo as grandes clareiras que o machado
eu me vi forçado a recomprar dele por cerca de mil abria na mataria cerrada, cobriram-se de plantações.
e cem thalers " Foram abertas as picadas e, à margem direita do ribei-
rão Garcia, medidos vários lotes.
Entretanto, chegavam à capital da província, a bordo Construiu-se, também, de palmitos, um rancho desti-
do veleito "Christian Mathias Shroeder", os emigrantes que nado ao abrigo de 80 a 100 pessoas para que os imigrantes
o Dr. Blumenau contratara na Alemanha. que fossem chegando tivessem onde se alojar até que cons-
Eram ao todo 17 pessoas.O sobrinho do Dr. Blumenau; truíssem as próprias moradias.
a família Friedenreich composta de 4 pessoas; a família Para o fundador, entretanto, cresciam as dificuldades e
Kuhlmann, com 5 pessoas; Rimer e um seu filho; Franz aumentavam os deseperos.
Salentlúen; Júlio Richter, agrimensor; Paulo Kellner, Daniel Via-se sem meios para fazer face aos compromissos
Pfaffendorf, carpinteiro e o marceneiro Geier. que avultavam cada vez mais. A realização dos seus planos
De Desterro esses colonos, depois de passarem alguns dependia de capitais muito grandes, de muito dinheiro. E ele
dias na alfândega, seguiram num iate para Itajaí, subindo o se via completamente desprovido de recursos pecuniários.
rio numa balsa improvisada, até Belchior, onde chegaram a Os seus sofrimentos, foram, então, incalculáveis, de
2 de setembro de 1850. enlouquecer.
Esta data foi, mais tarde, designada como a da funda- Homem reto, da caráter limpo e honesto, a simples idéia
ção da colônia. de parar no meio do caminho, de ter de suspender o paga-
Hackradt e dois caboclos se encarregaram do transpor- mento do que fora obrigado a emprestar ou comprar a pra-
te, em canoas, dos recém-chegados e de suas bagagens até zo, causava-lhe apreensões muito penosas.
as margens do Velha. Drama doloroso na verdade, a que poucos homens teri-
Apenas alguns dos colonos conseguiu Blumenau alojar am resistido! Com a alma povoada por um sonho assim gran-
em sua morada. Os outros, entre os quais seu sobrinho, ti- dioso, o Dr. Blumenau sofre por ver quão difícil se lhe tor-
veram que se abrigar nos ranchos próximos. nava dia-a-dia o caminho.
É fácil prever como esses dezessete imigrantes passari- Em meados de 1851, o Dr. Blumenau foi novamente ao
am, com o fundador da colônia, os primeiros meses do seu Rio, onde conseguiu um pequeno empréstimo com o Gover-
estabelecimento em plena mata, no meio e em luta com uma no Imperial e vários auxílios pecuniários de amigos seus
natureza rica e deslumbrante, mas, também, cheia de peri- que criam e confiavam na sua seriedade e no futuro de seus
gos e contrariedades. planos.

46 47
Como Blumenau
passou os quatro
No fim desse ano, chegou uma outra leva de imigran- anos imediatos à
ts;s, em número de 9; nos anos seguintes, esse número foi fundação da
aumentado sensivelmente. colônia, ele mesmo
Em 28 de agosto de 1852, foram distribuídos entre os narra nos seguintes
colonos os primeiros dez lotes coloniais, do que resultou ter trechos da missiva
sido, por muito tempo, festejada aquela data como a da fun- de 1854:
dação da colônia. Essa distribuição de lotes marcou, de fato,
o início de uma constante e crescente intensificaçãono po- .• Entretanto, chegaram os primeiros imigran-
voamento e cultura das terras que iam sendo demarcadas. tes, dos quais só alguns consegui hospedar; os ou-
Mais tarde, em 1899 a Câmara Municipal determinou tros, e entre eles meu sobrinho e alguns rapazes bem
como data exata da fundação a da chegada dos primeiros
instruídos, acharam abrigo fora do meu rancho.
dezessete colonos.
O meu sócio despediu-se agora. * Levou o seu
capital com os juros e 800$000 de gratificação. A
minha propriedade custa-me agora oito mil thalers
em dinheiro e seis mil em dívidas a 18% de juros
anuais, embora o valor de tudo seja apenas um ter-
ço.
Ganhei o meu sustento trabalhando no enge-
nho de serra que estava muito mal colocado, che-
gando uma vez a água da enchente até o telhado. Em
pouco tempo esse engenho tornara-se imprestâvel;
tendo-me dado um prejuízo de cerca de 3.000 thalers.
Desapareceu, assim a minha única fonte de ren-
das.

* A dissolução da sociedade entre Blumenau e Hackradt deu-se a 15 de outubro de 1850.

49

48
Eu me vi arruinado, quase doido pelos sofri-
O céu teve misericórdia de mim. Achei amigos
mentos e dificuldades por que passei.
que conseguiram fazer voltar a confiança em mim
O excesso de trabalho me enfraqueceu, pros-
trando-me de cama. Eu não tinha, porém, tempo para mesmo e na humanidade. Um amigo generoso em-
cuidar de doenças. TInha dívidas e precisava pagá- prestou-me dinheiro. O Imperador e vário senhores
Ias. Como e com que, é que eu não sabia. de elevada posição mostraram-se interessados pela
Vi a falência inevitável, a desonra bater-me
á
minha posição conhecendo que eu era um homem
porta se eu não pagasse os meus credores. Todas as honesto e que os meus projetos não visavam lucros.
minhas esperanças pareciam desfeitas. Moralmente Foi-me prometido um adiantamento de dez con-
aniquilado, parecia-me humanamente impossível tos de reis para continuar os meus trabalhos. Hou-
prosseguir nos planos de colonização. ve, porem, invejosos que entraram a agir, armando
Que a Divina Providência preserve um homem intrigas e chicanas. O tempo passava e por pouco
honesto de semelhantes dissabores! não desesperei.
Envelheci antes do tempo e, apesar de ter, pos- Nesse meio tempo, no Itajaí, 36 cabeças de gado,
teriormente, sofrido muitos outros contratempos, a que eu havia comprado novamente, morreram de
simples lembrança daquela época de terror causa- peste.
me um imenso horror. Afinal, recebi o dinheiro e pude livrar-me das
A minha única salvação foi a lembrança de mi- maiores dívidas e respirar desafogadamente, e, com
nha querida mãe. Recordando-me, que ficara viúva novas esperanças, voltei ao trabalho.
havia pouco, não pus fim a minha existência.
No Rio, comprei mercadorias, peças e maqui-
Quem nunca passou por transes assim, não pode
nismo para um engenho de açúcar e muitas outras
nem mesmo imaginar o que seja chegar, em três ou
coisas, no valor de 2000 thalers. Num leilão, adqui-
quatro meses, à beira do túmulo, em vez de ao bri-
lho da glória e da felicidade que se esperava, mo- ri algumas colméias de abelhas, 75 belas espécies
desta embora. de mudas (frutas do sul da França) e o Dr. Riedel
Eu não tinha porém tempo a perder. Escrevi a me deu também muita coisa. Pus tudo a borbo de
alguns amigos no Rio, contando a minha desgraça- um brigue, ao cuidado de um amigo, com destino a
da situação. Veio resposta pedindo o meu compare- Santa Catarina.
cimento à Corte. Por estar doente, segui viagem depois, num va-
Acertei apressadamente alguns negócios, man- por. O brigue porém não apareceu; já perto do seu
dei proceder a serviços urgentes nas roças, entre- destino, um vaso de guerra inglês o prendera e,
guei a direção da colônia ao meu sobrinho e fui ao depois de um exame nos papéis do comando, ape-
Rio. sar de não encontrar escravos a bordo, o levara preso
para Santa Helena. E nós perdemos tudo; eu os meus

50 51
t)doutor B{,/lI/(nall e sua es posa Berla, por ocasião
dê seu casamento, em 1864.

2000 thalers, um negociante alemão outro tanto;


enfim, um prejuízo de cerca de 20.000 thalers.
Reclamamos diversas vezes, mas em vão. Isso
foi para mim um golpe muito violento. Já estava
doente e fraco e, infelizmente, minha mãe, o meu
amparo, já não existia mais. Recebi a notícia da
morte dela na véspera do meu embarque no Rio. Tal
foi a minha dor que, por muito tempo, deixei-me in-
vadir de uma apatia e um desânimo que não sei como
não me perdi.
Sempre consegui reaver duas colméias e uma
ou duas ou três plantas. O engenho de açúcar, que
seria a minha nova fonte de renda, eu não o vi mais.
Em situação tão precária, um amigo me socorreu
com dinheiro, até que recebi o meu quinhão heredi-
tário. Pude assim, continuar os meus trabalhos, ben-
dizendo a mão que me auxiliara.
Ao chegar à casa, precisei ainda de um descan-
so que durou até o Natal.
Passarem-se assim um ano e meio. Não me ani-
mei, nesse tempo, a escrever cartas, pois os assun-
tos sinistros não agradam a ninguém.
Recebi do Dr. Riedel as semente e mandei uma
parte ao senhor, para Hamburgo, porém nunca mais
tive notícias a esse respeito.
De Santa Catarina mandei vir caixas, arranjei
orquídeas e vasos de madeira e entreguei tudo aos
cuidados de um amigo. Passado algum tempo, este
mandou dizer-me que tinha preparado cinco caixas
e mandou-me uma nota de 20$000, ou 30$000, a
pagar. Depois não soube mais nada. Só em setem-

52
bro descobri as caixa na Barra do Rio * e todo o
conteúdo completamente seco, morto.
O aspecto do meu jardim agora é muito triste.
Logo que cheguei, preparei um terreno próprio, cer-
quei-o bem e fiz as sementeiras. Muitas plantas vin-
garam bem, o que me causou viva alegria.
O meu amigo Pabst se encarregou de tomar
conta dele e os rapazes, companheiros do meu so-
brinho, prometeram continuar o serviço do Pabst.
Empreendi a viagem com confiança. De volta,
encontrei um deserto. Pabst não estava mais e nem
algum dos rapazes; os que haviamficado, gostavam
mais de caçar e dormir. No jardim 'não havia se-
quer mais caminho; tudo era capoeira e asformigas
haviam devorado as plantas raras e de estimação.
O que ficara, não era nem mesmo a vigésima quinta
parte do que existiu.
Dinheiro perdido e desgostos.
Recomecei, pois, os trabalhos para por nova-
mente em ordem o jardim e o pomar.
Nisso passou o ano de 1853. Com exceção dos
jornaleiros, ninguém estava contente, todos de ore-
lhas caídas, murchas. Alguns tinham comprado ter-
ras e gasto muito dinheiro com trabalhadores cujo
jornal era tão alto que não deixava margem a qual-
quer lucro.
Nós todos éramos solteiros e não tínhamos go-
verno regular nas casas. Eu tinha uma velha preta
que servia de cozinheira e lavadeira; outros faziam

* Do Itajaí-mirim.

55
pessoalmente o serviço na cozinha, ou alugavam um
rapaz. junho e até setembro tive muito serviço traçando
Os nossos produtos não tinham preço. Era, en- caminhos, medindo lotes, etc.
fim, uma vida de cachorro. O estado geral da colônia vai melhorando. Os
A coisa ia tão mal que eu mesmo tinha a im- moços, que tinham saído voltaram e compraram ter-
pressão de que o meu estabelecimento não tinha fu- ras. Meu sobrinho, em companhia de outros com-
turo. Isso custava-me muitas noites de insônia. Mas prou um engenho de serra. Eu tinha serviço demais
não me desfiz dos meus planos e projetos. Antes, porém trabalhei com prazer, apesar de muitos abor-
contunuei fazendo tudo por conseguir os fins que recimentos.
almejava. Arrendei os meus lotes a dois colonos antigos
Empreguei todos os meus esforços e persistên- para assim poder eu trabalhar no governo da colô-
cia, sem me importar com prejuízos secundários que nia. Os dois deram-me prejuízos; nada fizeram no
não devem causar surpresa na vida do colono. jardim. Calei-me para não estar brigando a cada
Estava resolvido a não ceder e a gastar aqui instante e aluguei outra gente para cuidar do jar-
até o meu último vintém. Eu tinha quatro bons ami- dim. Também com esta não tive sorte. Despachei
todos, finalmente, e eu mesmo fui trabalhar no jar-
gos e muito crédito; adquirira, também, conhecimen-
dim e no pomar, para, assim, salvar as minhas mu-
tos e experiências e queria resolver um problema de
das. Não raras vezes tive que ausentar-me quatro e
máximo interesse para a minha pátria. Não vim ao
mais semanas, o que prejudicava grandemente o meu
Brasil para ganhar dinheiro; isto eu teria feito me-
serviço.
lhor de qualquer outro modo e em outro lugar.
Colecionei orquídeas, no que me ajudaram o
Os meus novos colonos não pensavam assim.
Dr. Frit: Müller e seu irmão Augusto. O primeiro é
~les queriam viver bem e, sendo isso impossível, que-
riam ganhar muito dinheiro em pouco tempo. Aqui, um naturalista competente e um ótimo colono que
porém, faltava ocasião para tanto. trabalha com o machado como um lenhador experi-
mentado. Augusto Müller é jardineiro.
O meu sobrinho, considerando o estado da co-
lônia, declarou que não queria mais receber o seu O Dr. Müller mostrou-me novas espécies de or-
salário e pediu licença para fazer uma viagem e quídeas que eu ainda não conhecia.
aprender, assim, o portugues. Concedi-lhe três me- O ano de 1853 passou muito ligeiro, entre tra-
ses, ficando, pois, sozinho até maio. balhos excessivos e muitas amarguras.
Novo alento trouxe-me a notícia da chegada de Fiz um balanço geral e descobri que, nos últi-
outros colonos. Destes, os primeiros chegaram em mos dois anos, tive um saldo total de 165$000.
Chegaram muitos colonos e eu estava sozinho

56
57
nos meus múltiplos serviços. des faziam uma guerra tremenda à emigração para
Devido aos poucos recursos que eu tinha, era esta terra riquíssima que, para ser grande, se resente
obrigado afazer, apenas, as despesas mais necessá- apenas da falta de braços para o trabalho.
rias e não podia ter empregado. Fiz traçados de Não tive lucro algum na compra e venda de ví-
novos caminhos, marquei derrubadas, comprei, vendi veres. Não pude fazer outros negócios porque a co-
e distribuí víveres, tudo eu sozinho, tendo, pois, muito lônia absorvia todo o meu tempo. A única fonte de
pouco tempo para pensar noutras coisas. Bem in- renda era a venda de terras e esta, como já disse,
grata e amarga tarefa é colonizar. rendeu, em 2 anos, 165$000.
Se o senhor quiser expiar algum pecado gran- Eu tinha e tenho ainda os meus ideais de colo-
de, experimente esse meio. Para o senhor que é ca- nizador; quis e quero realizâ-los, mas, falta-me o
tólico, um ano nessas matas virgens valeria bem vinte mais necessário, o dinheiro para desenvolver os meus
e cinco de purgatório. planos.
Aqui não tenho um só dia de sossego; de todos Em matéria de emigração, reina o indiferentismo
os lados me procuram a há necessidade de se ter a na Alemanha; colonos abastados não vem.
paciência de um anjo para se suportar tudo. Recebi cartas muito animadoras por parte de
Dinheiro entra bem pouco. Aqueles que possu- pessoas importantes de minha pátria mas que, en-
em algum não pensam em pagar as dívidas e empre- tretanto, não me trouxeram auxílio algum.
gam os seus recursos em outro modo. Mais uma vez eu procurara auxílio na Alema-
No fim de 1853 e princípio de 1854 eu fiquei nha, tendo, por esse motivo, feito uma viagem em
farto de tudo. Desgostos, trabalhos excessivos, mi- 1848 a 1850. Tudo, porém, fora em vão".
séria, a vida sem um único e breve raio de alegria, o
triste pressentimento de estar empregando inutilmen- o Dr. Blumenau continua a sua carta fazendo uma sé-
te as minhas energias e o meu último vintém, deixa- rie de considerações sobre o pouco caso dos estadistas ale-
ram-me exausto, impossibilitado de trabalhar como mães em matéria de emigração, tendo, às vezes, conceitos
no tempo passado. bem pesados para as teorias extravagantes dos políticos de
A perspectiva, pois, nada tinha de risonha; os então que cruzavam os braços ante o desvio das correntes
meus recursos estavam quase no fim pela carestia emigratórias para os Estados Unidos, sem noção do enorme
reinante e pelos muitos auxílios pecuniários presta- proveito que poderia advir para a Alemanha da coloniza-
dos aos imigrantes. Eu não podia contar com rendi- ção, por parte do elemento germânico, das terras fertilíssimas
mentos; a imigração se fazia lentamente porque na do sul do Brasil.
Alemanha, principalmente na Prússia as autorida-

58 59
:;:;:

... :.: ...

Continuemos a carta do fundador,

.. Não espero mais o auxílio do governo da


Prússia. A minha esperança está no governo do Rio
de Janeiro. O muito serviço e moléstias impediram-
me de chegar lá antes do mês de Julho. Examinei o
ambiente, tendo-o achado mui desfavorável pelo que,
depois de uma estada de 14 dias na Corte, regressei
ao Itajaí.
Nessa ocasião, chegaram numerosos colonos,
alguns com bastantes recursos. A primeira turma
foi de 90 e, até o fim de ano 160. A maioria deles era
gente hábil e honesta.
Assoberbado de serviços, só pude voltar ao Rio
em Novembro.
Escrevi memorandos volumosos, que teminei há
oito dias. Neles expliquei os meus pontos de vista na
fundação de uma colônia sob o regime da pequena
propriedade e fiz um relatório minucioso de quanto
eu já fizera e conseguira com os meus atribulados
trabalhos e insuficientes recursos; pedi um auxílio,
não uma esmola, de um a dez contos. Fiz, também, a

61
proposta de que o governo me adiantasse, em 7 anos Verei, em breve, se as coisas forem de mal a
consecutivos uma determinada soma que garantisse pior; tenho, porém, esperança de bom êxito, pois, já
a execução dos meus planos. Esse era, a meu ver, o não sou um desconhecido na Corte e conto com
único meio de poder prosseguir na obra que eu em- amigos em destacadas posições junto ao governo.
preendera. Não conseguindo isso, eu venderia o que Eles reconhecem que os meus trabalhos trariam
fosse meu, e iria para a Àfrica Portuguesa, para as grandes vantagens ao Brasil.
Filipinas, ou para as Índias, desenvolver a minha Até o imperador me conhece; mandou-me cha-
atividade em campo que me fosse mais favorável. mar diversas vezes para a audiência e estudou mi-
A não poder, como eu pretendia, criar, no Itajaí, nuciosamente os meus planos.
uma colônia que honrasse o meu nome e que se fun- Vivemos, porém, num país constitucional, onde
dasse em planos liberais e criteriosos, eu me afas- os ministros têm as suas idéias próprias e, infeliz-
taria pesaroso sim, mas, definitivamente, do Brasil. mente, os meus amigos não fazem parte dos ministé-
Propus essa alternativa ao governo. Seria doloroso, rios e, sim, do Conselho do Estado que também é
para mim, abandonar, assim, uma terra que já rece- chamado para dar o seu parecer.
bera a minha afeição e o meu suor. Há muitos que solicitam empréstimos de dinhei-
Insisti inutilmente no que pretendia alcançar; ro e cada um deles tem o seu protetor. Acresce notar
sacrifiquei os meus melhores anos e forças no pro- que já várias tentativas de colonização fracassaram,
pósito de ser útil à minha terra e aos meus patricios dando prejuízos aos cofres públicos.
para os quais a América oferece um campo de ativi- Tenho esperanças, embora bem poucas. O que
dade como em nenhuma outra parte do mundo. peço é uma quantia avultada, cem contos pelo me-
Não tive auxílio de parte nenhuma e obra do nos, no prazo de 5 a 7 anos. Não sei se o governo me
vulto da que eu quero realizar não pode ser executa- concederá soma tão alta.
da por um só homem. Eis minha história, meu amigo, desde que nos
Se fracassar, pois, ninguém me culpe. Fiz mais despedimos um do outro.
que podia e do que devia e, ainda estou disposto a Somente a duas, ou três pessoas, eu a tenho
sacrificar tudo se vir resultado no meu esforço. contado, a amigos a quem eu devo favores e muita
A sorte não me foi até aqui favorável e eu não gratidão.
posso mais lutar contra ela. O meu tempo, sempre tão escasso, não me per-
Tudo eu sacrifiquei pelos outros; é justo, pois, mite escrever cartas volumosas.
que eu abandone os meus ideais e procure angariar Eis a razão do meu longo silêncio e, parece-me,
novos meios para suavizar os dias da minha velhi- mereço bem o seu perdão; não houve, de minha par-
ce.

63
62
te má vontade, negligência, ou preguiça. Pelo con- Apesar de parecer que o governo brasileiro tem
trário senti sempre remorso dafalta de que cometia, medo dos colonos alemães, estima-os como bons tra-
involuntariamente embora. balhadores.
Hájá quinze meses que não respondo as cartas Se o nosso governo me ajudar de alguma ma-
de meus irmãos. Vivo há oito anos, como presa de neira e eu continuar com força e saúde, eu hei de
um turbilhão, uma verdadeira vida nômade. Permi- mostrar em Santa Catarina que o alemão, por seu
ta Deus que o meu futuro seja de mais descanso e próprio esforço, pode conseguir alguma coisa que
mais sossego. não seja ensinada pelos yankees; hei de mostrar que
A carta que lhe estou escrevendo, tira-me gran- o Brasil é um país para os colonos como não há
de peso de sobre o coração, tanto mais quanto estou outro.
certo de que o senhor me mandará uma cartinha de Em poucas semanas, o meu caso será resolvi-
consolação e de estímulo. " do, e, sendo-o favoravelmente, escreverei um livri-
nho dando conselhos e avisos aos emigrantes, com-
o doutor Blumenau se estende por algumas páginas batendo com energia as intrigas e os conceitos des-
falando nas remessas de plantas, que fizera ao amigo, para favoráveis que muita gente faz sobre esta terra.
Hamburgo; no Dr. Riedel, grande naturalista, que explorara Defira o governo o meu requerimento e em pou-
o norte do Brasil e que então se encontrava no Rio, já velho co tempo eu mudarei o aspecto do vale do Itajaí. Eu
e abatido; no melhor meio de conservar e transportar orquí- mesmo trataria da lavoura para dar bom exemplo;
deas e da cultura de várias outras plantas. E prossegue: haveria de instalar engenhos de serra que dariam
vida à colônia e renda a muita gente; praticaria a
.. Em Santa Catarina cresce de tudo que se horticultura e organizaria um pomar modelo que se-
planta ria entregue aos cuidados de um homem entendido,
com uma exuberância, um viço que é uma alegria se o que traria vantagens sem número a toda a gente.
ver. O Brasil é uma terra magnífica, especialmente Possuo, para isso, um terreno magnífico, com
na parte sul. É uma pena que a emigração alemã se terra solta e fértil, numa ponta aguda formada por
encaminhe antes para os Estados Unidos do que para uma volta do rio, defronte à futura cidade.
cá, pois os colonos nunca alcançam o que poderiam Realizando-se tudo isso, então eu saberia unir
obter aqui, com uma natureza que os favoreceria o útil ao agradável.fazendo-lhe. de vez em quando,
muito. Muita gente corre cegamente atrás do pri- umas remessas de plantas em troca de outras que o
meiro conversador que aparece e deixa-se facilmen- senhor me mandaria. Esta é uma das minhas predi-
te iludir por umfraseado fantasioso que à gente de leções pela qual tenho gasto dinheiro, assim como
juizo causaria riso. na compra de livros.

64 65
Eu não bebo, não jogo e não sou dado a con- de química e as coleções que ainda estão nas caixas
quistas amorosas, pois quero dar aos meus colonos em que vieram em 1850, assim como os aparelhos
um bom exemplo. astronômicos e meteoro lógicos.
O meu modo de viver é mais do que simples, é Não tive, até agora, lugar onde colocá-los, nem
quase miserável; pois não quero servir de alvo a crí- tempo para manejá-los. Quero, entretanto, instalar
ticas e mostrar que, com tenacidade e persistência, um observatório e mandar buscar a minha coleção
consegue-se sempre alguma coisa. de minerais e os livros mais modernos.
Não podendo passar sem distrações, eu encon- Peço-lhe que me indique as obras mais impor-
tro a minha alegria nas plantas e nasflores. No con- tantes, ultimamente aparecidas. Estou em grande
vívio delas, eu esqueço a miséria, as ingratidões e atraso, no que diz respeito ao movimento literário e
os aborrecimentos que tenho tido nos últimos qua- científico da nossa terra.
tro anos. Antes de mais nada, precisava algumas obras
O senhor, na velha Europa, com a vida metódi- sobre a arte de jardinagem, modernas e eficientes,
ca que leva, não pode sequer imaginar tudo o que em alemão, ou em francês, e, também, uma revista
sofri. Aqueles mesmos que maiores beneficios rece- desse gênero que traga artigos sobre a cultura das
beram, pagaram-me de uma maneira estúpida. plantas nos vários países; uma revista científica fra~-
Preciso, porém, escrever tudo em prol das rea- cesa parece que me conviria, pois, em geral; publi-
lizações em que estou empenhado. ca estudos sobre as colônias africanas, que muito
Sem dinheiro e braços a melhor boa vontade e me serviriam.
a mais amadurecida experiência nada conseguirão. Talvez que eu nela encontrasse muita coisa que
Sem a entrada contínua de novos imigrantes, as co- me conviesse para aplicá-Ia aqui. Mande-me tam-
lônias não podem progredir. Não há colonização em bém alguns catálogos com indicação de preços. Fi-
pequena escala; se assimfosse, eu não pediria coisa nalmente, desejaria todas as obras que tratassem
alguma aos outros. da flora do Brasil meridional. Não sei se existem; é
No círculo de suas relações, o senhor ajude com bem possível que os artigos que eu procuro estejam
o seu prestígio a esclarecer os meus pontos de vista; esparsos em várias revistas. Interessam-me muito as
prestará assim um grande serviço a muitos pobres obras de St. Hilaire, das quais eu possuo apenas a
que, na América do Norte e na Austrália, passariam que trata da viagem a São Paulo e Santa Catarina.
pedaços mais amargos do que aqui. Os dois volumes contém pouco daquilo que eu
Se o governo me ajudar voltarei também aos procuro, mas o autor aponta-o "" seus ou!,~s tr~~
meus estudos, aproveitando os meus instrumentos balhos e nos de Martius. Não sei se este ultzmo ja

66 67
editou o seu livro "Plantes aquelles des Brasilienes ",
Faça-me o obséquio de informar o que de novo
tem aparecido nas letras.
Também tenho muito interesse por tudo quanto
disser respeito sobre Java; onde se cultiva muita coisa
que eu poderia introduzir na minha colônia.
Peço, ainda, livros sobre sericultura e a planta-
ção de amoreira e ainda sementes de plantas exóti-
cas, úteis e belas. Se o senhor receber sementes de
uito de propósito

M
plantas de outros países, não se esqueça de o comu-
nicar ao meu correspondente em Hamburgo para fizemos a transcrição integral,
providenciar uma remessa para mim. nos dois capítulos precedentes, da carta do
Não quero mais importar plantas vivas, pois, já fundador, escrita, como dissemos, na Corte, em
fiz péssimas experiências. 11 de janeiro de 1854, e dirigida a um de seus amigos, na
Tendo qualquer coisa, remeta-a por intermédio Alemanha.
dafirma Christian Mathias Schroeder, de Hambur- Fizemo-lo porque ela se refere a um período dos mais
go, e as cartas pelos vapores, via Inglaterra. " interessantes da vida do fundador e ninguém, melhor do que
ele mesmo, poderia contar as vicissitudes, os transes dificí-
limos por que teve de passar nos primeiros anos do seu mag-
nífico empreendimento.
Outrossim, essa carta tem inestimável valor como de-
monstração da sinceridade, do desprendimento e desisteresse
com que o Dr. Blumenau fundou a sua colônia.. ..
Ela não necessitava de comentários. Na simplicidade
de um estilo fluente, Blumenau abriu ao amigo o seu gene-
roso coração. Confessando as suas mágoas e as suas ~le~-
as, fornece-nos, ao mesmo tempo, atestado de uma mteli-
gência viva, culta, brilhante. _ .
Não eram, porém, só as atrapalhaçoes financeiras que
davam dores de cabeça ao doutor. .
Além delas, outras desgraças vinham dificultar-lhe a
ação e atrasar o andamento das coisas na colônia. .
Em Dezembro de 1852, por exemplo, um bando de
68

69
botocudos atacou-lhe o rancho, à barra da Velha, invadin-
do-o e tentando roubá-lo. Eram compromissos muito grandes. Mas Blumenau os
contraiu com verdadeiro entusiasmo.
Blumenau estava ausente, na capital da província, mas
Não temia as contrariedades, pois, apesar dos pesares,
alguns colonos que presentiram o assalto, caíram sobre os
bugres, ferindo dois deles, dos quais um foi encontrado morto a colônia progredia.
no dia seguinte. Para dar cumprimento à palavra empenhada ao gover-
no imperial, desenvolveu uma intensa propaganda, aqui e
Os grandes temporais, também nesse ano e no seguin-
no estrangeiro, de sua fundação.
te, fazendo transbordar o grande rio e seus afluentes causa-
. , Publicou, em 1856, na Alemanha, um livro subordina-
ram prejuízos incalculáveis nas roças e nas edificações.
do ao título "Deutsche Kolonie Blumenau, in der Provinz
Esse fato e bem assim a morte de alguns colonos que Santa Catarina in Sued Brasilien",
pereceram afogados no Itajaí, afugentaram muitos imigran-
Foi impresso nas oficinas de J. Froebel, em Rudolstadt
tes das terras da incipiente colônia.
e conta 60 páginas e um mapa e é dividido em oito capítu-
Tudo isso eram contratempos com os quais entretanto
los: "A colônia Blumenau, sua fundação e o seu desenvolvi-
o doutor lutava heroicamente. '
mento; O Brasil e os seus inimigos; O progresso do Brasil
. Nos anos que se seguiram a 1854 até 1860, as dificul- nos seus primeiros anos; Interesse do governo brasileiro nos
dades que o fundador arrostou, não foram menores. problemas da colonização; O contrato de colonização entre
Apesar de ter sempre e com muito custo conseguido, o governo brasileiro e o autor; Estatutos da colônia Blume-
em 1851, ~ empréstimo de 10 contos do governo imperial nau; Conselhos práticos aos que quiserem emigrar para Blu-
e de ter feito com este, em abril de 1855, um contrato pelo menau".
qual o governo obrigava a emprestar-lhe, sem juros, mais
Nesse livrinho, dá o Dr. Blumenau conta dos trabalhos
85 contos em sete anos, sendo 25 no primeiro e dez em cada
iniciais da colônia, dos seus habitantes e das suas possibili-
um dos seis seguintes, Blumenau não pode descansar dos
dades. Muitos dados estatísticos e informações preciosas.
muitos encargos financeiros que lhe pesavam sobre os om-
Constitui, ainda, uma defesa brilhante do nosso país,
bros.
principalmente do sul, contra a campanha de difamação de
As condições do contrato eram que o governo lhe adi- agentes de outros governos, interessados em desviar para
antaria o dinheiro e o fundador se comprometia a introduzir diferentes lugares a saída de emigrantes para o Brasil.
na colônia, no prazo de 10 anos, 4.000 colonos preparando- Nos últimos capítulos, o autor detém-se nos menores
lhes o estabelecimento, fornecendo-lhes víveres e instrumen.
detalhes sobre tudo quanto pudesse ser útil aos colonos, so-
~s agncolas nos primeiros meses e muitas outras providên-
bre o modo como viveram nos primeiros meses de sua insta-
eras, tais como as estradas para o porto e para a serra, pon-
lação, sobre o que eles deveriam trazer de sua pátria, sobre
tes, etc.
as menores coisas, enfim.
Minucioso e prático como tudo na vida de Blumenau.
70
71
No mesmo ano de 1856, Reinhold Gaertner, como re- para manter à condigna altura o seu crédito, no país e no
presentante do doutor, seguiu para a Alemanha, de lá re- estrangeiro, o crédito do seu estabelecimento. .
gressando investido das funções de cônsul do ducado de Muito embora não façam propriamente parte da bio-
Brunswick, sua pátria. grafia do doutor e, sim, da história de sua co~ônia, ~o nos
Só em 1860 é que se esboçaram dias mais suaves para furtamos ao desejo de dar aqui, na íntegra, o inventano dos
a vida atê aí atribulada do fundador. bens que Blumenau entregou ao governo e, também, um
Nesse ano, a 13 de janeiro, o doutor Blumenau, depois quadro da população e outros dados interessantes. sobre o
de prévios entendimentos com o governo imperial, fez en- estado da colônia em 1860, para apresentar, assim, uma
trega a este da colônia que fundara. idéia do muito que ele fizera pela sua fundação.
Não pudera com o peso enorme. Era, de fato, como ele Nesses dez anos, Blumenau sofreu bastante, mas os seus
previra, a colonização do ltajaí tarefa que um só homem, sofrimentos não foram improfícuos.
quase sem recurso pecuniário, não poderia levar adiante. Foram cedidos ao governo imperial:
O acordo foi lavrado na Repartição Geral das Terras TERRAS: - 25 braças de frente, na barra do ltajaí-
Públicas, sob as seguintes bases: mirim, no local de recepção de imigrantes; 280 braças de
O Dr. Blumenau cedia ao governo todas as terras que frente, com 500 de fundos, entre os dois ribeirões do Gaspar
possui a no rio ltajaí, com exceção de cerca de meia légua Grande e Pequeno, com um triângulo quase da mesma su-
quadrada nos lugares "Velha" e "Salto", e, com as terras, perfície ao lado (lugar da futura povoação); uma légua q~-
todas as benfeitorias e o estabelecimento à barra do rio para drada situada atrás do terreno antecedente; 400 a 500 mil
o recebimento de imigrantes. braças quadradas na povoação da colônia; cerca de meia
O governo recebia essas terras e benfeitorias pelo valor légua quadrada na margem sul do ltajaí; 3.600.000 metros
de 120 contos, dos quais seriam deduzidos 85 contos, de quadrados no Ribeirão Itoupava; duas léguas e um quarto,
que Blumenau era devedor pelos empréstimos anteriormen- quadradas, nos fundos das terras particulares. " .,
te feitos. Tomaria, pois, o governo a si a colônia e lhe daria EDIFÍCIOS: - Um telheiro na barra do ltaJal-mmm,
o conveniente desenvolvimento, obrigando-se o Dr. Blume- para desembarque de imigrantes; uma casa para recepçã~
nau a prestar nela o serviços que lhe fossem exigidos na de imigrantes, no mesmo lugar, com cômodos para 160 ate
qualidade de Diretor, ou administrador, mediante uma gra- 200 pessoas; outras três casas para o mesmo fim, na povo-
tificação não superior a 4:000$000 anuais. ação da colônia e em Itoupava; a casa do Pastor protestan-
Livrava-se, assim, pelo menos da responsabilidade te; uma casa de morada; um plano inclinado para descarga
enor- de bagagens e 35 pontes de vários tamanhos.
me do sustento, por sua própria conta, dos imigrantes que CAMINHOS: - 800 a 900 braças correntes.
chegavam à colônia, e o que não era menos importante - dos DIVERSAS BENFEITORIAS: - tais como cemitério,
vultuosos compromissos que diariamente tinha de contrair
73

72
:.:::::: ......................................................... .

derrubadas para os lugares da igreja, escola etc. pequenos


pastos cercados e plantações.
DÍVIDA ATIVA: - Cerca de quarenta contos de réis,
proveniente de compra de terras pelos colonos.
Tudo isso foi avaliado em pouco mais de 146 contos de
réis, não incluindo o valor das pontes, caminhos, medições,
etc.
Em 1860, a colônia contava com 947 moradores, dis-

E
stava o Dr. Blumenau fe~to dir~tor da colônia, agor~
tribuídos entre 190 famílias; 500 do sexo masculino e 447
propriedade do governo imperial. Percebendo venci-
do feminino.
mentos anuais de quatro contos de réis, tendo às or-
O número de fogos era de 194.
dens um secretário e um agrimensor, pagos pelos cofres
Havia já seis marcenarias, seis carpinteiros, dois cons- nacionais com verbas previamente consignadas para os
trutores de engenho, dois torneiros, dois tanoeiros, três pe- , ..
serviços coloniais, para sustento e instalação dos mngran-
dreiros, dois alfaiates, quatro sapateiros, dois seleiros, um tes, podia executar os seus planos grandiosos.
funileiro, três ferreiros e diversos outros artífices. Pôs mãos à obra com um entusiasmo novo, com novas
As indústrias consistiam em quatro olarias, uma fábri- energias, com uma fé muito grande na vitória d~ seus ide-
ca de vinagre, uma de cerveja, uma de charutos, uma pada- ais. Longe de se deixar embalar num do Ice far mente,. como
ria, dois engenhos de serra, duas atafonas, uma farmácia, legítimo funcionário público que se limitasse a cumpnr ape-
três casas de secos e molhados, duas hospedarias, quarenta nas o seu dever ,a observar fielmente as instruções, que ele
e sete engenhos de açúcar com os respectivos alambiques .
mesmo redigira e que o governo aprovara, pelas qu~ se
para fabricação de cachaça e trinta e três engenhos de fari- devia reger a colônia, o Dr. Blumenau redo~rou de atIVI~-
nha de mandioca. de, fazendo mais do que devia e mesmo mars do que podia.
Já então a colônia era distrito de paz. Fora elevada a Não deixava de se lembrar, a cada momento, que o es-
essa categoria pela lei nQ 461 de 6 agosto de 1858, do Go- tabelecimento que dirigia era obra sua e que, como tal, de-
verno Provincial, no mesmo ano da criação do município de via estar à altura do seu valor, dos seus esforços e das suas
ltajaí, a que a colônia passou a pertencer, deixando de fazer cruzes não poucas nem pequenas.
parte, com o município recém criado, da câmara de Porto "VIm ao Brasil não para ganhar dinheiro, dissera ele, e
Belo a que até então estivera sujeita. sim para cumprir uma missão." ."
Só em 1861, porém, pode o distrito ser instalado. Essa missão ele a cumpriria, quer como propnetano da
colônia, ou fosse como seu diretor.

75

74
C 't' <',I' - a velha mãe do colonizador t
rts' {na oo) ta d
o seu anjo da nuar a,

Soube corresponder à estima, ao apoio e auxílio do


governo imperial, dando ao estabelecimento tal impulso
material e tal feição moral que, quem estudar a sua obra,
não pode deixar de se maravilhar ante tamanha capacidade
de trabalho, de clarividência e de tanta inteireza da caráter.
Blumenau! Se todos pudessem, como nós o fizemos,
rever nos inúmeros documentos em que ele deixou escrita a
vida da colônia, desde os seus primeiros dias até a sua eman-
cipação, os seus esforços físicos e intelectuais, a grandeza e
o acerto de suas idéias, o espírito de moral e de
religiosidadede que ele queria incutido o seu povo; se todos
pudessem acompanhar, nesses documentos, minuciosos, sen-
satos, passo a passo, o andamento da sua obra magnífica,
certamente nunca mais apagariam do coração o nome desse
alemão modesto que tanto bem fez à nossa terra que sempre
amou como se fosse a sua!
Permita Deus que venha ainda, com a inteligência e o
brilho que não nos é dado possuir, quem consiga fazer o
nome de Blumenau conhecido e amado do Brasil inteiro!
Ele bem o merece. Fez, pelo Brasil, o que talvez não
conseguiram muitos estadistas nossos que só no bronze se
perpetuaram.
Prossigamos, porém, no nosso estudo.
No decênio seguinte, isto é, até 1870, Blumenau teve
uma vida agitadíssima e trabalhosa.
Não eram então as dificuldades fmanceira que entrava-
vam o progresso do estabelecimento.
Era a escassez de imigrantes que, dia a dia aumentava
e que o forçou a novos entendimentos com o govero federal,
para uma campanha mais eficiente, uma ação mais pronta
para a solução do problema.

76
E esse problema, para Blumenau, era muito sério.
Passando o domínio de suas terras ao governo imperi-
al, assumindo a direção da colônia, Blumenau se obrigara a
fazer entrar, no estabelecimento, um determinado número
de novos colonos, correspondendo, assim, à boa vontade
com que o mesmo governo se prontificara em aceder às
suas propostas.
Minguando, de ano para ano, o número de imigrantes
entrados, Blumenau sentia como que o remorso de um logro
que tivesse passado a um governo que lhe fôra tão leal e
generoso.
E o seu caráter não podia sofrer que se pensasse nisso
sequer.
Na Alemanha, a campanha contra a emigração para o
Brasil recrudescia e as intrigas, nesse sentido, junto ao go-
verno e junto à imprenssa eram cada vez maiores, mais
astuciosas e mais perversas também.
As dificuldades aumentavam a cada instante.
Em 1861, haviam chegado 548 colonos, tendo esse nú-
mero crescido, no ano seguinte, de modo bastante satisfatório.
Mas, de 1863 em diante, as cifras baixaram assustado-
ramente.
Em 1864 entraram apenas 127 imigrantes e em 65 o
número foi de 199.
Estava, pois, declarada uma crise que era forçoso do-
minar, sob pena de completo fracasso da colônia.
O antigo cônsul do Brasil na Prússia, J. Sturtz, de quem
já falamos, havia sido dispensado. Pagou com ingratidões,
ajuntando-se aos inimigos do Império que o honrara com a
sua confiança, os benefícios que recebera. Era um dos mais
acirrados propagandistas das infâmias que então se

79
propalavam contra o Brasil e a sua gente, infâmias que cul- Pelas colunas dos jornais, combateu tenazmente a guerra
minaram no ato do governo alemão proibindo terminante- de intrigas que se movia contra o Brasil, confundindo os
mente a emigração para terras brasileiras. seus adversários audaciosos e, sobretudo, mal intenciona-
O que, trinta anos antes, Teodoro Boesche espalhara de dos, demonstrando, com o seu testemunho valioso e o de
inverdades nas suas memórias, célebres pelas sátiras mor- muitos alemães que haviam estado em Santa Catarina, as
dazes sobre as nossas coisas, era agora repetido com insis- inverdades que se dizia e se escrevia contra a "província
tência, como um dogma. mais linda da América".
Espíritos justiceiros levantaram-se, protestando. Ho-
A sua propaganda se estendeu até a própria casa do
mens dignos, que haviam percorrido o Brasil, que aqui ti-
nham morado, estado em contato conosco, tiveram a cora- colono, daqueles que pretendiam emigrar. Procurava-os,
gem de protestar contra a injustiça cometida pelas autorida- aconselhava-os, convencia-os.
des prussianas. Conseguiu, assim, centenas de famílias para a sua co-
Mas, a intriga venceu e o ato proibitório ficou de pé. lônia.
Blumenau adivinhou todo o perigo decorrente desse Junto ao governo prussiano, a sua ação também se fez
estado de coisas para o estabelecimento que fundara. sentir com eficiência .
. Não se podiam, portanto, fazer esperar providências Estava o colonizador nessa tarefa, quando estalou a
muito enérgicas e prontas.
guerra contra o Paraguai.
Assim, enquanto Hermann Wendeburg o guarda-livros, *
tomava conta da direção dos negócios da colônia, enquanto A incipiente colônia alemã, atendendo ao apelo do go-
esta, apesar de todos os contratempos, progredia, avançan- verno imperial, dirigido a todos os recantos da pátria
do, com Wunderwald, pelo rio do Testo, com Odebrecht, ameaçada, mandou também para o campo da luta o seu con-
Breithaupt, Krohberger e outros por ambas as margens do tingente de homens, contingente apreciável já pelo número,
Itajaí, acima do Salto, para Encano e Benedito, o Dr. Blu- como pelo valor de seus componentes. .. .. .
menau conferenciava, na Corte, com o governo imperial (fins Estes foram em número de 77, dos quats cinco oificiais:
de 1864), partindo, a 18 de março de 1865, para a Europa. capitão Von Gilsa, tenente Odebrecht, os dois alferes Von
Levava poderes especiais afim de resolver todos os as- Seckendorf, Sametzki, e o alferes cirurgião Guilherme
suntos concernentes ao problema emigratório. O governo Friedenreich, que, na colônia, exercia as funções de médico,
dera-lhe os meios necessários, indispensáveis às combina- embora a sua profissão fosse a de veterinário prático.
ções que fosse preciso iniciar para conduzir a bom termo a O município ainda está em dívida para com esses abne-
delicada tarefa.
gados alemães, alguns dos quais caíram no campo de bata-
Na Alemanha, Blumenau se multiplicou em toda a sor-
lha, na defesa da bandeira auri-verde.
te de providências.
Deve perpetuar-lhes, de qualquer forma, os nomes, para
•. Imigrara em 1853. que a atual e as gerações que nos sobrevierem não lhes ne-

81
80
•..
.

guem a justiça de um preito muito merecido e sincero. publicidade o seu escrito: "Deutsche Kolonisation in
A guerra foi dificultar a missão do colonizador. Suedbrasilien", que foi mais um fator de incontestável efici-
Muito embora o teatro da luta não estivesse senão rara ência na vitória da causa que o levara à Europa.
e ligeiramente, afastado do território inimigo, bastasse o sim- Distribuiu esse folheto entre os vários ministérios e
ples ~ns~ento de que o Brasil estivesse em guerra para autoridades prussianas, à imprenssa e a particulares, em
que mnguem concebesse a idéia de para ele emigrar.
larga escala.
O Brasil em guerra, em guerra a Prússia com a Áus-
A 4 de maio de 1868 nasceu-lhe o primogênito que to-
tria, tudo ia de mal a pior. Eram mais outros estorvos, mais
mou o nome de Hermann.
outros enormes contratempos. Esse seu filho foi uma das vítimas da grande guerra,
O caráter de Blumenau, entretanto, se não deixa vencer tendo caído no campo de batalha em holocausto á pátria.
facilmente. redobrou de esforços, intensificou a propagan-
da, de sorte que os resultados, embora não imediatos, não
demoraram a se fazer sentir.
Em 1867, o número de imigrantes começou a crescer
(223 pessoas) e, dessa data em diante, a corrente emigratória
para a colônia foi sempre volumosa e constante.
Por esse tempo (abril de 1867) o Dr. Blumenau,já com
quarenta e oito anos de idade, curado talvez do seu primeiro
amor, resolveu transpor os umbrais do templo de Himeneu.
Casou-se com D. Berta Repsold, filha do fabricante de ins-
trumentos de óptica, estabelecido em Hamburgo, Jorge
Repsold.
, Foi um ano de venturas para o grande colonizador, pois,
alem do mais, teve a alegria de ver a colônia que fundara
premiada na Exposição Universal, realizada em Paris com
o 12Q prêmio, constante de 10.000 francos em dinheiro e de
uma grande medalha de ouro e foi ele mesmo distinguido
pelo governo imperial com a comenda da Ordem da Rosa.
,': importância de 10.000 francos foi empregada em
auxílios para a construção de casas para escolas.
Ainda nesse ano, em novembro, deu o Dr. Blumenau à

82 83
N
a terça-feira, 23 de novembro de 1869, o Dr.
Hermann Blumenau, de regresso da europa, che-
gou à colônia em companhia da esposa, do filhinho
e de Hermann Wendeburg, diretor interino, que os fora rece-
ber em ltajaí.
Dessa data até a da emancipação da colônia e sua ele-
vação à categoria de município, o doutor Blumenau viveu
uma vida calma e descansada.
As suas preocupações e responsabilidades eram mui-
tas, não há dúvida, mas também contava com mais recursos
e com meios mais eficientes.
Prestigiado pelo governo central, reto nas suas inten-
ções e pronto em providências acertadas, a sua força moral
perante os colonos cresceu de tal forma a bastar quase sem-
pre, por si só, para a solução dos casos mais sérios e com-
plicados da sua administração.
Em ligeiros traços, acompanhemos o fundador nesses
anos de atividade na direção da colônia.
Incansável em procurar sempre mais o aumento e pro-
gresso de sua fundação, Blumenau mesmo estava constan-
temente na sede do município e na capital da província, pro-
curando junto ao governo as providências que se fizessem
necessárias para o bom andamento das coisas no estabele-
cimento.

85
Blumenau seguidamente lembrava ao governo essa ne-
Em 1870, a 10 de fevereiro, D. Berta deu-lhe a primei- cessidade, e, com a franqueza que o caracterizava, não dei-
ra filha, que recebeu o nome de Cristina. xava escapar uma única oportunidade para expor as razões
Em 1871, em agosto, seguiu para a Corte, também, no que impunham à direção da província uma providência ime-
interesse da colônia, dali regressando a 25 de outubro. diata a respeito.
A 27 de dezembro == ano, nasceu-lhe a segunda fi- Em seus relatórios, ele fala constantemente no assunto:
lha, Gertrudes.
A 14 de maio de 1875, rumou, novamente, para a capi- "Torna-se, porém, por muitas razões e circuns-
tal do Império, depois de ter organizado a exposição coloni- tâncias, de urgente conveniência emancipar as par-
al que, a 18 de julho desse ano, sob a presidência do diretor tes antigas da colônia, ficando ela ao mesmo tempo
interino, Hermann Wendeburg, se realizou na "Casa dos Ati- erigida em município regular, sem o que a emanci-
radores", com extraordinário sucesso. pação não deixaria de produzir efeito muito desas-
O governo conferiu-lhe, nesse ano, a comenda da Or- troso e prejudicial". (1876)
dem de Cristo, em reconhecimento aos leais serviços presta- " É de máxima urgência e conveniência a cri-
dos ao Brasil. ação desta colônia em município e a subseqüente
Por essa época, a colônia já contava com mais de 10 emancipação das partes antigas da mesma, como já
mil almas. acentuei, em relatórios precedentes ... quer-se, porém,
Era um centro de extraordinária atividade, que, dia a proceder a aludida emancipação sem já existirem
dia, se expandia para o centro, em novas explorações e no- na colônia e funcionarem regularmente as compe-
vas culturas alcançando as margens do Garcia, Velha, rio
tentes autoridades, Câmara, Juizo Municipal etc., o
do Testo, Itoupava, Mulde, Cedros, Encanto, Wamow, Use,
que equivaleria entregar a mesma a perniciosa anar-
Neisse, S. Pedro, S. Paulo, etc.
quia e arruinar e perder, quase de propósito, a grande
Havia duas escolas públicas, seis subvencionadas e
e talvez a maior parte dos resultados dos serviços e
dezenove particulares.
despesas realizadas desde a sua fundação" (1877).
. Passou, em 1876, a ter vigário residente, o Padre José
"Terminando este meu relatório anual que,
Maria Jacobs que deixou o seu nome intimamente ligado à
história do município, tendo sido um caráter nobre e digno.
segundo os auspicios, será o último dos que tive a
Em todos os ramos da atividade, nas indústrias, na agri-
honra de apresentar aos meus superiores e que é o
cultura, na pecuária, a colônia progredia de ano para ano, décimo nono da série, desde o ano de 1860, não posso
de sorte que ao governo se apresentava a necessidade de deixar de mais uma vez exprimir o ardente desejo de
emancipá-Ia, dar-lhe a necessária autonomia, e, assim, li- que se a Diretoria desta colônia for suprimida, se
vrar-se das enormes despesas que o estabelecimento estava providencie desde logo acertada e convenientemen-
constantemente exigindo.
87

86
te para que não seja desbaratado e estragado, por
vendas menos consideradas e praticadas sem siste- Os danos sofridos, incalculáveis, e enormes as contra-
ma e conexão, o tesouro que desde largos anos te- tempos. ." , pode
nho procurado e também sofrivelmente conseguido E tais foram esses transtornas que o mumcrpío so
resguardar contra as aves de rapina da especulação ser instalado em 1883. "
- as terras devolutas do Estado, que ainda existem O Dr. Blumenau, durante essa enorme calamidade, fOI
nos vales do rio Itajaí-Açú e seus afluentes e que incansável nas providências tomadas para minorar as pre-
por sua situação, salubridade, clima, e fertilidade juízos materiais e morais da sua gente. .
apresentam para a colonização sistemática facili- Em 22 de agosto de 1881, foi ele novamente.a~ ~o de
dades e vantagens como poucas outras localidades Janeiro tratar de interesses do recém criado m~clp~o e de
no sul do Brasil. "(1879). outras que diziam respeito à continuação da emigraçao ale-
mã para o Brasil.
Até o fim, sempre o mesmo dedicado amigo e protetor Em 14 de agosto de 1882, acompanhado de sua esposa
dos seus imigrantes e da sua colônia. e filhos, rumou novamente para o Rio de Janeiro e tendo
Em 1880, o governo provincial atendeu aos fervorosos embarcado com a família para a Alemanha, vol~u. a Blu-
reclamos e baixou a lei NQ 860, de 4 de fevereiro, que menau, no ano seguinte, afim de ul?mar os, negocios que
desmembrou as freguesias de Gaspar e Blumenau de Itajaí, aqui ainda o prendiam e seguir, depois, também, para a sua
para constituírem um novo município com sede na povoa- pátria. .
ção da colônia elevada à categoria de Vila. Antes de o fazer, porém, tentou novas empresas para
Por essa mesma lei, foram criadas as repartições públi- atrair emigrantes ao Brasil. Com seus amigos Karl Von
cas indispensáveis à regularização dos negócios judiciais, Koseritz e H. Gruber, lançou bases para a funda~o da •• ~o-
policiais e fiscais.
ciedade Central da Imigração", levando o seu projeto ate ao
Ao mesmo tempo, o Governo Imperial, pelo decreto NQ
7693, determinava a emancipação da colônia, desde a sua seio do Congresso Nacional. .
sede até o ribeirão do Neisse, na margem direita do Itajaí. Liquidados os seus negócios com o governo e com as
Pelos fins do ano da emancipação (22-23 de setembro), particulares, na colônia, deixou o Dr. Blumenau o esta?ele:-
porém, o novo município foi vítima de uma tristíssima ocor- cimento que fundara a 15 de agasto de 1884, com destino a
rência. terra natal. ... . da
As águas do Itajaí, crescendo despropositadamente, em Deixemos os jornais locais narrarem a despedi que
virtude de chuvas constantes e torrenciais, abandonaram o lhe fizeram os seus amigos:
leito, inundando povoações, roças, tudo. Subiram a mais de
15 metros além do nível normal.
"Com o vapor" Progresso ", o Dr. Hermann Blu-
menau deixou, a 15 do corrente, a nossa colônia
88

89
com destino à Europa. Na noite anterior, os seus
amigos e admiradores da vila dirigiram-se à sua
residência no hotel Schrep, para fazerem as suas
despedidas, coisa dolorosa e contristadora; pois não
havia quem não estimasse e não quizesse bem ao
M papai Blumenau •• e não quizesse dar um abraço,
um aperto de mão e, quem sabe se pela última vez.
ver-lhe o rosto enrugado, as faces venerandas.
Constituiu-se logo, por proposta do vigário
Padre Jacobs, uma reunião com presidente e secre-
tário, a qual assentou o seguinte:
1) Que este município deve ao Dr. Hermann Blu-
menau pelos seus 40 anos de esforços e grande ati-
vidade, gratidão eterna;
2) Que este município deve agradecer o seu prin-
'cípio e o futuro grandioso que o aguarda ao seu fun-
dado r e, por muitos anos diretor, Dr. Hermann Blu-
menau e, finalmente;
3) Que estas conclusões deverão ser publicadas
pela imprensa, para conhecimento de todos.
O Revmo. Padre Jacobs, atendendo a geral so-
licitação, saudou, então, o Dr. Blumenau, e, com
palavras de gratidão, de tristeza e de emoção, apre-
sentou-lhe as despedidas de seus amigos e admira-
dores, fazendo uma ligeira resenha dos seus muitos Blumenau nos ultimas dias de sua "ida em Brunswick.
trabalhos e sacrifícios em prol do estabelecimento e
dos seus 40 anos de incansável atividade pelo bem
estar dos seus colonos. Relembrou os dias amargos
por que atravessou na sua vida de colonizador, dias
que por si só" bastariam para glorificá-lo e gravar
o seu nome no coração do povo, e, por fim, fez votos

90
fervorosos a Deus pela sua felicidade e para que,
sobre ele, descessem, em abundância, as bençãos
do céu.
De notas dos jornais da época, das conversa-
ções do Dr. Blumenau com seus amigos, pode-se in-
ferir que, ao embarcar para a Alemanha, levava a
esperança de voltar ao Brasil.
Isso, porém, não mais aconteceu.
Velho e já adoentado, recolheu-se à terra natal;
para aí acabar os seus dias.
Viveu durante dezesseis anos ainda, e, a 30 de
outubro de 1899, passou à eternidade, deixando a
memória de uma vida dedicada ao serviço de uma
causa digna e nobre, memória abençoada por to-
dos.
Esses dezesseis anos, porém, não lhe decorre-
ram todos no sossego do lar, rodeado do carinho da
esposa e filhos.
Teve os seus dias de atribulação também, e
muitas preocupações ainda para solucionar casos
que diziam respeito à emigração alemã para a sua
colônia, para o Brasil.
Umdessesfoi o chamado "Heydtsche Reskript"
que, a 3 de novembro de 1859, proibiu a emigração
alemã para cá, conseqüência das intrigas e desleal-
dades de Sturtz; de quem já falamos, dos agentes
estrangeiros que, na Alemanha, recebiam gordos
ordenados e comissões para desviarem as correntes
emigratórias para a América do Norte, Chile e ou-
tros países e para a Àfrica.
Muitas dores de cabeça também lhe custou o

93
contrato de venda feito com Gustavo Stutzet; de ter-
ras situadas na colônia.
Stutzer sentiu-se prejudicado na venda, e ne-
gou-se ao pagamento do total da quantia contrata-
da, de sorte que o Dr. Blumenau chamou-o perante
os tribunais do ducado de Brunswick; onde, afinal,
depois de grandes discussões, chegaram a um acor-
do.
Até aos últimos instantes, a colônia que funda-
que ficou dito, capítulos
ra mereceu as suas vistas carinhosas e protetoras.
Sempre que pode, protegeu-a de longe mesmo e
não foi pouco o bem que, assim, conseguiu fazer com
o seu conselho e a sua experiência.
O atrás, sobre a vida do Dr.
Blumenau é quase nada para se lhe conhecer
profundamente o caráter.
Só quem percorrer, com atenção, os seus escritos, os
seus relatórios, cartas, mapas estatísticos, etc. poderá fazer
idéia do valor daquele espírito forte, persistente, leal e sin-
cero.
Nos seus gestos e nas suas intenções, jamais se pode
descobrir outros intuitos que não os que lhe ditava a sinceri-
dade de um ideal alimentado com carinho, ideal que consis-
tia no desejo ardente de servir a sua terra e a sua gente,
servindo à nossa terra e à nossa gente.
Vimos como ele teimava em repetir: "eu não vim ao
Brasil em busca de fortuna fácil, em busca de dinheiro."
Isso ele teria, de fato, conseguido com mais facilidade,
exatamente fugindo à carreira, para a qual se deixava arras-
tar com prazer, conhecendo que ela era o seu destino, que
nela estava a missão que devia cumprir neste mundo.
E o que dizia, demonstrava-o na prática. Quem visasse
interesses financeiros num estabelecimento como o que o
Dr. Blumenau fundara, não teria agido como ele agiu sem-
pre, nas suas relações com os governos, ou no que dizia
respeito à administração da colônia.
Com os governos ele foi sempre leal, sincero, corajoso,
94

95
jamais se dobrando até a bajulação ou a lisonja para conse-
guir verbas ou auxílios. M É uma triste, porém inegável verdade que
a plebe do país não quer colonização livre e inde-
No emprego dos dinheiros postos à sua disposição, era
pendente, que persegue aberta, ou ocultamentea
de tanto cuidado e de tão escrupulosa minúcia, que os diri-
quem a promove.
gentes da província, ou do país, tinham nele plena, absoluta
O Governo Imperial deve tomar a coloniza-
confiança, certos de que esses valores seriam aplicados com
ção por sua própria conta, se quizer que ela progri-
a máxima honestidade e o máximo critério.
da e prospere.
Honestidade, franqueza e persistência, esses os traços
Não podem ou não querem compreender que um
predominantes no caráter do fundador.
homem possa ter outros motivos para as suas ações
As páginas de sua vida estão cheias de atestados bri-
além da cobiça r que possa aspirar a outra coisa
lhantes nesse sentido.
que não seja amontoar riquezas.
Em cada um dos seus relatórios, em cada um dos seus
Fica além do horizonte, não só desta, mas até
escritos, essas virtudes transparecem a todo momento; ne-
de muita outra boa gente, que tem a pretensão à
Ias não se nota o palavreado bonito a esconder insinceridades,
classe inteligente e instruída, que um homem que
as frases espalhafatosas a encobrir intenções menos hones-
está no pleno gozo do seu juizo possa arriscar, sa-
tas, os períodos que vertessem doçuras com o fito de lison-
jear somente e, assim, aproveitar-se das condescendências
crificar e empregar tudo que possuía e possui de
dos superiores. fortuna, de vigor físico e intelectual para conduzir
ao fim uma obra, ou um sistema que chama seu, e
Estes trechos, que vamos transcrever, de seus relatóri-
provar as vantagens e exeqüibilidade dele; que tal
os, são amostras de que o caráter de Blumenau sabia ser
homem se possa contentar com a consciência de fa-
sincero, franco, bem intencionado, que sabia ter coragem
quando essa se fazia precisa para chamar o governo ao cum-
zer uma obra boa e com prazer e satisfação a vê
primento do seu dever, ou simplesmente verberar-Ihe o pou- prosperar e progredir, tais idéias não entram no cé-
co caso antes as providências propostas para o bem estar e rebro de tal gente que até se assenta na representa-
a tranqüilidade dos colonos, ou o engrandecimento e pro- ção provincial e enquanto uns me chamam umfinó-
gresso do empreendimento. rio que se arranja e amontoa dinheiro às escondi-
Em 1857, por exemplo, ainda quando a colônia era de
das, outros me qualificam de tolo que não sabe apro-
sua propriedade e quando também pretendia que o governo veitar a ocasião e fazer a tempo a sua pechincha. A
a tomasse sob sua administração, escrevia em volumoso intriga, a estúpida e mal entendida inveja
relatório ao Diretor das Terras: lavram ... quando, porém, a surda guerra que me fa-
zem sobe e preparam chicanas em toda a parte; quan-
do me criam dificuldades gratuitas; quando assoei-

96
97
am à calúnia, insultos, desabrimentos e injúrias em
gam-me justiça até nos mais flagrantes casos, não
pleno público e quando ainda então ficam direta ou
indiretamente protegidos por pessoas que eu devo fazendo até de caso das advertências do Juizo de
considerar como meus superiores; quando enfim Direito e desmoralizam assim o povo e o acostu-
reclamo, de minha parte, debalde, não digo a prote- mam ao quebrantamento das leis, julgando-se em
ção, mas mera justiça e observação das leis - em tal seguida também parte dos colonos com o direito de
situação até a minha perseverança e paciência se chicanar e lograr-me. Tenho bastantes provas dessa
esgotam e, nemfisica nem moralmente, acho forças indisposição de S. Excia. para comigo.
bastantes para resistir a tais contrariedades e des- Nos primeiros dias de março p.p. S. Excia. acom-
gostos. panhado do major de engenheiros Souza Meio e
E isso é o que me acontece desde mais de ano e Alvim, Delegado do Exmo. Sr. Diretor Geral das
meio. Terras Públicas, em Santa Catarina, foi em um vaso
O atual Sr. Presidente de Santa Catarina, con- de guerra visitar o Itajaí, o qual subiu até à altura
trário à imigração alemã em geral e especialmente da terça parte e, deixando-o, veio também honrar a
quando protestante, não parece muito gostar da mi- minha colônia com uma visita.
nha empresa e ainda menos da minha pessoa e dos Apesar, porém, das minhas instâncias, demo-
meus esforços. Tendo-me comportado para com S. rou-se apenas uma hora e meia e, insistindo eu para
Excia. com aquele acatamento que sua elevada po- que, pelo menos, examinasse um lado da colônia e
sição me impõe e a educação que recebi me reco- que, com isso, não dependeria mais de duas, ou,
menda, desde mais de quatro anos estou pelo mes- quando muito, duas horas e meia, nem sequer com
mo senhor tratado com notável aspereza e, às vezes, isso lhe sobrou tempo e, muito menos, paraficar um
nem com aquela civilidade que é de costume no País dia inteiro, para ouvir as minhas informações e exa-
e concedida por um cavalheiro ou homem de educa- minar, de visu, o estado da colônia e depois senten-
ção a um outro. Não posso ufanar-me de ter sido ciar entre mim e os meus inimigos e detratores. Des-
favorecido com uma palavra afável ou animadora de muito eu anelava por tal visita pois havia muito
quando, oprimido e aflito pelas dificuldades, pedia que referir e explicar a S. Excia. O meu desaponta-
conselhos ou direções a respeito dos negócios da mento foi grande e pouco agradável, vendo frustra-
minha empresa. A indisposição de S. Excia. para das as minhas esperanças pela apressada retirada
comigo influi nas autoridades subalternas. Vendo de S. Excia. Na colônia D. Francisca demorara-se
estas autoridades, em cujo imediato contato me acho, mais de dois dias e a mim não concedeu nem outras
que não estou nas boas graças da presidéncia; ne- tantas horas. Não lhe podia oferecer, é verdade, lau-
tos jantares, bailes e marchas luminosas com arcos

98
99
de flores, etc., pois não fui de nada prevenido; mas me mesmo, com espantosa sinceridade, que eu em
sempre poderia oferecer a S. Excia. ceia e almoço dez anos não posso contar com lucros da minha
decentes e conquanto não o pudesse acomodar se- empresa.
não nos próprios quarto e cama, sempre não lhe te- Como combinar-se tal interpretação com os
riam faltado cômodos se passasse a noite na colô- princípios dajustiça e da eqüidade?
nia. Não podia apresentar sociedade de casaca e
Trecho como o desse relatório, sobre os mais variados
luvas de pelica, que não existe na minha colônia e
que eu também não procuro que para cá venha, mas assuntos, encontram-se a cada passo nas informações que o
nos meus e nos olhos dos colonos S. Excia. poderia Dr. Blumenau prestava anualmente ao Governo Imperial.
ter lido o prazer e reconhecimento que nos causava Usava sempre de extraordinária franqueza, quer denun-
a sua visita. Além disso, não sendo nós de nada pre- ciando a má vontade das autoridades, quer apontando os
venidos e tendo eu sido surpreendido no meu jantar erros do governo em matéria de colonização, apresentando
de carne seca e feijão à brasileira e em traje de roça, sugestões leais, francas.
A extensão que devemos dar a este trabalho não permi-
entretanto que os colonos estavam ocupados com os
te que transcrevamos outras passagens interessantes.
seus trabalhos, ofereceu-se-lhe a melhor ocasião de
julgar os diversos boatos detratores e conhecer a A que fica aqui, porém, basta para que os leitores fa-
fundo o estado da colônia, que não sendo prevenida çam idéia da sinceridade do colonizador.
não se poderia apresentar vestida de festa mas como a outro traço, como vimos, que predominou no caráter
o é na realidade ... menciono ainda que tendo-me eu do Dr. Blumenau foi a sua extraordinária persistência e te-
no meu contrato obrigado a conservar a estrada da nacidade.
Barra, S. Excia. interpreta essa obrigação de ma- Pelos seus relatórios também se evidencia essa grande
neira tal que os mais moradores até não têm que e necessária virtude em quem se mete em empresa tão árdua
observar as leis e posturas municipais existentes a como a da colonização.
tal respeito e fique unicamente a meu cargo conser- Neles se vê que, quando Blumenau entendia fazer algu-
var a estrada limpa devendo eu, e não os respecti- ma coisa útil ou proveitosa à sua colônia, tanto trabalhava,
vos moradores, remover os paus que eles derrubem tanto insistia, que acabava vencendo, muito embora não raro
ou deixem cair e roçar o arvoredo que deixam cres- defrontasse dificuldades que pareciam insuperáveis, de molde
cer nas suas testadas. Assim, eu não teria mais que a desaminar logo espíritos menos fortes, vontades menos
fazer senão consertar e pagar o que os outros mora- rijas.
dores estragaram e toda a minha receita não have- Há na
, história do fundador, um fato muito simples que
ria de chegar para tal trabalho. S. Excia. declarou- lhe define perfeitamente esse lado do caráter.

10
100 1
Nós já o publicamos, certa vez, numa folha local com o Quando o sol era por demais ardente dava-lhe um guar-
título "Uma História de Formigas". da-sol e o pequeno tinha que ficar atento aos minimos movi-
Refere-se ao seguinte: mentos do inimigo.
O Dr. Blumenau tinha, defronte à sua residência, um O fato é que, no fim desses oito dias as formigas havi-
bonito e bem cuidado jardim que era a sua maior e melhor am desaparecido; ou o rapaz as matara a todas ou elas, que
distração. também têm um pouco de entendimento, haviam mudado de
Dedicava-lhe todos os instantes que tinha de folga, dis- pouso.
pensando às muitas variedades de plantas que nele cresci- Era assim a tenacidade do Dr. Blumenau. Não recuava
am, um carinho todo especial. nem mesmo ante dificuldades que pudessem parecer
Aconteceu, porém, que as saúvas começaram a fazer intransponíveis.
estragos enormes nas suas flores e foram alojar-se nos ali- Ele os vencia, porque era dotado de uma vontade que
cerces da casa. De manhã à noite, era aquela procissão enor- queria vencer.
me a carregar as folhinhas tenras, despindo as roseiras de Esse dote extraordinário do fundador foi de grandes
suas folhas e flores, não poupando nem mesmo as altas ár- vantagens para o estabelecimento.
vores do pomar.
Quando a colônia precisava que o governo provincial,
Para destruir-lhes o ninho, seria necessário revolver tal-
ou imperial, lhe concedesse este, ou aquele melhoramento,
vez todo o fundamento. As formigas entravam por um bura-
este ou aquele auxílio, Blumenau o conseguia, custasse o
quinho, junto à escada da frente, mas, quem poderia adivi-
que custasse.
nhar onde elas se tinham agrupado,Jeito casa?
Muitas vezes começava, hoje, a pedir, para receber daí
Blumenau já havia lançado mão de quase todos os re-
a dez anos. Mas conseguia. .
cursos, sem poder dar cabo dos malfazejos bichinhos.
Com uma força assim à frente da colônia, esta tinha
Havia, porém, de acabá-los,
E resolveu, então, como medida extrema, alugar um que fatalmente prosperar.
italianozinho e pagar-lhe mil e cem por dia para, sentado E quem conhece, hoje, a cidade magnífica que esse ho-
junto à entrada do formigueiro, ir matando, uma por uma, mem extraordinário plantou à margem do Garcia; quem
as formigas que fossem entrando, ou saindo. conhece o grandioso município, rico, opulento em que trans-
Oito dias seguidos - contou-nos o próprio italiano que é formou a colônia de 1850, não pode deixar de reconhecer o
hoje abastado colono no distrito de Arrozal - o rapaz ficou valor dos seus esforços e de abençoar-lhe a memória num
matando formigas. Mal uma delas punha a cabecita fora do preito sincero de gratidão, de eterno reconhecimento.
buraco, zás! levava martelada.
O Dr. Blumenau não o deixava afastar-se, nesses oito
dias, para parte alguma.

102 103
Brasil, e que serve de capa para esta edição; jWlto coma
esposa Berta; Cristina Sofia - a mãe do co1ooizador - e
finalmente, a clássica, reproduzindo-o com a barba
grisalha, em seus últimos dias. em Bnmswick), havia
toda uma saga, traçada a partir de uma inquebnuuável
obsessão em realizar uma obra; de uma tenacidade
enérgica que sdreu todo o tipo de assédio capaz de
prostrar qualquer mortal comum, indo desde o
conhecimento da morte do pai, a recusa da mulher que
amava em casar-se evir para o Brasil (ambas as noticias
recebidas através de carta) encootrando-o prestes a
iniciar
uma nova empreitada em uma terra estranha,
100000000ua,
e que apesar do horizonte esperançoso vislumbrado por
novas possibilidades, tudo e todos pareciam conspirar
para procrastinar a realização do sonho. Um sócio que
emprega mal os recursos destinados às construções
básicas (um Engenho de Serra e algumas ediflcações)
para abrigar os primeiros imigrantes; um barro que parte
com toda a sua bagagem, plantas e árvores frutíferas
com as quais pretendia dar novo impulso à terra que
estava colonizando, tudo enfim, conduzia ao paroxismo
à sua vonIade. Aoeocmtrarsuabtgagem - tempos dqris
- em estado miserável, exposta ao sol e à chuva, com
tudo perdido, Blumenau chora de raiva pela primeira
vez. Tudo isso, no entanto, fortalece-lhe a convioção de
que, ao optar pelo Brasil, o seu destino estava selado.
A bordo do veleiro "Christian Mathias Shroeder"
chegam à capital da província, Desterro, os primeiros
imigrantes que o Dr. Blumenau contratara na Alemanha.
Ao todo eram 17 pessoas, que, após alguns dias na
Alfândega. seguiram de iate até ltajaí, e subindo o rio
numa balsa improvisada, até Belcbior, chegam no dia 2
de setembro de 1850. Data da fundação de Blumenau ...
acredito mesmo, ter visto nos olhos do prefeito Renato
Vianna aquele mesmo brilho com o qual fui wrprecndido
ao reencontrar o perfil do colonizador da cidade que
amamos. .. e mais não conto para não empanar o sabor
da leitura deste livro, republicado em boa horal

OlsenJr.
Escritor

Potrebbero piacerti anche