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JUSTIÇA
Organizadores
Paulo Roberto Ulhoa • Daury Cesar Fabriz • Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira
Marcelo Sant’Anna Vieira Gomes • Heleno Florindo da Silva
Conselho Editorial
Adriano Sant’Ana Pedra
Caleb Salomão
Daury César Fabriz
Eliana Junqueira Munhós Ferreira
Ézio Carlos S. Baptista
Gilsilene Passon Picoretti Francischetto
João Maurício Adeodato
Jovacy Peter Filho
Nelson Camatta Moreira
Olívia Cerdoura Garjaka Baptista
Paulo Ferreira Da Cunha
Samuel Meira Brasil Júnior
Tárek Moysés Moussalem
Willis Santiago Guerra Filho
Ficha técnica
Produção gráfica
Eduardy Rocio Cabral
Impressão
Grafitusa
Vários autores.
Bibliografia.
16-01155 CDU-347.9(81)
A
UM NOVO FUTURO.
Constituição brasileira de 1988 nasce em um momento de
transição da realidade econômica global. Em 1979 e 1980
chegavam ao poder nas quatro maiores economias do pla-
neta, governos de perfil conservador mas com discurso que
passou a ser rotulado pela imprensa como “neoliberal”.
Neste momento víamos o processo que ainda hoje continua na
Europa e EUA em crise, de desmonte acelerado do “Estado de bem-es-
tar social”, que se fundava no tripé de direitos sociais à saúde, educação
e previdência, universalizados, públicos e gratuitos e em uma economia
de matriz “keynesiana” onde o estado regulava, planejava e exercia a ati-
vidade econômica ao lado do setor privado, o que se refletia, nas Cons-
tituições sociais, na existência de dispositivos, capítulos ou títulos da
Constituição sobre a “ordem econômica”.
A Constituição brasileira de 1988 nasceu neste momento, po-
demos dizer na expressão popular, “remando contra a maré” neolibe-
ral. A nossa Constituição traz uma grande relação de direitos funda-
mentais, individuais, políticos, sociais, econômicos e culturais. Uma
ordem econômica que era no texto originário (antes de começar a ser
desfigurada pelas emendas liberalizantes) uma fina expressão de um
capitalismo social que valorizava as formas de ganho com o trabalho,
como o salário (em sentido lato salário, vencimentos e proventos), e
o lucro, desde de que advindo da livre iniciativa e livre concorrência;
E
empresas públicas e sociedades de economia mista. O Estado deixava 1. O novo constitucionalismo
de regulamentar e exercer atividade econômica. Gradualmente a Cons- xiste um grande risco na análise das Constituições da Bolívia e
tituição Social e Democrática de 1988 transformava-se em uma col- do Equador: analisá-las sob o enfoque da teoria da constituição
cha de retalhos, em um texto repleto de contradições de uma época de moderna europeia. Acredito que utilizar as lentes da teoria da
transição. As interpretações desta Constituição começavam também a constituição europeia moderna inviabilizará enxergar e logo
acentuar os aspectos liberais e reduzir os sociais. compreender o potencial de ruptura com a modernidade presentes nes-
A Constituição passou a ser defendida por muitos democratas que tas constituições. Serão apenas mais duas constituições interessantes e
resistiram ao desmonte de seu texto democrático social. Neste sentido te- diferentes dentro de um paradigma que não mudou na sua essência. Não
mos uma Constituição Social que passa a ser agora texto de resistência à é este o potencial destas duas constituições. Elas exigem a construção
fúria privatista, que sistematicamente atacava direitos sociais, trabalhis- de uma outra teoria da constituição, de uma outra teoria do direito, de
tas e previdenciários, assim como direitos econômicos do povo brasileiro. uma outra teoria do estado. Elas exigem uma teoria não moderna, não
Com um pé no passado, representado pelo capitalismo social hegemônica, e logo não europeia.
em crise; com um presente de resistência democrática e luta por no- Alguns eixos devem ser percebidos, estudados e aprofundados
vos direitos, a Constituição de 1988 também anunciava uma nova para percebermos o potencial de ruptura radical que representam as
era constitucional: a era da diversidade e do início da superação da experiências em curso nestes dois países. Estes eixos precisam ser de-
modernidade uniformizadora. senvolvidos, mas nos limites destes trabalho serão apenas menciona-
A Constituição Federal de 1988 anunciava o que chamamos dos. As rupturas possíveis que elencamos a seguir só poderão ser vistas
hoje de novo constitucionalismo democrático latino-americano, sem as lentes uniformizadoras do direito moderno. Elas ocorrem na re-
fonte de inspiração democrática para estudiosos do direito consti- alidade social e cultural dos povos que constituem a Bolívia e Equador,
tucional de todo o mundo. Nossa Constituição reconhece o direito a que durante muito tempo viveram em ordenamentos jurídicos euro-
diferença como direito individual e coletivo; assegura o direito dos peus modernos, que excluíram, ocultaram e tentaram uniformizar es-
povos indígenas (originários) e povos quilombolas, abrindo espaço tas sociedades diversas. Vejamos:
para a construção de um espaço de diversidade individual e cole- 1. No lugar da uniformização hegemônica, a partir de um padrão euro-
tiva em nosso país, o que começa a ocorrer de forma mais acelera- peu, o reconhecimento da diversidade enquanto direito individual e
da a partir do século XXI, com algumas importantes interpretações coletivo pelo ordenamento jurídico;
3. Superação da exclusividade da lógica binária, fundada principal- 9. Democracia consensual como prioridade;
mente no dispositivo moderno “nós versus eles” (e da qual decor-
rem outros dispositivos como inclusão versus exclusão; capital ver- 10. Judiciário consensual (justiça de mediação) como prioridade;
sus trabalho e culturalismo versus universalismo);
11. Pluralismo epistemológico como fundamento do conhecimento, da
4. Criação de espaços de diálogo, não hegemônico, intercultural (para democracia e da justiça plural;
além do multiculturalismo) que permita a construção de um espaço
comum, de um direito comum, em uma perspectiva transcultural, o 12. Superação da dicotomia “culturalismo versus universalismo”, o que
que implica na superação de uma lógica histórica linear pela ideia de implica na superação do falso conceito de universalismo (o univer-
permanente complementaridade; salismo europeu2).
5. Substituição de um sistema moderno monojurídico (hegemônico) O desenvolvimento de alguns destes eixos pode ser encontrado
por um sistema plurijurídico que permita a pluralidade de direitos no livro “Estado Plurinacional e Direito Internacional”3 e promove uma
de família, de propriedade e de jurisdições; análise inicial de 5 destes 12 eixos.
No presente ensaio vamos analisar os ítens 9 e 10 a partir de uma
6. Igualdade entre jurisdição originária e “ordinária”; crítica ao estado moderno e as distorções da democracia majoritária e
a jurisdição estatal uniformizadora e imperial, passando brevemente
7. Nova concepção de natureza como conceito integral superando a pela questão levantada no íten 3, ou seja, a necessidade de superação da
ideia de “recursos naturais”, um dos mitos modernos que separa o lógica binária.
“homem” da natureza”, e transforma a natureza em algo selvagem Vamos ao debate:
a ser domado e explorado pela civilização. Isto implica na supera- Acesso à justiça e a máquina judicial processadora de fatos e legi-
ção da ideia de “desenvolvimento sustentado”, conceito que passou timadora de decisões previamente tomadas.
a condicionar a natureza e o meio ambiente às necessidades de de- Primeiro precisamos entender a lógica do judiciário: “Roma
senvolvimento econômico moderno (capitalismo) que implica em Locuta, Causa Finita”: Roma falou, o “império” disse, acabou a causa,
mais consumo e mais produção como meta permanente. A priorida- acabou a controvérsia.4 Esta frase resume a lógica de funcionamento
de é a natureza e o sistema econômico deve se adequar ao respeito à
vida enquanto totalidade sistêmica e não o contrário. Isto implica na 2. WALLERSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu - a retórica do poder, Editora
superação da perspectiva antropocêntrica do direito moderno por Boitempo, São Paulo, 2007.
3. MAGALHÃES, José Luiz Quadros. Estado Plurinacional e Direito Internacional, Edi-
perspectivas biocêntricas ou mesmo ecocêntricas; tora Juruá, Curitiba, 2012.
4. ZIZEK, Slavoj. Em defesa das causas perdidas, editora Boitempo, São Paulo, 2009, pág. 19.
8. Jean-Claude Milner, L’arrogance du présent: reards sur une décennie, 1965-1975 (Pa- tragédia, depois como farsa; editora Boitempo, São Paulo, pag. 58) mas é feita pelo autor
ris, Grasset, 2009), p.233. a partir do texto de Jean-Claude Milner no livro “La arrogancia del presente - miradas so-
9. Esta tradução não é a mesma constante do livro de Slavoj Zizek (Primeiro como bre una década: 1965-1975, 1 ed., Buenos Aires, Manantial, 2010.
E
1. Introducción
l impulso legislativo de derechos de calidad democrática re-
activa la función de los Defensores del Pueblo autonómicos
desarrollando las funciones atribuidas en la Constitución y los
Estatutos de Autonomía 2. Su vinculación con la defensa de los
derechos comprendidos en el Título I CE y de nuevos derechos autonó-
micos de participación, información y transparencia genera deberes de
supervisión, investigación y recepción de reclamaciones ciudadanas 3.
de calidad democrática. Planteamien- vidad de tales derechos para todas las personas.
10. Para Sánchez Ferriz. R., El Sindic...págs. 22 y ss, pese a nuestro nutrido catálogo de de-
to de su problemática rechos constitucionales 22, cabe pensar en la formulación de otros nuevos pero, en cual-
quier caso, siempre deducibles o conexos a los ya enumerados constitucionalmente. Pues
Las singularidades de las últimas reformas sobre transparencia, par-
me parece necesario subrayar que los derechos no se ven reforzados por una constante e
ticipación ciudadana e información pública generan un escenario inacabable incorporación de «nuevos derechos», sino por el establecimiento de serias ga-
propicio para las intervenciones de Defensores del Pueblo 8. Su con- rantías para los existentes y la interpretación de los mismos tan amplia como las nuevas
tribución a una regulación efectiva de derechos de calidad demo- necesidades lo exijan. Por ello entiendo que no cabe (y creo que lo que esta afirmación
comporta para las Comunidades Autónomas no supone la más mínima deslealtad con las
crática y a las modificaciones legales necesarias para adaptarse a las competencias que le son propias) la formulación de nuevos derechos sin conexión con los
ya reconocidos ni la atribución de regímenes jurídicos que no fueran coherentes con su
8. Para Hermida del Llano, La configuración..., cit., pág. 159, el derecho a la buena admi- propia naturaleza ni con las reservas que el constituyente establece. Sin embargo, las Co-
nistración representa un derecho novedoso comprendido en el núcleo de la «Ciudada- munidades Autónomas tienen un papel crucial en la promoción, realización o efectividad
nía»...el ciudadano es ahora, no sujeto pasivo, receptor mecánico de servicios y bienes de los derechos (ya constitucionalizados inicialmente e, incluso, en los de configuración
públicos, sino sujeto activo, protagonista. legal que progresivamente han ido consolidándose).
11. Según el Tribunal Constitucional las modalidades –representativa y directa– de lo 12. Según Elvira Perales, A. (2007): “El control de las Asambleas autonómicas a través
que en el mundo occidental se conoce por democracia política, forma de participación de los ciudadanos”, Teoría y Realidad Constitucional, núm. 19, pág. 317, hay que recordar
inorgánica que expresa la voluntad general» (STC 119/1995, F. 4), en la que no tienen que el derecho de participación política es un derecho de configuración legal, por lo tan-
cabida otras formas de participación en las que se articulan voluntades particulares o to, el catálogo de supuestos de participación no es un catálogo cerrado sino, por el contra-
colectivas, pero no generales”. rio, abierto a los sistemas de participación que pueda arbitrar el legislador
-Anguita Susi, A., La descentralización del Estado Social y la consolidación de los Comi-
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tuto de Autonomía de Cataluña.
A
Introdução
Defensoria Pública constitui uma das funções essenciais
à justiça, estando prevista no Art. 134 da CRFB, tendo por
missão constitucional a orientação técnico-jurídica e a de-
fesa, em todos os graus, dos necessitados, em atendimento
ao comando fundamental do Inciso LXXIV do art. 5º da CRFB, que es-
tabelece que o Estado tem o dever fundamental de prestar assistência
jurídica aos que comprovem carência de recursos. Portanto, a Defensoria
Pública, na ordem constitucional brasileira vigente, se estabelece como
Instituição essencial ao desenvolvimento da própria democracia. Por
seu intermédio, é possível viabilizar o acesso à justiça à grande maioria
dos brasileiros, que por várias razões foi excluída do processo históri-
co. Sem essa importante Instituição, os excluídos não teriam qualquer
chance de serem ouvidos pelos Poderes Públicos.
Com a redemocratização do Estado brasileiro, culminando
com a promulgação da Constituição de 1988, a sociedade brasileira
vislumbrou a possibilidade de se construir um novo momento histó-
rico, baseado na crença de que os direitos declarados seriam efetiva-
dos e que o período autoritário, imprimido pelos militares, ficaria no
D
ção e nos tratados internacionais, mas o acesso a eles é dificultado pelo 1. Da ordem democrática
próprio Estado. Percebe-se que no momento e que direitos são abstra- emocracia é uma daquelas palavras que viajam no tempo e
tamente declarados eles são apresentados como uma verdadeira pana- em cada espaço geográfico e tempo histórico surge e ressur-
ceia. Contudo, na medida em que não são materializados, passam a ser ge com tonalidades diversas. Adam Przerworski2 em trabalho
um nada, um vazio. Daí a necessidade de uma instituição pública que dedicado a compreender os processos de redemocratização
possa ser reconhecida como um instrumento de realização dos direitos pós-ditaduras, escreve sobre as contingências da democracia, tendo
declarados, por intermédio do acesso à ordem jurídica justa, no senti- em vista que somos lançados às incertezas, dado que a democracia
do de encetar lutas jurídicas em busca de se garantir vida digna para as concebe-se como um processo contínuo que sempre expressa alternân-
camadas mais pobres. Na perspectiva da solidariedade, princípio con- cia de esperança e medo. Nas palavras do citado autor: “... o momento
sagrado pela Constituição brasileira de 1988, a obrigação de o Estado crucial em qualquer transição do autoritarismo à democracia não é ne-
garantir a todos os que comprovem insuficiência econômica o direito cessariamente a retirada do exército para os quartéis ou a abertura do
fundamental de ser assistido juridicamente por um defensor público. Parlamento eleito, mas a transposição de um limiar para além do qual
Busca-se com o presente estudo, compreender a instituição De- ninguém pode reverter as consequências do processo democrático for-
fensoria Pública na perspectiva do paradigma do Estado democráti- mal.” Na sequencia o próprio autor arremata: “É o momento no qual,
co de direito e, nessa contextualização, verificar qual é a amplitude e conforme Adolfo Suárez afirmou no discurso inaugural da Assembleia
os limites da expressão “acesso à justiça”. Na compreensão do Estado Constituinte, ´o futuro não está escrito, porque somente o povo pode
democrático de direito, indaga-se sobre quais seriam as atribuições e escrevê-lo`. Democratização é o processo de submeter todos interesses
competências necessárias à Defensoria Pública para realizar o acesso à competição da incerteza institucionalizada.”3 Nesse sentido, “ame as
real de uma percepção mais expandida de acesso à justiça. Para além incertezas e serás democrático”.
das competências expressas no texto constitucional, quais instrumen- Democracia torna-se, desse modo, processos de incertezas ins-
tos deveriam ser concedidos constitucionalmente à Defensoria Pública titucionalizadas, que formalmente permite alternâncias de debates
para efetivar a sua missão constitucional em sua plenitude? O presente e das forças que interagem na arena pública de disputas pelo poder
questionamento se faz necessário para que se possa, ao final da pre-
sente reflexão, compreender a importância da Defensoria Pública, na 2. PRZERWORSKI, Adam. Ama a incerteza e serás democrático. Revista Novos Es-
construção do processo democrático. tudos. Nº 9.Tradução de Roseli Martins Coelho, São Paulo. CEBRAP, 1984. Versão
PDF: http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/43/20080623_
No presente estudo partir-se-á da percepção de direitos humanos ama_a_incerteza.pdf
baseado nas concepções de Herrera Flores, que nos permite visualizar 3. PRZERWORSKI, Adam. Op. Cit. P. 37.
D
do assim, é necessário imprimir lutas cotidianas, seja no plano institu-
cional ou via movimentos sociais, para que se tenha acesso aos bens
democrática
etermina o art. 5º, XXXV da CRFB, in verbis: “a lei não excluirá
concretos, fundamentais, para uma vida que seja viável.6 É preciso se
da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça a direitos”.
ter a consciência de que é possível e necessário reagir contra contextos
De início vale destacar que o referido dispositivo traz em seu
históricos injustamente impostos; entender que não existem elemen-
campo normativo não apenas a inafastabilidade da jurisdição.
tos culturais intocáveis. Tudo pode ser construído e reconstruído.
Para além da inafastabilidade da jurisdição, o mencionado comando
constitucional se dirige ao legislador. Determina o citado dispositivo
4. MOREIRA, Luiz. A Constituição como simulacro. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007.
que a lei não excluirá. Assim, encontra-se o legislador pátrio impedido
5. FABRIZ, Daury Cesar. Legitimidade. In: Dicionário de teoria e filosofia do direito. Ale-
xandre Travessoni (Coord. Geral). São Paulo, Ltr, 2011, p. 263. na sua ação legislativa de produzir normas que venham a dificultar a
6. HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Trad. de Carlos Ro- prestação jurisdicional para todos os membros do povo. De outro modo,
berto Diogo Garcia; Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jefferson Aparecido Dias. não pode o legislador ser omisso no sentido de não criar mecanismos de
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
O
defensoria pública § 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Pú-
texto constitucional de 1988 prescreve que a Defensoria Pú-
blicas da União e do Distrito Federal. (Incluído pela
blica é função essencial à justiça. Essencial é tudo aquilo que Emenda Constitucional nº 74, de 2013)
se expressa como elemento fundamental, que é absolutamen-
te necessário para que algo possa existir e subsistir. Sendo § 4º São princípios institucionais da Defensoria Pú-
essencial, não pode a instituição ser preterida de certas garantias insti- blica a unidade, a indivisibilidade e a independên-
tucionais e funcionais. Nesse aspecto a Defensoria Pública já avançou cia funcional, aplicando-se também, no que couber,
o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta
em alguns pontos por intermédio de Emendas Constitucionais, confor-
Constituição Federal. (Incluído pela Emenda Cons-
me se transcreve abaixo:
titucional nº 80, de 2014) (Grifamos).
FABRIZ, Daury Cesar. Legitimidade. In: Dicionário de teoria e filosofia do direito. Ale-
xandre Travessoni (Coord. Geral). São Paulo, Ltr, 2011.
Genro, Tarso F. H.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/projetos/EXPMOTIV/MJ/2007/143.htm.
Acesso no dia 02 de junho e 2014, às 18h15m.
HERRERA FLORES, Joaquín. A reinvenção dos direitos humanos. Trad. de Carlos Ro-
berto Diogo Garcia; Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jefferson Aparecido Dias.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
MOREIRA, Luiz. A Constituição como simulacro. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2007.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. & SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria,
história e método de trabalho. 2ª edição. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014.
E
intergubernamentales
l uso de los recursos naturales es fuente de tensiones y conflic-
tos ambientales. La conflictividad social generada por el acceso,
uso, y beneficio de los recursos naturales se presenta como un
escenario común y creciente en América Latina. Existen distin-
tos esfuerzos institucionales, como el que llevan a cabo las Defensoría
del Pueblo (DP) latinoamericanas, para canalizar los conflictos ambien-
tales respondiendo a las diversas aristas sociales, culturales y políticas.
Una canalización efectiva y productiva requiere el desarrollo de distintas
estrategias y roles. Es objeto de está investigación los diversos roles y es-
trategias de la DP en los conflictos ambientales ¿De qué dependen los roles
y las estrategias que la defensoría desarrolla para canalizar los conflictos
ambientales?¿Porqué en determinadas circunstancias prevalecen unos
sobre otros? Para responder las preguntas planteadas ésta investigación
dialoga con la literatura de los conflictos ambientales, los estudios por la
paz y la teoría de las relaciones intergubernamentales (RIG).
La literatura que estudia a las DP se caracteriza por tener un
enfoque netamente jurídico enmarcado en la filosofía del derecho
y en las características institucionales de las defensorías de la región
latinoamericana (Constenla, 2010; Maiorano, 2001; Gozaini, 1994;
1. Eliana Spadoni es Doctoranda en Ciencia Política de la Escuela de Política y Gobierno
de la Universidad Nacional de San Martín. Su tesis doctoral analiza “el rol de las Defenso-
rías del Pueblo de Argentina y Perú en los conflictos ambientales”. Actualmente se des-
empeña como profesora de la UNSAM y asesora de la Agencia de Protección Ambiental
de la Ciudad de Buenos Aires. UNSAM, elispadoni@gmail.com
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perado de (“http://www.lagaceta.com.ar/nota/535275/economia/industriales-tucuma-
nos-deben-responder-contaminacion.html)
Diario La Gaceta (Diciembre, 2011) “Santiago hará una denuncia por la mortandad de peces
en las Termas”, recuperado de (http://www.lagaceta.com.ar/nota/468194/sociedad/
santiago-hara-denuncia-mortandad-peces-termas.html)
Diario La Gaceta (Noviembre, 2012), “Ocho ingenios arrojaron desechos industriales”, recu-
perado de (http://www.lagaceta.com.ar/nota/518608/economia/ocho-ingenios-arroja-
ron-desechos-industriales.html)
Diario La Gaceta (Diciembre, 2012), “La Corte de la Nación pide un informe sobre
la situación de la Cuenca Salí Dulce”, recuperado de (http://www.lagaceta.com.
ar/nota/470812/Economia/Corte-Nacion-pide-informe-sobre-situacion-Cuen-
ca-Sali-Dulce.html)
Diario La Gaceta (Febrero, 2012), “La Nación ahora garantiza que no se contaminará el
Salí Dulce”, recuperado de (http://www.lagaceta.com.ar/nota/475655/economia/na-
cion-ahora-garantiza-no-se-contaminara-salidulce.html)
Diario El Liberal (Julio, 2014), “Organismo rescató tarea para sanear el Salí Dulce”, recupe-
rado de (http://www.elliberal.com.ar/ampliada.php?ID=139875)
L
titucional del Estado español
a Constitución Española (CE) de 1979 incorporó al derecho es-
pañol la figura del Ombudsman2 bajo la denominación concreta
de Defensor del Pueblo (art. 54 CE). La arquitectura constitu-
cional de esta institución contiene tres notas principales: (i)
la definición como «alto comisionado de las Cortes Generales», a las
cuales debe dar cuenta de su actuación; (ii) la misión de defender los
derechos y deberes fundamentales recogidos en el título I CE, y (iii) la
potestad, con este fin, para «supervisar la actividad de la Administra-
ción» (la cursiva es nuestra). En este sentido, el Defensor del Pueblo
aparece configurado como un órgano estatal superior de relevancia
constitucional, de una naturaleza distinta, por tanto, de los que son
propiamente órganos constitucionales (Fernández Rodríguez, 2010:
261). En segundo lugar, la Carta Magna le asigna un ámbito material
muy específico, que excluye, por ejemplo, los derechos incorporados
D
chos sociales sufragio pasivo y activo y el derecho de acceder a determinados cargos
urante los años centrales de la primera década del siglo XXI, políticos), el Estatuto de autonomía de Catalunya de 2006 (EAC) reco-
tuvo lugar en España un proceso de reforma de los Estatutos noce y tutela expresamente diferentes derechos y deberes en el ámbito
de Autonomía de diversas CA, cuyo resultado se conoció civil y social (art. 15 a 28), en el ámbito político y de la Administración
como «estatutos de segunda generación»10. En el curso del (art. 29 a 31), así como en el ámbito lingüístico (art. 32 a 36). Los ciuda-
mismo, buena parte de las CCAA optaron por realizar una profunda danos de Catalunya (art. 7.1 EAC) son titulares de estos derechos, ade-
actualización de los contenidos competenciales y dogmáticos de sus más del resto de los referidos en el art. 4.1. EAC11.
Ombudsmen, así como consolidar la institucionalización de dichas Por otra parte, no hay duda de que la incorporación de un títu-
figuras, si bien se mantuvo la diversidad de configuraciones que ya lo dedicado a derechos, deberes y principios rectores en el Estatuto es
había sido una nota destacada de la primera versión de los comisio- plenamente constitucional. Y ello por dos razones: en primer lugar,
nados parlamentarios. porque el Estatuto, como toda norma de tal rango, en tanto que norma
Una innovación presente en algunas de estas revisiones ha sido institucional básica de la comunidad autónoma (CA) ex artículo 147.1
la incorporación, al texto estatutario, de un catálogo de derechos adi- CE, concreta el derecho a la autonomía política; y en segundo lugar,
cionales a los contemplados en la Carta Magna. La mayoría de estos porque la actividad de los órganos de la comunidad -en el caso de Ca-
nuevos derechos subjetivos –más que, propiamente, libertades– deri- taluña, la Generalitat-, en la medida en que ejercen las funciones que le
van de los derechos constitucionales de naturaleza social o prestacio- encomienda el Estatuto, en el marco de sus competencias, se halla so-
nal, perfilados de forma más precisa, desde un punto de vista técni- metida a límites conforme a los principios del constitucionalismo de-
co-jurídico. En estos casos, este catálogo de derechos se ha incorporado mocrático, en el sentido que toda declaración de derechos y libertades
al objeto de la labor de defensa del DPA. constituye una manifestación principal de estos límites.
Como señala Ruiz-Rico (2008: 367), seguramente la configura- Aún así, el legislador estatutario catalán fue consciente de dos li-
ción del Síndic de Greuges catalán, en el Estatuto de 2006, ha sido una mitaciones constitucionales principales: en primer lugar, la reserva de ley
de las más completas y exhaustivas que se han realizado, al mismo orgánica para el desarrollo de los derechos fundamentales (art. 81 CE), re-
tiempo que la que más conflictividad constitucional ha suscitado. Por serva constitucional que el Estatuto no puede satisfacer, pese a su carác-
estas razones, creemos que un análisis detallado de este caso concreto, ter orgánico; y, en segundo lugar, el respeto a las condiciones básicas que
aporta una visión suficiente del tipo de tendencias que subyacen en la el Estado establezca para garantizar a todos los españoles la igualdad en
nueva configuración de los DPA.
11. «Los poderes públicos de Cataluña deben promover el pleno ejercicio de las liber-
tades y los derechos que reconocen el presente Estatuto, la Constitución, la Unión
10. Nos referimos a las revisiones estatutarias de la Comunidad Valenciana (LO 1/2006, Europea, la Declaración Universal de Derechos Humanos, el Convenio Europeo para
de 10 de abril), Catalunya (LO 6/2006, de 19 de julio), Illes Balears (LO 1/2007, de 28 de la Protección de los Derechos Humanos y los demás tratados y convenios internacio-
febrero), Andalucía (LO 2/2007, de 19 de marzo), Aragón (LO 5/2007, de 20 de abril) y nales suscritos por España que reconocen y garantizan los derechos y las libertades
Castilla y León (LO 14/2007, de 30 de noviembre). fundamentales».
E
zación del gasto público e ideológicos que han de jugar las instituciones del Estado como una única nación
l 3.11.2011 las Cortes de Castilla-La Mancha, en el primer acto que somos»24. La concurrencia de argumentaciones basadas en meras
legislativo de la recién inaugurada VIII Legislatura aprobaron razones técnicas de ahorro presupuestario, por un lado, junto a otras
la Ley 12/2011 de supresión del Defensor del Pueblo Castilla-La de evidente raigambre política, en la supresión de la figura del Defensor
Mancha, atribuyendo sus competencias expresamente al De- del Pueblo es lo que sugiere a Del Rey y Martínez Alarcón (2013: 2)
fensor del Pueblo estatal (Disposición Transitoria Tercera). Conviene la conclusión de que «en momentos de crisis como el que atravesamos,
recordar que, en esta Comunidad Autónoma, dicha institución no te- resulta especialmente sencillo y tentador para el poder público recurrir
nía sede normativa en el correspondiente Estatuto de Autonomía, sino al argumento de la eficiencia administrativa para suprimir o edulcorar,
que había sido creado mediante la Ley autonómica 16/200123. Duran- en la medida en que ello sea posible, ciertas instituciones de control,
te la campaña que precedió a las elecciones al parlamento manchego enmascarando así las verdaderas razones de dicha actuación.»25
de 22.05.2011, la candidata del Partido Popular (PP), María Dolores de Debe tenerse en cuenta que, establecida suficientemente la
Cospedal, sostuvo destacadamente la conveniencia de suprimir la to- constitucionalidad, bajo determinadas condiciones, de las institu-
talidad de las instituciones autonómicas que fuesen reflejo o parangón ciones autonómicas paralelas a algunas estatales (cfr. Defensor del
de figuras estatales con competencias análogas. En dicha propuesta se Pueblo, Tribunal de Cuentas, Defensa de la Competencia, etc.)26, la
incluían, además del Defensor del Pueblo, entre otras, las figuras del fundamentación ideológica sobre la incongruencia de su aparente du-
Consejo Económico y Social o el Síndico de Cuentas. plicidad derivó hacia argumentaciones basadas en el despilfarro de re-
Con la victoria del PP, el compromiso electoral se concretó, ini- cursos públicos que representaban (Garces, 2010: p. 77 y p. 84)27. No
cialmente, en la mencionada Ley 12/2011, cuya justificación fue funda- hay duda de que esta elaboración en forma de propuesta política influ-
mentada, por el nuevo gobierno manchego, principalmente en la ne- yó substancialmente en la actuación descrita del Gobierno del Casti-
cesaria racionalización del sector público en un contexto de notables
dificultades presupuestarias. Sin embargo, durante el debate de inves- 24. Vid. Diario de Sesiones de las Cortes de Castilla-La Mancha, VIII Legislatura, núm. 2, de
20 y 21 de junio de 2011, p. 5.
tidura la propia Cospedal, candidata a la Presidencia de la Comunidad,
25. La tramitación de la supresión del Ombudsman manchego, realizada sin problemas
añadió una justificación de significativa naturaleza política: «[e]sta procedimentales, generó sin embargo un notable movimiento de reivindicación de la ne-
cesidad de dicho órgano, incluyendo en el ámbito institucional al resto de Defensores del
23. Quizá conscientes de la debilidad institucional inherente a dicha situación, el grupo Pueblo Autonómicos, el Instituto Latinoamericano del Ombudsman-Defensor del Pueblo,
parlamentario socialista y, paradójicamente, también el popular presentaron una Propo- el International Ombudsman Institute y el Consejo de Europa a través del XXI Congreso de
sición de Ley para la Reforma del Estatuto de Autonomía de Castilla-La Mancha (Boletín Autoridades Locales y Regionales.
Oficial de las Cortes de Castilla-La Mancha, VI Legislatura, núm. 190 de 6.11.2006) que, en- 26. Por lo que respecta a la figura del Defensor del Pueblo, entre otras en las mencionadas
tre otras cosas, establecía estatutariamente la figura del Defensor del Pueblo y, también, el STC 142/1988 y 31/2010 (FJ 33); para los órganos de fiscalización externos asimilables al
Consejo Consultivo, la Sindicatura de Cuentas, el Consejo Económico y Social y el Consejo Tribunal de Cuentas, por ejemplo, STC 187/1988 y STC 31/2010 (FJ 34); finalmente, para
del Agua de Castilla-La Mancha. Después de una tramitación compleja y la introducción los consejos consultivos, la STC 204/1992.
de unas enmiendas conjuntas de ambos grupos que representaban radicales cambios de 27. Circunstancialmente, la presentación pública del libro en el que se incluye el estudio
criterio (vid. Boletín Oficial de las Cortes de Castilla-La Mancha, VI Legislatura, núm. 210 de citado de Mario Garcés (31.01.2011) estuvo a cargo de María Dolores de Cospedal, en su con-
24.01.2007, pp. 6760-6761), la proposición finalmente decayó. dición de secretaria general del Partido Popular y vicepresidenta de la Fundación FAES.
Del Rey Ruiz, Herminio y Martínez Alarcón, María Luz (2013). «Vigencia y necesi-
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na de Dret Públic, Barcelona: Escola de Administració Pública de Catalunya, núm. Espe-
cial Sentencia sobre el Estatuto, pp. 191-195.
A c o m p l ex i d a d e d o s e s t u d o s
organizacionais
De maneira geral, quando se analisa a capacidade institucional, refere-
se a um conjunto de características e habilidades técnico-burocráticas
relacionadas com o desempenho e o sucesso das políticas públicas de
uma instituição pública, tomando o Estado como referência. Também
tem sido usual na ciência da administração e gestão pública estudar
a capacidade institucional (capacity building) por meio do conceito de
fortalecimento institucional, que se refere exclusivamente às técnicas
organizacionais para serem introduzidas na organização (Tobelem,
1993). Neste artigo, analisa-se a capacidade administrativa da Defenso-
ria Pública do estado do Pará, instituição jurídica constituída por dois
componentes centrais: os recursos humanos e a organização (Huerta,
2008:128). A observação e a análise desta capacidade esta formada por
uma serie de conceitos e categorias provenientes de diversas áreas do
conhecimento e de esquemas conceituais teóricos muito diversos, que
abrangem da Teoria da decisão, a Teoria da contingência, e a Teoria dos
sistemas complexos adaptativos (Kauffmann, 1995; 1996)3 e conceitos
procedentes do setor público como o “performance measurement and
COMPREENSÃO
ciais, pelo que tem mostrado suas limitações ao focalizar o objeto de
estudo nas organizações em aspectos puramente técnicos4. Na presen- OPERACIONALIZAÇÃO
NÍVEL DIMENSÕES
te década, o conceito adquire significado de “construção da capacidade NA PESQUISA
institucional” (capacity building), ao assumir uma visão e compreensão
mais complexa fundamentada na teoria de sistemas e que focaliza os
problemas organizacionais dentro de um entorno com “vários níveis de Problemática do Qualidade do atendimento
Externo
atores, influencias, e com importante interdependências entre estes”5. acesso à justiça
COMPLEXIDADE
Neste escrito, são expostos os aspectos centrais da observação Tarefas e atividades
em três apartados. Primeiro, as possibilidades da observação autorre- Defensores Públicos
ferencial de acordo com a proposta de Luhmann. Expõem-se também Capacidade
Tarefas e atividades de
seus limites no que se refere à observação ao ignorar os aspectos antro- Interno institucional
servidores e técnicos
pológicos das instituições. Para corrigir este déficit escreve-se, embora desempenho
Propostas de melhora dos
de forma sucinta a noção de “autopoiese reflexiva” (Vidal, 2014). No se- Defensores Públicos
gundo, são descritos os conceitos centrais e sua operacionalização em-
pírica nos níveis “elementares” e de “segundo grau” (Luhmann, 1984, Problemática do Novos papéis dos
Externo
MUDANÇAS
1989). Por ultimo, na terceira parte, se expõem, os resultados desta ob- acesso à justiça Defensores Públicos
servação da Defensoria Pública do estado do Pará6. Parte-se da premis-
Gestão dos
sa da compreensão dos desafios em que se encontram as organizações Modelo de gestão
Interno núcleos
na atualidade: a compreensão da complexidade e a compreensão das Planejamento das atividades
mudanças. O objetivo principal da observação é a compreensão da ca-
Fonte: Elaborado pelo autor
pacidade institucional na Defensoría Pública. Para isso, foram inicial-
mente formulados dois códigos principais: o acesso à justiça, represen-
Na ausência de dados de séries temporais anteriores, de dados
de diferentes de núcleos do Pará que permitissem a comparação, op-
4. Inicialmente o conceito aparece na metade da década dos anos 1980, entendido com o
objetivo de melhorar as habilidades das instituições estatais por meio do fortalecimento tamos por uma observação de tipo elementar, de caráter quantitativo7.
institucional, referindo-se as técnicas de engenharia institucional. Para dar resposta às questões formuladas vinculadas com a capacida-
5. Ospina, Sonia. Construyendo capacidad institucional en América Latina: el papel de de institucional, na observação de “segundo grau” são formuladas três
la evaluación como herramienta modernizadora. Ponencia apresentada no VII Congres-
so Internacional do CLAD sobre a Reforma do Estado e da Administração Pública, Lis-
boa, 2002, p.2. 7. Para a realização da pesquisa utilizou-se uma população de 149 Defensores nos mu-
6. Pesquisa financiada pela Defensoria Pública do estado do Pará e pelo Instituto de nicípios de Belém e Ananindeua, informações que foram fornecidas pela Defensoria
Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará (Idesp). Pública do Pará.
N
sistemas abertos quis, 2005:332-342). Uma resposta às questões formuladas surge de di-
versos modelos que analisam a “micro-estrutura” das organizações. O
este contexto de complexidade organizacional e de hetero-
esquema conceitual embasado no modelo ORH (Organização-Recursos
geneidade de referencias teóricas, conceitual e analítica, e de
Humanos, Hinze, 2001) consiste em um instrumento que permite com-
pontos de partida segundo diferentes áreas do conhecimen-
preender os processos que se articulam entre os âmbitos das estrutu-
to, na entrada da segunda década do século XXI, os estudos
ras organizativas, das regras de jogo referentes à incorporação de novos
organizacionais, paulatinamente, têm adquirido uma visão ampla e ques-
profissionais e da compensação como mecanismo de acesso, manten-
tionadora das grandes teorias, como as contribuições da teoria geral de
do a disponibilidade de capital humano. Propõe-se a necessidade de
sistemas (segundo a lógica de inputs e outpus). Esta última baseia-se em
procurar de novos métodos “inferenciais” (Pfeffer, 1997:189-198). Con-
conceitos referentes à constituição e estrutura dos sistemas, limitando
tudo, para os objetivos da observação na Defensoria Pública, o modelo
sua lógica à observação e determinação causa-efeito (Richardson, 2008).
ORH é um micro-esquema que sofre de algumas limitações ao não ofe-
Posteriormente, outras teorias desenvolveram a construção da capacida-
recer os instrumentos conceituais suficientes para observar o relacio-
de institucional a partir da perspectiva da governança (governance) das
namento existente entre: a) as comunicações externas da organização,
instituições e do marco “ecológico” ou ecologia organizacional (Baum,
ou seja, a produtividade dos Defensores Públicos e servidores, b) o fun-
1999; Pina e Cunha, 1999; Nelissen, 2002), da eficácia nas organizações
cionamento interno e as estruturas que o possibilitam, a saber, o tipo
(Krugliankas; Giovanini, 2002), das dinâmicas organizativas e gerenciais
de organização e gestão implementa-se dos respectivos Núcleos e, c) a
as quais estão submetidas (Staley, 2007) ou também de estabelecer um
satisfação do atendimento recebido por parte dos assistidos, ou seja,
nexo entre os sistemas complexos organizacionais e o pensamento sistê-
como se acoplam as estruturas da organização com o entorno.
mico (Cilliers, 2005; Willke, 1998). Estas teorias focalizam os problemas
Dada a multiplicidade de níveis e de interações subjacentes na
das organizações a partir dos processos básicos de variação, seleção,
observação das organizações e nas instituições, consideramos neces-
retenção e competição que fazem parte do comportamento humano,
sário observar as instituições com base nas teorias, o suficientemen-
analisando a função e o fracasso das organizações com fundamento nas
te sofisticadas, que possuam a capacidade de poder observar e anali-
variáveis demográficas, ecológica e ambientais (Mckelvey, 1985). Nestes
sar diversos níveis, funções e interações, tanto internas como com o
estudos se manifestam a complexidade e as dificuldades para avaliar o
entorno. Nesta linha argumentativa observam-se propostas metodo-
setor e as instituições públicas (Christensen et al., 2007).
lógicas dirigidas à necessidade de estabelecer o vínculo macro-micro
Nas referidas observações e estudos, são postos alguns ques-
“micro/macro linkages” (McAdam, 2001: 25-26). Em um plano mais
tionamentos que a teoria de sistemas ignora, ou não oferece respos-
complexo observam-se a utilização e emprego de “Meta theory” e o
tas satisfatórias, tais como: quem exerce esta capacidade? como o
“Integral Approach” (Fuhs, s.d.). No entendimento da utilização de
A
zações jurídicas públicas para a ação da Defensoria, e também para as propostas realizadas de
políticas públicas. A consecução destes objetivos é resultado da inter-
ssumir como ponto de partida observacional e de referência
conexão entre as comunicações e os outros sistemas e subsistemas.
o conceito de “organização”, significa tomar a decisão de ob-
Por outro lado, na atuação pública da Defensoria pública, é o resulta-
servá-lo e analisá-lo entre diversos tipos, os quais possuem
do de decisões baseadas em dados e informações, tomadas com base
funções e objetivos diferentes, o que pode originar confusão
nos procedimentos, com o objetivo de alcançar a eficácia e a eficiência
conceitual em suas análises. Autores definem o termo organização à fi-
na ação dos defensores públicos. Para que seja aplicada e eficaz e seja
nalidade de “prestar serviços para a sociedade” (Pires e Macêdo, 2006:95;
possível observar diversos aspectos inerentes ao funcionamento da
Ludicibus e Marion, 2001), ou aos valores básicos que articulam a iden-
administração em suas operações internas, comunicações e relações
tidade de seus membros e pelos atores externos que convivem em seu
sistêmicas, a teoria luhmaniana traz conceitos como o acoplamento es-
contexto de ação, denominando-as “institucionalização organizacional”
trutural, que transcende o marco tradicional explicativo da teoria dos
(Selznik, 1967). A sociologia estuda este fenômeno como “formas de
sistemas abertos.
ação” e como “formas de ação criadoras de situações, no curso das quais
No caso especifico das instituições jurídicas públicas, em seus
se põem em funcionamento regras que permitem a avaliação de nossas
aspectos técnico-administrativos e sociológicos, têm sido objeto de re-
aprendizagens e sua correção eventual” (Giraud, 2010). Segundo esta
centes observações (Faisting, 1999). Apenas nos últimos anos, apare-
forma de compreendê-las, as formas de ação estão imersas em regras
cem os primeiros estudos sobre este tipo de organizações, como e o caso
de comportamento, visto que toda forma de organização é transmitida
do Ministério Público (Fontoura Porto, 2012; Teixeira; Laniano, 2004),
R
ou a forma e racionalidade da tomada de decisões dos juízes (Simioni;
Franco Bahía, 2009). A Defensoria Pública se enquadra dentro deste
noção de “autopoiesis reflexiva”
esponder às questões levantadas significa repensar em profundi-
tipo de organização, sendo um tipo de instituição jurídica estabelecida
dade a teoria luhmanniana e seu conceito central, a autopoiesis.
na Constituição Federal no art. 134 que assegura à Defensoria Pública o
Segundo Luhmann, a autopoiese é o que acontece no sistema
status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado.
como operação. Trata-se de uma operação impessoal e ex-
O defensor público se encontra em uma situação complexa, já
clusivamente técnica dentro do sistema. Não se trata de uma questão
que compreende, por um lado, a defesa do assistido, e por outro lado,
insuficientemente resolvida na teoria luhmanniana, mas de um limite
a transmissão das demandas deste assistido e dos grupos sociais que
na compreensão da percepção ontológica do sistema, ou seja, referida ao
estão em situação de vulnerabilidade ou discriminação em relação ao
reconhecimento da existência do sujeito e a capacidade de pensamen-
poder do Estado. Com o reconhecimento desta função, cristaliza-se o
to. Para superar isso, propomos a noção de “autopoiese reflexiva” (Vidal,
papel do defensor público, não apenas como mero gestor de processos,
2014). Na ideia que sugerimos, o ser humano aparece não apenas como
mas como agente que pode tomar claramente partido pelos desfavore-
um sistema vivo, mas como um ser com capacidade de pensamento,
cidos do atual sistema hegemônico. Na atualidade, os defensores pú-
que realiza seus atos subjetivamente8, com base na ação e expectativas
blicos não se ocupam apenas em atender juridicamente os setores eco-
com outros sujeitos. Toda ação contem um sentido, e, portanto, o sujei-
nomicamente desfavorecidos da população, mas também os setores da
to está dotado de consciência que o diferencia do resto dos seres vivos.
nova classe média. Com sua atividade cotidiana de defesa, os defenso-
Dois pressupostos teóricos reforçam esta ideia. Por um lado, as
res públicos convertem-se em representantes dos direitos destes seto-
ideias e conceitos do interacionismo simbólico, e por outro da sociologia
res e camadas, que, em certos momentos, confrontam-se com o Estado
fenomenológica. O interacionismo simbólico e, em concreto das ideias
e o poder estabelecido, aspecto já estudado por diversos autores (Da
de Herbert Mead, e em especial o conceito do self, a distinção entre a so-
Motta, s.d). Este fato contribui para a construção de um “novo” perfil da
ciedade como realidade subjetiva e objetiva (Berger e Luckman) a ação
instituição, na medida em que se separa de sua imagem inicial de ca-
do ator (Herbert Blumer). Os atos surgem da capacidade de pensamen-
ráter assistencialista, para configurar-se como uma instituição pública
to, e do self. Mead não parte do suposto de considerar aos indivíduos
que cobre amplos setores da sociedade, utilizando para ele novos me-
como sujeitos submetidos a forças ou estruturas externas, mas que os
canismos administrativos, gerenciais e tecnológicos. Com eles, os de-
sujeitos possuem capacidade de ação e reação, e dispõem da capaci-
fensores públicos atuam cada vez mais em um mundo que se diferen-
dade de pensamento para decidir suas ações de forma reflexiva. A ca-
cia do mundo real, construído por mecanismos simbólicos de poder e
pacidade de pensamento reside na mente, diferenciada da existência
de ideologia, tendo sua repercussão no mundo real.
de um cérebro fisiológico. Estas ideias e conceitos expostos permitem
Se nos remitirmos à premissa de que a teoria autopoiética
de Luhmann relega o ser humano ao entorno do sistema, e não as- 8. No sentido dado por: BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A Construção Social da
sume questões ontológicas relativas à sua conduta, como se pode Realidade: tratado de sociologia do conhecimento, [1966] 2003.
N
fensorias Públicas relacionados com a aprendizagem nas instituições educativas. Nes-
te artigo, o perfil institucional tem outro sentido, relacionado dire-
o Brasil, salvo poucas exceções, os estudos sobre capacidade
tamente ao papel da avaliação como instrumento modernizador das
institucional têm focado a procura da melhoria da qualidade
instituições, ou conforme Clad-Siare (2002) define a capacidade ins-
da regulação nas agências reguladoras do Estado (Santana,
titucional. Por estes motivos, consideramos mais adequado utilizar a
2002:75-94) ou sido voltados para a análise do aparato bu-
denominação capacidade institucional ou capacidade administrativa.
rocrático do Estado. Os campos das observações sobre as organizações
O conceito de capacidade institucional surge na primeira meta-
jurídicas públicas são um novo campo de observação9, o mesmo acon-
de da década de 1980 e foi aplicado nos estudos destinados à melho-
tecendo em algumas dissertações de mestrado sobre o Poder Judiciário
ria das funções do Estado, de tal forma que se vinculou e se confundiu
(De Mendonça, 2010) estudos sobre o Judiciário (Nogueira e Pacheco,
com o conceito de fortalecimento institucional. Este último conceito
2005) e o seu desempenho (Gomes e Guimarães, 2013). Dentro de este
se refere especificamente à denominada engenharia organizacional,
tipo de organizações, especificamente as Defensorias Públicas, as pri-
ou seja, à análise da estrutura interna das organizações públicas, como
meiras observações e estudos aparecem em forma de dissertações de
o controle das finanças, a introdução das novas tecnologias da infor-
mestrado basicamente nos últimos cinco anos e cobrem campos es-
mação ou o monitoramento e controle do capital e da infraestrutura. O
pecíficos como os novos significados da Defensoria Pública frente ao
que se entende então por capacidade institucional?
superendividamento do cidadão (Vasconcelos, 2007), direitos da mu-
O conceito de capacidade institucional faz parte dos conceitos
lher e violência doméstica (Barreto, 2007), acesso à justiça (de Castro,
denominados “brandos”, devido à inexistência de definições claras na
2008), contribuição às inovações democráticas (Cardoso, 2010) e sua
literatura especializada. Para Huerta (2008), a capacidade institucio-
9. No Associação Nacional de Pós-graduação em Pesquisa em Administração (EnANPAD), nal requer previamente uma capacidade “política”, entendida como a
o primeiro artigo foi apresentado no ano 2005, no Encontro de Administração Pública
10. Defensoria Pública estado do Pará: http://www.defensoria.pa.gov.br/conteudos.
(EnAPG), no ano 2004, e na Revista Adminsitração Pública, no ano 1997. Nos anos poste-
php?area=missao Acesso em: 10 julho 2011.
riores, a apresentação de investigações nessa área tem sido escassa.
C
leiro são negociação, conciliação, mediação, arbitragem, facilitação do
diálogo e aconselhamento patrimonial, levando em conta as variáveis
metodológicas
om base na diferenciação estabelecida por Niklas Luhman (1984)
que pode controlar. O desempenho não poderá ser medido por aquelas
entre observação de tipo elementar e observação de segundo grau,
ações que não estão ao seu alcance, como a demora dos processos, a
dados os objetivos propostos, optou-se pelo primeiro tipo de
quantidade de atendimentos diários, o modelo de organização judicial.
observação. No entanto, Luhmann ao referir-se à observação
As Defensorias Públicas da União vêm construindo diversos in-
de tipo elementar, limita-a exclusivamente a códigos binários. Na ob-
dicadores para medir a produtividade dos Defensores Públicos a partir
servação que se expõe se optou por perguntas fechadas ainda que com
de dados como o número de atendimentos realizados em diferentes
diversas possibilidades de respostas, ao considerar muito limitadas as
Estados (Defensoria Pública da Paraíba, 2009). Durante o ano de 2008,
respostas com base aos códigos binários. A opção nos permitiu a prepa-
cada Defensor Público do Estado realizou uma média de 252,97 aten-
ração da segunda fase da observação. Na teoria sociológica, a observação
dimentos13. No Estado de Roraima, cada Defensor realizou uma média
expõe parte de três premissas básicas teórico-metodológicas:
de 10.649,32 atendimentos, sendo a média nacional de 2.301 por De-
Primeira, as organizações se encontram imersas num contex-
fensor. Cabe destacar que, neste último Estado, a baixa produtividade
to marcado pela complexidade. Consideramos neste escrito uma ob-
é explicada pelas causas claramente técnicas. Segundo o presidente
servação de uma produção da complexidade, que, por sua vez, é uma
do Sindicato dos Defensores Públicos da Paraíba, Levi Borges: “a fraca
tentativa de reduzir a complexidade na realidade. A partir de distin-
produtividade dos servidores da Justiça paraibana é reflexo da falta de
ções (Luhmann, 1986), a prática de uma observação solo se fixa numa
condições de trabalho no Estado. Na entrevista, ele ainda afirma que:
parte, o que significa a observação de uma parte da realidade. Como
“Em contrapartida à baixa produtividade, a Defensoria Pública da Pa-
toda observação, trata-se de uma seleção constituída pelo observa-
raíba foi a que destinou o maior percentual do orçamento ao pagamen-
dor. Com isso, queremos dizer que tudo o que é observado depende do
to da folha de pessoal”.
que o observador pode observar cujas condições são definidas por este
A Defensoria Pública da União, publica desde o ano de 2008,
e pelo observado.
uma série de indicadores básicos para medir o grau de qualidade de
Segunda, dada a complexidade do conceito, a observação da
atendimento dos assistidos. Outras Defensorias Públicas, com dis-
tintas problemáticas, têm implementado métodos de medição da 14. In: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/simapes-sistema-de-medicao-e-
12. http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/eficiencia-e-eficacia/361/ -analise-da-produtividade-e-eficiencia-dos-servidores-do-pjerj/print/> (Acesso em: 2
13. III Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. DPU. Brasília, 2009. fevereiro 2011).
5.2. A satisfação com o trabalho desempenhado Quanto às sugestões de melhoria pessoal e/ou estrutural em
Para alcançar qualidade, produtividade, melhora contínua e compe- sua área de trabalho que reflitam na melhoria do atendimento do as-
titividade em uma organização, é necessária uma atitude positiva de sistido, foram construídos quatro grupos de sugestões direcionadas:
todo o capital humano, que implique uma liderança comprometida de 1. Sugestões direcionadas à estrutura de capital humano da Defenso-
seus gestores e o compromisso que intervêm em toda sua cadeia de va- ria: “Criação de cargos de assessores jurídicos perante os Defen-
lor. Entre as condicionantes para que haja satisfação com o trabalho sores de entrância especial”; “aumento do número de Defensores
desempenhado, podem-se mencionar: satisfação das necessidades, e Servidores”.
cumprimento positivo das expectativas e valores, reconhecimento,
N
6. Conclusões
o âmbito teórico e metodológico, os instrumentos e a pro-
posta metodológica de observação do tipo “elementar” e
de “segundo grau” proposta por Niklas Luhmann tem se
mostrado útil para a obtenção de dados (quantitativos)
e qualitativos sobre os diferentes níveis de funcionamento, que se
tem operacionalizado através das comunicações internas e externas
da Defensoria Pública do estado do Pará. Estas instituições jurídicas
desenvolvem uma serie de tarefas de adaptação frente a um ambiente
complexo, que se manifesta na melhoria da capacidade institucional;
na qualidade do atendimento; nas formas participativas de gestão dos
Núcleos e no desempenho do defensor público.
Contudo, como temos exposto, a teoria de sistemas sociais de
Luhmann sofre uma serie de limitações na hora de tratar questões de
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A
Introdução
CF/88 rompeu definitivamente com a ideia clássica de que a
proteção estatal deve se voltar apenas para os direitos indivi-
duais, tendo estabelecido, diferentemente das Constituições
anteriores, que qualquer tipo de lesão ou ameaça de lesão po-
derá ser objeto de análise pelo Poder Judiciário (art. 5, XXXV, da CF/88),
o que abrange a apreciação das questões coletivas. 4
1.* Artigo elaborado sob a orientação do Professor Doutor Carlos Henrique Bezerra Leite
e apresentado ao GPAJ - Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça na Perspectiva dos Direitos
Humanos da Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
2. Mestranda em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Pós-graduada em Di-
reito Previdenciário. Pós-graduada em Direito Processual. Defensora Pública Federal
Titular do 2. Ofício Previdenciário do Núcleo da Defensoria Pública da União no Espí-
rito Santo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário. E-mail: lidianese-
gal@hotmail.com.
3. Doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP). Profes-
sor da FDV. Ex-Professor Associado do Departamento de Direito da UFES. Desembarga-
dor do Trabalho. Diretor da EJUD - Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da
17ª Região (biênio 2009/2011). Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.
Professor Coordenador do GPAJ – Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça na Perspectiva dos
Direitos Humanos do Programa de Mestrado e Doutorado em Direitos e Garantias Funda-
mentais da FDV. E-mail: chbezerraleite@gmail.com.
4. Como destaca Carlos Henrique Bezerra Leite, o sistema ortodoxo de acesso individual
à jurisdição somente permitia o direito de ação na perspectiva individual (art. 150, §4°,
da CF/67 e art. 153, §4°, mantido pela EC n.1/69, art. 153, §4°): “a lei não poderá excluir
da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão a direito individual” (LEITE, Carlos
Henrique. Acesso coletivo à justiça como instrumento para efetivação dos direitos huma-
nos: por uma nova mentalidade. Revista da ESMAT. vol.13, ano2, n.2, Nov.2009, p. 8-30).
A
vação ao plano constitucional já significa um avanço para a tutela dos dos direitos metaindividuais
direitos coletivos lato sensu, diante da insuficiência do modelo de aces- s inovações legislativas que resultaram na formação de um
so individual ao Poder Judiciário em uma sociedade globalizada e sig- sistema integrado de acesso coletivo à justiça (CF, arts. 5°,
nificativamente afetada pela exclusão social. XXXV, LIV, LXX, LXXI e LXXIII, 8°, III, 127 e 129 III e 1°,
Na seara trabalhista, por exemplo, a intensificação dos conflitos LACP arts. 1°, 5° e 21, CDC arts. 81, 90, 91 a 100, 103 a 104)
entre capital e trabalho, desemprego estrutural e crescente, e discrimi- trouxeram uma nova possibilidade de resolução destas demandas,
nação contra os grupos sociais vulneráveis5 levam ao judiciário traba- dentro da perspectiva de acesso à justiça trazida por Mauro Capelletti
lhista demandas referentes a uma coletividade de pessoas, cuja solu- e Bryant Garth por meio do Florence Project, sistematizado nas “três
ção não se adéqua ao tradicional modelo de processo individual que foi ondas” renovatórias (garantia de assistência jurídica aos necessitados,
concebido no paradigma do Estado Liberal. representação dos direitos difusos e informalização do procedimento
Ocorre que no âmbito da Justiça do Trabalho o acesso dos tra- de resolução de conflitos).6
balhadores a jurisdição laboral, especialmente aqueles mais vulnerá-
6. Eliane Botelho Junqueira, ao fazer uma retrospectiva acerca das pesquisas empíri-
veis, encontra diversos obstáculos econômicos, psicológicos, sociais,
cas desenvolvidas sobre acesso à justiça no Brasil, estabelece que estas não estavam
culturais e políticos, além dos obstáculos organizacionais, uma vez diretamente relacionadas ao Projeto de Florença, de Mauro Capelletti e Bryant Garth.
que a cultura individualista que impera nas relações entre o capital e Segundo aponta, o movimento mundial pelo acesso à justiça foi desencadeado basica-
o trabalho dificulta a tutela coletiva dos direitos sociais dos trabalha- mente pela crise do Estado de bem-estar social que acometeu os países centrais, que
provocou discussões acerca do acesso a direitos pelas minorias, ao passo que no Bra-
dores, seja pela inexpressiva atuação dos sindicatos, que ainda prefe- sil, em um contexto de exclusão da grande maioria da população em relação as direi-
rem utilizar o tradicional modelo da assistência sindical (Lei 5584/70) tos sociais básicos, como moradia e saúde, o movimento acadêmico (e jurídico-polí-
para tutela de direitos individuais simples ou plúrimos, seja pelas difi- tico) desencadeado a partir da década de 80, é provocado pela própria necessidade
de se “expandirem para o conjunto da população direitos básicos aos quais a maioria
culdades operacionais e humanas de atuação do MPT para promover
não tinha acesso em função da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídi-
ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos. co brasileiro, como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores
No intuito de ampliar o rol dos legitimados para as ações coleti- subalternizados e da exclusão político-jurídica provocada pelo regime pós-64”. Assim,
vas, o legislador previu a legitimidade da Defensoria Pública para de- “tratava-se fundamentalmente de analisar como os novos movimentos sociais e suas
demandas por direitos coletivos e difusos, que ganham impulsos com as primeiras gre-
fender os direitos metaindividuais tuteláveis pela ACP (Lei 7.347/85,
ves do final dos anos 70 e com o início da reorganização da sociedade civil que acompa-
art. 5º, II, com redação dada pela Lei n. 11.448/2007). nha o processo de abertura política, lidam com um Poder Judiciário tradicionalmente
Eis, então, o problema a ser enfrentado nesta pesquisa: a DPU estruturado para o processamento de direitos individuais”. Todavia, ainda que haja a
possui legitimidade para promover a defesa dos direitos difusos, diferença em relação às motivações, não se pode negar o fato da legislação brasileira in-
corporar as propostas trazidas por meio das três ondas renovatórias que foram expos-
5. LEITE, C.H.B. Ação civil pública na perspectiva dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: tas. (JUNQUEIRA, Eliane Botelho. “Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo”. Revista
LTr, 2008, p.248. Estudos Históricos. N.18, 1996.vol.9, n.18, 1996, p. 389-391).
N
que seja passível de ser prestada por um advoga-
junto à justiça do trabalho do particular pode ser feita pelo Defensor Público;
ão obstante a garantia de acesso à justiça para os pobres já es- não há restrição a nenhuma categoria de pessoas,
tivesse prevista nas Constituições anteriores, a partir da CF/88 nem sequer a estrangeiros, sendo que até mesmo
as pessoas jurídicas, inclusive de fins lucrativos,
o Brasil consagrou a Defensoria Pública como instituição in-
se ficar caracterizada a situação de miserabilidade
dispensável à função jurisdicional do Estado responsável pela jurídica poderão ter seus interesses patrocinados
assistência jurídica e defesa dos cidadãos necessitados (art. 134, CF/88). pelo Defensor Público.16
A partir de então, o sistema adotado para a efetivação dos di-
reitos fundamentais de acesso à justiça (art. 5, XXXV, da CF/88) e as- Verifica-se, portanto, uma mudança no paradigma do acesso à
sistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF/88) foi o esta- justiça aos pobres no Brasil, eis que este acesso não mais se encontra
tal, no qual o serviço é prestado pelo Estado através de uma instituição restrito ao acionamento do Poder Judiciário, preconizado por meio
criada especificamente para esse fim. das legislações anteriores, notadamente a Lei nº 1.060/50. Da assis-
O modelo adotado no Brasil demonstra o avanço em matéria de tência meramente judiciária passou-se a uma assistência jurídica.
acesso à justiça quando comparado ao de outros países mais avançados. Da gratuidade em juízo para uma assistência integral e gratuita no
O sistema brasileiro, baseado na instituição da De- âmbito judicial e extrajudicial.
fensoria Pública, favorece, ao menos em tese, a im-
A distinção entre os conceitos assistência jurídica, assistência
plementação de uma política unificada de acesso à
Justiça, visto que não apresenta as dicotomias pre- judiciária e justiça gratuita é relevante para se verificar o avanço no
sentes no sistema norte-americano (vertente cível e tocante ao acesso à justiça por parte dos cidadãos carentes. Afinal,
vertente criminal bem delimitadas, cujos subsiste- da justiça gratuita, que consiste na dispensa do pagamento adianta-
mas “dialogam” muito pouco entre si) e do sistema do das despesas processuais, bem assim na dispensa do pagamento
francês (vertente da assistência jurisdicional, domi- dos honorários de advogado; e de uma assistência judiciária, por sua
nada pelas estruturas das profissões jurídicas, nota-
vez, restrita ao auxílio jurídico no âmbito judicial, em uma relação
damente a ordem dos advogados, e vertente da as-
sistência extrajudicial, cuja estruturação está a cargo jurídico-processual; aos pobres passou a ser assegurado o direito à
dos Conselhos Departamentais de Acesso ao Direi- assistência jurídica integral e gratuita, que se revela bem mais am-
to, organismos de natureza híbrida, cuja eficácia pla, com a prestação de serviços jurídicos em qualquer ambiente, ju-
ainda não é reconhecida). 15 dicial ou extrajudicial, como, por exemplo, por meio de consultoria,
conciliação extrajudicial e defesa em processos administrativos17.
A amplitude de atuação da Defensoria Pública em relação aos Responsável, portanto, por prestar uma assistência que não se res-
sujeitos que podem ser atendidos por esta instituição é destacada no tringe à atuação judicial, a Defensoria Pública passou a exercer um papel
seguinte trecho:
16. ALVES, Justiça para todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França
e no Brasil, p. 353-354.
15. ALVES, Justiça para todos! Assistência Jurídica Gratuita nos Estados Unidos, na França 17. LIMA, Frederico Rodrigues Viana de Lima. Defensoria Pública. Salvador: JusPodi-
e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 353. vm, 2010, p. 74.
A
eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação
do trabalho a todas e quaisquer normas constitucionais, e embo-
ntes de examinar a legitimidade da Defensoria Pública da ra a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das
União em relação a cada um dos direitos metaindividuais normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo in-
vocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso
em espécie, verificando-se suas peculiaridades, faz-se ne-
de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reco-
cessário estabelecer quais premissas nortearão essa análise. nheça maior eficácia aos direitos fundamentais.20
Em primeiro lugar, parte-se do pressuposto de que a legitimida-
de da Defensoria Pública para a propositura de ações civis públicas foi Uma interpretação que restrinja direitos fundamentais a partir de
estabelecida em lei sem qualquer restrição, a exemplo do que ocorre normas infraconstitucionais subverte a superioridade da Constituição.
com o Ministério Público, União, Estados, Distrito Federal, autarquia, Portanto, é exigido dos aplicadores do direito uma interpretação que te-
empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista (art. 5, nha como ponto de partida a Constituição, dando-lhe máxima efetivi-
Lei 7.347/85). dade, e não o contrário, evitando-se o empobrecimento e o esvaziamen-
O que a legislação manteve foi a diferença de tratamento con- to de suas normas e a desarticulação do sistema de garantias legais. 21
ferido às associações que, além da constituição há mais de um ano, Diante disso, ao se analisar a interpretação que deve ser data ao
devem incluir nas suas finalidades institucionais a defesa dos direitos artigo 134 da CF/88, deve-se considerar que a Defensoria Pública é ins-
previstos na lei ou algum outro metaindividual que permita o ajuiza- tituição criada especificamente para o fim de efetivar o direito funda-
mento da ACP (art. 5, V, Lei n. 7.347/85). mental à assistência jurídica integral e gratuita custeada pelo Estado
Portanto, no plano normativo nenhuma limitação expressa foi (art. 134, CF/88). Portanto, sua forma de atuação deve estar condicio-
imposta à atuação da Defensoria Pública, erigida à categoria de legiti- nada à utilização de todos os instrumentos legais disponíveis para o
mado universal para a propositura dessas demandas. cumprimento de sua missão constitucional.
Por outro lado, não se pode olvidar da análise dos dispositivos
infraconstitucionais à luz da Constituição, notadamente dos disposi- A efetividade significa, portanto, a realização do Di-
tivos que tratam de direitos fundamentais. Referida análise deverá ser reito, o desempenho concreto de sua função social.
feita dentro dos critérios hermenêuticos adequados ao paradigma do Ela representa a materialização, no mundo dos fa-
Estado Democrático de Direito. tos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação,
tão íntima quanto possível, entre o dever-ser norma-
A nova hermenêutica constitucional apresenta como norte o
tivo e o ser da realidade social.22
princípio da máxima efetividade. Este princípio determina que, na ati-
vidade interpretativa, o intérprete seja guiado pela necessidade de que 20. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.
sua atividade extrapole os limites semânticos da norma para identifi- Coimbra: Livraria Almedina, 2002, p. 1210.
car, dentre as interpretações possíveis, aquela que lhe confere maior 21. CUNHA, Alexandre Teixeira de Freitas Bastos. Os direitos sociais na Constituição.
Vinte anos depois. As promessas cumpridas ou não. In: MONTESSO, C., FREITAS M.A. e
eficácia. Essas são as lições de Canotilho: STERN, M.F. (coord.). Direitos sociais na Constituição de 1988: uma análise crítica 20 anos
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22. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de
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cola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Vitória, ano 1, n. 1, set.2012.
O
Introdução
Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos. O texto supramencio-
nado determina que é dever do Estado prestar assistência
judiciária gratuita àqueles que dela necessitar, haja vista a
sua hipossuficiência financeira. Isso é o que determinar o art. 5º, inciso
LXXIV, da Carta Constitucional de 1988 e é o pondo nodal que se insere
o presente artigo.
O problema que surge, portanto, é identificar o que seria a fami-
gerada expressão insuficiência de recursos. Os instrumentos normativos
que regem as Defensorias Públicas Estaduais ao longo do Brasil, esta-
belecem que o atendimento será para as pessoas que recebam até três
salários mínimos, em regra.
Da mesma forma, a Defensoria Pública da União – DPU, esta-
belece através da Resolução n.º 85, de 11 de fevereiro de 2014, em seu
art. 1º que “presume-se economicamente necessitada a pessoa natural que
O
so à justiça nos de alterações de direito decorrente de problemas de interpretação
pelo operador do Direito - são necessárias para que se possa ter uma
famigerado acesso à justiça já vem sendo há anos estudado e
visão global sobre o problema, analisando-o e buscando soluções viá-
tem sido uma constante as variações de entendimento que
veis. Contudo, é importante perceber que em uma sociedade dinâmica
cada autor tem atribuído ao fenômeno. O tema é tão extenso
como a brasileira, em que o imediatismo é o foco, nem sempre o resul-
que cada um, colocando seu ponto de vista e seu viés de com-
tado acaba sendo satisfatório.
preensão do fenômeno, tem chegado a algumas conclusões que buscam
Mais que isso. A sociedade atual apresenta-se com diferenças
facilitar o estreitamento da justiça àqueles que, efetivamente, necessitam
de buscá-la. Há uma propensão a evitar que o cidadão esteja relegado 4. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fa-
bris, 1988. p. 08.
brasileira e a real noção de insuficiên- passa a merecer uma melhor análise por parte do legislador, no que se
refere a quem deve ser atendido pela assistência judiciária gratuita.
N
cia de recursos Isso porque, continuando na análise do relatório, a Comissão
a atualidade, tem-se claramente uma dificuldade de se descreve a divisão da renda per capita e os valores que as estratifica-
distinguir quem seriam os cidadãos que se enquadram ções vieram alcançando ao longo dos anos, a fim de demonstrar o ce-
como inseridos no contexto de insuficiência de recursos. nário conjuntural da população. Ao que parece, o crescimento da renda
Ocorre que, é importante compreender o que vem a ser da população tem aumentado gradativamente
essa real insuficiência de recursos na atualidade, como forma de
compreender quem seriam os hipossuficientes, na distribuição de Desse modo, obtemos o tamanho da classe media
renda da população. em cada ano pela porcentagem das pessoas que vi-
Há, hoje, uma dificuldade em observar que seriam considerados vem em domicílios com renda per capita nominal
entre estes dois limites no ano em analise. Em 2001,
os reais hipossuficientes para fins de determinar quem terá direito à
38% da população brasileira viviam em domicílios
utilização da Defensoria Pública. Contudo, o critério, apesar de objeti- com renda per capita entre R$140 e R$491 (os limi-
vo, deve ser analisado com cautela. tes na classe media neste ano), enquanto que em
Isso porque, muito embora parte da população esteja enquadra- 2009, 48% da população brasileira vivia em domicí-
da na classe média ou alta, o custo de vida no país, devido à inflação lios com renda per capita entre R$248 e R$867 (os
tem tomado circunstâncias estratosféricas. De acordo com a Comissão limites na classe media neste ano). Em ambos os
casos o intervalo real da classe media e de R$291 a
para Definição da Classe Média no Brasil, vinculada à Secretaria de As-
R$1019, em termos dos valores de 2012.
suntos estratégicos da Presidência da República, percebe-se que a so-
ciedade brasileira foi dividida em vários estratos sociais. Alem disso, pode-se com estas informações estimar
A Comissão estabeleceu para aferir a renda média familiar, tendo o tamanho atual da classe media. Em 2003, 37% da
como base o mês de abril de 2012, 8 estratificações sociais. Esse estudo foi população brasileira pertenciam a classe media, já em
baseado nas estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por 2009 este numero subiu para 48%. Sendo assim, ao
Amostra de Domicílios (PNAD) que delimitou os seguintes grupos e ren- longo deste período de 6 anos o tamanho relativo da
classe media cresceu 11 pontos percentuais, equiva-
das familiares12: 1) extremamente pobres (R$227,00/mês); 2) Pobres, mas
lente a 1,83 pontos percentuais por ano. Como o tama-
nho da classe media era de 48% em 2009, segue que
Fabris, 1988. p.12. mantida a taxa de crescimento ao ano, a classe media
12. BRASIL. Governo Federal. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Relatório da
em 2012 deve abarcar 54% da população brasileira.13
Comissão para Definição da Classe Média no Brasil. Brasília: Presidência da
República, 2012. p. 62. 13. BRASIL. Governo Federal. Secretaria de Assuntos Estratégicos. Relatório da
O homem, como ser cultural, habita uma linguagem. O Nesse sentido, não admite-se, como razoável que a insuficiên-
sujeito emissor edifica seu mundo de acordo com sua cia de recursos que o legislador constitucional de 1988 quis estabele-
linguagem e emite enunciados ao destinatário. Este,
cer, traria como consequência a limitação de 3 salários mínimos. Ao
por sua vez, deverá coabitar o mesmo mundo linguís-
tico do emissor para que possa compreender a mensa- que tudo indica, o intérprete peca e vem pecando em relação ao tema,
gem (comunicação). A palavra não é só a materializa- esquecendo das consequências lógicas de seu ato. E isso que ficará me-
ção do pensamento, é o próprio pensamento. o mundo lhor demonstrado no tópico a seguir.
circundante é constituído pela linguagem porque esta
se encontra inevitavelmente atrelada ao conhecimento.
3. A limitação infraconstitucional dos
Sendo assim, o que se percebe é os intérpretes devem analisar três salários mínimos e o óbice ao
D
as expressões jurídicas dando-lhes significados. Isso quer dizer que, é acesso à justiça: considerações finais
através da intelecção daquele que analisa a expressão colocada em de- iante de tudo até aqui exposto, resta mais que demonstra-
terminada legislação, que terá condições de atribuir-lhe sentido. do que a Defensoria Pública, foi, é e continuará sendo uma
Em suma, o legislador ao estabelecer que todos os cidadãos terão importante instituição democrática, exercendo uma função
direito à assistência judiciária, desde que estejam desprovidos de recur- primordial dentro do Estado Brasileiro. É mais que evidente
sos, ou com recursos insuficientes, deixou claro que não gostaria de esta- que a desproporção de renda entre a população é gigantesca.
belecer um significado fechado. Assim sendo, não parece que o corolário Contudo, toda essa questão decorre, basicamente, da falta de
dos 03 salários mínimos seja algo que possa ser mantido até a atualidade. planejamento estratégico e econômico do Governo Federal Brasileiro,
Isso porque, a aproximação do direito ao caso concreto é fun- ao não prover, a contento, as necessidades básicas do cidadão. Tanto
ção daquele que está imiscuído de poder para, assim, proceder. Nestes é assim que, considerando os dados levantados, há forte tendência de
termos, sendo ele legítimo, caberá a este estabelecer o sentido que a volatilidade entre os estratos sociais esmiuçados na pesquisa da Secre-
norma terá diante do caso concreto. Essa, nada mais é que a conclusão taria de Assuntos Estratégicos.
lógica estabelecida por Lourival Vilanova16 em relação aos conceitos ju- É por esse motivo que a função da Defensoria Pública torna-se
rídicos que causem dúvida importante o a conjuntura social brasileira. Remetendo-se às ondas de
acesso à justiça enunciadas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, já
A aplicação de normas de produção normativa torna não há mais como manter a participação da população nas decisões
possível a aplicação de uma norma de conduta ou de
do Estado, sem que ele proporcione instrumentos capazes de auxi-
uma norma de revisão sistêmica (por exemplo: nor-
ma revogatória). As normas de produção normati- liar o cidadão.
va, por estabelecerem as regras do jogo no processo Contudo, ao que parece, o critério objetivo que tem-se estabeleci-
do nas Defensorias Públicas ao redor do Brasil, determinando que ape-
16. VILANOVA, Lourival. Norma Jurídica – Proposição Jurídica. Revista de Direito Pú- nas terão direito de assistência judiciária gratuita aqueles que tiverem
blico, São Paulo, n. 61, jan./mar. 1982, p. 18. renda de até 3 salários mínimos, resta flagrantemente constitucional.
A
Considerações iniciais
Defensoria Pública no Brasil sofreu mudanças no âmbito cons-
titucional e na legislação ordinária desde sua implementação,
além disso, configura-se como um importante instrumento
de concretização do acesso à justiça, proporcionando am-
pla orientação jurídica e defesa de direitos à população de baixa renda.
Todavia, não obstante o relevante papel que tal instituição de-
sempenha na sociedade brasileira, o estado do Paraná, em considerável
atraso em relação aos outros estados, aprovou somente em 10 de maio de
2011 a redação final do Projeto de Lei que institui a Defensoria Pública, lei
esta que foi sancionada em 19 de maio do mesmo ano. Contudo, enquan-
to o atendimento à população não se torna efetivo, o estado se mantém
na mesma situação de ofensa ao direito fundamental do acesso à justiça.
P
1. Acesso à justiça lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos neces-
or meio da análise do ordenamento jurídico brasileiro, tem-se sitados, na forma do art. 5º, LXXIV”. Por sua vez, o artigo 5ª, inciso
que, apesar de marcado por notáveis desigualdades, que criam LXXIV, estabelece que “o Estado prestará assistência jurídica inte-
barreiras ao acesso à justiça, o Brasil é um estado democrático, gral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ao
“destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e indi- proporcionar a defesa de pessoas com carência de recursos financei-
viduais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a ros, a Defensoria torna-se uma instituição essencial em um país tão
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, desigual como o Brasil.
pluralista e sem preconceitos”, conforme estabelecido no preâmbulo da Gomes Neto (2005, p.62) leciona que:
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Quanto mais desenvolvido o ordenamento jurídico
Cabe mencionar que para Cunha (2001, p.197):
nos moldes modernos, maior a necessidade da pre-
sença de um advogado, indispensável nas difíceis
A Constituição Federal de 1988 ampliou de forma tarefas de interpretar leis cada vez mais complexas
significativa o rol de direitos fundamentais do cida- e de decifrar os detalhes procedimentais referentes
dão brasileiro. [...] Quanto à possibilidade de asse- ao ingresso e a permanência em juízo.
gurar esses direitos juridicamente, a Constituição
Federal também garantiu um conjunto de instru-
mentos legais e alargou as possibilidades de solução O Defensor Público é essencial, portanto, na defesa daqueles
dos conflitos sociais através do Poder Judiciário. que não podem suportar os encargos advindos da contratação de um
advogado particular. Cumpre assinalar, ainda, que o legislador consti-
Todavia, o que está descrito na Constituição Federal não é o que tucional elevou a Defensoria Pública ao patamar de função essencial à
a prática revela, uma vez que grande parte da população não tem acesso justiça, na medida em que o artigo 134 da Constituição Federal faz par-
a direitos garantidos constitucionalmente, nem sequer conhecimento te do Capítulo IV, intitulado “das funções essenciais à justiça”4 .
dos direitos a serem pleiteados. Exemplo disso é o crescente número
4. Apesar da dimensão ideológica presente nessa parte do texto constitucional, já que ela de-
de ações ajuizadas em locais que não são competentes, a demora no corre, em grande parte, dos lobbies realizados pelas associações profissionais das diferentes
A
lizações e realizações Trabalho, de acordo com Moraes (1999, p. 168), a assistência jurídica
pode ser prestada “pelo sindicato representativo de categoria profis-
Constituição Federal prevê que caberá a Lei Complementar a
sional do trabalhador, seja ele associado ou não à entidade de classe,
organização da Defensoria Pública5, sendo que tal tarefa foi
como já era imposto desde a Lei 5584 de 1970”.
realizada pela Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública6,
No que diz respeito à Defensoria Pública do Distrito Federal e
versando essencialmente sobre a organização, competência
Territórios, bem como à Defensoria Pública dos estados, cabe a elas a
e atribuições dos órgãos da instituição, bem como acerca do regime ju-
assistência jurídica aos que comprovarem insuficiência de recursos em
rídico de seus membros.
todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do estado.10
A Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública trata das
Moraes (1999, p. 169) leciona que:
A
Paraná sores públicos (ANADEP), cujo resultado da relação do número de de-
fensores públicos estaduais para cada grupo de cem mil habitantes in-
necessidade de organização da Defensoria Pública do Estado
dicou que o Paraná alcançou o índice de 0,5, enquanto Rio de Janeiro e
do Paraná está prevista nos artigos 127 e 128 da Constituição
do Estado do Paraná, os quais colocam a instituição como es- prerrogativas, atribuições e carreiras de seus membros”.
25. No ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma Ação Direta de
sencial à função jurisdicional do estado, trazendo as mesmas
Inconstitucionalidade, declarou como inconstitucional o artigo 2º, inciso IV, alínea ‘c’, da
noções da Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública24. Lei Estadual nº 12.755, do Estado de Pernambuco, que previa a vinculação da Defensoria
Pública Estadual à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, vinculação esta, portanto,
23. Artigo 21, inciso XIII, da Constituição Federal. nos mesmos moldes da realizada no Estado do Paraná. O fundamento de tal decisão foi
24. O artigo 127 dispõe que “a Defensoria Pública é instituição essencial à função juris- no sentido de que a Emenda Constitucional nº 45/04 conferiu autonomia funcional e
dicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica integral e gratuita, a postula- administrativa às Defensorias Públicas Estaduais, bem como iniciativa de proposta or-
ção e a defesa, em todas as instâncias, judicial e extrajudicial, dos direitos e dos interes- çamentária, do que decorre ser inconstitucional a vinculação da Defensoria Pública à Se-
ses individuais e coletivos dos necessitados, na forma da lei” e o artigo 128 estabelece cretaria de Estado. Todavia, há um entendimento minoritário de que a Defensoria Públi-
que “Lei complementar, observada a legislação federal, disporá sobre a organização, es- ca, sendo uma instituição sujeita a normas gerais de Lei Complementar Federal, pode ser
trutura e funcionamento da Defensoria Pública, bem como sobre os direitos, deveres, subordinada a alguma Secretaria de Estado.
GALLIEZ, Paulo Cesar Ribeiro. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. Rio
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SANTOS, André Filipe Pereira Reid dos. Defensoria Pública do Rio de Janeiro e sua clien-
tela. Revista Espaço Jurídico, v. 14, 2013.
C
1. Introdução
omo se sabe, a construção da norma jurídica não pode estar
divorciada da realidade social que a cerca. Ao contrário, cum-
pre ao legislador atentar para o contexto no qual se encontra
inserida a produção legal. Afinal, fatores sociopolíticos, dentre
tantos outros, são muito importantes na determinação da trajetória da
edificação normativa, uma vez que o processo legislativo, invariavel-
mente, ocorre dentro de um ambiente específico.
Enquanto ciência da cultura, a compreensão do Direito recla-
ma a aplicação de métodos teóricos de interpretação jurídica (por vezes
chamados de técnicas, processos ou procedimentos), os quais, devida-
mente sistematizados, deram origem à teoria da interpretação jurídica.
Como todo e qualquer texto jurídico, a Emenda Constitucional (EC) nº
80, de 4 de junho de 2014, que alterou o Capítulo IV (Das Funções Es-
senciais à Justiça), do Título IV (Da Organização dos Poderes), e acres-
centou o art. 98 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), também deve receber a incidência de métodos interpretativos,
tais como o gramatical, o teleológico, o lógico, o histórico, dentre outros.
Reportando-se ao método histórico, Diniz (2001, p. 426) salienta
que este refere-se ao histórico do processo legislativo, desde o projeto
de lei, sua justificativa ou exposição de motivos, emendas, aprovação
1. Reis Friede é doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro;
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e em Direito de
Estado pela Universidade Gama Filho; Professor conferencista da Escola da Magistratura
do Estado do Rio de Janeiro; Professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do
Exército; Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Professor e
pesquisador do programa de Mestrado em Desenvolvimento Local do Centro Universitá-
rio Augusto Motta (UNISUAM). Ex-professor adjunto da Faculdade Nacional de Direito
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro (UNIRIO). E-mail: reisfriede@hotmail.com. Currículo Lattes: <http://busca-
textual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4278632J6>.
C
cia da EC nº 80/2014 democracia e cidadania plenas.
Corroborando o indiscutível relevo institucional, cumpre re-
omo afirmado, a EC nº 80/2014, oriunda da PEC nº 247/2013,
gistrar que, por ocasião da tramitação da PEC nº 247/2013, os De-
de autoria os Deputados Mauro Benevides, Alessandro Molon
putados Mauro Benevides, Alessandro Molon e André Moura de-
e André Moura, empreendeu importante alteração na CRFB e
fenderam que a Defensoria Pública é uma instituição pública que
no ADCT.
CONGRESSO NACIONAL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diá- INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (Ipea). Mapa da Defensoria Públi-
rio Oficial de 5 out. 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov. ca no Brasil. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/mapade-
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_______. Emenda Constitucional nº 80, de 4 de junho de 2014. Altera o Capítulo IV - Das ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA). Assembleia Geral. Atas e do-
Funções Essenciais à Justiça, do Título IV - Da Organização dos Poderes, e acrescenta ar- cumentos. Textos autenticados das declarações e resoluções. Quadragésimo primeiro
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cha Barros Sandoval. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
_______. Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos
dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A
e 130-A, e dá outras providências. Diário Oficial de 31 e dez. 2004. Brasília, DF, 2004. VENOSA, Sílvio de S. Introdução ao estudo do direito: primeiras linhas. 2ª ed. São Pau-
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/ lo: Atlas, 2006.
emc45.htm>. Acesso em: 6 set. 2014.
O
1. Premisa
bjeto de este trabajo es el derecho de acceso al juez que cons-
tituye una precondición necesaria para el goce efectivo de los
otros derechos. Esto pone en luz una estrecha interdependen-
cia entre derechos sustanciales y procesales. En efecto, «un
ordinamento che si limitasse ad affermare una situazione di vantaggio
(…) a livello sostanziale, senza predisporre a livello di diritto processuale
strumenti idonei a garantire l’attuazione del diritto anche in caso di sua
violazione, sarebbe un ordinamento incompleto, monco: sarebbe un or-
dinamento che non potrebbe essere qualificato come giuridico, poiché
non garantirebbe l’attuazione del diritto proprio nel momento in cui
questo è più bisognoso di tutela, nel momento della sua violazione»2.
Recordamos que uno de los rasgos del Estado de derecho es la
supremacía de la ley respecto a la administración así como el control
jurisdiccional de esta última. En otros términos, la tutela jurisdiccional
actúa, en un primer momento, exclusivamente respecto a los actos ad-
ministrativos y no también a la ley, la cual era libre de cada límite jurí-
dico. Sucesivamente, con el afirmarse de las modernas Constituciones
rígidas, la ley pierde su ilimitación y la tutela jurisdiccional se extiende
E
Constitución italiana sino a los clandestinos10, por otra tiene que prevé adecuados instrumentos
l derecho de acceso al juez para la defensa de sus derechos y de Ibídem, p. 10. Se señala, además, que «l’evoluzione e la portata delle garanzie di tute-
la degli interessi legittimi, sullo scorcio dell’ultimo secolo, è stata assai significativa ed
sus intereses legítimos es establecido en el primer apartado del
ha finalmente assicurato piena attuazione del dettato costituzionale di cui all’articolo in
art. 24 de la Constitución italiana, Título I («De las Relaciones commento. Soprattutto il riconoscimento, prima giurisprudenziale e poi legislativo, del-
Civiles») de la Primera Parte («Derechos y Deberes de los Ciuda- la risarcibilità dei danni derivanti da lesione di situazioni di interesse legittimo, ha com-
danos»)4. La titularidad de una situación jurídica subjetiva (un derecho portato un’effettività ed una pienezza della tutela giurisdizionale». Cfr. A. Police, Art. 24,
cit., p. 506.
subjetivo5 o un interés legítimo6) de tutelar constituye el presupuesto
7. El alcance de la disposición constitucional ofrece tutela también a las situaciones de
carácter sobre individual, es decir a los intereses colectivos y difusos. «La tutela giurisdi-
3. Cfr. G. Silvestri, Lo Stato di diritto nel XXI secolo, en www.rivistaaic.it, Revista, núm.
zionale di tali interessi trovava in passato un ostacolo nel fatto che essi si consideravano
2/2001, p. 7. Sobre este tema también R. Bin, Stato di diritto, en www.robertobin.it.
adespoti e cioè non attribuibili a soggetti determinati e quindi sarebbe mancato l’inte-
4. Sobre el art. 24, primer apartado, de la Constitución italiana véase L. P. Comoglio, Art.
resse personale. Il problema è stato risolto dal legislatore, il quale ha riconosciuto la le-
24, 1° comma, en G. Branca (a cura de), Commentario della Costituzione, Bologna, 1981, pp.
gittimazione a ricorrere ad alcune associazioni di tutela (associazioni ambientalistiche,
1-53; P. Barile, Diritti dell’uomo e libertà fondamentali, Bologna, 1984, pp. 287-312; A. Poli-
associazioni di utenti)». Así P. Virga, La tutela giurisdizionale nei confronti della pubblica
ce, Art. 24, en R. Bifulco, A. Celotto, M. Olivetti (a cura de), Commentario alla Costituzione,
amministrazione, cit., pp. 17-18.
Volumen I, Torino, 2006, pp. 501-525.
8. Tribunal const. núm. 18/1982. Se señala que es la misma Constitución que utiliza los
5. El derecho subjetivo es «la situazione riconosciuta ad un soggetto da una norma con
términos todos y siempre, considerado que – junto al término todos previsto en el art. 24,
cui vengono conferite determinate facoltà in ordine ad un bene tutelato dalla legge».
primer apartado – el art. 113, primer apartado afirma que: «contra los actos de la Pública
Cfr. P. Virga, La tutela giurisdizionale nei confronti della pubblica amministrazione, Mila-
Administración se dará siempre la protección jurisdiccional de los derechos y de los intere-
no, 2003, p. 9.
ses legítimos ante cualesquiera órganos judiciales ordinarios o administrativos». En otros
6. El interés legítimo es «la pretesa alla legittimità dell’atto della amministrazione, che
términos, el art. 113 confirma lo que está previsto por el art. 24 también respecto a la P.A.
viene riconosciuta a quel soggetto che si trovi rispetto all’esercizio di un potere discrezio-
9. Tribunal const. núm. 67/1960.
nale della pubblica amministrazione in una particolare posizione legittimante». Como
10. Cfr. A. Police, Art. 24, cit., nota 16, en cuya hace referencia al Tribunal const.
por ejemplo en caso de participación en una competición o en un concurso público. Cfr.
núm. 198/2000.
E
Constitución española posible para permitir el acceso a la jurisdicción (principio pro actione), lo
que implica, por ejemplo, que una interpretación restrictiva de las causas
l derecho de acceso al juez para la defensa de los derechos e
de inadmisión o una interpretación antiformalista del sistema procesal23.
intereses legítimos es establecido en el primer apartado del
La tutela judicial efectiva en sentido más extenso incluye lo si-
art. 24 de la Constitución española (CE), Sección primera («De
guientes derechos. En primer lugar, el derecho a obtener una resolución
los Derechos fundamentales y de las libertades públicas») del
de fondo, es decir una resolución sobre lo que pide el actor al órgano judi-
Capítulo segundo («Derechos y librtades») del Título primero («De los de-
cial – que tiene que ser fundada sobre una motivación razonada y no ar-
rechos y deberes fundamentales»)22. El artículo 24 CE se distingue en dos
bitraria asì como indica el art. 120.3 CE24. En segundo lugar, el derecho a
partes: el primero apartado prevé el derecho de acceso a los tribunales
la intangibilidad y a la ejecución de las resoluciones firmes, lo que impli-
y el segundo apartado contiene las garantías constitucionales clásicas
ca que las resoluciones firmes (contra las que no es más posible recurso
del proceso penal. Sin embargo, la interpretación del Tribunal Consti-
alguno) son inmodificables (principio de intangibilidad) y tienen que ser
tucional rompe con esta visión bipartita y enriquece el significado del
ejecutadas asì como dispone el art. 118 CE25. En tercer lugar, el art. 24.1
art. 24 CE: por un lado, algunas de las garantías del segundo apartado
son aplicables también a los demás procesos; por otro lado, el primer 23. En este sentido véase L. M. Díez-Picazo, Sistema de derechos fundamentales, cit., p.
366; F. B. Callejón (a cura de), Manual de Derecho Constitucional, Volumen II, Madrid,
22. Sobre el art. 24 de la Constitución española véase F. Chamorro Bernal, El articulo 24 de 2007, pp. 251-253.
la Constitución, Tomo I, Barcelona, 2005 y La tutela judicial efectiva. Derechos y garantías 24. En efecto, el art. 120.3 CE establece que: «las sentencias serán siempre motivadas
procesales derivados del articulo 24.1 de la Constitución, Barcelona, 1994; L. M. Díez- y se pronunciarán en audiencia pública». En particular, «el Tribunal ha declarado que
Picazo, Sistema de derechos fundamentales, Madrid, 2003, pp. 363-387; J. M. Bandres contradice el derecho a la tutela judicial efectiva aquella resolución judicial que releva
Sanchez-Cruzat, El derecho fundamental al proceso debido y el Tribunal Constitucional, una evidente contradicción interna o incoherencia notoria entre los fundamentos
Pamplona, 1992; A. M. Romero Coloma, El articulo 24 de la Constitución española: examen jurídicos, o entre éstos y el fallo (...)». Véase F. B. Callejón (a cura de), Manual de Derecho
y valoración, Granada, 1992; E. Alonso García, El articulo 24.1 de la Constitución en la Constitucional, cit., p. 253. Además, «el derecho a obtener un fallo comprende el de utilizar
jurisprudencia del Tribunal Constitucional: problemas generales y acceso a los tribunales, en los recursos ordinarios y extraordinarios que el ordenamiento prevea en cada caso con
S. Martín-Retortillo (a cura de), Estudios sobre la Constitución española, Madrid, 1991, pp. los requisitos específicos legalmente establecidos, pues la tutela judicial efectiva es un
973-1026; J. M. Serrano Alberca, Artículo 24, en F. Garrido Falla (a cura de) Comentarios derecho de prestación que necesita de este acceso para su realización. Ahora bien, salvo
a la Constitucion, Madrid, 1985, pp. 453-498. En particular, el art. 24.1 CE tiene que en el orden penal, el derecho al recurso no tiene vinculación constitucional, por lo que el
ser interpretado a la luz del art. 10.2 CE, que impone la conformidad con el art. 10 de legislador dispone de un amplio margen de configuración para establecer los casos en los
la Declaración Universal de Derechos Humanos, el art. 14.1 del Pacto Internacional de que procede y los requisitos para su formalización». Véase Ibídem , p. 254.
Derechos Civiles y Políticos de 1966 y el art. 6.1 del Convenio Europeo para la Protección 25. En efecto, el art. 118 CE establece que: «es obligado cumplir las sentencias y demás
de Derechos Humanos de 1950. resoluciones firmes de los jueces y tribunales, así como prestar la colaboración requerida
A
Finalmente, el derecho a utilizar los medios de prueba pertinentes para de la Unión Europea
la defensa consiste en que el juez tiene que admitir las pruebas perti- ntes de analizar el significato y el alcance de la garantía
nentes – es decir las que estén relacionados con el thema decidendi – prevista en el primer apartado del art. 47 de la Carta de los
con motivación razonada y no arbitraria. derechos fundamentales de la Unión Europea, es necesario
Las restantes garantías establecidad en el art. 24.2 CE y en su pararse sobre el proceso evolutivo que condujo a su formu-
último apartado, en cambio, son específicas del procesos penal (es de- lación y también sobre las características de la misma Carta. Como se
cir, los derechos a ser informado de la acusación, a no declarar contra sabe, originariamente el ordenamiento de la Unión Europea, no sólo,
sí mismo y a no confesarse culpable, a la presunción de inocencia y a era sin un catálogo escrito de los derechos fundamentales, sino se fun-
no ser obligado a declarar sobre determinados hechos presuntamen- damentaba sobre el principio de autonomía procesal de los Estados
te delictivos). miembros en base al cual correspondía a estos últimos la disciplina
Entonces, el derecho fundamental de acceso a los tribunales del proceso y de la tutela jurisdiccional de los derechos de carácter
(art. 24.1 CE) comprende la realización de todos sus corolarios de efec- comunitario. Sólo sucesivamente, el Tribunal de Justicia empezó a
tividad (el derecho a obtener una resolución de fondo, el derecho a la ocuparse de la tutela de los derechos fundamentales (con las notorias
ejecución de las resoluciones firmes y la cláusula general de interdic- sentencias Stauder de 1969 y Internationale Handelsgesellshaft de 1970),
ción de la indefensión) y está estrechamente relacionado con las ga- y, en particular, afirmó, con la sentencia Johnston de 198632, el derecho
rantías genéricas de todo proceso previstas en el art. 24.2 CE. El conte- a la tutela jurisdiccional efectiva como principio jurídico general del
nido de este artículo de la Constitución española – enriquecido por la derecho comunitario en cuanto previsto sea en las tradiciones cons-
jurispudencia constitucional – es más frecuentemente invocado por- titucionales comunes a los Estados miembros que en los arts. 6 y 13
que permite recurrir en amparo contra cualquier resolución judicial y del CEDH. Por lo tanto, en virtud de tal sentencia y en consecuencia
denunciar los ˝malos hábitos˝ de la Jusiticia española. del anterior principio de la primacía de las normas comunitarias sobre
aquéllas nacionales (afirmadose también por vía jurisprudencial en la
sentencia Costa/Enel de 1964)33, el Tribunal de Justicia podía ahora
incidir – mediante el mecanismo de la cuestión prejudicial – «con le
proprie elaborazioni sulle discipline processuali dei singoli ordinamen-
ti nazionali» y «disegnare essa stessa il tipo di tutela che va accordato
dai giudici di qualsiasi Stato membro»34.
31. En particular, «el concepto de tiempo razonable es, por prncipio, abierto e En particular, la exigencia de garantizar el respeto del principio
indeterminato, debiendo ser llenado de sentido en cada caso. Por ello hay que entender
que la duración del proceso se encuentra en función de una serie de criterios objetivos
– utilizados también por el Tribunal Europeo de Derechos Humanos –, como son la 32. Sentencia de 15 de mayo de 1986, asunto 222/84, Johnston.
complejidad del litigio, el comportamiento de las partes o de las autoridades competentes 33. Sentencia de 15 de julio de 1964, C-6/64, Avv. Flaminio Costa c. ENEL.
implicadas, la forma en que ha sido llevado por el órgano judicial, el estándar medio 34. En tal sentido véase N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti fondamentali
admisible en ese tipo de procesos, las consecuencias de la demora que se siguer para los dell’Unione Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di tutela
litigantes, etc. (por todas, STC 324/1994, FJ 3)». Véase F. B. Callejón (a cura de), Manual giurisdizionale dei diritti, en G. Vettorini (a cura de), Carta europea e diritti dei privati,
de Derecho Constitucional, cit., p. 263. Padova, 2002, p. 400.
constitucionales y las obligaciones internacionales comunes a los Estados miembros, enunciato nell’art. 47, quasi a voler sottolineare che si tratta di un processo coinvolgente
del Convenio Europeo para la Protección de los derechos humanos y de las libertades valori diversi e più importanti; l’art. 50 precisa il divieto del ne bis in idem soltanto nella
fundamentales, las cartas sociales adoptadas por la Unión y por el Consejo de Europa, materia penale)».
así como de la jurisprudencia del Tribunal de Justicia de la Unión Europea y del Tribunal 44. En particular, N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione
Europeo de Derechos Humanos. En este contexto, los órganos jurisdiccionales de la Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di tutela giurisdizionale dei
Unión y de los Estado miembros interpretarán la Carta atendiendo debidamente a las diritti, cit., p. 412, afirma que falta «ogni riferimento alla distinzione tra diritti soggettivi
explicaciones elaboradas bajo la autoridad del Praesidium de la Convención que redactó ed interessi legittimi, a cui nel nostro ordinamento corrispondono diverse forme di
la Carta y actualizadas bajo la responsabilidad del Praesidium de la Convención Europea». tutela e diverse articolazioni processuali. Questa dualità delle situazioni giuridiche
42. Se señala que hoy la versión consolidada del Tratado de la Unión Europea enfatiza è sconosciuta agli ordinamenti degli altri Stati membri. (…) Quello che interessa alla
ulteriormente el titolo VII de la Carta en su art. 6 par. 1 apartado 3, el cual prevé que: «Los Corte – ed ora all’art. 47 della Carta – non è la qualificazione che ai diritti dei singoli,
derechos, libertades y principios enunciados en la Carta se interpretarán con arreglo a las riconosciuti dall’ordinamento comunitario, riservono i criteri del diritto nazionale; quello
disposiciones generales del títuto VII de la Carta por las que se rige su interpretación y che interessa all’una e all’altro è che sia garantita per tutte quelle posizioni giuridiche una
aplicación y teniendo debidamente en cuenta las explicaciones a que se hace referenzia tutela giurisdizionale adeguata ed effettiva».
en la Carta, que indicanl las fuentes de dichas disposiciones». Sobre las «cláusulas 45. Sobre el art. 47 de la Carta de Niza véase F. Pocar, Dignità-Giustizia, en L. S. Rossi
horizontales» de la Carta de Niza véase V. Sciarabba, Rapporti tra Corti e rapporti tra
(a cura de), Carta dei diritti fondamentali e Costituzione dell’Unione europea, cit., pp. 83-
Carte: le «clausole orizzontali» della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione europea, en
93; A. Pertici, La “giustiziabilità” dei diritti fondamentali tra Convenzione europea per la
N. Zanon (a cura di), Le Corti dell’integrazione europea e la Corte costituzionale italiana,
Napoli, 2006, pp. 389-458; A. Ferraro, Le disposizioni finali della Carta di Nizza e la salvaguardia dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali e Carta dei diritti fondamentali
multiforme tutela dei diritti dell’uomo nello spazio giuridico europeo, en Riv. Ital. Dir. Pubbl. dell’Unione Europea, en P. Costanzo (a cura de), La Carta europea dei diritti, cit., pp. 146-
Comunitario, núm. 2, 2005, pp. 503-581; G. Gerbasi, I rapporti tra l’Unione europea e la 166; S. Gambino, Modelli europei di ordinamento giudiziario e tradizioni costituzionali
C.E.D.U. nel progetto di Trattato che istituisce una Costituzione per l’Europa, en S. Gambino comuni agli Stati membri dell’Unione Europea, en Rassegna Forense, núm. 1-2, 2005, pp.
(a cura de), Trattato che adotta una Costituzione per l’Europa, Costituzioni nazionali, Diritti 516-541; R. Romboli, La giustizia nella Carta dei diritti di Nizza. Osservazioni sull’art. 47, en
fondamentali, Milano, 2006, pp. 529-555; B. Conforti, La Carta dei diritti fondamentali Rassegna di diritto pubblico europeo, cit., pp. 9-43; M. D’Amico, Capo VI – Giustizia, en R.
dell’Unione europea e la Convenzione europea dei diritti umani, en L. S. Rossi (a cura de), Bifulco, M. Cartabia y A. Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento alla Carta
Carta dei diritti fondamentali e Costituzione dell’Unione europea, Milano, 2002, pp. 3-17. dei diritti fondamentali dell’Unione europea, cit., pp. 319-344; L. Ferrari Bravo, F. M. di
43. En detalle, M. D’Amico, Capo VI – Giustizia, en R. Bifulco, M. Cartabia y A. Majo, A. Rizzo (a cura de), Carta dei diritti fondamentali dell’Unione Europea commentata
Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento alla Carta dei diritti fondamentali con la giurisprudenza della Corte di giustizia CE e della Corte europea dei diritti dell’uomo
dell’Unione europea, cit., p. 320, señala como «un’osservazione attinente alla struttura e con i documenti rilevanti, cit., pp. 177-188; N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti
della sezione dedicata alla giustizia riguarda il peso certamente maggiore che assume la fondamentali dell’Unione Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di
materia penale, sia sotto il profilo sostanziale (art. 49 afferma in modo pieno ed analitico tutela giurisdizionale dei diritti, en G. Vettori (a cura de), Carta europea e Diritti dei privati,
il principio di legalità dei reati e delle pene e il principio di proporzionalità), sia sotto il cit., pp. 381-417; M. Panebianco (a cura de), Repertorio della Carta dei diritti fondamentali
profilo processuale (l’art. 48 riafferma la garanzia del diritto di difesa dell’imputato, già dell’Unione europea, cit., pp. 417-455.
A
nificado del derecho a la tutela jurisdiccional no se limita a los aspec- bertades fundamentales
tos del acceso de los Tribunales y del justo proceso (como inicialmente ntes de analizar el significado y el alcance de la garantía del
ocurre en las Cartas constitucionales nacionales y en el Convenio eu- derecho de acceso al juez en el Convenio europeo para la
ropeo de los derechos), sino incluye también el aspecto del derecho a proteccción de los derechos humanos y de las libertades fun-
un remedio efectivo, es decir la possibilidad de tener instrumentos que damentales (CEDH)51 de 1950, es necesario pararse sobre la
consientan la llena satisfacción del derecho accionado. En altros tér- evolución de las modalidades de acceso al relativo Tribunal. El Convenio
minos, se realiza una profundización de tal significado, haciendo refe- europeo es un tratado que incorpora, por un lado, los derechos en eso
rencia no sólo a la acción, sino al remedio. Se añade que el Tribunal de
Justicia, interviniendo también a juzgar la conformidad de las normas 50. En particular, respecto a la reconocida garantía de la razonable duración de los
procesos por parte del Tribunal de Justicia, ha sido señalado que «un nutrito gruppo
de los términos de prescripción y de decadencia respecto al principio
di pronunce delinea i termini e le condizioni di applicazione in diversi settori del
de la tutela jurisdiccional efectiva, afirmó que la medida y la amplitud diritto comunitario: dai procedimenti (amministrativo-giudiziari) della Commissione
de estas últimas tienen que ser razonables49. in materia di concorrenza e di aiuti di Stato, al giudizio davanti al Tribunale di primo
Además, el 2° apartado del art. 47 enuncia las características grado (…). Per valutare la ragionevolezza della durata di una causa o di un affare, la
giurisprudenza comunitaria usa gli stessi criteri elaborati dai giudici di Strasburgo con
que el juez tiene que poseer para calificarse tal (indipendencia, impar- riguardo all’art. 6, comma 1° della Convenzione europea del 1950: vale adire, la rilevanza
cialidad y predeterminación por ley) así como comprende también el della causa per il ricorrente, la complessità dell’affare, il comportamento del ricorrente e
quello dell’autorità competente». Cfr. Ibídem pp. 409-410.
46. Sentencia de 19 de junio de 1990, C-21389, Factortame. 51. Sobre el tema véase M. Pedrazzi, La Convenzione europea sui diritti e il suo sistema
47. Sobre el tema véase M. Fragola, Temi di diritto dell’Unione Europea, Milano, 2008. di controllo, en L. Pineschi (a cura de), La tutela internazionale dei diritti umani, 2006,
48. Sentencia de 19 de novembre de 1991, C-690 y C-9/909 Andrea Francovich y otros c. pp. 281-313; F. Cocozza, Diritto comune delle libertà in Europa. Profili costituzionali della
República italiana. Todavía antes el Tribunal de Justicia afirmó, en el asunto von Colson Convenzione europea dei Diritti dell’Uomo, Torino, 1994; P. Pustorino, L’interpretazione
de 1984, que el resarcimiento tiene que ser adecuado así como sostuvo, en el asunto della Convenzione europea dei diritti dell’uomo nella prassi della Commissione e della Corte
Marshall de 1991, que ese último tiene que constituir una «integrale riparazione del danno di Strasburgo, Napoli, 1998; R. Facchin (a cura de), L’interpretazione giudiziaria della
effettivamente subito e gli interessi devono compensare la perdita del potere di acquisto Convenzione europea dei diritti dell’uomo, Padova, 1988; M. De Salvia, Lineamenti di diritto
subita dal creditore per effetto del decorso del tempo (ragion per cui vanno collegati europeo dei diritti dell’uomo, Trieste, 1997; C. Russo – P. M. Quaini, La Convenzione europea
al tasso di inflazione esistente nel paese interessato e alla remunerazione del capitale dei diritti dell’uomo e la giurisprudenza della Corte di Strasburgo, Milano, 2006; M. De
ivi abituale)». Cfr. N. Trocker, L’articolo 47 della Carta dei diritti fondamentali dell’Unione Salvia, La Convenzione europea dei diritti dell’uomo. Procedure e contenuti, Napoli, 1999; S.
Europea e l’evoluzione dell’ordinamento comunitario in materia di tutela giurisdizionale dei Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura de), Commentario alla Convenzione europea per la
diritti, en Carta europea e diritti dei privati, cit., pp. 402-403. tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà fondamentali, Padova, 2001; A. Gardino Carli, Stati
49. En tal sentido véase Ibídem, pp. 404-409. e Corte europea di Strasburgo nel sistema di protezione dei diritti dell’uomo, Milano, 2005.
R. Bifulco, M. Cartabia y A. Celotto (a cura de), L’Europa dei diritti. Commento alla Carta dei
diritti fondamentali dell’Unione europea, Bologna, 2001
F. B. Callejón (a cura de), Manual de Derecho Constitucional, Volumen II, Madrid, 2007
F. Cocozza, Diritto comune delle libertà in Europa. Profili costituzionali della Convenzione
europea dei Diritti dell’Uomo, Torino, 1994
L. P. Comoglio, Art. 24, 1° comma, en G. Branca (a cura de), Commentario della Costituzio-
ne, Bologna, 1981
73. Según A. Pertici y R. Romboli, Art. 13, en S. Bartole, B. Conforti, G. Raimondi (a cura B. Conforti, La Carta dei diritti fondamentali dell’Unione europea e la Convenzione europea
de), Commentario alla Convenzione europea per la tutela dei diritti dell’uomo e delle libertà dei diritti umani, en L. S. Rossi (a cura de), Carta dei diritti fondamentali e Costituzione de-
fondamentali, cit., p. 407, «lo spazio di operatività dell’art. 13, quindi, rimane per i casi ll’Unione europea, Milano, 2002
in cui non sia necessario il rispetto dei criteri più restrittivi stabiliti dall’art. 6, 1° comma
(come di un’altra disposizione più specifica), essendo comunque sempre necessario R. Conti, La richiesta di “parere consultivo” alla Corte europea delle Alte Corti introdotto dal
garantire un “ricorso effettivo” a coloro che si pretendano lesi in un diritto fondamentale Protocollo n. 16 annesso alla CEDU e il rinvio pregiudiziale alla Corte di Giustizia UE. Prove
riconosciuto dalla CEDU o dai successivi protocolli». d’orchestra per una nomofilachia europea, en www.giurcost.org
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(a cura de), Carta europea e diritti dei privati, Padova, 2002
G. Vettori (a cura de), Carta europea e Diritti dei privati, Padova, 2002
O
Introdução
acesso à justiça tem sido entendido pela doutrina e jurispru-
dência tradicional como um direito e garantia constitucional
que assegura inúmeros outros através do exercício do direito
de acesso a um tribunal estatal independente e imparcial.
Nesse sentido, aduz Uadi Lammêgo Bulos que a garantia do
acesso à justiça visa “difundir a mensagem de que todo homem, inde-
pendente de raça, credo, condição econômica, posição política ou so-
cial, tem o direito de ser ouvido por um tribunal independente e impar-
cial, na defesa de seu patrimônio ou liberdade” (BULOS, 2007, p.482).
Depreende-se do exposto, que o objetivo do direito apresentan-
do é conseguir a justiça material través de uma igualdade formal. Ou
seja, ao garantir um acesso igualitário à justiça, garante-se, também,
os direitos de liberdade, de dignidade da pessoa humana e, até mes-
mo, direitos patrimoniais. Dessa forma, o meio escolhido pela dou-
trina tradicional para efetivar essa garantia é através das vias do Po-
der Judiciário.
Contudo, com o passar do tempo, dificuldades reais foram apa-
recendo, decorrentes do aumento significativo de demandas que so-
brecarregam o Judiciário. Diante desse cenário, os estudiosos têm
percebido que apenas garantir o acesso a um tribunal estatal não é
1. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES.
Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo
– TCEES. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera-
Uniderp. Advogada.
2. Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES.
Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Advogada.
O
vista por outro órgão jurisdicional, processo público como regra, direito
de ser ouvido, direito de participar ativamente da produção de provas, e
à justiça
acesso à justiça inicialmente era visto como um direito formal
a possibilidade de questionar direito difuso em nome próprio por indi-
de ajuizar ou contestar ação judicial e, conforme brevemen-
víduos (ação popular) e por pessoas jurídicas (ação civil pública).
te exposto na introdução, seu conceito vem se modificando
Não obstante os inegáveis esforços empreendidos na legislação
com o tempo a medida que passa a figurar no centro do sis-
e na política judiciária, há de se convir que o acesso à justiça ainda está
tema jurídico.
longe de ser garantido a todos, tanto em uma concepção individual,
Ao tratarem do tema, Cappelletti e Garth (1988, p. 8) destacam
quanto no âmbito da coletividade. O conceito do que é acesso à justiça
duas finalidades básicas da garantia em estudo para o sistema jurídico,
e a sua extensão são objeto de inúmeros estudos doutrinários. Novas
seriam elas a de acessibilidade a todos e a de garantir resultados jus-
abordagens têm sido buscadas a fim de alcançar, efetivamente, a con-
tos. In verbis:
cretização do acesso à justiça.
Em que pese a grande divergência do tema dentre os estudiosos,
A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente
tal garantia tem gerado mudanças positivas no ordenamento jurídico de difícil definição, mas serve para determinar duas
brasileiro e transparece como sendo um projeto em formação no qual finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema
se envolvem inúmeros direitos e conceitos legais. pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos
A adoção do meio judicial como única porta de acesso à justiça e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Esta-
tem sido questionada por parte da doutrina. Num ambiente de direitos do. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessí-
vel a todos; segundo, ele deve produzir resultados
individuais, há forte movimento de acesso à justiça em prol de resolu-
que sejam individualmente e justos.
ções alternativas de conflitos, tais como arbitragem, mediação e conci-
liação, mesmo que fora do Judiciário.
Como porta de acesso do cidadão ao Estado que lhe garantirá
Em paralelo, após a Constituição de 1988, e igualmente fora do
seu direito, Cappelletti e Garth (1988, p. 12) entendem o acesso à justi-
Judiciário, cresce em importancia na defesa de direitos coletivos lato
ça como requisito básico dos direitos humanos, indispensável ao Es-
senso, a atuação de instituições democráticas tais como o Ministério
tado de Direito:
Público e o Tribunal de Contas. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como
A avocação da função democrática de defesa de direitos coleti- o requisito fundamental - o mais básico dos direitos
vos pelo Tribunal de Contas recebe apoio constitucional e concebe um humanos - de um sistema jurídico moderno e iguali-
instrumento de acesso à justiça fora dos limites do Poder Judiciário. tário que pretende garantir, e não apenas proclamar
Resta agora às Cortes de Contas abrir suas portas ao acesso popular, a os direitos de todos.
Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
294 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 295
Em seu cerne, a garantia em estudo trata de garantir o acesso a di- Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida,
reitos e a uma ordem jurídica justa como requisito para se tornar viável o com as garantias e dentro de um prazo razoável,
por um juiz ou tribunal competente, independente
acesso aos demais direitos tais como: o direito à informação; o direito à
e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica; o direito
apuração de qualquer acusação penal contra ela,
ao acesso e a uma justiça adequadamente organizada e previamente for- ou para que se determinem seus direitos ou obri-
mada, inserida na realidade social e comprometida com seus objetivos; o gações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de
direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promo- qualquer natureza.
ver a tutela objetiva dos direitos; e o direito à retirada dos obstáculos que
se coloquem ao efetivo acesso à justiça (WATANABE, 1988, p.128 a 135). Partindo do artigo acima, o acesso à justiça seria o direito de
Inobstante haja muitos que assim o defendem, a garantia não qualquer cidadão de buscar a tutela estatal. Caso se admitisse que tal
se liga indissociavelmente ao processo judicial, ao contrário, prece- tutela só seria possível por meio do Poder Judiciário, haveria de se ad-
de o processo e o próprio Poder Judiciário. Trata-se de uma garan- mitir outras duas premissas, quais sejam: a de que a justiça deve ser
tia universal de defesa dos direitos da pessoa humana por força da buscada exclusivamente através do processo judicial e que só seria
atuação do Estado. possível haver justiça material através do processo judicial.
Cappelletti e Garth (1988) na obra “Acesso à Justiça” visitam Obviamente não há como negar que o Judiciário é um Poder
meios de acesso à justiça e definem três ondas, assim denominadas: a do Estado criado para garantir os direitos e exigir o cumprimento dos
assistência judiciária aos pobres; a representação dos direitos difusos deveres, e, por essa razão, deve garantir acesso à justiça e aos direitos.
em juízo; e uma concepção mais ampla de acesso à justiça. Entretanto, como visto, a evolução do instituto vem demons-
Alocado nesta terceira onda, está o acesso à justiça não necessa- trando que a justiça prescinde do Poder Judiciário e pode ser obtida
riamente praticado pelo Poder Judiciário. Nota-se, também, uma cres- mesmo sem sua intervenção, como ocorre, por exemplo, nos meios al-
cente conscientização das pessoas acerca dos seus direitos, inclusive ternativos de resolução de conflitos. E por outra vertente, o processo
para reinvidicar direitos sociais com impacto para uma coletividade. judicial tem sido questionado quanto a sua efetividade e eficácia em
Neste cenário, vislumbra-se a necessidade de estudar o acesso tempos atuais que uma demanda tramita anos a fio na justiça, não raro
à justiça pelo Tribunal de Contas como uma possibilidade de acesso à perdendo ou tornando o objeto pleiteado inviável.
justiça material e aos direitos sociais, avançando em direção a demo- Não por acaso, entende-se que a garantia estudada vai além do
cratização do acesso à justiça. Poder Judiciário e se imiscui também em outras instituições demo-
cráticas às quais cumpre garantir a efetivação prática dos direitos abs-
2. Poder judiciário e meios extrajudi- tratamente concebidos em determinações legais, tal como ocorre no
O
exercício da jurisdição do Tribunal de Contas e nas atribuições extra-
ciais de acesso à justiça processuais do Ministério Público.
artigo 8º da 1ª Convenção Interamericana sobre Direitos Hu-
A leitura superficial do acesso à justiça como acesso ao Poder
manos de São José da Costa Rica , da qual o Brasil é signatário,
Judiciário rompe com a Carta de 1988. Isso porque a tutela estatal
realça em seu texto o direito de qualquer pessoa de ser ouvida
na garantia de efetivação de direitos não advem necessariamente
por juiz ou tribunal competente e imparcial (não necessaria-
do Poder Judiciário, uma vez que a Carta Magna dota tais insti-
mente pertencente ao Poder Judiciário), a fim de que se determinem
tuições de faculdades e instrumentos que permitem determinar o
seus direitos ou obrigações de qualquer natureza:
cumprimento da lei.
Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
296 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 297
Numa visão interna a qualquer procedimento titularizado pelo Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar,
Estado, não há como negar que outros órgãos e instituições ao exerce- por si ou pelos seus representantes, da necessidade
da contribuição pública, de consenti-la livremente,
rem atividades judicantes, inclusive as Cortes de Contas, devem garan-
de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição,
tir o acesso à justiça e ao conjunto de direitos e garantias que essa má-
a coleta, a cobrança e a duração.
xima implica. Por exemplo, não se pode negar àquele que está sendo
processado em sede administrativa da Corte de Contas os direitos de- Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a
rivados do acesso à justiça, tais como o contraditório e a ampla defesa, todo agente público pela sua administração.
sob pena de macular de injustiça e nulidade todo o processo.
Assim como, numa visão macroscópica, que é a que será exami- Naturalmente, em 1791, as Câmaras de Contas, como símbolo do
nada neste estudo, entre as mudanças trazidas na nova carta constitu- controle monárquico, foram dissolvidas pela Assembleia Constituinte
cional destaca-se o Tribunal de Contas ao qual foi concedido jurisdi- Francesa que sequestrou para si, enquanto corpo legislativo, a compe-
ção própria, independência e instrumentos prescritos na Constituição tência para regulamentar as contas da República que se formava. A fim
a fim de garantir o real cumprimento da lei pelo próprio Estado. de auxiliar o Legislativo nessa tarefa, os representantes da Assembleia
criaram um órgão de caráter técnico chamado de Bureau de Contabili-
3. O tribunal de contas: origem e atri- dade (Bureau de Comptabilité) e seus servidores exerciam a função de
Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
298 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 299
independência, apesar se seu título constar no título referente ao Po- exercer suas funções vitais no organismo consti-
der Legislativo. Não prospera mais o entendimento de auxiliariedade tucional, sem risco de converter-se em instituição
de ornato aparatoso e inútil (grifos nossos).
do órgão de contas. Isso porque, tal qual prevê a Constituição, as fun-
ções da Corte de Contas só podem ser exercidas mediante ampla inde-
pendência. Acerca dessa característica, traz-se à baila ilações do Vis- O Decreto redigido pelo Águia de Haia defendia que o novo ór-
conde do Uruguay (1865, p. 326): gão objetivava o exame, a revisão e o julgamento dos atos concernen-
tes à receita e à despesa. Na exposição de motivos do Decreto 966-A
A primeira e indispensável qualidade que devem ter Rui Barbosa expôs sobre a relevância da lei orçamentária e a sua defesa
os membros de um Tribunal de Contas é uma inteira pelo Tribunal de Contas (BRASIL, Decreto 966-A, 1890): “ [...] nenhu-
independência, principalmente daqueles cujas con- ma instituição é mais relevante, para o movimento regular do mecanis-
tas tomam [...] Convém levantar, entre o poder que mo administrativo e político de um povo, do que a lei orçamentária. ”
autoriza periodicamente a despesa e o poder que
quotidianamente a executa, um mediador indepen-
dente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando
3.2 Importância do controle externo para o
com a legislatura, e intervindo da administração, seja cumprimento dos direitos fundamentais
não só o vigia, como mão forte da primeira sobre a A colocação do Águia de Haia é pertinente ainda hoje porque é através
segunda, obstando a perpetração das infrações orça- do executivo que se transformam direitos inertes no papel em benefí-
mentárias, por um veto oportuno aos atos do execu- cios para a população. E a forma de utilização do dinheiro público deter-
tivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamen-
minará o respeito ou não de muitos direitos abstratamente previstos.
te, discrepem da linha rigorosa das leis de finanças.
A Constituição de 1988 trouxe como obrigação para o Estado
Brasileiro garantir direitos como educação, saúde, segurança e meio
Extrai-se do texto acima que o Tribunal de Contas só consegue
ambiente preservado. Em verdade, apesar de pouco observado pelos
executar sua função pública se for inteiramente independente. E sua
juristas em geral, a qualidade e a legalidade da gestão pública implicam
atuação se dá entre o parlamento e o executivo, de maneira que fiscali-
em inúmeras consequências determinantes para toda a população.3
za o executivo a cumprir a legislação.
No Brasil, proclamada a República, Rui Barbosa, Ministro da Fa-
3. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
zenda no Governo Provisório, redigiu as normas de criação da primeira transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infân-
Corte de Contas por meio do Decreto nº 966-A de 07 de novembro de cia, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
1890. Em tal documento fez as seguintes ponderações acerca da natu-
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
reza do órgão recém-criado de forma a afirmar as colocações do Vis-
dos Municípios:
conde do Uruguay:
I - zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar
O Governo Provisório reconheceu a urgência inadiá- o patrimônio público;
vel de reorganizá-lo, e a medida que vem propor-vos
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras
é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de ma-
de deficiência;
gistratura intermediária à administração e à le-
gislatura, que, colocado em posição autônoma, VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;
com atribuições de revisão e julgamento, cercado
de garantias - contra quaisquer ameaças, possa VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
300 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 301
O jurista, geralmente se volta ao poder judiciário para a resolu- Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Na-
ção de demandas, na maioria das vezes individuais, e, menos frequen- cional, será exercido com o auxílio do Tribunal de
Contas da União, ao qual compete:
temente, se volta ao legislativo como criador das normas legais. Mas
raramente se atenta à relevância do Poder Executivo e a sua aptidão
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo
para fazer cumprir a lei e os direitos fundamentais.
Presidente da República, mediante parecer prévio
Feliz ou infelizmente, direitos tais como saúde, previdência so- que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar
cial, segurança e educação se fazem não com papel e caneta, mas com de seu recebimento;
orçamento público e uma gestão que cumpra a lei e use eficientemente
os recursos disponíveis. II - julgar as contas dos administradores e demais
E não por acaso, a fazenda pública e os órgãos da administração responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos
da administração direta e indireta, incluídas as fun-
direta e indireta figuram entre os maiores litigantes do país. O próprio
dações e sociedades instituídas e mantidas pelo Po-
Estado e o respectivo gestor público não respeitam as leis.
der Público federal, e as contas daqueles que derem
Nesse contexto é destacada a atuação do Tribunal de Contas no causa a perda, extravio ou outra irregularidade de
controle externo da legalidade, da legitimidade e da eficiência dos ga- que resulte prejuízo ao erário público;
tos públicos. Assim, dispõe a Constituição Federal de 1988:
Realça-se que a Constituição de 1988 reservou ao Tribunal
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamen- de Contas o papel de controlar o mérito dos atos de gestão públi-
tária, operacional e patrimonial da União e das en-
ca, de forma que se debruce sobre a economicidade e aplicação dos
tidades da administração direta e indireta, quanto
à legalidade, legitimidade, economicidade, apli-
gastos públicos.
cação das subvenções e renúncia de receitas, será
exercida pelo Congresso Nacional, mediante con- O gestor como servidor público está sob a jurisdição
trole externo, e pelo sistema de controle interno do Tribunal de Contas, instituição equiparada ao Ju-
de cada Poder. diciário em suas competências, em seus membros e
garantias, mas, sobretudo, em sua característica de
“dar atuação à vontade concreta da lei” (CHIOVEN-
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa fí-
DA, p. 1935) no exercício de suas atividades inega-
sica ou jurídica, pública ou privada, que utilize, ar-
velmente judicantes:
recade, guarde, gerencie ou administre dinheiros,
bens e valores públicos ou pelos quais a União res-
ponda, ou que, em nome desta, assuma obrigações Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado
de natureza pecuniária. por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal,
quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o
território nacional, exercendo, no que couber, as
atribuições previstas no art. 96.
VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;
IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habita- Art. 96. Compete privativamente:
cionais e de saneamento básico;
I - aos tribunais:
X - combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integra-
ção social dos setores desfavorecidos;
Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
302 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 303
a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regi- d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;
mentos internos, com observância das normas de
processo e das garantias processuais das partes, dis- III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes esta-
pondo sobre a competência e o funcionamento dos duais e do Distrito Federal e Territórios, bem como
respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; os membros do Ministério Público, nos crimes co-
muns e de responsabilidade, ressalvada a compe-
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares tência da Justiça Eleitoral.
e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando
pelo exercício da atividade correicional respectiva; A Constituição demonstra a abrangência do controle externo
exercido pelo Tribunal de Contas, a quem cabe emitir parecer sobre as
c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os
contas do presidente e julgar todos os administradores públicos, inde-
cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição;
pendente do poder a que pertençam.
d) propor a criação de novas varas judiciárias; O trecho em epígrafe permite ratificar o já exposto por Rui Bar-
bosa e pelo Visconde do Uruguay, de maneira que a Corte de Contas é
e) prover, por concurso público de provas, ou de corpo de magistratura intermediária que fixa sua atuação ao exigir do
provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, gestor público o cumprimento das leis de forma que melhor atenda o
parágrafo único, os cargos necessários à adminis- interesse público.
tração da Justiça, exceto os de confiança assim de- Ao refletir sobre a importância da atuação dos Tribunais de Con-
finidos em lei;
tas, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008) no 24º Congresso dos Tri-
bunais de Contas do Brasil, apresentou a seguinte perspectiva sobre a
f) conceder licença, férias e outros afastamentos a
seus membros e aos juízes e servidores que lhes fo- jurisdição das Cortes de Contas:
rem imediatamente vinculados;
Passa-se que o poder, hoje, já não é mais contido efi-
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Supe- cientemente através desses mecanismos – meios
riores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Le- de defesa do cidadão frente ao Estado, com meca-
gislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: nismos judiciais tradicionais - Daí a necessidade de
conceber-se um poder controlador. Toda fórmula,
dantes existente, revela-se, quiçá, perfeitamente
a) a alteração do número de membros dos tribu-
apta a atender suas finalidades num Estado muito
nais inferiores;
distante do Estado atual.
Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
304 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 305
De igual maneira, ao exigir que o gestor público municipal dis- pelo Tribunal de Contas é proporcionado à população quando instado
ponibilize transporte escolar às crianças estudantes da rede municipal a se pronunciar, o órgão de controle exige do gestor o fiel cumprimento
de ensino, o Tribunal de Contas estará tutelando diretamente o direito da lei e a boa aplicação de recursos públicos no caso concreto.
fundamental à educação e não simplesmente fazendo cumprir o inciso O Tribunal de Contas inclusive tem interessante papel de cau-
VIII do artigo 4º, da Lei 9394 de 1996. telarmente impedir desvios ou sustar ações ilegais ou antieconômicas,
Assim como, ao determinar que o gestor para contratar obedeça às podendo inclusive afastar os responsáveis, impedindo o dano ou o ato
normas previstas na Lei de Licitações (Lei 8666/1993), a Corte de Contas contrário ao interesse público.
estará garantindo todos os princípios que esculpem a lei (artigo 3º), tais
como a igualdade, a publicidade, a imparcialidade. Ao fazê-lo garanti- Lei 8443/1992. Art. 44. No início ou no curso de
rá a todos os brasileiros que atendam aos requisitos impostos condições qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a re-
querimento do Ministério Público, determinará,
de competir livremente e possibilita a contratação com o Poder Público.
cautelarmente, o afastamento temporário do res-
É forçoso que se perceba que o Tribunal de Contas é uma insti- ponsável, se existirem indícios suficientes de que,
tuição em defesa da população que não só pode como tem os instru- prosseguindo no exercício de suas funções, possa
mentos adequados e deve atuar na defesa dos direitos fundamentais. retardar ou dificultar a realização de auditoria ou
O acesso à justiça através do Tribunal de Contas deve ser fran- inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabi-
queado à população. A fim de proporcionar maior aderência à realida- lizar o seu ressarcimento.
Luana Ramos Sampaio O ACESSO POPULAR AO TRIBUNAL DE CONTAS COMO UMA VIA DE
306 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 307
I
4. Conclusão Referências
nolvidável, portanto, a grande importância das Cortes de Contas como ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado.
18. ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Método, 2010.
instrumento de acesso à justiça e de guardião dos direitos sociais.
Contudo, é notável que essa instituição não tem sido utilizada pela ARAGÃO, Alexandre Santos de. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: GEN
população como deveria. Da maneira como foi criada como centro Forense, 2012.
da democracia e guardiã dos interesses públicos, o Tribunal de Contas
não é conhecido pela população e é pouco estudado pelos juristas. ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL. Tribunal de
Contas – Defesa do interesse público e combate à corrupção. Anais do XXIV Congresso
É importante que as Cortes de Contas sejam estudadas e de- Nacional dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil: Comemoração dos 50 anos do
senvolvidas pelos juristas e pela doutrina a fim de que possa cada dia Tribunal de Contas do Rio Grande do Norte. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
mais servir ao fim para o qual foi criada. O acesso à justiça através de-
las é uma faculdade pouco estudada e pouco explorada pelos juristas e BARROSO, Luís Roberto. Interpretação da Constituição. 7. Ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
pela população.
Não se pode perder de vista que é com orçamento público que BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6.
se realizam muitos dos mais caros direitos da sociedade e que para um ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
controle efetivo e eficiente das Cortes de Contas é importante a partici-
pação popular denunciando as tão comuns ilegalidades e malversação BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1994.
do dinheiro público.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em www2.pla-
É preciso que a população reconheça no Tribunal de Contas uma nalto. gov. br. Acesso em 20.03.2015.
porta de acesso à justiça material com capacidade de concretizar direi-
tos fundamentais em benefício de toda a sociedade, já que, conforme BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. O Novo Tri-
aludimos, a concretização dos direitos e garantias por intermédio do bunal de Contas. Órgão Protetor dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2004.
acesso à justiça pode se dar, independentemente do manejo do proces-
so judicial. A Corte de Contas é constitucionalmente dotada de poder BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
judicante, apta, portanto, a implementar os direitos conclamados pela
sociedade por meio da Carta Magna. CAMPELO, Valmir. O Tribunal de Contas no Ordenamento Brasileiro. O Novo Tri-
bunal de Contas. Órgão Protetor dos Direitos Fundamentais. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2004.
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310 — Flávia Spinassé Frigini CONCRETIZAÇÃO DA GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA POPULAR — 311
A PRIORIDADE DAS MEDIDAS ALTER-
NATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO
NA DEFENSORIA PÚBLICA SOB O EN-
FOQUE DA TEORIA DO AGIR COMU-
NICATIVO DE JÜRGEN HABERMAS E
DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
(LEI 13.105/15)
Andreza Lage Raimundo1
Guilherme Simon Lube2
A
Introdução
Constituição da República de 1988 apresenta um rol signi-
ficativo de direitos e garantias fundamentais em seu artigo
5º, com destaque para o nosso estudo, o inciso LXXIV, que
trata do dever do Estado de prestar “assistência integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” A fim de aten-
der a esse direito fundamental, a Defensoria Pública é a Instituição,
por mandamento constitucional, incumbida de prestar serviços jurí-
dicos aos necessitados.
Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 80/2014, co-
nhecida como a “PEC das Defensorias Pública” (proposta de Emenda à
Constituição nº 04/2014 do Senado Federal e 247/2012 da Câmara dos
Deputados) houve mudanças significativas para as Defensorias Públi-
cas no Brasil, na medida em que contribuiu sobremaneira para o forta-
lecimento e a autonomia dessa importante Instituição.
Neste contexto, a nova redação do artigo 134 da Constituição
Federal reproduz o artigo 1º da Lei Complementar n°80/1994, que
1. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela FGV-BI Minas Mestranda pela Univer-
sidade Federal do Espírito Santo (UFES) Professora de Direito Processual Civil na Facul-
dade Pitágoras Guarapari-ES. Advogada, andrezalage1@gmail.com
2. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).
Pós-graduado em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Pro-
fessor de Direito Processual Penal e de Prática Processual Penal na Faculdade Pitágoras
Guarapari – ES. Advogado, guilherme@ldbo.com.br
A
fundamentalmente a orientação jurídica, a promoção dos direitos hu- tiça gratuita
manos e a defesa em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direi- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 im-
tos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessita- plantou formalmente um Estado Democrático de Direito, o
dos, nos termos do artigo inciso LXXIV3da Constituição Federal. qual tem como fim precípuo a concretização de certos direitos
Porém, mesmo antes da Emenda Constitucional n° 80/2014 que ditos como fundamentais por ela consagrados.
deu nova redação ao caput do artigo 134 da CF/88, a ideia de que a Defen- Dentre os direitos fundamentais trazidos pela nossa constitui-
soria Pública seria meio apto a viabilizar aos assistidos somente o aces- ção cidadã, está inserido o extenso e aclamado artigo 5.º, que em seu
so à justiça formal configura-se ultrapassada, uma vez que constitui erro inciso LXXIV, assegura àqueles que comprovarem a insuficiência de re-
grave afirmar que sua atuação institucional limita-se à esfera judicial. cursos, a prestação da assistência jurídica integral e gratuita.
É este o ponto nevrálgico do presente estudo, que tem como ob- Faz-se necessário advertir que a expressão “assistência jurídica”,
jetivo principal analisar o papel da Defensoria Pública sob o viés extra- incontáveis vezes, é erroneamente igualada e constantemente confun-
judicial, ou seja, por uma visão que se desvincula da sua atuação mais dida com expressões como a “justiça gratuita” e a “assistência judiciária”.
comumente conhecida, a que se dá na esfera judicial. A diferenciação entre essas expressões decorre da evolução his-
Inicialmente demonstraremos a diferença entre as expressões tória da assistência judiciária no ordenamento jurídico brasileiro, con-
assistência judiciária, assistência jurídica e justiça gratuita que por forme será demonstrado mais adiante.
muitas vezes são utilizadas erroneamente como sinônimas, bem como Por hora, cumpre registrar, que a assistência jurídica integral
seus aspectos principais e a evolução histórica da assistência judiciária. e gratuita inserida no art. 5o, LXXIV da Constituição Federal de 1988,
Em seguida será traçado o importante papel da Defensoria Pú- tem natureza de direito público subjetivo e trata-se de gênero que com-
blica no acesso à justiça dos menos afortunados, agora com previsão preende a assistência judiciária e justiça gratuita (gratuidade da justiça).
expressa também no Novo Código de Processo Civil (Art. 185). Por fim A assistência jurídica não está restrita apenas ao patrocínio de
restará evidenciado que a assistência jurídica prestada pela Defensoria demandas perante o Judiciário, mas também todo o auxílio fora da es-
Pública na esfera extrajudicial, é mais que uma opção, trata-se de um fera de atuação judicial, assim como informação, consultoria, aconse-
dever legal e impõe o uso, como forma prioritária no seu atendimento, lhamento, orientação, conciliação aos seus assistidos.
de medidas alternativas de solução de conflito, o que contribui para a Quando a Defensoria Pública presta assistência judiciária, exer-
participação efetiva dos assistidos na solução de suas controvérsias e, ce a mesma atividade técnica que um advogado desempenha den-
dessa forma, o alcance à ordem jurídica justa. tro do processo judicial. Essa atuação busca, por sua vez, tornar efe-
Com o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) o desafio au- tivo os princípios constitucionais do contraditório, da isonomia e
mentará ainda mais, já que as medidas alternativas de solução de con- da ampla defesa.
flito passaram a ter papel de destaque na nova sistemática processual Já a justiça gratuita, também conhecida como gratuidade da
justiça, é um instituto do direito processual previsto na Lei 1.060/50
3. Art. 5º, LXXIV, Constituição Federal: “O Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. que abrange a dispensa provisória de todas as despesas processuais
É
[...] O benefício da justiça gratuita é direito à dis-
pensa provisória de despesas, exercível em relação
jurídica processual, perante o juiz que promete a de suma importância traçar os aspectos e a evolução histórica
prestação jurisdicional. É instituto de direito pré- da assistência judiciária de modo a evidenciar seus contornos
-processual. A assistência judiciária é a organização
atuais na realidade brasileira.
estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da
dispensa provisória das despesas, a indicação de ad-
A primeira referência ao auxílio jurídico designado
vogado. É instituto de direito administrativo. (PON- aos menos afortunados foi realizada em Atenas na Grécia antiga, onde
TES DE MIRANDA, 1987, p.642) eram nomeados dez advogados para que se encarregassem da defesa
dos mais pobres. (ZANON, 1990, p.8 )
Desse modo, a assistência jurídica integral e gratuita a ser pres- Posteriormente, na idade média, com a expansão do cristianismo
tada pela Defensoria Pública consoante o artigo 5º, LXXIV da Consti- e de seus valores morais e éticos de solidariedade para com o próximo,
tuição Federal traduz em uma prestação efetivamente positiva – seja desenvolveu-se a caridade para os pobres, especialmente com a criação
ela realizada pela via judicial ou pela via extrajudicial - amplamente pela Igreja Católica, existindo a figura do advocatus pauperum deputatus
considerada e dirigida ao indivíduo necessitado. et stipendiatus, para prestar atendimento gratuitamente aos necessitados.
Sendo assim, apropriando-nos do pensamento de SOUZA (2003, Já a assistência judiciária no Brasil teve origem nas Ordenações
p.56), a assistência jurídica aqui tratada abarca todo o auxílio prestado Filipinas em 1603, época em que para que pobres tivessem acesso a
àqueles necessitados: constitui-se como a prestação de todos e quais- esse benefício sem qualquer custo precisavam em audiência declarar a
quer serviços considerados como indispensáveis à defesa das garantias sua condição de pobreza e rezar uma oração do “Pai Nosso” pela alma
asseguradas legalmente em juízo. Assim, a assistência envolve desde a do rei. D. Diniz. (MORARE,;SILVA 1984, p. 81.)
Consta no livro III, título 84,§10 das Ordenações Filipinas que:
4. Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I - das taxas ju-
diciárias e dos selos; II - dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Mi-
[...] Em sendo o agravante tão pobre que jure não
nistério Público e serventuários da justiça; III - das despesas com as publicações indis-
pensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV - das indenizações
ter bens móveis, nem de raiz, nem por onde pague
devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário in- o agravo, e dizendo na audiência uma vez o “Pater
tegral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder pú- Noster” pela alma Del Rey Don Diniz, ser-lhe-á havi-
blico federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, do, como que pagasse novecentos reis, contato que
nos Estados; V - dos honorários de advogado e peritos; VI – das despesas com a realiza- tire de tudo certidão dentro do tempo, em que havia
ção do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária pagar o agravo. (PINTO, 1997, p.72)
nas ações de investigação de paternidade ou maternidade; VII – dos depósitos previstos
em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais ine-
rentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Parágrafo único. A publicação de
Percebe-se assim que a assistência judiciária nesse período
edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dis-
pensa a publicação em outro jornal.
T
Com o advento da atual Constituição de 1988 no título II, deno-
minado “Direitos e Garantias Fundamentais da Pessoa Humana, em
fensoria pública
orna-se imprescindível uma abordagem ainda que superficial
seu capítulo I intitulado “Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”,
acerca da importância da Defensoria Pública na efetivação do
5. Importante salientar que muito embora a Constituição de 1937 não tenha previsão
acesso á justiça no cenário brasileiro.
expressa acerca da assistência judiciária, o Código de Processo Civil de 1939 (arts 68 e se- Quando tratamos da Instituição Defensoria Pública, se
guintes) incluiu a previsão desse instituto. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo pro- faz necessário mencionar o estudo elaborado por Mauro Cappelletti e
cesso civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.
D
gen habermas cançado comunicativamente (ou o que será alcançado).
entre as funções a serem desempenhadas pela Defensoria De início, os reais propósitos dos métodos alternativos de resolu-
Pública trazidas pelo artigo 4º da lei complementar nº 80/94, ção de conflitos pela Defensoria Pública visam proporcionar a diminui-
merece destaque o inciso II, que determina: “promover, prio- ção do volume de processos perante os Tribunais do País, abreviando o
ritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à tempo de duração média das demandas, permite a participação das par-
composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio da tes na solução dos seus próprios conflitos, e consequentemente cons-
mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e titui-se como instrumento efetivo na solução da controvérsia, já que,
administração de conflitos.” quando se permite às partes a tomada da decisão final, por meio do acor-
Corroborando o papel da Defensoria Pública para promoção dos do, há uma maior chance de cumprimento das obrigações assumidas.
métodos alternativos de solução de conflito, o art. 3º, §3º, do Novo Có- Por essa razão, verifica-se que o defensor público ao fazer uso
digo de Processo Civil, inserido dentro do capítulo destinado às nor- dos métodos alternativos de solução de conflito de forma prioritária,
mas fundamentais do processo civil, dispõe que: “a conciliação, a me- quando presta assistência jurídica aos assistidos, abre espaço para
diação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão aquilo que Habermas entende como o diálogo direcionado para um
ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros consenso, já que as discussões entre as partes envolvidas no confli-
do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.” to devem ser travadas com igualdade de condições, para que possam
Vê-se que o legislador trouxe como função institucional o uso acordar ao final.
dos métodos alternativos de solução de conflito de forma prioritária, Na visão de Habermas o direito é um meio de comunicação, ou a
alçando-os ao patamar de norma fundamental da nova sistemática o modo da sociedade agir sobre ela mesma e o que existe:
processual, proporcionando um diálogo entre as partes por meio de
uma abordagem conciliatória, sem que haja a necessidade de se recor- “[...] não é uma razão prática monológica, centrada
rer inicialmente às vias judiciais, para que o conflito seja resolvido. no sujeito, mas a possibilidade de se fundamentar
racionalmente, através da argumentação, uma pre-
Insere-se neste momento a teoria Habermasiana, pois a partir
tensão normativa. Para o autor, abrir mão da razão
dela, é possível visualizar um fio condutor entre a atuação do Defensor prática em sua versão monológica não implica a im-
Público e a teoria do agir comunicativo quando da utilização dos meios possibilidade de se estabelecerem condições para
alternativos de solução de conflitos. que o discurso prático (voltado para a ação e não li-
Para o alemão HABERMAS (1987, p.167): mitado à observação) se desenvolva racionalmen-
te. O racionalismo do autor é, por conta disso, pro-
“O agir comunicativo pode ser compreendido como cedimental, e tem lugar no processo comunicativo”
um processo circular ao qual o ator é as duas coisas ao (SOUZA NETO, 2002, p. 297)
mesmo tempo: ele é o iniciador, que domina as situa-
ções por meio de ações imputáveis; ao mesmo tempo, Significa dizer ainda, que com a teoria da ação comunicativa
ele também é o produto das tradições nas quais se en- de Habermas, é possível entender a justiça restaurativa, pois as pre-
contra, dos grupos solidários aos quais pertence e dos
missas restaurativas estão também assentadas na comunicação, na
processos de socialização nos quais se cria.”
D
Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v.1.
5. Conclusão
iante do exposto chegam-se às seguintes conclusões: _______, Consciência moral e agir comunicativo. Trad. de Guido A. de Almeida. Rio de Ja-
neiro: Tempo Brasileiro, 1989.
A Defensoria Pública é instituição essencial à Justiça
e constitui-se importante via de acesso à justiça para aqueles ________, Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 69
que necessitam, cabendo-lhe de maneira primordial a orien-
tação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos ________. Teoria de la Acción Comunicativa: Complementos y Estúdios Previos. Vol. I, Ra-
os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de cionalidade de la Acción y racionalización Social. Madrid. Taurus, 1987.
ROBERT, Cínthia; SÉGUIN, Élida. Direitos Humanos, acesso à justiça: um olhar da defenso-
ria pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo:
Método, 2003. p. 56.
XAVIER, Beatriz. Um novo conceito de acesso a Justiça: propostas para uma melhor efetiva-
ção de direitos. Revista Pensar, vol. 07, ano 07, 2002.
SALES, Lídia Maria de Morais. Justiça e mediação de conflitos. Belo Horizonte: Del Rey,
2004, p. 134.
R
Introdução
ecentemente vem ganhando fôlego doutrinário2 e, inclusive,
reconhecimento pelo STJ3, a tese que advoga no sentido de
que, em decorrência dos princípios constitucionais da repara-
ção integral e do acesso à justiça, aquele que deu causa a uma
R
1027797 MG 2008/0025078-1, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamen-
to: 17/02/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/02/2011)
aspectos processuais práticos
4. APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE LOCUPLETA-
essalte-se, primeiramente, que o reconhecimento do dever
MENTO ILÍCITO. REVELIA. PRECLUSÃO. HONORÁRIOS CONTRATADOS COM ADVOGA- em questão não importaria em nenhum benefício para os
DO. RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA. APRESEN- advogados, nem alteraria o modo pelo qual são remunera-
TAÇÃO DOS CHEQUES. (...). 2. O pagamento de profissional apto a ingressar com demanda
dos5, tendo em vista que busca ressarcir tão somente a parte
em juízo não pode ser inserido como dano patrimonial imputável à parte ré. (...) (TJ-RS
- AC: 70058775883 RS , Relator: Gelson Rolim Stocker, Data de Julgamento: 20/03/2014, quanto aos dispêndios que teve com a sua contratação em sede de ho-
Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/04/2014) norários contratuais. Isto se justifica na medida em que aquele dever,
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONTRATO BANCÁRIO FRAUDULEN- ao ser admitido, envolverá apenas as próprias partes litigantes, onde
TO. DANOS MATERIAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. PERÍCIA
EXTRAJUDICIAL PARTICULAR. RESSARCIMENTO. NÃO CABIMENTO. DANO MO-
5. Para fins de melhor compreensão, esclareça-se que a remuneração dos profissionais da
RAL. MAJORAÇÃO. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1. Os honorários con-
advocacia divide-se em honorários contratuais e de sucumbência. Os primeiros são pagos
tratuais de advogados decorrem do exercício do direito de ação da autora, e trata-se de
diretamente pela parte que o contrata, podendo ser cobrados de duas formas, alternativa
negócio jurídico que envolve apenas o cliente e o profissional, por ele voluntariamen-
e isoladamente, ou de forma concomitante, a depender dos interesses dos contratantes: a
te escolhido para defender em juízo o seu direito. Não há, portanto, obrigação da parte
primeira diz respeito ao montante exigido no momento da contratação, independente de
sucumbente de ressarcir as despesas contratuais de advogado da parte contrária, ain-
sucesso ao final; já a segunda é cobrada à título de êxito da demanda, estabelecida em per-
da que seja vencido na demanda. (...) 4. Recurso conhecido e improvido. (TJ-DF - APC:
centual sobre o eventual êxito a ser auferido. Quanto aos honorários sucumbenciais, estes
20120710199678 , Relator: MARIA IVATÔNIA, Data de Julgamento: 08/07/2015, 1ª Tur-
só são observados caso a parte representada no processo saia vitoriosa, onde então passa-
ma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 29/07/2015 . Pág.: 101)
rão a ser devidos pela parte contrária.
gados, tendo em vista que, na melhor das hipóteses, lhe terão sido co-
brados ao menos o benefício auferido a título de êxito. Ressalte-se, todavia, que, por tratar-se de situação excepcional
Tal entendimento se sustenta posto que os honorários sucum- e tendo em vista não influir na legitimidade das conclusões apresen-
benciais em nenhuma hipótese constituem-se a única forma de remu- tadas, nos exemplos que serão tratados no tópico seguinte não serão
neração daquela classe profissional, o que importaria na inexistência abordadas as hipóteses em que a parte, mesmo vencedora, é reconhe-
de valores a serem restituídos em sede do cumprimento daquele dever. cida como causadora do processo.
Pensar o contrário seria admitir que os advogados prestassem Ou seja, será adotado o critério da sucumbência na formula-
seus serviços tão somente com a eventual expectativa de recebimen- ção daqueles, tendo em vista quase sempre coincidir com o próprio
to dos honorários sucumbenciais, o que não se verifica na prática do princípio da causalidade, almejando com isso abarcar as situações
mercado, onde se reconhece a relação de complementaridade existen- rotineiras e melhor didática no momento de se referir ao causador do
te entre os honorários contratuais e de sucumbência.6 Ademais, um é processo, que será identificado como “parte vencida” em contrapon-
to à “parte vencedora”.7
6 Também neste sentido (NOGUEIRA, 2009, p. 58): “No tocante à representação do clien-
7. Em relação ao fato da sucumbência ser quase sempre o critério identificador da parte a
te em disputas judiciais, usualmente, essa verba (honorários contratuais) é quitada ao
quem será atribuído o pagamento das despesas processuais, vale trazer lição de Dinamarco
advogado independentemente do sucesso na demanda, mesmo porque está sedimenta-
(DINAMARCO, 2004, p. 648) “[a] doutrina está consciente que a sucumbência não é em si
do que os serviços profissionais de advocacia são obrigação de meio e não de resultado.
mesma um princípio, senão apenas um indicador do verdadeiro princípio, que é a causali-
Diante disso, os denominados honorários de sucumbência estabelecidos no art. 20 do
dade. (...) A sucumbência é um excelente indicador dessa relação causal, mas nada mais
CPC, na praxe forense, constituem apenas uma parcela do preço dos serviços contrata-
que um indicador. Conquanto razoavelmente seguro e digno de prevalecer nagrande maio-
dos (cf., ainda, 4.0 do art. 22 do EOAB); na verdade, passaram a ser um prêmio em razão
ria dos casos, há situações em que esse indício perde legitimidade e deve ser superado pelo
do êxito da postulação (…)”.
princípio verdadeiro. Isso acontece sempre que de algum modo o próprio vencedor tenha
T
valores dispensados em sede de honorários contratuais, caso opte por
ação de cobrança autônoma, será considerada como a que deu causa a
princípio do acesso à justiça
endo em vista a diferenciação feita pela doutrina quanto aos
esta segunda demanda, visto que tal questão deveria ter sido analisada
sentidos do princípio do Acesso à Justiça, visando melhor di-
no processo anterior, que ensejou justamente as despesas pleiteadas
dática, a análise das conseqüências que o dever em comento
neste segundo momento.
geraria será feita separadamente, quer se trate de sua acepção
Assim sendo, observe que tal regime consistiria em grande estí-
formal ou material.
mulo para que as partes pleiteiem o ressarcimento das despesas com
seu patrono na própria demanda principal, o que mitigaria aquela crí-
3.1 sob a perspectiva do acesso à justiça em
tica feita em sede jurisprudencial10, no sentido de que este dever ge-
sentido formal
raria um círculo vicioso sem fim, com a proposição infinita de ações
O acesso à justiça na acepção formal se refere à efetiva possibilidade de
autônomas, cada uma pleiteando o ressarcimento dos honorários dis-
ingresso junto ao Poder Judiciário por todos aqueles que, de alguma
pensados na ação anterior.
forma, julguem indispensável o provimento jurisdicional sobre a ques-
Conclui-se, então, que tal dever: (1) seria composto por todos os
tão apresentada. Isto é, em seu sentido formal tal princípio é correlato
valores dispensados em sede de honorários contratuais, incluindo aqui
ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, positivado a partir do di-
aqueles eventualmente acordados sobre o benefício auferido; (2) seria
reito fundamental de ação (art. 5º, XXXV, CF).
direcionado tanto ao réu quanto ao autor, a depender de quem tenha
Sendo assim, na medida em que tal direito é exercido em regra
dado causa ao processo, normalmente identificado como o vencido\
pela parte autora, a análise da efetivação e/ou limitação do acesso
sucumbente; (3) deveria ser precedido da comprovação destes valores
à justiça em sentido formal será realizada a partir da exposição das
por meio da juntada do contrato de honorários advocatícios e recibos\
possíveis consequências que o dever em comento geraria na condi-
notas fiscais que autentiquem o seu efetivo pagamento; (4) caso seja
ção e nas expectativas daqueles sujeitos interessados na obtenção
pleiteado em ação autônoma (de conhecimento), teria por consequên-
da tutela jurisdicional.
cia a responsabilidade pelas custas processuais e honorários da parte
adversária desta segunda demanda, mesmo que saia vencedor; (5) caso
3.1.1 Eventuais limitações
10. STJ, RESP 1.027.897/MG, 4.. T. rel. Min. Aldir Passarinho Junior; REsp. 1.088.998-O/
Quanto às possíveis limitações que advirão do dever em análise, res-
MG, rel. Min. Aldir Passarinho Junior. salte-se, num primeiro momento, aquela relativa ao inegável aumento
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Pau-
lo: Malheiros, 2004. vol. 2.
E
Introdução
m pleno século XXI, vive-se o atual contexto da sociedade de
riscos. Nesta fase de desenvolvimento da sociedade, os riscos
e efeitos da modernização, que se precipitam sob a forma de
ameaças tanto à natureza quanto ao homem, são efeitos dire-
tos de um desenvolvimento tecnocientífico precário e deficiente no que
tange as suas consequências.
Com isso, o meio ambiente encontra-se à mercê de riscos e
ameaças que não se limitam às fronteiras estabelecidas pelos países. A
problemática na sociedade de riscos ocorre a nível global e é dotada de
uma potencialidade ameaçadora.
U
talé questão fundamental na superação desta problemática, na medida 1. Sociedade de riscos e meio ambiente
em que se configura como meio de empoderamento e autonomia dos lrich Beck3, pensador alemão, apresentou em sua obra “A
grupos sociais e de sua inserção nas esferas decisórias, criando condi- Sociedade de Risco” uma proposta de reconfiguração da
ções para uma sociedade ambiental democrática e participativa. sociedade moderna. A partir da tese de ruptura no interior
Contudo, o acesso à justiça ambiental, por si só, não aparenta da própria modernidade, essa nova sociedade se destaca
ser dotado de uma força capaz de se concretizar satisfatoriamente, pre- da sociedade industrial clássica, assumindo novas características e se
cisando, portanto, de interagir com outras garantias a fim de alcançar transformando no que o autor chama de sociedade de risco.
uma maior efetividade, tais como o acesso à informação ambiental e a O advento dessa nova modernidadeacarreta em profundas mu-
participação pública no processo de tomada de decisões. danças na economia, na política e no comportamento da sociedade,
Nessa esteira, a Convenção de Aarhus sobre Acesso à Informa- na medida em que a produção da riqueza é acompanhada da produ-
ção Ambiental, Participação Pública nos Processos de Tomada de De- ção de riscos. Dentro desse cenário de socialização dos riscos, é certo
cisões e Acesso à Justiça, tida como oprojeto mais ambicioso em ma- que os mesmos ecoam, também, no âmbito da natureza, fazendo com
téria de democracia ambiental já realizado pela ONU, demonstra ser o que ameaças ambientais apresentem-se como nunca antes vistas, pois
mecanismo mais apto a buscar tutelar o meio ambiente de modo a pre- são dotadas, agora, de um caráter global, transfronteiriço e cada vez
venir as ameaças ambientais da sociedade de risco. mais catastrófico.
No entanto, embora reconhecida a importância da Convenção Com o advento da sociedade industrial, inaugurou-se uma opo-
de Aarhus, nota-se que o Brasil não faz parte do seu quadro de Esta- sição entre sociedade e natureza, com o duplo propósito de controlá-la
dos-partes. Desta feita, resta saber se a legislação ambiental brasileira é e ignorá-la. A subjugação e exploração desta fizeram com que ela fosse
satisfatória a ponto de não aderir à Convenção tida como o projeto mais absorvida pelo sistema industrial, de modo que a dependência do con-
ambicioso em matéria de democracia ambiental. Democracia ambiental sumo e do mercado passou a significar, igualmente, um novo tipo de
esta que, frisa-se, é essencial para a prevenção dos riscos ambientais da dependência da natureza (BECK, 2010, p. 9). Com o passar dos sécu-
sociedade pós-moderna e é fruto de um acesso à justiça eficaz e amplo. los e as consequentes transformações em âmbito técnico-científico, o
Para tanto, o presente trabalho irá, primeiro, traçar as bases da modelo industrial passou a não mais distribuir apenas riquezas e bens,
sociedade de risco, apresentando essa nova modernidade à qual es- mas, também, os riscos derivados do processo de produção.
tamos sujeitos. Nesse sentido, o século XX, notório pelo desenvolvimento acen-
Estabelecida essa base, explorar-se-á o princípio do acesso à jus- tuado das mais diversas tecnologias e pelo nascer da globalização, ca-
tiça e a sua evolução até chegarmos ao acesso à justiça ambiental. Fin- racteriza também o rompimento com a sociedade industrial clássica e
dada esta explanação, analisaremos os princípios advindos com a Con- o surgimento de uma sociedade complexa. Esta, por sua vez, é marcada
venção de Aarhus, quais sejam, o acesso à informação, a participação
3. A sociedade de risco é uma proposta teórica de Ulrich Beck, ex-professor de sociologia
pública nos processos decisórios e o acesso à justiça ambiental,e as nor-
na Universidade de Murique, na London School of Economics and Political Science e doutor
mas ambientais brasileiras a eles correspondentes, a fim de sabermos honoris causa por diversas universidades europeias. Foi editor do jornal SozialeWelt e da
se o aparato legislativo brasileiro, em especial no que tange ao acesso coleção EditionZweiteModerne, da editora Suhrkamp, e diretor-fundador do centro de
à justiça ambiental, é suficiente para prevenir as ameaças ambientais. pesquisa Modernização Reflexiva, na Universidade de Munique, financiado desde 1992
pela Fundação Alemã para a pesquisa científica.
D
2. Acesso à justiça ambiental a um interesse coletivo, ou o prêmio para o indivíduo buscar essa corre-
iante de um alarmante cenário global de riscos ambientais, o ção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação” (CAPPELLET-
acesso à justiça em matéria ambiental é vital para a supera- TI; GARTH, 1988, p. 10).
ção das mazelas ao meio ambiente que afligem a sociedade Destarte, os juristas apresentaram soluções práticas para os
contemporânea. Isto porque o acesso à justiça se configura obstáculos ao efetivo acesso à justiça pretendido. Tais soluções fo-
como meio de empoderamento dos grupos sociais e de sua inserção nas ram chamadas de ondas renovatórias do acesso à justiça e se dividem
esferas decisórias, de modo a democratizar a justiça e criar condições em três: (1) assistência judiciária para os pobres, (2) representação
para que tais grupos possam contribuir na conformação das decisões e, dos interesses difusos e (3) um novo enfoque do acesso à justiça, pro-
assim, influenciar a própria produção e interpretação normativa (CA- priamente dito.
VEDON; VIEIRA, 2006, p. 03). A primeira onda renovatória, iniciada em 1965, baseava-se na
Contudo, antes de adentrarmos no âmbito específico do acesso prestação de assistência judiciária aos pobres, sendo que a prestação
à justiça ambiental, mister se faz tecer algumas considerações sobre o jurisdicional demanda o pagamento de advogados, custas judiciais etc.
acesso à justiça propriamente dito e a sua evolução ao longo das últi- Deste modo, pessoas sem recursos não poderiam ter acesso à justiça
mas décadas, especialmente no que concerne aos direitos difusos. sem a gratuidade de tal serviço.
Na década de 70, passou-se a perceber uma nova realidade No entanto, um dos problemas desse sistema é a utilização para
de massificação das demandas sociais, a partir da ruptura da dimen- problemas particulares, ao invés de reivindicar direitos coletivos, o
são individualista do processo judicial, surgindo uma concepção so- que, por óbvio, não satisfaz a nova realidade de massificação das de-
cial ou coletiva. mandas sociais. Para os autores, este sistema, portanto, não está apa-
Na clássica obra “Acesso à Justiça”, de Mauro Cappelletti e Brya- relhado para transcender os remédios individuais (CAPPELLETTI;
nt Garth, já em sua introdução afirmava-se que a expressão “acesso à GARTH, 1988, p. 15).
A
e Mazzuoli, o tripé de Aarhus, “que constitui parte integrante de um Di-
justiça em matéria ambiental reito Internacional do Meio Ambiente contemporâneo, além de trans-
IV Conferência Ministerial “Meio Ambiente para a Europa”, por que os limites de consensos regionais sobre como o meio ambiente
em 1998, promovida pela Comissão Econômica das Nações deve ser protegido pelos Estados” (MAZZUOLI; AYALA, 2012, p. 311).
Unidas para a Europa, na cidade de Aarhus, na Dinamarca, O pilar de acesso à informação desempenha um papel essencial
proporcionou a adoção de uma convenção com o objetivo de na conscientização e educação ambiental da sociedade, constituindo
contribuir para a proteção do direito de todos os indivíduos, das gerações um instrumento indispensável para que se possa interferir com conhe-
presentes e futuras, a viver num ambiente propício à sua saúde e bem-estar. cimento de causa nos assuntos públicos. Divide-se em duas partes: o
Esta convenção, conhecida como Convenção de Aarhus sobre Acesso à direito de buscar e obter informações que estejam em poder das auto-
Informação, Participação Pública nos Processos Decisórios e Acesso à ridades públicas, e o direito de receber informações ambientalmente
Justiça em Temas Ambientais conta atualmente com 44 Estados-partes relevantes por parte das autoridades públicas.
europeus e com a permissão, em seu art. 19, para que outros Estados a O princípio em comento é de fundamental importância para o
adotem, caso sejam autorizados pela Meeting of the Parties (Reunião das novo paradigma de proteção ambiental em escala global, que nasce da
Partes). Quanto a essa adesão, esclarece-se: consciência do caráter transfronteiriço dos riscos e dos efetivos danos
ambientais. Ainda, cumpre ressalvar que a informação ambiental, ape-
Ao permitir a Convenção o ingresso de “qualquer ou-
sar de imprescindível para a formulação de politicas públicas nas mais
tro Estado (...) que seja membro das Nações Unidas
(...) após a aprovação em Reunião das Partes” (art. 19 diferentes áreas, sendo, portanto, necessárias aos governos, deve ser
§3º), está ela contribuindo para catalisar os esforços também prerrogativa do cidadão, dado o caráter difuso do direito ao
da sociedade internacional rumo àquilo que se pode meio ambiente ecologicamente equilibrado.
chamar de “controle externo” das atividades estatais Nesse prisma, o artigo 2º, item 3 da Convenção estabelece o con-
no que tange à proteção efetiva do meio ambiente
ceito de informação ambiental, a saber “A expressão ‘informações sobre
em escala global (MAZZUOLI; AYALA, 2012, p. 312).
o meio ambiente’ designa toda informação disponível sob forma escrita,
visual, oral ou eletrônica ou sob qualquer outra forma material [...]”. Já
Dentre desse contexto, a Convenção de Aarhus se configura
os artigos 4º e 5º trazem importantes normas a respeito da criação de
como o projeto mais ambicioso em matéria de democracia ambiental
um sistema que possibilite ao público solicitar informações de cunho
já realizado pela ONU, de modo que os seus princípios são fundamen-
ambiental às autoridades públicas, e em que o governo colete informa-
tais para a proteção do meio ambiente no quadro contemporâneo.
ções e dados ambientais e os divulgue a toda a sociedade, sem que haja
A inovação da Convenção em comento reside no estabeleci-
necessidade de pedido.
mento de uma estreita relação entre direitos humanos e direto am-
Desta forma, observa-se que o escopo da tutela ao acesso à in-
biental, reconhecendo que, no âmbito de uma sociedade de riscos
formação no âmbito da Convenção é assegurar aos cidadãos discerni-
global e da própria natureza ubíqua dos danos ambientais, a proteção
mento acerca dos acontecimentos que ocorrem no meio ambiente em
internacional do meio ambiente e, por conseguinte, um meio ambien-
que habitam. Ademais, visa possibilitar que o povo seja capaz de par-
te ecologicamente equilibrado, somente será alcançada com o efetivo
ticipar ativa e conscientemente das políticas e outros mecanismos da
envolvimento de todos os cidadãos, na medida em que prevê uma ges-
gestão ambiental. Nesse sentido, o direito à informação na esfera inter-
tão democrática.
nacional guarda estreita relação com o direito subjetivo do cidadão de
A
Ainda, embora no §3º do art. 9º admita-se o acesso à justiça re- e o acesso à justiça ambiental
lativamente a toda e qualquer violação das normas do direito nacional Constituição Federal de 1988 constitui um grande marco para
do meio ambiente decorrentes de atos e omissões, públicos e privados, o acesso à justiça, assim como para a tutela dos interesses
vale trazer à tona a crítica tecida por Álvaro Valery Mirra de que se trata difusos no ordenamento jurídico brasileiro. Cingindo-nos
de uma norma extremamente vaga. Para tal, afirma: ao acesso à justiça, temos que tal princípio vem consagrado
no inciso XXXV do art. 5º da CF/88, ao dizer que “a lei não excluirá da
Chega-se a essa conclusão ao verificar-se que o aces-
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
so à justiça, no ponto, é conferido, abstratamente,
A mudança do paradigma de um Estado individual para um
aos membros do público que preencham os critérios
previstos no direito interno dos países aderentes, Estado social formou um novo paradigma de atuação estatal. Com
sem qualquer indicação, no texto da própria Con- isso, a ciência processual viu-se na necessidade de rever seus con-
venção, sobre quais seriam os parâmetros para a de- ceitos, o que acarretou na revisão depontos cruciais para o acesso à
finição de aludidos critérios (MIRRA, 2010, p. 177). justiça: a entrada e a saída do Poder Judiciário, que, normalmente,
são pontos de estrangulamento e emperramento do sistema. No to-
cante à entrada, era preciso facilitar os caminhos de acesso à justiça
8. A expressão público concernido é definida pelo art. 2º, n. 5, da Convenção, sendo o através da criação de mais instrumentos de acesso e da simplificação
público afetado ou susceptível de ser afetado pelo processo de tomada de decisões no
dos existentes – como veremos adiante na Lei de Ação Popular. No
domínio do ambiente ou interessado em tais decisões; para efeitos da presente definição,
presumem-se interessadas as Organizações Não Governamentais que promovam a que diz respeito à saída do Judiciário, a revisitação conceitual recaiu
proteção do ambiente e que satisfaçam os requisitos previstos no direito nacional.
esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos ter- LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser
mos da lei civil; impetrado por:
inclua, entre suas finalidades institucionais, a prote- a) partido político com representação no Con-
ção ao patrimônio público e social, ao meio ambien- gresso Nacional;
te, ao consumidor, à ordem econômica, à livre con-
corrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou b) organização sindical, entidade de classe ou asso-
religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histó- ciação legalmente constituída e em funcionamento
rico, turístico e paisagístico. há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de
seus membros ou associados;
Isto não faz, no entanto, que tal técnica processual reste menos
efetiva que a ação popular. O que podemos observar é, ao contrário, ser LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre
que a falta de norma regulamentadora torne inviável
a ACP a ação que mais vantagens oferece à tutela jurisdicional do meio
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais
ambiente, fato este devido à ausência de limitações quanto ao tipo de e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à so-
lide coletiva a ser tutelada, bem como quanto ao legitimado passivo e, berania e à cidadania;
é claro, também pelas técnicas processuais contidas na Lei 7.347/85,
tais como a ação sumária satisfativa (art. 4º), a liminar antecipatória LXXII - conceder-se-á habeas data:
com requisitos mais brandos para a concessão da tutela (art. 12), o in-
quérito civil, entre outras9. a) para assegurar o conhecimento de informações
Os outros meios processuais de acesso à justiça em matérias relativas à pessoa do impetrante, constantes de re-
gistros ou bancos de dados de entidades governa-
ambientais, embora menos utilizados, são todos disciplinados no ar-
mentais ou de caráter público;
tigo 5º da Constituição Federal, quais sejam: o mandado de segurança
coletivo, disciplinado no inciso LXIX; o mandado de injunção, discipli- b) para a retificação de dados, quando não se
nado inciso LXX, e o habeas data, disciplinado no inciso LXXI, in verbis, prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
respectivamente: administrativo;
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para Isto posto, verifica-se que o acesso à justiça ambiental no orde-
proteger direito líquido e certo, não amparado namento jurídico brasileiro é dotado de fortes técnicas processuais, de
modo que não há necessidade de que o Brasil adira à Convenção de
9. Acerca da tutela ambiental coletiva, Cfr. DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes.
Curso de Direito Processual Civil: processo coletivo. 9 ed. Bahia: Jus Podivm, 2014 Aarhus como uma forma de suprir uma eventual ausência ou insufi-
e o nosso ZANETI JR., Hermes; BORGES, Orlindo Francisco; PROVEDEL CARDOSO, ciência em sua legislação de proteção ao meio ambiente. Ressalta-se,
Juliana. Ações coletivas transnacionais para tutela de danos ambientais: caso não só as normas relativas ao acesso à justiça ambiental são suficientes
Chevron (STJ, HSE nº 8.542), 2015 (no prelo).
N
Considerações finais justiça contra qualquer violação ambiental. Do contrário, isto acabaria
o presente estudo, apresentou-se o cenário global de ameaças por criar uma verticalização nos princípios da Convenção, restringindo o
ambientais advindas da sociedade pós-moderna. Essa nova acesso à justiça àquelas duas hipóteses, enquanto este deve, na verdade,
estrutura da sociedade exige uma reinvenção da atuação do ser nutrido pelos outros dois princípios a fim de a sociedade se insurgir
Estado, de modo a adotar um caráter positivo. contra toda e qualquer violação ambiental. Só dessa maneira será possí-
Nessa esteira, destacam-se as soluções práticas encontradas pelos vel se pensar em uma plena democracia ambiental e participativa para
juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em especial a segunda onda re- a sociedade, de modo a prevenir as ameaças ambientais pós-modernas.
novatória, que diz respeito aos direitos difusos e coletivos. A partir de en- Nessa esteira, ao analisarmos a legislação ambiental brasileira,
tão, o processo civil tem se distanciado da sua característica tradicional nos deparamos com mecanismos processuais que garantem não só a
eminentemente individualista, abrindo espaço para a proteção desses interposição contra toda e qualquer violação ambiental, como também
novos direitos, dentre os quais se encontra o direito ao meio ambiente. garantem a insurreição contra atos do poder público que venham a ne-
No âmbito nacional, ressalta-se o advento da Constituição Fe- gar eventuais buscas de informações ambientais, como são os casos da
deral de 1988 que promoveu a substituição do Estado liberal pelo Esta- ação popular, da ação civil pública, do mandado de segurança coletivo,
do social, de maneira que o Estado passou a ter uma postura mais in- do mandado de injunção e do habeas data.
tervencionista e prestadora de direitos sociais aos cidadãos. Ainda, a legislação pátria se mostra mais completa no que con-
Todas essas alterações visando uma maior tutela dos direitos cerne ao acesso à informação, princípio que não era o alvo da nossa
coletivos influenciaram, por óbvio, no dever de prestar a tutela jurisdi- análise, mas que não pode ser dissociado do acesso à justiça ambien-
cional. É neste contexto que se destaca o movimento de acesso à justi- tal, pois como afirma Elisa Dell’Olmo “a informação é o início da preser-
ça na esfera ambiental, que visa garantir a realização do direito difuso vação” (DELL’OLMO, 2007, p. 25). Como exposto, a garantia do acesso
a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Sobre o tema, aduz à informação ambiental no ordenamento jurídico pátrio encontra-se
Paulo Afonso Leme Machado que “se não houvesse direito ao processo presente desde 1981 com a Lei 6.938, ocasião em que também se criou
judicial ambiental, o art. 255 da CF ficaria morto, ou restaria como uma o Sistema Nacional sobre Meio Ambiente (SISNAMA) cuja atuação
ideia digna, mas sem concretude” (LEME MACHADO, 2014, p. 157). deve se dar mediante observação ao acesso a informações ambientais
A temática do acesso à justiça ambiental adquire ainda maior a toda e qualquer pessoa que as requerer.
importância com a Convenção de Aarhus. Contudo, como exposto no Com o passar dos anos, verifica-se que tal garantia fortaleceu-
artigo, tal garantia fundamental é tida como um direito instrumental se ainda mais, com o advento da CF/88, que elencou o direito à infor-
para a efetivação dos outros dois que compõem o tripé de Aarhus – mação no rol dos direitos fundamentais; com a Lei 10.650/03 e com a
acesso à informação e participação pública nos processos decisórios. Lei 12.527/11.
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te no
V
Introdução
ivemos um período de fortes tormentas. Sejam elas sociais,
econômicas ou políticas, essas tormentas, todos os dias,
produzem novas notícias sobre aquilo que consideramos o
flagelo da humanidade no Século XXI, a desintegração – pela
S
der como a Defensoria Pública pode ser vista – no momento atual necessitados
de crise paradigmática do modelo moderno de Estado em relação egundo o art. 134, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) a de-
aos Direitos Humanos – como um dos principais instrumentos para fensoria pública deve ser vista como importante instrumento de
a efetivação dos Direitos Humanos aos necessitados, nos termos realização da justiça, incumbindo-lhe, dentre outros aspectos,
da Constituição Federal de 1988, através da efetivação do direito ao “(...) a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a
acesso à justiça. defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais
Para tanto, no primeiro capítulo buscaremos analisar neste e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados”.
trabalho como as Constituições brasileiras trabalhavam a questão do Mas como essa instituição tão importante para o Estado Demo-
acesso à justiça, verificando, a partir daí, como surge o instrumento de crático de Direito se construiu no decorrer da construção do ordena-
efetivação desse direito através da defensoria pública enquanto locus mento jurídico brasileiro, sobretudo dos textos constitucionais passa-
de inserção dos necessitados à tutela jurisdicional. dos, até se consubstanciar no supracitado dispositivo constitucional?
De outro lado, no segundo tópico do presente trabalho, bus- Será através de uma tentativa de visualizar esse pormenor que,
caremos evidenciar, através da filosofia de Slavoj Zizek, como é pos- no presente tópico, se analisará o modo como a defensoria pública –
sível evidenciarmos o fato de estarmos vivendo no fim dos tempos, ou qualquer outro órgão que lhe valesse – se construiu (constitucio-
de modo que se faz necessário a promoção de uma análise múlti- nalmente)5 – ao longo dos anos, percebendo, em consequência, como
plo-dialética dos direitos humanos, capaz de constatar a necessida- a assistência judiciária, aos mais necessitados (nos termos do art. 134,
de de sua efetivação em nossos dias a partir de uma visão pautada da CF/88), ocorreu.
pela diversidade. A partir de então, Pimenta (2004, p. 92) diz ser possível visua-
Por fim, na parte final, analisaremos como a defensoria públi- lizar o surgimento da assistência judiciária gratuita no Brasil a partir
ca pode ser compreendida em sua institucionalização e atuação como das Ordenações Filipinas – que substituíram as Ordenações Manuelinas
verdadeiro instrumento de proteção e concretização dos direitos hu-
manos daquelas pessoas que o mundo atual – mercadológico e indivi- 4. A título de esclarecimento método-terminológico, é importante diferenciar a expressão
assistência judiciária gratuita (conforme utilizada aqui) e justiça gratuita, já que são concei-
dualista – tratou de excluir da efetivação de seus direitos.
tos não sinonímicos. Portanto, para fins da análise proposta neste trabalho, deve ser en-
tendido como assistência judiciária gratuita, entende-se deve se entender a organização
estatal, da administração pública direta, indireta ou paraestatal, que tem objetivo, ao lado
da dispensa provisória das despesas – a justiça gratuita –, a indicação de profissional apto
a realizar orientações jurídico-legais àquelas pessoas, reconhecidas pela CF/88, como de-
3. Como ponto de referência para a construção do presente texto será usada linguagem samparadas, necessitadas, hipossuficientes.
pessoal, na primeira pessoa do plural, haja vista o objetivo do presente trabalho ser com- 5. Ressalta-se que, em decorrência do espaço destinado à realização deste trabalho, uma
preender a necessidade de “nós”, latino-americanos, observarmos nossas peculiaridades análise mais acurada dessa construção constitucional se tornou impossível, de modo que o
enquanto diversidade epistemológica, algo refletido na Filosofia do Direito Latino-ameri- proposto, portanto, no presente tópico, deve ser visto como o início de uma futura discussão,
cana, em diálogo com o paradigma euro-norte americano de cariz colonizador. Desta feita, reservada a local e momento propício. Ademais, em relação à análise do modo como a defen-
em que pese o melhor estilo de construção narrativo-metodológica, ser o impessoal, por soria pública pode ser vista como instrumento de concretização e proteção dos direitos hu-
tais motivos, optou-se pelo presente estilo de narrativa. manos (art. 134, da CF/88), remete-se o leitor para o próximo tópico deste trabalho.
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
382 — Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — 383
em 1603, vigorando (para assuntos, sobretudo, de direito civil) até 1917, A referida norma criou órgão de assistência judiciária para os
ano da entrada em vigor do Código Civil de 1916. pobres do Distrito Federal (que ainda era o Rio de Janeiro), benefi-
A citada autora, conclui, neste sentido, que as referidas Or- ciando, assim
denações Filipinas, em seu Livro III, Título 84, §10 (Lei de 1823),
destacavam que Toda pessoa que, tendo direitos a fazer em juízo, es-
tiver impossibilitada de pagar ou adiantar às custas e
Em sendo agravante tão pobre que jure não ter bens despesas do processo sem privar-se de recursos pe-
móveis, nem de raiz, nem por onde pague o agravo, cuniários indispensáveis para as necessidades ordi-
e dizendo na audiência uma vez Paster Noster pela nárias da própria manutenção ou da família.
alma Del Rey Don Dinis, ser-lhe-á havido como que
pagasse os novecentos réis, contanto que tire de Apesar de todas essas discussões sobre a necessidade de organi-
tudo certidão dentro do tempo, em que devia pagar zação de uma estrutura para a realização da assistência jurídica aos ne-
o agravo (PIMENTA, 2004. p. 92-93)6. cessitados, a Constituição da República, de 1891, assim como a Cons-
tituição do Império de 1824, não dispôs sobre a garantia da assistência
Em relação aos textos constitucionais – ponto fundamental de judiciária gratuita aos necessitados – tema, portanto, relegado às nor-
discussão nesse tópico – é possível perceber que a Constituição Impe- mas infraconstitucionais.
rial de 1824 (o primeiro texto constitucional do Brasil enquanto país Em 1930 – através do Decreto 19.408 – foi criada a Ordem dos
independente de Portugal) foi omissa em relação à assistência jurídica Advogados do Brasil (OAB) que substituiu o antigo Instituto dos Ad-
aos necessitados – através de defensoria pública ou de qualquer outro vogados do Brasil, cuja regulamentação se deu, no mesmo ano, atra-
órgão que lhe fizesse, àquela época, a vez. vés do Decreto 20.784.
É a partir das discussões que cercam a época da proclamação O citado Decreto 20.784/1930 determinava que aos advogados
da República em 1889, que surge a questão da necessidade de um ór- coubesse o encargo da assistência judiciária aos necessitados, pois,
gão que realizasse os atos indispensáveis à assistência judiciária aos além de questão moral – inerente a profissão – o Decreto determinou,
necessitados. O governo provisório, diante disso, em 1890, determina a título de dever jurídico8, que os advogados patrocinariam os pobres
– através do Decreto 1.030 – a formação de uma comissão de patrocí- (necessitados) sendo que, sua recusa, poderia implicar em sanções dis-
nio gratuito dos pobres7. ciplinares impostas pela OAB.
Contudo, é necessário destacar que o referido Decreto – não Foi com a Constituição Brasileira de 1934, de matriz, teórico-
concretizado na prática – logo foi substituído pela Presidência da Re- metodológica, social, que, finalmente, se trouxe a discussão da assis-
pública à época, que em seu lugar elaborou, em 1897, um novo dispo- tência judiciária aos necessitados – através de órgãos especiais (bem
sitivo para regulamentar a situação de assistência jurídica aos necessi- como de isenções de taxas e/ou emolumentos judiciais) – ao status de
tados (Decreto 2.457). garantia constitucional, expressa no Capítulo da Constituição, referen-
6. Contudo, segundo o corte epistemológico proposto neste trabalho e destacado em nota te às Garantias e Direitos Individuais9.
acima, essa possibilidade não pode ser vista como hipótese de realização de assistência judi-
ciária aos mais necessitados, mas, tão somente, como mecanismo de isenção ao pagamen- 8. O Regulamento da OAB (a época, o Decreto 20784/1930) estabelecia em seu artigo 91,
to de taxas judiciais, se encaixando, portanto, no que se destacou a título de justiça gratuita. que: “A assistência judiciária, no Distrito Federal, nos Estados e nos Territórios fica sob a
7. Sobre esse fato, o art. 175, do Decreto 1030/1890, determina que “O Ministério da Justiça jurisdição exclusiva da Ordem dos Advogados do Brasil”.
é autorizado a organizar uma comissão de patrocínio dos pobres no crime e no cível, ouvin- 9. Neste sentido, o artigo 113, §32, da Constituição Brasileira de 1934, determina que “A
do o Instituto da Ordem dos Advogados, e dando os regimentos necessários”. União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
384 — Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — 385
Portanto, somente com a Constituição da República de 1934, âmbito da União e do Distrito Federal (§1º, do art. 134, com redação
foi possível verificar uma preocupação do legislador constituinte em dada pela Emenda Constitucional nº45/2004 [EC45/04]) e dos Es-
garantir a institucionalização do acesso à justiça, através da assistên- tados (§2º, art. 134, com redação dada pela EC 45/0411)12.
cia judiciária aos necessitados por meio da criação de órgãos especiais Finalmente, a regra sobre a assistência judiciária aos necessita-
para esse fim, como forma de obtenção de justiça e isonomia. dos aprimorou-se através do inciso LXXIV, do art. 5°, da CF/88. Se con-
Contudo, a Constituição Brasileira – do Estado Novo – de 1937 frontada as Constituições brasileiras que dispunham sobre essa assis-
(que, segundo Lenza (2005, p. 91-92), era embasada na Carta Constitu- tência anteriormente, é possível, facilmente, perceber uma distinção
cional polonesa de 1935, de cunho ditatorial) não trouxe, como sua an- terminológica entre a assistência judiciária que fora, primeiramente,
tecessora, dispositivos acerca da realização da assistência jurisdicional prevista nas Constituições de 1934, 1946, 1967 e EC n. 1/69, da atual
aos necessitados através de órgãos especializados. institucionalização constitucional – muito mais ampla – referente à ci-
Em 1946, com o fim do Estado Novo e com a efervescência de tada garantia constitucional aos necessitados.
a nova Constituição da República, surgida de inúmeros movimentos A grande novidade, portanto, que a Carta Constitucional de 1988
pela redemocratização do país, deu-se, a título de garantia fundamen- trouxe, consiste no fato de que, a visão constitucional acerca da assis-
tal10, espaço no texto constitucional para a promoção da assistência ju- tência judiciária aos necessitados, não se delimita no atributo ‘judiciá-
diciária aos necessitados. rio’, mas, ampliadamente, passa a compreender tudo que seja ‘jurídico’.
Já no tocante aos Textos Constitucionais elaborados durante Os necessitados, a partir da CF/88, fazem jus não só a dispensa
o regime militar, tanto o texto constitucional de 1967, quanto o texto de pagamentos e/ou emolumentos judiciais, mas, também, à presta-
constitucional da Emenda Constitucional nº 1, de 1969 – apesar de um ção de serviços que não se restringem à esfera do judicial, pois, tam-
regime ditatorial de governo – mantiveram a previsão de assistência bém, inclui-se nessa garantia, a instauração e movimentação de pro-
judiciária aos necessitados, que se daria nos termos da lei. cessos administrativos interpostos perante quaisquer órgãos públicos
Foi nesse período, inclusive, que se institucionalizou o órgão – e nestes, em quaisquer níveis – bem como, os atos notariais ou quais-
(carreira) de onde, posteriormente, viria surgir a Defensoria Pública quer outros atos de natureza jurídica – sejam eles de informação ou de
da União, que a época recebeu a designação de Advocacia de Ofício aconselhamento em assuntos jurídicos.
perante a Justiça Militar.
Assim, após aproximadamente 21 anos de regime ditatorial
militar, que hoje se percebe como um tempo de total falta de respei- 11. Art. 134, da CF/88, (...) §1° – Lei Complementar organizará a Defensoria Pública da
União, e do Distrito Federal, e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua orga-
to aos direitos humanos, a atual Constituição Federal em 1988, re-
nização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso
democratizou o país, instituindo no texto constitucional (art. 134), público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e
a título de órgão responsável pela realização da assistência judiciá- vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. §2° – Às Defensorias
ria aos necessitados, a Defensoria Pública, que deveria ser criada no Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de
sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos em lei de diretrizes orçamen-
tárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2°. Ressalta-se que a introdução desses pa-
efeito, órgãos especiais e assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”. rágrafos pela EC 45/04 veio fortalecer a instituição Defensoria Pública, em especial as De-
10. Em seu artigo 141, §35, a Constituição da República de 1946, determinava que: “A fensorias Públicas Estaduais.
Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilida- 12. Destaca-se, ainda, neste sentido, que a CF/88, em seu art. 24, XIII, ao dispor sobre as
de dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e á propriedade nos competências concorrentes entre os entes federados, determinou: “Compete à União, aos
termos seguintes: (...); §35 – O poder público, na forma que a Lei estabelecer, concederá Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...); XIII – Assistência jurí-
assistência judiciária aos necessitados”. dica e Defensoria pública”.
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
386 — Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — 387
Constata-se assim, que a CF/88, ao impor à União, aos Estados
2. Vivendo no fim dos tempos: a ne-
e ao Distrito Federal o dever de prestar assistência jurídica integral e
gratuita aos visa concretizar o direito humano fundamental de invocar cessidade de uma análise múltiplo-
V
o exercício da jurisdição para solução dos conflitos. dialética14 aos direitos humanos15
Neste sentido, será, essencialmente, através da Defensoria Pú- ivenciamos uma época de grandes mudanças16! O paradigma17
blica – uma instituição constitucional do Estado – que o acesso à justi- moderno de Estado constitucional-nacional, surgido após inú-
ça estará assegurado, indistintamente, a todas as pessoas. meras revoluções paradigmáticas, a fim de substituir o modelo
A Defensoria Pública – sobretudo a partir da CF/88 – portanto, feudal de sociedade, pode estar chegando ao fim, principal-
passa a ser reconhecida como um importante instrumento de prote- mente, se visualizado a partir de uma fragilização, que os desígnios de
ção e garantia do exercício dos direitos humanos – conforme se de- seu sistema econômico financeiro, lhe proporcionou nos últimos anos.
baterá no tópico abaixo –, pois representa, juntamente com outras 14. A palavra dialética aparece neste trabalho a partir de uma perspectiva múltipla, ou seja,
instituições constitucionais do Estado, o respeito (máximo) ao para- uma perspectiva que a leva para além dos chavões e conceitos que a colocam como a arte do
digma constitucional do Estado Democrático de Direito13. diálogo, ou seja, “a palavra dialética recebeu muitos significados ao longo da história. Exis-
tem interpretações que primam pela generalização, empregando-se o termo para designar
qualquer tipo de opostos. Na literatura jurídica, é comum aplica-lo apenas à teoria da argu-
mentação ou do diálogo entre duas pessoas, citando-se inclusive Aristóteles. Isto demons-
tra o não-conhecimento da importância do múltiplo dialético como metódica do pensamento
grego. Não se pode analisar a dialética apenas como a arte do diálogo ou o silogismo dialético,
o que seria empobrecer o pensamento grego, pois dialética tem diversas acepções “ (2014, p.
31). Assim, é possível percebemos que a dialética, que sempre – mesmo que através da pers-
pectiva de diferentes autores – possuiu e possui alguns pressupostos básicos, tais como: a ló-
gica do provável, afirmação e negação, polos antagônicos, cujo objetivo é o diálogo, a síntese
dos opostos, a ideia de multiplicidade, questionamentos sobre a verdade, o movimento con-
tínuo do pensamento dialético, todas essas que nos demonstrarão como a dialética pode ser
vista a partir de sua matriz: a) cosmológica, pois no cosmos tudo é passível de transformação,
bem como b) histórica, pois é capaz de analisar as várias mudanças sociais, político-econômi-
cas, culturais, entre outras, característica de outro desdobramento dialético, o que se conhece
como devir ou vir-a-ser (KROHLING, 2014, p. 31).
15. A perspectiva de direitos humanos trabalhada aqui a partir de uma teoria crítica e de
uma metódica múltipla e dialética, é aquela que percebe esses direitos numa perspectiva
lato senso, ou seja, sem a preocupação da dicotomia entre direitos humanos (internacio-
nal) e direitos fundamentais (internos), de modo que “Direitos humanos” ou “direitos do
homem”, também denominados “direitos fundamentais”, são aqueles direitos que o ho-
mem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana e pela dignidade
que a ela é inerente (HERKENHOFF, 1994, p. 19).
16. É nesse contexto global que Ziziek (2012, p. 14) aponta o fato de estarmos imersos em
um cenário de “institucionalização da inveja”. Nesse tópico iremos discutir a necessidade
de uma análise múltiplo-dialético aos Direitos Humanos, sobretudo no cenário atual de
crise paradigmática do modelo moderno de Estado nação.
13. Nesta esteira, leciona Canotilho apud Batista, (p. 975) que “Um direito de acesso ao 17. Utilizamos a expressão paradigma em todo este trabalho nos mesmos termos em que
Poder Judiciário visa possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente fora construída por Thomas Kuhn. A esse respeito ver KUHN, Thomas S.. A Estrutura das
protegidos através de um ato de jurisdição, o que, conforme já assinalado, constitui ele- Revoluções Científicas. 7ªed. Trad. por BOEIRA, Beatriz Viana e BOEIRA, Nelson. São
mento do próprio Estado de Direito”. Paulo: Editora Perspectiva, 2003.
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
388 — Paulo Roberto Ulhoa DEFENSORIA PÚBLICA BRASILEIRA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS — 389
Ao avançarmos por um – pseudo – progresso capitalista – que Portanto, “o sistema de valores hegemônicos em nossos dias é
necessita de uma ideologia consumista18 – mais nos distanciamos de majoritariamente neoliberal e, por conseguinte, coloca por cima as li-
concretizar as promessas de integração e reconhecimento dos diferen- berdades funcionais ao mercado e, por baixo, as políticas públicas de
tes do Estado nacional da modernidade – ainda hoje o modelo de Esta- igualdade social, econômica e cultural” (HERRERA FLORES, 2009a, p.
do predominante na cultura ocidental. 47). Isso conduzirá à conclusão de que nem todos têm, por igual, os
É neste contexto que Zizek (2012, p. 13) aponta para o fato de es- instrumentos e meios necessários à luta pelo acesso aos bens essen-
tarmos vivendo no fim dos tempos. A partir de uma lógica construída em ciais à dignidade humana20.
relação aos cinco estágios do luto – negação, raiva, barganha, depres- A realidade atual, a partir de então, pode ser compreendida a
são e aceitação –, segundo ele, é possível destacarmos os cinco estágios partir da queda de uma hegemonia, de um modus vivendi, de uma base
do fim dos tempos para esse modelo capitalista de sociedade atual. sobre a qual se construiu toda a visão capitalista, consumista, indivi-
O primeiro desses estágios é a negação, caracterizada pela uto- dualista e não solidária de ser, de um paradigma de pleno consumo
pia liberal no momento de constitucionalização do Estado nacional, gestado e regulado não pelo Estado, mas, pelo mercado21.
bem como pelo afastamento do Estado das relações econômicas.
neoliberal do processo de globalização hegemônica que estamos inseridos, apontando que
É seguida da raiva, facilmente percebida na realidade político- ela pode ser vista a partir da: a) proliferação de centros de poder – o poder político nacional
teológica que esse afastamento concretizou, haja vista as promessas vê-se obrigado a dividir soberania com as corporações privadas e organismos globais mul-
liberais não terem sido cumpridas, principalmente, em relação aos tilaterais, tais como: o Fundo Monetário Internacional (FMI); b) inextrincável rede de inter-
conexões financeiras do capital – que fazem depender as políticas públicas e a constituição
Direitos Humanos, o que acaba aumentando, ainda mais, o distancia-
econômica nacional de flutuações econômicas imprevisíveis para o tempo com o que joga
mento entre os que não tinham acesso aos direitos básicos do Homem, a práxis democrática nos Estados Nação; c) dependência de uma informação – que voa em
e aqueles que efetivamente os usufruíam. tempo real e é caçada pelas grandes corporações privadas com maior facilidade que pelas
O terceiro estágio apontado por Zizek (2012), é a barganha, de- instituições estatais e, por fim, d) do ataque frontal dos direitos sociais e laborais – que está
provocando que a pobreza e a tirania convertam-se em vantagens comparativas para atrair
monstrada através do retorno da crítica da economia política promovi-
investimentos e capitais – (2002, p. 25-102 – grifos nossos).
da pelo estado social em resposta às mazelas do liberalismo econômico. 20. Sobre esse ponto de discussão, Zizek, a partir de uma leitura marxista e lacaniana,
É seguido da depressão que, segundo ele, se dá em decorrência chega à conclusão que hoje, “depois de décadas de Estado de bem-estar social, nas quais
do estado social não ser capaz de reverter, substancialmente, o quadro os cortes financeiros se limitaram a breves períodos e se basearam na promessa de que
logo tudo voltaria ao normal” (2012, p. 291), estamos inseridos num novo contexto, onde
de sobreposição de um modus vivendi sobre os demais, o que pode ser a crise não é mais breve, passageira, “meras marolas”, mas algo permanente, um novo
visto pelo trauma social vivido após o surgimento do cogito proletário. estilo de vida.
E, por fim, a última etapa, na qual ainda estamos imersos, é a 21. Acerca da influência do mercado nas decisões do Estado, bem como das pessoas em
sociedade, José Alberto Mujica Cordano – presidente da República Oriental do Uruguai –
aceitação – a recuperação das causas liberais, com um novo afasta-
chega à conclusão de que vivenciamos um tempo em que “o capital governa os governan-
mento estatal frente às relações do mercado global – que, segundo tes” – discurso proferido na ocasião da conferência da Organização das Nações Unidas para
Zizek, pode ser vista através do cenário econômico-social construído assuntos climáticos (Rio+20). Sobre esse ponto, Herrera Flores também conclui que “(...)
pela globalização do neoliberalismo atual19. vivemos em um mundo subsumido globalmente no capital e em suas justificações ideoló-
gicas” (2009b, p. 2). E mais, “vivemos num mundo no qual as relações sociais que o capital
impõe globalizaram-se através de tecnologias, de intervenções culturais e de novas formas
18. Segundo Céspedes (2010, p. 9), essa ideologia do consumo desenfreado, pedra fun- de colonização econômicas” (2009b, p. 63), ou seja, um mundo subsumido “universalmen-
damental do capitalismo ocidental e moderno, juntamente com a exploração irrespon- te” ao capital e suas justificações, hoje pautadas na ideologia neoliberal do pós guerra fria.
sável da humanidade e dos recursos naturais, “ameaçam a mãe natureza e a subsistên- “Em definitivo, entramos num contexto em que a extensão e a generalização do mercado
cia do planeta”. – que se proclama falaciosamente como “livre” – fazem com que os direitos comecem a
19. Boaventura de Sousa Santos destaca quatro aspectos articuladores dessa fase ser considerados como “custos sociais” das empresas, que devem suprimi-los em nome da
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
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Esse modelo econômico e social, verdadeira ideologia22 do ser, dar as respostas analógicas em um mundo virtual.
pautado num neoliberalismo de capital, do crescimento econômico, Wallerstein (2002), neste prisma, aponta para o fato do capita-
sem quaisquer preocupações além do máximo de acúmulo do capital lismo liberal, responsável por criar um sistema de mercado global, de
24
possível rompe, definitivamente, a relação dos indivíduos padroniza- relações comerciais em que o Estado, principalmente aqueles de de-
dos nesse sistema, com todos aqueles que lhe sejam diferentes23, bem senvolvimento tardio, ter, após a derrocada do seu inimigo – o comu-
como com a natureza – que passa a ser vista como recurso, mercadoria nismo socialista – se transformado em seu próprio vilão25.
necessária para a manutenção de todo o sistema (MACAS, 2010, p. 16). Se por um lado esse processo ideológico26, de matrizes liberais
Portanto, esse paradigma não responde mais – se é que um dia capitalistas, oriundo do paradigma moderno nacional de Estado, que
já respondeu – às necessidades inerentes à pluralidade epistemológi- levou os Estados Unidos da América (EUA) ao patamar de hegemonia
co-cultural, social, econômica, da sociedade global, o que leva Herrera econômica, por outro, criou as condições para sua própria extinção.
Flores a concluir que O mesmo mercado livre, que auto se regula, o mesmo direito
A instauração paulatina de uma ordem global desi- único de propriedade e família, que estigmatiza a sociedade, a mesma
gual e injusta está afetando não só o que vai restan- identidade nacional sob a qual se formou o moderno Estado nacional
do de Estado do Bem-Estar – onde este existiu –,
e que hoje exclui dezena de milhões de pessoas que não se enquadram
mas, o que é mais grave, a capacidade social e coleti-
va de propor alternativas baseadas na justiça social.
24. Conforme o recorte epistemológico deste trabalho, visualiza-se o capitalismo como
(2009a, p. 175). um mecanismo importante para o processo de nacionalização da sociedade, ou seja, para a
formação de uma nação, de um padrão, de um modelo de sociedade que, necessariamente,
O mundo não suporta mais uma sociedade de consumo como a deveria ser replicado, pois, como destaca Herrera Flores, a partir de seus ideais estaremos
“(...) diante de uma racionalidade que universaliza um particularismo: o do modelo de pro-
atual. Essa conclusão pode ser vista no simples fato das relações huma-
dução e de relações sociais capitalista, como se fora o único modelo de relação humana”
nas reais serem pulverizadas pelos cybers espaços (relações humanas (2009a, p. 160). Para maiores aportes teóricos sobre esse ponto, ver ZAVALETA MERCA-
virtuais), de modo que hoje, a cada dia mais, o Homem não consegue DO, René. Nacionalizaciones. In.: IBARGÜEN, Maya Anguiluz e MENDÉZ, Norma de Los
Ríos (coord.). René Zavaleta Mercado: ensayos, testimonios e re-visiones. Buenos Ai-
competitividade” (HERRERA FLORES, 2009a, p. 31). res: Miño y Dávila Editores, 2006. Cap. 4, p. 55 e ss.
22. A expressão ideologia é utilizada neste trabalho a partir das discussões promovidas 25. O colapso do comunismo foi na verdade o colapso da era liberal, pois tirou do cenário
por Ziziek (1996a, p.9), para quem “ideologia pode designar qualquer coisa, desde uma ati- mundial a única justificativa ideológica plausível que o capitalismo liberal dos países do
tude contemplativa, que desconhece sua dependência em relação à realidade social, até norte global, tinha para legitimar sua hegemonia, ou seja, uma justificativa tacitamente
um conjunto de crenças voltado para ação; desde o meio essencial em que os indivíduos apoiada por seu oponente ideológico ostensivo (WALLERSTEIN, 2002, p. 23).
vivenciam suas relações com uma estrutura social até as ideias falsas que legitimam um 26. Zizek (1996a) constrói, neste ponto, seu entendimento àquilo que ele chama de crítica
poder político dominante. Ela parece surgir exatamente quando tentamos evitá-la e deixa da ideologia de hoje. Segundo ele, é mais fácil, por exemplo, acreditarmos que o mundo
de parecer onde claramente se esperaria que existisse”. A tarefa crítica da ideologia, por- está em colapso, que está acabando, em decorrência de seu paradigma capitalista de con-
tanto, se pauta em discernir a necessidade oculta, daquilo que hoje se manifesta como sumo, do que enfrentarmos a realidade, procurando caminhos a essa perspectiva. Sob o
mera contingência. aspecto da ideologização de determinados símbolos, atos, palavras, termos, que os trans-
23. Essa situação é tão visível na realidade humana contemporânea, que hoje em dia, forma em situações indiscutíveis, ver ZIZEK, Slavoj. O Espectro da Ideologia. In: ZIZEK, Sla-
diante desse modelo embasado no capital, as pessoas se imunizam diante do conflito mo- voj (org). Um Mapa da Ideologia. Rio de Janeiro, 1996. Ainda sobre esse ponto, Ramón
ral, ou seja, não se ressentem com massacres como o deflagrado na guerra civil em Ruanda, Máiz, em texto que discute o embate entre nacionalismo e multiculturalismo, acentua que
pois o que esse país poderia oferecer para o ocidente capitalista – responsável direto pelo não conseguimos discutir determinados assuntos, pois eles já existem antes de nós, e so-
conflito étnico – a legitimar uma intervenção militar-humanitária para salvaguarda dos Di- mos socializados para aceitá-los. Sobre isso ele ainda destaca que “nações e culturas eram
reitos Humanos? Sobre esses fatos e seus fundamentos, ver o filme RUANDA, Hotel. Pro- consideradas (e ainda são em boa medida) como entidades cristalizadas na história, como
duzido e Dirigido por de GEORGE, Terry. São Paulo: Imagem Filmes, 2004. DVD 121 min.: conjuntos dados de antemão e essencialmente avessos a qualquer eventual processo de
VHS, Ntsc, son., color. Dublado em Português. evolução, troca ou reformulação” de seus significados (2012, p.4).
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
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nos padrões de consumo aceitáveis para o exercício de direitos, são os pólis, que modificou profundamente a sua maneira
fatores principais para hoje se discutir o fim dessa era. de ser e viver. (...) a ágora (praça pública) é o prin-
cipal espaço e instrumento de poder. Nesse cenário
Diante desse cenário, o resgate dos estigmatizados, aquelas pes-
descendências monárquicas, origens divinas da na-
soas consideradas pela CF/88 através do designo “necessitados”, se
tureza e explicações mitológicas do poder não têm
fará através de uma construção nova acerca da percepção do ser nacio- mais guarida. (...) tudo é debatido. As pessoas agora
nal, não mais ínsita à ideia de homogeneização pela unidade consu- são iguais. Não há mais hierarquia absoluta e muito
mista moderna, mas sim, pautada na diferença, na busca pela concre- menos monarquia. (...). Esse é o marco inicial. Não
tização dos Direitos Humanos para todos. há nada que não possa ser discutido. Não existem
mais verdades eternas (2014, p. 23-24).
Essa construção se fará a partir de uma visão múltiplo-dialé-
tica da realidade, principalmente, em relação aos Direitos Huma-
nos, objetivando, assim, respostas às promessas não cumpridas Ao extrairmos através da matriz do múltiplo dialético as bases
da modernidade27. para a compreensão de uma perspectiva libertadora e emancipadora
O paradigma múltiplo-dialético pode ser compreendido des- dos direitos humanos, que mesmo que não diminua a importância de
de sua matriz grega, até a contemporaneidade, como o modelo de ra- sua matriz moderna, euro-norte americana, fruto das Cartas e Declara-
cionalidade capaz de possibilitar a existência de inúmeras realidades ções de Direitos dos últimos três séculos – de cunho universalizante –
que, mesmo sendo diferentes entre si, convivem em harmonia den- possa, ao emergir de baixo, do sul, da periferia global, tenha condições
tro de uma mesma realidade político-social, ou seja, é o que nos pos- de demarcar um novo momento a esses direitos, não mais o de sua sal-
sibilitará perceber a multiplicidade de existência e de modos de com- vaguarda, mas o de sua efetivação.
preensão possíveis. É ai que a defensoria pública, como se debaterá abaixo, surge
É neste sentido que Krohling apontará para o fato de que desde como um importante instrumento de emancipação e libertação28 de
sua formação mais incipiente, na Grécia antiga, a perspectiva do múl- todos aqueles que, alijados do convívio pleno em sociedade, haja vista
tiplo dialético ser um importante marco na ascensão e promoção do não cumprirem com as necessárias características, expostas acima, a
debate sobre quaisquer situações, o que possibilitará, não só o surgi- partir do que chamamos de viver no fim dos tempos, foram e ainda são
mento, mas a necessidade de sua realização prática, do que hoje cha-
mamos de direito a diferença ou, mais recentemente, direito à diversi- 28. Essa expressão aparece aqui empregada nos mesmos termos que lhe deu Dussel, ou
dade, pois segundo ele seja, como uma verdadeira fermenta de transformação social, política e econômica da rea-
lidade das pessoas, sobretudo dos excluídos, ou seja, a filosofia da libertação proposta a
Os gregos já tinham saído da mitologia, pois viviam partir de Dussel, fincada no método dialético (e a partir dele, desdobrado em Dialética,
Analética e Anadialética), também possui uma dimensão ética, que ao se voltar para os
a presença de um novo marco, isto é, a realidade da
excluídos, o promovem a sujeito emergente, aquele que nunca esteve, nunca fez parte da
totalidade, mas sempre existiu como o outro, o excluído, ou seja, é uma perspectiva de
27. Ou seja, uma visão que transforme, principalmente, os Direitos Humanos num ins- desocultamento, desencobrimento da periferia, analisada por Dussel a partir da pobreza
trumento a partir do qual se construa uma nova racionalidade para o sentido de justiça, de e seus desdobramentos no mundo atual, ou seja, “(...) como já dissemos, no “rosto” de Ri-
equidade, uma racionalidade que leve em consideração a realidade da exclusão de quase goberta Menchú revela-se transversalmente como a multiplicidade de rostos na “mulher”,
80% da humanidade em relação aos benefícios – promessas – da nova ordem global – neo- na “indígena”, na mãe “terra” do ecologismo, na “camponesa pobre”, na raça “morena”, na
liberal e capitalista – (HERRERA FLORES, 2009a, p. 74), portanto, como instrumento de “indígena maia”, na “jovem” sob o peso da gerontocracia, na “guatemalteca”, na “militante”
modificação de uma realidade desigual, “os direitos humanos devem prestar-se para au- da consciência comunitária crítica (...). Um “rosto” de todos os “rostos” de todos os outros
mentar nossa “potência” e nossa “capacidade” de atuar no mundo” (HERRERA FLORES, invisíveis: em cada vítima concreta está a vítima universal, que se revela como epifania dos
2009a, p. 81). rostos de todos os rostos particulares” (2007, p. 568)
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
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vistos como diferentes, excluídos ou, até mesmo, matáveis29. Por fim, após serem debatidas, num primeiro momento, a for-
Portanto, é necessário rompermos, através de uma racionalida- mação da defensoria pública no contexto brasileiro, bem como, num
de que nos dê o cabedal metodológico capaz de efetivarmos esse rom- segundo, a necessidade de rompermos como uma ideologia unifor-
pimento, com as acepções universalizantes dos direitos humanos, que mizadora e homogeneizante dos direitos humanos a partir de uma
os afastam de realidades periféricas como a latino-americana e, conse- leitura radical, emancipadora e libertadora de todos aqueles que não
quentemente, a brasileira. fazem parte da totalidade universalizante desses direitos, o que se pro-
E mais, que acabam vitimando, ainda mais, mesmo que já den- pôs à luz da metódica do múltiplo dialético, é chegada a hora em que
tro dessa perspectiva social, política e econômica de periferia mundial buscaremos compreender como a defensoria pública pode ser vista
– onde se encontram quase a totalidade dos países do sul global – a par- como um importante instrumento de efetivação e concretização des-
cela social dos brasileiros que ainda não se adéquam a matriz euro-nor- ses direitos na realidade da parcela social brasileira mais excluída, qual
te americana, construída ao arrepio de nossa participação, mas que nos seja: os pobres.
foi imposta como único, necessário e possível, modus viviendi.
A perspectiva do múltiplo dialético, neste sentido, nos é impor- 3. A defensoria pública como instru-
tantíssima, sobretudo por nos dar a capacidade de identificar a metó-
dica dialética dos direitos humanos a partir de uma matriz não mais
mento de proteção e concretização
O
colonizadora e universalizante – consequentemente, homogeneizante dos direitos humanos30
e uniformizadora – mas, de outro lado, uma base fincada na multiplici- art. 134, da CF/88, com redação dada pela Emenda à Cons-
dade do Ser, bem como da identificação do pluralismo como substrato tituição nº 80, de 2014, estabelece quais são os poderes e os
de sua humanidade. deveres da Defensoria Pública, ressaltando o seu papel frente
Ademais, é importante destacarmos neste ponto, que o fio con- a proteção dos direitos humanos daquelas pessoas que, nos
dutor desse ponto do trabalho e, consequentemente, a metódica usa- termos estabelecidos pela própria carta constitucional, são vistas como
da para analisar o papel da defensoria pública na efetivação e prote- necessitados, pobres, miseráveis, ou seja,
ção dos direitos humanos, foi a perspectiva do múltiplo dialético, que
percebem esses direitos humanos enquanto resultados de construções A Defensoria Pública é instituição permanente, es-
sencial à função jurisdicional do Estado, incumbin-
dialéticas e históricas, fruto de uma perspectiva cultural, ínsita a cada
do-lhe, como expressão e instrumento do regime
povo e Estado nacional, o que nos separa da matriz euro-norte ameri- democrático, fundamentalmente, a orientação jurí-
cana de universalização dos direitos humanos tal qual presente das de- dica, a promoção dos direitos humanos e a defesa,
clarações e cartas de direitos do últimos séculos.
De modo que a partir de uma perspectiva múltipla dialética, os 30. É importante percebermos neste ponto do trabalho, que a buscaremos compreender
direitos humanos passam a ser compreendidos, conforme destacado como a defensoria pública pode ser vista como um importante ator na concretização dos
direitos humanos à todos, e não somente àqueles que possuem meios suficientes de se fazer
acima desde Herrera Flores, como processos políticos, econômicos, ju-
ouvir, ou seja, a defensoria pública surge como elemento integrante da justiça, de modo que
rídicas e, principalmente, cultural, de lutas, de sublevações, de todos podemos perceber o fato de que estamos buscando, com a atuação de instituições como a
aqueles que ainda não faziam, ou fazem, parte, efetivamente, dessa defensoria, a realização de um sentido mais abrangente, sócio-política e economicamente,
universalidade totalizante. de Justiça, objetivando alcançar um sentido de justiça que não apenas aquele atrelado a es-
trita legalidade, uma justiça pautada pelas determinações da jurisdição, mas, de outro lado,
29. Para uma melhor compreensão dessa expressão, ver AGAMBEN, Giorgio. Homo Sa- uma justiça abrangente, uma justiça que efetiva e se pauta na equidade, na legitimidade, na
cer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. moralidade, na ética e, sobretudo, na isonomia.
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
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em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direi- reconhecidos e que se deixe de fazer Justiça em vir-
tos individuais e coletivos, de forma integral e gra- tude da pobreza do titular do direito (2000, p. 8).
tuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV, do
art. 5º desta Constituição Federal (grifos nossos). Assim, quando a CF/88 estabelece em seu artigo 3º, I, III e IV,
como objetivos fundamentais da República do Brasil, a construção
A partir de então é possível percebermos como a CF/88 resolveu de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e
tratar da defensoria pública, instrumentalizando-a de poderes e deve- da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais
res para com aquelas pessoas, que o modelo político-social, econômico e a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça,
e cultural de nossos dias, excluiu, encobriu, relegando-as ao esqueci- sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, tais
mento do mercado globalizado do capital31, hoje, conforme discutido palavras não são jogadas ao vento, pois a mesma carta constitucio-
acima, o substrato essencial de nossa realidade e modo de vida. nal, estabelece meios para a efetivação de tais objetivos, tais como
Neste ponto, importantes são as palavras de Robert e Seguin a institucionalização independente e autônoma da defensoria pú-
que percebem na instituição da defensoria pública verdadeiro instru- blica como um dos principais elementos de nosso Estado Democrá-
mento para, não só a proteção, mas, sobretudo, para a promoção dos tico de Direito.
direitos humanos daquelas pessoas que o modus vivendi atual tratou De modo que é possível chegarmos à conclusão de que a defen-
de estigmatizar, de modo que, segundo elas soria pública, nos termos em que fora institucionalizada pela CF/8833
tem, possui como seus mais importantes fundamentos, a dignidade
Na luta pela defesa do Homem algumas Institui-
da pessoa humana e a cidadania de todos os brasileiros, nos termos
ções são representativas do patamar de desenvol-
vimento alcançado. Entre essas, a Defensoria Pú- do art. 1º, II e III, do citado texto constitucional, bem como objetivos,
blica exsurge como um marco da possibilidade de que atrelados às citadas pretensões brasileiras expostas acima, quer
ser garantido ao pobre o Acesso à Justiça e à busca
por uma prestação jurisdicional isonômica. O prin-
e se caminhe para o Estado de Justiça - pela imoralidade sem oposição”. (apud Robert e
cípio da igualdade entre as partes é densificado pela Seguin, 2000, p. 204).
atuação institucional, fazendo com que uma pessoa 33. É importante ressaltar que ainda que não estivesse expressamente prevista na Lei
não dependa de sua fortuna32 para ter seus direitos Orgânica Nacional da Defensoria Pública (originalmente a Lei Complementar 80/94, que
veio regulamentar as determinações da CF/88 referentes a defensoria pública), a busca
31. Sob esses poderes e deveres que a CF/88 estabelece a defensoria pública, Silva des- pela promoção e defesa dos direitos humanos sempre foi algo inerente à defensoria pú-
taca que “Quem sabe se fica revogada, no Brasil, a persistente frase de Ovídio: Cura pau- blica, posto que tal busca é o fundamento de existência, bem como o objetivo central do
peribus clausa est. Ou as Defensorias Públicas federal e estaduais serão mais uma insti- Estado democrático brasileiro e, por conseguinte, de todas as suas instituições. E mais, o
tuição falha? Cabe aos Defensores Públicos abrir os tribunais aos pobres, é uma missão fato da Lei Complementar 132/09 – lei orgânica da defensoria nacional – ter introduzido,
tão extraordinariamente grande que, por si, será uma revolução, mas, também se não de forma expressa, a primazia da dignidade da pessoa humana, bem como a prevalência
cumprida convenientemente será um aguilhão na honra dos que a receberam e, porven- e efetividade dos direitos humanos, que passaram a ser compreendidos, expressamente,
tura, não a sustentaram (1999, p. 588)”. como um dos objetivos institucionais da defensoria pública, bem como por ter acrescenta-
32. Neste sentido, importantes também são as colocações de Moreira Neto, para quem do a promoção dos direitos humanos e a representação, através da defensoria pública, des-
“Sem Defensoria Pública, parcela substancial, quiçá majoritária da sociedade estaria con- sa defesa, inclusive frete aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos,
denada à mais execrável sorte de marginalização, além das que já sofrem, a econômica e não pode nos denotar que tais situações são novas na realidade da defensoria pública, pois
social: a marginalização política. Condenados, os necessitados a serem cidadãos de segun- historicamente, as defensoras e defensores públicos brasileiros sempre buscaram atuarem
da classe, perpetra-se o mais hediondo dos atentados aos direitos, liberdades e garantias em seus cotidianos, muitas vezes duros e não reconhecidos, política, social ou economica-
constitucionais, impossibilitando que na sociedade brasileira se realize o Estado de Direito mente, na promoção, proteção e defesa dos direitos humanos.
- pela ilegalidade sem sanção, se afirme por Estado Democrático - pela cidadania sem ação;
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
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efetivar a garantia de uma sociedade livre, justa e solidária, onde não Por fim, é possível concluirmos nessa perspectiva que a defen-
se estabeleça quaisquer formas de discriminação, seja política, social, soria pública, cuja histórica institucional tentamos demonstrar acima,
econômica ou cultural. e cuja atuação para a proteção dos direitos humanos, analisados a par-
Portanto, através de uma racionalidade múltipla e dialética, a tir de uma lógica múltipla dialética, destacamos neste ponto, pode ser
defensoria pública surge como pilar no desenvolvimento igualitário entendida como importante órgão da estrutura do Estado cujas res-
das relações sociais, em especial, em se tratando de relações que se dão ponsabilidades estão atreladas a busca pela promoção dos direitos da-
no âmbito da jurisdição estatal, cabendo ao Estado, promover a prote- quelas pessoas que não possuem outro meio senão o auxílio e a atua-
ção desse importante instrumento de ascensão, de emancipação e de ção da defensoria pública.
libertação de toda uma imensa parcela social que não possui meios de
C
estar em juízo, e que, em razão disso, conforme apontado no primeiro Conclusão
capítulo deste estudo, tem na defensoria pública o único instrumento onforme discutimos desde o início deste trabalho, hoje estamos
de salvaguarda de seus direitos inseridos em um momento fortemente marcado por alguns
A partir de então, é importante destacar que a Lei Orgânica da acontecimentos que podem ser compreendidos como tormen-
Defensoria Pública (Lei Complementar 132/2009 – LC 132/2009), tas frente ao debate sobre a efetivação dos direitos humanos,
aliada com as determinações da CF/88 acerca da proteção e pro- de modo que – sejam elas sociais, econômicas ou políticas – todos os
moção dos direitos humanos a partir da defensoria púbica, estabe- dias esse cenário produz novas notícias sobre aquilo que consideramos
lece mudanças significativas para melhor atender a esses objetivos o flagelo da humanidade no Século XXI, a desintegração, como visto, –
constitucionais, ou seja, entre as várias obrigações já definidas atra- pela falta de sua efetivação real enquanto instrumento de transformação,
vés da CF/88, como visto acima, determina o dever do defensor pú- emancipação e libertação do Ser – dos Direitos Humanos Fundamen-
blico de promover a difusão e a defesa dos direitos humanos34. tais de todos aqueles que podem ser vistos como excluídos do sistema
E mais, a citada legislação também acrescenta em seu artigo 3º, mundo do mercado globalizado.
III, que um dos principais objetivos da defensoria pública consiste na ob- Portanto, foi a partir dessas constatações que o presente traba-
servância da prevalência e da efetividade dos direitos humanos, sendo lho, através de um diálogo múltiplo-dialético, buscou compreender o
que em seu artigo 4º, III e VI, a LC 132/2009, declara como verdadeiras e papel da Defensoria Pública como um importante agente – no momen-
importantes funções institucionais da defensoria pública, dentre outras: to atual de crise paradigmática do modelo moderno de Estado em re-
a) a promoção, a difusão e a conscientização dos direitos humanos, bem lação aos Direitos Humanos Fundamentais – para a efetivação desses
como b) a possibilidade de exercício dessa promoção, inclusive, perante direitos, nos termos da Constituição Federal de 1988, aos mais neces-
os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos35. sitados, através, sobretudo, da efetivação do direito ao acesso à justiça.
Para tanto, no primeiro capítulo buscou-se analisar o papel das
34. Em seu artigo 1º, a LC 132/2009 (re)conceitua Defensoria Pública como uma “(...) ins-
tituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe como ex-
pressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a de no país, aproximadamente, uma centena de defensores e defensoras públicas atuam,
promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos especializadamente, frente ao tema dos Direitos Humanos, sendo que várias defensorias
direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita aos necessitados, assim consi- públicas, inclusive, possuem núcleos especializados em direitos humanos (genéricos) e/
derados na forma do inciso LXXIV do art 5º, da Constituição Federal”. ou em direitos humanos (específicos), tais como os direitos das mulheres, das crianças e
35. Neste ponto, interessante ressaltar que dados do Mapa da Defensoria Pública no Brasil, dos adolescentes, dos idosos, das pessoas com deficiência, atuando, também, contra a dis-
fruto de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – Ipea criminação, o racismo e o preconceito, dentre inúmeras outras atuações. Dados disponí-
– e pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – Anadep –, em 2013, retrata o fato veis em <http://www.ipea.gov.br/sites/mapadefensoria>. Acessado em 17/09/2015.
Heleno Florindo da Silva A DEFENSORIA PÚBLICA E OS DIREITOS HUMANOS: UMA ANÁLISE MÚLTIPLO-DIALÉTICA DA
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Constituições brasileiras neste ponto, ou seja, como as Cartas Constitu-
Referências
cionais do Brasil trabalhavam a questão do acesso à justiça, verifican- AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Edi-
do, a partir daí, como surge o instrumento de efetivação desse direito tora UFMG, 2002.
através da defensoria pública enquanto locus de inserção dos necessi-
CÉSPEDES, David Choquehuanca. Hacia La Reconstrucción Del Vivir Bien. In.: Sumak
tados à tutela jurisdicional.
Kawsay: recuperar el sentido de vida. ALAI, nº 452, año XXXIV, II época, Quito, Ecua-
De outro lado, no segundo tópico do presente trabalho, eviden- dor, febrero 2010.
ciou-se, através da filosofia de Slavoj Zizek, como é possível compreen-
der o momento atual, ou seja, o fato de estarmos, segundo ele, vivendo DUSSEL, Enrique. A Ética da Libertação na Idade da Globalização e da Exclusão. Pe-
trópolis, Vozes, 2007.
no fim dos tempos, de modo que se fez necessário a promoção de uma
análise múltiplo-dialética dos direitos humanos fundamentais, capaz
HERKENHOFF, João Batista. Curso de Direitos Humanos – gênese dos direitos hu-
de constatar a necessidade de sua efetivação em nossos dias a partir de manos. Vol. 1. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994.
uma visão pautada pela diversidade.
Por fim, na parte final, analisamos a defensoria pública e a pos- HERRERA FLORES, Joaquim. A (re) Invenção dos Direitos Humanos. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2009a.
sibilidade dessa organização, tão importante para o Estado Democrá-
tico de Direito, poder ser compreendida em sua institucionalização e
__________.Teoria crítica dos direitos humanos: os direito humanos como produtos
atuação como verdadeiro instrumento de proteção e concretização dos culturais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009b.
direitos humanos fundamentais daquelas pessoas que o fim dos tem-
pos do mundo atual – mercadológico e individualista, pautado numa KROHLING, Aloísio. A Ética da Alteridade e da Responsabilidade. Curitiba: Juruá,
2011.
lógica do tudo, ao mesmo tempo e agora – tratou de excluir, de vitimar
enquanto outro, enquanto não-ser.
__________. Direitos Humanos Fundamentais: diálogo intercultural e democracia.
É possível concluir, a partir de então, que a defensoria pública, São Paulo: Paulus, 2009.
cuja histórica institucional – mesmo que incipientemente, dado aos li-
mites de um artigo – bem como sua atuação para a proteção dos direitos __________. Dialética e Direitos Humanos – múltiplo dialético: da Grécia à Contem-
poraneidade. Curitiba: Juruá Editora, 2014.
humanos, foram trabalhadas acima, sendo analisadas a partir de uma
perspectiva metodológica ínsita ao debate do múltiplo-dialético, pode
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 9ª Ed. rev., atual. e ampl. São
ser percebida como um dos mais importantes órgãos, componentes da Paulo: Editora Método, 2005.
estrutura do Estado moderno, para a promoção dos direitos daquelas
pessoas que não possuem, senão através do auxílio e da atuação da de- MACAS, Luis. Sumak Kawsay: la vida en plenitud. In.: Sumak Kawsay: recuperar el sen-
tido de vida. ALAI, nº 452, año XXXIV, II época, Quito, Ecuador, febrero 2010.
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