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1. Introdução
O verso “Absurdemos a Vida, de leste a oeste”, lançado pelo semi-heterónimo de
Fernando Pessoa, Bernardo Soares, no Livro do Desassossego, [Pessoa 1990], contém
dois vocábulos, <absurdemos> e <leste>, cuja decisão pela forma de pronunciação está
dependente do conhecimento semântico e morfossintático. Sem esse conhecimento
prévio, nem o falante nem um sistema automático de conversão de grafemas em
fonemas (G2P, do inglês Grapheme-to-Phoneme) sabe decidir por qual altura da vogal
tónica escolher (se /e/, se /ɛ/) no ato de pronunciar. A decisão por uma pronúncia
quando não se tem qualquer informação prévia representa, assim, um problema de
resolução não trivial e é responsável por muitos dos erros nos sistemas de pronunciação,
sejam eles automáticos ou não. Pegando no primeiro vocábulo-exemplo, <absurdemos>
será pronunciado como /ɐbsuɾdˈemuʃ/ se admitirmos que a forma é verbal, declinada de
um possível infinitivo impessoal <absurdar>, da primeira conjugação, conjugada no
modo conjuntivo, tempo presente, primeira pessoa do plural. Mas, optando pela
pronunciação /ɐbuɾdˈɛmuʃ/, a abertura da vogal tónica formaliza a determinação pelo
modo indicativo e pelo tempo pretérito perfeito simples de um possível verbo derivado
de <dar> (/dˈɛmuʃ/). Em <leste>, a decisão pela pronunciação /lˈɛʃtə/, ao invés de
/lˈeʃtə/, está dependente da informação semântica e morfossintática esclarecida pelo
contexto frásico: <o leste> (nome) versus <tu leste> (verbo), respetivamente. Por vezes,
a decisão de pronúncia de um vocábulo não conhecido só pode ser tomada com recurso
a analogias, mesmo para um falante humano. A pronúncia de <absurdemos> (forma de
um possível verbo <absurdar>), tomada por analogia com <aguardar> (exequível como
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Anais da III Jornada de Descrição do Português, páginas 28–35, Fortaleza, CE, Brasil, Outubro 21–23, 2013.
2013
c Sociedade Brasileira de Computação
paradigma), é disso exemplo. Se, por um lado, esta analogia é de fácil implementação
computacional, mais complexa é a escolha da pronúncia entre /e/ e /ɛ/, na medida em
que ela deverá resultar de um tipo de conhecimento linguístico adquirido através de
processos psico-cognitivos muito estruturados. A dificuldade de implementação é ainda
acrescida se se pretender, dada uma forma verbal conjugada ortograficamente, gerar
uma saída com a indicação da respetiva forma infinitiva e sua representação fonológica.
A complexidade inerente ao problema da pronunciação verbal parece explicar a
escassez de estudos desenvolvidos sobre o assunto, no sistema do português europeu
(PE). Num trabalho de referência sobre a análise fonológica da flexão verbal [Mateus
2003], a autora descreve os tempos verbais simples no que diz respeito à incidência do
acento tónico e ao comportamento da vogal temática (como o fenómeno de supressão) e
tendo em atenção os processos ocasionados pela harmonização vocálica e pelo
abaixamento da vogal do radical verbal. Processos de assimilação, dissimilação e de
ditongação da vogal temática são igualmente descritos, tais como os que ocorrem entre
/ˈe/→/ˈi/ em [bɐtˈeɾ]→[bɐtˈi] e [bɐtˈiɐ] e /e+nasal/→/ɐj+nasal/ em [bˈatɐ ],
respetivamente. No âmbito do mesmo quadro teórico de [Mateus 2003], o estudo de
[Villalva 2003] apresenta alternâncias vocálicas regulares que afetam a última vogal do
radical verbal. No quadro teórico do estruturalismo europeu, em [Barbosa 1994],
apresentam-se as alterações de forma da vogal radical que, na flexão verbal, estão
dependentes do contexto fonológico. Em [Cunha e Cintra 2002] as alternâncias
vocálicas são abordadas com bastante detalhe, definindo-se alguns paradigmas de
pronunciação.
No presente trabalho descrevemos um método automático que gera a
pronunciação de formas verbais flexionadas, dada a forma verbal no infinitivo com
respetiva transcrição fonológica. Apresentamos um algoritmo composto, na sua
essência, por um conjunto de regras linguísticas, baseado num método organizado pela
análise da vogal temática e a identificação do paradigma verbal que define os sufixos
verbais e a alternância do timbre da última vogal do radical verbal.
Este artigo está organizado da seguinte forma: a Secção 2 apresenta uma breve
descrição da flexão verbal e a notação usada. Na secção 3, apresentamos tabelas das
tipologias de regularidade da pronunciação dos verbos, e da ambiguidade entre a forma
pronunciada e os valores de tempo modo pessoa e número que a determinam. Na secção
4 são apresentadas as conclusões e traçados alguns trabalhos futuros.
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letras (na forma ortográfica) e pelos fonemas (na transcrição fonética) anteriores à vogal
temática. Se existirem vogais no radical, elas estarão, nesta forma do infinitivo, em
posição átona.
Do ponto de vista da flexão, não foi considerado o conceito de defetividade,
assim como se preenchem todas as pessoas do modo imperativo com formas do presente
do modo conjuntivo. Esta opção metodológica, que torna exequível flexionar formas
como as presentes em estruturas <tu dóis-me na alma...> ou <sinta eu a alegria de
viver!>, abecede a uma linha de uso possível da língua em sentido figurado/poético.
As flexões de grande maioria dos verbos podem ser inferidas a partir do radical e
do tempo/modo/pessoa da flexão, bastando juntar o sufixo correspondente ao radical.
Existem algumas irregularidades neste processo, tanto na grafia como na respetiva
pronunciação. Neste artigo falaremos apenas das irregularidades na pronunciação.
Muitos verbos da língua portuguesa, em especial no português europeu, apresentam
diferenças de timbre na vogal tónica que alterna entre o radical e sufixos. Em [Cunha e
Cintra 2002] estes casos foram já identificados; no entanto, apresentamos aqui, de forma
sistematizada, todas as situações de interesse para definir a pronunciação dos verbos.
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<lavar>, [lɐvˈar], a vogal do radical alterna para [a]: <eu lavo, tu lavas, ele lava, eles
lavam>, [ew lˈavu, tu lˈavɐʃ, elə lˈavɐ, eləʃ lˈavɐ ].
Tem interesse subdividir este conjunto de flexões TMP1 em dois: TMP1a
(situação em que a tónica recai no radical, mas apresenta um timbre fechado, [e] ou [o])
e TMP1b (situação em que a tónica recai no radical, mas com timbre aberto [ɛ] ou [ɔ]).
Como exemplo, temos o verbo <beber>, [bəbˈeɾ] , com <bebo, beba, bebas, bebam>,
[bˈebu, bˈebɐ, bˈebɐʃ, bˈebɐ ], e <bebes, bebe, bebem>, [bˈɛbəʃ, bˈɛbə, bˈɛbɐ ]. Outro
exemplo é dado pelo verbo <mover>, [muvˈeɾ], com <movo, mova, movas, movam>,
[mˈovu, mˈovɐ, mˈovɐʃ, mˈovɐ ] e <moves, move, movem>, [mˈɔvəʃ, mˈɔvə, mˈɔvɐ ].
A tabela 2 descreve todos os conjuntos de flexões identificados como pertinentes para a
pronunciação.
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Existe, por fim, a situação em que as flexões dos verbos terminados em <zir> e
alguns verbos em <zer> suprimem a vogal final (apócope do sch a [ə]). Acontece no
presente do indicativo, 3.ª pessoa do singular e imperativo, 2.ª pessoa do singular
(TMP4). É o caso do verbo <traduzir>: <traduz>, [tɾɐdˈuʃ] em vez de <traduze>,
[tɾɐdˈuzə], embora no imperativo ambas as formas sejam possíveis. Outro exemplo é o
do verbo <jazer>: <jaz>, [ʒˈaʃ].
3. Os Paradigmas Verbais
Com base na análise da pronunciação dos verbos e a comparação com as respetivas
flexões com terminações regulares, é possível enumerar o número de irregularidades na
pronunciação dos verbos bem como caracterizá-los em termos de paradigmas.
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Nesta análise não consideremos as formas alternativas irregulares dos verbos
abundantes. O verbo <negociar>, por exemplo, pode conjugar-se de forma regular,
embora as formas irregulares sejam prevalentes: <negoceio> é mais usual que a forma
regular <negocio>. Na enumeração das irregularidades, classificamos os verbos como
irregulares sempre que o número de irregularidades é superior a 15.
A Tabela 3 indica os paradigmas identificados para os verbos regulares e quase
regulares, com a indicação da mudança, onde ocorre, e o verbo paradigma. Indica
também o número de flexões que apresentam alterações no radical e/ou nos sufixos face
à forma regular derivada; o número de radicais (fonológicos) diferentes que é necessário
considerar para conjugar todas as flexões e o número de alterações nos sufixos. Na
contagem de irregularidades foram considerados todos os tempos/modos/pessoas, com a
particularidade de se considerar o imperativo segundo a seguinte regra simples: o
imperativo apenas tem formas autónomas na 2.ª pessoa e todas as outras são derivadas
do presente do conjuntivo.
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3.1 Algoritmo
Dado um verbo na forma infinitiva (nas formas ortográfica e de pronunciação), ele é
primeiramente classificado segundo a tipologia da Tabela 3 ou 4. Para isso o padrão do
radical é analisado de forma a identificar verbos paradigma ou seus derivados. Por
exemplo, <escrever> não é derivado de <ver> nem de <rever>, mas <repor> é derivado
de <pôr>. Assim, também como exemplo, o verbo “absurdar” será considerado regular
com radical [absuɾd] e UVR [u] que não sofre alterações de altura quando alterna entre
posição tónica e átona. O possível verbo <repedir> será classificado com paradigma
<medir>, radical <reped>, [ɾəpəd] com 15 flexões diferentes das regulares em TMP1a e
TMP2 devidas à substituição de [d] por [k] no radical, além da mudança do timbre da
vogal de [ə] para [ɛ] em TMP1. No entanto, não existe nenhuma alteração dos sufixos.
Para cada verbo irregular existe uma tabela completa das pronunciações das
flexões. Para os restantes verbos, foram definidas tabelas de radicais diferentes e de
sufixos para as situações de mudança.
Tabela 5. Pronunciação do verbo trair.
Tempo/ Pessoas
Modo 1 2 3 4 5 6
traio trais trai traimos traís traem
pi
[tɾˈaj u] [tɾˈaj -ʃ] [tɾˈaj -] [tɾɐ ˈimuʃ] [tɾɐ ˈiʃ] [tɾˈaj ɐ ]
traía traías traía traíamos traíeis traíam
pii
[tɾɐ ˈiɐ] [tɾɐ ˈiɐʃ] [tɾɐ ˈiɐ] [tɾɐ ˈiɐmuʃ] [tɾɐ ˈiɐiʃ] [tɾɐ ˈiɐ ]
traí traiste traiu traimos traistes trairam
ppi
[tɾɐ ˈi] [tɾɐ ˈiʃtə] [tɾɐ ˈi ] [tɾɐ ˈimuʃ] [tɾɐ ˈiʃtəʃ] [tɾɐ ˈiɾɐ ]
traira trairas traira traíramos traíreis trairam
pmqi
[tɾɐ ˈiɾɐ] [tɾɐ ˈiɾɐʃ] [tɾɐ ˈiɾɐ] [tɾɐ ˈiɾɐmuʃ] [tɾɐ ˈiɾɐjʃ] [tɾɐ ˈiɾɐ ]
trairei trairás trairá trairemos traireis trairão
futi
[tɾɐ iɾˈɐj] [tɾɐ iɾˈaʃ] [tɾɐ iɾˈa] [tɾɐ iɾˈemuʃ] [tɾɐ iɾˈɐjʃ] [tɾɐ iɾˈɐ ]
trairia trairias trairia trairíamos trairíeis trairiam
cond
[tɾɐ iɾˈiɐ] [tɾɐ iɾˈiɐʃ] [tɾɐ iɾˈiɐ] [tɾɐ iɾˈiɐmuʃ] [tɾɐ iɾˈiɐjʃ] [tɾɐ iɾˈiɐ ]
traia traias traia traiamos traiais traiam
pc
[tɾˈaj ɐ] [tɾˈaj ɐʃ] [tɾˈaj ɐ] [tɾɐi ˈɐmuʃ] [tɾɐi ˈajʃ] [tɾˈaj ɐ ]
traisse traisses traisse traíssemos traísseis traissem
pic
[tɾɐ ˈisə] [tɾɐ ˈisəʃ] [tɾɐ ˈisə] [tɾɐ ˈisəmuʃ] [tɾɐ ˈisɐjʃ] [tɾɐ ˈisɐ ]
trair traires trair trairmos trairdes trairem
futc
[tɾɐ ˈiɾ] [tɾɐ ˈiɾəʃ] [tɾɐ ˈiɾ] [tɾɐ ˈiɾmuʃ] [tɾɐ ˈiɾdəʃ] [tɾɐ ˈiɾɐ ]
traia trai traia traiamos traí traiam
imp
[tɾˈaj ɐ] [tɾˈaj -] [tɾˈaj ɐ] [tɾɐi ˈɐmuʃ] [tɾɐ ˈi] [tɾˈaj ɐ ]
trair traires trair trairmos trairdes trairem
infp
[tɾɐ ˈiɾ] [tɾɐ ˈiɾəʃ] [tɾɐ ˈiɾ] [tɾɐ ˈiɾmuʃ] [tɾɐ ˈiɾdəʃ] [tɾɐ ˈiɾɐ ]
Formas nominais
trair traindo traído
inf ger pcp
[tɾɐ ˈiɾ] [tɾɐ ˈ du] [tɾɐ ˈidu]
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4. Conclusões e trabalho futuro
Neste trabalho são apresentados, de forma sistemática, os paradigmas de pronunciação
de verbos em português europeu. A metodologia aplicada partiu da consideração de que
a vogal temática, “ponto nevrálgico da estrutura interna das formas verbais” [Mateus
2003], é parte integrante dos sufixos, evitando-se assim a abordagem do conceito de
supressão vocálica ao eliminar a necessidade da “supressão da vogal temática” quando
esta não está presente nas flexões ou apresenta variações no seu timbre. A acompanhar a
descrição deste sistema de pronunciação de verbos, apresentamos tabelas das tipologias
de regularidade da pronunciação dos verbos, bem como da ambiguidade entre a forma
pronunciada e os valores de tempo modo pessoa e número que a determinam. Nos
verbos abundantes apenas foram consideradas as pronunciações regulares, não tendo
sido matéria de análise os particípios passados alternativos e irregulares. Pretende-se
estender este trabalho às conjugações pronominais, reflexas e recíprocas, bem como à
pronunciação do português brasileiro.
7. Referências
[Pessoa 1990] Pessoa, F. (1990) Livro do Desassossego. Organização e fixação de
inéditos de Teresa Sobral Cunha, vol. I: 191. Coimbra: Presença.
[Mateus 2003] Mateus, M.H.M. (2003) “Fonologia”, in Gramática da Língua
Portuguesa. Edited by Mateus, M.H.M. et al., Editorial Caminho.
[Mateus e Andrade 2000] Mateus, M.H.M. and d’Andrade, E. (2000) The phonology of
portuguese. Oxford University Press.
[Andrade 1980/81] Andrade, E. d’ (1980/81) “Sobre a alternância vocálica em
português”, in Boletim de Filologia, XXVI: 69-81.
[Villalva 2003] Villalva, A. (2003) “Estrutura morfológica básica”, in Gramática da
Língua Portuguesa. Edited by Mateus, M.H.M. et al., Editorial Caminho.
[Santos e Rocha 2001] Santos, D. and Rocha, P. (2001) “Evaluating CETEMPúblico, a
free resource for Portuguese”, In Proceedings of the 39th Annual Meeting of the
Association for Computational Linguistics: 442-449.
[Bonami e Luís 2013] Bonami, O. and Luís, A. (2013) “Sur la morphologie implicative
dans la conjugaison du portugais: une etude quantitative”. (acedido em 30 de abril de
2013)
[Cunha e Cintra 2002] Cunha, Celso, Cintra, Lindley (2002) Nova Gramática do
Português Contemporâneo. Edições João Sá da Costa.
[Barbosa 1994] Barbosa, J. M. (1994) Fonologia e Morfologia do Português, Livraria
Almedina.
[grafone 2011] http://www.co.it.pt/~labfala/g2p/index.html
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