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PIAGET E VYGOTSKY:
Caminho rumo à descoberta de um fenômeno
chamado linguagem, nos primeiros anos de
vida da criança
4
Danilo Souto Maior

PIAGET E VYGOTSKY:
Caminho rumo à descoberta de um fenômeno
chamado linguagem, nos primeiros anos de
vida da criança

Editor autor

2014
Copyright © 2014, Danilo Souto Maior
Copyright desta edição © 2014
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Dados Internacionais de Catalogação

Maior, Danilo Souto.

Piaget e Vygotsky: Caminho rumo à


descoberta de um fenômeno chamado linguagem, nos
primeiros anos de vida da criança. – Recife: Editor-autor, 2014.

82f.

1. Psicolinguística. 2. Desenvolvimento
cognitivo e da fala. 3. Linguagem. I. Título.

CDD – 153

Índice para catálogo sistemático:


02. 153 Inteligência e intelecto - Processos mentais, memória e aprendizado.

6
Sumário
Prefácio ............................................................................................. 9

INTRODUÇÃO ............................................................................ 11

1. O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA NERVOSO


CENTRAL (SNC) E AS ETAPAS DE
DESENVOLVIMENTO FETAL (DF). ................................... 17

2. A CONSTITUIÇÃO DO CÉREBRO E O NASCIMENTO


DA CRIANÇA. .......................................................................... 23

3. A COGNIÇÃO HUMANA E UM FENÔMENO


CHAMADO LINGUAGEM. .................................................. 27

4. PIAGET E OS PRIMEIROS PASSOS NO PROCESSO


DE AQUISIÇÃO DA FALA.................................................... 33

5. PIAGET E A MEDIAÇÃO SIMBÓLICA NO


DESENVOLVIMENTO DA FALA NA CRIANÇA. .......... 37

6. VYGOTSKY E A LINGUAGEM COMO INTERCURSO


SOCIAL. ..................................................................................... 43

7. VYGOTSKY E OS ESTÁDIOS DE
DESENVOLVIMENTO DA FALA NA CRIANÇA. .......... 51

8. VYGOTSKY E A QUESTÃO DOS DISCURSOS


EGOCÊNTRICO E COMUNICATIVO. ............................... 57

9. PIAGET E VYGOTSKY E O DESPERTAR PARA A


LINGUAGEM DE CARÁTER INTELECTIVO. ................. 65
CONCLUSÃO. .............................................................................. 73

BIBLIOGRAFIA ............................................................................ 75

Sobre o autor .......................................................................... 77

8
Prefácio

Como um estudo de caso, assim


surgiu a ideia da construção deste livro.

Querendo homenagear seu sobrinho e


afilhado, Phyllipe Gabryel Souto Maior
dos Santos, o autor desta obra e meu
amigo foi mais além com seus estudos,
trazendo, através de uma linguagem
bastante simples, um ponto de vista não-
convencional acerca da linguagem, a
natureza da mesma e como ela se
manifesta em seus primeiros estágios, de
modo ainda muito complexo, através de
comportamentos repetitivos ou gestuais,
por parte da criança. É assim que a mesma,
ao longo de seu processo de
amadurecimento intelectivo, percebe o
9
modo de funcionamento da linguagem,
bem como a sua finalidade e relação
complexa estabelecida com a ideologia,
cultura e sociedade onde está inserida,
desde tempos imemorias.

Um livro, sem dúvida alguma, muito


prazeroso para ser lido por muitas mães e
talvez algum estudioso interessado no
valor desta obra, que apresenta os
pensamentos de dois grandes
pesquisadores da evolução cognitiva da
criança.

Gisele Barbosa de Moura

10
INTRODUÇÃO

Neste livro, buscamos apresentar


algumas considerações acerca de como o
processo de maturação cognitiva interfere
no desenvolvimento da fala em crianças do
zero aos quatro anos de idade, segundo
dois grandes pesquisadores, a saber: Piaget
e Vygotsky.
Assim, num primeiro momento deste
livro, apresentamos certos estudos acerca
do desenvolvimento fetal, levando em
consideração que, já a partir das primeiras
semanas de gestação, a criança seria capaz
de perceber certos estímulos, relacionados
ao tato e audição, advindos dos meios
interno e externo.
Após, tivemos a intenção de
estabelecer um contraponto entre Piaget e
Vygotsky, uma vez que aquele determina
11
que certos fatores biológicos, tais como o
desenvolvimento do corpo e a maturação
de sua inteligência, são essenciais para a
manutenção e desenvolvimento da
cognição do bebê e da fala, ao passo que
Vygotsky afirma que fatores sociais é que
são responsáveis e servem de estímulos
para o processo de maturação da criança,
sem os quais a mesma só atingiria certos
estádios de desenvolvimento com muita
dificuldade. Sendo assim, o principal foco
deste trabalho é apresentar como se
desenvolve a fala, importante meio de
comunicação para que a criança possa
imergir no mundo onde vive.
Partindo dessa análise, podemos
constatar que o choro e o riso, por
exemplo, já nos primeiros dias de vida do
bebê, caracterizam um primeiro estágio de
interação da criança juntamente com a sua
mãe. A partir daí, podemos inferir como a
12
criança se descobre enquanto ser
independente que é e capaz de se integrar
ao meio social como participante ativo,
uma vez que nos primeiros momentos de
sua vida, a mesma se considera como
prolongamento de sua mãe. O papel do
pai, neste momento, é extremamente
importante para quebrar este vínculo
imaginário e a criança passa a perceber os
objetos e o mundo a sua volta de forma
diferente.
O principal fator que nos
impulsionou a elaboração deste livro foi
por entendermos ser de fundamental
relevância compreendermos como se dá o
processo de amadurecimento cognitivo da
criança e como a mesma percebe, através
do fenômeno chamado linguagem, o
mundo a sua volta e a cultura onde está
inserida, e a importância que este tem para
organização de seus pensamentos.
13
Ainda, partindo das ideias de
Vygotsky (2008), podemos constatar que
os processos cognitivos e a fala estão
conectados entre si, não sendo possível
fazer a distinção quando começa um ou
outro, sendo algo relevante para a
compreensão de como se estabelece o
aprendizado e a construção do intelecto da
criança, a partir da aquisição e domínio da
linguagem.
Também, por sabermos ser o
desenvolvimento do cérebro de um bebê
ainda em formação, dentro do útero da
mãe, importante ponto de investigação
para a ciência nos dias de hoje, pesquisas
recentes1 demonstram que o cérebro é uma

1
Dados da pesquisa apresentados em: THE LIFE secret of the brain. Wider
than the sky. Baby’s brain. Produção: TV ESCOLA. Apresentação de
Valmir Cardoso. Programa Acervo: Documentário. Meio televisivo.
Brasília: Canal 14. 18 jun. 2009: 17:00h. 55’35”.

14
estrutura pré-programada para a criação
de circuitos e mecanismos de conexão que
vão servir para compor todo o organismo
do feto e fazer com que o mesmo
desenvolva todas as suas faculdades
normais, ou seja, atestando aquilo que
Chomsky (1977) afirma, em outras
palavras, que somos seres biologicamente
pré-programados para o desenvolvimento
da capacidade de articular a fala e unir a
linguagem ao fenômeno ainda
desconhecido para a ciência, que é a
faculdade intelectiva do ser humano ou
seus pensamentos.

15
16
1. O DESENVOLVIMENTO DO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL (SNC) E AS ETAPAS
DE DESENVOLVIMENTO FETAL (DF).

Levando em consideração o período


gestacional normal de uma mulher que é
de nove meses, só a partir do segundo mês
temos a constituição de um feto, quando se
encerra o período chamado embrionário.
Mas é já a partir da terceira semana de
gestação que se inicia a formação do
cérebro do bebê (acompanhar figura 1,
onde podemos visualizar as etapas de
formação e constituição do cérebro). O
encéfalo, situado no crânio, principia seu
desenvolvimento na décima sexta semana
de gestação. É composto pelo cérebro,
tronco encefálico, o primeiro a
desenvolver-se na formação do feto, e o
cerebelo.

17
Com a intensa proliferação celular
que modifica a estrutura do cérebro de lisa
para enervada, com depressões e elevações
(sulcos e giros) que se parecem com dobras
do tecido cortical, e que permite um
considerável crescimento da massa
encefálica sem, contudo, requerer um
grande aumento do crânio, é a partir deste
momento, da quinta semana gestacional
em diante, que se dá a formação dos dois

Figura 1: Evolução filogenética (A) e embriológica e


fetal (B) do SNC do ser humano.
E

Fonte: Rev. Bras. Psiquiatria. Vol. 28, nº4. São Paulo.


Dez. 2006. Disponível em: HTTP://www.scielo.br. Nov.
2013.

18
hemisférios cerebrais, sendo o esquerdo
responsável pela linguagem e pensamento
lógico e o direito responsável pelas funções
visuoespaciais.
Essa distinção funcional e mais
específica de partes do cérebro só foi
possível estabelecer a partir de 1861,
quando o pesquisador Pierre Paul Broca
identificou em um paciente o
comprometimento da fala sem, contudo,
apresentar quaisquer distúrbios de
compreensão ou articulação vocal. Outro
pesquisador, Carl Von Wernicke, em 1876,
detectou em um paciente certa alteração na
compreensão das palavras, mas não na
escrita. Wernicke também constatou que
esta área (que foi nomeada em sua honra)
era conectada por sistemas de fibras
nervosas à área de Broca, formando assim
um sistema complexo, responsável pela
compreensão e expressão deste fenômeno
19
chamado linguagem (ver figura 2).

Figura 2: Áreas de Broca e Wernicke.

Fonte: Revista eletrônica: Os nossos Peter Pan.2

Com o avanço das tecnologias e da


ultrassonografia e outros recursos
intrusivos, foi possível atestar que a
sensibilidade ao tato é iniciada na sexta
semana de gestação ao redor da boca e

2
Disponível em: http://www.freewebs.com/. Nov. 2013

20
lábios e que, na décima segunda semana, o
feto já reage a sons do meio intrauterino,
tais como os batimentos cardíacos, a
respiração, funcionamento dos intestinos e
circulação do sangue nas veias, além do
som da voz de sua mãe. É importante
salientar aqui que o feto não ouve a
palavra, condição que só é possível se
houver ar entre o emissor e receptor;
portanto, o feto ouve apenas o som da voz,
que se propaga no líquido amniótico, ou
do meio externo, como ruídos e músicas.
Na décima sexta semana surgem os
movimentos de sucção, um primeiro
estímulo para a produção sonora do bebê
ao nascer. Neste período o feto é capaz de
discriminar sensações gustativas.
Os movimentos respiratórios só
acontecem depois do quarto mês, mas
somente após o sétimo mês é que eles se
mantêm de forma independente.
21
22
2. A CONSTITUIÇÃO DO CÉREBRO E O
NASCIMENTO DA CRIANÇA.

Como foi afirmado anteriormente, a


formação do cérebro do bebê se dá já a
partir da terceira semana de gestação, num
processo contínuo de aprimoramento que
permitirá o aprendizado até o final da
vida. Por isso, já se sabe que a criança, ao
nascer, é capaz de ver, ouvir e de sentir
cheiros e gostos. O que se sabe também é
que, desde o princípio de sua formação, o
cérebro é biologicamente programado para
a construção de conexões entre os
neurônios, condição necessária para o
desenvolvimento do feto e de suas
aptidões. Cada conexão entre neurônios é
chamada de sinapse (figura 3), responsável
por determinadas funções na formação do
organismo do bebê.

23
Dada a plasticidade do cérebro, o
bebê nasce com um grande objetivo: o de
aprender a desenvolver novas
capacidades, com um incrível senso de
adaptação. Do contrário, seria um grande
revés para a criança, no instante mesmo
em que vê a luz pela primeira vez. A
criança imerge num mundo repleto de
novas informações e que o cérebro precisa
captar e adequar a suas condições e
limitações. Nesse primeiro contato, o
cérebro do bebê explora e constrói uma
visão própria do mundo que o circunda e,
embora com uma estrutura ainda caótica
de formação da mente, consegue se
adequar ao meio em que vive.

24
Figura 3: Sinapses cerebrais.

Fonte: Alzheimer's Association.3

Após certo tempo, a criança consegue


também perceber e reagir a certas
características de sons e reconhece vozes,
como a do pai e da mãe. No primeiro ano
de vida, um aumento considerável de
sinapses, as conexões neurais, permite que
a criança desenvolva certas capacidades
como a de articulação da fala. É nessa fase
que se dão os primeiros passos para o
desenvolvimento da linguagem ordenada.

3
Disponível em: http://www.alz.org/brain_portuguese/06.asp. Nov. 2013

25
26
3. A COGNIÇÃO HUMANA E UM
FENÔMENO CHAMADO LINGUAGEM.

Não é de hoje que vários estudos se


debruçam acerca do que vem a ser ou
representar a cognição humana para o
desenvolvimento da sociedade. Inclusive,
muitos estudiosos consideram que os
termos cognição e inteligência possuem o
mesmo significado e identificam ambos ao
funcionamento mental.
Para Piaget (1987), por exemplo, a
inteligência seria, tal qual a cognição, o
mecanismo de adaptação do organismo e
sua relação com uma nova situação,
implicando em uma construção contínua
de novas estruturas para o aprendizado
coerente. Esse aprendizado teria início,
segundo pesquisas recentes, já durante o
período de formação e desenvolvimento
27
do feto. Assim, o homem se desenvolveria
intelectualmente através de exercícios e
estímulos oferecidos pelo meio em que
vive, em função de cooperações sociais, e
de forma natural e gradual.
Foi quem mais estudou acerca do
desenvolvimento cognitivo da criança,
estabelecendo etapas para explicar esse
processo de desenvolvimento. Nomeou
quatro modos de ação, a saber: sensório-
motor (do nascimento aos 2 anos), pré-
operatório (dos 2 aos 6 anos), operatório
concreto (dos 6 aos 12 anos) e operatório
formal (a partir dos 12 anos).
Ainda: o chamado período sensório-
motor, foco dos estudos deste trabalho,
caracteriza-se pelo aprendizado por parte
do bebê, a partir de sua percepção e de
suas atividades de iniciação na
coordenação motora. Segundo Piaget
28
(1975), esse primeiro estágio divide-se
também em seis subestágios (ou fases), que
podemos visualizar no quadro abaixo.

Quadro 1: Subestágios de desenvolvimento.

SUBESTÁGIO O QUE OCORRE COM O BEBÊ

De 0 a 1 mês O bebê ainda não tem a coordenação


motora desenvolvida, ou seja, não sustenta
objetos com as mãos. Não coordena seus
movimentos, que são espontâneos. Os
exercícios de repetição são centrados nos
reflexos inatos de ver, ouvir, sugar, tocar e
pegar.

De 1 a 4 meses Tem sensações corporais prazerosas


casuais, como chupar o dedo, morder
brinquedos, etc. Essas ações são repetitivas.
No entanto, o bebê ainda não se sente
como um integrante do meio, mas parte
dele, sendo que suas atitudes não são
sistemáticas e não relaciona o resultado
dessas atitudes a ele mesmo. Começa a ter
certo controle de sua coordenação motora e
a explorar de diversas formas os objetos
que tem nas mãos.

Dos 4 aos 8 Interessa-se mais pelo ambiente em que

29
meses vive e começa a explorá-lo de diversas
formas, inclusive com atitudes reflexas de
experimento, como, por exemplo, pegar
um objeto e balançá-lo. Neste caso,
podemos dizer que ele tem ações
intencionais, mas não um objetivo preciso,
uma meta a atingir. No entanto, percebe
que suas ações produzem determinado
efeito.

Dos 8 aos 12 Já tem atitudes intencionadas e consegue


meses traçar objetivos. No caso do subestágio
anterior em que o bebê se interessa apenas
por balançar o objeto, aqui ele o faz com a
intenção de fazê-lo produzir determinado
som. Tem a capacidade já amadurecida de
antecipar certos acontecimentos.

Dos 12 meses A capacidade motora está já bem


aos 18 meses desenvolvida e, por isso, explora os objetos
de várias maneiras. Experimenta certas
ações e concebe a resolução de
determinadas situações adversas por meio
de novas tentativas.

Dos 18 aos 24 Já tem uma interpretação mental dos


meses objetos, através da mediação simbólica e
das palavras que nomeiam os objetos.
Consegue vivenciar, através de seus
pensamentos, certos acontecimentos e suas
eventuais consequências, sem precisar

30
necessariamente acometer a ação.

Fonte: Produção do autor, baseado em estudo (PIAGET, 1975).

Esse esquema partitivo serve para


entendermos melhor as etapas de
desenvolvimento da criança, e atestando
que tudo se passa através de um processo
ordenado e gradual, mais ou menos
comum a todos os bebês. Também é
durante esse período que ocorre, como
podemos observar, o complexo processo
de maturação do bebê, em função,
basicamente, de assimilar a condição
natural para sua sobrevivência e, a partir
de então, conceber a linguagem, através de
um esquema de reordenação e adequação
aos seus pensamentos. Dessa forma, a
criança necessita, primeiramente,
organizar suas ideias, entendendo o
funcionamento natural da ordem das
coisas, através da formação de
representações mentais estáveis, para só, a
31
partir de então, ter o domínio pleno da
linguagem, que é quando ela passa a
realizar processos mentais mais
elaborados.

32
4. PIAGET E OS PRIMEIROS PASSOS NO
PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA FALA.

No período entre o primeiro e


segundo mês de vida, segundo Piaget
(1987), é quando a criança desperta um
maior interesse pela voz – ele constata que,
a partir das cinco ou seis semanas, “o
sorriso da criança demonstra bem que ela
reconhece a voz ou as figuras familiares,
ao passo que os sons ou imagens inabituais
a deixam mergulhada na perplexidade ou
na surpresa” (PIAGET, 1975, p.13) – e que,
a partir do segundo mês, já podemos
conceber a “fonação como adaptação
adquirida” (PIAGET, 1987, p. 84). A partir
de então e mais ou menos até o oitavo mês
de vida, é quando a linguagem da criança
se restringe basicamente a ecolalia, que se
caracteriza pela repetição de fonemas
articuláveis, porém sem um sentido
33
figurado, e palavras-frase, onde uma só
palavra representa a constatação de uma
ação, seja produzida pelo próprio bebê ou
por quem pode proceder por ele.
Para Piaget a fonação tem sua
estrutura a partir de dois sentidos, ditos
complementares:
“primeiro, na medida em que o
conjunto de sons produzidos constitui
um sistema de articulações
interdependentes e, depois, na medida
em que a fonação se coordena
imediatamente com outros esquemas e,
sobretudo, com os esquemas
auditivos.” (1987, p.86)

Essa concepção fundamenta que a


criança coordena o espaço e o tempo ao ser
redor, assimilando o que vê e o que ouve,
através da imitação de sons de fonemas
articulados por outrem, num esquema de
aprendizado constante e fundamental para
sua inserção no meio social, como processo
34
de cooperação, através da comunicação
articulada da fala. Mas nada que limite. O
ato de comunicação, em si, é inato ao bebê.
Ou seja, independentemente de a criança
nascer cega e/ou surda, não a incapacita de
desenvolver a linguagem. Podendo citar
aqui o conhecido caso da jovem Helen
Keller4, salvo um caso extremo de má-
formação ou degeneração fetal.
Assim, a linguagem é um importante
meio introdutor dos esquemas do mundo,
mas não apenas através do que o bebê vê
e/ou ouve, mas também. Isso porque uma
criança, sendo sadia, já nasce, ao contrário
principalmente do que ocorre com a fala e
a visão – a criança, no caso da visão, em
4
Jovem que, aos dezoito meses de vida, ficou cega e surda devido a uma
grave doença diagnosticada, na época, como febre cerebral; supõe-se hoje
que a doença teria sido, na verdade, escarlatina, mas que superou todas as
dificuldades e limitações, aprendendo a falar aos dez anos de idade. Sua
primeira frase foi: “Eu não sou mais muda”.

35
seus primeiros dias de vida, é capaz de
enxergar coisas há apenas trinta
centímetros de distância –, com sua
capacidade auditiva já bem desenvolvida e
que se integra e se estabelece, ao longo de
seu natural desenvolvimento, através das
chamadas “duas coordenações essenciais:
coordenação com a fonação e coordenação
com a visão” (PIAGET, 1987, p.86). O
referido autor (1987, p.87), neste caso,
constata que a “criança se comporta a
respeito dos sons que ouve tal como em
relação à visão”, este primeiramente
àquela, para só então proceder com a fala.

36
5. PIAGET E A MEDIAÇÃO SIMBÓLICA NO
DESENVOLVIMENTO DA FALA NA
CRIANÇA.

Piaget constata, através de suas


análises,
“como a imitação (que caracteriza uma
das etapas de desenvolvimento cognitivo do
bebê)5 de início simples réplica
“positiva” da acomodação, se prolonga
em imagens representativas que
servem de significantes ao jogo e ao
próprio pensamento adaptado, ao
passo que as formas superiores e
refletidas de imitação propriamente
ditas se integram na inteligência.”
(PIAGET, 1978, p. 275)

Ainda, para o referido autor, esse


mesmo jogo, “inicialmente simples
especialização da assimilação sensório-
motora funcional, torna-se em seguida
simbólica e se prolonga sob essa nova
5
Grifo nosso.

37
forma em simbolismo inconsciente” (Id.,
Ibid., p. 275), que prepara para uma
construção representativa das coisas e que,
ao final, se reduz a uma fonte de
imaginação criadora.
Assim, Piaget (1978) conclui então
que a aquisição da linguagem é um
processo que envolve certo despertar
intelectivo e que se fundamenta no
desenvolvimento da função simbólica.
Essa mesma função simbólica é
condicionada e se estabelece através de
etapas do desenvolvimento cognitivo,
natural a todos os bebês, que ocorre
apenas quando a criança toma consciência
de suas ações, conseguindo, através de um
pensamento mediado, antecipar os
resultados que deseja alcançar.
É nesse estágio que se inicia para
Piaget (1975) a chamada fase da
38
inteligência “pré-conceptual”. A criança
passa a representar em sua mente as ações
simbólicas em substituição às ações
verdadeiras e, embora passe a ter, a partir
de então, certo domínio do léxico em que
está inserida, suas intenções ainda não têm
nada a ver com o ato de comunicar, isso
porque as palavras, de início, funcionam
apenas como parte integrante da ação.
Para o despertar da linguagem de
caráter comunicativo e social, entendendo
o social como a “indiferenciação entre o eu
e os outros, em vez de troca fundada em
diferenciação nítida” (PIAGET, 1978,
p.287), é preciso que ocorra o declínio do
chamado período do egocentrismo, onde a
criança imita pelo simples prazer de imitar
e, embora articule certas palavras ou
determinados sons não articulados em
palavras, sua intenção é altamente
desvinculada de qualquer interação com
39
outrem ou suas intenções de fala “se
dirigem a si mesma tanto quanto a
outrem” (Id., Ibid., p.287). É o que os
pesquisadores identificam como o
monólogo absoluto da criança, que fala
para si mesma e não tem nenhuma
intenção em comunicar.
No entanto, pesquisas realizadas no
Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa
Médica da França, demonstrou, em 2006,
que bebês de 3 meses já são capazes de
reconhecer e reagem a frases simples
articuladas pelos mais próximos a eles,
mesmo sem ter ainda habilidade para a
fala. O mesmo estudo constatou que certas
regiões cerebrais, semelhantes às dos
adultos para o processamento de
linguagem, foram ativadas durante tal
procedimento – um fator importante e
determinante de que, nessa idade, o
cérebro já estaria pronto para a futura
40
aquisição da fala.
Mas é somente quando “a palavra
começa então a funcionar como signo, isto
é, não mais como simples parte integrante
do ato, mas como evocação deste”
(PIAGET, 1978, p. 286) que a criança
efetiva seu domínio pleno da linguagem
através de sua representação cognitiva e
simbolicamente mediada.

41
42
6. VYGOTSKY E A LINGUAGEM COMO
INTERCURSO SOCIAL.

Embora em seus estudos Vygotsky


não tenha se detido especificamente em
um quadro cronológico de idades, tal qual
Piaget, fez menção de várias etapas as
quais denominou “estádios de
desenvolvimento da criança”. Esses
estádios de desenvolvimento, seguindo
critérios filogenéticos e ontogenéticos,
seriam fundamentais e suficientes para
compreender e assimilar o
desenvolvimento pleno do indivíduo na
sociedade. E aqui está o ponto
fundamental para conceber todo ideal de
desenvolvimento do indivíduo, defendido
por Vygotsky, que tem relação direta com
o quadro sociocultural onde o mesmo está
inserido.

43
Para Vygotsky (2008), o meio social é
fator determinante para que a criança
compreenda e assimile os mecanismos
inerentes ao despertar de suas ideias.
Assim, a forma como a criança irá
aprender a pensar e interagir com o meio
tem a ver com o componente histórico-
social em que a mesma está inserida.
Ao contrário do que pensa Piaget
(1987), onde afirma que as habilidades
cognitivas e as formas de estruturar o
pensamento do indivíduo são
determinadas por fatores congênitos, para
Vygotsky, tais habilidades são o
“resultado das atividades praticadas de
acordo com os hábitos sociais da
cultura em que o indivíduo se
desenvolve. Conseqüentemente, a
história da sociedade na qual a criança
se desenvolve e a história pessoal desta
criança são fatores cruciais que vão
determinar sua forma de pensar.”
(2008, p.10)

44
Tal atitude é mediada pela
representação máxima da interação social
que se dá através da linguagem – “A
função primordial da linguagem é a
comunicação, intercâmbio social”
(VYGOTSKY, 2008, p.29) –, que tem um
papel importante na formação do homem,
uma vez que formas avançadas de
pensamento lhe são transmitidas através
das palavras.
No entanto, Vygotsky (2008)
estabelece, a partir de experimentos não
muito claros ou bem definidos, uma ideia
que parece ser fundamental para a
compreensão dos esquemas do
processamento mental, onde diz que, no
ser humano, tanto o pensamento quanto a
linguagem têm origens diferentes, em se
tratando do composto biológico, e que tais
funções, ditas sociais, desenvolvem-se
através de caminhos independentes, não
45
existindo nenhuma relação nítida ou
constante entre ambas. Ou seja,
inicialmente o pensamento é não-verbal e a
linguagem não é intelectual. Assim, tais
trajetórias de desenvolvimento, que não
são paralelas, cruzam-se em determinado
momento, mais ou menos por volta dos
dois anos de idade, que é quando a criança
supera a fase inicial de seu
desenvolvimento, dando início a uma nova
forma de comportamento, e, após
estabelecer a relação simbólica entre o
signo e o seu referente, onde, a partir de
então, o pensamento ordenado passa a ser
verbal e a linguagem racional.
Vygotsky (2008) afirma, entretanto,
que seria errado encarar o pensamento e a
fala como coisas distintas ou apenas como
estruturas que se entrecruzam,
influenciando-se mutuamente, e vai mais
além, estabelecendo que
46
“a relação entre o pensamento e a
palavra não é uma coisa mas um
processo, um movimento contínuo de
vaivém entre a palavra e o
pensamento; nesse processo a relação
entre o pensamento e a palavra sofre
alterações que, também elas, podem ser
consideradas como um
desenvolvimento no sentido funcional.
As palavras não se limitam a exprimir
o pensamento: é por elas que este
acede à existência. A progressão da
linguagem em direção ao todo
diferenciado numa frase, ajuda o
pensamento da criança a progredir de
conjuntos homogêneos para partes
bem definidas.” (VYGOTSKY, 2008,
p.291)

A partir de então, a criança já possui


um pensamento orientado, que é social, e,
por isso, dito inteligente, pois que “é
suscetível de verdade e erro e pode ser
comunicado através da linguagem”
(PIAGET apud VYGOTSKY, 2008, p.41).
É preciso entender que existe uma
relação intrínseca entre os seguintes
47
sistemas cognitivos, o pensamento
simbólico e a memória, que é a
representação imagética da realidade onde
estamos inseridos. Pesquisas recentes
determinam que, em princípio, por se
tratar ainda de uma formação caótica dos
pensamentos, uma criança de poucos
meses de vida ainda não seria capaz de
estabelecer memórias de longo prazo,
embora seja capaz de reconhecer
determinadas coisas e pessoas com as
quais convive. Ainda que a memória tenha
a ver com a cognição, a mesma só seria
definitivamente estabelecida a partir da
assimilação dos princípios fonéticos de
uma determinada língua, a língua
materna, e consequente domínio da fala
por parte da criança. Sendo assim, e
levando em consideração o sistema de
estádios de desenvolvimento estabelecido
por Vygotsky (2008), toda criança teria
48
uma fase chamada de pré-linguística, a
criança tem certa estrutura de pensamento
ainda não bem ordenada, mas
fundamentalmente lógica e uma fase
chamada de pré-intelectual à fala, quando
a criança tem certo domínio da linguagem,
mas ainda não consegue expressar através
dela seus pensamentos.

49
50
7. VYGOTSKY E OS ESTÁDIOS DE
DESENVOLVIMENTO DA FALA NA
CRIANÇA.

São quatro os estádios de


desenvolvimento da fala, seguindo o
critério estabelecido nos estudos de
Vygotsky (2008), critério este que tem a ver
com as etapas de desenvolvimento
filogenético e ontogenético do indivíduo.
A saber:
 O primeiro estádio, chamado de primitivo
ou natural. Nele a criança ainda está
vivenciando suas primeiras experiências
sociais. Ainda não tem domínio pleno de
suas faculdades mentais. Possui um
discurso pré-intelectual e seus
pensamentos seriam de origem não-verbal.

 O segundo estádio, o da psicologia ingênua


ou, por analogia, da física ingênua, onde a
criança tem consciência de seu próprio
51
corpo e um domínio articulado de seus
movimentos, estabelecendo critérios para
vivenciar suas experiências através de
mediadores, chamados instrumentos.
Vygotsky (2008) classifica essa fase como a
do desabrochar da inteligência prática
infantil. Nela, a criança já tem certa
consciência da linguagem que utiliza de
forma correta, com certo domínio das
estruturas gramaticais, ainda que sem “ter
compreendido as operações lógicas que
representam” (VYGOTSKY, 2008, p.118).
Neste ponto, Vygotsky entra em acordo
com Piaget, que determina que a gramática
precede à lógica. Isso porque a criança, nos
estágios de seu desenvolvimento,
primeiramente adquire o domínio da
sintaxe da linguagem para só então
dominar a sintaxe do pensamento.

 O terceiro estádio, o das operações


externas. Nele a criança tem acumulada
certa experiência adquirida no estádio
anterior. Sabe contar pelos dedos e faz uso
seletivo da memória. Esta fase é
52
caracterizada pelo chamado domínio do
discurso egocêntrico, tema que
abordaremos posteriormente.

 O quarto estádio ou do crescimento


interno. As operações externas
interiorizam-se. A criança não faz mais uso
de instrumentos como mediadores
mnemônicos e já sabe, por exemplo, contar
de cabeça. Passa a utilizar a chamada
memória lógica e compreende a relação
direta entre os signos e seus referentes.

Todo esse critério de


desenvolvimento estabelecido por
Vygotsky (2008) determina etapas que
subjazem a construção do conhecimento e
amadurecimento das ideias por parte da
criança, sempre relembrando que todo esse
conhecimento adquirido é mediado pelo
fator social. Assim, no intercurso de seu
aprimoramento, a criança assimila o que
vê, o que ouve, para só então poder
praticar em meio social. Essa construção
53
do conhecimento, então, se dá de forma
indireta, por meio de uma intervenção. Tal
intervenção é feita por um adulto, que
geralmente acompanha todo o crescimento
do bebê, auxiliando-o na aquisição de
novas experiências, e que podemos
representar através do esquema seguinte:

Fluxograma 1: Estímulos direto ou


mediado.
EI R

EM

Fonte: Produção do autor.

onde, “EI” seria o estímulo inicial, como a


criança percebe o mundo a sua volta, como
encara sua primeira relação com o(s)
indivíduo(s) com quem convive; “R” tem a
ver com a resposta que, como podemos
observar, no esquema acima, pode ser
54
direta (ideia refutada por Vygotsky: linha
pontilhada) ou pode dar-se através de um
elo mediador (EM), justamente o
instrumento prático utilizado durante o
processo de aprendizagem pela criança ou
suas experiências adquiridas. Esse elo
mediador pode ser a memória, a
representação imagética na mente da
criança, e a relação que se estabelece a
partir do momento em que a mesma
compreende a ordem natural das coisas no
mundo, através de interações sociais.

55
56
8. VYGOTSKY E A QUESTÃO DOS
DISCURSOS EGOCÊNTRICO E
COMUNICATIVO.

Para Vygotsky, como foi afirmado


anteriormente, a linguagem humana, em
se tratando de um sistema simbólico
fundamental na mediação entre sujeito e
objeto de conhecimento, tem como função
básica o intercâmbio social, através de sua
estrutura de pensamento generalizante. A
base factual para compreensão desta ideia
está associada à importância que a criança,
em seus primeiros anos de vida, dá à
linguagem.
É aqui que Piaget e Vygotsky
apresentam concepções diferentes e
divergentes, em alguns pontos. Enquanto
Piaget (1978) aponta que existem dois
modos de a criança encarar a forma como
57
faz uso da fala humana, no princípio de
sua aquisição, a saber:

 O egocêntrico → Nele a criança fala apenas


dela própria, de si para si, não se
preocupando com aqueles que estão ao seu
redor. Seria a ideia de um monólogo
interior, sendo que, neste caso, a criança
pensa em voz alta, a fim de dar cabo da
compreensão, de si para si, de suas
próprias ideias.

 O socializado → Embora traga a ideia de


interação social, para Piaget (1987), aqui, a
criança não pretende estabelecer um
intercâmbio com os outros. Seu discurso é,
na maioria das vezes, de ordem solicitante:
sabe dizer o que quer, dá ordens, faz
questionamentos e, embora saiba
transmitir informações, não tem ideia de
sua relação com o interlocutor direto na
cadeia da comunicação.

Vygotsky estabelece que o


58
desenvolvimento mental segue uma
evolução que é válida tanto para crianças
quanto para os adultos. Essa evolução é
basicamente voltada para a comunicação
ou contato social. “Por conseguinte, a fala
mais primitiva das crianças é uma fala
essencialmente social.” (VYGOTSKY, 2008,
p.57).
Neste aspecto, Vygotsky determina
que o discurso social (DS) da criança
subdivide-se em dois tipos: o discurso
egocêntrico e o discurso comunicativo,
sendo ambos, como foi dito, de caráter
eminentemente social. O que distingue um
do outro tem relação com a função social
estabelecida em cada qual. O primeiro,
realizado fora de um determinado
contexto, não seria compreensível, pois
que omite certos dados que seriam óbvios
para aquele que fala, ao passo que o
segundo sim. Assim, temos o seguinte
59
intercurso do desenvolvimento social da
fala:

Fluxograma 2: Evolução do DS na criança.

Discurso Discurso Discurso


social egocêntrico interior

Discurso
comunicativo

Fonte: Produção do autor, baseado em estudo (VYGOTSKY, 2008).

sendo que, ambos, discurso egocêntrico e


discurso interior, preenchem funções
intelectuais e possuem estruturas
semelhantes.
Portanto, a função social da
linguagem se manifesta já a partir dos
primeiros dias de vida do bebê, ou seja, o
60
choro, o riso, os gestos descompassados,
para Vygotsky (2008), teriam já aspectos
relacionados com a comunicação. A
criança percebe que seu choro é uma forma
de fazer mover aquele que está próximo e
pode proceder por ela de alguma maneira.
É a chamada lei da sobrevivência de
caráter solicitante-apelativo. Tal atitude
enveredaria para o canal do discurso
egocêntrico que, embora a palavra seja
bem sugestiva de uma ideia contrária, na
concepção de Vygotsky (2008), não tem
nada a ver com o que determina Piaget
(1978). Enquanto que para Piaget (1978) tal
discurso é uma expressão direta do
egocentrismo do pensamento da criança e
que essa atitude tem apenas a função de
acompanhar a atividade da mesma,
Vygotsky (2008) diz que o discurso
egocêntrico está ao serviço da orientação
mental, “um instrumento de pensamento”,
61
da compreensão consciente, e que tal
atividade ajuda a criança a vencer certos
obstáculos impostos na integração sua com
o meio social. A linguagem aqui como
sintoma de um alívio emocional, isso
porque o pensamento é gerado pela
motivação e está intimamente ligado a
nossos desejos e solicitações, tal qual
nossos interesses e emoções.
Contrapondo:
Quadro 2: Diferenças de pensamento entre Vygotsky e Piaget.

VYGOTSKY PIAGET

Estágios De caráter De acordo com o


universais de eminentemente suporte biológico.
desenvolvimento cultural, mediante
da linguagem: interações sociais.

Função da Linguagem como Linguagem enquanto


linguagem, a função social. cooperação social.
partir dos
primeiros anos
de vida:

Atitude de Através da Por meio da


percepção estruturação e
62
linguagem: (verbalizada); coação; estágios de
estágios de evolução.
involução.

Fonte: Produção do autor.

Essa diferenciação categórica


estabelecida entre Vygotsky e Piaget, a
respeito do discurso egocêntrico, tem a ver
com a linha de desenvolvimento do
pensamento da criança enquanto
instrumento de mediação com o meio, em
se tratando de um processo de involução e
não de evolução. Piaget (1978) diz que,
para a criança se inserir no meio social, ela
precisa definhar com o egocentrismo de
seu pensamento e linguagem, para só
então proceder com o discurso social, ao
passo que Vygotsky (2008) defende a ideia
de que o discurso egocêntrico não nos
abandona, mas apenas se converte numa
espécie de discurso interior, que nada tem
a ver com o aspecto interior do discurso
externo, mas que é uma função, em si
63
próprio, realizado a partir de significados
puros, ao passo que o discurso externo traz
a exposição dos pensamentos. Assim, a
linguagem e, através desta, os
pensamentos teriam um percurso que seria
do socializado para o individual, ao passo
que Piaget defende a ideia contrária.

64
9. PIAGET E VYGOTSKY E O DESPERTAR
PARA A LINGUAGEM DE CARÁTER
INTELECTIVO.

Para Piaget (1975) a criança teria duas


formas de atividade intelectual, a sensório-
motora e a do pensamento conceptual. A
primeira estabelece-se somente a partir do
primeiro estágio de desenvolvimento da
criança, ou seja, o sensório-motor, e que
está relacionada às atividades práticas da
mesma, pois que tais atividades
correlacionam linguagem e ação, mediante
uma adaptação prática. À segunda sucede
a primeira e dela se diferencia quanto à
relação que se estabelece entre a criança e o
mundo que a rodeia. Ocorre apenas a
partir do momento em que a criança
adquire certo pensamento reflexivo e a
representação de suas ações na mente
substitui suas próprias ações. Piaget ainda
65
aponta outra diferença entre essas duas
atividades intelectivas, que seria o fato de
a primeira ser “uma adaptação do
indivíduo às coisas ou ao corpo de outrem,
mas sem socialização do intelecto como tal,
enquanto o pensamento conceptual é um
pensamento coletivo que obedece a regras
comuns” (1975, p.335).
Ainda, como já foi exposto
anteriormente, em nosso trabalho,
segundo análises de Vygotsky, as linhas de
desenvolvimento da linguagem e
pensamento não são paralelas e têm raízes
genéticas diferenciadas. O mesmo se dá
com o desenvolvimento do intelecto que
também é independente do da linguagem
– como afirma Vygotsky: “inicialmente o
pensamento é não-verbal e a linguagem é
não-intelectual6” (2008, p.124). Embora isso

6
Grifo nosso.

66
seja verdade, tais linhas, em um
determinado período do desenvolvimento
da criança, se intersectam e se imbricam,
provocando considerável mudança no
comportamento da mesma. Tal mudança
só ocorreria, conforme afirma Vygotsky
(2008), por volta dos dois anos de idade.
A partir deste momento, a criança
sente uma grande necessidade por
dominar os recursos comunicativos da
linguagem, a fim de promover a
estruturação de seu discurso, pois já
percebe a relação direta que existe entre os
signos e os objetos que representam,
embora que de forma ainda rudimentar,
pois o despertar para a inteligência
racional, que estabelece a relação simbólica
entre palavra e objeto, só ocorreria de
forma lenta e gradual, após ter adquirido
certas características do pensamento bem
desenvolvido. Assim, em um determinado
67
momento, a linguagem atravessa seu
caráter, a princípio, eminentemente
afetivo-conativo e assume um papel
intelectivo no meio social em que a criança
está inserida.
Portanto, a relação estabelecida na
mente da criança “estrutura-palavra-
objeto” é assimilada mais cedo do que a
estrutura simbólica interna. Sendo assim,
uma criança dos 18 aos 24 meses não
concebe e não é capaz de descobrir a
função simbólica da linguagem, ao
contrário do que afirma Piaget (1978)7.
Primeiramente, a mesma domina a
estrutura externa ao signo, sendo que o
domínio pleno das faculdades do
pensamento é determinado pela
linguagem – meio social de pensamento –

7
Vê nota – subestágio: 18 a 24 meses – no quadro referido, na página 21.

68
ou mais especificamente pelos
instrumentos linguísticos do pensamento,
através da experiência sociocultural
vivenciada por ela.
Podemos esquematizar a linha de
desenvolvimento da linguagem da
seguinte forma:
Fluxograma 3: Estágios de evolução da fala.

Processos
mentais mais
elaborados

Domínio pleno Linguagem


Linguagem
das estruturas de mais bem
primitiva
linguagem elaborada

Complexos de
ideias de base
mais abstratas

Fonte: Produção do autor.

69
Sendo simultaneamente o significado
da palavra pensamento e linguagem, uma
vez que é a partir desta que aquele se
manifesta, por meio de interações sociais.
Primeiramente, a linguagem primitiva,
após a criança ter vivenciado certos
experimentos baseados em suas
representações, por meio do jogo de
interações com o meio, se transforma
numa linguagem mais bem elaborada,
uma vez que os processos mentais já
atingiram níveis elevados de raciocínio
lógico, com o amadurecimento das
estruturas sinápticas, que fazem com que a
criança se desenvolva de forma mais
equilibrada. Para isso, é preciso que se
estabeleça também a relação direta que
existe entre a “palavra-som-significado”
(tal significado enquanto atos de pensar),
significante, enquanto fenômeno
linguístico. Assim, necessariamente, mas
70
não exclusivamente, o despertar intelectual
da criança vai depender de como a mesma
faz uso deste meio social de pensamento,
que é a linguagem.

71
72
CONCLUSÃO.

Nossa intenção, ao elaborar este


trabalho, era a de construir uma trajetória
de desenvolvimento filogenético e
ontogenético da criança em seus primeiros
anos de vida, baseando-nos nos estudos de
Vygotsky e Piaget, estabelecendo uma
correlação entre as funções da linguagem,
em seu estágio inicial, e as atividades de
pensamento, enquanto ato intelectivo de
mediação entre o eu e o outro.
Não podemos inferir o quanto fomos
fiéis a essa proposta inicial, mas, com
certeza, o que apresentamos aqui traz
considerações úteis, para que possam
despertar em outrem certo interesse pela
psicolinguística e desenvolvimento
cognitivo e da linguagem em crianças em
seus primeiros estágios de
73
desenvolvimento – um campo vasto e
talvez imensurável de estudos. As análises
aqui apresentadas tinham o objetivo de
atestar as informações apresentadas pelos
pesquisadores acima mencionados e
estabelecer um contraponto entre ambos,
acerca do desenvolvimento da linguagem.
Sendo assim, esperamos que este possa vir
a servir de base para novos estudos.

74
BIBLIOGRAFIA

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PIAGET, Jean. A construção do real na
75
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__________________________. Pensamento
e Linguagem. Trad. Jefferson Luiz
Camargo. 4. ed. São Paulo: Martins
Editora, 2008.

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Sobre o autor

Danilo Souto Maior é pernambucano,


natural da cidade do Bom Jardim. Tem
formação em Letras pela Universidade de
Pernambuco, polo Nazaré da Mata, e é
especialista em Educação a Distância. É
também autor de livros infantojuvenis.

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