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L I V R O S

E N T R E

Acervo do Última Hora/Arquivo do Estado de São Paulo


Gilberto Freyre durante entrevista ao jornal Última Hora, nos anos 50

L idos a partir de hoje e na pers-


pectiva do significado de suas obras para
contestavam alguns de seus mais assen-
tados pressupostos. E, por isso mesmo,
significava que eram obras que reavalia-
vam interpretações anteriores e que, por
a história do pensamento brasileiro, ambas tinham um traço básico em isso, ou se acrescentavam a leituras
autores como Gilberto Freyre ou Sérgio comum: eram obras de interpretação, preexistentes ou as modificavam, como
Buarque de Holanda, embora tenham quando o ensaísmo brasileiro significava, ocorria com as já citadas de Gilberto
convivido e atuado no mesmo espaço sobretudo, encontrar pontos de vista Freyre e de Sérgio Buarque de Holanda,
cultural da geração daqueles homens e hermenêuticos que possibilitassem, em criando novas perspectivas herme-
mulheres que, como eu, hoje andam por grandes sínteses, a leitura, fosse de ordem nêuticas.
volta dos sessenta anos, parecem perten- social, fosse de ordem histórica, do país. E, assim como na área da criação
cer ao século passado. Obras como Casa Grande & Senzala, literária os últimos vestígios de nosso
E isto não apenas porque algumas de Sobrados & Mocambos ou Raízes do Brasil, realismo-naturalismo, quer na ficção
suas anotações de memória se referem a ao se transformarem em clássicas pela narrativa, quer na versão parnasiano-
personalidades ou acontecimentos da- leitura que delas foi feita nos decênios simbolista na poesia, eram varridos pela
quele século – é o caso, por exemplo, das imediatamente posteriores às suas publi- eclosão do Modernismo de 1922, assim
referências feitas por Gilberto Freyre a cações, respondiam, de fato, como já o pensamento social e histórico de viés
seu encontro, ainda rapaz, mal saído da observaram os seus melhores leitores, a evolucionista e positivista, que era a base
adolescência, com o historiador Oliveira um contexto histórico, social e político epistemológica daquele realismo-natu-
Lima, ou de Sérgio Buarque de Holanda, que criava a necessidade de seus apareci- ralismo, era posto em xeque por um en-
já rapaz, se encontrando, em redação de mentos num momento, como aquele saísmo mais arejado pelas pesquisas pes-
jornal, com o filólogo e crítico João Ri- vivido entre os anos 30 e 50, isto é, os soais que encontravam como expressão
beiro –, mas porque suas obras foram correspondentes aos da II Guerra Mun- uma prosa desataviada, que muito
construídas através de um forte e cons- dial e aos do pós-guerra, em que mais se aprendera com os experimentos moder-
tante diálogo com a tradição de cultura fazia urgente uma reordenação de valores nos, e que, por isso mesmo, conseguia
que, em suas áreas respectivas de atuação, e uma reinterpretação daquilo que se desprender da retórica cientificista e
encontrara o seu apogeu precisamente significara a herança cultural oitocentista pseudo-objetiva que dominara a infor-
naquele século. para as inteligências que se formaram nas mação de lastro evolucionista e posi-
Eram, por assim dizer, obras que duas primeiras décadas do século que ora tivista.
ganhavam o seu maior significado exata- termina. Neste sentido, é preciso fazer uma
mente por relerem aquela tradição, na Eram, rigorosamente, obras de correção ao que se disse, logo de início,
medida mesmo em que ampliavam ou interpretação do Brasil, o que também em frase o seu tanto incisiva: parecem

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O pensamento
literário de
Gilberto Freyre
João Alexandre Barbosa

A maior contribuição do autor de Casa Grande & Senzala

João Leite
para os estudos literários foram suas reflexões sobre
a história da leitura no Brasil e a articulação das noções
de região e tradição ao repertório temático
do movimento modernista
homens do século passado na medida em pologia, sociologia e estética, atentos não mentos atualíssimos de prospecção, de tal
que se defrontam com a herança cultural apenas para a novidade, por assim dizer, maneira que obras como as do Barroco
daquele século, mas são muito especial- “modernista”, das obras, mas empenhados ou do Arcadismo setecentista são, por
mente do nosso desde que os seus argu- em reler, sob a ótica das novas contri- assim dizer, presentificadas por força da
mentos, análises e interpretações decor- buições estéticas, o passado. leitura que, sendo histórica, é também
rem de todo o amplo movimento de É, para o caso de Sérgio Buarque de estética, mas uma história e uma estética
renovação teórica e de pesquisa, aquela Holanda, o que se pode observar, de modo que encontram no ensaio uma forma de
liberdade de experimentação defendida bastante claro, não apenas porque os seus expressão arejada que as liberta de
apaixonadamente pelos modernistas, tais textos de crítica literária foram reunidos qualquer traço de ortodoxia ou de precon-
Mário e Oswald de Andrade, que foi, em volumes que, reeditados, se tornam ceito.
talvez, o traço mais marcante da cultura facilmente acessíveis ao leitor interessado, Sem que se deixe de observar o que
dos primeiros cinqüenta anos do século como os livros Cobra de vidro e Tentativas há de notável no modo pelo qual Sérgio
XX. de mitologia, ambos da Editora Pers- Buarque de Holanda, preservando a sua
Por outro lado, se na história, na pectiva, a que se deve acrescentar, também qualidade de historiador, é capaz de ler
antropologia e na sociologia, como pela mesma editora, a reedição dos dois obras de seu tempo e lugar, sabendo criar
demonstram as obras de Gilberto Freyre volumes da Antologia dos poetas brasileiros as condições necessárias para projeções
e de Sérgio Buarque de Holanda, a da fase colonial, mas ainda porque dois no futuro, como, sobretudo, ao considerar
renovação se fazia, sobretudo, pelo outros volumes vieram completar a sua a poesia de alguns escritores que somente
encontro de um tom ensaístico que figura de crítico e historiador literário: nos anos cinqüenta e sessenta viriam a
permitia, desafogadamente, a experimen- Capítulos de literatura colonial, organizado ocupar uma posição de relevo na litera-
tação teórica e hermenêutica, em que os por Antonio Candido, e O espírito e a letra. tura brasileira.
historiadores, antropólogos e sociólogos Estudos de crítica literária, editado por Gilberto Freyre foi menos feliz
se queriam antes ensaístas, escritores, do Antonio Arnoni Prado, ambos pela editorialmente, de sua obra nada exis-
que especialistas sisudos de suas áreas de Companhia das Letras. E estes últimos tindo, em termos de coletânea, que se
atuação, estes mesmos autores, ao se são, a meu ver, exemplares no sentido de possa comparar às duas últimas obras
voltarem para a criação literária, em vez apontarem precisamente para aquela de Sérgio Buarque de Holanda, se bem
de críticos dogmáticos e especialíssimos articulação entre história e literatura que que é preciso acentuar que, à diferença
ou caturros na emissão de juízos de valor faz da leitura da literatura uma constante do paulista, o recifense jamais se ocu-
se preferiam leitores que se postavam nas aventura por entre as tensões temporais, pou profissionalmente em cadernos
difíceis articulações entre história, antro- mexendo com o passado com instru- jornalísticos de literatura, de crítica

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literária, o que ocorreu, em jornais do desenvolvidos, ou apenas insinuados, no no percurso ou na trajetória intelectual
Rio de Janeiro, com o autor de Raízes seus ensaios de historiador cultural. do autor, acompanhando-o desde cedo,
do Brasil. Assim, por exemplo, as páginas funda- desde os seus anos de formação, reve-
Na verdade, o que há de mais espe- mentais que escreveu, sobretudo no lando-se básicos em seus primeiros
cificamente literário na obra de Gilberto tríptico central de sua obra, isto é, Casa escritos ou mesmo em suas primeiras
Freyre, sem esquecer, é claro, a presença Grande & Senzala, Sobrados & Mocambos ações culturais, como foi o caso da
da literatura como fonte de docu- e Ordem & Progresso, sem esquecer as suas organização do Livro do Nordeste, em
mentação que perpassa toda a sua obra origens na tese dos anos vinte e que 1925, com o qual se pretendeu celebrar a
de historiador da cultura, está, creio, em somente nos anos sessenta foi editada em existência centenária do jornal recifense
dois volumes: Perfil de Euclides e Outros português sob o título de Vida social nos Diário de Pernambuco, mas que terminou
perfis, editado pela José Olympio nos meados do século XIX, sobre os hábitos de por ser, mais do que isso, uma procla-
anos quarenta, e Vida, forma e cor, orga- leitura na sociedade patriarcal do Império mação de princípios de uma certa
nizado por Renato Carneiro Campos, ou mesmo na passagem para a mais maneira de ler o social, o antropológico,
da mesma editora, nos inícios dos anos burguesa da transformação republicana. o artístico, o literário, enfim, o cultural,
sessenta. São páginas, estas, digressivamente espa- com o que se preparava o Congresso
Sem que se despreze o que há de lhadas pela obra do historiador da Regionalista do Recife, efetivado no ano
leitura literária num volume como He- cultura, que têm a maior importância seguinte de 1926 e que, de fato, marcou,
róis e vilões no romance brasileiro, editado para a própria história da leitura no Brasil e de maneira bastante forte, a intervenção
pela Cultrix e EDUSP nos anos setenta, – um trecho da história das mentalidades de toda a região, mas sobretudo de seu
ou mesmo em Alhos e bugalhos, da Nova que só muito recentemente vem inte- principal organizador, nos debates
Fronteira, também dos setenta, é tempo, ressando a estudiosos da literatura e da desencadeados, desde São Paulo, e através
talvez, de, aproveitando as comemorações história – e que é, como parece óbvio, da Semana de arte moderna de 1922, acerca
de centenário de nascimento do escritor, aspecto essencial para melhor estudar as das questões fundamentais que diziam
usar a oportunidade para que se organize, relações entre literatura e sociedade. respeito ao sentido que se devia dar à
de maneira editorial mais moderna e História da leitura que muito fragmen- posição da cultura do país em relação aos
coerente, uma antologia de seus escritos tariamente encontra uma contribuição movimentos de modernização que eram,
mais diretamente relacionados à litera- importante nas páginas autobiográficas por assim dizer, importados do exterior,
tura. De qualquer modo, não será, com escritas por escritores do século passado como as vanguardas literárias e artísticas,
toda certeza, um volume muito extenso e – como as mais que famosas de José de sobretudo as de extração européia.
isto porque não foi na crítica literária Alencar em Como e por que sou romancista A defesa de região e de tradição que
propriamente que se exerceu a maior – ou em entrevistas atrevidas e devas- se fizera já no Livro do Nordeste e que
contribuição do autor para a reflexão sadoras de intimidades recatadas, como melhor se qualificava nos trabalhos
sobre a literatura, conservando-se mesmo as realizadas pelo abelhudo João do Rio apresentados ao Congresso Regionalista,
aquela bastante periférica com relação à em seu magnífico Momento literário, dos era, sem dúvida, vista de hoje, um
sua obra de historiador da cultura inícios do século. necessário complemento aos ímpetos
brasileira, ao contrário do que ocorreu Onde, entretanto, melhor se configura modernistas, e algumas vezes rasgada-
com o seu contemporâneo de São Paulo, a contribuição de Gilberto Freyre para mente futuristas, que caracterizaram
bastando percorrer os dois extensos os estudos literários é na insistência com algumas das intervenções da famosa
volumes da seleção, de mais de mil que promoveu o debate acerca de alguns Semana.
páginas, da obra de Sérgio Buarque de tópicos de interesse para uma leitura mais Mesmo que a peça mais importante
Holanda, editada por Antonio Arnoni abrangente da cultura no Brasil, como é que resultou do Congresso Regionalista, o
Prado, já referida. o caso das próprias noções de região e de Manifesto regionalista, escrito por Gil-
Na verdade, é de outra espécie a tradição, articuladas ao tema vastíssimo, berto Freyre, só tenha sido publicada,
contribuição de Gilberto Freyre para a que era o de seu momento, acerca da pela primeira vez, em 1952, criando-se,
reflexão sobre a literatura no Brasil, a modernidade e do modernismo nas artes deste modo, um clima de suspeita
começar pelo fato de que ela se fez, sobre- e demais manifestações culturais. E estes quanto à fidedignidade das posições
tudo, a partir de algumas idéias ou tópicos eram tópicos, por assim dizer, inaugurais defendidas muitos anos atrás, suspeita

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que foi levantada, sobretudo, por um Exatamente por não ser o literário e realista-naturalista esgotara em termos
“modernista” recifense da época, o uma “prioridade absoluta”, como está de mapeamento ficcional do país, o
escritor Joaquim Inojosa, aquilo que se magnificamente pensado e dito no texto conceito de tradição seria primordial
contém no Livro do Nordeste é suficiente de Antonio Dimas, e por serem os para a leitura, diga-se assim, moderna do
para mostrar o grau de intensidade e de conceitos de região e tradição os passado e da própria cultura popular do
abrangência daqueles dois conceitos – elementos articuladores essenciais de país.
o de região e de tradição – com que uma relação mais intensa entre Estética Antonio Dimas, no prefácio citado,
Gilberto Freyre começara a pensar a e História, é que a complementaridade, observou, de modo agudo e inteligente,
cultura no país. É o que está, por também pensada e dita por Dimas, se ao considerar os aspectos de leitura da
exemplo, no excelente prefácio que, para fazia mais interessante: ao modernismo culinária regional que estão no Manifesto,
a mais recente reedição do Manifesto, de São Paulo se acrescentava um sentido a tendência para o particular e para o
escreveu Antonio Dimas, quando da História, ainda que puxasse, de certa concreto que salta da prosa de Gilberto
afirma: maneira, para o lado conservador e Freyre ao expressar valores da “cultura
“E se hoje se aceita sem relutância mesmo reacionário, sem o qual aquele popular ou seus instrumentos de tra-
que o Manifesto regionalista só veio a modernismo corria o risco de esvaziar- balho” (“E ao fazer a apologia desses va-
público em 1952 e que, portanto, não se, enquanto movimento de cultura, em lores, carrega ele no metonímico, no
pode ser tomado como documento mais um ismo estético-literário, sem a particular; no concreto, como se esse
fidedigno de posições defendidas há substância ou a tensão que somente as procedimento estilístico ajudasse a refor-
setenta anos atrás, não se pode, por outro relações entre Estética e História podem çar sua investigação e apreciação do
lado, fazer de conta que tudo depende oferecer. miúdo”).
dele, porque um outro documento, o É nesta direção que os temas da Sendo assim, sem se alargar pelo
Livro do Nordeste, pode perfeitamente região e da tradição, alicerces daquele teórico da tradição, é na leitura do
informar sobre as pretensões em voga sentido da História, impregnando a obra concreto da experiência, até mesmo no
naqueles anos na capital de Pernambuco. de Gilberto Freyre desde os seus inícios, gosto, como no caso analisado por
E, ao sumariá-las, abrindo espaço para vão ser decisivos para a própria história Antonio Dimas, que a prosa de Gil-
toda uma documentação de caráter nitida- da literatura brasileira, e se o conceito berto Freyre encontra o viés necessário
mente histórico, antropológico, social e de região será traduzido, logo em para se exercer enquanto crítica da
econômico, o livro em homenagem ao seguida, pelo surgimento de toda uma cultura, criando os espaços necessários
centenário do Diário de Pernambuco indica ficção romanesca que, desde José para que a arte e a literatura, senão prio-
os campos intelectuais sobre os quais se Américo de Almeida, com A bagaceira, ridades absolutas, compartilhem e em-
pretendia agir. Folheando-o, fica claro criava a possibilidade de uma retomada prestem as suas simbolizações na lei-
que, diferente da renovação pregada em temática daquilo que a ficção romântica tura do tempo.
São Paulo, o literário não era prioridade
absoluta. Num primeiro momento, pelo
Juan Esteves

menos, São Paulo tinha em mira a João Alexandre Barbosa é um dos maiores críticos
Estética; Pernambuco, a História. Esté- literários do país, autor de A metáfora crítica e As ilusões
tica e História eram, pois, o alicerce dos
da modernidade (pela editora Perspectiva), A imitação
dois movimentos e o que ocorreu depois,
da forma e Opus 60 (Livraria Duas Cidades), A leitura do
em torno de ambos, foram desdobra-
intervalo (Iluminuras) e A biblioteca imaginária (Ateliê
mentos, de enorme qualidade, sem dúvida,
Editorial). Professor de teoria literária e literatura compara-
mas que se seguiram no rasto do
primeiro.” (em Manifesto regionalista, de da, foi presidente da Edusp, diretor da Faculdade de

Gilberto Freyre, organização e apre- Filosofia, Letras e Ciências Humanas e Pró-reitor de Cultura

sentação de Fátima Quintas, prefácio de da USP. João Alexandre Barbosa assina mensalmente esta

Antonio Dimas, Recife, Fundação seção da CULT, cujo título foi extraído de sua mais recente
Joaquim Nabuco/Editora Massangana, antologia de ensaios, publicada pela Ateliê Editorial.
1996).

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