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A influência dos super-heróis no processo

de diferenciação do self em crianças.


Dionis Soares1
Anderson Chalhub2

Resumo: A proposta deste trabalho é discutira relação das


crianças com seu super-herói no processo de diferenciação de
self. A diferenciação do self consiste na capacidade do sujeito em
separar seu funcionamento, tanto intelectual como emocional,
do da sua família de origem. A pesquisa foi embasadana Teoria
de Diferenciação de self de Bowen e na Teoria do Apego de
Bowlby. O objetivo geral deste artigo é analisar a vinculação dos
super-heróis com as crianças e como os mesmos as afetam em
seu processo de individuação. Para tal análise foram utilizadas
entrevistas lúdicas e atividades projetivas com uma amostra de
crianças em uma escola da cidade do Salvador, Bahia. Através de
atividades lúdicas e entrevistas, se avaliou como os super-heróis,
as influenciam na diferenciação do self, e como os mesmos são
utilizados nessa fase do desenvolvimento como figura de imitação
e auxílio na relação com o self pessoal. Como metodologia de
pesquisa foram estabelecidas categorias de análise, são elas: a
faixa etária semelhante ao do herói, a diferença entre gêneros
- entre meninos e meninas, a utilização do herói como meio de
socialização e o estabelecimento de vínculo com o herói pela
mídia.
Palavras-chave: Self. Diferenciação. Super-herói. Criança.
Apego.

1
Concluinte do curso de Psicologia do Centro Universitário Jorge Amado, Salvador/Bahia.
2
Docente do curso de graduação em Psicologia do Centro Universitário Jorge Amado – UNIJORGE.
Bacharel e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (2004). Especialista na área de
Psicologia do Desenvolvimento.

—1—
Introdução
A partir do tema, “A influência dos super-heróis no processo de
diferenciação do Self em crianças”, este artigo foi elaborado como
trabalho de conclusão do curso de Psicologia do Centro Universitário
Jorge Amado. O tema não é amplamente abordado em artigos,
revistas ou publicações acadêmicas, embora esteja constantemente
presente no cotidiano de várias famílias.
A diferenciação de Self consiste na capacidade do sujeito em
separar seu funcionamento intelectual e emocional do de sua
família de origem, permitindo que o mesmo se auto-referencie,
distinguindo-se como indivíduo. Esse processo tem início na infância
e perdura durante a vida, pois se trata de uma gradativa separação
da originalidade, não existindo alguém completamente individuado,
mas sim em constante processo (BOWEN, 1988).
O indivíduo que vai de encontro ao seu Self é tangido por
uma energia desprendida, que o leva a individuação, desde a
dissolução da maneira como se apresenta à sociedade, até a
resolução de conflitos familiares.
Por volta dos dois anos de idade, a criança começa a desenvolver
esse senso de Self. Logo no início deste processo, ela apresenta
noções de Self bastante concretas, como características físicas e
de gênero. Contudo, no decorrer de seu desenvolvimento, a criança
começa a integrar os traços internos - as qualidades, e apresentar
uma ideia geral de autoavaliação.
O objetivo desse trabalho consistiu analisar como a identificação com
os super-heróis influencia as crianças no processo de diferenciação de
Self. Para isso foi analisada também a vinculação das crianças aos super-
heróis, entendendo que a mídia tem papel importante nesse processo.
Foi necessário também explanar o conceito de Self, trazido por Bowen
(1988), identificando como esse processo se apresenta em crianças.
O presente estudo se justifica pelo interesse na compreensão
do processo de individuação de crianças e as influências ocorridas
no mesmo. A contribuição do trabalho está no fato de se buscar
aprofundar a reflexão sobre a temática, tendo em vista que a
literatura disponível a respeito do tema se mostra insuficiente.
Justifica-se também pela articulação entre a Teoria de diferenciação
de Self trazida por Bowen e explanada em outros teóricos, e a Teoria
do apego de Bowlby e seus postulados, visando o diálogo entre as
teorias, promovendo a divulgação do assunto.

—2—
Revisão de literatura
Esta revisão teórica está baseada na ideia de que os super-heróis
influenciam as crianças no seu processo de diferenciação do Self, que
os comportamentos advindos do super-heróis, por meio de imitação,
funcionam para a criança como um modo de se diferenciar da família
de origem, e ir ao encontro de seu self pessoal, tendo em vista
também o papel da mídia na formação do apego infantil a esses heróis.

Figura 1. Criança vestida do Herói em quadrinhos “Flash”.

No momento em que a criança se diferencia de sua família ela é


estimulada e regida por uma energia de individuação (diferenciação
da família de origem). Nessa fase, o mundo é sentido pela criança
como uma gama de percepções. A partir desses estímulos, ela começa
a apresentar suas próprias vontades, a elaborar-se como indivíduo
perante o mundo, a diferenciar-se. Para Bowen (1988) a criança:

[...] começa a vida num estado de completa fusão emocional


de simbiose com a mãe. Tanto a mãe como a criança
respondem, automaticamente, uma à outra, sendo a simbiose
um processo que ocorre naturalmente [...] No decorrer dos
anos, o desenvolvimento da criança tem o objetivo de torná-
la um indivíduo independente, e os pais têm a tarefa de se
comportarem de forma a permitir que a individualidade surja
(BOWEN, 1988, p. 89).

—3—
Pelo vínculo formado com o super-herói, a criança absorve os aspectos
do mesmo nesse processo de diferenciação de sua família de origem. O
papel da mídia no apego infantil a esses heróis é ativo, pois a maneira
como a mesma veicula a imagem desses ídolos infantis, os associando
aos efeitos especiais, jingles, cores fortes e explosões, cria na criança
um apelo à imitação de comportamento, que pode ser internalizado e
integrado como um traço da identidade na infância. (FLORES, 2003).

Um diálogo sobre o conceito de self e diferenciação

O conceito de self tem se tornado central nas teorias psicológicas,


visto que a própria ciência da Psicologia já traz consigo algumas
dessas noções, como a individualidade e a intersubjetividade. A
noção de self vem sendo estudada por algumas linhas teóricas que
apresentam em si uma discussão sobre essa temática, e que acabam
por se complementar.
Para que se entenda o processo de individuação é necessário
explicitar o conceito de self, apresentando como o mesmo
tem sido estudado por algumas linhas teóricas. Algumas teorias
como a psicanálise, bioenergética, junguiana, sistêmica e do
desenvolvimento infantil, trazem consigo noções de self que se
completam e interagem. Tendo em vista que, também há outras
teorias que abrangem o estudo do self, o presente trabalho se
restringirá a teoria apresentada por Bowen em “Diferentiation of
Self” (1988).
O self pode ser considerado como a capacidade de uma pessoa
em se auto-referenciar como indivíduo, de se distinguir como sujeito
perante o objeto. Logo ao nascer, a criança vive um intenso estado
de fusão com a mãe, estando uma ligada à outra emocionalmente,
no decorrer dos anos a criança tem como função se tornar indivíduo,
se tornar uma pessoa emocionalmente independente (BOWEN, 1988).
Bowen (1988) considera que todo ser humano tem em si uma
energia que o impulsiona ao processo de individuação, tornando-
se uma pessoa emocionalmente mais autônoma, porém ninguém
é completamente individuado, pois o vínculo inicial nunca é
totalmente quebrado, havendo uma diferença entre vínculo inicial
mantido e massa indiferenciada do Eu familiar.
Para Bowen (1988), há indivíduos indiferenciados que não
conseguem distinguir onde começa seu self e onde termina o
do outro, ocorrendo em alguns casos o processo de triangulação
emotiva, como maneira de lidar com os problemas diante tal

—4—
indiferenciação surge uma terceira pessoa como mecanismo para
redução da ansiedade na relação indiferenciada (MCGOLDRICK;
GERSON, 1995; ANDOLFI, 2002).
O conceito de massa indiferenciada do eu familiar consiste
na aglomeração e fusão entre selves�, se referindo a um estilo
transacional caracterizado por um sentimento de pertencimento
que requer uma máxima renúncia de autonomia. Neste sentido:

Toda criança nasce fusionada, indiferenciada em relação à sua


família. Durante seu desenvolvimento, sua principal tarefa será
diferenciar-se para alcançar autonomia e independência. Na
família, as crianças experimentam tanto o pertencimento quanto
a diferenciação. Pertencer significa participar, saber-se membro
desta família, partilhar as suas crenças, valores, regras, mitos e
segredos. Diferenciar refere-se à afirmação de sua singularidade,
à sua individuação e ao seu direito de pensar e expressar-se
independentemente dos valores defendidos por sua família
(MARTIN; RABINOVICH; SILVA, 2008, p. 2).

Baseando sua teoria em duas energias fundamentais: a energia


que impulsiona o indivíduo rumo à diferenciação e aquela que traz a
pessoa à união com a família de origem, Bowen (1988) cria a escala
de diferenciação de self. Essa escala consiste em uma classificação
em níveis básicos de diferenciação de self, dos mais baixos aos
mais altos. Essa classificação é feita pelo grau de independência
emocional que um indivíduo apresenta perante sua família de
origem.
Como mencionam Medeiros, Pedreira e Nunes (2008), a escala
de diferenciação de Self de Bowen apresenta os seguintes níveis: de
0-25, 25-50, 50-75 e 75-100. Nos níveis mais baixos de diferenciação,
as pessoas estão imersas em seu mundo sentimental e procuram
aprovação em outros, tornando-se assim incapazes de aumentar
seus níveis básicos de diferenciação. Nos níveis mais altos há uma
maior consciência entre sentimentos e pensamentos. Como a
individualidade já é mais desenvolvida, as pessoas nesses níveis têm
uma maior flexibilidade nos relacionamentos íntimos, sabendo que
podem se libertar dos mesmos a qualquer momento, descartando
velhas crenças a favor de novas.
Uma pessoa com baixo grau de diferenciação acaba por culpar
pais, responsáveis legais ou pessoas ligadas emotivamente pela sua
infelicidade, os responsabilizando pelos seus insucessos:

Quem se coloca na extremidade mais baixa vive imerso em um


mundo de sentimentos que não são seus; depende totalmente
—5—
daqueles (sentimentos) que os outros vivenciam a seu respeito
e não se encontra em um grau de diferenciar o sistema ‘afetivo’
daquele ‘intelectivo’; cresce como apêndice, dependente da
massa do Eu familiar e, ao longo da vida, busca outras ligações de
dependência das quais possa tomar emprestada a força necessária
para funcionar (ANDOLFI, 2002, p. 4).

A teoria de Bowen entende que a família é sujeito ativo nesse


processo de individuação, pois o apego emocional a família de origem
é um dos aspectos fundamentais no processo de diferenciação.
Diferenciar-se também é afirmar sua individualidade perante crenças
e valores familiares, é poder pensar e se expressar de maneira
diferente de sua família. Guerin define a diferenciação como:

[...] o processo da libertação parcial de uma pessoa do caos


emocional de sua família. Libertar-se requer analisar seu
próprio papel como um participante ativo nos sistemas de
relacionamento, em vez de culpar os outros, nunca a si mesmos,
pelos problemas (GUERIN apud NICHOLS; SCHWARTZ, 1998, p.
312).

De acordo com Guimarães e Japur (2003), a visão kleiniana de


indivíduo, designa a existência de um emaranhado mundo interno de
fantasias inconscientes, infantis e introjetadas, que se relacionam
umas com as outras. Sendo assim, a individualidade de uma pessoa
seria oriunda da maneira como seu mundo interno se relaciona com
a realidade externa. Segundo os autores, é a partir da introjeção
da figura materna que a criança começa a desenvolver seu senso
de self, primeiro com as noções corpóreas básicas, e futuramente
diferenciando as questões emocionais e psicológicas.
Entretanto, para Winnicott,

O self, que não é ego, é a pessoa que eu sou, que é somente


eu, que possui uma totalidade baseada na operação do processo
maturativo. Ao mesmo tempo, o self tem partes e é, na verdade,
constituído dessas partes. Tais partes se aglutinam, num sentido
interior-exterior no curso da operação do processo maturativo,
auxiliado, como deve sê-lo (principalmente no início) pelo
ambiente humano que o contém, que cuida dele e que de certa
forma ativa facilita-o (WINNICOTT apud GUIMARÃES; JAPUR,
2003, p. 137).

Ao nascer o bebê desenvolve um self que é biológico e não


psicológico, a formação deste self psicológico vem da percepção de

—6—
um self corporal. Conforme Michael (2006), o senso de self infantil
inicia-se pelos autoconceitos concretos que a criança tem de si, ela
tende a focalizar em suas características visíveis e suas competências
em atividades físicas, desenvolvendo também o conceito de gênero,
tanto em si como no outro.
Em dois estudos feitos por Lewis e Brooks com bebês (BEE,
2003), foi percebido que o senso de autoconsciência começa a se
desenvolver juntamente com o de autoreconhecimento. No primeiro
estudo, puseram-se bebês de frente ao espelho, inicialmente
deixando-os à vontade para que interagissem com sua imagem;
após algum tempo, se finge limpar o rosto do bebê e coloca-se uma
mancha em seu nariz. Já no segundo estudo, defronte aos bebês
foram apresentadas fotos deles mesmos. Foi percebido que os bebês
que tocaram em si mesmos quando viram a mancha e os bebês que se
referiam a eles mesmos nas fotos por seus nomes, tinham faixa etária
superior ou igual a 21 meses, ou seja, tinham em desenvolvimento
a noção de autoconceito e autoreconhecimento em paralelo.

Durante os anos de escola elementar, encontramos uma


mudança na busca de uma descrição do self mais abstrata, mais
comparativa e mais generalizada. Uma criança com 6 anos de
idade poderia se descrever como ‘esperta’ [...], o conceito de
self da criança também passa a focalizar, cada vez menos, as
características externas, voltando-se mais para as qualidades
internas, mais estáveis (BEE, 1997, p. 290).

A linguagem também é um dos pressupostos no processo de


diferenciação de self. De acordo com Costa (2006), o processo de
individuação está relacionado com o processo de socialização, que
é mediado linguisticamente. Este autor coloca que a socialização
faz parte do processo de individuação, a troca de conhecimentos
e experiências por intermédio da linguagem na fase infantil é a
maneira como a criança vivencia e constitui o mundo. Ela, a criança,
entende o outro e a si mesma por intermédio da linguagem, seja
ela falada ou corporal.

A teoria do apego e seus postulados

Desde sua formulação, a teoria do apego se constitui a partir de


estudos mais embasados sobre o processo de vinculação em crianças,
tanto com a mãe e o pai, como a outras figuras de apego. Idealizada
por Bowlby (1982), a teoria dá uma acentuada ênfase as primeiras
relações entre pais e filhos, juntamente com a qualidade do vínculo

—7—
formado em tal relação. Para Bowlby, os bebês nascem com um
comportamento inato de criar elos emocionais com seus cuidadores;
essas relações são formadas por um instinto de sobrevivência, pois
o bebê em início de vida não possui aptidões para resistir sem
cuidados externos.
A teoria do apego, hoje, se divide em dois períodos: o clássico
e o contemporâneo.

Por aspectos clássicos, entendem-se aqueles que fundamentam


a formulação de Bowlby, como por exemplo, a relevância da
sensibilidade materna para o desenvolvimento dos padrões de
apego e a natureza transgeracional do vínculo mãe-criança.
[...] Os aspectos contemporâneos, apesar de sinalizados,
de algum modo, por Bowlby, remetem a temas derivados da
teoria ou inspirados por esta, convergindo para outras áreas da
psicologia, como por exemplo, as relações maritais e apego,
apego e competência social, apego e relação entre irmãos, apego
e contexto de desenvolvimento e apego e cultura. (PONTES,
2007, p. 2).

A ampliação do conceito de apego ocorre quando se pensa em um


sujeito em desenvolvimento, considerando seus aspectos biológicos,
psicológicos e sociais como algo em processo constante, não somente
quando se dão as relações primárias.
Para Bowlby (1982), os bebês a partir do apego inicial formado
com os pais ou com figuras de apego, criam modelos internos
funcionais, baseando-se em um apego seguro ou inseguro. Esse
modelo de relação também pode ser repetido, feito um molde,
em outras relações futuras. Nos primeiros anos de vida, o apego
formado pela criança é relacional, ou seja, formado por relações
específicas e individuais, sendo a qualidade da relação a segurança
da criança naquele indivíduo.
Pais que possuem maior expressividade diante das demandas
dos bebês, reagindo de maneira adequada às indicações da criança,
desenvolvem um apego seguro com seus filhos. Entretanto, as
crianças classificadas como ambivalentes, ou seja, inseguras,
provavelmente possuem pais inconsistentes em suas respostas,
reagindo de maneira negativa em determinados momentos e positiva
em outros, perante o contato feito pelo bebê.

O que é essencial na formação desse vínculo é a oportunidade


para os pais e para o bebê desenvolverem um padrão mútuo,
interligado, de comportamentos de apego, uma harmoniosa
‘dança’ de interação. O bebê sinaliza suas necessidades chorando

—8—
ou sorrindo; ele responde ao ser tomado ao colo acalmando-se
[...]. Os pais por sua vez, entram nessa dança [...] pegam o
bebê quando ele chora, esperam seu sinal de fome ou outra
necessidade, sorriem para ele quando ele sorri (BEE, 2003, p.
351).

De acordo com Ramos e outros (2007), a qualidade do apego


proporcionada pelos pais depende de características dos pares, como
também pela capacidade da criança de sinalizar suas necessidades,
não somente pela sensibilidade dos mesmos. Casais que se
relacionam bem, compartilham emoções positivas entre sim, têm
crianças emocionalmente seguras, capazes de regular suas emoções,
ou seja, o contexto externo também influencia na formação de
vínculos afetivos, tanto como a cultura, pois nessa perspectiva, o
apego só pode ser entendido quando imerso no contexto relacional
entre cuidador e criança.
Embora as relações parentais sejam constituintes ao sujeito por
serem o núcleo relacional da vida familiar, contextos como trabalho,
lazer, escola, influenciam também na formação do apego. Assim
sendo, o apego é considerado como um constructo numa rede ativa
de relações, e para se entender seus padrões é indispensável que se
entenda o funcionamento do contexto familiar em sua totalidade.
A figura de apego além de proporcionar a criança uma base
segura, funciona também como meio de explorar o ambiente,
fornecendo uma base sólida e estável para que a mesma se sinta
a vontade para “ir” e “vir” na relação segura. Em uma visão
contemporânea pode-se entender o apego como um vínculo além da
díade mãe-filho, como um fenômeno relacional, abrangendo figuras
parentais de modo geral, amizades, entre outros contextos vividos
pela criança. Como afirma Pontes (2007), os níveis contextuais que
atuam sobre o processo de apego podem ser microssitemas – por
relações diretas, “face-a-face”, ou macrossistemas – no qual as
relações são intermediadas por elementos simbólicos, como valores
e crenças.
De acordo com o modelo bioecológico trazido por Martins e
Szkmanski (2004), para se entender o apego é necessário que se
analise quatro vertentes: a pessoa, o processo, o contexto e o
tempo. É necessário que se considere características da pessoa e
dos membros familiares, como cor da pele, as interações da família
e criança em suas atividades e o desenvolvimento da família no
sentido histórico, ou seja, que se entenda a vinculação humana em
multiníveis de um sistema dinâmico de relações.
Para Fromm (1990), o apego é gerado por um anseio profundo
—9—
de desamparo e essa figura de apego pode ser de toda espécie, um
professor, um astro de cinema, ou até os ídolos, sejam eles reais
ou imaginários. O ídolo seria uma figura necessária ao homem,
tendo como função dar apoio e força. A figura do ídolo, do herói,
sempre fez parte da história do homem, desde a mitologia grega.
Essa vinculação ao ídolo se daria pelo fenômeno da transferência,
que é encontrado durante toda a vida, principalmente em relações
duradouras de amizade e afetividade.

Contato com o mundo pela tv: a imagem do herói e a vinculação


à criança

A mídia atual fugiu do seu papel de divertimento e lazer, se


tornando um instrumento pelo qual o mundo é apresentado ao
indivíduo, muitas vezes, sendo esse o único instrumento. Dentre as
mídias há uma grande representatividade da televisão, que tendo
fortes efeitos em massa, cria um cenário de multimídia apresentado
diariamente a crianças, modelando comportamentos e relações
interpessoais (BOURDIEU, 1997).
De acordo com Gomide (2007), em uma pesquisa feita com 825
participantes, crianças e adolescentes passam em média 26,46
horas por semana em frente a televisão. A mídia televisiva é nos
dias de hoje, também, um grande instrumento de interação entre os
membros da família; a forte tendência no meio familiar por assistir
televisão impõe a criança a participar dessa atividade, sendo muitas
vezes o único meio encontrado para a interação entre os membros
(ALVES; DAMÁSIO; LIMA, 2010).
Em um artigo publicado pela revista Comunicação & Educação,
Cordelian e Gomez, (1996) fizeram um levantamento sobre pesquisas
realizadas relacionadas à temática da audiência televisiva pelas
crianças. Percebe-se que as mesmas fazem uso demasiado do
televisor, sendo que crianças entre três e quatro anos interpretam
e percebem as imagens da tela como reais. Os estudos sobre essa
temática são mais abundantes na área educacional, contudo, no
âmbito psicossocial, já se percebe a influência da televisão em
crianças, como nos comportamentos imitativos dos super-heróis e
até nas vestimentas infantis.
Ainda sobre o artigo anteriormente mencionado, o uso extensivo
da televisão por crianças levanta o questionamento sobre o efeito
que produz na socialização das mesmas. A mídia televisiva participa
ativamente no processo cognitivo das crianças, sendo muitas vezes
uma mediadora entre elas e a realidade, ganhando espaço na

— 10 —
formação subjetiva de algumas crianças.
A relação entre criança e televisão é intensa, as mesmas colocam o
televisor como peça importante no seu dia-a-dia. A televisão é percebida
pelas crianças como uma série de imagens pelas quais elas entendem a
realidade. Sendo o televisor uma tecnologia que transforma a imaginação
infantil em um objeto mágico, um depósito de possibilidades para
felicidade, combatendo o mal com o bem. (FLORES, 2003).
É notória a participação da mídia na vida de crianças. Ela
tem o poder de formar opiniões, criar paradigmas e influenciar
comportamentos. Principalmente durante as férias, época em que
a maior parte das crianças tem acesso à televisão ou à Internet,
passando mais tempo se dedicando aos programas de televisão ou
aos jogos eletrônicos do que fazendo outras atividades, como prática
de esportes, brincadeiras ao ar livre e leitura (BORDIEU, 1997).
Pensar em diferenciação de self é pensar em individuação, em
diferenciação da família de origem e conhecimento do mundo ao
redor, sendo que esse conhecimento em grande parte é colocado
atualmente pela mídia televisiva. Assim, o processo de diferenciação
está amplamente ligado à maneira de atuação da mídia. O efeito
que a televisão exerce sobre a criança é extenso, envolvendo
fatores psicossociais e culturais. Os programas assistidos fornecem
“roteiros” de comportamentos perante situações do cotidiano,
gerando um processo de imitação e modelagem pelas crianças,
(MARTINS, 2008) sendo algumas vezes até naturalizado pela família,
como algo comum e normal à idade.
De acordo com Sodré (2006), por trás do divertimento infantil
proporcionado pela mídia, há uma verdadeira indústria construindo a
consciência de crianças, que estão sendo reduzidas a consumidores.
De seres humanos livres e capazes de ter opinião própria, vão
passando a ter necessidades criadas pela mídia, tornando-se,
assim, governadas pelos meios de comunicação. Isso explica por
que a publicidade está se direcionando mais a este público, com o
objetivo de promover a necessidade de consumir roupas, brinquedos
e acessórios. É suficiente observar o modo como as crianças dançam,
se comportam e se vestem para se ter uma noção do quanto a mídia
as influencia.
A publicidade usa a criança como ponto de venda, como um
símbolo de uma das fases do ciclo de vida. A aquisição de uma roupa
ou brinquedo do herói preferido representa muito mais que uma
vontade da criança, mas sim, um objeto simbólico pelo qual ela pode
alcançar a “realidade” que se apresenta associada no momento da
vinculação. (ALVES, 2010).

— 11 —
A maneira como a imagem dos heróis é passada às crianças gera
elementos de imitação, pois os mesmos propõem um mundo lúdico e
de magia, com personagens caracterizados como fortes e guerreiros,
traços e cores peculiares juntamente com o jingle no momento em
que aparecem despertam a atenção das crianças e a manutenção das
mesmas em frente a tela (MUNARIM, 2004). Como no caso dos Power
Rangers, a aparição dos heróis é acompanhada por explosões, cores
fortes e grande apelo visual, conforme apresentado na figura abaixo.

Figura 2. Grandes explosões e jingles marcam a chegada dos Power Rangers.

Os comportamentos apresentados pelos heróis são muitas vezes


copiados pelas crianças e posteriormente aplicados em situações
do cotidiano. Comportamentos agressivos que são apresentados nos
momentos de luta do ídolo contra o vilão, podem se instaurar e se
repetir nas relações do dia-a-dia, potencializando a agressividade
da criança. Valores éticos e morais são externalizados pela maneira
como esses ídolos se portam, influenciando também nesse sentido.
(SALGADO, 2005).
De acordo com Gomide (2008), a violência praticada pelos
heróis atualmente influencia o comportamento violento das
crianças. A banalização da agressividade apresentada e justificada
na preponderância do bem sobre o mal impacta a criança, e a
mesma deixa de considerar tais comportamentos como desviantes,
aceitando-os como maneira de resolução de conflitos.

— 12 —
O super-herói: um caminho no processo de individuação

Antes de aparecerem nos quadrinhos, os heróis já existiam em


histórias míticas como na mitologia grega, sendo os deuses do
politeísmo grego os precursores dos super-heróis da atualidade. A
grande diferença está em que os heróis dos dias de hoje são produto
da sociedade moderna, dos avanços tecnológicos, do individualismo
e da necessidade da força em tempos de crise, já os deuses antigos
eram vistos como verdadeiros, como parte da sociedade da época. O
surgimento dos primeiros super-heróis ocorre nos Estados Unidos, no
contexto da guerra do Vietnã. O Super-Homem e o Capitão América
são criados para satisfazer as necessidades de uma sociedade frágil
e desamparada, uma resposta americana a ideologia nazista de raça
superior, um apelo a sociedade comum para que sejam fortes e
suportem as adversidades advindas da guerra. (VIANA, 2003, 2005).
Ao se considerar os super-heróis como produtos sócio-históricos,
Viana (2005, p. 70) pontua que estes:

[...] não podem ser desligados de sua época, bem como seu
desenvolvimento e destino. Os Super-heróis surgiram numa
época de demanda imaginária provocada pelos problemas sociais,
mas também se aproveitando das necessidades imaginárias
permanentes existentes em nossa sociedade.

O processo de diferenciação de self ocorrido na infância e a


ligação das crianças aos ídolos revelam a importância dos mesmos
nessa fase do desenvolvimento e também a influência que se pode
exercer no imaginário infantil, nos comportamentos e condutas da
criança perante a sociedade.
É comum da infância, imitar o que se percebe e a realidade que
se cerca. Deste modo, os valores trazidos e externalizados pelo
herói são copiados pela criança, modelando sua conduta. A imagem
do herói de hoje,

[...] está embutida de estereótipos de gêneros que influenciam


na formação dos valores da criança. Para os meninos [...]
um padrão de masculinidade machista, como a violência e a
agressividade. Já com as meninas é explorada a feminilidade
baseada na delicadeza e no padrão físico europeu ocidental
(ALVES; DAMÁSIO; LIMA, 2010, p. 6).

De acordo com Mota (2003), os heróis da atualidade são


personagens altamente agressivos, com o estereótipo masculino
negativo, demonstrando sua virilidade e fazendo uso demasiado
— 13 —
de armas e violência. Essa versão de masculinidade apresentada
a garotos em idade de construção e empossamento de si, pode
promover comportamento violento nos mesmos, visto que há uma
banalização da violência, sendo usada inclusive como meio de se
obter o desejado.
O imaginário moderno é estimulado por novos tipos de heróis
como as Meninas Superpoderosas, Ben-10 e Dexter (ilustrados na
figura abaixo), que se assemelham ao cotidiano normal infantil, indo
a escola, ficando de castigo e brincando com os amigos, tornando
assim a vinculação entre criança e herói mais intensa. Com a
necessidade dos pais em se ausentar, as crianças necessitam driblar
os perigos do dia-a-dia sem o auxílio dos mesmos, daí a imagem dos
heróis mirins (SALGADO, 2005).

Figura 3. As Meninas Superpoderosas, Ben10 e Dexter, heróis que possuem


um cotidiano normal de criança.

— 14 —
A identificação na infância com um herói também tem benefícios.
Há uma proporção educativa na imagem dos super-heróis,
principalmente no aspecto de valores morais. Entendendo educação
não somente como método em sala de aula, o processo de imitação
dos comportamentos apresentados pelo ídolo também é um processo
de aprendizagem para a criança. (FOGAÇA, 2003).

Desde nossa infância até a idade adulta, os super-heróis podem


nos lembrar da importância da autodisciplina, do autosacrifício e
de nos devotarmos a algo bom, nobre e importante. Eles podem
ampliar nossos horizontes mentais e apoiar nossa determinação
moral, enquanto nos entretêm. Não precisamos dizer que os
quadrinhos de super-heróis têm a intenção de ser instrutivos ou
de natureza moralista. [...] Os super-heróis mostram-nos que
os perigos podem ser enfrentados e vencidos. Eles exibem o
poder do caráter e da coragem acima da adversidade. E assim,
até quando lidam com nossos medos, os super-heróis podem ser
inspiradores. (PAIVA apud LOEB; MORRIS, 2005, p. 28).

Na relação com o super-herói a criança aprende valores como


ética, coragem, força, generosidade e humildade, além de promover
a interação entre as mesmas. O ídolo também pode estimular a
criança na defesa de ideais e a proteger os mais fracos. Como
no caso de um garoto de cinco anos que salvou sua prima de um
incêndio na cidade de Palmeira/SC. De acordo com o Jornal Zero
Hora (GOMES, 2007), ao ver o fogo se alastrando pela casa o menino
Riquelme vestido de Homem-Aranha (conforme figura abaixo) entrou
na residência e resgatou a prima de dois anos do incêndio.

Figura 4. Riquelme vestido de Homem Aranha a frente da casa queimada que


resgatou sua prima.
— 15 —
Metodologia
Para o desenvolvimento deste trabalho, procedeu-se a uma
análise do comportamento infantil, relacionando-o aos heróis de
escolha da criança. Para tal análise, foram realizadas entrevistas
lúdicas com as crianças e, em paralelo, técnicas de dramatização,
necessárias para recriar e analisar comportamentos e experiências
infantis com base nas teorias apresentadas no referencial teórico.
No quadro, abaixo, apresenta-se o roteiro geral do encontro
com as crianças:

Quadro 1 - ROTEIRO GERAL DO ENCONTRO


Roteiro

1º momento - Apresentação
- Socialização
2º momento - Distribuição de canetas coloridas,
tintas e papel em branco
- Desenho de si e sua família
- Desenho do herói
3º momento - Criação da fantasia do herói escolhido
- Apresentação do herói a turma.

Em relação à fundamentação da pesquisa, a mesma segue os


quatro aspectos mencionados abaixo:

Participantes e local

Os sujeitos da pesquisa foram crianças, de ambos os sexos e


classes sociais diferentes, na faixa de cinco a seis anos de idade.
Em uma amostra de seis crianças, três de cada gênero. A pesquisa
ocorreu em uma escola da cidade do Salvador, Bahia.

Material, instrumentos e coleta

A metodologia foi pautada na estratégia de coleta de dados de


forma qualitativa, e os resultados obtidos foram subdividos em
categorias, essas apresentadas no tópico seguinte, em “Análise
dos dados”.
O trabalho foi baseado em um encontro de curta duração,
flexível, contudo tendo sempre em vista um foco a ser trabalhado:
a projeção e identificação das crianças com seu super-herói e como

— 16 —
o mesmo as influenciam o processo de diferenciação do seu self. O
ambiente das entrevistas foi de acordo com a localidade onde os
participantes se encontravam – uma sala da escola, e os instrumentos
aplicados foram os mesmos em todos os participantes.
A entrevista fundou-se em uma entrevista semiestruturada com
perguntas semiabertas, tendo como foco principal investigar as
questões levantadas de modo flexível, sem se enquadrar em um
momento específico, ocorrendo durante todo processo investigativo.
As entrevistas-conversa semiestruturadas deram espaço para a
opinião e argumentos dos participantes perante o tema abordado,
sendo um fator indispensável para um eficiente resultado. Essas
entrevistas tiveram como foco principal o processo de individuação
vivido atualmente pela criança. Assim, analisou-se o processo de
diferenciação de self na criança e o apego ao herói.
Foram usados nos momentos lúdicos da pesquisa instrumentos,
como desenhos, dramatizações e fantasias do herói, criadas pelas
crianças com os materiais oferecidos pelo pesquisador, sempre se
relacionando com a formação da identidade na infância, para que,
assim, pudesse se entender como as crianças se colocam diante de
situações de identificação com heróis de escolha.
O roteiro da entrevista e as dramatizações foram cuidadosamente
preparadas e realizadas em três momentos distintos como mostra
o quadro 1. Como instrumento de pesquisa utilizou-se os materiais
lúdicos, canetas coloridas, folhas de papel, tintas, fita colorida e
tecido kami.
No primeiro momento, se fez a apresentação do entrevistador
perante os participantes e vice-versa, sendo este um procedimento
necessário para o estabelecimento de vínculo com as crianças;
no segundo momento, os participantes usaram os instrumentos
lúdicos para desenharem a si e sua família e, posteriormente, seu
herói escolhido; e por fim, no terceiro momento, produziram uma
fantasia de seu herói e apresentaram a toda turma. A estrutura dos
momentos mencionados visou a oferecer a possibilidade de uma
identificação da criança com o personagem escolhido, tendo em
vista que o mundo lúdico faz parte da construção da visão de mundo
que a criança possui. (DELGADO; MÜLLER, 2005).

Análise dos dados

Os dados coletados, sub-dividividos em temas, procedimento


que permitiu classificar e perceber a influência dos super-heróis
em diferentes crianças. Os temas relacionam-se com o sexo dos

— 17 —
participantes, se considerando também a diferenciação entre
gêneros por categoria apresentada. Os dados coletados foram
mensurados e relacionados com o referencial teórico apresentado
no estudo.
Os sub-temas trabalhados foram:
• Existência do herói.
• Importância do herói.
• Comportamentos de semelhança ao herói escolhido e mudança
de comportamento advinda do contato com o mesmo.
• Objetos do herói.
• Grau de contato com o herói por veículos de comunicação.
A relação de tais categorias com o gênero permitiu verificar
especificamente os resultados obtidos entre meninos e meninas.

Considerações éticas

O sigilo da identidade dos entrevistados cujas informações são


utilizadas neste projeto foi mantido, para garantir que nenhuma
possível identificação (tais como iniciais do nome ou idade) dos
participantes seja usada na apresentação dos dados. As informações
coletadas foram utilizadas única e exclusivamente no referido trabalho
e as respostas dos participantes foram transcritas com fidelidade. Por
serem menores de idade, a assinatura do termo de consentimento
livre e esclarecido foi assumido pela diretoria da escola.

Resultados e discussão
Os resultados e discussões aqui expostos estão baseados nosdados
obtidos com seis crianças, três meninos e três meninas apresentados
aqui como: Tiago com seis anos de idade, mora com seu pai, mãe
e irmão; Lucas com seis anos também, mora com seus pais e dois
irmãos; Caio com cinco anos, mora com o pai, mãe, um irmão e
uma irmã; Vanessa com cinco anos, mora com os pais e uma irmã;
Cecília com cinco anos, mora com seu pai, mãe e irmã e Ana com
seis anos, mora com pai, mãe e um irmão. Todos os entrevistados
estudam na mesma sala de uma escola privada na cidade do Salvador
e cursam o segundo ano do Ensino Fundamental.
Os dados coletados foram categorizados em função dos temas
apresentados anteriormente, estratégia que possibilitou chegar às
seguintes conclusões:

— 18 —
Existência do herói

Nessa dimensão, verificou-se que todos os participantes possuem


um herói de identificação, como também mencionam que seus
amigos têm um herói de escolha, percebe-se assim que o super-
herói é algo comum a esse momento da infância. Nesse mesmo
quesito, percebeu-se também a diferença entre os gêneros,
sendo que esses ídolos infantis (super-heróis) apresentam traços
tipicamente femininos para as meninas e masculinos para os
meninos, diferenciando-se uns dos outros. Como no caso de Vanessa
e Caio, apresentados no desenho a seguir: ela se identifica com As
meninas Superpoderosas e ele com o Ben-10 transformado em quatro
braços. A noção de características diferenciadas entre gêneros faz
parte do processo de diferenciação do self, as meninas em contato
com o estereótipo do feminino e os meninos, do masculino.

Em relação ao tipo de herói, as crianças demonstraram uma


identificação maior com os ídolos de idade semelhante à delas. Das
crianças entrevistadas, Caio e Lucas tem como herói favorito, Ben-10
e Cecília e Vanessa, As meninas Superpoderosas, personagens esses
que são crianças heróis. Como diz Mota (2003), os heróis modernos
são consistentes ao cotidiano infantil, sendo crianças que vão à
escola e lutam, ao mesmo tempo, fato esse que torna a vinculação
ao herói mais forte. No caso dos meninos a identificação com o herói
surge pela característica de “ser forte” e as meninas de “voar”.

— 19 —
Importância do herói

Em relação a categoria “Importância do herói”, as crianças


mencionaram como importantes os aspectos positivos dos mesmos
que elas pleiteiam obter, sendo o herói necessário como modo
empírico para aquisição da potencialidade desejada, como ser
“super-rápida”, “forte” e “carinhoso e rápido”. Como mostra o
desenho abaixo, com o tema “Eu como super-herói”, as crianças
desenham a si com os traços desejados do ídolo.

Lucas desenha a si como o herói quatro braços do Ben-10,


mencionando que deseja possuir traços do ídolo, como “ser forte”, e
“conseguir derrubar todo mundo” como o Ben-10. Já Cecília desenha
As meninas Superpoderosas, e diz querer “ser rápida e voar” como
as meninas no desenho.
Outro ponto importante é o uso do herói como elemento
de socialização entre as crianças. Os desenhos de Lucas e Caio
representam o mesmo herói. No momento da elaboração da fantasia,
foi a mesma fantasia, tendo o ídolo como função também a interação

— 20 —
e aceitação entre as crianças.
A importância do herói para meninos e meninas não difere,
mesmo as meninas apresentando ídolos com traços diferentes dos
meninos a importância dos mesmos segue igual. No tópico, “O que
menos gosta nele [o herói escolhido]?”, nenhuma criança menciona
algo que lhe desagrade, apresentando assim uma forte identificação
com esse ídolo, que possui uma conduta que não desabona a criança.

Objetos do herói

Todas as crianças possuíam algum objeto de seu ídolo e/ou de


algum herói que tenha simpatia. No decorrer das entrevistas, Lucas
integra como algo dele, parecido com seu herói, a roupa que possui,
no caso o Ben-10, ou seja, a roupa nessa situação funcionou como
objeto simbólico pelo qual a criança adquiriu traços do herói e
acessou a realidade, não se restringindo apenas a vontade dela em
ter uma vestimenta.
De acordo com Santos (2000) e Trindade (2002), a criança na faixa
etária de seis aos doze anos começa a ter uma postura mais seletiva
aos objetos que compra, entrando no Universo Racional – de números
e raciocínio lógico; vestir-se, agora, conota a expressão de sua
identidade. As necessidades sociais nesse momento geram desejos
por objetos como: roupas, calçados, brinquedos, materiais escolares
entre outros, que sejam aprovados pelos grupos de referência do
indivíduo. É com essa visão que muitos profissionais de marketing
atingem o público infantil, tendo consciência da importância da
socialização nesse estágio do desenvolvimento, elaboram objetos
com um simbolismo para a criança de que o seu consumo a ajudará
em tal questão, no caso dos entrevistados, as roupas e mochilas do
Ben-10 e cadernos das Meninas Superpoderosas.

Contato com o herói

Os heróis mencionados são advindos do contato da criança com a


televisão, ídolos representados pelos desenhos animados favoritos.
Os heróis atuais se assemelham muito com as crianças, assim,
o contato e a identificação entre eles ocorre de forma intensa.
Na categoria “O que tem de parecido com o herói”, Lucas e Ana
responderam: o rosto. Os mesmos disseram que seu super-herói é
uma criança, parecida com eles. Os heróis atuais, são os mesmos que
vão a escola, ficam de castigo, brincam na rua e salvam o mundo,
tornando, deste modo, a vinculação da criança com os mesmos,

— 21 —
maior. (MOTA, 2003).

Comportamento de semelhança ao herói e mudança de


comportamento advinda do contato com o mesmo

Os aspectos vistos como positivos e desejados pelas crianças são


os mencionados por elas como semelhantes ao do herói, em uma
tentativa de internalizar os mesmos, as crianças aderem a alguns
dos comportamentos que mais desejam, sendo esse um momento do
desenvolvimento, de imitação de pessoas ou figuras de segurança,
que auxiliam na relação com o self pessoal.
Foi percebido que uma parcela razoável das crianças tinha como
algo positivo e desejado em seu herói: a rapidez. Ao se indagar tal
questão, elas mencionaram que há uma corrida na sala para ver
quem é o mais rápido e todas querem ganhar, como no caso de Tiago,
que se identifica com o herói Flash, desejando “ser super-rápido
como ele”. A partir desses dados, percebe-se que, como expressa
Salgado (2005), o herói é usado como método de inspiração para
aquisição e mudança de comportamento e aplicação no cotidiano,
ou seja, de se individuar, pois sendo a criança mais rápida da turma,
ela se fortalece nessa identidade, apresentando-se à sociedade de
maneira diferenciada, como a criança mais rápida.

Neste sentido, para Fromm (1990) e Jones (2004), o ídolo é


necessário a criança, ao homem, sendo uma figura de identificação
importante para interação e socialização com outros, pois é com esse
contato, que a criança lida com os dilemas cotidianos, se fortalece,
canaliza suas emoções, controla sua ansiedade e entende o mundo.
No quesito “Você se acha parecido com ele [herói]? Por quê?”, as
crianças trazem os adjetivos que veem como positivos no ídolo. Os
participantes têm de forma clara o que salientam como “legal”, no
herói, internalizam essas características, e ao lhes perguntar sobre

— 22 —
o próprio comportamento, elas trazem como suas as características
internalizadas do herói.
Outra importante análise é a influência do herói no processo
de individuação diante da família de origem vivida pela criança.
Quando solicitado ao participante Tiago para desenhar a si e sua
família, ele desenha o herói ao seu lado e desenha-se como o Flash
na família, se colocando como diferente do restante dos membros,
se diferenciando. Nota-se assim, a influência do herói no processo de
identidade. Conforme o desenho abaixo, o menino se identifica com
a imagem do herói, o destacando e diferenciando de toda família.

Tendo em vista a fase do desenvolvimento infantil, na qual o


processo de construção ocorre diariamente, as crianças podem
aderir aos comportamentos desse herói ou não no decorrer de seu
crescimento. Contudo, no momento específico dessa fase vivida pelas
crianças entrevistadas, os comportamentos adquiridos pelo herói
influenciam nos comportamentos das mesmas em seu cotidiano.

Considerações finais
O trabalho trouxe à tona questões perenes sobre o processo de
diferenciação do self em crianças e como os heróis de identificação
das mesmas as influenciam nesse processo. Embora não se encontre
muitas publicações sobre o tema, o mesmo é presente no cotidiano
de várias famílias e discutido por pais e educadores que em sua
maioria acreditam que os comportamentos agressivos advindos
das crianças vêm da influência da agressividade apresentada pelos

— 23 —
heróis, visto que os jogos e brincadeiras infantis de hoje se mostram
bastante violentos.
Os achados apontaram para a interinfluência da identificação
com os super-heróis e o processo de construção da autonomia das
crianças participantes desse estudo, quando se toma a relação
com suas famílias de origem. É comum o uso do herói nessa
fase do desenvolvimento humano (dos cinco aos dez anos) como
metáfora das relações mais próximas que a criança forma com as
pessoas mais significativas, como sua família. Foi entendido que as
características identificadas no herói, assim, como suas ações são
internalizadas pelas crianças que passam a se comportar como eles,
isso leva a compreensão da necessidade, em um dado momento do
desenvolvimento, de figuras mesmo que imaginárias, como forma
de descolamento dos pais.
Foi percebido pelo contato com as crianças que a existência
do herói é comum a infância e que as mesmas possuem uma
identificação intensa com os ídolos da mesma faixa etária, sendo
que os meninos se identificam com o estereótipo masculino e as
meninas com o feminino. O super-herói é usado como um meio de
socialização entre as crianças, um meio de interação e aceitação
entre as mesmas, pois a partir desse contato a criança se fortalece,
canaliza seus sentimentos e lida com os dilemas do dia-a-dia. Os
aspectos vistos como positivos no herói de escolha são trazidos
pelas crianças como delas, em uma tentativa de internalizá-los,
elas aderem aos comportamentos que desejam possuir do herói,
como no caso da pesquisa a característica de ser “rápido” e vencer
as corridas na escola.
Vale ressaltar que, na construção desse trabalho, alguns entraves
surgiram como forma de redirecionamento da pesquisa. Um ponto
principal refere-sea escassez de articulação teórica Boweniana
com os achados de pesquisa, o que sugere novos apontamentos
para os estudos que contemplam esta temática, além de contribuir
para preencher lacunas no que tange a relação entre vivência de
momentos do desenvolvimento e construção da personalidade da
criança, o outro ponto é a inclusão da família das crianças, visto
que se tornou difícil essa inserção pela escassez de tempo.
Outro aspecto que este trabalho traz como contribuição,
em contraposição ao corriqueiro foco negativo que a Psicologia
atribuía as vivências de relações com os pais, refere-se ao foco
mais otimista para a construção da autonomia em crianças; no que
tange a coleta de dados, ficou a necessidade de aprofundamento a
partir de novos contatos com as crianças, visto que há limitações

— 24 —
nos dados coletados pela impossibilidade de novos encontros. Esse
trabalho vem trazer como ponto positivo a autorização das vozes
das crianças, quando a maioria das pesquisas foca na percepção
dos pais, bem como a utilização de uma metodologia adequada ao
imaginário infantil, como desenhos, estórias e fantasias.
Acredito que a pesquisa apresentada seja um bom questionamento
para trabalhos futuros, visto que o herói é necessário a criança nessa
fase do desenvolvimento, sendo uma forte figura de imitação e
contato com o self pessoal. Sendo um tema cotidiano, é importante
sua pesquisa e divulgação. Fica a necessidade da inclusão da família
de origem como forma de compreensão integral no processo de
autonomia de crianças, podendo ser este um trabalho base para
futuras investigações a respeito dessa temática.

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