Sei sulla pagina 1di 321

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Direito – Programa de Pós-Graduação

DANIEL CARNEIRO MACHADO

A (IN)COMPATIBILIDADE DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE


DEMANDAS REPETITIVAS COM O MODELO
CONSTITUCIONAL DE PROCESSO:

A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA DO JUIZ E DAS PARTES NA


CONSTRUÇÃO DO PROVIMENTO JURISDICIONAL

Belo Horizonte
2016
DANIEL CARNEIRO MACHADO

A (IN)COMPATIBILIDADE DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE


DEMANDAS REPETITIVAS COM O MODELO
CONSTITUCIONAL DE PROCESSO:

A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA DO JUIZ E DAS PARTES NA


CONSTRUÇÃO DO PROVIMENTO JURISDICIONAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da


Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais – UFMG, como requisito parcial para obtenção do
título de Doutor em Direito Processual.

Orientador: Professor Doutor Fernando Gonzaga Jayme

Belo Horizonte
2016
Machado, Daniel Carneiro
M149a A (in)compatibilidade do incidente de resolução de demandas
repetitivas com o modelo constitucional de processo: a participação
democrática do juiz e das partes na construção do provimento
jurisdicional / Daniel Carneiro Machado. – 2016.

Orientador: Fernando Gonzaga Jayme


Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais,
Faculdade de Direito.

1. Direito processual - Teses 2. Incidente processual 3.


Demanda judicial I. Título

CDU (1976) 347.922

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Juliana Moreira Pinto – CRB 6/1178
DANIEL CARNEIRO MACHADO

A (IN)COMPATIBILIDADE DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS


REPETITIVAS COM O MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO:
A PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA DO JUIZ E DAS PARTES NA CONSTRUÇÃO DO
PROVIMENTO JURISDICIONAL

Tese apresentada e aprovada junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da


Universidade Federal de Minas Gerais, como parte das exigências para a obtenção do grau de
Doutor em Direito.
Belo Horizonte, 26 de outubro de 2016.

Componentes da Banca Examinadora:

________________________________________
Professor Doutor Fernando Gonzaga Jayme
Orientador
Universidade Federal de Minas Gerais

_________________________________________
Professor Doutor Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves
Membro titular
Universidade Federal de Minas Gerais

_________________________________________
Professor Doutor João Alberto de Almeida
Membro titular
Universidade Federal de Minas Gerais

_________________________________________
Professor Doutor Edilson Vitorelli Diniz Lima
Membro titular
Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________
Professor Doutor Antônio Pereira Gaio Júnior
Membro titular
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

_________________________________________
Professor(a) Doutor(a)
Membro suplente
AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus por trilhar o meu caminho para a conquista de mais uma vitória na
minha vida profissional e acadêmica. O sonho da conclusão do Doutorado na respeitada
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais se torna realidade.

À minha família, minha fortaleza e fonte de inspiração. Minha mãe Lúcia e meus irmãos,
meus incentivadores. Minha esposa Constança, pelo amor e apoio sempre incondicional, pela
compreensão nas minhas ausências e por ouvir minhas incertezas ao longo da pesquisa
sempre me ajudando a superá-las.

Aos meus filhos Davi e Matheus, por serem o meu maior tesouro.

Ao prezado professor e orientador Fernando Jayme, pelas valiosas críticas e sugestões feitas
nas aulas da Pós-Graduação quando já estudávamos o projeto do NCPC e, principalmente,
durante a realização deste trabalho.

Ao Gláucio Ferreira Maciel Gonçalves, exemplo de magistrado e professor, pela


disponibilidade e paciência em todos os momentos em que precisei e pelas sugestões que
contribuíram muito para o aperfeiçoamento do trabalho.

Meus sinceros agradecimentos.


RESUMO

A presente pesquisa analisa de forma crítica o Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas (IRDR) instituído pela Lei 13.105, de 16 de março de 2015, demonstrando sua
incompatibilidade com o modelo constitucional de processo civil brasileiro. O referido
incidente coletivo dotado de eficácia vinculante tem o propósito de trazer celeridade e
uniformidade à interpretação de questão de direito repetitiva em diversas demandas. O estudo
aborda a natureza jurídica do incidente, as hipóteses de cabimento, a legitimidade, o
procedimento, e os efeitos do julgamento, com uma preocupação voltada à forma de
participação das partes afetadas, sua representatividade adequada, além da repercussão na
atuação jurisdicional do juiz de primeira instância. Para tanto, realizou-se o necessário
confronto entre o incidente coletivo e a garantia de participação democrática no processo a
partir do conceito do contraditório substancial, adotando-se uma visão constitucional da teoria
de Fazzalari, para se demonstrar a importância da participação das partes e também do juiz na
construção do provimento estatal. O tema percorreu, ainda, o estudo do modelo único
constitucional de processo civil italiano de Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera e, ainda, do
processo justo na perspectiva de Comoglio, perfeitamente aplicáveis ao Brasil em razão das
garantias processuais da Constituição de 1988. Sustenta-se que o novel instituto transforma o
contraditório substancial em uma mera ficção jurídica para se privilegiar a celeridade na
uniformização da interpretação de questão de direito objeto de vários processos. A novel
legislação não assegura o controle da representação adequada das partes que serão afetadas
pelo julgamento e o direito de autoexclusão dos efeitos do julgamento, caracterizando
restrição desproporcional ao acesso à justiça. Finalmente, a pesquisa demonstra que os
tribunais ordinários não podem ser considerados “Cortes de Precedentes”, sendo inadequada a
definição do julgamento do IRDR como um precedente vinculante. Somente as Cortes
Supremas, ou seja, as cortes de vértice na organização do Poder Judiciário, devem exercer o
papel de “Corte de Precedente”. Demonstra também, à luz da jurisprudência do STF, que a lei
ordinária não pode atribuir força vinculante a julgamento de qualquer tribunal, mostrando-se
incompatível com a independência judicial, garantia indispensável ao modelo constitucional
de processo.

Palavras-chave: incidente coletivo; demandas repetitivas; contraditório substancial;


independência judicial; processo constitucional
ABSTRACT

The present research critically examines the Repetitive Demands Incident Resolution
established by Law 13105; March 16th 2015, showing its incompatibility with the
constitutional model of Brazilian civil procedure. This class incident endowed with binding
effect has the purpose of bringing celerity and uniformity to the interpretation of the repetitive
matter of law in many demands. This research addresses the juridical nature of the incident,
the suitable hypothesis, the legitimacy, the procedure and its trial effects, focused on the way
that affected parts participate as well as their fair representativeness in addition to the impact
on jurisdictional first instance judge work. Therefore, the study has addressed the necessary
conflict between the mass incident and the democratic participation guarantee, parting from
the adversary proceeding´s concept, considering Fazzalari’s theory constitutional view, in
order to demonstrate the importance of the interested parts’ participation as well as the
judge´s role in the construction of the state provision. The study focus on Italo Andolina and
Giuseppe Vignera‘s Italian civil procedure unique constitutional model, yet on Comoglio’s
perspective of the fair process, perfectly suitable to Brazil due to its constitutional guarantees.
The study supports the idea that the new institute transforms the adversary proceeding in mere
legal fiction in order to guarantee the celerity on the standard interpretation of a legal matter
discussed in many actions. The new legislation does not ensure control of the suitable
representation of the parties that will be affected by the trial and the right to opt-out of its
effects, featuring unproportional restriction on access to Justice. Finally, the research shows
that the ordinary courts cannot be considered precedent cuts and also that it is inadequate to
define the IRDR as a bind precedent. Only the Supreme Courts, that are the higher level in
judiciary organization, should play the role of the “Court of Precedent”. It also shows that,
according to the Supreme Court’s precedents in Brazil, the common law cannot establish
binding force to any court judgment, being incompatible with the judicial independence,
which is an essential guarantee of the constitutional process model.

Keywords: class incident; repetitive demands; adversary proceeding; judicial independence;


constitutional process
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10

CAPÍTULO 01 – A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO: UMA VISÃO CRÍTICA ......... 19


1.1. Contextualização: a reforma do Estado e a busca crescente pela efetivação dos
direitos ..................................................................................................................................... 19
1.1.1 Do Estado absolutista .................................................................................................. 19
1.1.2 Do Estado Liberal ........................................................................................................ 20
1.1.3 Do Estado Social: surgimento de novos direitos e o impacto no acesso à Justiça no
Brasil ..................................................................................................................................... 22
1.1.4 A Constituição da República de 1988 e o Estado Democrático de Direito: a explosão
da litigiosidade de massa ...................................................................................................... 27
1.2 As ondas de reformas processuais após a Constituição de 1988 e os Pactos
Republicanos: solução para a morosidade da prestação jurisdicional? ............................ 32
1.2.1 A primeira onda de reforma do Código de Processo Civil de 1973 ............................ 38
1.2.2 O I Pacto Republicano: a implementação da reforma do Poder Judiciário ................. 38
1.2.3 O II Pacto Republicano: aprovação de novas propostas legislativas........................... 40
1.2.4 A proposta para o III Pacto Republicano e a aprovação do novo Código de Processo
Civil ...................................................................................................................................... 42
1.3 A litigiosidade crescente e o agravamento da crise do Poder Judiciário – os dados do
Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça ...................................... 43
1.4 A morosidade dos tribunais – ineficácia prática da criação de novas técnicas de
julgamento para agilização dos processos ............................................................................ 45
1.5 Os Litigantes Habituais: o uso patológico do Poder Judiciário no Brasil ................... 52

CAPÍTULO 02 – O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS -


IRDR ........................................................................................................................................ 60
2.1 Introdução ......................................................................................................................... 60
2.2 Apontamentos sobre a tutela coletiva no direito comparado e sua influência no
direito brasileiro ..................................................................................................................... 64
2.3 As técnicas de solução de demandas repetitivas no direito comparado e a relação
com o IRDR ............................................................................................................................. 69
2.3.1 Direito alemão: o procedimento-modelo (Musterverfahren) ...................................... 70
2.3.2 Direito inglês: Group Litigation Order (GLO) ........................................................... 78
2.3.3 Direito português: incidente de massificação processual no contencioso
administrativo ....................................................................................................................... 81
2.4 Características principais do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas –
IRDR ........................................................................................................................................ 85
2.4.1 A natureza jurídica do IRDR ....................................................................................... 85
2.4.2 Pressupostos de admissibilidade.................................................................................. 91
2.4.2.1 Da efetiva repetição de processos ......................................................................... 91
2.4.2.2 Da questão unicamente de direito ......................................................................... 93
2.4.2.3 Da existência de risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica e da
necessidade de julgamentos conflitantes .......................................................................... 95
2.4.2.4 Do caráter subsidiário do incidente processual .................................................... 98
2.4.2.5 Necessidade da existência de processo pendente no tribunal – uma interpretação
conforme a Constituição ................................................................................................... 98
2.4.3 Legitimidade para requerer a instauração do IRDR .................................................. 103
2.4.3.1 A legitimidade do juiz de primeiro grau e do relator ......................................... 104
2.4.3.2 A legitimidade das partes ................................................................................... 105
2.4.3.3 A legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública ......................... 106
2.4.4 Desistência ou abandono do processo modelo e do próprio incidente ...................... 111
2.4.5 A competência para processar e julgar o IRDR ........................................................ 113
2.4.6 O procedimento do IRDR .......................................................................................... 116
2.4.6.1 O cadastro eletrônico e a publicidade ................................................................. 116
2.4.6.2 O juízo de admissibilidade do incidente ............................................................. 118
2.4.6.3 As providências e deliberações do relator .......................................................... 120
2.4.6.4 As intervenções das partes e do amicus curiae .................................................. 123
2.4.6.5 A instrução do IRDR .......................................................................................... 131
2.4.7 O julgamento do IRDR .............................................................................................. 133
2.4.8 Os efeitos do julgamento do IRDR e o cabimento da reclamação ............................ 137
2.4.8.1 Os efeitos do IRDR em relação aos Juizados Especiais ..................................... 140
2.4.8.2 Os efeitos do IRDR em relação à Administração Pública .................................. 147
2.4.9 Dos recursos cabíveis contra o julgamento do IRDR ................................................ 155
2.4.9.1 Dos embargos de declaração .............................................................................. 155
2.4.9.2 Da restrição ao cabimento de recurso contra o julgamento, sem resolução do
mérito, do IRDR ............................................................................................................. 155
2.4.9.3 Do cabimento do recurso especial e do extraordinário....................................... 157
2.4.10 A possibilidade de revisão da tese jurídica .............................................................. 160

CAPÍTULO 03 – O MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO: O DIREITO


FUNDAMENTAL À PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA ............................................ 164
3.1 Introdução ....................................................................................................................... 164
3.2 A teoria do processo como relação jurídica na visão de Bulow, Chiovenda e
Liebman: vínculo de sujeição das partes ao juiz e a necessidade de sua superação....... 166
3.3 O processo na teoria de Elio Fazzalari: o direito de participação das partes em
simétrica paridade para a legitimação do provimento ..................................................... 170
3.4 O modelo único constitucional de processo na perspectiva de Italo Andolina e
Giuseppe Vignera ................................................................................................................. 177
3.5 O “processo justo” na visão de Comoglio..................................................................... 180
3.6 O modelo de processo eficiente para a América Latina: uma proposta do Documento
Técnico nº 319 do Banco Mundial para a reforma do Poder Judiciário ......................... 183
3.7 O modelo constitucional do processo civil brasileiro: é possível um modelo
diferenciado de processo para a tutela das demandas repetitivas? ................................. 188
3.7.1 O contraditório como elemento essencial do modelo constitucional de processo .... 195
3.7.2 A evolução do contraditório formal ao substancial: o direito de influência e o dever de
cooperação entre as partes e o juiz na construção do provimento jurisdicional ................. 197
3.7.3 A construção participativa da fundamentação das decisões judiciais: dever de
considerar os argumentos aduzidos pelas partes ................................................................ 204
3.7.4 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o contraditório substancial ... 209
3.8 A ausência de controle judicial da representatividade adequada das partes que serão
afetadas pelo IRDR e sua repercussão no contraditório substancial............................... 211
3.9 A ausência de previsão da possibilidade de autoexclusão (modelo right to opt out) do
julgamento do IRDR e a ofensa ao direito de acesso à justiça ......................................... 219

CAPÍTULO 04 – A EFICÁCIA VINCULANTE DO IRDR E A INDEPENDÊNCIA


JUDICIAL ............................................................................................................................. 226
4.1 O movimento de aproximação dos sistemas civil law e common law: a valorização da
jurisprudência no Brasil como fonte normativa do Direito.............................................. 226
4.2 Apontamentos sobre precedente e seus elementos ...................................................... 232
4.3 O sistema de precedentes adotado pelo CPC/2015: análise crítica da inclusão do
julgamento do IRDR como “precedente vinculante” ........................................................ 236
4.4 A inconstitucionalidade da visão dos tribunais ordinários como “Corte de
Precedente”: a diferença entre a função jurisdicional dos tribunais superiores e dos
tribunais locais ...................................................................................................................... 246
4.5 A inconstitucionalidade do efeito vinculante do IRDR: uma interpretação construída
à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal .................................................... 258
4.5.1 A inconstitucionalidade dos prejulgados vinculantes da Justiça do Trabalho e da
Justiça Eleitoral .................................................................................................................. 259
4.5.2 A constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 03/93 que instituiu a ação
declaratória de constitucionalidade e sua eficácia vinculante ............................................ 261
4.5.3 A constitucionalidade da Lei Ordinária n. 9.868/99 que atribuiu eficácia vinculante
aos julgamentos de mérito da ADI: legitimidade da eficácia vinculante prevista para a
jurisdição constitucional ..................................................................................................... 264
4.5.4 A polêmica sobre a ampliação dos efeitos da decisão proferida pelo STF em sede de
controle difuso de constitucionalidade: existe vinculação aos demais órgãos do Poder
Judiciário?........................................................................................................................... 267
4.6 A independência judicial e o modelo constitucional de processo: o impacto do IRDR
no papel do juiz na interpretação do direito ...................................................................... 272
4.6.1 A técnica de ressalva de entendimento como forma de se minimizar o esvaziamento
do papel do juiz de primeiro grau na interpretação do direito ............................................ 281
4.6.2 Técnica de utilização do precedente: o distinguishing como forma de incentivo à
interpretação do juiz de primeira instância ......................................................................... 285

CONCLUSÃO....................................................................................................................... 289

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 303


10

INTRODUÇÃO

O direito processual civil está inserido em um contexto de ampla reforma


legislativa com a criação de novas técnicas processuais na tentativa de aprimoramento dos
mecanismos de solução dos conflitos. A finalidade dessas reformas é atenuar a alarmante
morosidade da atividade jurisdicional e a crescente litigiosidade.

Fala-se em “crise da Justiça” causada pela sobrecarga de processos nos tribunais,


a lentidão processual, a ausência de uniformidade da jurisprudência e a burocratização
procedimental.

Dentro desse contexto, o presente trabalho científico perpassará inevitavelmente


pela abordagem da referida crise do Poder Judiciário, desenvolvendo uma análise crítica e
necessária dos problemas enfrentados pelo Sistema de Justiça no Brasil.

A propósito, Ada Pellegrini Grinover relata que a busca de soluções para a já


mencionada “crise da Justiça” está se concentrando em duas vertentes:

A vertente jurisdicional, com a tentativa de descomplicação do próprio


processo, tornando-o mais ágil, mais rápido, mais direto, mais acessível, com
relação à qual se fala em deformalização do processo. E a vertente
extrajudicial, buscando-se por ela a deformalização das controvérsias, pelos
equivalentes jurisdicionais, como vias alternativas ao processo. É nesta
segunda perspectiva que se insere a revisitação da conciliação
(autocomposição) e da arbitragem (heterocomposição). 1

A toda evidência, não se pode negar que, em razão das dificuldades enfrentadas
pelo Poder Judiciário, as exigências em torno da uniformização da jurisprudência e da
redução do tempo do processo são uma tônica do direito processual contemporâneo.

A situação é preocupante, pois a busca de celeridade a qualquer custo e a criação


de técnicas processuais voltadas exclusivamente para a uniformização de jurisprudência
podem comprometer garantias fundamentais do processo constitucional no paradigma do
Estado Democrático de Direito.

Conforme destaca Marcelo Franco, vive-se um grande dilema: de um lado, forte


corrente doutrinária, na qual se respaldam as atuais modificações legislativas, concentra suas

1
GRINOVER, Ada Pellegrini. Deformalização do processo e deformalização das controvérsias. Novas
tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 175.
11

energias na busca pela concretização de um processo judicial mais célere e efetivo diante da
necessidade de “desafogar” o Poder Judiciário atingido por uma avalanche de demandas com
altíssima taxa de congestionamento; de outro, parcela de juristas defende a necessidade de se
reforçar a legitimidade democrática do processo decisório, sobretudo mediante o
fortalecimento da participação e do direito de influência das partes na construção do
provimento jurisdicional. 2

Em sua abordagem sobre os problemas da efetiva garantia de proteção judicial


perante o Poder Judiciário Brasileiro, Fernando Jayme já advertia sobre o risco de busca da
celeridade a qualquer custo, que pode implicar justiça sacrificadora das garantias processuais:

O conteúdo e alcance das medidas aceleradoras da entrega da prestação


jurisdicional, com vistas à realização do direito fundamental à duração
razoável do processo, somente terão validade se essas medidas forem
harmônicas com os demais princípios constitucionais do devido processo
legal, porquanto nem só agilidade demanda o processo para prover justiça. A
Constituição abrange as representações, experiências e expectativas dos
cidadãos a respeito de suas liberdades individuais e, portanto, a construção
de um conceito de efetividade do processo deve contemplar a garantia de
tutela jurisdicional efetiva enquanto manifestação de proteção judicial
efetiva, que é basilar do Estado Democrático.3

No mesmo sentido, é a crítica do processualista Freddie Didier Jr.:

O processo não tem que ser rápido/ célere: o processo deve demorar o tempo
necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.
(...) A partir do momento em que se reconhece a existência de um direito
fundamental ao processo, está-se reconhecendo, implicitamente, o direito de
que a solução do conflito deve cumprir necessariamente, uma série de atos
obrigatórios, que compõem o conteúdo mínimo do devido processo legal. A
exigência do contraditório, o direito à produção de provas e aos recursos,
certamente, atravancam a celeridade, mas são garantias que não podem ser
desconsideradas ou minimizadas. É preciso fazer o alerta, para evitar
discursos autoritários, que pregam a celeridade como valor insuperável.4

É justamente nesse cenário de busca a qualquer custo pela celeridade processual


que se destaca o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, instituído no ordenamento
jurídico brasileiro pelos artigos 976 a 987 do novo Código de Processo Civil (CPC/2015).

2
FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del
Rey, 2016, p. 1-2.
3
JAYME, Fernando Gonzaga. Obstáculos à tutela jurisdicional efetiva. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 399,
2008, p. 95-110.
4
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral do processo e processo de conhecimento.
Salvador, Editora JusPodivm, 2010, p. 59.
12

O Código de Processo Civil de 2015 resulta de elaboração e debate inteiramente


democráticos. As discussões e propostas acerca da novel legislação começaram a se
concretizar em 2009, quando foi instituída pelo ato nº 379 do Presidente do Senado Federal
uma comissão de juristas destinada a elaborar o Anteprojeto do novo Código de Processo
Civil a fim de dar uma resposta à sociedade, principal “vítima” da crise do Poder Judiciário.

A Comissão de juristas entregou, em 08 de outubro de 2010, o seu trabalho final


que se transformou no Projeto de Lei nº 166 do Senado Federal. Após a aprovação no Senado,
o projeto recebeu o nº 8.046 para tramitação na Câmara dos Deputados.

O referido projeto de lei sistematizou as reformas pontuais já implantadas na


legislação então em vigor, no intuito de conferir maior funcionalidade, e também buscou
inovar o direito processual com a introdução de novas técnicas de solução dos conflitos e
uniformização da jurisprudência. No projeto, foi proposta a criação de incidente processual
inicialmente denominado “Incidente de Coletivização” e, em sua redação final, “Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas”.

Os juristas, autores do anteprojeto do CPC, justificaram a estruturação de uma


nova técnica de resolução de conflito em razão da multiplicação e perpetuação dos litígios de
massa na sociedade moderna sem uma resposta rápida e uniforme pelo Poder Judiciário, o
que, segundo eles, causaria insegurança jurídica e desrespeito à isonomia.

O incidente de Resolução de Demandas Repetitivas consiste na identificação de


demandas repetitivas que contenham a mesma questão de direito, para decisão conjunta do
tribunal local, repercutindo obrigatoriamente (efeito vinculante e erga omnes) sobre todas as
causas que versarem sobre questão isomórfica em tramitação, inclusive as futuras, na área de
competência do tribunal.

Em outras palavras, trata-se de uma técnica de julgamento em bloco que parte de


um caso concreto (processo modelo5) entre litigantes individuais, para, a partir da cisão da

5
Os professores Humberto Theodoro Júnior, Dierle Nunes e Alexandre Bahia entendem que a repercussão geral
criada no direito processual brasileiro como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário (art. 102, §
3º da Constituição de 1988 e arts. 543-A e 543-B do CPC) se encaixa no perfil técnico das chamadas “causas
piloto” ou “processos teste”, no qual, para a resolução dos litígios em massa, uma ou algumas causas são
escolhidas pela similitude na sua tipicidade para serem julgadas e cuja solução permite que se resolvam
rapidamente todas as demais causas paralelas. Os referidos juristas consideram que a técnica de julgamento dos
recursos repetitivos seria equivalente a um “mecanismo de pinçamento” (escolha do recurso representativo da
controvérsia) que, por sua vez, não permitiria uma participação efetiva dos interessados, eis que a escolha do
recurso (pinçamento) pelo órgão a quo não garante que todos os argumentos relevantes para o debate e deslinde
da causa, suscitados por todos os interessados, sejam levados em consideração no momento da construção da
decisão. A participação efetiva se limitaria às partes dos recursos afetados, que podem ou não ter apresentado
13

cognição6 do referido processo modelo em tramitação na primeira instância, resolver


coletivamente a tese jurídica comum a inúmeros processos que versam sobre pretensões
isomórficas, assegurando a rápida uniformidade do posicionamento judicial.

Almeja-se abordar criticamente ao longo deste trabalho científico todas as


nuances jurídicas do referido incidente processual, analisando-se sua natureza jurídica, as
hipóteses de cabimento, a legitimidade, o procedimento, os efeitos do julgamento, com
destaque para a forma de participação das partes, sua representatividade, a eficácia da atuação
do amicus curiae e, ainda, a repercussão na atuação jurisdicional do juiz de primeira instância.

A propósito, o controle da adequação da representatividade em procedimentos


dotados de eficácia vinculante e erga omnes é imprescindível para se resguardar o
contraditório como direito de influência no julgamento e, por conseguinte, para legitimar a
sujeição de terceiro ao resultado de um processo no qual não participou diretamente.

No caso, a representatividade dos sujeitos processuais merecerá especial atenção


na medida em que, a depender da tese jurídica definida, o provimento jurisdicional construído
pelo julgamento do incidente não só beneficiará os terceiros titulares dos direitos individuais
homogêneos (isomórficos), mas também os prejudicará em caso de julgamento desfavorável
(pro et contra), vinculando os julgadores de primeira instância.

Para demonstrar a relevância da temática, também serão destacadas as técnicas


processuais de julgamento de casos modelo já instituídas na Alemanha, em Portugal e na
Inglaterra, cujas balizas teóricas foram importadas para o direito brasileiro, não obstante
terem sido concebidas em sociedades menos populosas e muito diferentes da brasileira, além
das diversidades da organização do Poder Judiciário e da legislação processual de cada país.

Vale destacar a advertência de Barbosa Moreira sobre o risco da precipitada


importação de teorias e técnicas desenvolvidas no direito comparado:

fundamentação jurídica idônea e técnica. (THEODORO JÚNIOR. Humberto; NUNES, Dierle José Coelho;
BAHIA, Alexandre. Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. Revista de Processo,
nº 177, nov. 2009, p. 22-23)
6
Conforme informa Antônio do Passo Cabral, “ainda que não existam muitos mecanismos com funções de
conferir tutela coletiva a questões comuns, a legislação processual pátria admite, há muito tempo, a quebra de
cognição em alguns procedimentos, com um juízo decidindo sobre uma ou algumas questões prévias, deixando o
julgamento da questão principal a outro órgão judiciário. Assim ocorre com o incidente de reserva de plenário
(art.97 da Constituição da República de 1988 e art.480 e ss. do CPC) para a declaração de inconstitucionalidade
das leis pelos tribunais, bem como o incidente de uniformização de jurisprudência, previsto no art.476 do CPC.
Nestes incidentes, a cognição da questão prévia é remetida ao pleno ou órgão especial dos tribunais, deixando às
câmaras ou turmas (órgãos fracionados), a decisão sobre o mérito do recurso.” (CABRAL, Antônio do Passo. O
novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às ações coletivas. Revista de Processo,
mai. 2007, p. 143)
14

Ninguém, com efeito, pode ignorar os graves perigos inerentes à afoiteza de


'importações' levadas a cabo sem o conhecimento integral e preciso das
características da peça importada e da maneira por que ela se insere,
estrutural e funcionalmente, no mecanismo de origem.7

Nas palavras de Cappelletti e Garth, o maior perigo “é o risco de que


procedimentos modernos e eficientes abandonem as garantias fundamentais do processo civil
– essencialmente as de um julgador imparcial e do contraditório” 8.

De acordo com a exposição de motivos elaborada pela Comissão de Reforma9, o


referido incidente foi inspirado no Procedimento-Modelo ou Procedimento-Padrão
(Musterverfahren) do Direito Processual Alemão, que foi instituído naquele ordenamento
jurídico para possibilitar que o Tribunal Regional (Oberlandesgericht) fixasse
posicionamento sobre supostos fáticos ou jurídicos de pretensões repetitivas, estendendo aos
processos individuais os efeitos do julgamento.

De forma semelhante, foi instituído em Portugal um sistema de ações teste (test


claims). No direito português, quando mais de vinte ações sobre a mesma pretensão de direito
material são iniciadas ou quando essas demandas devem ser decididas com a aplicação das
mesmas normas jurídicas em face de matéria fática isomórfica, o presidente do tribunal local
deverá determinar que prossiga apenas uma ou algumas dessas. As demais ficarão suspensas
até o resultado final da ação teste escolhida pelo órgão julgador.

Quando a decisão de mérito proferida na “ação teste” (processo-modelo) se tornar


imutável, os litigantes que se encontravam com os processos suspensos podem requerer ao
tribunal que estenda os efeitos da decisão da ação teste para os processos em que são partes ou
a parte autora poderá exercer o direito de autoexclusão.

Já na Inglaterra, segundo o jurista Aluísio Gonçalves de Castro Mendes10, “um


caso pode receber o tratamento de litígio coletivo – Group Litigation Order (GLO) – sempre
que houver pretensões fundadas ou que contenham questões, de fato ou de direito, comuns ou

7
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre alguns aspectos do processo (civil e penal) nos países anglo-
saxônicos. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001, 155.
8
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 163.
9
BRASIL. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília-DF, 2010. 381 pp. Disponível em:
HTTP://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em: 09 mar. 2015.
10
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 57.
15

relacionadas (GLO issues)”.

O incidente do direito inglês pode ser provocado de ofício ou a requerimento da


parte e a decisão proferida será vinculante para todos os casos semelhantes já registrados no
momento do julgamento, podendo o órgão julgador estender os efeitos a outros casos
posteriormente registrados. 11

Em suma, através da utilização dessa técnica processual introduzida no direito


processual brasileiro obtém-se uma tutela jurisdicional de vestes coletivas a partir de um
processo individual, cindindo-se a cognição do processo em primeira instância ou pendente de
análise no tribunal já que a definição da tese jurídica se dará unicamente por órgão colegiado
específico do tribunal local ou regional.

Se é salutar, por um lado, o delineamento de técnicas processuais idôneas para


aplicação do direito material, aproximando o sistema processual com os litígios a serem
resolvidos, de outro, a busca pela celeridade a qualquer custo pode implicar precipitação de
julgamentos sem o devido aprofundamento do debate das questões controvertidas,
comprometendo a qualidade da prestação jurisdicional, além do risco de padronização
artificial de decisões judiciais.

A “importação” de novas técnicas de julgamento com eficácia vinculante e erga


omnes sem se preocupar com as peculiaridades dos litígios e os fundamentos apresentados
pelas partes em cada um deles reflete um cuidado apenas com o tempo da resposta dada pelo
Poder Judiciário, relegando ao segundo plano a própria essência do processo democrático que
é a participação efetiva das partes na construção da decisão judicial.

Com efeito, o acesso à justiça não se resume à mera possibilidade de ingressar em


juízo ou à garantia de obtenção de um julgamento célere; é, sim, a garantia de que os cidadãos
possam demandar e defender-se adequadamente em juízo, isto é, ter acesso à efetividade no
processo com os meios e recursos a ele inerentes de modo a obter um provimento
jurisdicional justo, construído a partir do amplo debate e participação dos sujeitos
interessados.

É por isso que o devido processo legal ou devido processo justo deve envolver um
tempo específico definido em bases constitucionais, e este não é um inimigo, mas um fator
relevante para o debate e a própria estruturação equilibrada do processo no Estado

11
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2002, p. 59.
16

Democrático de Direito. 12

E, em se tratando de litígios de massa, que envolvem milhares de jurisdicionados


e várias demandas individuais, é indispensável a preservação do espaço técnico-retórico para
exposição ampla, debate, investigação criteriosa e dissecação plena dos temas ora levantados
ou que venham a ser levantados, inclusive com a participação do julgador de primeiro grau.
Do contrário, sob o pretexto da pura celeridade, restringir-se-á o debate inerente ao amplo
contraditório necessário ao embasamento de uma boa e segura decisão judicial.

O ponto fulcral da tese perpassará, portanto, pelo necessário confronto e


interlocução entre o Incidente Processual de Resolução das Demandas Repetitivas (IRDR) e a
garantia de participação democrática assegurada pelo modelo constitucional do processo para,
então, demonstrar sua (in)compatibilidade. Há de se indagar se a técnica de julgamento do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, tal como disciplinada pelo Código de
Processo Civil, é compatível com o contraditório substancial. E ainda, deve-se questionar se o
incidente processual prevê mecanismos obrigatórios e eficazes que assegurem a participação
efetiva dos titulares do direito controvertido e, ao mesmo tempo, preservem a atuação
independente do magistrado na construção do provimento, garantias essenciais do modelo
constitucional do processo.

Para responder a essas indagações, será trabalhado o conceito do princípio do


contraditório, adotando como marco teórico a Teoria Constitucionalista do Processo,
perpassando pelo modelo constitucional do processo civil de Italo Andolina e Giuseppe
Vignera (1990), com o objetivo de demonstrar sua imprescindibilidade para a concretização
do Estado Democrático de Direito. Será necessário superar a clássica teoria da relação
jurídica de Bullow e Liebman, fazendo-se uma leitura constitucional da teoria processual de
Elio Fazzalari, capitaneada pelo professor Aroldo Plínio (1992), segundo a qual a participação
efetiva dos sujeitos processuais é elemento fundamental do processo democrático,
constituindo o âmago do contraditório – o chamado contraditório dinâmico ou substancial.

Na mesma linha teórica, o professor Dierle Nunes13 adverte que o processo deve
ser estruturado em qualquer situação sob uma perspectiva comparticipativa e policêntrica,
ancorado nas garantias fundamentais previstas na Constituição, constituindo um espaço

12
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas
processuais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 211.
13
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas
processuais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 211.
17

público no qual se apresentam plenas condições comunicativas para que todos os


legitimamente interessados participem da formação do provimento.

Marinoni também ressalta o valor da participação efetiva na formação da decisão


judicial como requisito de legitimação do processo no Estado Democrático de Direito:

A legitimação pela participação decorre da efetividade da participação das


partes na formação da decisão, já que apenas proclamar o direito de
participação, sem outorgar às partes as condições necessárias a tanto, implica
em negar a própria legitimidade que se pretende transmitir com a ideia de
participação. 14

Não menos importante é a análise do problema sob a ótica do juiz de primeiro


grau, cuja participação na construção democrática do provimento e na interpretação do direito
será suprimida pelo tribunal local ao julgar o Incidente de Resolução das Demandas
Repetitivas com eficácia erga omnes e vinculante.

Conforme crítica de Fernando Jayme15, citando expressão cunhada pelo Ministro


Humberto Gomes de Barros do Superior Tribunal de Justiça, os julgamentos padronizados
voltados apenas à diminuição da sobrecarga de processos dos tribunais ofendem o princípio
do juiz natural, com a substituição deste pelo “juiz eletrônico”.

O papel do julgador, em especial o da primeira instância – primeiro a ter contato


com os fundamentos e fatos apresentados – deve ser considerado fundamental no processo
democrático. Não se pode admitir a padronização artificial das decisões judiciais para se
privilegiar a celeridade do processo.

A independência funcional do magistrado é, segundo José Albuquerque da


Rocha16, “o traço mais relevante do estatuto do juiz, o elemento essencial à função de julgar,
constituindo a pedra angular do chamado Estado de Direito”.

As prerrogativas não foram outorgadas como um privilégio direcionado para a


pessoa do juiz, mas sim como uma garantia e, em ultima ratio, para a própria sociedade. Um
juiz independente, que poderá julgar segundo as suas convicções formadas a partir dos fatos e

14
MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do Estado
Constitucional. In: DIDIER Jr., Fredie e JORDÃO, Eduardo. Teoria do Processo: panorama doutrinário
mundial. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 544.
15
JAYME, Fernando Gonzaga. Obstáculos à tutela jurisdicional efetiva. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 399,
2008, p. 95-110.
16
ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 23.
18

dos fundamentos jurídicos apresentados pelas partes no processo, representa garantia do povo
e da democracia.

Já ensinava o mestre Carlos Maximiliano sobre a atuação do magistrado de


primeiro grau:
... vêem estes de mais perto os interesses e os desejos dos que recorrem à
justiça: uma jurisdição demasiado elevada não é apta a perceber rápida e
nitidamente a corrente das realidades sociais. A nova lei vem de cima; as
boas jurisprudências fazem-se embaixo. 17

O estudo do Incidente de Resolução das Demandas Repetitivas está, enfim, na


ordem do dia, sendo necessário o enfrentamento das referidas questões ao longo desta tese de
doutoramento para, ao final, se demonstrar a hipótese da compatibilidade ou não do novel
instituto com o contraditório substancial e a independência funcional do juiz, que são
garantias estruturantes do modelo constitucional de processo no paradigma do Estado
Democrático de Direito.

17
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 180.
19

CAPÍTULO 01

A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO: UMA VISÃO CRÍTICA

1.1. Contextualização: a reforma do Estado e a busca crescente pela efetivação dos


direitos

Para contextualizar a chamada “Crise do Poder Judiciário” é imprescindível


destacar, ainda que brevemente, já que não constitui o objeto central da pesquisa, a superação
e a releitura dos paradigmas do Estado Liberal, Social e Neoliberal.

O propósito é demonstrar que as modificações do papel do Estado ao longo da


história repercutiram fortemente no acesso à justiça e, por conseguinte, na atuação do Poder
Judiciário, em especial, no Brasil, sendo que as reformas legislativas e a criação de novas
técnicas processuais não resolveram os problemas enfrentados pelo Sistema de Justiça e estão
longe de ser a solução mais adequada.

1.1.1 Do Estado absolutista

No absolutismo, a autoridade máxima do rei soberano contava com poderes


ilimitados para conduzir os destinos de uma determinada nação. O poder político concentrado
nas mãos da autoridade real era legitimado por uma justificativa religiosa em que o monarca
seria visto como um representante divino, dotado de poderes absolutos sobre toda a sociedade.

O poder jurisdicional de decisão e autoridade era exercido diretamente pelo


soberano ou delegado a sujeitos sempre pertencentes à nobreza e/ou clero, de forma a
manifestar e perpetuar seus interesses.18

A propósito, André Ramos Tavares destaca, ao dissertar sobre o Judiciário na


Europa naquela época, que:

Na França do século XII, eram os prebostes, o baile e o seneschal, os


funcionários responsáveis por aplicar a Justiça, e que aqueles (prebostes)
administravam seu distrito cumprindo as ordens reais e fazendo justiça em
nome do rei, ao passo que os dois últimos eram recrutados dentre a baixa-
nobreza da Casa real, sendo considerados servidores da Coroa. Assim
subordinado, não haveria de se desenvolver adequadamente uma estrutura de
‘Justiça’. 19

18
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade. Para uma teoria geral da política. Trad. Marco Aurélio
Nogueira. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p. 115.
19
TAVARES, André Ramos. Manual do Poder Judiciário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24.
20

Ou seja, a vontade do soberano era lei e os “órgãos jurisdicionais” daquela época


eram praticamente submissos ao poder absoluto, de modo que a atividade jurisdicional não se
caracterizava pela legalidade tal como concebida nos regimes republicanos e na democracia.20

A falta de independência do Poder Judiciário é, portanto, traço característico do


período absolutista, em que o Poder Judiciário era visto como uma longa manus do soberano.

Durante as revoluções burguesas e quando o movimento denominado Iluminismo


se destacou na Europa, na passagem do Século XVIII para o XIX, o Estado Absolutista,
marcado até então pelo autoritarismo e pela vontade absoluta do soberano sobre a sociedade,
entrou em queda, surgindo o Estado republicano e democrático apoiado no liberalismo.

1.1.2 Do Estado Liberal

O Estado Liberal, que se seguiu, assentava-se em três princípios básicos: a


liberdade, a igualdade e a propriedade, todas centradas no indivíduo. Estabelecia-se uma
separação nítida entre a esfera privada e a esfera pública, principalmente em razão da
interpretação dos direitos fundamentais como garantias meramente negativas, vale dizer,
como garantia da não intervenção do Estado na esfera privada da sociedade, deixando, por
exemplo, a economia a cargo das leis do mercado e garantindo a cada indivíduo o direito de
buscar o seu espaço.21

Assumem particular relevo no rol desses direitos de cunho negativo,


especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à
propriedade e à igualdade perante a lei. 22

A propósito dos direitos fundamentais no Estado Liberal, importante destacar a


lição do professor Daniel Sarmento:

Dentro deste paradigma, os direitos fundamentais acabaram concebidos


como limites para a atuação dos governantes, em prol da liberdade dos
governados. Eles demarcavam um campo no qual era vedada a interferência
estatal, estabelecendo, dessa forma, uma rígida fronteira entre o espaço da
sociedade civil e do Estado, entre a esfera privada e a pública, entre o
‘jardim e a praça’. Nesta dicotomia público/privado, a supremacia recaia
sobre o segundo elemento do par, o que decorria da afirmação da

20
THEODORO JR., Humberto. O processo justo e as tutelas jurisdicionais proporcionáveis aos direitos
substanciais em crise. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, n. 123, jun., 2013, p 33.
21
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.
55.
22
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,
p. 47.
21

superioridade do indivíduo sobre o grupo e sobre o Estado. (...) No âmbito


do Direito Público, vigoravam os direitos fundamentais, erigindo rígidos
limites à atuação estatal, com o fito de proteção do indivíduo, enquanto no
plano do Direito Privado, que disciplinava relações entre sujeitos
formalmente iguais, o princípio fundamental era o da autonomia da
vontade.23

O Direito era visto como um Direito formal burguês e assumia a perspectiva de


um sistema fechado de regras que determinava a garantia da esfera privada de cada indivíduo.
Adquiria, assim, uma compreensão formal, de natureza privatística, percebendo os conflitos
sociais exclusivamente sob a perspectiva interindividual. 24

Segundo Ludmila Teixeira25, naquele contexto, o pensamento jurídico repousava


em uma racionalidade teorética e a tarefa do juiz cingia-se a uma operação lógico-dedutiva
dessas regras gerais, abstratas e impessoais.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth26 destacam, ainda, que o acesso à Justiça


representava, no Estado Liberal, um direito meramente formal do indivíduo, alcançável
apenas por um pequeno grupo que possuía aptidão para suportar os custos do processo.

O Poder Judiciário desempenhava, por sua vez, o papel de solucionar


preponderantemente os conflitos entre particulares. Os órgãos jurisdicionais somente atuavam
após provocação e as decisões judiciais proferidas alcançavam apenas os litigantes do
processo sem qualquer eficácia coletiva.

E conclui Ludmila Teixeira que

A Jurisdição legitimava-se, portanto, pela sua capacidade em produzir as


sensações de segurança jurídica e estabilidade ao sistema. O primeiro sentido
de acesso à justiça, condizente com esta racionalidade, restringia-se ao
direito de ingresso em juízo (input). Sustentava-se nas considerações
relacionadas ao poder de exercício da ação, desprovido de qualquer conteúdo
sócio-político. Entendido desta forma, o acesso à justiça e a atuação judicial
voltam-se principalmente para as questões relacionadas ao direito invocado

23
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2006, p. 12-13.
24
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.
57.
25
TEIXEIRA, Ludmila Ferreira. Acesso à Justiça Qualitativo. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Pós-Graduação em Direito, Pouso Alegre, MG, 2012, p. 53.
26
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 8.
22

pelo autor. 27

No final do século XIX e início do século XX, o modelo liberal de Estado


começou a dar mostras de sua inadequação em face das mudanças econômicas e sociais. A
evolução do capitalismo e a revolução industrial trouxeram progresso econômico e riqueza
aos Estados Nacionais, mas, ao mesmo tempo, para sustentar o aumento dos lucros, era
preciso aumentar também a produção, o que foi conseguido com a exploração do trabalhador.

Ao lado do progresso econômico gerado pela Revolução Industrial, esse período


testemunhou a ocorrência de maciços deslocamentos de pessoas, o agravamento sem
precedentes das desigualdades sociais, a emergência da chamada questão social
(criminalidade, prostituição, insalubridade, habitação degradada etc.). Tudo isso deu origem a
uma explosão de conflitos sociais. 28

O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que


acompanharam as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de
liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo geraram, já no decorrer do
século XIX, amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo dos
direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social.

Ou seja, a interpretação da liberdade e da propriedade centradas apenas no


indivíduo acabou por acarretar uma crescente exclusão e exploração social, que propiciaram
as eclosões de revoltas operárias que buscavam o reconhecimento de direitos mínimos aos
trabalhadores.

Os alicerces estruturantes do Estado Liberal entraram em colapso, pois a


sociedade começou a compreender que os direitos previstos asseguravam uma igualdade
apenas formal e não eram suficientes para assegurar a liberdade e igualdade material entre os
indivíduos.

1.1.3 Do Estado Social: surgimento de novos direitos e o impacto no acesso à Justiça no


Brasil

O período entre as Primeira e Segunda Guerras Mundiais é marcado pela transição

27
TEIXEIRA, Ludmila Ferreira. Acesso à Justiça Qualitativo. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito) –
Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Pós-Graduação em Direito, Pouso Alegre, MG, 2012, p. 60.
28
SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manual Leitão; PEDROZO, João. Os tribunais nas
sociedades contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 11, n. 30, fev. 1996, p. 33.
23

política do Estado, que começa a assumir um papel mais intervencionista, paternalista, saindo
da posição negativa do liberalismo para adotar uma conduta positiva no sentido de garantir
direitos sociais mínimos. Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet29, “não se cuida mais,
portanto, de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado”.

Um marco inicial do paradigma do Estado Social identifica-se com o chamado


constitucionalismo social, movimento que ganhou maiores contornos após a Constituição
alemã de Weimar (1919), apesar de a Constituição mexicana de 1917 ser considerada a
primeira Constituição Social. 30

A Constituição Brasileira de 1934, da época do governo de Getúlio Vargas, reflete


o paradigma do Estado Social no Brasil. Segundo José Eduardo Romão,

(...) não padece dúvida que a tônica da Constituição de 34 recaiu sobre o


Estado social. A constitucionalização do salário mínimo, do direito ao
trabalho, do direito à associação sindical e profissional vincam tão
fortemente o ordenamento jurídico no Brasil que, de fato, não parece
possível negar a ocorrência do paradigma do Estado da Providência. 31

Conforme muito bem ressaltado por Daniel Sarmento:

As Constituições do México (1917) e de Weimar (1919) trazem em seu bojo


novos direitos que demandam uma contundente ação estatal para sua
implementação concreta, a rigor destinados a trazer consideráveis melhorias
nas condições materiais de vida da população em geral, notadamente da
classe trabalhadora. Fala-se em direito à saúde, à moradia, à alimentação, à
educação, à previdência etc. Surge um novíssimo ramo do Direito, voltado a
compensar, no plano jurídico, o natural desequilíbrio travado, no plano
fático, entre o capital e o trabalho. O Direito do Trabalho, assim, emerge
como um valioso instrumental vocacionado a agregar valores éticos ao
capitalismo, humanizando, dessa forma, as até então tormentosas relações
jus laborais. No cenário jurídico em geral, granjeia destaque a gestação de
normas de ordem pública destinadas a limitar a autonomia de vontade das
partes em prol dos interesses da coletividade. 32

Como consequência da mudança de paradigma para o Estado Social, amplia-se a


dimensão dos direitos fundamentais. Nesse sentido, observa Menelick de Carvalho Netto:

29
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010,
p. 47.
30
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.
58.
31
ROMÃO. José Eduardo Elias. Justiça Procedimental: a prática da mediação na teoria discursiva do Direito de
Jurgen Habermas. Brasília: Maggiore, 2005, p. 31.
32
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2006, p. 19.
24

Não se trata apenas do acréscimo dos chamados direitos de segunda geração


(os direitos coletivos e sociais), mas inclusive da redefinição dos de 1ª (os
individuais); a liberdade não mais pode ser considerada como o direito de se
fazer tudo o que não seja proibido por um mínimo de leis, mas agora
pressupõe precisamente toda uma plêiade de leis sociais e coletivas que
possibilitem, no mínimo, o reconhecimento das diferenças materiais e o
tratamento privilegiado do lado social ou economicamente mais fraco da
relação, ou seja, a internalização na legislação de uma igualdade não mais
apenas formal, mas tendencialmente material. 33

Dentro desse novo paradigma, o Estado começa a atuar no sentido de assumir-se


“como agente conformador da realidade social e que busca, inclusive, estabelecer formas de
34
vida concretas, impondo pautas ‘públicas’ de ‘vida boa’” . O Poder Executivo assume o
papel protagonista de editar e executar políticas públicas, contribuindo para a proliferação
fervorosa dos direitos de segunda geração (sociais e econômicos), como, por exemplo, os
direitos trabalhistas, à saúde, à previdência social, e à educação.

É possível perceber, ainda, nítido avanço da teoria do direito, que se coloca em


uma posição crítica acerca do positivismo extremado, trazendo para o lado do direito à justiça,
os valores e os fatos sociais. Ganhou relevo a interpretação da lei: os juízes e intérpretes em
geral abandonaram a simples operação lógica de subsunção da norma ao fato, sem qualquer
liberdade criativa para assumir um papel mais ativo, no sentido de aliar à interpretação da
norma fatores lógicos, axiológicos e fáticos.

O acesso à Justiça também avançou nesse novo paradigma, sobretudo no campo


da produção de resultados socialmente justos, tendo em vista o ideal de superação das
desigualdades e injustiças existentes no Estado Liberal. É institucionalizado um processo
como instrumento para a realização da jurisdição, com escopos jurídicos, sociais e políticos
bem definidos, rompendo-se com o formalismo do modelo liberal.

Com efeito, a previsão de novos direitos pelo sistema jurídico impulsionou o


surgimento de novos tipos de conflitos até então não discutidos no Poder Judiciário,
especialmente no Brasil.

Para dar resposta aos novos tipos de conflitos, foi criada no Brasil a Justiça do
Trabalho em 1939, permitindo a atuação do Poder Judiciário voltada à proteção do direito

33
CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos Pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do
Estado Democrático de Direito. Revista de direito comparado. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 480.
34
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.
59.
25

social dos trabalhadores, o que, sem dúvida, proporcionou maior acesso à Justiça. O Decreto-
Lei 1.608, de 1939, que cria o Código de Processo Civil, também se insere com grande
relevância no contexto histórico de ampliação de acesso à Justiça no Brasil.

Nesse sentido, importante destacar trecho da Exposição de Motivos do referido


Código de 193935, da lavra de Francisco Campos:

As profundas transformações operadas em todos os campos da atividade


humana, particularmente as transformações sociais e políticas, concorreram
para manifestar a extensão dessa crise, pois levaram os benefícios da ordem
jurídica a terrenos que a velha aparelhagem judiciária não estava capacitada
para alcançar. O processo em vigor, formalista e bizantino, era apenas um
instrumento das classes privilegiadas, que tinham lazer e recursos suficientes
para acompanhar os jogos e as cerimônias da justiça, complicados nas suas
regras, artificiosos na sua composição e, sobretudo, demorados nos seus
desenlaces. As transformações políticas que entre nós se cumpriram abrem
entretanto o gôzo dos instrumentos de govêrno a uma imensa massa humana,
que antes não participava dêles senão indireta e escassamente, e assim
impõem um nôvo regime à administração da justiça. (...) A transformação
social elevou, porém, a Justiça à categoria de um bem geral, e isso não
apenas no sentido de que ela se acha à disposição de todos, mas no de que a
comunidade inteira está interessada na sua boa distribuição, a ponto de tomar
sôbre si mesma, através dos seus órgãos de govêrno, o encargo de torna-la
segura, pronta e acessível a cada um. Responsável pelos bens públicos, o
Estado não poderá deixar de responder pelo maior dêles, que é precisamente
a Justiça.

A Lei 1060, de 1950, que regulamentou a concessão da assistência judiciária


gratuita, ampliou o acesso à Justiça às pessoas economicamente hipossuficientes e que não
podiam suportar os ônus do processo. Da mesma forma, as Leis n. 1.533, de 1951, e 4.717, de
1965, que regulamentaram o mandado de segurança e a ação popular, respectivamente,
criaram instrumentos processuais importantíssimos de controle dos atos da Administração
Pública.

A criação de novos direitos combinada com a nova legislação processual e a


ineficiência do Estado de assegurar os direitos sociais prometidos favoreceram ao aumento
contínuo da procura pelo Poder Judiciário, o que culminou nos problemas da morosidade da
Justiça desde aquela época.

Alguns anos depois, no regime ditatorial de 1964, motivado já àquela época pela
quantidade de processos em tramitação no Poder Judiciário, foi elaborado outro Código de

35
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1608-18-setembro-1939-
11638-norma-pe.html Acesso em: ago. de 2015.
26

Processo Civil regulamentado pela Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.

As palavras de Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça, escritas, em 1964, na


exposição de motivos do Código de Processo Civil de 197336, ilustram bem o contexto
histórico de busca de celeridade processual, in verbis:

Aos estudos iniciais antolharam-se-nos duas soluções: rever o Código


vigente ou elaborar um Código nôvo. A primeira tinha a vantagem de não
interromper a continuidade legislativa; o plano de trabalho, bem que
compreendendo a quase totalidade dos preceitos legais, cingir-se-ia a manter
tudo quanto estava conforme com os enunciados da ciência, emanando o que
fôsse necessário, preenchendo lacunas e suprimindo o supérfluo, que retarda
o andamento dos feitos. (...) Depois de demorada reflexão, verificamos que o
problema era muito mais amplo, grave e profundo, atingindo a substância
das instituições, a disposição ordenada das matérias e a íntima correlação
entre a função do processo civil e a estrutura orgânica do Poder Judiciário.
Justamente por isso a nossa tarefa não se limitou à mera revisão. Pareceu-nos
indispensável reelaborar o Código em suas linhas fundamentais, dando-lhe
um nôvo plano em harmonia com as exigências científicas do progresso
contemporâneo e as experiências dos povos cultos.

E logo a seguir, continua Buzaid:

(...) o processo civil é um instrumento jurídico e eminentemente técnico,


preordenado a assegurar a observância da lei; por isso há de ter tantos atos
quantos sejam necessários para alcançar sua finalidade. Diversamente de
outros ramos da ciência jurídica, que traduzem a índole do povo através de
longa tradição, o processo civil deve ser dotado exclusivamente de meios
racionais, tendentes a obter a atuação do direito. As duas exigências
antitéticas que concorrem para tecnizá-lo são a rapidez e a justiça.
Conciliam-se essas tendências, estruturando-se o processo civil de tal modo
que ele se torne efetivamente apto a administrar, sem delongas, a justiça.

Não obstante inserido no contexto histórico do Estado Social, o Código de


Processo Civil de 1973 possuía nítido viés liberal, voltado primordialmente para a tutela dos
direitos de propriedade e da liberdade individual, repercutindo nas décadas que se seguiram a
inadequação das técnicas processuais para a resolução efetiva e em tempo razoável dos novos
conflitos.

A propósito, o professor Cândido Rangel Dinamarco destaca de forma crítica a


impropriedade do Código de 1973 em relação às exigências dos novos direitos sociais da
época:
(...) o Código Buzaid foi uma obra de seu tempo e do estado da doutrina
brasileira de quando foi editado. Nossos olhos não estavam propriamente

36
BRASIL. Senado. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/177828 Acesso em agosto de
2015.
27

abertos, nem nossos sentidos atentos à verdadeira revolução cultural em prol


da bandeira da efetividade do processo, então brotando em plagas europeias.
Isso quer dizer que o legislador brasileiro de 1973 não foi inspirado por
aquelas premissas metodológicas de que hoje são imbuídos os setores
progressistas da doutrina brasileira – como a visão crítica do sistema
processual pelo ângulo externo, a preponderância dada à figura do
consumidor dos serviços judiciários, a fortíssima guinada para a tutela
coletiva e, sobretudo, o sublime empenho pela universalização da tutela
jurisdicional e efetivo acesso à ordem jurídica justa. Fiel ao estado da
doutrina brasileira de seu tempo, o Código de 1973 veio a lume como um
excelente instrumento técnico. Faltam-lhe, contudo, esses ingredientes de
que não se pode prescindir. 37

Com efeito, o direito processual daquela época ainda era voltado primordialmente
à proteção do indivíduo, dos direitos individuais; quanto aos direitos de titularidade coletiva,
sobretudo os difusos, ainda não havia mecanismos eficientes para a sua defesa.

A concepção tradicional do processo civil, segundo Cappeletti e Garth38, não


deixava espaço para a proteção dos direitos difusos e coletivos. O processo era visto apenas
como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre
essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que
pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se
enquadravam bem nesse modelo. As regras determinantes da legitimidade, as normas de
procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por
interesses difusos intentadas por particulares.

Assim, o direito processual então vigente, paradoxalmente de caráter liberal,


mostrou-se distante da pretensão de efetivação concreta dos novos direitos de cunho social e
da resolução dos conflitos em tempo razoável, o que acarretou graves consequências para a
morosidade e inefetividade do Poder Judiciário nos anos que se seguiram.

O paternalismo do Estado Social se mostrou, de igual modo, praticamente


inaceitável no contexto da globalização, pois não conseguiu cumprir com eficiência o seu
papel intervencionista para a efetiva implementação dos novos direitos sociais prometidos.

1.1.4 A Constituição da República de 1988 e o Estado Democrático de Direito: a


explosão da litigiosidade de massa

37
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil: Lei 8.455, de 24-08-92, 8.637, de
31-3-93, 8.710, de 24-9-93, 8.718, de 14-10-93, 8.898, de 29-6-94, 8.950, de 13-12-94, 8.951, de 13-12-94,
8.952 de 13-12-94 e 8.953, de 13-12-94. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 22.
38
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 49-50.
28

Para demarcar a passagem dos paradigmas dos Estados Liberal e Social de Direito
ao do Estado Democrático de Direito, destacam-se as palavras de Bernardo Gonçalves
Fernandes:
(...) o Estado Democrático é muito mais que um princípio, configurando-se
um verdadeiro paradigma – isto é, pano de fundo de silêncio – que compõe e
dota de sentido as práticas jurídicas contemporâneas. Vem representando,
principalmente, uma vertente distinta dos paradigmas anteriores do Estado
Liberal e do Estado Social. Aqui a concepção de direito não se limita a um
mero formalismo como no primeiro paradigma, nem descamba para uma
materialização totalizante como no segundo. A perspectiva assumida pelo
direito caminha para a procedimentalização, e por isso mesmo, a ideia de
democracia não é ideal, mas configurando-se pela existência de
procedimentos ao longo de todo o processo decisório estatal, permitindo e
sendo poroso à participação dos atingidos, ou seja, da sociedade. 39

A Constituição nesse novo paradigma não tem caráter meramente programático e


descritivo das instituições, mas adquire força normativa, conforme tratado por Konrad
Hesse40, para o qual as normas constitucionais são dotadas de imperatividade e sua
inobservância deflagrará mecanismos próprios para cumprimento coercitivo.

A complexa sociedade tecnológica e globalizada busca por respostas rápidas e


eficazes aos problemas e conflitos sociais. Quer resultados e políticas públicas eficientes.

A crise da década de 80 e do início da década de 90 mostrou que o Estado não


mais podia atender aos anseios da sociedade contemporânea e precisava ser reformulado.

Iniciam-se novos movimentos de reforma do Estado pelo mundo, em especial na


Inglaterra (Margaret Thatcher) e nos Estados Unidos (Ronald Reagan), alastrando-se para
outros países do ocidente, inclusive, na América Latina. São reformas estruturais nos regimes
de previdência, sistema tributário, reformas administrativas, política e também do Poder
Judiciário.

Tais movimentos de reforma também impactaram sérias mudanças no Brasil a


partir da doutrina Neoliberal que encontrou no Consenso de Washington seu apogeu.

Nesse novo cenário, o Estado começa a se afastar das atividades produtivas


mediante processos de privatização e delegações de serviços públicos à iniciativa privada,
intensificando sua função regulatória e de indução do mercado. A ênfase passa a ser a da

39
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p.
206-207.
40
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 1991.
29

eficiência da gestão da administração pública, abandonando-se a excessiva burocracia para se


construir um modelo de administração gerencial nos moldes da administração privada das
empresas, garantindo-se direitos fundamentais individuais, sociais e outros direitos difusos e
coletivos.

No Brasil, o Constitucionalismo contemporâneo e o paradigma do Estado


Democrático de Direito emergiram com o advento da Constituição da República de 1988,
com ampla reestruturação do Estado, especialmente do Poder Judiciário, acompanhada da
garantia de novos direitos. A sociedade globalizada impulsionou a necessidade da tutela de
interesses metaindividuais, classificados como direitos difusos fundamentais de terceira
dimensão.

Para Novelino41, “com o advento da Constituição de 1988 houve um


fortalecimento institucional do Poder Judiciário até então desconhecido no sistema
constitucional brasileiro”.

O fundamento desse novo paradigma do Estado não é apenas a defesa dos direitos
de primeira dimensão (direitos civis e políticos) e de segunda dimensão (direitos sociais,
econômicos e culturais), mas também a efetiva proteção e implementação dos direitos
fundamentais de terceira dimensão42 (direitos difusos)43.

Já se alardeia, inclusive, a garantia dos direitos de quarta e quinta dimensões.

Paulo Bonavides, por exemplo, defende a existência dos direitos de quarta


dimensão decorrentes da globalização política, relacionados à democracia, à informação e ao
pluralismo, in verbis:

A globalização política neoliberal caminha silenciosa, sem nenhuma


referência de valores. (...) Há, contudo, outra globalização política, que ora
se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal.
Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. A única verdadeiramente que

41
NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2010, p. 636.
42
Registre-se que a divisão dos direitos fundamentais em dimensões está amparada no surgimento histórico de
tais direitos, sendo que parte doutrina tem evitado o termo “geração”, trocando-o por “dimensão”. Isso porque a
ideia de “geração” está diretamente ligada à de substituição ou superação, sendo que os direitos fundamentais
não se sobrepõem, não são suplantados uns pelos outros. A distinção entre gerações serve apenas para,
pedagogicamente, situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como reivindicações
acolhidas pela ordem jurídica, conforme a evolução do Estado.
43
GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: SOUZA, Márcia
Cristina Xavier de. RODRIGUES, Walter dos Santos (Coord.). O novo Código de Processo Civil: o projeto do
CPC e o desafio das garantias fundamentais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 02.
30

interessa aos povos da periferia. Globalizar direitos fundamentais equivale a


universalizá-los no campo institucional. (...) A globalização política na
esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que,
aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.
É direito de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o
direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do
futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o
mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) os
direitos da primeira geração, direitos individuais, os da segunda, direitos
sociais, e os da terceira, direitos ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à
paz e à fraternidade, permanecem eficazes, são infra-estruturais, formam a
pirâmide cujo ápice é o direito à democracia.44

Como o sistema de direitos visa a incorporar os anseios e necessidades humanas


que se apresentam com o tempo, José Adércio Leite Sampaio45 ressalta que já há quem fale de
uma quinta geração dos direitos humanos com múltiplas interpretações, como, por exemplo,
direito ao patrimônio genético e à proteção contra o abuso de técnicas de clonagem.

O acesso efetivo à Justiça ganha, portanto, novo impulso com o advento dos
direitos de terceira e quarta gerações, relacionados ao meio ambiente, ao desenvolvimento
sustentável, à proteção do consumidor, e demais direitos difusos e coletivos. Por conseguinte,
as declarações jurídicas consagraram a prerrogativa inarredável de que todo cidadão faz jus a
receber dos tribunais solução efetiva e em tempo razoável para os atos que violem seus
direitos.

O acesso à Justiça se qualifica (ou deveria se qualificar) no paradigma do Estado


Democrático de Direito pela participação efetiva do jurisdicionado no modelo constitucional
do processo, o que será abordado em capítulo próprio da pesquisa, no qual será permitido o
acesso à argumentação, à fundamentação e à certeza de que as decisões tomadas em prejuízo
ou a favor do jurisdicionado se legitimarão a partir da sua construção participativa assegurada
pelo contraditório substancial.

Assim, nem a concepção liberal nem a concepção social podem “mais


solitariamente responder aos anseios de uma cidadania participativa, uma vez que tais
modelos de concepção processual não conseguem atender ao pluralismo, não solipsista e
democrático do contexto normativo atual”46.

44
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 2006, p. 571-572.
45
SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional. Belo Horizonte:
Del Rey, 2002, p. 302.
46
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas
processuais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 42.
31

Por outro lado, a ineficiência do Estado quanto à efetivação dos direitos básicos à
educação, saúde, moradia e ao trabalho assegurados pela Constituição da República de 1988
tem acarretado grande insatisfação social. Ou seja, existe uma discrepância alarmante entre as
promessas constitucionais e a realidade vivenciada, demonstrando a conduta recalcitrante dos
entes públicos e grandes empresas – instituições financeiras, concessionárias de serviços
públicos em geral – em transformar e melhorar a qualidade e eficiência dos serviços.

Nesse contexto, o Poder Judiciário passou a representar uma peça fundamental no


processo de densificação social das normas, visando à concretização de direitos carentes de
políticas públicas.

Dierle Nunes47 alerta que “o Judiciário trabalha com as consequências do não


cumprimento dos direitos, mas dificilmente com as causas, para as quais, em grande medida,
haveria a necessidade de políticas públicas mais idôneas promovidas pelo Executivo”.

Assim, o Poder Judiciário apático e inerte de outrora cede seu lugar a um Poder
prospectivo e atuante, em decorrência da denominada “judicialização” das políticas públicas
para a efetivação dos direitos.

O ministro do STF, Luis Roberto Barroso, assim leciona sobre o fenômeno da


“judicialização”:
Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político,
social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder
Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as
instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que
são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do discurso
jurídico constitui uma mudança drástica no modo de se pensar e de se
praticar o direito no mundo romano-germânico. Fruto da conjugação de
circunstâncias diversas, o fenômeno é mundial, alcançando até mesmo países
que tradicionalmente seguiram o modelo inglês (...) Exemplos numerosos e
inequívocos de judicialização ilustram a fluidez da fronteira entre política e
justiça no mundo contemporâneo, documentando que nem sempre é nítida a
linha que divide a criação e a interpretação do direito.48

Através do fenômeno da judicialização da política e das relações sociais, o Poder


Judiciário está ampliando sua esfera de atuação por via de um poder de revisão dos atos
originados dos Poderes Executivo e Legislativo, deslocando os discursos do âmbito da esfera

47
NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas
para a litigiosidade repetitiva, a litigância de interesse público e as tendências ''não compreendidas'' de
padronização decisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 36, n. 199, set. 2011, p. 43.
48
BARROSO, Luis Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política no Brasil
contemporâneo. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 12, n. 96, fev/maio 2010, p. 6-7.
32

de representação política para a atuação decisória dos tribunais, o que, sem sombra de dúvida,
causou um redimensionamento do papel do Judiciário para o qual ele não estava preparado.

Isso provocou a explosão da litigiosidade de massa ou de demandas repetitivas,


que associada a questões funcionais e estruturais, trouxe graves implicações à celeridade
processual.

A respeito do tema, merecem destaque as observações de Gláucio Maciel


Gonçalves e Victor Dutra:

O fenômeno das demandas repetitivas (plúrimas, seriais etc.) é, pois,


relativamente recente na história processual. Decorre, em grande parte, do
amplo acesso à justiça garantido com a Constituição de 1988, da
universalização de determinados serviços básicos (v.g. telefonia e energia
elétrica) ou da ampliação do acesso ao crédito, fatos que colocaram em
litígio, de um lado, inúmeros cidadãos e, de outro, instituições financeiras,
empresas ou o próprio Estado – seja diretamente, como quando não honra
seus compromissos junto a servidores públicos, seja indiretamente, quando
intervém na vida social por meio de planos econômicos. Tais demandas
repetitivas, em sua grande maioria, não costumam albergar pretensões
jurídicas complexas, nem demandam profunda instrução probatória, mas
desafiam o Judiciário, em virtude do seu poder exponencial de replicação,
que coloca em xeque velhas estruturas e procedimentos.49

Enquanto em 1990 o Judiciário havia recebido cerca de 04 milhões de processos


em constante elevação, na década de 2000, o volume ultrapassou 20 milhões de ações e, em
2014, alcançou o patamar de cem milhões de demandas, conforme recente Relatório Justiça
em números do Conselho Nacional de Justiça.50

Boaventura de Sousa Santos51 já advertia há mais de uma década que tudo isso
resultaria em uma explosão de litigiosidade à qual a administração da justiça dificilmente
poderia responder, acarretando sérios problemas de eficiência e morosidade ao Poder
Judiciário.

1.2 As ondas de reformas processuais após a Constituição de 1988 e os Pactos


Republicanos: solução para a morosidade da prestação jurisdicional?

49
GONÇALVES, Gláucio Maciel; DUTRA, Victor Barbosa. Apontamentos sobre o novo incidente de resolução
de demandas repetitivas no Código de Processo Civil de 2015. RIL Brasília a. 52 n. 208 out./dez. 2015, p. 190.
50
Conforme dados disponíveis em: http://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2015.pdf. Acesso em:
set. 2015.
51
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. Porto:
Afrontamento, 1999, p. 145.
33

A ineficiência e a morosidade do Poder Judiciário passaram a integrar nas últimas


décadas a pauta do Congresso Nacional, do Executivo, através do Ministério da Justiça, e do
próprio Poder Judiciário que tenta implantar novas políticas de gestão e tramitação processual
para aceleração da prestação jurisdicional.

Disseminou-se no Brasil a ideia de que os “defeitos” da legislação processual


seriam os principais responsáveis pela morosidade judicial, o que gerou uma onda de
reformas legislativas.

Importante alertar, contudo, que a “Crise do Poder Judiciário” não pode ser
entendida de forma simplista como se fosse apenas uma questão de direito processual,
quando, na verdade, ela envolve uma crise de todo o Sistema de Justiça e até mesmo do
próprio Estado que não consegue, já há muito tempo, proporcionar a satisfação do cidadão
com o acesso aos serviços públicos essenciais de qualidade.

Um estudo levantado pelo Banco Mundial, publicado em 30/12/2004, através do


Relatório nº 32789-BR52, aponta que a crise da Justiça brasileira possui inúmeras facetas de
modo que não seria útil falar em uma crise e sim em múltiplas crises. A pesquisa conclui que
existiriam cinco espécies de crise, a saber: a) o excessivo ajuizamento de processos judiciais
de natureza administrativa, decorrentes do mau serviço prestado por órgãos do governo (os
réus) e da suspeita de que tais órgãos retardem pagamentos devidos a setores privados; b) as
execuções fiscais (tendo como autor o governo) nos juízos tanto federais quanto estaduais, em
que o problema corresponde tanto ao crescimento da demanda quanto ao trabalho acumulado
e atrasado, indicando que esses processos não estão sendo resolvidos; c) problema relacionado
com a cobrança de dívidas de particulares que parece também ligado ao processo de gravação;
d) o aparente custo-ineficiência dos juízos trabalhistas; e) o crescente congestionamento dos
tribunais estaduais de pequenas causas e as pressões que exercem sobre os orçamentos dos
judiciários estaduais.

Nesse sentido, Leonardo Greco afirma que:

A atual crise da justiça se insere num contexto muito mais amplo de crise do
próprio Estado e de perda de credibilidade das instituições políticas. Não é
somente a justiça que não atende aos anseios dos cidadãos. É o próprio
Estado que não logra dar conta da sua missão de velar pelo bem-estar da

52
BANCO MUNDIAL. Fazendo com que a Justiça conte. Medindo e Aprimorando o Desempenho da Justiça no
Brasil. Relatório nº 32.789-BR do Banco Mundial Unidade de Redução de Pobreza e Gestão Econômica.
30.12.2004. Disponível em: http://www.amb.com.br/docs/bancomundial.pdf. Acesso em: set. 2015.
34

população e pelo fornecimento de serviços públicos essenciais, nas suas


diversas áreas de atuação. 53

Rodolfo Mancuso aponta ainda como concausas da crise do Poder Judiciário,


entre outras, a judicialização das políticas públicas em razão da ineficiência das instâncias
administrativas, o que dá margem à discricionariedade judicial e ao alargamento do campo de
atuação do Poder Judiciário54, o gigantismo desordenado do próprio Poder Judiciário no
Brasil que fomentaria a litigiosidade e a cultura demandista brasileira55, a deficiente
divulgação e utilização56 de outros meios de resolução de conflitos57, as duas classes de
litigantes (os habituais ou frequentes e os eventuais ou esporádicos) e a desigual distribuição
dos ônus e encargos processuais entre eles58.

O gigantismo da estrutura do Poder Judiciário no Brasil se dá muitas vezes pela


ausência de planejamento estratégico efetivo na distribuição dos órgãos jurisdicionais. Não
raras vezes, a criação e instalação de órgãos de primeira instância do Poder Judiciário são
motivadas por interesses e interferências muito mais políticas do que técnicas para melhor
equilíbrio e organização da Justiça. De igual modo, a não criação de órgãos necessários

53
GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: SOUZA, Márcia
Cristina Xavier de. RODRIGUES, Walter dos Santos (Coord.). O novo Código de Processo Civil: o projeto do
CPC e o desafio das garantias fundamentais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 11.
54
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT,
2011, p. 89.
55
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT,
2011, p. 135-136.
56
A nova lei 13.140, de 2015, acerca da mediação e conciliação, traz um capítulo próprio para a conciliação
judicial extrajudicial nos conflitos em que for parte a Administração Pública – o maior litigante do Sistema de
Justiça no Brasil, propondo a criação de câmaras de mediação e conciliação e a conciliação por adesão, com fim
de possibilitar aos interessados, optarem por um acordo na via administrativa, evitando-se a judicialização. Além
da previsão normativa, importantes medidas estão sendo concretizadas para ampliar a cultura da conciliação e
mediação no Brasil. Em razão da Política Nacional da Conciliação implementada e incentivada pelo CNJ, já
foram criados cerca de 500 (quinhentos) Centros Judiciários de Resolução de Conflito e Cidadania (Cejuscs) em
todo o país. Dentre os casos que podem ser resolvidos nos Cejuscs estão questões relativas ao direito civil,
especialmente ao direito de família, como regularização de divórcios, investigação de paternidade, pensão
alimentícia e renegociação de dívidas. O CNJ divulgou que cerca de 270 mil casos foram solucionados nos
referidos Centros Judiciários de Resolução de Conflito e Cidadania (Cejuscs) em 2015, evitando a entrada de
mais processos no já congestionado Judiciário brasileiro. Os dados referem-se a oito estados e não contabilizam
as audiências que ocorrem nas semanas nacionais de conciliação. Só em São Paulo, estado com o maior número
de centros (153 unidades), 138 mil casos foram finalizados com a ajuda de conciliadores, magistrados,
servidores e instituições envolvidas nas audiências de conciliação. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-mar-07/conciliacao-judiciario-livrou-270-mil-processos-2015. Acesso em: mar.
2016.
57
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT,
2011, p. 173.
58
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT,
2011, p. 120.
35

também ocorre por motivações divorciadas da análise técnica e estratégica necessária para a
melhor distribuição do Sistema de Justiça. É o que se dá, por exemplo, com o não
desmembramento do Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, que ainda abrange 13 Estados
da federação mais o Distrito Federal, acarretando grave desequilíbrio do acesso ao segundo
grau da Justiça Federal no Brasil. A ausência de planejamento gera, enfim, custos
desnecessários e ineficiência da atividade jurisdicional no Brasil59.

O professor Barbosa Moreira60 também critica o “mito” de que a sobrecarga de


processos e a lentidão do Poder Judiciário seriam causadas pela legislação processual. Para
ele, a demora processual resulta da conjugação de múltiplos fatores, entre os quais também
concorre a lei, que, todavia, com todas as imperfeições que possa ter, não ocupa o lugar de
maior relevância.

Morais e Spengler61 apontam, na sua visão, quatro vertentes da crise do Sistema


de Justiça, quais sejam: a crise estrutural, a crise objetiva ou pragmática, a crise subjetiva ou
tecnológica e a crise paradigmática.

A crise estrutural é aquela que decorre da deficiência de gestão, da ausência de


infraestrutura adequada, número insuficientes de juízes e servidores. A crise objetiva ou
pragmática, segundo os referidos juristas, refere-se aos aspectos pragmáticos da atividade

59
A título de comparação, oportuno destacar a diferença de planejamento estratégico e de avaliação de
desempenho dado à estrutura do Poder Judiciário na Inglaterra. Em junho de 2010, “o Ministério da Justiça
anunciou a intenção de fechar 157 tribunais e abriu consulta pública para ouvir a opinião da população. De posse
das respostas, o governo decidiu poupar 15”. A Inglaterra e o País de Gales tinham àquela época 530 cortes na
primeira instância da Justiça. Dessas, 330 eram Magistrate’s Courts, espécie de Juizado Especial; 219 County
Courts, o equivalente britânico às varas de primeira instância; e 91, Crown Court Centres, que cuidam dos
processos criminais e nas quais acontecem os júris (a soma dá mais de 530 porque o mesmo tribunal pode
abrigar duas cortes diferentes). Foram fechadas 93 Magistrates’ Courts e 49 County Courts. A redução de
prédios da Justiça faz parte da faxina pela qual passa o Judiciário britânico. O objetivo anunciado pelo Ministério
da Justiça seria o de tornar o Judiciário inglês mais efetivo e econômico. (Disponível em
http://www.conjur.com.br/2010-dez-20/governo-inglaterra-decide-fechar-142-tribunais-todo-pais. Acesso em:
fev. 2016). Mais recentemente, a Inglaterra anunciou nova redução do número de órgãos de primeira instância do
Poder Judiciário. “Cinco anos depois de fechar quase um quarto dos tribunais de primeira instância, o Ministério
da Justiça do Reino Unido anunciou que vai acabar com mais 86 cortes na Inglaterra e no País de Gales.
Segundo o governo, essas cortes são usadas por apenas dois dias por semana. No restante do tempo, permanecem
vazias. O fechamento faz parte do programa do governo para tornar o Judiciário mais econômico e, ao mesmo
tempo, eficiente. Segundo o Ministério da Justiça, uma pesquisa mostrou que 48% dos 460 tribunais na
Inglaterra não foram usados para audiências e julgamentos por mais da metade do tempo disponível no ano
passado. Isso significa que foi gasto dinheiro para manter uma estrutura quase dispensável”. (Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-fev-13/reino-unido-planeja-fechar-86-tribunais-falta-uso. Acesso em: fev.
2016).
60
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O futuro da Justiça: alguns mitos. Revista Forense, v. 96, n. 352, out-dez,
2000, p. 117.
61
MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativas à
jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 78-79.
36

jurídica, englobando questões relacionadas à linguagem técnico-formal utilizada nos ritos e


trabalhos forenses, a burocratização e lentidão dos procedimentos, excesso de recursos,
acúmulo das demandas sem solução em tempo razoável. A crise subjetiva ou tecnológica é a
que se vincula à incapacidade tecnológica dos operadores jurídicos tradicionais lidarem com
novas realidades fáticas que exigem não apenas a construção de novos instrumentos legais,
mas também a (re)formulação das mentalidades em relação à nova realidade social que se
apresenta. A crise paradigmática é aquela que trata sobre os métodos e conteúdos utilizados
pelo direito para a busca de um tratamento pacífico para os conflitos a partir da atuação
prática da norma aplicável ao caso sub judice. Já a crise funcional surge, enfim, a partir da
inadequação das leis publicadas, a intrincada processualística e a deficiência do sistema de
provocação do Poder Judiciário.

Evidentemente que não se pretende aprofundar o estudo sobre as referidas


vertentes, pois não se trata do objeto principal desta pesquisa, mas apenas demonstrar que a
complexidade dos problemas do Sistema de Justiça do Brasil vai muito além da necessidade
de reforma da legislação para criação de novas técnicas processuais de julgamento.

A crise é, portanto, sistêmica, envolvendo questões afetas à gestão do próprio


Poder Judiciário62, questões relacionadas à formação nos cursos de graduação em Direito, à
formação e recrutamento dos magistrados, à ausência de incentivo e integração dos métodos
alternativos de solução de conflitos, questões relacionadas ao desprestígio do processo

62
O professor e juiz federal Carlos Haddad defende que a Justiça pode melhorar muito, basta ser bem
administrada. Em artigo publicado no Conjur, o ilustre jurista narra sua experiência pessoal exitosa
implementada, em 2011, na Subseção Judiciária de Montes Claros/ MG, para agilizar a tramitação dos processos
e melhorar os serviços judiciários daquela subseção, cujo acervo processual contava naquele ano com absurdos
23.704 processos em tramitação. Haddad fez um diagnóstico dos problemas do órgão do Poder Judiciário e
implantou um modelo de gestão. Para Haddad, todo modelo de gestão se baseia em cinco pilares fundamentais,
que ajudam o gestor a pensar de maneira estruturada em como atingir com eficiência e eficácia os objetivos
propostos. São eles: a) estratégia; b) estrutura e recursos; c) calendário de atividades; d) rotinas e projetos; e e)
indicadores e metas. O modelo de gestão é o veículo que conduzirá a unidade judiciária ao objetivo estratégico
proposto. Após a implantação do modelo de gestão e a ajuda de um software CTPJ (Controle do Tramite de
Processos Judiciais), foram realizadas várias reuniões de organização do trabalho, estabelecendo-se prazos
máximos de tramitação e elaboração de rotinas mais eficientes, o que acarretou enorme melhoria na execução
dos serviços da Vara Federal. Em pesquisa de satisfação com os usuários da Vara Federal de Montes Claros, ao
serem indagados sobre a ocorrência de melhorias na qualidade da prestação jurisdicional no último ano, 75% dos
usuários respondeu positivamente. Foi criada a 2ª Vara Federal em 2012, o que reduziu à metade o acervo
original. De qualquer forma, mesmo ingressando 11.471 ações no período de 22 meses, o volume de processos
reduziu-se a pouco menos de 6.000, e os prazos de tramitação também sofreram expressiva diminuição. Da
referida experiência, Haddad relata algumas lições importantes: 1) Os juízes não são oniscientes e precisam de
ajuda especializada para bem administrar; 2) O tratamento célere e resolutivo dos processos é parte inseparável
da qualidade da prestação jurisdicional; 3) Somente em casos extremos a prestação de serviço público de
qualidade depende de mais dinheiro e mais pessoas; 4) É preferível trabalhar com um grupo menor, mas coeso, a
contar com multidão batendo cabeças; 5) A Justiça, enfim, pode ser melhorada. (HADDAD, Carlos. Acredite: a
Justiça pode melhorar, basta bem administrar. Disponível em http://www.conjur.com.br/2016-jan-17/segunda-
leitura-acredite-justica-melhorar-basta-bem-administrar Acesso em: jan. 2016).
37

coletivo, ao despreparo e à ineficiência dos entes públicos, podendo-se destacar, ainda, a


postura dos litigantes habituais (repeat players).

O magistrado Mello Serra já advertia há quase vintes anos sobre a ausência de


política de gestão no Judiciário:

Em princípio, as críticas relativas à morosidade formuladas ao Poder


Judiciário pareciam injustas, se analisadas do ponto de vista do próprio
Poder, pois tinham conhecimento das dificuldades encontradas por seus
integrantes. A atuação do Judiciário como prestador de serviços era
deficiente e deixava de apontar que não eram aplicadas técnicas de gestão.
Destacava-se que a maior parte das serventias atuavam acima dos limites de
suas capacidades produtivas, sofriam de uma sistemática carência de
investimentos em organização, layout e de informática, e as estatísticas
exibiam números grandiosos de demanda. Após alguma análise diagnóstica,
pôde-se perceber que ocorria manifesta a ausência de uma política pública,
clara, transparente, objetiva, de contratação e movimentação de pessoal, de
treinamento específico dos servidores para o desempenho de suas atividades,
de treinamento para o atendimento ao público, que levasse ao
aprimoramento dos serviços prestados, visando torná-los mais simplificados,
ao alcance e de fácil compreensão por aqueles de menor preparação técnica
ou intelectual. 63

No mesmo sentido é o entendimento do professor Marcelo Abelha:

Enfim, é preciso ter em mente que o tema da crise do Poder Judiciário deve
ser visto sob várias frentes, pois direta ou indiretamente são muitas as causas
às quais se pode atribuir esse nefasto efeito de demora irrazoável na
prestação jurisdicional. Sem sombra de dúvida que um desses fatores decorre
da crise estrutural do Poder Judiciário, que reflete a ausência de
infraestrutura (instalação, espaço, pessoal, equipamentos, etc.) para a
prestação do serviço jurisdicional. O número de demandas que ingressam no
Judiciário é muito maior do que as que saem, e a estrutura existente (pessoal
e equipamentos) para lidar com esses números é arcaica, limitada e
insuficiente. (...) Outro fator considerável dessa crise – também já revelado
pela radiografia do Judiciário feita pela Fundação Getúlio Vargas – é a
ineficiência e a incapacidade de autogestão administrativa do Poder
Judiciário. A má administração da deficiente infraestrutura, a ausência de
logística e planejamento, a inexistência de ações de administração, de
resultados e metas, constituem também fatores decisivos para tal fenômeno.
64

Em que pesem o alerta e as críticas acima apontadas, é fácil perceber que a


preocupação voltada apenas com as reformas da legislação processual foi e continua sendo a
tônica encontrada pelos poderes constituídos da República para solucionar a crise.

63
SERRA, Umpierre de Mello. Gestão de Serventias. v. 1. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 7-8.
64
ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 29.
38

1.2.1 A primeira onda de reforma do Código de Processo Civil de 1973

No início da década de 90, percebeu-se que o problema da morosidade processual


havia se agravado após a Constituição de 1988, tendo-se iniciado um movimento renovador
do Código de Processo Civil capitaneado pelos renomados juristas Athos Gusmão Carneiro e
Sálvio de Figueiredo Teixeira, então ministros do Superior Tribunal de Justiça, que
constituíram uma comissão para nova reformulação do sistema jurídico-processual. 65

Naquele momento, decidiu-se apenas pela criação de leis específicas para


alterações pontuais do Código vigente.

A referida comissão composta por diversos juristas, tais como Ada Pellegrini
Grinover, Celso Agrícola Barbi, Humberto Theodoro Júnior, José Carlos Barbosa Moreira,
entre outros, foi responsável pela elaboração de 11 anteprojetos de lei para modificação de
pontos específicos do CPC, tendo 10 deles sido convertidos em leis que aperfeiçoaram a fase
probatória, os atos de comunicação processual, introduziram a tutela antecipada com o
propósito de conferir maior efetividade ao processo. A legislação introduziu, ainda, no CPC a
ação monitória como tutela diferenciada para obtenção mais célere do título executivo
judicial. 66

O Código de Processo Civil de 1973 começou a possuir novas vestes voltadas


primordialmente à busca da efetividade da tutela jurisdicional, mas a litigiosidade não foi
remediada.

1.2.2 O I Pacto Republicano: a implementação da reforma do Poder Judiciário

As modificações legislativas pontuais iniciadas na década de 90 mostraram-se, ao


longo dos anos, insuficientes para a resolução da crise, o que aprofundou o debate sobre a
necessidade de reforma do próprio Poder Judiciário, culminando com a promulgação da
Emenda Constitucional (EC) n. 45, de 2004.

65
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil: Lei 8.455, de 24-08-92, 8.637, de
31-3-93, 8.710, de 24-9-93, 8.718, de 14-10-93, 8.898, de 29-6-94, 8.950, de 13-12-94, 8.951, de 13-12-94,
8.952 de 13-12-94 e 8.953, de 13-12-94. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 28.
66
Destacam-se a Lei 8.455/1992 que alterou dispositivos referentes à prova pericial; a Lei 8.710/1993 que
previu a citação por meio de serviço postal e alterou outros dispositivos relativos aos atos de comunicação
pessoal; Lei 8.898/1994, prevendo a citação do réu, na liquidação por arbitramento e por artigos, na pessoa do
advogado constituído nos autos; a Lei 8.950/94 que alterou dispositivos relativos aos recursos; Lei 8.951/94 que
alterou dispositivos das ações de consignação em pagamento e de usucapião; Lei 8.952/94 que alterou
dispositivos do processo de conhecimento e do cautelar, prevendo o instituto da antecipação dos efeitos da tutela;
Lei 8.953/1994 que alterou dispositivos do processo de execução; Lei 9.079/1995 que introduziu no direito
processual brasileiro a ação monitória; a Lei 9.139/95 que alterou dispositivos do recurso de agravo de
instrumento; e, por fim, a Lei 9.245/1995 que alterou dispositivos do procedimento sumário.
39

Sobre a necessidade de reforma do Poder Judiciário, o então ministro Sálvio


Figueiredo de Teixeira afirmou que:

(...) em uma sociedade de massa, complexa, competitiva e altamente veloz, a


engrenagem estatal já não satisfaz. O Judiciário, nesse contexto, por suas
características e dependência orçamentária, que se aliam a um modelo
desprovido de modernidade e sem planejamento eficaz, reflete ainda com
mais eloquência esse distanciamento, apresentando-se como uma máquina
pesada e hermética, sem as desejáveis dinâmica, transparência e atualidade.67

E logo a seguir o saudoso processualista mineiro acrescentou que:

(...) dessa moldura se conclui que, sem maiores esforços, há uma nítida
distinção entre o Judiciário que a sociedade reclama, e todos desejamos, e o
Judiciário que aí está posto, que a todos descontenta, inclusive, e sobretudo,
aos juízes, em quem acabam recaindo as críticas generalizadas,
desconhecendo os jurisdicionados a real dimensão da problemática, quando
temos um juiz para cada 25.000 a 29.000 habitantes (a média, na Europa, é
de um para cada 7.000 a 10.000), sendo que o Supremo Tribunal Federal
julga mais de 100.000 processos por ano (enquanto a Suprema Corte dos
Estados Unidos julga menos de 100 causas em igual período) e o Superior
Tribunal de Justiça mais de 150.000, números de longe sem similar no plano
internacional, sendo de que acrescentar que igualmente super congestionadas
estão as instâncias ordinárias.68

Com o propósito de implementar a reforma constitucional preconizada pela


referida emenda, foi subscrito pelos chefes dos três Poderes da República, em dezembro de
2004, um Pacto de Estado69 em favor de um Judiciário mais rápido e republicano,
consubstanciado em vários compromissos fundamentais, entre os quais, destacam-se a
reforma do sistema recursal e dos procedimentos para desburocratizar o processo, a
implementação da informatização, além de se estabelecer uma política de coerência entre a
atuação administrativa e as orientações jurisprudenciais já pacificadas para diminuir a
litigiosidade.

Como resultado do I Pacto Republicano, iniciado em 2004, vários projetos de lei

67
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma do Poder Judiciário. In: MARTINS, Ives Gandra; NALINI, José
Renato (Coord.). Dimensões do direito contemporâneo: estudos em homenagem a Geraldo de Camargo Vidigal.
São Paulo: IOB, 2001, p. 57-58.
68
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma do Poder Judiciário. In: MARTINS, Ives Gandra; NALINI, José
Renato (Coord.). Dimensões do direito contemporâneo: estudos em homenagem a Geraldo de Camargo Vidigal.
São Paulo: IOB, 2001, p. 58-59.
69
BRASIL. Secretaria de Reforma do Judiciário. I Pacto Republicano. Brasília: Secretaria de Reforma do
Judiciário. 2004. Disponível em www.mj.gov.br. Acesso em: ago. 2015.
40

de reforma do Código de Processo Civil foram aprovados70.

Não obstante as reformas aprovadas71, o Conselho Nacional de Justiça divulgou,


no Encontro Nacional do Judiciário, pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas72, no
período de 09 a 11 de fevereiro de 2009, na qual 1.200 (um mil e duzentos) entrevistados
consideraram a Justiça cara, lenta e manipulável pela imprensa, empresários e políticos. A
lentidão da Justiça foi a característica mais citada pelos entrevistados: 88%. Em seguida, os
altos custos para seguir com uma ação judicial (78%), a falta de imparcialidade (69%) e a
influência sofrida pelos juízes na hora de decidir (63%).

A criação da técnica de julgamento dos recursos repetitivos e da súmula


vinculante não trouxe celeridade processual, mas apenas aumentou o risco de padronização
decisória no Sistema de Justiça no Brasil como forma de estabilização da jurisprudência.

1.2.3 O II Pacto Republicano: aprovação de novas propostas legislativas

Envolto por um contexto social ainda de muito descrédito em relação à celeridade


e eficiência do Poder Judiciário, firmou-se, em abril de 2009, o II Pacto Republicano de

70
De acordo com as informações do site do Supremo Tribunal Federal, o I Pacto Republicano foi decisivo para a
efetivação de mecanismos que aumentaram a agilidade da Justiça, como a regulamentação dos institutos da
Súmula Vinculante e da Repercussão Geral por meio, respectivamente, das Leis 11.417 e 11.418, ambas de
dezembro de 2006. A plena vigência desses institutos contribuiu para desafogar os gabinetes dos 11 Ministros da
Corte, possibilitando um andamento mais célere aos processos, visto que impediram a interposição de inúmeros
de Recursos Extraordinários e Agravos de Instrumento. De acordo com o Presidente do STF à época, Ministro
Cezar Peluso, a aplicação da sistemática da repercussão geral já resultou, desde 2007, na redução de 41,2% do
número de recursos que chegam a Corte. Entre outras ações aprovadas no Pacto Republicano estão a criação de
um cadastro centralizado de crianças e adolescentes desaparecidos; a tipificação de crime de sequestro e a
revisão da legislação sobre crimes sexuais. Dos 41 projetos encaminhados ao Congresso Nacional que
buscavam atingir maior efetividade do Judiciário, 11 viraram lei; 4 aguardam entrar na pauta; e o restante tramita
nas comissões do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados. (Disponível em:
http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional/cms/verConteudo.php?sigla=portalStfDestaque_pt_br&idConteudo
=173547. Acesso em: ago. 2015).
71
Merecem destaque também as seguintes leis aprovadas: Lei 11.187/2005 que disciplinou o cabimento dos
agravos de instrumento e retido; Lei 11.232/2005 que estabeleceu a fase de cumprimento de sentença – execução
sincrética – revogando dispositivos relativos ao processo de execução de título judicial; Lei 11.276/2006 que
previu a súmula impeditiva de recursos no caso de interposição de apelação; Lei 11.277/2006 que permitiu o
julgamento initio litis de demandas repetitivas; Lei n. 11.382/2006 que reformou a disciplina do processo de
execução fundada em título executivo extrajudicial; a Lei 11.419, de 2006, que regulamentou o uso de meio
eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças nos processos civil,
penal e trabalhista, bem como nos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição; Lei 11.441/2007 que
possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual na via
administrativa; Lei 11.448/2007 que modificou a lei da ação civil pública para assegurar a legitimidade da
Defensoria Pública para sua propositura; e também a Lei 11.672/2008 que estabeleceu o procedimento para o
julgamento de recursos repetitivos no âmbito da competência do Superior Tribunal de Justiça.
72
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2009-fev-22/brasileiro-poder-judiciario-lento-caro-imparcial
Acesso em: ago. 2015.
41

Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo73.

Para a consecução dos objetivos estabelecidos no referido Pacto, foram assumidos


novos compromissos públicos na linha do primeiro pacto firmado. Entre outros pontos,
firmou-se o compromisso de fortalecer as Defensorias Públicas, a mediação e a conciliação,
estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, além de incentivar a
ampliação da edição de súmulas administrativas e a constituição de Câmaras de Conciliação
no intuito de diminuir a litigiosidade, sobretudo envolvendo os entes públicos considerados os
maiores litigantes do Sistema de Justiça.

E, como resultado dos esforços conjuntos empreendidos no âmbito dos referidos


Pactos Republicanos, várias propostas foram implementadas ao longo dos últimos anos,
especialmente a aprovação de leis que acarretaram a introdução no sistema processual de
novos instrumentos como o julgamento imediato das ações repetitivas, técnica de julgamento
dos recursos extraordinários (repercussão geral) e especiais (recursos repetitivos), as súmulas
impeditivas de recurso e das súmulas vinculantes. A execução dos títulos extrajudiciais foi
simplificada com a criação e a modificação das formas de expropriação de bens (adjudicação,
alienação particular, parcelamento imobiliário), e foram introduzidos atos executivos no
processo de conhecimento com a criação da fase de cumprimento de sentença (execução
sincrética).

Destacam-se também a Lei 12.016/09, que regulamentou o mandado de


segurança, e a Lei 12.011/09, que estruturou a Justiça Federal com a criação de 230 varas
federais. Foi publicada a Lei 12.012/09, que criminalizou a entrada de aparelhos celulares e
similares nas penitenciárias do país; a Lei 11.969, que facilita o acesso de advogados aos
autos de processos, em cartório; e a Lei 11.965, que prevê a participação de defensores
públicos em atos extrajudiciais, como assinatura de partilhas e inventários, separação e
divórcio consensual. A Lei 11.925 possibilitou, por sua vez, a declaração de autenticidade dos
documentos pelos advogados.

Foi sancionada, ainda, a Lei 12.019, de 21 de agosto de 2009, que regulamenta a


convocação de magistrados para instrução de processos de competência originária do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Também no âmbito do II
Pacto, foi publicada a Lei nº 12.322/2010, para alterar o agravo de instrumento. A Lei 12.153,
de 22 de dezembro de 2009, institui os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos

73
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Outros/IIpacto.htm Acesso em: ago. 2015.
42

Estados e do Distrito Federal, com competência para processar, conciliar e julgar causas
cíveis, de pequeno valor, de interesse dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
ampliando o acesso à Justiça.

Importante ressaltar, finalmente, que a Defensoria Pública foi fortalecida com a


aprovação da Emenda Constitucional 74, que lhe conferiu autonomia administrativa e
financeira no âmbito da União, e pela Emenda Constitucional 80, de 04 de junho de 2014, que
fixou prazo de 08 anos para que os entes públicos dotassem todas as comarcas de defensores
públicos.

1.2.4 A proposta para o III Pacto Republicano e a aprovação do novo Código de


Processo Civil

O III Pacto Republicano ainda não foi firmado, mas várias propostas já estão
sendo debatidas. Atualmente, o Conselho Nacional de Justiça está coordenando os estudos e
as prévias propostas74 para a celebração do futuro pacto também voltado para o
aperfeiçoamento do Sistema de Justiça.

Em complemento a todo o ciclo de modificações legislativas do Sistema de


Justiça ao longo dos últimos vinte anos, foi sancionada a Lei n. 13.105, de 16 de março de
2015, com sua entrada em vigor a partir de março de 2016, que institui o novo Código de
Processo Civil.

A novel legislação processual sistematizou as reformas pontuais já implantadas na


legislação em vigor, no intuito de conferir maior funcionalidade, e também buscou inovar o
direito processual com novas técnicas processuais de julgamento dos conflitos.

A criação do novo Código de Processo Civil respalda-se em razões jurídicas e


sociais que legitimam o surgimento do novo diploma, mas ele não pode ser colocado como se

74
Após convite do Conselho Nacional de Justiça para que formulasse sugestões de agenda positiva para a
possível elaboração de novo Pacto Republicano, a Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE
apresentou, em 05 de agosto de 2015, propostas de medicadas voltadas aos aprimoramentos da execução fiscal, à
redução da litigiosidade excessiva veiculada por demandas repetitivas e propostas de alterações quanto ao tema
administração e destinação de bens apreendidos. Em relação às demandas repetitivas, a associação apresentou as
seguintes propostas: a) Alterar a lei para que se crie uma sistemática processual própria para os litígios que
envolvem o cidadão e o poder público, de modo a se evitar soluções conflitantes e anti-isonômicas, com maior
alcance do que as medidas propostas no novo CPC; b) Criação de núcleos de monitoramento de demandas
repetitivas nas Seções Judiciárias da Justiça Federal, composto pelos próprios magistrados em rodízio, de modo a
que os processos replicados não cheguem a ser distribuídos sem um gerenciamento prévio e o início do diálogo
interno e interinstitucional; c) Instituir filtros e restrições ao ajuizamento de questões já decidas em sede de
recurso repetitivo, repercussão geral ou consolidadas em súmula vinculante, como multas, aumento de custas ou
outras sanções; d) Promover uniformização legislativa do patamar de concessão da assistência judiciária gratuita.
(Disponível em: www.ajufe.orb.br. Acesso em: ago. 2015).
43

fosse um remédio adequado e suficiente para debelar a crise da morosidade da prestação


jurisdicional, criando a falsa expectativa de que a situação será resolvida. 75

O número expressivo de leis aprovadas e os projetos ainda em andamento


demonstram que, no Brasil, impera o falso entendimento de que basta a criação de novas leis
para que todos os problemas da morosidade processual sejam resolvidos76.

A cultura jurídica brasileira seria adepta, nas palavras de Rodolfo Mancuso77, da


nomocracia, em razão do imediatismo da solução legislativa e o fato de que a edição e
divulgação de uma nova legislação a respeito de assunto problemático podem passar à
sociedade a impressão de que as medidas já foram tomadas, diminuindo a insatisfação geral.

O enorme arcabouço legislativo impulsionado pelos Pactos da Republica estão


longe de representarem a solução adequada para a crise do Poder Judiciário, mormente no que
se refere às demandas repetitivas.

1.3 A litigiosidade crescente e o agravamento da crise do Poder Judiciário: os dados do


Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça

Mesmo diante de todo o arcabouço legislativo já mencionado neste capítulo, o


problema da morosidade do Poder Judiciário continua permanentemente na agenda do
Conselho Nacional de Justiça, dos tribunais superiores, federais e estaduais, dos magistrados,
dos membros do ministério público, da mídia e da sociedade, que exigem uma atuação cada
vez mais célere, focada principalmente nos resultados, como se a Jurisdição fosse uma
indústria voltada para a fabricação em série do mesmo “produto” – a tutela jurisdicional.

O mais recente relatório “Justiça em Números”, divulgado pelo Conselho


Nacional de Justiça, revelou que tramitam aproximadamente cem milhões de processos
judiciais no Brasil78 com perspectiva de crescimento do acervo processual.

75
ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 31.
76
(...) esse arroubo otimista, revelado em frases de efeito, de que um novo Código de Processo Civil seria a
solução para os problemas da crise do Judiciário, nos faz lembrar um recente fato, de otimismo exacerbado, que
foi seguido de uma previsível frustração que aconteceu com a introdução no Texto Constitucional do inciso
LXXVIII do art. 5º pela EC 45/2004. Nesse dispositivo consagrou-se o direito fundamental à razoável duração
do processo, mas nem por isso teve o condão, da noite para o dia, de transformar processos de duração irrazoável
em duração razoável, pois, como se disse, não são os “excessos de recursos” nem o “formalismo processual” os
principais algozes desse fenômeno. (ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense,
2015, p. 28)
77
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT,
2011, p. 52.
78
Conforme dados disponíveis em: http://ftp.cnj.jus.br/Justica_em_Numeros/relatorio_jn2015.pdf. Acesso em:
set. 2015.
44

A referida pesquisa constatou de forma contundente que o quantitativo de


processos aumentou 30% em um ano, tendo sido ajuizados mais 28 milhões de feitos no ano
de 2014, os quais não foram julgados e arquivados na mesma proporção, aumentando-se ainda
mais o estoque de demandas pendentes.

De acordo com o relatório, a série histórica da movimentação processual do Poder


Judiciário permite visualizar o aumento contundente do acervo processual no período, visto
que os casos pendentes (70,8 milhões) crescem vertiginosamente desde 2009 e, atualmente,
equivalem a quase 2,5 vezes do número de casos novos (28,9 milhões) e dos processos
baixados (28,5 milhões).

Dessa forma, mesmo que o Poder Judiciário fosse paralisado sem ingresso de
novas demandas, com a atual produtividade de magistrados e servidores seriam necessários,
no mínimo, 02 anos e meio de trabalho para que se julgasse todo o estoque. Entretanto, como
não se julga sem contraditório, antever o tempo para sentenciar um processo é pura alquimia,
o encontro da pedra filosofal. Como historicamente a entrada de processos é sempre superior
à saída, a tendência é de crescimento do acervo. Além disso, apesar do aumento de 12,5% no
total de processos baixados no período 2009-2014, os casos novos cresceram em 17,2%, fato
que contribuiu para o acúmulo do estoque de processos.

Ou seja, mesmo diante de todo o arcabouço legislativo introduzido para a


melhoria do Sistema de Justiça no Brasil, o Poder Judiciário não consegue reduzir nem o
quantitativo de processos ajuizados, aumentando ano a ano o número de casos pendentes.

Na Justiça Federal, por exemplo, tramitam aproximadamente 12 milhões de


demandas, o que gera a carga de trabalho absurda e desumana de aproximadamente 7.000
processos por magistrado. E, a despeito do congestionamento, a Justiça Federal brasileira é
um dos ramos mais produtivos do Poder Judiciário, uma vez que cada um dos seus
magistrados resolve de forma definitiva uma média de 2.113 processos por ano, segundo
dados do Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça divulgado em 2015.

Os cinco tribunais regionais federais do país registraram aumento de demanda


processual de 20,8% apenas em 2014, segundo aponta o referido relatório Justiça em
Números. O levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ registrou que,
depois de anos de relativa estabilidade, com variação de 3% entre 2009 e 2013, o total de
processos novos na Justiça Federal chegou a 4 milhões em 2014, um aumento de 700 mil
45

casos em relação a 201379.

Esse cenário demonstra que, embora tenham sido criados por lei diversos
mecanismos que se prestam a fomentar a racionalidade na utilização do serviço judiciário, a
exemplo do processo eletrônico e das novas técnicas de julgamento dos recursos
extraordinários (repercussão geral) e especiais (recursos repetitivos) já referidas, a perspectiva
concreta e realista não é de redução de acervo e, principalmente, não é de celeridade
processual, estando longe disso.

Com o atual quantitativo de demandas, torna-se distante a concretização dos


direitos à razoável duração do processo e à efetividade da jurisdição, mesmo com o
incremento de recursos materiais, o que confere à população tão somente a possibilidade de
mero ajuizamento de demandas judiciais - um acesso à justiça meramente formal -, e não a
solução célere e efetiva dos conflitos.

O Brasil vive um crescimento exponencial da sua litigiosidade e a crise, nesse


cenário que se apresenta, não será remediada e tampouco atenuada pela implantação de novas
técnicas processuais de julgamento tal qual o Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas.

Para Barbosa Moreira80, “o que todos devemos querer é que a prestação


jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito
bem: não, contudo, a qualquer preço”.

A simples busca a qualquer custo pela celeridade e uniformidade das decisões


judiciais deve ser utilizada apenas quando servir para melhorar a qualidade da prestação
jurisdicional e não para piorá-la, implicando a padronização superficial das decisões judiciais
e relegando ao segundo plano a plena participação democrática dos sujeitos do processo.

1.4 A morosidade dos tribunais – ineficácia prática da criação de novas técnicas de


julgamento para agilização dos processos

Outro ponto relevante, que não pode ser ignorado na presente análise, relaciona-se
com o papel e a atuação prática dos tribunais diante das novas técnicas de julgamento já
implementadas para “remediar” a crise de morosidade da Justiça.

79
Disponível em: http://cnj.jus.br/noticias/cnj/80428-litigiosidade-na-justica-federal-aumenta-em-2014-
principalmente-no-1-grau Acesso em: set. 2015.
80
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da Justiça: alguns mitos. Revista Forense, v. 96, n. 352, out-
dez, 2000, p. 118.
46

Tal abordagem se faz necessária para verificar, a partir de diagnósticos do Poder


Judiciário, se, de fato, a concentração nos tribunais do poder de decisão dotado de eficácia
vinculante e erga omnes a partir de inovações de técnicas de julgamentos repercute
necessariamente na celeridade da prestação jurisdicional e na uniformização da jurisprudência
– tônica das reformas legislativas.

A título de ilustração, pesquisa promovida em 2006 pela Secretaria de Reforma do


Judiciário81 sobre a gestão e funcionamento das varas judiciais em São Paulo, revelou que
aproximadamente 35% do tempo total gasto nos processos judiciais se dá posteriormente à
sentença (recebimento do recurso, resposta do recorrido, remessa ao Tribunal e julgamento
dos recursos), havendo secretarias judiciais em que este percentual alcançou o patamar
absurdo de cerca de 50%.

Demonstrou-se naquela oportunidade que a morosidade processual na segunda


instância seria ainda mais grave do que na primeira, tendo em vista a demora para a
distribuição dos recursos, o congestionamento das pautas de julgamento, dentre outros fatores
que contribuem para a lentidão processual, isso somado ao fato de que pelo menos um dos
litigantes está interessado em prolongar o processo tanto quanto possível, fazendo uso de
todos os incidentes procedimentais que o ordenamento processual disponibiliza, postergando
ao máximo o cumprimento de sua obrigação.

No relatório da pesquisa Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça de


200582, anterior à reforma processual, também foi diagnosticada uma alta sobrecarga dos
tribunais em face do nível de recorribilidade das decisões judiciais. Somando-se os casos
novos que ingressaram no 2º grau com o número de casos pendentes de julgamento, e
dividindo-se este montante pelo número de magistrados, chegou-se aos seguintes
denominadores referentes à carga de trabalho:

Média nacional por magistrado/ministro:


• Justiça comum federal (TRF’s): 23.321 casos (processos ou recursos) por
magistrado, em 2ª instância.
• Justiça estadual (TJ’s): 1.221,41 casos (processos ou recursos) por magistrado,
em 2ª instância.

81
Secretaria de Reforma do Judiciário, Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CEBEPEJ) e Escola
de Direito da FGV-SP. Análise da gestão e funcionamento dos cartórios judiciais. SILVA, Paulo Eduardo Alves
da (Coord.). Brasília, DF: Secretaria de Reforma do Judiciário: CEBEPEJ, 2007.
82
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Justiça em números, 3. ed., 2005. Disponível em:
http://www.cnj.gov.br. Acesso em: ago. 2015.
47

• STF: de 25.367 processos por ministro, em 2005. 83

Constatou-se, ainda, que um quantitativo elevado de processos se refere apenas a


alguns temas e poucos litigantes, principalmente na Justiça Federal, onde os números de
demandas repetitivas (em matéria tributária e previdenciária, por exemplo) e propostas por ou
contra o poder público são expressivos.

Ou seja, mesmo se tratando de ações que envolvem poucos litigantes e temas


repetitivos, os tribunais de 2º grau no âmbito da Justiça Federal não conseguem julgá-las em
tempo razoável, estando o contingente de processos em constante elevação.

O recente relatório da Justiça em Números divulgado, em 2015, pelo CNJ84


destaca o aumento da taxa de congestionamento nos tribunais federais para 70,5% em 2014,
maior índice da série histórica correspondente ao período de 2009 a 2014. Vale dizer, de cada
100 (cem) processos em tramitação nos tribunais federais, aproximadamente 70 (setenta) não
tiveram solução definitiva, o que demonstra a situação alarmante do congestionamento da 2ª
instância.

A situação não é diferente nos tribunais superiores, especialmente o Supremo


Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, que, mesmo diante de novas técnicas de
aceleração de julgamentos, não conseguiram diminuir a litigiosidade e, principalmente, não
conseguiram, até o presente momento, uniformizar as teses jurídicas – papel que lhes foi
atribuído pela Constituição.

De acordo com o relatório atual do CNJ, o Superior Tribunal de Justiça iniciou o


ano de 2014 com um estoque de 351.450 processos, quase 12% a mais do que no ano anterior.
O número de processos baixados no ano e a produtividade tanto de servidores da área
judiciária quanto de ministros diminuíram em relação ao período anterior. Com isso, estima-se
que, ao final de 2014, o estoque tenha crescido 11%, mantendo a tendência histórica de
crescimento do acervo. 85

83
Relatório anual do Conselho Nacional de Justiça, 2005, p. 61. Disponível em: http://www.cnj.gov.br. Acesso
em: ago. 2015.
84
Disponível em: http://cnj.jus.br/noticias/cnj/80428-litigiosidade-na-justica-federal-aumenta-em-2014-
principalmente-no-1-grau Acesso em: set. 2015.
85
De acordo com informações recentes divulgadas pelo próprio tribunal, o Superior Tribunal de Justiça encerrou
o primeiro semestre de 2016 com 223.167 processos julgados. O balanço inclui as decisões colegiadas, nas
sessões, as decisões monocráticas tomadas pelos relatores, e ainda o julgamento de recursos internos, como
agravos regimentais e embargos de declaração. Na maior parte, os processos submetidos ao STJ foram
resolvidos por decisões monocráticas: 181.709 ao longo do semestre. O STJ julgou 720 processos repetitivos,
que orientam os tribunais de todo o País na solução das demandas de massa. Desses, 80 foram decididos pela
48

Numa pesquisa feita no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no


período de outubro de 2014 a janeiro de 2015, constatou-se que a demora na resolução dos
recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça e da Repercussão Geral no Supremo
Tribunal Federal somente faz crescer o número de processos sobrestados ou suspensos na
Presidência ou Vice-Presidência dos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais
brasileiros, tornando esses institutos inócuos em relação à finalidade para a qual foram
criados.86

Eis o número de processos suspensos ou sobrestados em alguns dos Tribunais de


Justiça e dos Tribunais Regionais Federais do país, entre agosto de 2014 a janeiro de 201587:

TRIBUNAL Recurso Repetitivo no Repercussão Geral no


STJ STF

TJ-BA 2.165 436

TRF-2 4.994 1.144

TJ-PR 32.064 7.355

TJ-MS 8.072 2.724

TJ-SP 132.837 270.330

TJ-SC 10.487 1.699

TRF-3 22.446 11.206

TRF-4 67.550 -

TJ-RS 109.732 (incluindo -


repercussão geral)

Corte Especial. A Primeira Seção do STJ, responsável pelos casos de direito público, julgou a maior parte dos
repetitivos: 415. A Segunda Seção, que trata de direito privado, decidiu 164 recursos; a Terceira, especializada
em matéria penal, foi responsável por 61. Apesar do resultado, ressalta-se que o número de processos recebidos
pelo STJ aumentou 20% em relação ao mesmo período do ano de 2015. Até 27 de junho de 2016, o tribunal
conta com 399.251 processos em tramitação. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: jul. 2016.
86
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 26-27.
87
Pesquisa também divulgada no http://www.conjur.com.br/2015-fev-20/artur-souza-demora-torna-inocua-
ferramenta-demandas-repetitivas. Acesso em: set. 2015.
49

De acordo com dados informados pelo próprio Supremo Tribunal Federal, desde
2007, ou seja, num período de quase uma década, a Corte julgou 284 temas com repercussão
geral, apenas 30% dos 906 casos que tiveram a repercussão geral reconhecida até julho de
2016.

Entre agosto de 2014 e junho de 2016, na gestão do ministro Ricardo


Lewandowski na Presidência da Corte, foram analisados 83 deles. Os 83 casos julgados
cessaram a suspensão de, pelo menos, 76.213 processos que estavam sobrestados no Poder
Judiciário aguardando a decisão do Supremo sobre tema de natureza constitucional. 88

Percebe-se que foi dada maior prioridade aos casos com repercussão nos últimos
dois anos, mas a demora dos julgamentos, gerando o sobrestamento de milhares de processos
por prazos indefinidos, atenta contra o Direito, por violentar a segurança jurídica, a
previsibilidade decisória almejada pelo instituto e, outrossim, a duração razoável do processo.

Os dados acima demonstram, enfim, que as técnicas de resolução de demandas


repetitivas existentes sob a égide do Código de Processo Civil revogado ainda não surtiram os
efeitos desejados justamente pela demora crescente dos tribunais superiores no julgamento
dos recursos repetitivos e de repercussão geral.

O problema da ineficiência dos tribunais é muito bem ilustrado pelo estudo de


caso realizado pela juíza federal Vânila Moraes89 acerca das demandas repetitivas referentes à
cobrança do reajuste de 28,86% por servidores públicos federais. Identificou-se que o tempo
entre o surgimento do conflito – na situação específica, a violação à isonomia ocorreu em
junho de 1993 com a concessão do referido reajuste apenas aos militares – e a decisão do
Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a repercussão geral do tema em 06 de outubro de
2010, transcorreram mais de dezessete anos. No caso, o Poder Público insistiu em recorrer às
Cortes Superiores, embora já existisse, desde 2000, súmula da própria Advocacia-Geral da
União no sentido da concessão do reajuste.

A situação se repete em relação a vários outros temas controvertidos90,

88
Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: jul. 2016.
89
MORAES, Vânila C. A. Demandas repetitivas decorrentes de ações e omissões da administração pública:
hipótese de soluções e a necessidade de um direito processual público fundamentado na Constituição. Séries
Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2012, p. 67.
90
Para ilustrar o grave problema da morosidade dos tribunais no julgamento de teses jurídicas, importante
destacar outros três casos emblemáticos. O primeiro relativo aos expurgos inflacionários de poupança, o segundo
relativo à desaposentação e o terceiro caso referente à ilegalidade a correção do FGTS pela TR.
1º: Há milhares de processos judiciais suspensos, nos quais são pleiteadas diferenças de remuneração sobre
50

demonstrando que as técnicas de julgamento que possibilitam a suspensão dos processos para
a definição da tese jurídica não são sinônimas de celeridade processual, de previsibilidade

depósitos em cadernetas de poupança existentes no advento dos diversos Planos Econômicos implantados no
Brasil. Esses planos (Bresser de 1987, Verão de 1989, Collor I de 1990 e Collor II de 1991) foram adotados para
controlar a inflação galopante nos momentos em que ela ameaçava se transformar em hiperinflação e as
controvérsias sobre o direito dos poupadores ainda não foram dirimidas definitivamente pelo Poder Judiciário,
mesmo diante das novas técnicas de julgamento para uniformizar e acelerar a prestação jurisdicional. As
demandas têm como elemento comum a iniciativa (titulares de cadernetas de poupança ou outros atores em
benefício daqueles) e o polo passivo (grandes bancos comerciais públicos e privados). Não obstante o Superior
Tribunal de Justiça já tenha decidido a questão em julgamento de recurso repetitivo n. REsp 1.107.201 /DF, em
25/08/2010, a indefinição ainda persiste em razão da matéria de fundo ser também de natureza constitucional.
Em razão dos recursos das instituições financeiras, alguns processos subiram ao Supremo Tribunal Federal, onde
esperam decisão definitiva. O Supremo é chamado a decidir, especificamente, sobre quatro recursos
extraordinários com repercussão geral – RE 591797 (plano Collor I), relator Min. Toffoli; RE 626307 (planos
Bresser e Verão), relator Min. Toffoli; RE 631363 (plano Collor I), relator Min. Gilmar Mendes; e RE 632212
(plano Collor II), relator Min. Gilmar Mendes – e uma arguição de descumprimento de preceito fundamental
(ADPF 165), que estão sendo analisados conjuntamente. Os referidos recursos estão pendentes de julgamento
desde 2008 e não existe qualquer previsão.
2º: A controvérsia sobre o direito dos segurados do RGPS à desaposentação também é antiga. Na prática, o
trabalhador renuncia ao seu benefício de aposentadoria e pede outro mais vantajoso, considerando no cálculo as
contribuições pagas após o requerimento da primeira aposentadoria. O Instituto Nacional do Seguro Social -
INSS não reconhece o direito dos segurados, de forma que hoje ele só pode ser obtido por via judicial, sendo
crescente o número de ações em tramitação no Poder Judiciário. Embora o Superior Tribunal de Justiça já tenha
julgado, desde maio de 2013, recurso especial n. 1334488 sobre o tema, pelo rito do julgamento dos recursos
repetitivos, reconhecendo a existência do direito à desaposentação, o INSS não cumpre a orientação do STJ no
âmbito administrativo para os demais segurados. A questão também possui fundo constitucional e o Supremo
Tribunal Federal ainda não concluiu o julgamento dos recursos extraordinários sobre o tema. Em 2003, um caso
do Rio Grande do Sul chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) através do recurso extraordinário n. 381367.
No fim de 2014, o processo voltou ao plenário do Supremo, mas a votação está suspensa já que a ministra Rosa
Weber apresentou um pedido de vista para analisar o caso. Ou seja, o caso está em tramitação na mais alta corte
do país há mais de 12 anos e sem previsão da conclusão do julgamento. Outro recurso extraordinário de n.
661256/SC de 2011 também foi levado ao plenário da Suprema Corte e a decisão foi suspensa já que três
ministros não estavam presentes na sessão. A opinião dos ministros está dividida.
3º: Outra tese jurídica ainda não definida se refere à suposta ilegalidade da utilização da TR como índice de
correção do saldo do FGTS. A controvérsia especificamente sobre o tema é relativamente recente, tendo surgido
em razão do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, em março de 2013, das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade n. 4357 e 4425, no qual aquela Corte definiu que a TR não seria índice de correção
monetária e que não poderia ser aplicada para a correção monetária dos precatórios devidos pela Fazenda
Pública, por violação à isonomia. A partir do pronunciamento do Supremo em relação aos precatórios, milhares
de ações judiciais foram ajuizadas contra a Caixa Econômica Federal, pleiteando a alteração do índice de
correção do FGTS e o pagamento das diferenças desde 1999, quando o índice apurado da TR passou a ser
inferior à inflação oficial. A questão é singular, pois, muito antes da existência de controvérsia entre os Tribunais
Federais ou no âmbito do próprio Superior Tribunal de Justiça, o ministro Benedito Gonçalves, do Superior
Tribunal de Justiça, suspendeu, já em fevereiro de 2014, o andamento de todas as ações judiciais que discutem o
uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção do saldo do Fundo de Garantia (FGTS). O caso foi
levado ao STJ por meio de Recurso Especial 1.381.683 /PE, que foi afetado pelo ministro para ser julgado sob o
rito dos recursos repetitivos. Posteriormente, o referido recurso não foi conhecido, mas o relator determinou
novamente a suspensão de todas as ações em razão do Recurso Especial n. 1.614.874 também afetado ao rito dos
repetitivos. De fato, existem milhares de ação em tramitação sobre o tema. Segundo levantamento da Caixa
Econômica Federal seriam mais de 70.000 em fevereiro de 2014, sendo que outras milhares foram ajuizadas
posteriormente. Ressalta-se, todavia, que, até a suspensão de todas as ações, principalmente aquelas em
tramitação na primeira instância, ainda não havia sido realizado amplo debate sobre a questão. Sequer havia
divergência configurada nos Tribunais, apenas algumas sentenças de primeira instância. A questão que se coloca
é se a suspensão das ações seria medida benéfica à melhor definição da tese jurídica. As ações foram suspensas
e, passados quase dois anos, ainda não há previsão para o julgamento do tema pelo Superior Tribunal de Justiça.
Informações extraídas dos sites do STF (www.stf.jus.br) e do STJ (www.stj.jus.br). Acesso em: set. 2016.
51

decisória e tampouco de qualidade da prestação jurisdicional, mas verdadeiras formas de


represamento de processos e paralisação do debate processual.

É certo que o CPC/2015 não resolverá o problema de represamento dos processos


e da demora dos tribunais para o julgamento das temáticas relevantes. Aliás, antes mesmo da
sua entrada em vigor, foi publicada a Lei n. 13.256, de 04 de fevereiro de 2016, modificando
o art. 12 no intuito de flexibilizar o critério da ordem cronológica para julgamento dos
processos. Sem sucesso, contudo, porque a interposição da palavra “preferencialmente” com a
intenção de conferir discricionariedade ao órgão julgador não prospera. A ultrapassagem na
ordem cronológica pressupõe fundamentação clara sobre as razões autorizativas. Do
contrário, há violação à isonomia e à impessoalidade, favorecendo alguns em detrimento de
vários desafortunados.

A referida lei também suprimiu o §10º do artigo 1.035 e o §5º do artigo 1.037. Os
referidos dispositivos estabeleciam um marco temporal de duração da suspensão de processos
em todo território nacional prevista no artigo 1.037, II, o que poderia induzir maior agilidade
dos tribunais superiores no julgamento dos recursos repetitivos, impedindo que tal suspensão
se eternizasse pela mora dos tribunais ao julgar os recursos.

Em face da revogação dos prazos limites, o sistema de julgamento de recursos


pelos tribunais superiores pode manter, sem qualquer sanção ou filtro, a situação de suspensão
de centenas de milhares de processos por prazo indeterminado. Isso significaria uma
verdadeira cláusula de barreira que atende àqueles que lesam o direito de toda a sociedade, as
concessionárias de serviço público, as instituições financeiras, o Estado, os corruptos,
inviabilizando direitos e garantias fundamentais, o mais básico de todos os direitos humanos,
conforme Cappelletti, o do pleno acesso à justiça.

A garantia de acesso à justiça não deve ser entendida como a mera admissão do
processo ou a possibilidade de ingressar em juízo; é sim, a garantia de que os cidadãos
possam demandar e defender-se adequadamente em juízo, isto é, ter acesso à efetividade no
processo com os meios e recursos a ele inerentes de modo a obter um provimento
jurisdicional justo, construído em tempo razoável a partir do amplo debate e participação
democrática dos sujeitos interessados.

Sem olvidar, ainda, de que isto poderá causar uma perniciosa e inconstitucional
discricionariedade dos tribunais superiores em escolher quando determinadas temáticas
deverão ser dirimidas e quando deverão ser mantidas em suspensão.
52

1.5 Os Litigantes Habituais: o uso patológico do Poder Judiciário no Brasil

Não é possível falar-se em diminuição de processos a médio e longo prazos e em


celeridade da prestação jurisdicional com a criação de novas técnicas processuais de
julgamento pelos tribunais sem que se resolva, com prioridade, o problema gravíssimo da
litigância habitual patológica no Brasil.

Ressalta-se que os temas controvertidos apontados no tópico anterior, cuja


solução se arrasta nos tribunais superiores, são objetos de milhares de processos em
tramitação no Poder Judiciário, abarrotando todas as instâncias. São demandas repetitivas ou
de massa que foram ajuizadas em face de poucos litigantes.

Nos casos apontados, os réus dos processos se resumem à União, às instituições


financeiras públicas e privadas e ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Trata-se do
chamado litigante habitual.

A propósito, dentre os obstáculos a serem superados para se desobstruir o acesso


efetivo à justiça célere e efetiva, Cappelletti e Garth91 incluem o que denominam
‘possibilidades das partes’, subdividida em: recursos financeiros; na aptidão para reconhecer
um Direito e propor uma ação ou sua defesa; e na atuação dos litigantes ‘eventuais’ e
litigantes ‘habituais’.

A classificação dos litigantes – eventuais e habituais – foi desenvolvida pelo


pesquisador Marc Galanter, da Universidade de Wisconsin, utilizado como referencial teórico
e de pesquisa por Cappelletti e Garth, e se baseia na frequência de encontros destes litigantes
com o sistema judicial. Ou seja, no número de vezes que o litigante maneja o processo e
submete seus interesses aos órgãos do Poder Judiciário.

O estudo revelou inúmeras vantagens dos litigantes habituais, tais como: (I) maior
experiência com o Direito que lhes possibilita melhor planejamento do litígio; (II) uso de
economia de escala, consistente no uso de uma mesma estrutura para atender a um maior
número de casos; (III) oportunidade de desenvolver relações informais com os membros da
instância julgadora; (IV) diluição dos riscos da demanda por maior número de casos e (V) a
possibilidade de testar estratégias em casos específicos de modo a garantir expectativa mais
favorável nos casos futuros92.

91
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 21.
92
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
53

A habitualidade do litigante demonstra de forma concomitante a presença


daqueles outros dois aspectos: posse de recursos financeiros e aptidão para reconhecer um
Direito e propor uma ação ou apresentar sua defesa. Os referidos autores concluem, a partir da
classificação de Galanter, que essas vantagens próprias dos litigantes habituais lhes conferem
maior eficiência e vantagem processual quando comparados com os litigantes individuais ou
eventuais.

De igual modo, na visão de Rodolfo Mancuso93, os litigantes habituais são aqueles


sujeitos que trabalham em economia de escala com os processos judiciais, possuem
departamento jurídico próprio ou escritórios de advocacia estruturados para a gestão de
conflitos de massa, com intuito de ganhar o maior tempo possível com a duração dos
processos, correndo poucos riscos financeiros pelo resultado de demandas individuais.

Eles podem diluir os riscos da demanda por maior número de casos, o que diminui
o peso de cada derrota, que será eventualmente compensado por algumas vitórias. E também
podem testar estratégias diferentes em determinados casos (de natureza material ou
processual), de modo a criar precedentes favoráveis em pelo menos alguns deles, garantindo
expectativa mais favorável em relação a casos futuros.

A existência do litigante habitual não é, em si, um mal. Em uma sociedade de


massas é natural que existam as pessoas que, pelo risco da atividade e o papel que
desempenham, tenham mais conflitos que outras, podendo, em última análise, causar a
propositura de ações perante o Poder Judiciário.

O que deve ser aferido é se o referido litigante habitual abusa de tal condição para
se beneficiar da litigiosidade de massa e da morosidade do Sistema de Justiça. Essa situação
parece ser o caso da Justiça no Brasil, já que esses litigantes habituais dificilmente alteram ou
melhoram suas práticas administrativas em favor de outros cidadãos não beneficiários de
julgamentos pelo Poder Judiciário.

A propósito, em pesquisa divulgada, em 2011, a FGV Direito Rio revelou que os


entes públicos, principalmente os federais, possuem participação em 90% dos recursos em
tramitação no Supremo Tribunal Federal. Pela ordem, os maiores litigantes são: Caixa
Econômica Federal, União, Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Estado de São Paulo,
Banco Central do Brasil, Estado do Rio Grande do Sul, Município de São Paulo, Telemar,

Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988, p. 25.


93
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT,
2011, p. 120.
54

Banco do Brasil e Estado de Minas Gerais.94

O retrato da litigiosidade causada pelo Poder Público também é revelado pelo


relatório do Conselho Nacional de Justiça de 201295 sobre os “100 maiores litigantes”,
mostrando que aproximadamente 39% dos processos novos em tramitação no Poder
Judiciário envolvem os entes públicos e outros 37% envolvem as instituições financeiras. Ou
seja, o setor público e os bancos respondem sozinhos por 76% dos processos em tramitação.

Diante dos referidos números da pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de


Justiça, o professor Marcelo Abelha96 afirma que a crise da demora da prestação jurisdicional
deveria ser analisada sob ângulo diverso, respondendo-se algumas indagações críticas que
apresenta. Sem os 15 maiores litigantes do país, qual seria o número de demandas em curso
no Poder Judiciário? Haveria tal crise? Por que não desenvolver formas alternativas de
solução de conflitos para esses 15 maiores litigantes? Por que para esses litigantes interessa
que as suas lides desemboquem no Poder Judiciário? Por que para o Poder Público é melhor
ser réu em juízo do que realizar políticas públicas efetivas e respeitar os direitos
fundamentais? A que custo será prestada a tutela jurisdicional aos litigantes eventuais, por
intermédio de técnicas individuais de julgamento dotadas de repercussão coletiva, como
pretende o novel incidente de resolução de demandas repetitivas? Por que não incentivar e
aperfeiçoar a tutela jurisdicional dos interesses individuais homogêneos por meio de ações
coletivas que já existem e se mostram adequadas à proteção dos litigantes eventuais?

Para a juíza federal Priscila Corrêa97, as pesquisas do Conselho Nacional de


Justiça revelam que as causas mais significativas da morosidade do Poder Judiciário são o
excesso de demandas provocado principalmente pela ineficiência do Poder Executivo em
implementar direitos, deslocando para o Poder Judiciário muitos conflitos que deveriam e

94
O Estado é o maior responsável pelos recursos no STF. Disponível em http://www.conjur.com.br/2011-mar-
22/estado-quem-ocupa-tempo-supremo-materia-recursal. Acesso em: set. 2015.
95
A pesquisa do Conselho Nacional de Justiça analisa apenas as novas ações judiciais ingressadas na primeira
instância da Justiça e nos juizados especiais. Segundo a referida edição, o Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS) continua a ocupar o primeiro lugar no ranking das organizações públicas e privadas com mais processos
no Judiciário Trabalhista, Federal e dos estados. O órgão respondeu por 4,38% das ações que ingressaram nesses
três ramos da Justiça nos 10 primeiros meses do ano passado. Na sequência, vem a BV Financeira (1,51%), o
município de Manaus (1,32%), a Fazenda Nacional (1,20%), o estado do Rio Grande do Sul (1,17%), a União
(1,16%), os municípios de Santa Catarina (1,13%), o Banco Bradesco (0,99%), a Caixa Econômica Federal
(0,95%) e o Banco Itaucard S/A (0,85%), respectivamente ocupando da segunda à décima posição. Disponível
em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/59351-orgaos-federais-e-estaduais-lideram-100-maiores-litigantes-da-
justica. Acesso em: set. 2015.
96
ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 31.
97
CORRÊA, Priscila Pereira Costa. Direito e desenvolvimento: Aspectos relevantes do Judiciário brasileiro sob
a ótica econômica. Séries Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2014, p. 129.
55

poderiam ser facilmente solucionados na instância administrativa, o que, nas suas palavras,
demonstra o uso patológico dessa instituição pelo Poder Público.

Assim, quando o Poder Executivo insiste em não aplicar os posicionamentos


pacificados pelos tribunais superiores, levando milhares de pessoas naturais e jurídicas a
ajuizar ações, em sua ampla maioria, de natureza individual, acarreta danos graves à
eficiência do Poder Judiciário em razão da retroalimentação da litigiosidade e, por
conseguinte, da morosidade processual. 98

Priscila Corrêa99 sustenta, ainda, que haveria uma lógica econômica perversa que
justifica a conduta dos litigantes habituais, sejam eles agentes privados ou públicos, de
insistirem na utilização do Poder Judiciário, retroalimentando a litigiosidade. Os agentes
privados possuem, na visão da referida jurista, uma verdadeira estratégia baseada em um
cálculo racional que demonstra que os custos desta opção são inferiores aos ganhos obtidos, o
que é evidente, pois, se não houvesse proveito econômico não estariam gastando para manter
milhares de litígios judiciais.

Vale dizer, é melhor para os grandes litigantes, sob a ótica financeira, manter sua
postura e práticas adotadas extrajudicialmente do que adequá-las aos posicionamentos dos
tribunais.

A situação é mais complexa em relação à análise da postura do Poder Público. Os


motivos que o levam a adotar a postura de litigante habitual são ainda, de certa forma,
paradoxais. Isso porque a retroalimentação abusiva dos litígios pelo Poder Público acarreta
consumo desnecessário de recursos pelo Poder Judiciário, o que é prejudicial ao próprio
Estado a quem compete destinar os recursos orçamentários de manutenção e funcionamento
do Sistema de Justiça.

Não obstante o aumento dos gastos, o Poder Executivo não demonstra ter se
incomodado com o desperdício de recursos públicos, mantendo sua postura reticente aos
posicionamentos dos tribunais, contribuindo para o aumento crescente da litigiosidade. Essa
situação levou Priscila Corrêa100 a considerar como motivação mais evidente para o uso

98
CORRÊA, Priscila Pereira Costa. Direito e desenvolvimento: Aspectos relevantes do Judiciário brasileiro sob a
ótica econômica. Séries Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2014, p. 130.
99
CORRÊA, Priscila Pereira Costa. Direito e desenvolvimento: Aspectos relevantes do Judiciário brasileiro sob
a ótica econômica. Séries Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2014, p. 131.
100
CORRÊA, Priscila Pereira Costa. Direito e desenvolvimento: Aspectos relevantes do Judiciário brasileiro sob
a ótica econômica. Séries Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2014, p. 132.
56

patológico da Justiça a ânsia da utilização imediata dos recursos públicos por parte dos
titulares dos mandatos políticos nos seus programas de governo. O uso do Poder Judiciário
serviria, nesse contexto, como uma forma de postergação da saída dos recursos dos cofres
públicos. Assim, quanto mais moroso for o processo melhor será para o Poder Executivo. Há
de ser considerado, ainda, o fato de que o Executivo enxerga o Poder Judiciário como se não
fosse parte do poder estatal e não utilizasse recursos públicos para gerir o seu funcionamento.

No mesmo sentido é a crítica de Nelson Nery Jr:

A real efetividade do direito fundamental da CF 5º LXXVIII [a celeridade


processual], pois, não depende apenas do Poder Judiciário e de seus juízes,
mas principalmente dos Poderes Executivo e Legislativo e da mudança de
mentalidade dos governantes e políticos, no sentido de cumprirem e fazerem
cumprir a Constituição, evitando a judicialização das questões que os
particulares têm de submeter ao Poder Judiciário por falha do poder público
no exercício principalmente da função administrativa.101

De igual modo, merecem destaque as palavras de Leonardo Greco acerca dos


abusos processuais do Poder Público e da sua mentalidade beligerante:

(...) o Estado existe para servir a sociedade, para reconhecer e fazer respeitar
os direitos dos cidadãos, não para com todos litigar. O Estado que os
cidadãos respeitam é o Estado que respeita o cidadão e que reconhece
direitos, sem a necessidade de postulação judicial. Enquanto essa
mentalidade não mudar na Administração Pública brasileira nós não
poderemos contar com a lealdade processual da advocacia pública que, numa
concepção desvirtuada de seu papel, considera que é seu dever opor todos os
obstáculos à vitória do cidadão, quando o papel do Estado deve ser outro. A
vitória do cidadão não representa a derrota do Estado, pois o Estado é
vitorioso quando o Direito prevalece e não quando o cidadão perde.102

O pior é que a postura dos entes públicos – principais litigantes habituais –


permanece sem sanções efetivas ou medidas legislativas coerentes que pudessem mitigá-la. E
o Ministério Público, instituição constitucionalmente incumbida de defender a ordem jurídica
e o regime democrático, assiste indiferente à essa agressão do Estado de Direito.

A título de exemplo, o CPC/2015, ao dispor sobre a fixação de multa por


reiteração de recurso de embargos de declaração protelatórios (§3º do art. 1.026) ou de agravo
interno manifestamente inadmissível ou improcedente (§§ 4º e 5º do art. 1021), permitiu que a
Fazenda Pública – litigante habitual – fizesse o pagamento ao final do processo, permitindo-

101
NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2010, p. 325.
102
GRECO, Leonardo. A reforma do poder judiciário e o acesso à justiça. Revista Dialética de Direito
Processual, São Paulo: Oliveira Rocha, n. 27, jun. 2005, p. 73.
57

se a utilização de artifícios para atrasar o andamento processual.

É ainda mais evidente a fragilidade da novel legislação para coibir a litigância


abusiva do Poder Público quando se depara com a ausência de eficácia vinculante erga omnes
do sistema de precedentes criado pelo CPC/2015 de observância obrigatória apenas no âmbito
do Poder Judiciário.

O CPC/2015 instituiu um sistema de precedentes para conferir maior


uniformidade, coerência, estabilidade e previsibilidade à jurisprudência.

O seu art. 927 dispõe que os juízes e tribunais deverão observar nos julgados as
decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, os
enunciados de súmulas vinculantes, das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, os acórdãos
proferidos em incidentes de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e de julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos e, por fim, a
orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Não vai restar uma matéria para ser decidida pelo juiz, qualquer colegiado de
qualquer instância proferirá decisões vinculantes. Ora, nem os Ministros do STF se vinculam
aos precedentes da própria Corte, como no caso do Ministro Celso de Mello em relação à
execução provisória da pena. O STF reviu entendimento anterior e passou a admitir o
cumprimento das penas antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, mas o
Ministro decidiu monocraticamente no HC 135.100 para suspender o mandado de prisão, não
sucumbiu e rejeitou a decisão do Plenário em favor do não retrocesso dos direitos
fundamentais.

Apenas as súmulas vinculantes e o julgamento do controle concentrado de


constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal vinculam o magistrado. A fonte normativa
desse efeito vinculante é a própria Constituição que estabelece, expressa e taxativamente, as
hipóteses extraordinariamente vinculantes, com eficácia erga omnes, inclusive para a
Administração Pública. As demais hipóteses da norma acima referida adquiriram eficácia
vinculante por lei ordinária restrita apenas ao âmbito da estrutura hierárquica do Poder
Judiciário, o que é inconstitucional.

Com efeito, o legislador ordinário não previu a eficácia vinculante dos referidos
precedentes para o Poder Público, que, portanto, poderá continuar incentivando a litigiosidade
a despeito de eventual posição pacificada no âmbito do Poder Judiciário. A litigiosidade
58

habitual abusiva, a toda evidência, não foi combatida pela legislação.

De maneira muito tímida e insuficiente, o inciso IV, do art. 1.040 do CPC/2015


previu, para os casos de recursos especial e extraordinário repetitivos que versarem sobre
questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização,
que o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora
competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da
tese adotada. A norma foi reproduzida no § 2º do art. 985 para o julgamento do incidente de
resolução de demandas repetitivas.

Ou seja, a eficácia vinculante seria restrita aos particulares delegatários do serviço


público que, embora também se enquadrem como litigantes habituais nas estatísticas do CNJ,
não respondem pela maioria das ações em tramitação. É incompreensível a razão de não se
conferir a mesma eficácia vinculativa para os entes públicos, constitucionalmente atrelados ao
princípio da legalidade e demais litigantes habituais nas hipóteses de julgamentos de casos
repetitivos ou de enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal
de Justiça. Interessa ao Poder Público modificar suas práticas administrativas em razão de
precedentes judiciais?

Luiz Guilherme Marinoni aponta, de forma crítica, que o excesso de processos e a


morosidade da função jurisdicional são, por vezes, opção dos próprios detentores do poder.
Segundo o referido processualista,

(...) sabe-se que o próprio Estado, a quem cabe observar o princípio da


eficiência da função jurisdicional (art. 37, caput, CR/88), não tem interesse
em cumprir referido princípio e se vale da morosidade do Judiciário como
expediente, sua marca registrada. A demora da jurisdição funciona como um
obstáculo ao exercício, pelo cidadão, do direito constitucional de “acesso à
jurisdição” e o Estado, contando com isso e mais preocupado em arrecadar e
atender os compromissos econômico-financeiros internacionais, posterga o
adimplemento de suas obrigações constitucionais. Nesse sentido é que se
coloca a “lentidão” do Judiciário como uma opção, não daqueles que detém
o poder, porque o poder é do povo e ao povo não interessa o mau
funcionamento do serviço público jurisdicional, mas da figura estatal, que
amiúde se beneficia dessa situação. 103

Mesmo depois de todo o arcabouço legislativo e dos Pactos Republicanos


firmados pela celeridade do Sistema de Justiça, o direito processual individual ou coletivo
ainda não possui tratamento adequado e eficiente para coibir a atuação abusiva dos chamados

103
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 33-34.
59

litigantes habituais, que, não raras vezes, conforme mencionado, utilizam de forma patológica
e abusiva o Poder Judiciário, permitindo a pulverização de demandas de idêntica natureza
mesmo diante de posicionamentos contrários já firmados pelos tribunais.

Ou seja, o CPC/2015 e as demais reformas legislativas não são suficientes para


superar a complexa crise de morosidade que assola a justiça em proporções universais. O
combate às graves deficiências da prestação jurisdicional há de ser travado no plano político-
administrativo, que transcende a regulamentação legislativa e envolve a organização e
gerenciamento dos serviços judiciários. Nesse terreno, entretanto, é completamente inócua a
obra de renovação das leis processuais.104

Assim, mais do que a publicação de novas leis e a criação de novas técnicas de


julgamento seria necessário estabelecer um diálogo institucional aberto e constante entre o
Poder Judiciário e os demais poderes da Republica para modificar a cultura do litígio, de
maneira que o Poder Público comece a adotar uma postura coerente com a intenção
manifestada de melhorar o Sistema de Justiça, passando a respeitar os posicionamentos
firmados pelo Judiciário, alterando as práticas administrativas consideradas ilegais não só em
favor daqueles que obtiveram êxito no processo, mas também em favor de todos os
administrados na mesma situação.

104
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade na prestação jurisdicional: insuficiência da
reforma das leis processuais. Revista de Processo, n. 125, jul. 2005, p. 61-78.
60

CAPÍTULO 02

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS –


IRDR

2.1 Introdução

No contexto da crise do Poder Judiciário causada pelo excesso de litigiosidade e


pela demora da prestação jurisdicional, foi aprovado o CPC/2015.

A ideologia que norteou os trabalhos da Comissão de juristas encarregada da


elaboração do Anteprojeto e as discussões travadas, desde 2010, no Congresso Nacional
pautou-se essencialmente na busca de maior celeridade e previsibilidade à prestação
jurisdicional, o que se materializou a partir da previsão de novos instrumentos processuais
capazes, pelo menos na teoria, de reduzir o número de demandas e recursos perante o Poder
Judiciário.

Capitaneando a referida ideologia norteadora do novo CPC, destaca-se a


incorporação ao sistema processual do “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas” -
IRDR, regulado nos artigos 976 a 987.

Nesse sentido, importante destacar trecho da Exposição de Motivos do anteprojeto


do CPC/2015105:

Com esses mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o


já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na
identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que
estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. O
incidente de resolução de demandas repetitivas é admissível quando
identificada, em primeiro grau, controvérsia com potencial de gerar
multiplicação expressiva de demandas e o correlato risco da existência de
decisões conflitantes.

Marcos Cavalcanti critica a terminologia do texto legal, afirmando que, em vez de


“resolução de demandas repetitivas”, o ordenamento jurídico brasileiro deveria ter adotado
“resolução de questões repetitivas”. O autor entende que a similitude de causas de pedir e
pedidos (o que caracteriza demanda) não é o fator determinante para a caracterização de um
processo como repetitivo. Esses processos identificam-se no plano abstrato por discutirem em
larga escala, questões jurídicas de origem comum e homogêneas, que podem surgir ainda que

105
BRASIL. Senado. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília-DF, 2010. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf. Acesso em: 12 de jan. 2016.
61

não exista qualquer similaridade entre os elementos das demandas.106

A crítica quanto à terminologia do incidente também é endossada por Sofia Temer


em excelente obra sobre o tema, in verbis:

(...) o que classifica as demandas repetitivas no contexto do CPC/2015, é a


existência de questões comuns, de direito material ou processual, ainda que
estas questões não representem nenhuma parcela significativa do conflito
subjetivo a ser resolvido em juízo, e ainda que não haja, propriamente,
demandas homogêneas. Em realidade, o IRDR visa a solucionar questões
repetitivas e não necessariamente demandas repetitivas. Então, apesar de a
lei empregar o termo demandas repetitivas, o que se verifica é que há
utilização não técnica do termo “demanda”, nesse contexto. Isso porque, a
rigor, ao falar em demandas repetitivas deveríamos nos referir a pretensões
homogêneas, relativas a relações-modelo. Ou seja, atos de postulação
constituídos de causa de pedir e pedido similares, porque referentes a
situações substanciais análogas.107

Por “demandas repetitivas” entende-se, enfim, os processos que contém questões


jurídicas homogêneas, de direito material ou processual, não havendo a necessidade da
existência de uma relação jurídica substancial modelo e tampouco identidade da causa de
pedir e do pedido. Basta a identificação de controvérsia sobre ponto de direito que se repita
em vários processos individuais e coletivos para que o IRDR possa ser utilizado e desde que
haja risco à segurança jurídica e à isonomia.108

Existem sérias dúvidas, no entanto, se o referido instrumento processual seria


realmente necessário e se, de fato, os objetivos almejados pelo legislador serão alcançados e a
que custo isso poderá ocorrer. Nesse sentido, Gláucio Maciel Gonçalves e Victor Dutra
apontam, de maneira crítica, razões que poderiam demonstrar a desnecessidade da importação
da referida técnica processual, in verbis:

Primeiro, porque, a partir da instituição da repercussão geral, o Supremo


Tribunal Federal tem decidido causas efetivamente importantes, cujos efeitos
podem atingir além das partes da demanda, ao fixar uma tese jurídica de
aplicação ampla no futuro. Segundo, porque o sistema de julgamento de
recursos especiais repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça tem, cada vez
mais, fixado teses infraconstitucionais de grande alcance, também com
efeitos futuros em outras causas. Terceiro, porque o Superior Tribunal de
Justiça é a corte encarregada de uniformizar a interpretação do direito federal
no País e tem-se verificado grande atuação do STJ nesse intento. Quarto,

106
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 527.
107
TEMER, Sofia Orberg. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 60-
61.
108
TEMER, Sofia Orberg. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 63.
62

porque os tribunais de segundo grau, que serão os destinatários do IRDR,


não estão ainda preparados para decidir as inúmeras teses jurídicas que lhes
serão submetidas e em tempo hábil, levando à suspensão indefinida das
demandas em primeiro e segundo grau por prazo não razoável. 109

É por isso que o referido incidente proposto desde o Anteprojeto elaborado pela
Comissão de juristas é, sem dúvida alguma, a mais impactante modificação surgida desde o
início das discussões da elaboração do CPC/2015. 110

Trata-se de um incidente de coletivização dos denominados litígios de massa, com


o propósito de evitar a multiplicação de demandas, resolvendo, em bloco, causas que versam
sobre as mesmas questões jurídicas.111 A sua instauração se dará a partir de um ou vários
casos modelo112 representativos de uma pluralidade de outras causas idênticas quanto à
matéria de direito, ficando o tribunal local habilitado a proferir uma decisão com largo
espectro, definindo, com eficácia vinculante, o direito controvertido de tantos quantos se
encontrarem na mesma situação jurídica.

Segundo Antônio do Passo Cabral,

A cognição judicial, nos incidentes, é cindida: neles seriam apreciadas


somente questões comuns a todos os casos similares, deixando para um
procedimento complementar a decisão de cada caso concreto. No incidente
coletivo é resolvida parte das questões que embasam a pretensão,
complementando-se a atividade cognitiva no posterior procedimento aditivo.
A efetividade do incidente coletivo é proporcional, portanto, à possibilidade
de que as questões nele decididas sejam fundamentos de muitas pretensões
similares, e que possam tais questões ser resolvidas coletiva e
uniformemente para todas as demandas individuais.113

109
GONÇALVES, Gláucio Maciel; DUTRA, Victor Barbosa. Apontamentos sobre o novo incidente de
resolução de demandas repetitivas no Código de Processo Civil de 2015. RIL Brasília a. 52 n. 208 out./dez. 2015,
p. 190-191.
110
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 612.
111
Sofia Temer faz importante advertência no sentido de que, apesar de as “demandas repetitivas”
compreenderem situações que, em tese, poderiam ser classificadas como “direitos individuais homogêneos” (nas
hipóteses de demandas relativas a pretensões isomórficas decorrentes de origem comum, em que as relações
substanciais sejam análogas e sejam repetidas as causas de pedir e pedidos), também compreendem situações
que não poderiam ser enquadradas como tal (hipóteses em que há apenas um ponto marginal em comum entre as
demandas). As demandas repetitivas, no contexto no CPC 2015, abrangem situações mais amplas do que os
direitos individuais homogêneos, o que é um motivo para evitar o emprego deste termo como se fossem
sinônimos. (TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p.
62)
112
Tal como previsto na legislação brasileira, o IRDR pode, em tese, ser instaurado a partir de qualquer
“processo modelo”, sendo irrelevantes os argumentos ali apresentados, se mais ou menos complexos do que os
aduzidos em outros casos. Não há previsão na novel legislação de critérios objetivos para escolha da causa piloto
ou qualquer forma de controle da representatividade adequada da atuação dos sujeitos processuais. O tema é
objeto de análise em tópico específico do capítulo seguinte.
113
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
63

No mesmo sentido é a lição do professor Humberto Theodoro Jr.:

O incidente de resolução de demandas repetitivas não reúne ações singulares


já propostas ou por propor. Seu objetivo é apenas estabelecer a tese de
direito a ser aplicada em outros processos, cuja existência não desaparece,
visto que apenas se suspendem temporariamente e, após, haverão de sujeitar-
se a sentenças, caso a caso, pelos diferentes juízes que detém a competência
para pronunciá-las. O que, momentaneamente, aproxima as diferentes ações
é apenas a necessidade de aguardar o estabelecimento da tese de direito de
aplicação comum e obrigatória a todas elas. A resolução individual de cada
uma das demandas, porém continuará ocorrendo em sentenças próprias, que
poderão ser de sentido final diverso, por imposição do quadro fático distinto.
De forma alguma, entretanto, poderá ignorar a tese de direito uniformizada
pelo tribunal do incidente, se o litígio, de alguma forma, se situar na área de
incidência da referida tese.114

Marcos Cavalcanti115 e Antônio do Passo Cabral116 alertam que a utilização de


técnica de julgamento semelhante não seria novidade no sistema processual brasileiro,
destacando o pedido de uniformização de interpretação da legislação no âmbito dos Juizados
Especiais Federais e da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, Distrito Federal e
Municípios, a repercussão geral no recurso extraordinário, os recursos repetitivos no âmbito
do Superior Tribunal de Justiça, a suspensão das liminares para evitar grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e economia públicas.

Em que pesem as semelhanças com outros instrumentos já utilizados no direito


processual brasileiro, o IRDR possui características próprias que o tornam bastante peculiar.

A distinção básica entre a ação coletiva (ação de classe) e o IRDR está em que
naquela os litígios cumulados são solucionados simultaneamente pelo julgamento único,
enquanto que no incidente apenas se delibera sobre a idêntica questão de direito presente em
várias ações, as quais continuam tramitando para receber sentença própria com análise
específica da matéria fática pelo respectivo julgador.117

ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 128-129.


114
THEODORO JR., Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 736.
115
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 326.
116
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 144.
117
THEODORO JR., Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
64

Aliás, pode-se ir além, para se afirmar que é drástica a distinção entre o IRDR e a
ação coletiva, o que trará forte repercussão no direito brasileiro. Enquanto na ação coletiva
prevista no direito brasileiro, por meio da substituição processual, a coisa julgada é secundum
eventum litis, ou seja, vincula os substituídos apenas se os beneficiar; no novo incidente o
julgamento é pro et contra, vale dizer, vincula os envolvidos favorável ou desfavoravelmente,
repercutindo sobre os processos pendentes e também os futuros. É inegável que a definição de
uma tese jurídica, especialmente se for sobre direito material, terá fator decisivo para a
resolução dos processos sobrestados já que o respectivo julgador estará vinculado àquela
interpretação do direito. Daí a maior importância que se deve conferir à efetiva participação
das partes e do juiz de primeiro grau na construção da decisão judicial.

O incidente constitui, portanto, uma categoria distinta de processo, que não se


identifica propriamente com os instrumentos utilizados nas demandas puramente individuais e
tampouco com os mecanismos de representação e substituição processual típicos da ação
coletiva, tendo inspiração, ao contrário, nas chamadas ações de grupo analisadas a seguir.

Assim, justamente por se tratar de uma técnica processual própria é que se exige o
aprofundamento de estudos críticos para demonstrar sua (in)compatibilidade com o modelo
constitucional de processo assegurado na Constituição de 1988.

2.2 Apontamentos sobre a tutela coletiva no direito comparado e sua influência no


direito brasileiro

Pode-se dizer que existem dois grandes modelos de tutela coletiva no direito
contemporâneo. Existe o modelo de tutela pela class action (ação coletiva) adotada
principalmente nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, e o modelo de tutela pela group action
(ação de grupo) adotado na Europa em geral, com peculiaridades, na Inglaterra, Alemanha e
Portugal. 118

As referidas ações de grupo surgiram como uma nova alternativa para se alcançar
a celeridade, eficiência e amplitude de acesso à justiça, ao lado das ações coletivas,
representativas de classe, sem, no entanto, possuir alguns obstáculos e inconvenientes práticos

Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 736.
118
ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução do group
litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso? p. 4-5. Disponível em
http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-
repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-direito-brasileiro-avanco-ou-retrocesso. Acesso em: dez. 2015.
65

inerentes às class actions.119

Conforme ressalta Antonio Adonias Aguiar Bastos120, a substituição processual –


característica das ações coletivas – traz alguns inconvenientes processuais, como o de permitir
que alguns sujeitos, legitimados pela lei, postulem em Juízo direitos de uma coletividade
geograficamente dispersa, cujos indivíduos não são conhecidos na sua totalidade, e que,
muitas vezes, não possuem sequer notícia da demanda coletiva e dos seus efeitos. Podem
ocorrer conflitos internos na classe representada que não são considerados ou sequer
conhecidos pelo legitimado quando da propositura da ação ou no julgamento do conflito
coletivo, o que distanciará o resultado do processo da pacificação efetiva do conflito. Além
disso, alguns órgãos do Estado ou mesmo entidades representativas, legitimados em caráter
geral e abstrato, podem não estar tão próximos do conflito para melhor compreendê-lo, o que
dificultará a busca da solução mais adequada.

Foram as críticas ao modelo das class actions que impulsionaram a idealização de


outros instrumentos processuais voltados à tutela das demandas de massa, especialmente nos
países da Europa.

Para a contextualização do tema em relação ao IRDR, será dado destaque à


diferença entre os dois modelos de tutela coletiva principalmente em relação à legitimidade
das partes interessadas ou beneficiárias.

Na ação de grupo, cada membro do grupo é considerado parte processual da ação,


ao contrário do que ocorre na ação de classe, na qual existe a figura da substituição
processual.

Sobre o tema, Antônio do Passo Cabral121 ensina que as ações de grupo


consistiriam em procedimentos de resolução coletiva de conflitos que evitam, dentro do
possível, as ficções representativas típicas da class action. Consistiria em uma técnica de
julgamento em bloco que parte de um caso concreto entre contendores individuais. Preserva-
se, dentro da multiplicidade genérica, a identidade e a especificidade do particular. Cada

119
BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. O devido processo legal nas causas repetitivas. p. 4943. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/ antonio_adonias_aguiar_bastos.pdf> Acesso em:
jan. 2016.
120
BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. O devido processo legal nas causas repetitivas. p. 4943-4944. Disponível
em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/ antonio_adonias_aguiar_bastos.pdf> Acesso
em: jan. 2016.
121
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 128.
66

membro do grupo envolvido é tratado como uma parte, ao invés de uma “não parte”
substituída. É a tentativa de estabelecer algo análogo a uma class action, mas sem classe e os
inconvenientes da ficção da substituição processual.

A ação de classe do direito americano, por sua vez, encontra seu fundamento na
possibilidade de, com a atuação de um ou alguns membros de uma determinada classe, todos
os demais, que não agiram diretamente, serem afetados pelos efeitos daquela decisão,
inclusive no que se refere à imutabilidade do quanto decidido, isto é, no que se refere à
formação da coisa julgada.

Por isso é importante o controle da representatividade adequada, pelo qual o


julgador analisa, em cada caso, a admissão do representante dos interesses da coletividade. O
controle da representatividade é indispensável no modelo de tutela americano, pois os efeitos
da coisa julgada serão pro et contra. Vale dizer, independentemente do resultado, todos os
substituídos na ação serão afetados em seu direito individual.

No sistema de tutela coletiva do direito brasileiro, até o advento do Código de


Processo Civil de 2015, era inegável a influência preponderante do modelo norte-americano
com algumas diferenças importantes.

A propósito, por ilustrar bem as características das tutelas no direito processual


brasileiro, destaca-se a classificação dos modelos de tutelas jurisdicionais elaborada pelo
ministro Teori Zavascki:

(...) podemos, hoje, classificar os mecanismos de tutela jurisdicional em três


grandes grupos: (a) mecanismos para tutela de direitos subjetivos
individuais, subdivididos entre (a.1) os destinados a tutelá-los
individualmente pelo seu próprio titular (disciplinados, basicamente, no
Código de Processo) e (a.2) os destinados a tutelar coletivamente os direitos
individuais, em regime de substituição processual (as ações civis coletivas,
nelas compreendido o mandado de segurança coletivo); (b) mecanismos para
tutela de direitos transindividuais, isto é, direitos pertencentes a grupos ou a
classes de pessoas indeterminadas (a ação popular e as ações civis públicas,
nelas compreendida a chamada ação de improbidade administrativa); e (c)
instrumentos para tutela da ordem jurídica, abstratamente considerada,
representados pelos vários mecanismos de controle de constitucionalidade
dos preceitos normativos e das omissões legislativas.
Bem se vê, mesmo a um primeiro olhar sobre esse modelo classificatório da
tutela jurisdicional, que, à medida que se passa de um para outro dos grupos
de instrumentos processuais hoje oferecidos pelo sistema do processo civil,
maior ênfase se dá à solução dos conflitos em sua dimensão coletiva. É o
reflexo dos novos tempos, marcados por relações cada vez mais impessoais e
mais coletivizadas.
O conjunto de instrumentos hoje existentes para essas novas formas de tutela
jurisdicional, decorrentes da primeira onda de reformas, constitui,
67

certamente, um subsistema processual bem caracterizado, que se pode,


genérica e sinteticamente, denominar de processo coletivo. Mas, sem a
tradição dos mecanismos da tutela individual dos direitos subjetivos, os
instrumentos de tutela coletiva, trazido por leis extravagantes, ainda passam
por fase de adaptação e de acomodação, suscitando, por isso mesmo, muitas
controvérsias interpretativas.122

Nesse contexto das diversas modalidades de tutelas jurisdicionais, o


“microssistema do processo coletivo no direito brasileiro”123 é compreendido pela
interpretação conjunta de leis especiais esparsas, que se interpenetram, como a Lei 4.717/1965
que regula a ação popular, a Lei 7.347/1985 que dispõe sobre a ação civil pública, as regras
processuais do Código de Defesa do Consumidor previstas na Lei 8.078/90, as normas do
mandado de segurança coletivo, atualmente regido pela Lei 12.016/2009, entre outras, as
quais regulam principalmente a representação adequada em juízo (legitimatio ad causam), os
efeitos do julgamento e os limites da autoridade da coisa julgada.

A referida legislação assegura, além da tutela dos direitos difusos e coletivos124, a


tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos125 por meio da substituição processual,
aproximando, nesse aspecto, a experiência brasileira do modelo da class action americana. A
lei atribuiu expressamente a legitimidade ativa às associações e a outras entidades

122
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 34-35.
123
DIDIER JR. Fredie; ZANETI JR. Hermes. Processo Coletivo. v. 4. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 51.
124
Em atenção ao artigo 81, parágrafo único, inciso II, da Lei 8.078, de 1990, está-se diante de um interesse ou
direito coletivo quando “todos os co-titulares dos direitos mantêm relações jurídicas ou vínculos jurídicos
formais com a parte contrária, ou seja, a parte contra a qual se dirige a pretensão ou o pedido” ou em razão “de
uma relação jurídica base que une os sujeitos entre si, de modo a fazer com que eles integrem grupo, classe ou
categoria diferenciada de pessoas determinadas ou determináveis com interesses convergentes sobre o mesmo
bem indivisível (jurídica ou faticamente), independente de manterem ou não vínculo jurídico com a parte
contrária”, conforme leciona Alcides A. Munhoz da Cunha (CUNHA, Alcides Munhoz. Evolução das Ações
Coletivas no Brasil. Revista de Processo, n. 77, 1995, p. 229). Pedro Lenza também explica sobre a
indivisibilidade dos bens sobre os quais convergem os interesses coletivos: “Em relação aos interesses coletivos,
a indivisibilidade dos bens é percebida no âmbito interno, dentre os membros do grupo, categoria ou classe de
pessoas. Assim, o bem ou interesse coletivo não pode ser partilhado internamente entre as pessoas ligadas por
uma relação jurídica-base ou por um vínculo jurídico; todavia externamente, o grupo, categoria ou classe de
pessoas, ou seja, o ente coletivo, poderá partir o bem, exteriorizando o interesse da coletividade.” (LENZA,
Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo, RT, 2003, p. 71)
125
De acordo com o artigo 81, parágrafo único, inciso III, da Lei 8.078, de 1990, está-se diante de direitos
individuais homogêneos, quando um direito eminentemente individual foi erigido à categoria de interesses
metaindividuais meramente para fins de tutela coletiva. A transindividualidade do direito individual homogêneo
é legal ou artificial. Pode-se dizer “acidentalmente coletivos” os direitos individuais homogêneos, porquanto os
sujeitos são perfeitamente identificados ou identificáveis e a união entre aqueles coletivamente tutelados
decorrerá de uma situação fática de origem comum a todos. Pedro Lenza entende que os interesses individuais
homogêneos “caracterizam-se por sua divisibilidade plena, na medida em que, além de serem os sujeitos
determinados, não existe, por regra, qualquer vínculo jurídico ou relação jurídica-base ligando-os”. (LENZA,
Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo, RT, 2003, p. 71)
68

representativas para postularem em juízo a defesa dos direitos de determinada classe ou


grupo. Também permitiu a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos ou
isomórficos, que decorrem de uma origem comum, por meio da substituição processual,
através da Defensoria Pública e do Ministério Público, os quais podem agir autonomamente
em nome dos substituídos.

No sistema do processo coletivo pátrio, a legitimidade ativa se dá apenas em


virtude de lei, a qual elenca expressa e objetivamente os legitimados a substituírem a
coletividade.

Não existe, todavia, o controle da representatividade adequada como ocorre na


class action americana e, por consequência, em razão mesmo da ausência de qualquer
controle judicial, a coisa julgada opera seus efeitos secundum eventus litis, evitando prejuízos
aos sujeitos substituídos que efetivamente não participaram do processo.

Nesse sentido, destaca-se a lição de Marcelo Cunha Holanda:

Então listamos as três possibilidades que o CDC disciplina:


1. Em caso de improcedência após a instrução robusta e suficiente, a sen-
tença coletiva fará coisa julgada para atingir o grupo titular do direito tran-
sindividual e impedir que qualquer legitimado do art. 82 reproponha o
processo coletivo pleiteando a mesma tutela para o mesmo direito por meio
do mesmo pedido, invocando a mesma causa de pedir. Demandas in-
dividuais, em defesa dos correspondentes direitos individuais, entretanto,
continuam podendo ser propostas.
2. Em caso de improcedência após instrução insuficiente, por falta de provas,
a sentença coletiva não fará coisa julgada material e, como o grupo titular do
direito material não estará vinculado, o mesmo processo coletivo poderá ser
reproposto por qualquer legitimado coletivo, desde que apresentando nova
prova.
3. Em caso de procedência do pedido, a sentença coletiva fará coisa julgada
erga omnes ou ultra partes para tutelar o bem jurídico, atingindo o grupo
titular do direito de grupo e atingindo também, somente para beneficiar, in
utilibus, a esfera individual de todos os membros do grupo que sejam titu-
lares dos correspondentes direitos individuais homogêneos, que poderão
propor demandas individuais de liquidação e execução dos danos indivi-
duais.126

A novel legislação processual, ao introduzir o IRDR para agilizar a solução de


demandas de massa, trouxe forte influência do modelo das ações de grupo para o direito
brasileiro. Ou seja, uma técnica processual para definição, em bloco, da tese jurídica discutida
em várias demandas repetitivas ou massificadas, que envolvem sujeitos determinados, mas

126
HOLANDA, Marcelo Cunha. A possibilidade do controle judicial da adequação do autor coletivo no direito
brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte: Editora Fórum, n. 69, jan-mar. 2010, p.
152.
69

que não possuem, por regra, qualquer vínculo ou relação jurídica base entre si.

Assim, as características dos dois modelos de tutela coletiva coexistirão no direito


processual brasileiro, com peculiaridades que merecem análise específica.

Os processualistas destacam que a criação do IRDR e o aperfeiçoamento do


sistema de julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos formam atualmente
um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas de regência se
complementam, devendo ser interpretadas conjunta e sistematicamente, conforme enunciado
345 do Fórum dos Processualistas Civis.127

Ao mesmo tempo, a importação de nova técnica processual trouxe problemas


teóricos e práticos muito relevantes e graves.

Emergiu questão, no direito brasileiro, referente à constitucionalidade da


competência dos tribunais ordinários como Cortes de Precedentes, do efeito vinculante das
decisões proferidas no IRDR e sua compatibilidade com o contraditório substancial e o papel
do juiz na interpretação do direito.

O novel instituto ainda retira do autor da demanda individual o seu direito de


optar por prosseguir ou suspender sua ação individual, que ficará sobrestada automaticamente,
submetendo-se aos efeitos vinculantes do julgamento do IRDR. No sistema do processo
coletivo brasileiro é prevista a necessidade de intimação, no bojo da demanda individual, do
autor da ação para que, no prazo de 30 dias, exerça o direito de optar pela exclusão (right to
opt out) da demanda coletiva em tramitação.

É questionável também a ausência de previsão de escolha de um “líder” ou de


controle da representação no incidente processual, tal como ocorre no direito comparado128,
para assegurar a efetiva participação dos interessados no incidente de coletivização e conferir
legitimidade ao julgamento dotado de efeitos vinculantes.

2.3 As técnicas de solução de demandas repetitivas no direito comparado e a relação


com o IRDR

127
NUNES, Dierle José Coelho; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 389.
128
ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução do group
litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso? Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-
artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-
direito-brasileiro-avanco-ou-retrocesso. Acesso em: dez. 2015. p. 31-32.
70

Diante dos problemas constatados nas ações de classe, ou mesmo a total falta de
tradição com processos coletivos, como no caso da Alemanha, vários ordenamentos jurídicos,
especialmente na Europa129, que relutam em introduzir formas de tutela coletiva mais
próximas à class action americana, buscaram criar novos instrumentos de tutela (ações de
grupo) que fossem capazes de conferir tratamento adequado aos processos repetitivos, mas
sem a formação de uma classe, sem a representação por substitutos processuais.

Interessa analisar especialmente a recente experiência de três países Alemanha,


Inglaterra e Portugal, que serviram de inspiração para o modelo adotado pela legislação
brasileira.

2.3.1 Direito alemão: o procedimento-modelo (Musterverfahren)

Conforme a exposição de motivos elaborada pela Comissão de Reforma do


Processo Civil Brasileiro130, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas introduzido
no Brasil pelo novo Código de Processo Civil foi inspirado no Procedimento-Modelo ou
Procedimento-Padrão (Musterverfahren) do Direito Processual Alemão, que foi instituído
naquele ordenamento jurídico para possibilitar que o Tribunal Regional (Oberlandesgericht-
OLG) fixasse posicionamento sobre supostos fáticos ou jurídicos de pretensões repetitivas,
estendendo aos processos individuais os efeitos do julgamento.131

O procedimento-modelo (Musterverfahren) foi criado na Alemanha por meio da


lei que ficou conhecida como Lei de Introdução do Procedimento Modelo para investidores
em mercado de capitais.

A referida lei sobre a demanda modelo nas causas relativas ao mercado de capitais
– Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz – KapMuG – entrou em vigor em 1º de novembro
de 2005 motivada por conflitos de milhares de investidores contra a Deutsche Telekom132 e a
necessidade de uma resposta jurisdicional mais célere.

Entre 1999 e 2000, a empresa Deutsch Telekom lançou suas ações na bolsa de
valores de Frankfurt, tendo distorcido informações patrimoniais relevantes que lastrearam a

129
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 317-324.
130
BRASIL. Senado. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília-DF, 2010. 381 pp. Disponível em
HTTP://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em dezembro de 2015.
131
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 124-125.
132
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 115-116.
71

emissão daqueles papéis, o que causou falsas expectativas no mercado financeiro, culminando
em graves prejuízos aos investidores.

Em decorrência disso, milhares de investidores ajuizaram ações nas quais


pleiteavam as indenizações cabíveis contra a empresa Deustche Telekom, o Estado Alemão e
instituições financeiras que tinham participado da operação.

No período compreendido entre 2001 a 2003, mais de treze mil ações de


reparação foram propostas perante o Tribunal de Frankfurt (Landesgericht)133, cidade sede da
Bolsa de Valores alemã. Treze mil ações envolvendo, portanto, direitos materiais homogêneos
(direito de indenização) e partes heterogêneas. Desprovido de instrumentos processuais
adequados à época para lidar com esse grande número de litígios em massa, o tribunal local
sofreu uma paralisação de suas atividades.

Em razão da enorme lentidão processual causada pelas demandas do caso Deutsch


Telekom, o Tribunal Constitucional Alemão (BVerfG) julgou, no ano de 2004, dois recursos
constitucionais sob a alegação de violação ao direito de duração razoável do processo. O
Tribunal negou provimento aos recursos, entendendo que a demora, naqueles casos, se
justificava, porém, passou a admitir o uso de um procedimento modelo para que os casos
fossem solucionados em bloco, possibilitando, dessa forma, que todos os processos fossem
decididos conjuntamente num tempo adequado.

Dentro deste contexto, como resposta aos recursos, a KapMuG foi promulgada em
2005, e o Musterverfahren foi instituído com o objetivo de ser a ferramenta processual capaz
de racionalizar a resolução de tais ações repetitivas envolvendo o mercado de capitais. Foi
publicada como lei temporária, com previsão inicial de término de vigência em 1º de
novembro de 2010. Posteriormente, a KapMuG foi prorrogada até 1º de novembro de 2020134.

Nas palavras de Artur César de Souza:

Esta lei não introduziu no sistema alemão uma class action, onde um autor
representa uma pluralidade indeterminada de sujeitos; na realidade, a
KapMug representa uma tentativa de afrontar e resolver os problemas
procedimentais nascentes da introdução contextual de uma massa de
demandas ressarcitórias reunidas entre elas e caracterizadas pela richiesta di
danni piú o meno contenuti. (...) Ainda que a normatividade alemã esteja
dissociada e seja distinta da class action americana, alguns pressupostos dela

133
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 329-330.
134
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 331.
72

foram recepcionados, como, por exemplo, a numerosidade de demandas; ou


seja, é indispensável para a instauração do procedimento nos termos da
KapMug que pelo menos dez demandas tenham sido apresentadas.135

Trata-se, na realidade, de uma nova técnica processual de decisão em bloco que


parte de um caso concreto (processo modelo) entre litigantes individuais, para resolver
coletivamente questões comuns a inúmeros processos, com o único propósito de assegurar
rapidamente a uniformidade do posicionamento judicial, vinculando todos os julgadores de
primeiro grau que se depararem com a mesma matéria, seja de fato ou de direito.

Conforme lição de Antônio do Passo Cabral, ao contrário do que ocorre no IRDR


introduzido no direito brasileiro, que é restrito à matéria de direito, a cognição judicial no
procedimento-modelo alemão pode ser de fato e de direito:

o que denota a possibilidade de resolução parcial dos fundamentos da


pretensão, com a cisão da atividade cognitiva em dois momentos: um
coletivo e outro individual. Esse detalhe é de extrema importância, pois evita
uma potencial quebra da necessária correlação entre fato e direito no juízo
cognitivo. Vale dizer, se na atividade de cognição judicial, fato e direito
estão indissociavelmente imbricados, a abstração excessiva das questões
jurídicas referentes às pretensões individuais poderia apontar para um
artificialismo da decisão, o que não ocorre aqui, com a vantagem de evitar as
críticas aos processos-teste.136

O procedimento-modelo instituído no sistema alemão divide-se, de acordo com a


referida lei, em três partes principais: a) hipóteses de cabimento; b) detalhamento das regras a
serem observadas na tramitação do procedimento; c) os efeitos advindos do julgamento do
procedimento-modelo.

Na parte inicial, a lei destaca principalmente os casos específicos de aplicação do


procedimento, sobretudo voltados aos conflitos relacionados ao mercado de capitais. Para
cabimento do procedimento, Marcos Cavalcanti137 indica as ações cíveis que versam sobre
pretensões indenizatórias por prejuízos decorrentes de informações falsas ou omissas no
mercado de capitais, por prejuízos causados pela utilização de informações públicas falsas ou
enganosas sobre o mercado de capitais ou pela falta de esclarecimentos acerca de suspeita de
falsidade de informações públicas sobre mercado de capitais, além das pretensões

135
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 116-117.
136
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 132-133.
137
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 334-335.
73

condenatórias para adimplemento contratual baseado em oferta pública, nos termos da Lei de
Aquisição e Transmissão de Valores Mobiliários.

O pedido de instauração do procedimento-modelo pode ser feito por qualquer das


partes perante o juízo do processo individual. Deverá conter todas as informações sobre os
fatos e circunstâncias legais que autorizem a instauração do incidente processual para
julgamento do caso modelo.138

O juiz, ao contrário do que prescreve o regramento do IRDR no direito brasileiro,


não possui legitimidade para solicitar, mediante ofício, a instauração do procedimento-modelo
perante o tribunal local.

Depois da manifestação da parte contrária, caberá ao juiz de primeira instância


fazer o juízo de admissibilidade para instauração do procedimento-modelo, no prazo de 06
meses contado do recebimento do requerimento.

Igor Rossoni entende que o cerne do procedimento-modelo está justamente na


análise de admissibilidade, pois, depois de formalizado o pedido de uma das partes para
instauração do procedimento, há a definição vinculativa “com parâmetros objetivos, das
questões fáticas ou jurídicas que serão fixadas pelo juiz de primeiro grau e decididas pela
Corte de Apelação”139. Uma vez definidos tais parâmetros pelo juízo de primeira instância
não se admite recurso.

É de se notar que, no caso do procedimento alemão, o juízo de primeira instância


não é mero coadjuvante, como ocorre no IRDR introduzido no direito brasileiro. Ao contrário,
o papel do juízo de primeiro grau é fundamental na preparação da técnica processual, tendo
atuação determinante e com parâmetros objetivos para a definição das questões isomórficas
controversas, sejam de fato ou de direito, que serão analisadas e julgadas pelo tribunal local.

O juiz de primeira instância fará, então, publicar em cadastro eletrônico o resumo


da demanda, com as partes e o objetivo do procedimento.

Para a instauração do procedimento-modelo, é necessário ainda que, em um


período de seis meses contados da primeira publicação, outros nove pedidos sejam registrados

138
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 133.
139
ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução do group
litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso? Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-
artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-
direito-brasileiro-avanco-ou-retrocesso. Acesso em: dez. 2015. p. 23.
74

com a mesma pretensão comum, sob pena de rejeição. O tribunal de segunda instância
(Oberlandesgericht-OLG)140 está vinculado ao exame das questões comuns apresentadas pelo
juiz de primeira instância em sua decisão vinculativa, cabendo-lhe julgar o procedimento.

Com a admissibilidade e instauração do procedimento-modelo e sua remessa ao


tribunal para julgamento, automaticamente suspendem-se todos os processos individuais que
tratam da mesma matéria.

Conforme destacado por Marcos Cavalcanti141, a lei permite que, no prazo de um


mês contado da intimação da suspensão do processo, o autor da demanda individual formule
requerimento de desistência da ação, sem necessidade de consentimento do réu, como forma
de não ser alcançado pelos efeitos do julgamento-modelo proferido nos autos do incidente de
coletivização.

A segunda parte do procedimento ocorre no tribunal de segunda instância


(Oberlandesgericht-OLG), ao qual compete, antes do julgamento da questão isomórfica,
proceder à escolha de um líder (parte principal) tanto para a autora (Musterkläger) quanto para
a parte ré (Musterbeklagte) que passam a ser os interlocutores diretos com a Corte. Caberá ao
líder da parte autora definir a estratégia processual e a forma de condução do processo, não
podendo os intervenientes contrariá-lo.142

A propósito da escolha do líder, Marcos Cavalcanti expõe alguns critérios que


devem ser observados pelo tribunal:

Embora a KapMuG mencione ter a eleição das partes-principais caráter


discricionário, dispõe alguns critérios que devem ser observados,
obrigatoriamente, pelo OLG, no momento de se efetivar a seleção do autor-
principal: a) o candidato deve ser escolhido dentre as partes que tiveram os
processos individuais suspensos; b) o candidato deve ter representatividade
adequada para defender os interesses das partes envolvidas no litígio de
massa; c) a Corte deve verificar a existência de um acordo firmado entre os
autores dos processos individuais com o objetivo de indicação de um autor-
principal; e d) o Tribunal deve considerar o montante da dívida discutida no
processo individual.143

140
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 339.
141
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 340.
142
ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução do group
litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso? Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-
artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-
direito-brasileiro-avanco-ou-retrocesso. Acesso em: dez. 2015. p. 24-25.
143
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
75

A escolha da parte principal (do líder) no procedimento-modelo denota a


preocupação do legislador alemão com uma forma específica de controle de
representatividade adequada, o que poderá assegurar maior legitimidade e segurança à
construção do provimento jurisdicional. O legislador brasileiro, ao contrário, preferiu dar
ênfase à eficácia vinculante do provimento jurisdicional do IRDR sem o mesmo cuidado com
o controle da representatividade adequada dos interessados.

A definição do líder (parte principal), contudo, não impede a participação efetiva


dos outros interessados. As partes dos processos individuais dependentes do julgamento do
incidente são consideradas intervenientes e também podem se valer de meios de ataque e
defesa.

A respeito do tema, Antônio do Passo Cabral ensina que:

No que se refere à participação de terceiros, a legislação não se afasta de


uma inclusão automática dos terceiros interessados que não sejam efetivos
participantes. Aqueles que são partes em processos individuais dependentes
do Procedimento-Modelo, mesmo não intervindo voluntariamente no
incidente coletivo, serão automaticamente considerados intervenientes, com
todos os poderes aos terceiros assegurados (...)144

A terceira parte do procedimento-modelo regula os efeitos da decisão-modelo. A


decisão proferida sobre as questões comuns no julgamento de mérito do incidente coletivo
vincula os juízes de primeira instância nos quais tramitam os processos individuais suspensos,
havendo a cisão da cognição judicial.

A propósito, Renato Xavier da Silveira Rosa leciona que

Uma vez definida a decisão-modelo, cada magistrado de primeiro grau deve


julgar individualmente cada uma das ações, obedecendo à eficácia da
decisão-modelo, julgando apenas as demais questões do caso concreto
submetido à jurisdição por meio da demanda individual. Assim, ainda que
haja mais questões a serem decididas, as questões centrais, a tese jurídica em
si, já foi decidida, e de maneira uniforme para todos os processos
individuais.145

Salvador: JusPodiym, 2015, p. 343.


144
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 139.
145
ROSA, Renato Xavier da Silveira. Incidente de resolução de demandas repetitivas: artigos 895 a 906 do
Projeto de Código de Processo Civil, PLS n.º 166/2010. Monografia apresentada em Curso de Pós-Graduação
Stricto Sensu em Direito. Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Universidade de São Paulo. São Paulo,
2010, p. 17.
76

Para Antônio do Passo Cabral146 e Marcos Cavalcanti147, é necessária, porém, a


existência de litispendência dos processos individuais no momento da decisão do Tribunal. Os
processos ainda não ajuizados e que não estavam suspensos no momento do julgamento do
incidente não serão alcançados pela eficácia da tutela jurisdicional (decisão-modelo).

Nesse caso, se surgir, por exemplo, nova questão proveniente do mercado de


capitais que tenha o condão de gerar multiplicação de demandas, um novo procedimento
modelo deverá ser iniciado, seguindo toda a tramitação prevista na KapMuG.

Interessante ressaltar que a eficácia vinculante da decisão-modelo repercutirá


sobre todos os processos suspensos, seja ela favorável ou contra (pro et contra) aos litigantes
individuais, tenham eles participado efetivamente ou não do procedimento-modelo.

Segundo Marcos Cavalcanti,

No direito alemão, portanto, o fato de os efeitos da coisa julgada (pro et


contra) alcançarem os litigantes individuais ausentes, ou seja, aqueles que
não intervieram no Musterverfaheren, justifica-se porque, para a KapMuG,
estes são considerados verdadeiras partes do procedimentos-modelo,
independentemente de terem requerido, formalmente, o ingresso nos autos,
na qualidade de partes-intervenientes. Trata-se de postura inversa daquela
assumida pelo direito brasileiro no que diz respeito às ações coletivas para a
defesa dos direitos individuais homogêneos. No Brasil, o art. 103, § 2º, do
CDC estabelece que, na ação civil pública ajuizada para a tutela dos direitos
individuais homogêneos, a sentença de improcedência somente faz coisa
julgada em relação aos interessados que tiverem intervindo no processo
como assistentes litisconsorciais. Ou seja, aqueles que não fizerem tal
requerimento não serão alcançados pelos efeitos da decisão e da coisa
julgada material, de modo que estão legalmente autorizados a ajuizar ações
de indenização a título individual.148

Igor Rossoni149 destaca, no entanto, que há a possibilidade de os intervenientes


escaparem dos efeitos da decisão-modelo caso demonstrada a má gestão processual. Os
intervenientes devem demonstrar que não puderam fazer uso de meios de ataque e defesa
dada a situação avançada em que se encontrava o processo, de modo que não poderão ser

146
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 139.
147
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 348-349.
148
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 349-350.
149
ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução do group
litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso? Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-
artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-
direito-brasileiro-avanco-ou-retrocesso. Acesso em: dez. 2015. p. 25.
77

prejudicados pelo julgamento.

Segundo Cabral150, os intervenientes também escapam dos efeitos da decisão no


caso de o líder escolhido (Musterkläger) não ter feito uso dos meios de ataque e defesa,
voluntariamente ou por culpa grave, quando tais meios eram ignorados pelos intervenientes.

Trata-se, a toda evidência, de uma específica forma de controle de


representatividade para o referido procedimento. Os interessados não serão atingidos pela
eficácia da decisão-modelo se a atuação processual foi deficiente, se o líder não se utilizou
por culpa grave dos meios de ataque e defesa cabíveis. A má gestão processual poderá, assim,
comprometer a extensão dos efeitos da coisa julgada (pro et contra).

Constata-se nesse ponto diferença fundamental em relação ao Incidente de


Resolução de Demandas Repetitivas introduzido pelo novo Código de Processo Civil, o qual
não prevê qualquer forma de controle da representatividade, estabelecendo, sem ressalvas, a
eficácia vinculante da decisão-modelo (pro et contra) em relação aos interessados dos
processos individuais presentes e, ainda, dos futuros.

O Procedimento-Modelo alemão é, enfim, uma técnica de julgamento dotado de


eficácia coletiva para solucionar questões comuns que se irradiam em causas de massa
relacionadas principalmente com o mercado de capitais.

Registre-se, por fim, que o referido procedimento mereceu críticas da própria


doutrina alemã, não tendo proporcionado, nos primeiros cinco anos de sua vigência, como
almejado, maior celeridade e racionalização aos julgamentos das demandas repetitivas. De
acordo com Rolf Stürner, “até agora não há nenhum resultado visível que não tivesse sido
igualmente alcançado sem essa lei por uma habilidosa e pragmática condução processual,
mediante uma qualificada magistratura”151.

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pode, de fato, ter sido


inspirado no referido procedimento, mas, de acordo com as regras previstas no direito
brasileiro, possui contornos próprios que o diferenciam substancialmente da essência do
processo-modelo alemão.

150
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 139.
151
STURNER, Rolf. Sobre as reformas recentes no direito alemão e alguns pontos em comum com o projeto
brasileiro para um novo Código de Processo Civil. In: Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.
193, mar. 2011, p. 361.
78

2.3.2 Direito inglês: Group Litigation Order (GLO)

Na Inglaterra, a resolução dos litígios de natureza coletiva perpassa por dois


principais mecanismos processuais: a) as representative actions – verdadeiras ações coletivas
geneticamente ligadas às class action do direito norte-americano; b) a group litigation order
(GLO) – ordem para litígio em grupo (ação de grupo)152, que será analisada mais detidamente
a seguir, pois dotada de características semelhantes à técnica de julgamento instituída pelo
IRDR.

Nas palavras de Marcos Cavalcanti, “a GLO não é propriamente ação coletiva,


mas sim uma espécie de incidente processual de resolução coletiva de litígios de massa”153
introduzida, em maio de 2000, pelas regras 19.10 a 19.15 do Código de Processo Civil
Inglês154 (Civil Procedural Rules).

Ou seja, a GLO é uma forma específica de reunião das partes por meio de
listagem de ações com registro em grupo, a fim de racionalizar o julgamento dos processos
que versam sobre as mesmas questões de fato ou de direito, sendo considerada atualmente o
principal instrumento do sistema inglês para o tratamento dos litígios com múltiplas partes.155

Na Inglaterra, porém, as Group Litigation Orders, em vigor desde o ano de 2000,


contavam até 2011 aproximadamente 70 casos156.

De acordo com a definição legal, o instituto consiste em uma decisão judicial


tomada pelo tribunal para prover a administração do caso, ou case management de ações que
tenham origem em questões comuns ou semelhantes de fato ou de direito. O tribunal deve
conceder a ordem de litígio em grupo quando identificar real ou potencial multiplicidade de
demandas sobre questões isomórficas157. No sistema inglês, não há previsão legal de número
mínimo de demandas para instauração do incidente.

152
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 357.
153
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 357.
154
O inteiro teor da legislação inglesa está disponível em: http://www.opsi.gov.uk/si/si2000/20000221.htm
155
ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na
Inglaterra. Orientação e revisão da tradução Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista os Tribunais,
2009, p. 343.
156
LÉVY, Daniel de Andrade. O incidente de resolução de demandas repetitivas no Anteprojeto do Novo
Código de Processo Civil. Exame à luz da Group Litigation Order Britânica. Revista de Processo, n. 196, jul.
2011, p. 185.
157
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 358.
79

O objetivo é possibilitar que uma estrutura mínima do Poder Judiciário gerencie e


julgue, em bloco, uma grande quantidade de demandas repetitivas quanto a questões de fato
ou de direito.158

Diogo Assumpção Rezende Almeida sustenta que o case management159


modificou profundamente as tradições processuais da cultura inglesa, retirando das mãos dos
advogados o poder de administrar o tempo e a forma do ato processual. O modelo de case
management transmitiu a concepção de que os juízes são os principais responsáveis pela
condução do procedimento, estabelecendo seu formato e duração de modo a impulsioná-lo em
direção à solução da controvérsia.

Pretendeu-se, assim, com o novo sistema de administração judicial dos litígios


acelerar a tramitação processual, facilitando a celebração de acordos e tornando o processo
mais acessível às pessoas comuns, além de conferir mais eficiência e economicidade ao
exercício da jurisdição.

Dessa forma, pode o juiz, ao perceber que uma série de demandas tem questões
comuns de fato ou de direito, criar um group litigation.160 Uma vez criado o GLO, esse deve,
obrigatoriamente, conter as especificações sobre o caso para o registro do grupo, a
especificação das questões comuns (GLO issues) tratadas no grupo e a designação do tribunal
(management court) que gerirá o caso. A instauração do grupo pode ser feita tanto de ofício,
como pelo autor ou pelo réu.

Como forma de controle de eventuais abusos na instauração do group litigation,


foi prevista na legislação inglesa uma espécie de dupla admissibilidade do procedimento.

Nesse sentido, Neil Andrews ensina que, no sistema inglês, existe a previsão de
dois níveis de aprovação da ordem de litígio em grupo. Assim, nas hipóteses de decisão pela
instauração de ofício ou nos casos de provocação das partes, existe a necessidade de

158
LÉVY, Daniel de Andrade. O incidente de resolução de demandas repetitivas no Anteprojeto do Novo Código
de Processo Civil. Exame à luz da Group Litigation Order Britânica. Revista de Processo, n. 196, jul. 2011, p.
186-187.
159
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende. O case management inglês: um sistema maduro? Revista Eletrônica
de Direito Processual – REDP. v. VII. Rio de Janeiro. Jan./jun. 2011, p. 288-300.
160
ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução do group
litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso? Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-
artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-
direito-brasileiro-avanco-ou-retrocesso. Acesso em: dez. 2015. p. 18.
80

ratificação da decisão preliminar por um senior judge, uma espécie de juiz superior161.

A ordem de litígio em grupo deve conter orientação para a criação de um cadastro


coletivo no qual as informações relativas às ações abrangidas pela ordem serão registradas,
conter a especificação das questões comuns de fato ou de direito das ações que serão
gerenciadas coletivamente naquele grupo e, ainda, a determinação de qual tribunal será
responsável pelo gerenciamento das ações registradas no cadastro coletivo. Pode também
dispor sobre a suspensão dos processos e as instruções para a ampla divulgação.162

O tribunal gestor, por sua vez, deverá dispor, entre outras, sobre a escolha de uma
ou mais ações registradas como ações-modelo (test claims), indicando um advogado de uma
ou mais partes para ser o advogado principal dos demais autores ou dos réus. Trata-se de uma
espécie de controle de representatividade exercida pelo gestor dos casos para conferir maior
legitimidade ao procedimento de coletivização e ao julgamento.

Ressalta-se que o cadastro coletivo é de suma importância para a eficácia da


ordem de litígio em grupo. Isso porque as partes devem requerer o registro das informações
de suas ações em curso no referido cadastro para que possam participar do julgamento em
grupo (modelo opt-in típico das ações coletivas). As ações que não estiverem registradas não
sofrem os efeitos do julgamento ainda que tenham por objeto as mesmas questões de fato ou
de direito.163

Além disso, a legislação inglesa permite que as partes de uma ação individual já
registrada requeiram, a qualquer tempo, perante o tribunal gestor, o direito de serem excluídas
do cadastro coletivo para que não sejam submetidas aos efeitos do julgamento.

O sistema inglês não se assemelha, nesses pontos, ao sistema alemão e ao IRDR


introduzido no direito brasileiro, nos quais a decisão de mérito do incidente,
independentemente de requerimento, possui efeitos vinculantes em relação às partes das ações
individuais sobre as questões isomórficas, ainda que não tenham participado ou se
manifestado sobre todos os pontos da questão deduzida no incidente de coletivização. No

161
ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na
Inglaterra. Orientação e revisão da tradução Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista os Tribunais,
2009, p. 345.
162
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 361-362.
163
ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na
Inglaterra. Orientação e revisão da tradução Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista os Tribunais,
2009, p. 345-346.
81

procedimento-modelo alemão, conforme já exposto, a parte deve desistir da ação individual


para não se submeter aos efeitos. Já no procedimento brasileiro, a legislação não é clara,
dispondo apenas que a desistência não impedirá o julgamento do mérito do incidente. A lei
não prevê a possibilidade de a parte se esquivar dos efeitos do julgamento do incidente, os
quais vincularão os juízes e, por conseguinte, atingirão os processos em curso e os futuros
abrangidos pela competência territorial do tribunal local.

A propósito, antes mesmo da aprovação pelo Congresso Nacional, Daniel de


Andrade Lévy já advertia sobre o rigor do IRDR e a preocupação do legislador com a
celeridade a qualquer custo:

Vê-se aqui uma clara diferença de concepção do Anteprojeto, onde a tese


jurídica decidida no incidente será aplicada “a todos os processos que
versem idêntica questão de direito” (art. 938), ao contrário da GLO, em que
os efeitos estendem-se apenas às causas registradas no grupo. Talvez se
possa ver na regra do Anteprojeto uma preocupação antes com o
desafogamento do Poder Judiciário e, em seguida, com as partes envolvidas,
enquanto a regra da GLO transmite uma inquietação antes com os indivíduos
inseridos no grupo e, após, com o bom funcionamento do judiciário.164

Enfim, pode-se concluir que a ordem de litígio em grupo (GLO) do sistema inglês
instaura um incidente de resolução coletiva de litígios de massa com três características
marcantes: a) a faculdade das partes das demandas individuais de aderir ou não ao grupo,
resguardando-se a possibilidade de não se submeter à eficácia vinculante da decisão proferida
(modelo opt in); b) durante a tramitação do incidente, o tribunal exerce ampla gestão dos
casos e da instrução; e c) os efeitos da decisão sobre as questões comuns atingem apenas as
ações registradas no grupo, compartilhando a responsabilidade pelo pagamento das custas
entre os membros do grupo.

2.3.3 Direito português: incidente de massificação processual no contencioso


administrativo

O direito português também apresenta, pelo menos no âmbito do contencioso


administrativo, solução semelhante ao sistema alemão para as demandas repetitivas ou de
massa.

164
LÉVY, Daniel de Andrade. O incidente de resolução de demandas repetitivas no Anteprojeto do Novo
Código de Processo Civil. Exame à luz da Group Litigation Order Britânica. Revista de Processo, n. 196, jul.
2011, p. 193-194.
82

Segundo Vânila Moraes165, o modelo português é “judicialista”, pois possui uma


ordem jurisdicional autônoma composta por tribunais especializados para apreciar e julgar o
contencioso administrativo, cujo processo possui regramento próprio distinto do Código de
Processo Civil.

A propósito, em 2002, foi aprovada a Lei 15, de 22 de fevereiro, que regula o


Código de Processo dos Tribunais Administrativos - CPTA, prevendo no art. 48166 uma
técnica de julgamento dos processos de massa.167

O referido dispositivo legal prevê a necessidade de um número mínimo de


demandas – superior a 20 (vinte) – sobre a mesma controvérsia, devendo ocorrer a escolha
pelo tribunal, após ouvidas as partes, de um ou alguns processos para tramitação prioritária,
ficando suspensos os demais.

A escolha dos processos que serão analisados é discricionária, não havendo


critérios objetivos previstos na lei para a realização da opção pelo tribunal administrativo e

165
MORAES, Vânila C. A. Demandas repetitivas decorrentes de ações e omissões da administração pública:
hipótese de soluções e a necessidade de um direito processual público fundamentado na Constituição. Séries
Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2012, p. 119.
166
Art. 48 Processo em massa (CPTA)
1. Quando sejam intentados mais de 20 processos que, embora reportados a diferentes pronúncias da mesma
entidade administrativa, digam respeito à mesma relação jurídica material ou, ainda, que, respeitantes a
diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididos com base na aplicação
das mesmas normas a idênticas situações de facto, o presidente do tribunal pode determinar, ouvidas as partes,
que seja dado andamento a apenas um ou alguns deles, que neste último caso são apensados num único processo,
e se suspenda a tramitação dos demais.
2. O tribunal pode igualmente determinar, ouvidas as partes, a suspensão dos processos que venham a ser
intentados na pendência do processo selecionado a que preencham os pressupostos previstos no número anterior.
3. No exercício dos poderes conferidos nos números anteriores, o tribunal deve certificar-se de que no processo
ou processos aos quais seja dado andamento prioritário a questão é debatida em todos os seus aspectos de facto e
de direito e que a suspensão da tramitação dos demais processos não tem o alcance de limitar o âmbito da
instrução, afastando a apreciação de factos ou a realização de diligências de prova necessárias para o completo
apuramento da verdade.
4. Ao processo ou processos seleccionados segundo o disposto no nº. 1 é aplicável o disposto neste código para
os processos urgentes e no seu julgamento intervêm todos os juízes do tribunal ou da secção.
5. Quando no processo seleccionado seja emitida pronúncia transitada em julgado, as partes são imediatamente
notificadas da sentença, podendo o autor optar por:
a) Desistir do seu próprio processo;
b) Requerer ao tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos da sentença proferida, deduzindo qualquer das
pretensões enunciadas nos ns. 3, 4 e 5 do art. 176;
c) Requerer a continuação do seu próprio processo;
d) Recorrer da sentença no prazo de 30 dias, no caso de ela ter sido proferida em primeira instância.
6. Quando seja apresentado o requerimento a que se refere a alínea b) do número anterior, seguem-se os trâmites
do processo de execução das sentenças de anulação de actos administrativos previstos nos artigos 177º a 179º.
7. Se o recurso previsto na aliena d) do n. 5 vier a ser julgado procedente, pode o autor exercer a faculdade
prevista na alínea b) do mesmo número, sendo também neste caso aplicável o disposto no número anterior.
(SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 119-120)
167
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 119-120.
83

tampouco existe a previsão de controle de representatividade.

Não obstante, o professor português Rodrigo Esteves de Oliveira168 entende que a


escolha do processo pelo tribunal deverá observar, entre outros fatores: aquele processo que
contenha a petição de melhor e mais ampla fundamentação e instrução no âmbito das questões
de fato e de direito suscitadas; a data de ajuizamento da ação, dando-se prioridade às mais
antigas; aquele processo que contenha o maior número de contrainteressados; o valor da
causa, escolhendo aquele processo de maior expressão econômica; e ainda dando prioridade
ao processo acompanhado por advogado mais experiente nas lides do direito administrativo.

Nos termos do número 5 do art. 48 do CPTA, após a sentença final transitada em


julgado, os autores, nos autos dos processos apensados e que estavam suspensos, podem optar
por diferentes consequências jurídicas no prazo de 30 dias: desistir da ação e não se submeter
aos efeitos do julgamento modelo; requerer a extensão dos efeitos do julgamento ao seu
próprio processo; requerer a continuação do seu próprio processo ou recorrer da sentença
proferida.169

A desistência da ação pelo autor para não se submeter aos efeitos da decisão
modelo só tem sentido na hipótese em que a decisão proferida no processo selecionado for
desfavorável ao autor, para que, assim, ele não tenha que arcar com os ônus da
sucumbência.170

O direito do autor quanto à continuação do seu processo até então suspenso


pressupõe a demonstração de que o seu caso apresenta especificidades em relação aos fatos ou
aos fundamentos jurídicos adotados na sentença proferida ou quando entenda que os fatos e os
fundamentos foram erroneamente interpretados e aplicados no processo selecionado.171

A extensão dos efeitos da sentença aos processos em massa, por sua vez, está
tratada no art. 161172 do CPTA português.

168
OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de. OLIVEIRA, Mário Esteves de. Código de Processo nos Tribunais
Administrativos Anotado. Coimbra: Almedina, 2004, p. 322.
169
MORAES, Vânila C. A. Demandas repetitivas decorrentes de ações e omissões da administração pública:
hipótese de soluções e a necessidade de um direito processual público fundamentado na Constituição. Séries
Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2012, p. 122.
170
MORAES, Vânila C. A. Demandas repetitivas decorrentes de ações e omissões da administração pública:
hipótese de soluções e a necessidade de um direito processual público fundamentado na Constituição. Séries
Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2012, p. 127.
171
OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de. OLIVEIRA, Mário Esteves de. Código de Processo nos Tribunais
Administrativos Anotado. Coimbra: Almedina, 2004, p. 328.
172
O art. 161 do CPTA assim dispõe sobre a extensão dos efeitos da sentença:
84

A propósito, Artur César de Souza explica que

(...) segundo esse dispositivo, os efeitos de uma sentença transitada em


julgado que tenha anulado um ato administrativo desfavorável a uma ou
várias pessoas podem ser estendidos a outras que se encontrem na mesma
situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial, desde que,
quanto a essas, não exista sentença transitada em julgado. Esse dispositivo
aplica-se em situações em que existem vários casos perfeitamente idênticos,
nomeadamente no domínio do funcionalismo público e no âmbito de
concursos, e só quando, no mesmo sentido, tenham sido proferidas cinco
sentenças transitadas em julgado ou, existindo uma situação de processo de
massa, nesse sentido tenha sido decidido o processo selecionado.173

O sistema português prevê interessante possibilidade dos interessados se valerem


dos efeitos de sentença transitada em julgado que lhes favorecem mesmo sem ter sido
utilizada a via judicial. Basta formular requerimento diretamente à entidade administrativa
que tenha sido demandada no processo modelo. Se a pretensão não for satisfeita pela entidade
administrativa, os interessados poderão se valer da via judicial para postular a extensão dos
efeitos da sentença perante o tribunal que a proferiu, podendo executá-la.

O IRDR introduzido pelo CPC/2015 não prevê a possibilidade de extensão dos


efeitos do julgamento modelo para vincular a conduta da Administração Pública em relação a
terceiros que não participam daqueles processos já ajuizados. Assim, mesmo diante de
situações jurídicas idênticas, os terceiros prejudicados pelos entes públicos deverão provocar

1. Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou
reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a outras que se
encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial, desde que, quanto a essas,
não exista sentença transitada em julgado.
2. O disposto no número anterior vale apenas para situações em que existam vários casos perfeitamente
idênticos, nomeadamente no domínio do funcionalismo público e no âmbito de concursos, e só quando, no
mesmo sentido, tenham sido proferidas cinco sentenças transitadas em julgado ou, existindo uma situação de
processos em massa, nesse sentido tenha sido decidido o processo selecionado, segundo o disposto no artigo 48
n. 1.
3. Para o efeito do disposto no n. 1, o interessado deve apresentar, no prazo de um ano, contado da data da última
notificação de quem tenha sido parte no processo em que a sentença foi proferida, um requerimento dirigido à
entidade administrativa que, nesse processo, tenha sido demandada.
4. Indeferida a pretensão ou decorridos três meses sem decisão da Administração, o interessado pode requerer,
no prazo de dois meses, ao tribunal que tenha proferido a sentença, a extensão dos respectivos efeitos e a sua
execução em seu favor, sendo aplicáveis, com as devidas adaptações, os trâmites previstos no presente título para
a execução das sentenças de anulação de actos administrativos.
5. A extensão dos efeitos da sentença, no caso de existirem contra-interessados que não tenham tomado parte no
processo em que ela foi proferida, só pode ser requerida se o interessado tiver lançado mão, no momento próprio,
da via judicial adequada, encontrando-se pendente o correspondente processo.
6. Quando, na pendência de processo impugnatório, o acto seja anulado por sentença proferida noutro processo,
pode o autor fazer uso do disposto nos números 3 e 4 do presente artigo para obter a execução da sentença de
anulação. (in MORAES, Vânila C. A. Demandas repetitivas decorrentes de ações e omissões da administração
pública: hipótese de soluções e a necessidade de um direito processual público fundamentado na Constituição.
Séries Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2012, p. 129-130)
173
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 120.
85

o Poder Judiciário para a solução específica da sua questão, o que evidentemente não
diminuirá a litigiosidade e a crise causada pelo excesso de processos no Sistema de Justiça
brasileiro.

2.4 Características principais do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas –


IRDR

2.4.1 A natureza jurídica do IRDR

Para discorrer sobre a natureza jurídica do novel instituto é necessário responder a


seguinte indagação: o incidente de resolução de demandas repetitivas instituído pelo
CPC/2015 é realmente um mero incidente processual, tal como nominado, dependente do
processo modelo originário ou caracteriza-se como um processo objetivo autônomo dotado de
eficácia coletiva?

Influenciado pela nomenclatura dada pelo CPC/2015, Marcos Cavalcanti


considera que o IRDR preenche todas as características de um incidente processual típico174.
É acessório, pois sua instauração depende da existência de diversos processos repetitivos
sobre a mesma questão de direito e, ainda, da existência de um desses processos em
tramitação no tribunal competente. É acidental na medida em que representa um desvio ao
andamento dos processos repetitivos, os quais deverão ser suspensos para aguardar a
definição da tese jurídica. E é incidental em relação aos referidos processos repetitivos em
andamento, obedecendo, por consequência, ao regime jurídico dos meros incidentes
processuais: o julgamento proferido tem natureza de decisão interlocutória e não fica sujeito à
coisa julgada, mas mera preclusão; o requerimento de instauração não necessita de requisitos
da petição inicial; as partes são apenas intimadas, não havendo a citação para formação de
nova relação jurídica processual; e também não haverá custas e condenação ao pagamento de
honorários advocatícios.

A toda evidência, embora não tenha feito a comparação expressamente, Marcos


Cavalcanti deu ao IRDR tratamento jurídico semelhante àquele dado ao antigo incidente de
uniformização de jurisprudência. Marinoni e Mitidiero175foram mais além para considerá-lo o
próprio incidente de uniformização de jurisprudência, mas agora dotado de caráter vinculante
e erga omnes.

174
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 504-505.
175
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC. Críticas e propostas. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010, p. 177.
86

Não se pode confundir o IRDR com o antigo incidente de uniformização de


jurisprudência previsto nos artigos 476 a 479176 da legislação revogada, que, aliás, não foi
reproduzido no CPC/2015.

O antigo incidente de uniformização de jurisprudência era, de fato, um “incidente


processual”, pois dependia essencialmente do processo a partir do qual foi instaurado,
objetivando evitar, dentro de um mesmo tribunal, a continuidade de interpretações
desarmônicas sobre idênticas questões jurídicas.

A ausência de autonomia processual do incidente de uniformização de


jurisprudência se revelava no seu julgamento pelo tribunal. Isso porque o acórdão proferido
pelo órgão colegiado não era atacável por recurso próprio, salvo pelos embargos de
declaração. Eventual interposição de recurso com caráter infringente deveria desafiar apenas o
acórdão que completava o julgamento do processo originário, aplicando o direito ao caso
concreto. O acórdão proferido no referido incidente era considerado, pois, uma mera premissa
para a análise do caso concreto originário que deveria ser obrigatoriamente considerada no
julgamento pelo órgão fracionário, integrando-o.

Nesse sentido, destaca-se o antigo enunciado de nº 513 da Súmula do Supremo


Tribunal Federal segundo o qual: "a decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou
extraordinário não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do
órgão (câmaras, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito".

A partir das referidas considerações, defende-se que, nesse aspecto, o IRDR não
se confunde com o antigo incidente de uniformização de jurisprudência.

176
Código de Processo Civil de 1973
Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o
pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:
I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;
II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de
câmaras ou câmaras cíveis reunidas.
Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que
o julgamento obedeça ao disposto neste artigo.
Art. 477. Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao presidente do tribunal para
designar a sessão de julgamento. A secretaria distribuirá a todos os juízes cópia do acórdão.
Art. 478. O tribunal, reconhecendo a divergência, dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz
emitir o seu voto em exposição fundamentada.
Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal.
Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto
de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.
Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de
jurisprudência predominante. (BRASIL. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo
Civil. Diário Oficial da União, 17 jan. 1973)
87

O ‘nomen iuris’ atribuído pelo legislador ao instituto não foi o mais preciso,
porquanto não revelou sua verdadeira essência.

Trata-se, na essência, de um verdadeiro processo objetivo autônomo de caráter


coletivo inspirado no modelo das chamadas ações de grupo do direito comparado, que
estabelece uma técnica de julgamento para definição em bloco da tese jurídica discutida em
várias demandas repetitivas177.

Para Luiz Norton Baptista de Mattos, o IRDR, “à semelhança das ações coletivas
para a tutela de direitos individuais homogêneos, tem uma feição objetiva e coletiva, urdida
para a definição de uma questão jurídica comum a várias relações jurídicas similares”178. No
mesmo sentido é a lição de Alexandre Flexa, Daniel Macedo e Fabrício Bastos179, para os
quais o alcance do julgamento a ser proferido e todas as características do procedimento
demonstram que o incidente é um verdadeiro processo objetivo.

O caráter objetivo do IRDR também é ressaltado por Sofia Temer:

O objetivo precípuo do incidente é fixar um único entendimento sobre


questão de direito, que deverá ser seguido pelo próprio tribunal e pelos juízes
inferiores quando estes forem julgar demandas em que se discuta tal questão.
Desse modo, é possível afirmar que o IRDR preocupa-se
preponderantemente com a tutela do direito objetivo, com a resolução de um
conflito normativo, com a coerência do ordenamento jurídico. Os direitos
subjetivos apenas serão tutelados em um segundo momento, por ocasião da
aplicação da tese jurídica no julgamento dos casos concretos. Por isso,

177
Importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça também reconheceu, em certa medida, o caráter
objetivo do julgamento dos recursos especiais repetitivos para definição de teses jurídicas. Nesse sentido, a
ementa do julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial Repetitivo n. 1.213.082/PR, relatado
pelo ministro Mauro Campbell Marques (DJ 18, de novembro de 2011): (...) 1. Não se pode olvidar que os
recursos representativos da controvérsia possuem um dado grau mínimo de objetividade que os distancia em
certa medida do caso concreto para firmar suportes fáticos hipotéticos (teses) que permitam abarcar situações
semelhantes. A fixação de parâmetros de julgamento deve ser objetiva e não subjetiva, muito embora tenha
como ponto de partida sempre um caso concreto. 2. A técnica de julgamento do recurso representativo da
controvérsia não trata apenas do exame da admissibilidade do recurso, da amplitude de seu feito devolutivo e da
solução ao caso concreto, mas também, de firmar objetivamente a tese vencedora de modo que sua aplicação seja
possível aos demais processos sobrestados. Nessa toada, separar as hipóteses que constituem regra, das hipóteses
que constituem exceção a uma dada tese se torna obstáculo intransponível ao exame dos recursos sobrestados, já
que o usual é a parte sustentar o enquadramento de sua situação na regra ou na exceção, conforme sua
conveniência. 3. O art. 543-C, §§4º e 5º, do CPC, ao permitir a intimação do Ministério Público Federal, de todas
as pessoas, órgãos, entidades e partes interessados, o fez no intuito de proteger essa eficácia objetiva mínima do
acórdão em recurso especial representativo da controvérsia, pois oportunizou aos conhecedores da jurisprudência
da Casa levantar todas as questões relevantes para reafirmar ou modificar a jurisprudência em torno de
determinado tema, notadamente as hipóteses de exceção, se conhecidas.
178
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 191.
179
FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel; BASTOS, Fabrício. Novo Código de Processo Civil. Temas inéditos,
mudanças e supressões. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 626.
88

adotamos o entendimento segundo o qual o incidente de resolução de


demandas repetitivas é uma técnica processual objetiva.180

Embora o IRDR tenha como pressuposto de admissibilidade a existência efetiva


de processos repetitivos, sendo instaurado a partir de um ou vários processos modelos (causa
piloto), deles se desprende totalmente, adquirindo autonomia processual tanto em relação ao
procedimento quanto em relação aos efeitos que irradia.

Possui na sua essência a natureza de um processo objetivo diferente do processo


tradicional, uma vez que, em razão da cisão da cognição judicial, não há a necessidade de se
discutir interesses subjetivos, não se observando, portanto, um litígio, uma pretensão
individual resistida.

O que se pretende é apenas definir a melhor e mais justa interpretação de caráter


geral sobre questão de direito repetitiva, irradiando seus efeitos de forma vinculante para
todos os processos ajuizados e os futuros que versarem sobre o mesmo tema.

O fato de inexistir citação, por exemplo, não significa a ausência de autonomia


processual. Basta verificar o processo objetivo de controle de constitucionalidade das normas
pelo Supremo Tribunal Federal181.

Embora não haja citação e condenação ao pagamento de honorários advocatícios


no processo objetivo, não se duvida que se trata de verdadeiro processo jurisdicional dotado
de autonomia e características próprias. A inexistência de uma lide intersubjetiva a ser
dirimida não lhe retira a processualidade, caracterizada pela necessidade de contraditório. A
propósito, Clemerson Clève ensina que o controle abstrato de constitucionalidade é feito por

180
TEMER, Sofia Orberg. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 80.
181
Na Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC n. 1-1/DF, o Relator, Ministro Moreira Alves, assim
asseverou: Esta Corte já firmou o entendimento, em vários julgados, de que a ação direta de
inconstitucionalidade se apresenta como processo objetivo, por ser processo de controle de normas em abstrato,
em que não há prestação de jurisdição em conflitos de interesses que pressupõem necessariamente partes
antagônicas, mas em que há, sim, a prática, por fundamentos jurídicos, do ato político de fiscalização dos
Poderes constituídos decorrente da aferição da observância, ou não, da Constituição pelos atos normativos deles
emanados. Na análise de Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI-MC n. 1434, Relator
Ministro Celso de Mello, j. em 20.08.1996, DJ de 22.11.1996, p. 45.684, ficou assentado o seguinte: (...)
CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO DE CARATER OBJETIVO -
IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSAO DE SITUACOES INDIVIDUAIS E CONCRETAS. - O controle
normativo de constitucionalidade qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado
exclusivamente a defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo
tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição
da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao
domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade. A tutela jurisdicional de situações
individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso
de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que
disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3o). (...).
89

um “processo objetivo” que, apesar de instrumento de jurisdição, “não pode ser tomado como
meio para composição de uma lide. É que, sendo ‘objetivo’, inexiste lide no processo
inaugurado pela ação direta genérica de inconstitucionalidade. Não há, afinal, pretensão
resistida”182.

Com efeito, no IRDR não existe propriamente um autor e um réu, mas vários
sujeitos legitimados e interessados. Também corrobora tal interpretação o fato de que não se
admite a posteriori desistência ou o abandono do processo. Isso porque, uma vez provocada a
atuação do tribunal local e presentes os pressupostos de admissibilidade do IRDR, deve o
órgão competente se pronunciar acerca da definição da tese jurídica, sem prescindir, em
qualquer caso, da ampla divulgação e participação democrática dos interessados.183

A autonomia processual do IRDR se evidencia, principalmente, no seu


julgamento. O órgão competente do tribunal local proferirá acórdão, definindo a tese jurídica
a ser aplicada de forma vinculante aos processos repetitivos já ajuizados e aos futuros,
podendo ser atacado autonomamente por recurso especial e extraordinário, nos termos do art.
987 do novo CPC, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional
eventualmente discutida, além da possibilidade de extensão dos efeitos do julgamento para
todos os processos individuais e coletivos em tramitação no território nacional que versarem
sobre idêntica questão de direito.

Se o IRDR fosse, de fato, um mero incidente processual, dependente do processo


modelo do qual se instaurou, não poderia irradiar efeitos vinculantes para outros processos
ainda em tramitação na primeira instância, inclusive em âmbito nacional.

O acórdão do IRDR não constitui, portanto, mera premissa a ser considerada no


julgamento do processo modelo. O acórdão irradia efeitos vinculantes para todos os processos
que versarem sobre a mesma questão repetitiva, em tramitação na primeira ou segunda
instância.

Não se pode negar que se trata de um processo objetivo bastante peculiar. Foi
conferido, por lei ordinária, aos tribunais de segundo grau, que não possuem competência
constitucionalmente atribuída para definirem teses jurídicas com eficácia vinculante em
relação aos juízes de primeiro grau, principalmente. Trata-se de verdadeiro controle abstrato

182
CLÈVE, Clemerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo:
RT, 1995, p. 112-113.
183
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 148.
90

de legalidade anômalo.

A lei expressamente afasta a cobrança de custas processuais para a instauração do


IRDR (§ 5º do art. 976) e, por se tratar de processo objetivo, sem uma lide intersubjetiva a ser
dirimida, não há vitoriosos e vencidos, mas apenas a definição, com caráter geral, da
interpretação jurídica sobre determinada questão de direito. Nesse contexto, não existe a
condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência.

Importante ressaltar, no entanto, que o caráter objetivo do IRDR não implica a


aproximação total e exclusiva das suas características àquelas da jurisdição exercida no
controle abstrato de constitucionalidade. Destaca-se, nesse sentido, a advertência feita por
Sofia Temer em razão das peculiaridades do novo incidente processual:

(...) embora em alguns aspectos a atividade jurisdicional exercida no IRDR


se aproxime daquela exercida no controle abstrato de constitucionalidade, há
várias peculiaridades do incidente que indicam diferenças substanciais,
notadamente porque o IRDR é instaurado a partir de processos que versam
sobre conflitos subjetivos, o que não ocorre nas ações de controle
concentrado, com o objetivo de que a tese seja aplicada, posteriormente, para
a resolução de tais conflitos. Assim, apesar de objetivo – e, portanto, sem
vinculação direta e imediata com a resolução de conflitos subjetivos
específicos -, o IRDR não pode desconsiderar aspectos fáticos dos casos que
serão afetados, ou seja, das demandas repetitivas nas quais haverá a
aplicação da tese. Como já foi destacado, a atividade cognitivo-decisória do
IRDR é uma mescla de concretude e abstração. Por isso, embora haja
abstração em relação aos casos concretos, não há desconsideração dos dados
emergentes dos conflitos subjetivos.184

São tais peculiaridades do IRDR que, diferentemente do controle abstrato de


constitucionalidade, demonstram a forte influência do modelo das ações de grupo do direito
comparado, justificando a defesa do direito de ampla participação e do contraditório
substancial em relação às partes afetadas pelo julgamento, bem como do controle de
representatividade adequada, conforme se sustentará ao longo da pesquisa.

Enfim, o IRDR pode ser considerado, de acordo com as palavras do professor


Humberto Theodoro Jr., um “remédio processual de inconteste caráter coletivo”185, o qual
possui natureza jurídica de um processo objetivo dotado, segundo a lei, de eficácia vinculante
e erga omnes para os órgãos do Poder Judiciário situados no âmbito da competência territorial

184
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 88.
185
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 736.
91

do tribunal.186

2.4.2 Pressupostos de admissibilidade

O artigo 976 do novo Código de Processo Civil prevê o cabimento do IRDR desde
que presentes simultaneamente as seguintes situações: a) efetiva repetição de processos; b)
controvérsia sobre a mesma questão de direito; e c) o risco de ofensa à isonomia e à segurança
jurídica.

2.4.2.1 Da efetiva repetição de processos

A necessidade da existência efetiva de repetição de processos demonstra que o


incidente processual não possui caráter preventivo.

Esse ponto é de suma importância, pois o anteprojeto elaborado pela Comissão de


juristas e o Projeto de Lei nº 166/2010, que tramitou no Senado Federal, continham
dispositivo que previa o cabimento do IRDR sempre que identificada controvérsia com mero
potencial de gerar multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de
causar grave insegurança jurídica. Assim, antes mesmo da existência de uma multiplicidade
real de demandas, o incidente já poderia ser instaurado.

Dierle Nunes manifestou sua preocupação com a tentativa de se imprimir o caráter


preventivo ao incidente:

(...) a atual sistemática do código reformado e do Projeto do novo CPC


viabilizam a utilização de julgados com a finalidade preventiva toda vez que
se perceber a possibilidade de profusão de demandas. Nestes termos, ao
receber uma das primeiras demandas ou recursos, o Judiciário o afetaria
como repetitivo e o julgaria com parcos argumentos, antes mesmo da
ocorrência do salutar dissenso argumentativo. (...) Seu papel deve ser o de
uniformizar e não o de prevenir um debate.187

186
Sofia Temer discorda da assimilação do IRDR ao processo coletivo e às suas características. Em sua recente
obra, a referida processualista defende que, embora seja inegável que há uma dimensão coletiva no incidente,
que decorre da repetição das mesmas questões em diversos casos (o que fundamenta o uso do instituto) e que se
observa na abrangência do âmbito de aplicação da tese fixada, há elementos importantes que demonstram que ele
não é um meio processual propriamente coletivo, ou seja, não é uma técnica processual coletiva, e por isso, se
distancia das ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos. (TEMER, Sofia Orberg. Incidente
de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 92) O tema é realmente polêmico e a
própria Sofia Temer reconhece que reformulou seu entendimento já externado em trabalhos anteriores quando
sustentou que o IRDR era um mecanismo de coletivização. (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER,
Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo,
vol. 243, maio/2015, p. 283-332; LAMY, Eduardo de Avelar; TEMER, Sofia Orberg. A representatividade
adequada na tutela de direitos individuais homogêneos. Revista de Processo, vol. 206, 2012, p. 167-189.)
187
NUNES, Dierle José Coelho. Precedentes, padronização decisória preventiva e Coletivização – Paradoxos do
sistema jurídico brasileiro: uma abordagem constitucional democrática. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.
(coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012, p. 267-268.
92

No mesmo sentido, destaca-se a crítica externada por Leonardo José Carneiro da


Cunha:

Para que se possa fixar uma tese jurídica a ser aplicada a casos futuros, é
preciso que sejam examinados todos os pontos de vista, com a possibilidade
de análise do maior número possível de argumentos. E isso não se concretiza
se o incidente for preventivo, pois não há, ainda, amadurecimento da
discussão. Definir uma tese sem que o assunto esteja amadurecido ou
amplamente discutido acarreta o risco de haver novos dissensos, com a
possibilidade de surgirem, posteriormente, novos argumentos que não foram
debatidos ou imaginados naquele momento inicial em que, preventivamente,
se fixou a tese jurídica a ser aplicada a casos futuros.188

As críticas e os debates ocorridos na Câmara dos Deputados ensejaram a


modificação do projeto para incluir a necessidade da existência concreta da multiplicação de
demandas sobre a mesma questão jurídica.189

O caráter preventivo restringiria de forma contundente o debate processual e o


amadurecimento das questões envolvidas por intermédio de decisões proferidas em casos
individuais, de modo que a previsão foi corretamente suprimida da regulamentação do IRDR.

Ao contrário do previsto nos procedimentos na Alemanha, Inglaterra e em


Portugal, o dispositivo legal não estabeleceu um número mínimo de processos para a
instauração do incidente. Caberá ao tribunal local ou regional verificar, em cada caso, se
presente a multiplicidade de demandas sobre questão jurídica repetitiva capaz de gerar ofensa
à isonomia e à insegurança jurídica.

Para Artur César de Souza, “um número inexpressivo de demandas não


justificaria a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas”190.

Em sentido contrário, o Enunciado n. 87 do Fórum Permanente dos


Processualistas Civis dispõe que “a instauração do incidente de resolução de demandas
repetitivas não pressupõe a existência de grande quantidade de processos versando sobre a

188
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas
previsto no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 193, mar. 2011, p.
262.
189
O jurista Luiz Henrique Volpe Camargo criticou a alteração do projeto de lei realizada pela Câmara dos
Deputados, sustentando que a modificação legislativa retirou “a possibilidade de instauração do incidente
preventivo, ou seja, antes da concreta reprodução massificada de causas. (...) a versão do Senado é mais afinada
com um dos principais objetivos do incidente, que é desafogar o Poder Judiciário de questões repetitivas”.
(CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo CPC:
a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados. In: FREIRE, Alexandre et al
(Orgs.). Novas tendências do processo civil. vol. III. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 283)
190
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 128.
93

mesma questão, mas preponderantemente o risco de quebra da isonomia e de ofensa à


segurança jurídica”191.

Como muito bem advertem Gláucio Maciel Gonçalves e Victor Dutra, diante da
ausência de critérios objetivos previstos na legislação brasileira, corre-se o sério risco da
utilização precoce do IRDR, antes que outras partes afetadas pela mesma questão de direito
tenham trazido ao Poder Judiciário novas perspectivas e sem que uma quantidade razoável de
juízes tenha se posicionado sobre a matéria de direito. Tal situação poderia “culminar em
decisões-modelo desconectadas da amplitude das realidades fáticas”192

2.4.2.2 Da questão unicamente de direito

Não é suficiente a efetiva repetição de demandas. O incidente somente será


cabível para definir tese jurídica acerca de questões idênticas “unicamente de direito”.

Ao contrário do previsto nas ações de grupo no direito comparado, não se admite


na novel legislação a instauração do IRDR para análise de questões repetitivas que envolvam
também matéria de fato. Os fatos serão objeto de cognição pelo juiz de cada demanda
repetitiva nas respectivas sentenças, havendo, portanto, uma verdadeira cisão da cognição
pelo IRDR.

Com efeito, a cisão da cognição judicial é uma artificialidade perigosa que


acarreta o distanciamento do órgão julgador dos fatos subjacentes ao conflito, o que pode
favorecer a uma padronização decisória com comprometimento da qualidade e completude da
prestação jurisdicional.

Nas palavras de Antônio do Passo Cabral, “se na atividade de cognição judicial,


fato e direito estão indissociavelmente imbricados, a abstração excessiva das questões
jurídicas referentes às pretensões individuais poderia apontar para um artificialismo da
decisão”193.

A mesma crítica é realizada por Júlio Rossi, para o qual a referida cisão é
“fantasiosa na medida em que, firmada a tese vinculante no bojo de um IRDR, dificilmente

191
NUNES, Dierle José Coelho; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 389.
192
GONÇALVES, Gláucio Maciel; DUTRA, Victor Barbosa. Apontamentos sobre o novo incidente de resolução
de demandas repetitivas no Código de Processo Civil de 2015. RIL Brasília a. 52 n. 208 out./dez. 2015, p. 193.
193
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 132-133.
94

saberemos distinguir o que é uma matéria ou questão de direito e o que é de fato, aplicando
nosso precedente à brasileira por critério de silogismo ou mero procedimento”194.

Cabe aqui também a advertência da professora Teresa Arruda Alvim Wambier195


de que, pelo menos no plano ontológico, não é possível fazer distinção entre questão de
direito e as questões de fato para a cisão da cognição e do julgamento da causa, justamente
porque a noção tridimensional do direito reside na compreensão conjunta do fato, do valor e
da norma. O direito somente ocorre quando se encontram o mundo dos fatos com o mundo
das normas e sua interpretação pelo julgador pressupõe a realização da subsunção.

Não obstante a aparente indissociabilidade entre os fenômenos, no plano técnico


processual, seria possível, de acordo com a teoria defendida pela renomada processualista,
fazer uma distinção entre questão de fato e questão de direito para fins de admissibilidade de
determinados institutos processuais, como, por exemplo, do recurso extraordinário e do
especial para o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, respectivamente,
aceitando-se o critério de preponderância de um ou de outro em cada caso. Diante do novo
CPC, o critério da preponderância também poderia se aplicar ao IRDR.

Para Wambier, devem-se admitir graus de predominância196 do aspecto jurídico


da questão. Ter-se-á, por exemplo, uma questão quase que exclusivamente jurídica, se o foco
de atenção do raciocínio do julgador estiver situado em como deve ser entendido o texto
normativo, já que estariam “resolvidos” os aspectos fáticos (que fatos ocorreram e como
ocorreram) e o mecanismo de subsunção. Estas primeiras etapas do raciocínio do aplicador da
lei terão sido superadas e, agora, sua atenção se centra na exata compreensão da regra
jurídica.

Nessa toada, haverá controvérsia sobre determinada questão de direito para fins de
cabimento do IRDR quando houver, de forma preponderante, discordância quanto à forma de
interpretação de determinada norma jurídica, cuja análise independa de dilação probatória.

Essa tentativa do legislador de proceder à cisão entre os dois fenômenos revela


uma tendência de atribuir aos tribunais de segundo grau a prerrogativa de elaboração de

194
ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 233.
195
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Questão de fato e questão de direito. Revista da Academia Paulista de
Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 3, jan./jun., 2012, p. 235-236.
196
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Questão de fato e questão de direito. Revista da Academia Paulista de
Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 3, jan./jun., 2012, p. 236-237.
95

normas cada vez mais gerais e abstratas, cada vez mais distantes das peculiaridades dos casos
concretos, o que foge ao tradicional papel do Poder Judiciário de fazer a subsunção do fato à
norma para a composição da lide no caso concreto. 197

Esse distanciamento se mostra mais alarmante no caso do IRDR, porquanto o


papel constitucional dos tribunais locais e regionais como meras cortes de revisão não é o de
estabelecer teses jurídicas gerais e abstratas, mas o de proceder à subsunção dos fatos às
normas para composição dos litígios que se apresentam.

Ressalta-se, por fim, que a questão “preponderante” de direito objeto do IRDR


poderá ser tanto de direito material quanto de direito processual.

Nos termos do parágrafo único do art. 928 do novo CPC, o incidente será cabível
para estabelecer teses jurídicas sobre questões de direito material ou de direito processual
comuns em demandas repetitivas, não havendo restrição legal, portanto, quanto à matéria
jurídica que será objeto do julgamento.

A propósito, editou-se o Enunciado nº 88 do Fórum de Processualistas Civis,


segundo o qual “não existe limitação de matérias de direito passíveis de gerar a instauração do
incidente de resolução demandas repetitivas e, por isso, não é admissível qualquer
interpretação que, por tal fundamento, restrinja seu cabimento”198.

Conforme explicita Artur César de Souza199, a grande massa de processos em


tramitação perante o Poder Judiciário não possui por objeto apenas questão controvertida de
direito material, mas possui também questões repetitivas de direito processual que, à luz da
novel legislação, possibilitarão a instauração do incidente para a definição da tese jurídica.

2.4.2.3 Da existência de risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica e da


necessidade de julgamentos conflitantes

A admissibilidade do incidente depende, ainda, da existência do risco de ofensa à


isonomia e à segurança jurídica.

197
GONÇALVES, Gláucio Maciel; DUTRA, Victor Barbosa. Apontamentos sobre o novo incidente de
resolução de demandas repetitivas no Código de Processo Civil de 2015. RIL Brasília a. 52 n. 208 out./dez. 2015,
p. 195.
198
NUNES, Dierle José Coelho. SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 367.
199
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 133-134.
96

Segundo Artur César de Souza, “a sociedade não se satisfaz mais com o conflito
de decisões diante da mesma questão jurídica, pois o favorecimento de uns em prejuízo de
outros demonstra a inconsistência das decisões judiciais e a falta de senso de justiça”200.

É dentro desse contexto que, a pretexto da busca da celeridade processual e da


previsibilidade decisória, o IRDR visa agilizar, a qualquer custo, a uniformização da
interpretação jurisprudencial, definindo teses sobre questões jurídicas comuns a diversos
processos repetitivos.

Ao conferir tratamento isonômico às demandas repetitivas, firmando a mesma


tese jurídica para todas elas, o Poder Judiciário estaria garantindo e preservando a isonomia e
a segurança jurídica. Para Leonardo José Carneiro da Cunha,

a segurança jurídica pode ser encarada como: a) manutenção do ‘status quo’,


sem possibilidade de alterar situação já consolidada; b) garantia de
previsibilidade, permitindo que as pessoas possam se planejar e se organizar,
levando em conta as possíveis decisões a serem tomadas em casos concretos
pelos juízes e tribunais.201

Nesse contexto, se o propósito do incidente é proteger a segurança jurídica e a


isonomia, conferindo previsibilidade e uniformidade à interpretação da questão de direito,
mostra-se condizente com a Constituição a interpretação de que o seu cabimento deve sempre
pressupor a existência de sentenças já proferidas ou pelo menos de decisões interlocutórias
divergentes.

Não se pode admitir o risco de violação à isonomia e à segurança jurídica pela


simples existência de uma multiplicidade de demandas repetitivas. Deve existir o
antagonismo jurisprudencial para se demonstrar o tratamento diferenciado em relação a uma
mesma questão de direito.202

Com efeito, se o posicionamento doutrinário sobre a interpretação de determinada


norma jurídica e se as decisões provisórias ou definitivas até então proferidas pelo Poder
Judiciário forem no mesmo sentido, não haveria risco à isonomia e à segurança jurídica –
pressuposto essencial para o cabimento do incidente, sob pena de precipitação e engessamento

200
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 125.
201
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo. São
Paulo: RT, n. 179, jan. 2010, p.138.
202
Esse também é o entendimento manifestado por Gláucio Maciel Gonçalves e Victor Dutra. In: Apontamentos
sobre o novo incidente de resolução de demandas repetitivas no Código de Processo Civil de 2015. RIL Brasília
a. 52 n. 208 out./dez. 2015, p. 194.
97

do debate processual.

Embora tal exigência não tenha sido admitida no Congresso Nacional quando da
aprovação da novel legislação, a interpretação teleológica ora apresentada é a mais coerente
com as garantias fundamentais do processo já que impede a instauração prematura do IRDR
antes que efetivamente existam posicionamentos antagônicos sobre a questão jurídica
isomórfica, favorecendo o debate processual para que a tese jurídica somente seja firmada
através do incidente a partir do surgimento de ampla divergência. Ou seja, é necessário existir
controvérsia jurisprudencial preexistente ao incidente.

Tal posicionamento é defendido por Leonardo Cunha:

(...) para caber o incidente, seria mais adequado haver, de um lado, sentenças
admitindo determinada solução, havendo, por outro lado, sentenças
rejeitando a mesma solução. Seria, enfim, salutar haver uma controvérsia já
disseminada para que, então, fosse cabível o referido incidente. Dever-se-ia,
na verdade, estabelecer como requisito para a instauração de tal incidente a
existência de prévia controvérsia sobre o mesmo assunto.203

No mesmo sentido é a interpretação de Júlio Rossi:

O que se espera de um instituto sério que fora criado no direito estrangeiro


(com prazo de vigência, diante da excepcionalidade) e que nós pretendemos
introduzir em nosso ordenamento, de forma perene, com o discurso de que
assim a tutela dos direitos individuais homogêneos será mais bem atendida, é
o de, no mínimo, admitirmos o IRDR quando já houvesse algumas
controvérsias comprovadas por sentenças antagônicas a respeito do tema
repetitivo, pois, salutar a controvérsia disseminada.204

Correta também a advertência do professor Humberto Theodoro Jr.205 no sentido


de que a lei não exige o estabelecimento do caos interpretativo entre milhares de demandas
repetitivas. Basta apenas que exista repetição de processos em número razoável para que,
diante da disparidade de entendimentos entre juízos diferentes, fique caracterizado o risco de
ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Enfim, para se configurar o referido pressuposto de
admissibilidade, é imperiosa a necessidade da existência de vários processos e de decisões

203
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas
previsto no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 193, mar. 2011, p.
262.
204
ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 231.
205
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 738.
98

díspares acerca da interpretação da mesma norma jurídica.

Caso contrário, sem a existência das decisões ou sentenças antagônicas, seria


admitida a produção de jurisprudência vinculante – efeito do julgamento do IRDR – acerca de
questões apresentadas inicialmente na primeira instância sem a participação efetiva do
magistrado de primeiro grau em qualquer das etapas de sua construção, o que não atende ao
modelo constitucional do processo objeto de análise em capítulo próprio desta pesquisa.

Também reforça tal interpretação a necessidade da existência de processo


pendente no Tribunal para que haja a instauração do incidente, conforme se verá a seguir.

Por outro lado, a inadmissão do IRDR por ausência de qualquer de seus


pressupostos de admissibilidade não impede que, em momento posterior, uma vez satisfeito o
requisito, seja o incidente novamente suscitado, consoante previsão do parágrafo 3º do art.
976.

2.4.2.4 Do caráter subsidiário do incidente processual

Finalmente, destaca-se que, nos termos do parágrafo 4º do art. 976, o IRDR não
será cabível quando um dos tribunais superiores, no âmbito da sua respectiva competência
constitucional, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material
ou processual repetitiva, na forma dos artigos 1036 e 1041 da novel legislação.

Trata-se de medida que confere coerência ao sistema processual já que, nessa


hipótese, a definição da tese jurídica caberá ao tribunal superior, cuja atribuição para
uniformização da interpretação jurídica é prevista na própria Constituição da República.
Como é cediço o julgamento do tribunal superior surtirá efeitos sobre todos os órgãos do
Poder Judiciário, tendo primazia sobre as interpretações dos tribunais locais, de modo que a
instauração do IRDR seria inócua.

O IRDR possui, portanto, papel subsidiário quanto à definição de teses jurídicas e


uniformização jurisprudencial, cedendo espaço para a atuação preponderante do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, cuja atribuição de uniformização da
interpretação da Constituição e da legislação federal infraconstitucional é extraída da própria
Constituição.

2.4.2.5 Necessidade da existência de processo pendente no tribunal – uma interpretação


conforme a Constituição

Além dos pressupostos analisados no item anterior, é necessário ainda que já


99

exista demanda sobre a questão de direito repetitiva tramitando no tribunal local ou regional
para a instauração do IRDR.

Ou seja, a admissibilidade do incidente deve pressupor a tramitação no respectivo


tribunal de recurso, remessa necessária ou processo de competência originária que tenha por
objeto a questão de direito repetitiva, hipótese em que o órgão competente, de acordo com o
regimento interno do tribunal, não só fixará a tese jurídica comum, como também julgará o
mérito do recurso, da remessa necessária ou processo de competência originária pendente,
aplicando aquela tese definida.

Embora não haja previsão expressa na legislação sobre tal exigência, é o que se
extrai da interpretação, conforme a Constituição de 1988, do parágrafo único do artigo 978206
do novo Código de Processo Civil, segundo o qual “o órgão colegiado incumbido de julgar o
incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o
processo de competência originária de onde se originou o incidente”.

Entendimento contrário já externado por Cássio Scarpinella Bueno207, Marinoni,


Arenhart e Mitidiero208, Humberto Theodoro Jr.209, Sofia Temer210 e pelo Enunciado nº 22 da
Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado – ENFAM211, os quais
admitem a instauração do IRDR a partir de processos em tramitação apenas na primeira

206
Importante ressaltar que diversos autores defendem a inconstitucionalidade formal do referido dispositivo, em
razão de ofensa ao devido processo legislativo. Isso porque não havia previsão similar ao dispositivo nas versões
aprovadas no Senado e na Câmara dos Deputados. Não se poderia admitir que o referido dispositivo tenha
surgido como emenda de redação, haja vista seu conteúdo substancial distinto dos textos aprovados. (CABRAL,
Antonio do Passo. Comentários aos arts. 976 a 987. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo.
Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1428 No mesmo sentido:
TEMER, Sofia Orberg. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 104-
105; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 453.) Não obstante, entende-se que eventual inconstitucionalidade do referido
dispositivo legal não impede a interpretação ora preconizada, que se respalda no respeito à garantia
constitucional do contraditório substancial, considerada indispensável à validade do processo, e no sistema de
competências delimitado taxativamente pela Constituição de 1988.
207
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 613.
208
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo
civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 580.
209
Humberto Theodoro Júnior admite na obra referenciada a necessidade da existência de “controvérsias
jurisprudenciais preexistentes” para cabimento do incidente, mas entende que não é preciso que exista demanda
sobre a questão repetitiva transitando pelo tribunal, nem que algum recurso já tenha sido interposto.
(THEODORO JR., Humberto. Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com
o Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 737-
741).
210
TEMER, Sofia Orberg. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 103-
115.
211
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 136.
100

instância sem qualquer prévio pronunciamento judicial, seja ele por decisão ou sentença,
colide frontalmente com o contraditório substancial robustecido pelo debate processual mais
amplo que deveria permear qualquer procedimento voltado à fixação de posicionamentos
vinculantes de modo a lhes conferir legitimidade constitucional.

De igual modo, seria inócua a requisição prevista no artigo 982, inciso II, para a
obtenção de informações perante os órgãos jurisdicionais, nos quais tramitam os processos
que tem por objeto a questão de direito repetitiva, na medida em que os julgadores de
primeiro grau não poderiam remeter qualquer pronunciamento jurisdicional com a abordagem
necessária dos argumentos pertinentes à controvérsia jurídica já que os processos estariam
suspensos pelo incidente antes mesmo de qualquer análise da questão e dos argumentos
apresentados.

Nesse sentido adverte Luiz Norton Baptista de Mattos,

Se o incidente pudesse ser instaurado a partir de processos em tramitação no


primeiro grau de jurisdição, estaria aberta a possibilidade de o tribunal fixar
a tese jurídica sem que qualquer juízo de primeira instância do estado ou
região tivesse se pronunciado a seu respeito. O tribunal seria o primeiro
órgão jurisdicional no estado ou região a decidir a questão jurídica repetitiva,
sem que qualquer juízo de primeiro grau tivesse proferido sentença ou
decisão a seu respeito. Basta imaginar a hipótese na qual começasse a haver
a distribuição de várias ações semelhantes referentes a uma questão jurídica,
inédita nos meios forenses, e os órgãos judiciários de primeiro grau de
determinado estado ou região, antes mesmo da citação, oficiassem ao
presidente do tribunal e fosse instaurado o incidente, com a suspensão de
todos os processos referentes à questão jurídica comum. A fixação da tese
pelo tribunal ocorreria sem que qualquer órgão judiciário de primeiro grau
daquele estado ou região tivesse decidido o tema. E a mesma situação
poderia se repetir em todos os demais estados e regiões, de modo que, após a
previsão do incidente de resolução de demandas repetitivas, as questões
jurídicas repetitivas poderiam jamais ser examinadas por qualquer órgão
judiciário de primeiro grau, passando a receber a sua primeira interpretação
pelos tribunais estaduais ou regionais federais. 212

E logo a seguir conclui,

(...) na interpretação dos dispositivos do novo CPC ora preconizada, a


instauração do incidente ocorrerá quando já há recursos ou remessas
necessárias no tribunal sobre a questão jurídica repetitiva, o que pressupõe
sentenças ou decisões de muitos juízos sobre o tema, muitas delas com
fundamentos e conclusões distintas. Destarte, ao julgar o incidente, o

212
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 170-171.
101

tribunal terá, sob seu escrutínio, vários pontos de vista sobre a questão, o que
possibilita um melhor amadurecimento sobre a controvérsia e a formação de
um precedente de melhor qualidade.213

A necessidade da existência de processo pendente no tribunal também foi


externada nos estudos de Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikawa, segundo o qual

(...) estando os processos ainda em primeira instância, sem que tenha havido
a interposição de recurso ou sequer a prolação de sentença, o incidente de
demanda repetitiva é incidente de que? A resposta é fácil: a nada! Não se
tratando de causa de competência originária do tribunal e não havendo ainda
recurso, a decisão a respeito da interpretação do direito não constitui uma
questão prévia a ser resolvida pelo tribunal antes de proferir um julgamento,
porque o julgamento propriamente dito, ainda que condicionado, não será
proferido pelo órgão ad quem, mas pelo órgão a quo. Não há, em verdade,
incidente, mas a avocação pelo tribunal de parcela das questões relevantes
para o julgamento de mérito (...)214

A mesma posição é externada por Antônio do Passo Cabral, segundo o qual “a


intenção do legislador é claramente de que o IRDR somente possa ser suscitado na pendência
de processo no tribunal, ou seja, já depois de proferidas decisões na primeira instância”215.

Assim, para que haja respeito ao contraditório efetivo, o incidente somente poderá
ser instaurado a partir de um caso modelo no qual, além do amplo debate entre as partes, a
questão de direito repetitiva também já tenha sido enfrentada pelo juiz de maneira
fundamentada na sentença. Ou seja, é preciso o maior debate das questões e para tanto a causa
tem que chegar ao tribunal por via do recurso ou da remessa necessária.216

Para Marcos Cavalcanti217 basta que o tribunal esteja examinando alguma das
causas repetitivas para cabimento do IRDR, não havendo qualquer importância se eventual
recurso tiver sido interposto de sentença ou decisão interlocutória, sendo que, nessa hipótese,
porém, a cognição do incidente ficaria restrita ao efeito devolutivo do recurso de agravo de

213
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1..
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 172.
214
YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo
Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 206, abr., 2012, p. 252.
215
CABRAL, Antonio do Passo. Comentários aos arts. 976 a 987. In: CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER,
Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1422.
216
CABRAL, Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo, v. 39, n. 231. São Paulo: RT, maio 2014, p. 209.
217
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 433-434.
102

instrumento. Segundo defendido por Cavalcanti em sua obra, o incidente instaurado a partir
de um processo modelo pendente no tribunal para análise do recurso de agravo de instrumento
interposto contra decisão interlocutória teria também cognição sumária e a tese ali proferida
deveria servir de parâmetro apenas para os exames dos requerimentos repetitivos de
antecipação dos efeitos da tutela. Tal restrição não possui previsão na legislação e esvaziaria a
finalidade do incidente quando interposto em tais situações, mesmo porque existem as
decisões de mérito que possuem caráter definitivo e cognição exauriente.

A interpretação quanto à necessidade de processo pendente no tribunal para a


admissibilidade do IRDR se mostra insuperável também do ponto de vista da
inconstitucionalidade formal, em razão da edição de mera lei ordinária para a ampliação do
sistema de competências preconizado pela Constituição da República de 1988, quando
haveria necessidade de emenda à Lei Maior.

Sofia Temer defende, no entanto, posicionamento contrário. Sustenta em sua


recente obra que parece ser possível extrair a competência para o julgamento do IRDR do
próprio sistema jurídico, como uma competência implícita dos tribunais enquanto órgãos
ordenados em nível superior aos juízos de primeiro grau, com o poder de revisão em relação
às decisões inferiores. Segundo a processualista, esta competência implícita seria justificada
pela Constituição em razão da exigência de coerência e unidade na interpretação e aplicação
do direito, e de respeito à isonomia e à segurança jurídica. 218

O referido entendimento não convence. Com efeito, o sistema de competências e


de organização da estrutura do Poder Judiciário estabelecido pela Lei Maior é taxativo, não
admitindo interpretação extensiva, sob pena de violação à segurança jurídica e ao devido
processo legal.

Assim, a instauração do incidente sem que exista processo pendente no tribunal de


segundo grau implica a ampliação indevida da competência originária de tais tribunais por
meio de lei ordinária em total afronta à Constituição da República de 1988.219

Em relação aos Tribunais de Justiça, a Constituição da República de 1988


determina no art. 125220 que as competências serão definidas nas Constituições dos

218
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 113-114.
219
No mesmo sentido se manifestou Artur César de Souza. (SOUZA, Arthur César de. Resolução de Demandas
Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 137-143).
220
CF. Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
103

respectivos Estados, do que se conclui que o Código de Processo Civil – lei ordinária de
caráter nacional – não tem legitimidade constitucional para ampliar a competência originária
dos referidos órgãos do Poder Judiciário.

De igual modo, a lei ordinária, que regulamenta o Código de Processo Civil, não
pode ampliar a competência originária dos Tribunais Regionais Federais prevista de forma
taxativa no art. 108221 da Constituição da República.

Enfim, seja do ponto vista material – respeito ao efetivo contraditório com maior
debate processual e participação do magistrado de primeiro grau –, seja do ponto de vista
formal – impossibilidade de lei ordinária ampliar rol de competência originária dos tribunais –
, a interpretação que deve prevalecer é a de que o cabimento do IRDR pressupõe a existência
de processo sobre a questão jurídica repetitiva pendente de julgamento no tribunal.

2.4.3 Legitimidade para requerer a instauração do IRDR

A legitimidade para requerer a instauração do incidente foi regulada pelo art. 977
do Código de Processo Civil.

A referida norma legal dispõe que o requerimento para instauração do IRDR deve
ser dirigido ao tribunal local ou regional pelo juiz ou relator, por ofício; pelas partes, por
petição; pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, também por petição.

Os sujeitos atuam no incidente não na defesa de um direito subjetivo próprio ou


na defesa de direito subjetivo de terceiros, mas para atender o interesse público voltado à
uniformização da interpretação de determinada questão de direito repetitiva, já que, pela
natureza objetiva do IRDR, não se resolve diretamente a lide intersubjetiva no seu
procedimento.

Trata-se de legitimação extraordinária decorrente de expressa autorização legal. A


propósito, nas palavras de Sofia Temer,

§ 1º A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária
de iniciativa do Tribunal de Justiça.
221
CF. Art. 108 - Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes
comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral;
b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região;
c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato do próprio Tribunal ou de juiz federal;
d) os habeas corpus, quando a autoridade coatora for juiz federal;
e) os conflitos de competência entre juízes federais vinculados ao Tribunal;
104

A situação legitimante para condução do incidente não é extraída


necessariamente de uma posição assumida em uma relação substancial (que
sequer é levada para apreciação no incidente), mas, ao contrário, decorre da
lei (ao conferir, por exemplo, legitimação para o ato de instauração para os
sujeitos elencados no art. 977, os quais podem ser os escolhidos para
conduzir o debate) e do sistema processual (que instituiu um modelo de
solução de questões a partir de modelos da controvérsia, o que pressupõe a
escolha de alguns sujeitos). O caráter objetivo do incidente fortalece esse
afastamento da legitimação de uma relação jurídica substancial.222

Em qualquer das hipóteses, de acordo com o parágrafo único, o requerimento


deverá ser instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos
pressupostos para a instauração do incidente.

2.4.3.1 A legitimidade do juiz de primeiro grau e do relator

Como se demonstrou que o incidente pressupõe necessariamente a existência de


processo pendente no tribunal, em razão da competência originária, ou por força de recurso ou
remessa necessária, o pedido formulado pelo juiz de primeira instância pode ocorrer quando
este remeter ao tribunal em razão de recurso ou reexame necessário um ou vários processos
nos quais existe a discussão da questão de direito repetitiva. 223

Mesmo que os processos ainda não tenham sido remetidos ao tribunal, é possível
que o juiz de primeira instância exerça sua legitimidade para requerer a instauração do
incidente mediante ofício, desde que venha instruído com documentação suficiente para
demonstrar que a questão de direito repetitiva já se encontra pendente de análise pelo tribunal
em outros casos.

Nesse sentido, Luiz Henrique Volpe Camargo entende que “o juiz de 1º grau, por
sua função, tem mais facilidade em considerar a multiplicação de causas com a mesma
questão jurídica, pois, é a ele que as demandas de variados autores, muitas vezes
representados por diferentes advogados, é dirigida” 224.

No tribunal, por sua vez, somente o relator de algum dos processos repetitivos,
seja em razão de recurso, remessa necessária, ou em razão de causa de competência

222
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 155.
223
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.).Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 178.
224
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no projeto de novo
CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos Deputados. In: FREIRE, Alexandre et
al (Orgs.). Novas tendências do processo civil. vol. III. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 288.
105

originária, poderá requerer a instauração do IRDR, mediante ofício. Ou seja, a legitimidade do


relator no tribunal pressupõe que a ele tenha sido atribuída a relatoria de pelo menos um
processo que envolva a questão de direito repetitiva. Caso contrário, a lei não precisaria ter
mencionado a legitimidade específica do relator, mas simplesmente de qualquer magistrado
de segundo grau.

Nesse aspecto da legitimidade processual, o IRDR se diferencia do procedimento-


modelo alemão, no qual não é permitida a instauração de ofício pelo julgador, e se aproxima
da ordem de litígio em grupo do sistema inglês que a permite.

2.4.3.2 A legitimidade das partes

As partes dos processos repetitivos também possuem legitimidade para requerer a


instauração do incidente.

É certo que as partes legitimadas não são apenas aquelas que integram a relação
processual da causa pendente no tribunal. Qualquer das partes dos processos repetitivos, tendo
conhecimento de que já existe demanda de mesma natureza pendente de análise no tribunal,
tem legitimidade para requerer a instauração do IRDR, mediante petição fundamentada,
instruída por documentos e procuração para representação por advogado habilitado. 225

Constata-se, a partir de uma interpretação sistemática do novo CPC, que se as


partes das demandas repetitivas em tramitação ainda na primeira instância possuem
legitimidade para requerer diretamente ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal
de Justiça a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território
nacional que versarem sobre a questão objeto do IRDR já instaurado (art. 982, § 3º do novo
CPC226), é evidente que essas mesmas partes possuem legitimidade para requerer a
instauração do incidente perante o tribunal local ou regional competente. 227

Tanto os autores quanto os réus dos processos repetitivos poderão requerer a


instauração do incidente. Se houver litisconsórcio, seja ele facultativo ou necessário (unitário
ou não), o incidente poderá ser arguido por qualquer litisconsorte isoladamente, não havendo

225
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 437.
226
A previsão do texto legal é expressa nesse sentido: § 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer
legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do
recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no
território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
227
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 438.
106

qualquer restrição legal.

O dispositivo menciona especificamente as partes da relação processual, de modo


que o assistente simples não poderá arguir o incidente, pois não assume a condição processual
de parte. O assistente litisconsorcial, por sua vez, como assume os mesmos poderes e ônus
processuais das partes, equiparando-se a um litisconsórcio, possui legitimidade para o
IRDR.228

É possível, portanto, que vários legitimados requeiram a instauração do IRDR


perante o mesmo tribunal. Em prol da economia processual e para evitar julgamentos
conflitantes, o Enunciado nº 89 do Fórum de Processualistas Civis dispõe que:

Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de


resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão
ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos
posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados,
cabendo ao órgão julgador considerar as razões neles apresentadas.229

Ressalta-se, por fim, que a lei não faz exigência de que a petição das partes seja
revestida dos requisitos formais da petição inicial, mas, a toda evidência, é necessário que o
requerimento seja amplamente fundamentado pela parte interessada, demonstrando a
existência dos pressupostos de admissibilidade, além de fundamentos jurídicos para sustentar
a prevalência de determinada interpretação jurídica que lhe seja favorável.

A petição fundamentada é corolário do contraditório substancial, contribuindo


para o debate processual que será travado no IRDR, que, após admitido pelo órgão
competente, adquire a natureza de um verdadeiro processo objetivo, voltado à definição de
tese jurídica com eficácia erga omnes e vinculante.

2.4.3.3 A legitimidade do Ministério Público e da Defensoria Pública

O inciso III do art. 977 do CPC/2015 conferiu ainda legitimidade ao Ministério


Público, mesmo não agindo como parte ou fiscal da lei no processo individual ou coletivo, e
também à Defensoria Pública para postularem a instauração do incidente.

Fica evidente que, nesse ponto, a legislação processual incorporou ao IRDR

228
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 146.
229
NUNES, Dierle José Coelho. SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 388.
107

230
característica das ações coletivas , qual seja, a previsão da legitimação extraordinária ou
substituição processual pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública para a tutela de
direitos de partes envolvidas nas demandas repetitivas sobre determinada questão de direito.
Em outras palavras, “a legitimação do Ministério Público e da Defensoria Pública para
suscitar o IRDR tem, a princípio, forte relação com a legitimidade extraordinária dessas
entidades para o ajuizamento de ação civil pública na defesa de direitos individuais
homogêneos”.231

A legitimidade do Ministério Público para a defesa de direitos coletivos e difusos


está expressa no inciso III, do art. 129, da Constituição da República de 1988, segundo o qual
constitui função institucional do Ministério Público “promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos”.

Havia controvérsia, no entanto, sobre a legitimidade do parquet para a propositura


de ação coletiva para a proteção de direitos individuais homogêneos disponíveis e divisíveis,
cujos processos acarretam a chamada litigiosidade repetitiva ou de massa, o que poderia gerar
dúvida diante da novel legislação sobre a legitimidade do Ministério Público também para
requerer a instauração de IRDR que versar sobre questão de direito repetitiva relacionada aos
referidos direitos individuais homogêneos.

Estancando qualquer controvérsia sobre o tema, a jurisprudência dos tribunais


superiores sedimentou recentemente o entendimento em favor da legitimidade do Ministério
Público para promover ação civil pública visando a defesa de direitos individuais
homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, desde que presente a relevância social
objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a
saúde, a educação, para citar alguns exemplos) ou diante da massificação do conflito em si
considerado.

A propósito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal232, reconhecendo

230
ARAÚJO, José Henrique Mouta. O incidente de resolução das causas repetitivas no novo CPC e o devido
processo legal. In: MACEDO, Lucas Buril et al (orgs.). Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às
Decisões Judiciais. Coleção novo CPC – Doutrina Selecionada. vol. 06. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 328.
231
CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas. Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 540.
232
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 631.111/GO, Relator Ministro Teori Zavascki,
julgado em 07.08.2014, publicado em 30.10.2014, com a seguinte ementa: CONSTITUCIONAL E
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL COLETIVA. DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS (DIFUSOS E
COLETIVOS) E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DISTINÇÕES. LEGITIMAÇÃO DO
108

repercussão geral da matéria, decidiu que o Ministério Público detém legitimidade para
ajuizar ação coletiva em defesa dos direitos individuais homogêneos dos beneficiários do
seguro DPVAT (seguro obrigatório, por força da Lei 6.194/74, voltado à proteção das vítimas
de acidentes de trânsito), dado o interesse social qualificado presente na tutela dos referidos
direitos subjetivos.

Assim, quando a questão controvertida de direito estiver atrelada a interesses


individuais homogêneos divisíveis e disponíveis, cumprirá ao Ministério Público, no exercício
de suas funções institucionais, demonstrar que a lesão a tal direito compromete também

MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTS. 127 E 129, III, DA CF. LESÃO A DIREITOS INDIVIDUAIS DE
DIMENSÃO AMPLIADA. COMPROMETIMENTO DE INTERESSES SOCIAIS QUALIFICADOS.
SEGURO DPVAT. AFIRMAÇÃO DA LEGITIMIDADE ATIVA.
1. Os direitos difusos e coletivos são transindividuais, indivisíveis e sem titular determinado, sendo, por isso
mesmo, tutelados em juízo invariavelmente em regime de substituição processual, por iniciativa dos órgãos e
entidades indicados pelo sistema normativo, entre os quais o Ministério Público, que tem, nessa legitimação
ativa, uma de suas relevantes funções institucionais (CF art. 129, III).
2. Já os direitos individuais homogêneos pertencem à categoria dos direitos subjetivos, são divisíveis, tem titular
determinado ou determinável e em geral são de natureza disponível. Sua tutela jurisdicional pode se dar (a) por
iniciativa do próprio titular, em regime processual comum, ou (b) pelo procedimento especial da ação civil
coletiva, em regime de substituição processual, por iniciativa de qualquer dos órgãos ou entidades para tanto
legitimados pelo sistema normativo. (...)
4. O art. 127 da Constituição Federal atribui ao Ministério Público, entre outras, a incumbência de defender
“interesses sociais”. Não se pode estabelecer sinonímia entre interesses sociais e interesses de entidades públicas,
já que em relação a estes há vedação expressa de patrocínio pelos agentes ministeriais (CF, art. 129, IX).
Também não se pode estabelecer sinonímia entre interesse social e interesse coletivo de particulares, ainda que
decorrentes de lesão coletiva de direitos homogêneos. Direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos,
estão, em princípio, excluídos do âmbito da tutela pelo Ministério Público (CF, art. 127).
5. No entanto, há certos interesses individuais que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e
impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar, mais
que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade. Nessa perspectiva, a
lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito
individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja
preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se
reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público com base no
art. 127 da Constituição Federal. Mesmo nessa hipótese, todavia, a legitimação ativa do Ministério Público se
limita à ação civil coletiva destinada a obter sentença genérica sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos
individuais homogêneos.
6. Cumpre ao Ministério Público, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a
ofensa a direitos individuais homogêneos compromete também interesses sociais qualificados, sem prejuízo do
posterior controle jurisdicional a respeito. Cabe ao Judiciário, com efeito, a palavra final sobre a adequada
legitimação para a causa, sendo que, por se tratar de matéria de ordem pública, dela pode o juiz conhecer até
mesmo de ofício (CPC, art. 267, VI e § 3.º, e art. 301, VIII e § 4.º).
7. Considerada a natureza e a finalidade do seguro obrigatório DPVAT – Danos Pessoais Causados por Veículos
Automotores de Via Terrestre (Lei 6.194/74, alterada pela Lei 8.441/92, Lei 11.482/07 e Lei 11.945/09) -, há
interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos seus titulares,
alegadamente lesados de forma semelhante pela Seguradora no pagamento das correspondentes indenizações. A
hipótese guarda semelhança com outros direitos individuais homogêneos em relação aos quais - e não obstante
sua natureza de direitos divisíveis, disponíveis e com titular determinado ou determinável -, o Supremo Tribunal
Federal considerou que sua tutela se revestia de interesse social qualificado, autorizando, por isso mesmo, a
iniciativa do Ministério Público de, com base no art. 127 da Constituição, defendê-los em juízo mediante ação
coletiva (RE 163.231/SP, AI 637.853 AgR/SP, AI 606.235 AgR/DF, RE 475.010 AgR/RS, RE 328.910 AgR/SP
e RE 514.023 AgR/RJ).
8. Recurso extraordinário a que se dá provimento.
109

interesses sociais qualificados, sob pena de não restar caracterizada a legitimidade específica
para a instauração do IRDR, que não deixa de ser espécie de tutela coletiva voltada para
resolução em bloco de demandas repetitivas.

A legitimação da Defensoria Pública poderia, de igual modo, gerar controvérsia


em relação à necessidade de se demonstrar a pertinência temática, ou seja, se é preciso
demonstrar que a questão de direito repetitivo se refere a beneficiários economicamente
hipossuficientes.

A atuação primordial da Defensoria Pública, sem dúvida, é a assistência jurídica e


a defesa dos necessitados econômicos, entretanto, também exerce suas atividades em auxílio a
necessitados jurídicos, não necessariamente carentes de recursos econômicos, como é o caso,
por exemplo, quando exerce a função do curador especial, previsto no art. 9.º, inciso II, do
Código de Processo Civil, e do defensor dativo no processo penal, conforme consta no art.
265 do Código de Processo Penal.

Desse modo, para a atuação plena da Defensoria Pública na defesa de direitos


individuais homogêneos ou direitos coletivos, entende-se que não é necessária a
demonstração de que a controvérsia envolva apenas pessoas necessitadas economicamente.

Conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça233, a expressão 'necessitados'


do art. 134, caput, da Constituição da República, que qualifica, orienta e enobrece a atuação
da Defensoria Pública, deve ser entendida, no campo das tutelas coletivas, em sentido amplo,
de modo a incluir, ao lado dos estritamente carentes de recursos financeiros - os miseráveis e
pobres -, os hipervulneráveis, isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças,
os idosos, as gerações futuras.

Nas palavras de Sofia Temer, “a Defensoria Pública poderá atuar em IRDRs em


que a questão de direito, apesar de abstratamente considerada, tenha sido (ou possa ser)
extraída de demandas em que esteja presente o signo da vulnerabilidade, nas quais, portanto,
seria lícita sua atuação”. 234

Vê-se, então, que se forma, no Estado Democrático de Direito, um novo e mais


abrangente círculo de sujeitos salvaguardados processualmente, o que fortalece o processo

233
BRASIL. STJ. Precedentes: Recurso Especial n. 1.264.116/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 18/10/2011, publicado no DJe em 13/04/2012; Embargos de Divergência em Recurso
Especial n. 1192577 / RS, Relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 21/10/2015, publicado no
DJe em 13/11/2015.
234
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 190.
110

coletivo, incentivando sua maior utilização no Brasil.

No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal235 declarou a constitucionalidade


do art. 5º, inc. II, da lei n. 7.347/1985, alterado pelo art. 2º da lei n. 11.448/2007, conferindo
ampla legitimidade processual à Defensoria Pública para o ajuizamento de ação coletiva
voltada à proteção dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, de modo que, a
partir do novo CPC, a instituição também poderá requerer a instauração do IRDR.

Não obstante, considerando o regramento peculiar do IRDR e os efeitos


vinculantes que irradia, a legitimação extraordinária conferida ao Ministério Público e à
Defensoria Pública prevista no inciso III, do art. 977 para a instauração do referido incidente
pode repercutir negativamente no acesso à Justiça e no direito de participação democrática no
processo.

Isso porque, enquanto na ação coletiva prevista no direito brasileiro, por meio de
representação ou substituição processual, a coisa julgada é secundum eventum litis, ou seja,
vincula os substituídos apenas se os beneficiar; no novo IRDR o julgamento é pro et contra,
ou seja, vincula os envolvidos tanto se favorável, quanto se desfavorável, repercutindo sobre
os processos pendentes e também os futuros.

Embora seja importante, a atuação do Ministério Público e da Defensoria Pública,


como instituições autônomas e independentes, não assegura, por si só, a representatividade
adequada das partes que serão afetadas e eventualmente prejudicadas pelo julgamento do
IRDR e tampouco pode suprir a ausência de efetiva participação daquelas partes ausentes.

Não existe na legislação, por outro lado, a previsão do controle da


representatividade adequada, os critérios para escolha de um líder para a condução do
processo em nome das partes e também não existem critérios para a escolha do processo ou
dos processos modelos para a instauração do incidente, o que configura grave violação ao
modelo constitucional de processo, conforme se analisará em momento oportuno.

235
BRASIL. STF. ADI 3943/DF, julgada em 07/05/2015 e acórdão publicado no DJE nº 154, divulgado em
05/08/2015 com a seguinte ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Legitimidade ativa da defensoria
pública para ajuizar ação civil pública (art. 5º, inc. II, da lei n. 7.347/1985, alterado pelo art. 2º da lei n.
11.448/2007). Tutela de interesses transindividuais (coletivos strito sensu e difusos) e individuais homogêneos.
Defensoria pública: instituição essencial à função jurisdicional. Acesso à justiça. Necessitado: definição segundo
princípios hermenêuticos garantidores da força normativa da Constituição e da máxima efetividade das normas
Constitucionais: art. 5º, incs. XXXV, LXXIV, LXXVIII, da Constituição da República. Inexistência de norma de
exclusividade do Ministério Público para ajuizamento de ação civil pública. Ausência de prejuízo institucional
do Ministério Público pelo reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública. Ação julgada improcedente.
111

2.4.4 Desistência ou abandono do processo modelo e do próprio incidente

A desistência ou abandono do processo modelo selecionado para a instauração do


IRDR ou do próprio incidente não obsta o seu prosseguimento e o julgamento para definição
da tese jurídica, conforme as regras dos §§ 1º e 2º do art. 976 do novo CPC.

A desistência ou abandono do próprio incidente processual mereceu tratamento


semelhante ao já dado pela legislação esparsa brasileira236 às ações coletivas. De acordo com
a norma, se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente
coletivo e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono. Trata-se de
um poder-dever do parquet, não cabendo juízo de discricionariedade.

Segundo Marcos Cavacanti,

O NCPC não exige que a desistência seja “infundada”. A ideia do legislador


é no sentido de sempre impedir a desistência do IRDR, seja ela justificável
ou não. Logo, a desistência do IRDR não será admitida em qualquer
hipótese, ainda que justificada, cabendo sempre ao Ministério Público
assumir a titularidade ativa do incidente processual coletivo, enquanto que os
demais colegitimados terão apenas a faculdade de assumi-la.237

Quanto à desistência do processo modelo, Luiz Norton Baptista de Mattos explica


muito bem o motivo pelo qual a desistência do recurso ou da ação individual não deve
impactar a tramitação do IRDR, in verbis:

De fato, com a instauração do incidente, passa a haver dois procedimentos


paralelos, simultâneos, a tramitar no órgão fracionário do tribunal com
competência para a uniformização de jurisprudência: o procedimento
recursal, voltado ao acertamento da situação concreta entre as partes no
processo ou nos processos afetados, no qual a questão jurídica repetitiva tem
caráter prejudicial; e o procedimento incidente, destinado à fixação da tese a
respeito da questão jurídica repetitiva, que será aplicada na solução não só
do recurso ou dos recursos afetados, como também no deslinde dos demais
processos nos quais ocorre a discussão da questão jurídica repetitiva, tanto
os suspensos por força da admissão do incidente, como aqueles que vierem a
ser ajuizados.238

Com efeito, o processamento e o julgamento do incidente processual transcendem

236
Basta consultar o artigo 5º, §3º da Lei 7.347/1985, que dispõe sobre a Ação Civil Pública, e o artigo 9º da Lei
4.717/1965, que regula a Ação Popular.
237
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 566.
238
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In: Coleção
Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1. GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Salvador:
Juspodivm, 2015, p. 183.
112

os interesses subjetivos das partes do processo modelo, sobressaindo o interesse público


voltado à rápida definição da tese jurídica e à uniformização da jurisprudência, o que,
segundo acredita-se, conferirá celeridade à prestação jurisdicional e gerará maior
previsibilidade decisória.239

Em outras palavras, a parte não estará impedida de desistir do seu recurso ou da


sua ação. No entanto, a desistência estará restrita ao respectivo recurso ou processo
individual, não podendo extinguir ou obstar de qualquer modo o julgamento do IRDR, que
adquire autonomia processual em relação ao caso modelo, e a definição da tese jurídica. Por
consequência, a parte desistente não sofrerá, pelo menos naquele momento, os efeitos do
julgamento do incidente processual. No caso de eventual propositura da mesma ação, a parte
estará sujeita à aplicação da tese jurídica definida, tendo em vista os efeitos prospectivos do
incidente.

É por isso que o incidente de resolução de demandas repetitivas, apesar do nome,


adquire autonomia processual em relação à causa piloto, devendo ser solucionado pelo
tribunal competente mesmo se houver desistência do processo do qual se originou. 240 Já se
sustentou nesta pesquisa que o IRDR adquire a natureza jurídica de um processo objetivo241
autônomo de caráter coletivo com inspiração nas ações de grupo do direito comparado.

Sofia Temer também destaca a autonomia processual do IRDR:

A autonomia no caso de desistência é um dos elementos que aproxima o


IRDR dos meios processuais destinados a tutelar preponderantemente o
direito objetivo e demonstra, com isso, que não se pretende julgar “causa-
piloto” no incidente. O prosseguimento do IRDR mesmo em caso de
desistência do processo que lhe serviu como substrato demonstra que no
momento da instauração o incidente “desloca-se” do processo originário,
ocorrendo a dessubjetivação necessária para fixação da tese jurídica.242

No mesmo sentido, ao comentar a desistência do recorrente na sistemática dos


recursos especiais repetitivos, ainda sob a égide do art. 543-C do Código revogado, Leonardo

239
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 736, p. 740.
240
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 148.
241
Nas ações de controle abstrato de constitucionalidade também não se admite a desistência, conforme dispõe o
art. 5º da Lei 9.868/99: “Art. 5º Proposta a ação direta, não se admitirá desistência.”
242
TEMER, Sofia Orberg. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 78-
79.
113

José Carneiro da Cunha243 sustentava que o julgamento deveria prosseguir, definindo a tese
jurídica que seria aplicável aos processos que ficaram sobrestados e aos futuros que viessem a
ser ajuizados sobre a questão jurídica repetitiva, mas isso não atingiria a parte que, pelo ato de
sua vontade, desistiu do recurso.

De igual modo, Antonio Adonias Aguiar Bastos244 ensina que, uma vez afetado o
processo ao regime de julgamento dos recursos repetitivos, deve seguir até o seu final com a
definição da tese jurídica. Isso não impede, contudo, que a parte desista de seu recurso. O
interesse público seria respeitado sem violar o direito fundamental processual da parte.

Na vigência do Código de 1973, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o


entendimento no sentido de admitir a homologação dos pedidos de desistência do recurso
especial afetado ao regime dos recursos repetitivos sem prejuízo do prosseguimento do
julgamento para definição da tese sobre a questão jurídica repetitiva245.

Portanto, a novel legislação encampou, no regramento do IRDR, o referido


entendimento jurisprudencial, conciliando o interesse particular da parte, que terá a
desistência homologada, com o interesse público, que almeja a definição da tese jurídica apta
a ser aplicada aos diversos processos repetitivos sobrestados.

2.4.5 A competência para processar e julgar o IRDR

O julgamento do incidente caberá ao órgão colegiado designado pelo regimento


interno dentre aqueles órgãos responsáveis pela uniformização da jurisprudência, nos termos
do art. 978 do novo CPC.

243
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de processo. São
Paulo: RT, n. 179, jan. 2010, p. 155.
244
BASTOS, Antônio Adonias Aguiar. A necessidade de compatibilização do interesse público com os direitos
processuais individuais no julgamento das demandas repetitivas. In: DIDIER Jr, Fredie; BASTOS, Antonio
Adonias Aguiar (coord.). O Projeto do Novo Código de Processo Civil: estudos em homenagem ao professor
José Joaquim Calmon de Passos. Salvador: JusPodiym, 2012, p. 125.
245
BRASIL. STJ. Desistência no Recurso especial n. 1370698/SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, 3ª
Turma, j. 21/11/2013. Por ilustrar bem o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, importante
destacar trecho do voto-desempate proferido pela eminente Ministra Maria Isabel Gallotti: (...) uma vez
selecionado pelo relator determinado recurso para ser julgado no rito do art. 543-C, há verdadeira irradiação de
efeitos processuais a outros tantos que tratem da mesma questão, com a ordem de suspensão da tramitação destes
e, após o julgamento do recurso representativo da controvérsia, a possibilidade de re-julgamento da causa ou de
negativa de seguimento do recurso pelo Tribunal de segundo grau, como dispõe o artigo 543-C, §§ 2º e 7º, II, do
CPC, de modo que o referido rito evidencia a transcendência do mero interesse das partes. Assim, o direito
potestativo da parte de desistir do recurso interposto em seu interesse particular (CPC, art. 501) não poderia
mesmo prejudicar o andamento dos processos de inúmeros litigantes suspensos no aguardo do julgamento do
recurso representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-C. Como assinalado pelo Ministro João Otávio de
Noronha, a rigor, no caso do recurso representativo da controvérsia, sequer há propriamente exceção ao direito
potestativo de desistência do recurso. O que ocorre é a postergação do exame da petição de desistência para após
a apreciação da questão de direito que justificou a afetação do processo para julgamento pelo rito do art. 543-C.
114

O incidente será endereçado ao presidente do tribunal local, seja ele o Tribunal de


Justiça ou o Tribunal Regional Federal.

Admite-se também a aplicação ao processo do trabalho do incidente de resolução


de demandas repetitivas, devendo ser instaurado perante o Tribunal Regional do Trabalho
quando houver na área da sua competência territorial efetiva repetição de processos que
contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito, conforme enunciado n. 347 do
Fórum de Processualistas Civis.246

Assim, caberá a cada tribunal definir, em seu regimento interno, o órgão


colegiado competente para o processamento e julgamento do IRDR. A única exigência legal é
que o órgão escolhido esteja dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência
do tribunal.

Os órgãos colegiados, que detém a competência para uniformização de


jurisprudência, estabelecem posicionamentos a serem seguidos pelos demais órgãos
fracionários do tribunal. Justamente por isso tal competência é atribuída a órgãos cuja
composição seja mais ampla, o que exige um quórum maior para votação do colegiado.

Tal exigência mínima da lei não ofende a competência privativa dos tribunais para
definir no regimento interno as atribuições dos seus órgãos colegiados, mas apenas estabelece
coerência para que a definição da tese jurídica no julgamento do IRDR ocorra pelo órgão, que
também possua dentre as suas atribuições a de uniformização da jurisprudência, já que a
decisão proferida vinculará os demais membros do tribunal e, principalmente, os juízes de
primeira instância.

Equivoca-se Leonardo da Cunha ao admitir o controle incidental de


constitucionalidade no IRDR. Impende ressaltar que se a questão jurídica repetitiva envolver a
inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do Poder Público, não poderá ser feita em
Incidente, mas por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal Constitucional
que não é a competência para o julgamento do IRDR. Admitir o controle incidental, neste
caso, seria inconstitucional por tramitar em foro absolutamente incompetente e pelo fato de o
autor não constar do rol dos legitimados para acionar o controle concentrado.

Nesse sentido, discordo do que sustentado por Leonardo José Carneiro da Cunha:

246
NUNES, Dierle José Coelho. SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 389. Trata-se da Resolução 203 , de 15 de março de 2016, do TST.
115

Se o órgão julgador, num determinado tribunal, é uma câmara cível, um


grupo de câmaras, a corte especial ou o plenário, isso há de ser definido pelo
seu respectivo regimento interno. O que importa é que o tribunal seja aquele
previsto na Constituição Federal, a não ser em casos especificamente
previstos no próprio texto constitucional, como na hipótese da regra de
reserva de plenário: somente o plenário ou o órgão especial é que pode
decretar, incidentemente, a inconstitucionalidade de lei ou tratado.247

A declaração incidental, com eficácia inter partes, mesmo se observada a cláusula


de reserva de plenário, disposta no art. 97 da Constituição da República, segundo a qual
“somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo
órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público”, obrigaria a Corte a decidir pluralidade de casos. A ADI, por sua natureza,
demanda apenas um pronunciamento com eficácia erga omnes e vinculante, respeitada a
legitimidade ativa e a competência funcional. O IRDR não pode ser utilizado como se fosse
uma ADI.

O órgão competente definido pelo regimento interno dos tribunais decidirá,


portanto, o IRDR, fixando a tese jurídica que será aplicável aos diversos processos suspensos.

O parágrafo único do art. 978 estabelece, por sua vez, uma espécie de prevenção
do órgão colegiado que julgou o IRDR para julgar também o recurso, a remessa necessária ou
o processo de competência originária de onde se originou o incidente processual.

Para Marcos Cavalcanti248 e Cássio Scarpinella249, a previsão pelo CPC da


competência obrigatória do órgão colegiado para julgar o recurso, a remessa necessária ou
processo de competência originária padece de inconstitucionalidade formal e material.

A inconstitucionalidade formal do parágrafo único decorreria da ausência de sua


correspondência com qualquer dispositivo do anteprojeto, dos projetos do Senado e da
Câmara dos Deputados. O dispositivo foi incluído no texto final aprovado pelo Senado, sem
qualquer deliberação nas casas legislativas em flagrante violação ao devido processo
legislativo. A vinculação da competência do órgão colegiado para julgar o IRDR e o processo
do qual se originou caracterizaria também a inconstitucionalidade material em razão da

247
CUNHA, Leonardo José Carneiro. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto
no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 193, mar. 2011, p. 271.
248
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 453.
249
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 618.
116

usurpação da competência dos tribunais para estabelecerem suas atribuições por meio do
regimento interno, nos termos do art. 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República.

2.4.6 O procedimento do IRDR

Provocado o incidente processual por petição da parte, do Ministério Público ou


da Defensoria Pública, ou por ofício do juiz de primeiro grau ou do relator de processo
pendente no tribunal, instruído com os documentos cabíveis, haverá o registro, a distribuição
e autuação no tribunal, por determinação do respectivo presidente.

Para Humberto Theodoro Jr.250, quando o incidente for suscitado em processo que
já tramita pelo tribunal, seu processamento dar-se-á dentro dos próprios autos, a exemplo do
que se passa com os embargos de declaração e o agravo interno.

Entende-se que tal posição não é a mais adequada à tramitação do incidente


processual e à sua natureza jurídica, haja vista a autonomia processual do novel instituto e o
grande risco de tumulto processual.

Em razão da autonomia processual adquirida pelo IRDR, da necessidade de


participação de terceiros e em razão dos efeitos que irradia, considera-se necessário que o
incidente possua autuação própria para melhor controle e prática dos atos processuais, não
tumultuando o processo modelo (causa piloto) que, tal como as demais demandas repetitivas,
deverá apenas aguardar a definição da tese jurídica para posterior prosseguimento.

Assim, uma vez distribuído o incidente processual, em autos próprios, será


definido o relator que dará andamento ao procedimento, cujas regras específicas estão
reguladas nos dispositivos 979 a 983 do novo CPC.

2.4.6.1 O cadastro eletrônico e a publicidade

De acordo com o regramento dado pelo novo CPC (art. 979 e parágrafos), a
instauração e o julgamento do incidente coletivo serão precedidos de ampla divulgação e
publicidade, com alguma semelhança ao procedimento-modelo alemão e à ordem de litígio
em grupo do direito inglês.

O Conselho Nacional de Justiça - CNJ deverá criar um cadastro eletrônico


nacional para registro das informações sobre o IRDR. O cadastro será de fácil acesso e
visualização, esclarecedor quanto à natureza do incidente, seus efeitos, além de indicar com a

250
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 741-742.
117

máxima precisão a questão de direito material ou processual que será objeto de análise pelo
tribunal local.

A propósito do tema, o CNJ publicou a Resolução 235, de 13/07/2016, que


regulamenta a criação do banco nacional de dados, com informações dos casos de repercussão
geral, das demandas repetitivas e dos incidentes de assunção de competência no âmbito dos
tribunais superiores, Tribunais Regionais Federais (TRFs), Tribunais Regionais do Trabalho
(TRTs) e de todos os tribunais de justiça dos Estados.

A referida resolução também dispõe sobre a padronização dos procedimentos


administrativos decorrentes dos julgamentos de repercussão geral, casos repetitivos e de
incidente de assunção de competência e estabelece a integração eletrônica via webservice de
todos os tribunais do País, no prazo de um ano.251 Com base na resolução, cada tribunal
deverá organizar até outubro de 2016 um Núcleo de Gerenciamento de Precedentes (Nugep),
como unidade administrativa permanente.

Assim, os tribunais manterão um banco eletrônico de dados integrado com


informações específicas e atualizadas sobre as questões de direito submetidas ao IRDR e
deverão alimentar continuamente e de forma padronizada o banco nacional de dados
disponibilizado pelo CNJ.

Ao contrário do previsto nos procedimentos do direito alemão e inglês, não é


preciso que os processos repetitivos se registrem no cadastro eletrônico para a instauração do
incidente e para se submeterem aos efeitos do julgamento. O cadastro do sistema brasileiro é
meramente informativo e não tem o propósito de registrar as demandas repetitivas em
tramitação.

O registro eletrônico deverá conter, no mínimo, os fundamentos determinantes da


decisão proferida ao final no IRDR e as normas jurídicas por ela aplicadas e interpretadas para
permitir a identificação dos processos que serão abrangidos pela eficácia vinculante do
julgamento. (§2º do art. 979)

Recomenda-se, ainda, que se imponha a maior divulgação possível das


informações sobre o IRDR, podendo os tribunais utilizarem também outros mecanismos de
publicidade, especialmente a página oficial do próprio tribunal na internet e a imprensa

251
Disponível em: www.cnj.jus.br. Acesso em: jul. 2016.
118

oficial.252

A participação efetiva de interessados exige que a questão de direito repetitiva


seja bem delimitada no cadastro eletrônico com a especificação dos dispositivos legais em
discussão e a moldura fática subjacente na qual a tese jurídica será aplicada, uma vez que o
interesse de pessoas, órgãos ou entidades em atuar no procedimento para a construção da tese
dependerá do conhecimento pleno da matéria discutida e da pertinência com a situação
pessoal de cada um ou os respectivos objetivos institucionais.253

As medidas de publicidade e de registro eletrônico das informações sobre o


incidente tem dupla finalidade:

(i) dar ampla divulgação aos incidentes propostos e julgados, de modo a


evitar a continuidade e o julgamento das ações individuais homogêneas, sem
atentar para necessidade de sujeição à tese de direito definida, o em vias de
definição no tribunal; e (ii) impedir a multiplicidade de incidentes de igual
natureza ou de igual força uniformizadora sobre uma mesma questão de
direito, o que enfraqueceria a própria função do instituto, comprometendo-
lhe a utilidade e eficácia.254

Finalmente, para Luiz Norton Batista Mattos, diante da realidade do processo


eletrônico, “o desenvolvimento tecnológico vai tornar a divulgação do incidente mais
abrangente e capilar, e facilitar e baratear a manifestação dos interessados” 255.

2.4.6.2 O juízo de admissibilidade do incidente

A primeira peculiaridade que se apresenta no processamento do IRDR é a de


que o seu juízo de admissibilidade é privativo do órgão colegiado competente para julgá-lo.
(art. 981 do CPC/2015)

Como o dispositivo legal não estabelece o quórum necessário para a


admissibilidade do incidente, caberá ao regimento interno de cada tribunal estabelecê-lo. Não
basta que o órgão seja colegiado e tenha competência para a uniformização da jurisprudência,

252
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 458.
253
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 192.
254
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 742.
255
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.).Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 193.
119

é necessário que haja pertinência em relação à matéria (questão de direito material ou


processual) discutida no IRDR e as atribuições do órgão jurisdicional.

A propósito, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes e Sofia Temer defendem


que:
(...) a especialização dos órgãos fracionários e a atribuição do incidente para
um órgão especializado, como os grupos de câmaras ou seções
especializadas, pode significar avanço orgânico importante no sentido de que
os tribunais estejam melhor preparados para o enfrentamento das respectivas
matérias, com julgamentos mais aprofundados, céleres e estáveis.256

O relator não possui atribuição, portanto, para monocraticamente admitir a


instauração do incidente processual, haja vista a repercussão e magnitude do procedimento.

Nesse sentido, a interpretação externada por Scarpinella Bueno257 e pelo


Enunciado n. 91 do Fórum dos Processualistas Civis, segundo o qual “cabe ao órgão
colegiado realizar o juízo de admissibilidade do incidente de resolução de demandas
repetitivas, sendo vedada a decisão monocrática”258.

Importante ressaltar que se o objeto do IRDR versar sobre a inconstitucionalidade


de norma, o seu julgamento será da competência necessária do órgão especial do tribunal,
conforme determina a cláusula de reserva de plenário preconizada pelo art. 97 da Lei Maior.

Todavia, em atenção aos princípios da celeridade e economia processual, é salutar


que o relator proceda, pelo menos, ao juízo negativo de admissibilidade em caso de ausência
manifesta dos pressupostos previstos no art. 976. Inadmitido o incidente, contra esta decisão
caberá o recurso de agravo interno previsto no art. 1.021 do novo CPC para o órgão colegiado
competente.

Tal interpretação vai ao encontro da previsão do art. 932, inciso III e IV do novo
CPC que atribui poderes ao relator para não conhecer de recurso manifestamente
inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da
decisão recorrida, e para negar provimento a recurso que for contrário a entendimento
sumulado, acórdão proferido em julgamento de recursos repetitivos, ou contrário a tese

256
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas do
novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, vol. 243, maio/2015, p. 316.
257
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 621.
258
NUNES, Dierle José Coelho. SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 391.
120

jurídica firmada no IRDR ou no incidente de assunção de competência.

Nesse contexto, violaria frontalmente a razoabilidade e a celeridade processual a


obrigação do relator de submeter ao colegiado um IRDR manifestamente contrário a súmula,
a posicionamento firmado pelos tribunais superiores ou a tese jurídica já firmada em outro
incidente processual pelo próprio tribunal.

Importante ressaltar, por fim, que o juízo de admissibilidade delimitará o objeto


do IRDR. Com efeito, a delimitação precisa da questão de direito a ser interpretada pelo
IRDR é fundamental para se evitar a ampliação da discussão e a fixação de tese vinculante
sobre matéria distinta, o que atentaria contra o contraditório substancial e burlaria o
procedimento previsto na lei para legitimar a eficácia da decisão proferida.259

Sofia Temer defende, inclusive, que “a decisão que extrapolar o objeto do


incidente (...) não será, nesta parte, propriamente “precedente”, porque se presumirá que não
houve o debate prévio necessário”260, tendo efeito meramente persuasivo sem, portanto,
caráter vinculante.

A partir da decisão de admissão pelo órgão colegiado competente, diversas


consequências ocorrerão no procedimento do IRDR.

2.4.6.3 As providências e deliberações do relator

Após admitida a instauração do incidente pelo órgão colegiado competente, o


relator tomará algumas deliberações importantes previstas no art. 982.

De início, o relator suspenderá os processos repetitivos pendentes, individuais ou


coletivos, que tramitam na área de competência territorial do tribunal, na primeira instância ou
em segundo grau de jurisdição.

Apenas com a intervenção dos tribunais superiores é que a suspensão provocada


pelo IRDR pode ultrapassar os limites da competência do tribunal local para abarcar as
demandas repetitivas em tramitação em todo o território nacional, conforme autorizado pelo §
3º do art. 982.

De acordo com a lição de Artur César de Souza,

A medida de suspensão dos demais processos, individual ou coletivo, se


justifica, tanto para que não haja decisão conflitante com a que for proferida

259
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 129-130.
260
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 130.
121

no incidente de resolução de demandas repetitivas, quanto para se evitar o


gasto desnecessário de força intelectual para se definir a matéria de direito,
correndo-se o risco de não prevalecer diante do incidente instaurado no
tribunal.261

Trata-se de providência automática prevista na lei processual como consequência


da admissão do IRDR e, portanto, não depende de demonstração pelo relator dos requisitos da
tutela de urgência. Nesse sentido o Enunciado n. 92 do Fórum dos Processualistas Civis. 262

Em razão do objeto delimitado do IRDR e havendo cumulação de pedidos, a


suspensão do processo, individual ou coletivo, pode ser apenas parcial, não impedindo o
prosseguimento das ações em relação ao pedido não abrangido pela tese a ser firmada no
incidente processual. É certo que caberá ao juiz do processo singular analisar a extensão da
suspensão determinada no IRDR de acordo com os pedidos cumulados em cada demanda.

É certo ainda que a suspensão processual não pode se estender indefinidamente, o


que acarretaria a insegurança jurídica que o próprio incidente visa coibir. Assim, o art. 980 do
novo CPC preconiza que se o IRDR não for julgado no prazo de um ano, cessará a suspensão
dos processos, podendo o relator, no entanto, justificar a necessidade da manutenção da
suspensão por decisão fundamentada.

Com efeito, se o objeto do incidente é dar celeridade processual para a


uniformização da jurisprudência, a manutenção indefinida da suspensão dos processos sem a
definição da tese jurídica, em tempo razoável, acarretará o total engessamento da prestação
jurisdicional em prejuízo do jurisdicionado e da participação efetiva dos sujeitos processuais
na construção da interpretação do direito para a solução dos conflitos.

Embora o silêncio da lei, a suspensão determinada pelo IRDR também poderá ser
afastada pontualmente se a parte requerer o prosseguimento do seu processo, demonstrando a
distinção do caso em relação à questão de direito que será dirimida no incidente. O
requerimento deverá ser endereçado ao juiz do processo, se ainda na primeira instância, ou ao
relator, para aqueles que já estiverem em tramitação no segundo grau, a quem competirá
decidir sobre o andamento daquela ação específica.263

261
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 155.
262
NUNES, Dierle José Coelho; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p.392.
263
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 155.
122

De igual modo se manifestaram Sofia Temer264 e Scarpinella Bueno265,


defendendo a possibilidade da distinção do caso, aplicando-se por analogia o disposto nos §§
8º ao 13º do art. 1.037 do novo CPC referente ao regime de tramitação dos recursos especiais
e extraordinários repetitivos. As disposições do regime de tramitação e julgamento dos
recursos repetitivos e as do IRDR devem se comunicar para dar coerência ao sistema de
resolução de demandas repetitivas.

Finalmente, importante ressaltar que havia previsão no projeto da Câmara dos


Deputados de que a suspensão decorrente da instauração do IRDR também acarretaria a
suspensão da prescrição da pretensão nos casos em que a questão de direito repetitiva também
fosse objeto de discussão, o que deveria perdurar até o trânsito em julgado do incidente.

A regra não foi mantida no texto final aprovado no processo legislativo. Não
obstante, em relação às pretensões já ajuizadas, Scarpinella Bueno266 defende, por uma
interpretação sistemática, a possibilidade de se sustentar a suspensão da prescrição
intercorrente, sob pena de se admitir que a demora de julgamento do IRDR implicará, por vias
transversas, a eliminação dos processos em tramitação, cujas pretensões seriam fulminadas
pela prescrição intercorrente simplesmente por estarem parados. No mesmo sentido é a
interpretação dada pelo Enunciado 452 do Fórum dos Processualistas Civis, segundo o qual
“durante a suspensão do processo prevista no art. 982 não corre a prescrição intercorrente”267.

Em relação aos processos ainda não ajuizados, a situação não comporta a mesma
solução. Segundo Marcos Cavalcanti, “não há como se sustentar a interrupção ou a suspensão
do prazo prescricional das pretensões individuais não ajuizadas sem lei expressa que a
determine”268, matéria que deveria se submeter a regramento pelo Código Civil e não pela
legislação processual.

Artur César de Souza269 também defende que, à míngua de previsão legal, os


demais sujeitos de direito deverão ajuizar suas demandas individuais, de modo a obter a

264
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 121-124.
265
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 622.
266
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 624-625.
267
NUNES, Dierle José Coelho; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 393.
268
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 563.
269
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 156.
123

efetiva interrupção do prazo prescricional, ainda que o processo fique suspenso enquanto não
julgado o incidente de resolução de demandas repetitivas.

Assim, as partes devem propor suas ações para não correr o risco de ter a
pretensão fulminada pelo transcurso do prazo prescricional, salvo se já houver ação coletiva
suspensa pelo IRDR na qual aquela parte seja substituída processual e, portanto, beneficiária
dos efeitos interruptivos da prescrição no processo coletivo.

Além da suspensão dos processos, o relator poderá requisitar, nos termos do art.
982, inciso II já citado, informações aos juízos perante os quais tramitam as demandas
repetitivas.

A referida medida só se justifica para comprovar a multiplicidade de


interpretações da questão de direito repetitiva que vem sendo aplicadas pelos diversos juízos,
seja em decisões provisórias ou sentenças, pondo em risco o tratamento igualitário de todos
perante a lei e a segurança jurídica.270

O relator deverá, ainda, intimar o Ministério Público para se manifestar no prazo


de 15 (quinze) dias. A intervenção do Ministério Público, quando não for parte do incidente, é
obrigatória e está relacionada com a presunção de existência do interesse público que permeia
os objetivos do IRDR.

2.4.6.4 As intervenções das partes e do amicus curiae

O art. 983 do CPC/2015 dispõe que o relator do IRDR deverá ouvir as partes e os
demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia de
direito.

Por expressa disposição legal, as partes do processo modelo (originário) adquirem


certo protagonismo na condução do procedimento do IRDR. O autor e o réu do processo
originário terão, por exemplo, a garantia do uso da palavra na sessão de julgamento do IRDR
em tempo igual (30 minutos) àquele destinado a todos os demais interessados em conjunto
(também 30 minutos). (art. 984, inc. II, alíneas a e b do CPC/2015)

Ou seja, a atuação do autor e o réu do processo modelo se torna preponderante


para o debate processual e julgamento do incidente coletivo. Nesse contexto, a instauração do
IRDR a partir de processo originário mal conduzido, com poucos e frágeis argumentos

270
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p.743.
124

jurídicos ou com acompanhamento técnico deficiente pode comprometer as garantias


processuais dos litigantes, especialmente daqueles ausentes relativos aos processos
sobrestados.

Apesar disso, não foram previstos critérios objetivos para a escolha do processo
originário. Não foi prevista a escolha de um “líder” ou de controle judicial da representação
no incidente coletivo, tal como ocorre no direito comparado, para assegurar a efetiva
participação daqueles que serão afetados pelo processo e, ao mesmo tempo, conferir
legitimidade ao julgamento dotado de efeito vinculante. 271

É justamente em razão da ausência total de critérios legais para a escolha de


determinado caso modelo a partir do qual se instaurará o incidente é que se defende um
conceito mais amplo de “parte processual” no procedimento do IRDR.

Como se trata de um processo objetivo de caráter coletivo, por gerar efeitos


vinculantes em relação a diversos processos sobrestados, a referência às “partes” não pode ser
interpretada como referência apenas às partes do processo modelo (causa piloto) a partir do
qual o incidente foi instaurado. Para assegurar a ampla participação no processo, deve-se
interpretá-la amplamente para considerar que qualquer parte que teve o seu processo
individual ou coletivo suspenso pela instauração do IRDR possa se manifestar diretamente no
tribunal para expor suas razões sobre a questão de direito repetitiva. 272

Conforme já exposto neste capítulo, o IRDR possui identidade e inspiração nas


chamadas “ações de grupo”, que consistem em procedimentos de resolução coletiva, evitando,
dentro do possível, as ficções representativas típicas da class action. Cada membro do grupo
envolvido é tratado, portanto, como uma parte, ao invés de uma “não parte” substituída. É a
tentativa de estabelecer algo análogo a uma class action, mas os inconvenientes da ficção da
substituição processual. 273

Entende-se, nessa perspectiva, que a compreensão mais ampla do conceito de


parte do incidente coletivo dará concretude ao exercício pleno do contraditório substancial,
conforme se sustentará no próximo capítulo, evitando-se a participação meramente simbólica,
o que tornaria a garantia processual uma simples ficção jurídica.
271
O tema será tratado mais detidamente no capítulo 03 para se demonstrar a (in)compatibilidade do IRDR ao
modelo constitucional de processo em razão da ausência do controle de representatividade adequada e da
ausência de critérios para escolha do processo modelo.
272
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 626.
273
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 128.
125

É necessário, portanto, haver a total abertura do procedimento do IRDR para lhe


conferir legitimidade democrática, de maneira que os litigantes que serão afetados possam
participar efetivamente e como partes do processo, seja através das razões por escrito, seja por
meio das manifestações orais e debates em audiência pública.

Ainda que não se admita a atuação dos litigantes dos processos sobrestados como
partes no IRDR, em razão da ausência de previsão legal específica, mostra-se evidente o
direito à intervenção no procedimento como terceiros interessados.

Com efeito, as partes dos processos suspensos pelo IRDR serão impactadas
diretamente pelo julgamento do incidente, possuindo inquestionável interesse jurídico na
definição da tese jurídica, o que lhes assegura o direito constitucional de efetiva participação
para conferir legitimidade ao julgamento proferido pelo tribunal e impedir que sejam
surpreendidas.

Ora, se a decisão que resolve o IRDR define a interpretação jurídica de questão de


direito que interessa a muitos processos, tal decisão não pode ser considerada totalmente
diferente daquela que, em ação individual, resolve questão de direito que posteriormente
também não poderá mais ser rediscutida. Como é cediço o julgamento proferido não pode
prejudicar terceiros, que dele não participaram (art. 506 do CPC/2015). Interpretação
contrária constituiria flagrante violação do direito fundamental de participar do processo e de
influenciar o julgador. 274

Assim, seja como partes ou como terceiros interessados, todos os litigantes


afetados possuem o direito constitucional de se manifestarem no IRDR, para influenciar o
convencimento do órgão julgador, que definirá a tese jurídica aplicada a todos os processos
sobrestados.

Para Mattos, no entanto, a manifestação das partes dos processos suspensos


deverá ser admitida somente se for “útil, desejável ou producente”, ou seja, a participação
somente será deferida pelo relator se trouxer “elementos, argumentos, fundamentos, enfoques,
abordagens adicionais, diferentes dos contidos no processo-modelo”275.

Se a manifestação se limitar a repetir as alegações e fundamentos já contidos no

274
MARINONI, Luiz Guilherme. O “problema” do incidente de resolução de demandas repetitivas. Revista do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Brasília.Vol. 28, n. 5/6, maio/junho 2016, p. 39.
275
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.).Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1..
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 189-190.
126

processo modelo, a intervenção da parte deverá ser indeferida pelo relator do IRDR, não
havendo, na visão do referido jurista, violação ao contraditório uma vez que os mesmos
argumentos já teriam sido levados ao conhecimento do órgão julgador pelas partes do
processo a partir do qual o incidente foi instaurado.

Posição semelhante foi sustentada por Ticiano Alves e Silva276 que, ao proceder
ao estudo do regime de repercussão geral dos recursos extraordinários, na vigência do Código
revogado, defendeu que a intervenção da parte que teve o recurso sobrestado não reflete o
direito fundamental ao contraditório se desprovida de argumentos jurídicos novos,
constituindo uma manifestação vazia de conteúdo que não tem a possibilidade de influenciar
de maneira diferente o convencimento dos julgadores, causando apenas tumulto processual.

Sofia Temer também admite a intervenção das partes dos processos sobrestados,
sustentando, de igual modo, que o melhor filtro para nortear a atuação dos referidos sujeitos
interessados seja a apresentação de novos argumentos que possam efetivamente contribuir
com a melhor interpretação da questão de direito objeto do IRDR.277 Se a parte do processo
sobrestado não trouxer novos elementos para serem considerados no debate, não haveria
necessidade da sua participação e isso não violaria o contraditório. Logo em seguida, conclui
a ilustre processualista:

Assim é que, se exercido o direito ao convencimento pelo sujeito condutor


(parte do processo modelo para a referida autora), fica obstada a
apresentação dos mesmos argumentos pelo sobrestado. O seu interesse na
intervenção surge justamente nos espaços em que a potencialidade de
influência ainda não tenha sido exercida, hipótese em que obstar a atuação
configuraria ofensa ao contraditório. (...) Será útil a intervenção que
contribuir racionalmente para o debate, visando à definição de uma tese
jurídica. Por isso, aliás, que são admitidas manifestações não só dos sujeitos
sobrestados, mas também de amicus curiae, do Ministério Público, de
experts, entre outros (art. 983).278

O dispositivo legal menciona ainda que “outros interessados”, incluindo “pessoas,


órgãos e entidades com interesse na controvérsia” poderão se manifestar.

É a participação da figura do amicus curiae – típica dos processos de natureza

276
SILVA, Ticiano Alves e. Intervenção de sobrestado no julgamento por amostragem. Revista de Processo. v.
182. São Paulo: RT, abr. 2010, p. 240. No mesmo sentido é o entendimento de Teresa Arruda Wambier e José
Miguel Medina. In: Sobre o novo art. 543-C do CPC: sobrestamento de recursos especiais “com fundamento em
idêntica questão de direito”. Revista de Processo, vol. 159, maio/2008, p. 215-220.
277
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 177.
278
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 178.
127

objetiva279 – que tem papel relevante para a legitimação democrática da construção do


provimento jurisdicional, especialmente daqueles dotados, como no caso, de eficácia
vinculante.

Nessa perspectiva, se a intervenção do amicus curiae é uma necessidade do


regime democrático e um imperativo na solução dos temas repetitivos e de interesse público,
afigura-se corolário do devido processo legal permiti-lo manifestar-se no processo objetivo
das mais variadas formas, seja por escrito, seja oralmente, com amplos e irrestritos poderes
processuais280.

O amicus curiae é, sem dúvida, um terceiro importante que traz ao processo


informações, dados e fundamentos capazes de possibilitar que o julgamento da controvérsia
seja mais condizente e próximo à realidade social subjacente à questão jurídica que se discute
e que se há de definir. 281

279
Consoante já decidiu o Supremo Tribunal Federal, “a admissão do terceiro, na condição de amicus curiae, no
processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões do
Tribunal Constitucional, viabilizando, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de
fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize a possibilidade de
participação de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou
que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais”. (...) o Supremo Tribunal
Federal, em assim agindo, não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas decisões,
mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente
democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de
experiências que o amicus curiae poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em um processo - como
o de controle abstrato de constitucionalidade – cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e
culturais são de irrecusável importância e de inquestionável significação. (in ADIN-MC 2.130-SC, Relator
Ministro Celso de Mello, j. em 20.12.2000, DJ de 02.02.2001, p. 00145) Disponível em www.stf.jus.br. Acesso
em fevereiro de 2016.
280
O Supremo Tribunal Federal, num primeiro momento, resolvendo questão de ordem na Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 2.223, Relator Min. Marco Aurélio, não admitiu, por maioria, a sustentação oral do
amicus curiae. Contudo, revendo sua posição, o Supremo Tribunal Federal, também resolvendo questão de
ordem nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 2675/PE e 2777/SP, em decisão de 26 e 27 de novembro de
2003, admitiu a possibilidade de realização de sustentação oral por terceiros admitidos no processo abstrato de
constitucionalidade, na qualidade de amicus curiae. Os Ministros Celso de Mello e Carlos Britto, em seus votos,
ressaltaram que o § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99, ao admitir a manifestação de terceiros no processo objetivo de
constitucionalidade, não limita a atuação destes à mera apresentação de memoriais, mas abrange o exercício da
sustentação oral, cuja relevância consiste na abertura do processo de fiscalização concentrada de
constitucionalidade; na garantia de maior efetividade e legitimidade às decisões da Corte, além de valorizar o
sentido democrático dessa participação processual. O Min. Sepúlveda Pertence, de outra parte, considerando que
a Lei 9.868/99 não regulou a questão relativa a sustentação oral pelos amicus curiae, entendeu que compete ao
Tribunal decidir a respeito, através de norma regimental, razão por que, excepcionalmente e apenas no caso
concreto, admitiu a sustentação oral. Vencidos os Ministros Carlos Velloso e Ellen Gracie, que, salientando que
a admissão da sustentação oral nessas hipóteses poderia implicar a inviabilidade de funcionamento da Corte,
pelo eventual excesso de intervenções, entendiam possível apenas a manifestação escrita. (in Informativo n. 331)
Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: fev. 2016.
281
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 744.
128

No mesmo sentido destaca-se o conceito dado por Mirella de Carvalho Aguiar:

(...) o “Amigo da Corte” (tradução da expressão latina) é pessoa física ou


jurídica, estranha à lide e alheia ao processo e que nele ingressa, legitimada
pela função de prestar auxílio ao órgão julgador através da apresentação de
informações sobre questões jurídicas, esclarecimentos fáticos ou mesmo
interpretações normativas.282

De igual modo, para Del Prá283, o amicus curiae é um terceiro que intervém
legitimamente no processo para fornecer ao órgão julgador informações fáticas, técnicas ou
jurídicas relevantes para a definição da tese jurídica, estando desvinculado das partes, embora
possa com a sua atuação influenciar o convencimento do Juízo de uma das teses contrapostas,
favorecendo, indireta ou reflexamente, uma das partes.

Com efeito, a participação de diversos atores nos processos objetivos dotados de


eficácia vinculante e erga omnes é essencial para que ocorra a integração do Direito à
sociedade284. A atuação dos terceiros enriquece a discussão, privilegiando o interesse público
e esmiuçando a questão em discussão sob diversas perspectivas, de forma a se obter uma
decisão mais segura e completa possível.

O novo CPC, por sua vez, deu tratamento específico no art. 138285 à figura do

282
AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus Curiae. Coleção Temas de Processo Civil. v.5. Salvador:
JusPODIVM, 2005, p. 05.
283
DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Amicus curiae: instrumento de participação democrática e de
aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2007, p. 111-113.
284
Nesse sentido, impende citar trechos do voto do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,
proferido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2548: “(...) Não há dúvida, outrossim, de
que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade
cumpre uma função de integração extrema mente relevante no Estado de Direito. (...) Ao ter acesso a essa
pluralidade de visões em permanente diálogo, este Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios
decorrentes dos subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão econômica que
possam vir a ser apresentados pelos “amigos da Corte”. Essa inovação institucional, além de contribuir para a
qualidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos do Tribunal
no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição. É certo, também, que, ao cumprir as funções de
Corte Constitucional, o Tribunal não pode deixar de exercer a sua competência, especialmente no que se refere à
defesa dos direitos fundamentais em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos
mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria. Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae
confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o
reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito.”
Disponível em www.stf.jus.br. Acesso em: fev. 2016.
285
CPC Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da
demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento
das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica,
órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua
intimação.
§ 1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de
recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do § 3o.
129

amicus curiae, destacando o seu papel no processo civil brasileiro, com poderes inclusive de
apresentar recursos contra o julgamento do IRDR. Não obstante, o legislador conferiu ao
relator o poder de definir os poderes processuais, o que possibilita eventual limitação da
atuação do terceiro, limitação esta, em qualquer medida, ofensiva à garantia constitucional do
contraditório substancial elemento estruturante do modelo constitucional de processo.

Entende-se que, em processos de natureza objetiva, dotados de eficácia erga


omnes e vinculante, como no caso do IRDR, eventuais restrições aos poderes processuais do
amicus curiae não se mostram compatíveis com o debate processual e a participação
democrática, essenciais ao contraditório substancial.

Nesse contexto, considera-se inconstitucional a jurisprudência firmada pelo


Superior Tribunal de Justiça que restringe os poderes processuais do amicus curiae286, além
de impedir que a Defensoria Pública287 assuma tal papel em causas repetitivas de repercussão

§ 2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus
curiae.
§ 3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas.
286
Por diversas vezes, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu restrições à atuação e intervenção do amicus
curiae nos processos de julgamento dos recursos repetitivos, o que, em última análise, restringe o debate
processual, tornando ilegítima a tese jurídica firmada. A título de exemplo, destacam-se os seguintes julgados:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MOMENTO PARA HABILITAÇÃO COMO AMICUS CURIAE EM
JULGAMENTO DE RECURSO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC. O pedido de intervenção,
na qualidade de amicus curiae, em recurso submetido ao rito do art. 543-C do CPC, deve ser realizado antes do
início do julgamento pelo órgão colegiado. Isso porque, uma vez iniciado o julgamento, não há mais espaço para
o ingresso de amicus curiae. De fato, já não há utilidade prática de sua intervenção, pois nesse momento
processual não cabe mais sustentação oral, nem apresentação de manifestação escrita, como franqueia a
Resolução 8/2008 do STJ, e, segundo assevera remansosa jurisprudência, o amicus curiae não tem legitimidade
recursal, inviabilizando-se a pretensão de intervenção posterior ao julgamento (EDcl no REsp 1.261.020-CE,
Primeira Seção, DJe 2/4/2013). O STJ tem entendido que, segundo o § 4º do art. 543 -C do CPC, bem como o
art. 3º da Resolução 8/2008 do STJ, admite-se a intervenção de amicus curiae nos recursos submetidos ao rito
dos recursos repetitivos somente antes do julgamento pelo órgão colegiado e a critério do relator (EDcl no REsp
1.120.295-SP, Primeira Seção, DJe 24/4/2013). Ademais, o STF já decidiu que o amicus curiae pode pedir sua
participação no processo até a liberação do processo para pauta (ADI 4.071 AgR, Tribunal Pleno, DJe
16/10/2009)” (Questão de Ordem no Recurso Especial nº 1.152.218/RS, relator ministro Luis Felipe Salomão,
Corte Especial, Informativo 540/STJ) “Em questão de ordem, a Corte Especial, por maioria, firmou a orientação
de não reconhecer o direito do amicus curiae de exigir a sua sustentação oral no julgamento de recursos
repetitivos, a qual deverá prevalecer em todas as Seções. Segundo o voto vencedor, o tratamento que se deve dar
ao amicus curiae em relação à sustentação oral é o mesmo dos demais atos do processo: o STJ tem a faculdade
de convocá-lo ou não. Se este Superior Tribunal entender que deve ouvir a sustentação oral, poderá convocar um
ou alguns dos amici curiae, pois não há por parte deles o direito de exigir sustentação oral ” (Questão de Ordem
no Recurso Especial n. 1.205.946/SP, relator ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, Informativo 481)
Disponível em www.stj.jus.br. Acesso em: fev. 2016.
287
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também restringe de maneira inconstitucional as
possibilidades de atuação da Defensoria Pública como amicus curiae. Sobre o tema, oportuno destacar os
seguintes julgados: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INTERVENÇÃO COMO AMICUS CURIAE EM
PROCESSO REPETITIVO. Não se admite a intervenção da Defensoria Pública como amicus curiae, ainda que
atue em muitas ações de mesmo tema, no processo para o julgamento de recurso repetitivo em que se discutem
encargos de crédito rural, destinado ao fomento de atividade comercial. Por um lado, a representatividade das
pessoas, órgãos ou entidades referidos no § 4º do art. 543-C do CPC e no inciso I do art. 3º da Resolução 8/2008
do STJ deve relacionar-se, diretamente, à identidade funcional, natureza ou finalidade estatutária da pessoa física
130

nacional. Os tribunais locais e regionais não poderão se espelhar na referida jurisprudência


para conduzir a intervenção do amicus curiae no IRDR, sobretudo porque nesse caso o
terceiro terá amplos poderes recursais reconhecido por norma especial do novo CPC (§ 3º do
art. 138).

A intervenção do amicus curiae, como terceiro objetivamente interessado, está


condicionada ainda à verificação, por parte do relator do IRDR, da relevância da matéria e da
representatividade adequada do postulante, o que constitui uma espécie de “filtro” por meio
do qual o relator admitirá ou não, fundamentadamente, a manifestação do amigo da corte.

Ou seja, o amicus curiae tem que demonstrar interesse institucional para


contribuir com o julgamento a ser proferido pelo tribunal em razão das suas atividades
estarem relacionadas com o tema objeto do IRDR ou porque desenvolve estudos e pesquisas
sobre o assunto em debate. 288

Segundo Scarpinella Bueno,

Sua intervenção deve acrescentar algo de novo para o processo. Ele deve
acrescentar algum elemento, alguma informação, algum dado, alguma coisa,
enfim, para que o juiz tenha melhores condições de julgar a causa. Todos
esses dados, evidentemente, devem sempre ser rentes ao interesse
institucional que qualifica a intervenção do amicus curiae e devem ser
analisados daquela perspectiva. É isso, repetimos, que justifica sua
intervenção.289

ou jurídica que a qualifique para atender ao interesse público de contribuir para o aprimoramento do julgamento
da causa; não é suficiente o interesse em defender a solução da lide em favor de uma das partes (interesse
meramente econômico). Por outro lado, a intervenção formal no processo repetitivo deve dar-se por meio da
entidade de âmbito nacional cujas atribuições sejam pertinentes ao tema em debate, sob pena de prejuízo ao
regular e célere andamento deste importante instrumento processual. A representação de consumidores em
muitas ações é insuficiente para a representatividade que justifique intervenção formal em processo submetido
ao rito repetitivo. No caso em que se discutem encargos de crédito rural, destinado ao fomento de atividade
comercial, a matéria, em regra, não se subsume às hipóteses de atuação típica da Defensoria Pública. Apenas a
situação de eventual devedor necessitado justificaria, em casos concretos, a defesa dessa tese jurídica pela
Defensoria Pública, tese esta igualmente sustentada por empresas de grande porte econômico. Por fim, a
inteireza do ordenamento jurídico já é defendida pelo Ministério Público Federal. (Recurso Especial n.
1.333.977/MT, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, Informativo 537/STJ) DIREITO
PROCESSUAL CIVIL. INTERVENÇÃO DA DPU COMO AMICUS CURIAE EM PROCESSO
REPETITIVO. A eventual atuação da Defensoria Pública da União (DPU) em muitas ações em que se discuta o
mesmo tema versado no recurso representativo de controvérsia não é suficiente para justificar a sua admissão
como amicus curiae. Precedente citado: REsp 1.333.977- MT, Segunda Seção, DJe 12/3/2014. (Recurso Especial
n. 1.371.128/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, Informativo 547/STJ) Disponível
em www.stj.jus.br. Acesso em: fev. 2016.
288
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 455.
289
BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 503.
131

Enfim, deve haver uma espécie de pertinência temática entre os interesses e


atividades das pessoas, dos órgãos ou entidades que almejam intervir no processo como
amicus curiae e a questão de direito debatida no IRDR, o que deverá ser aferido pelo relator.

A decisão monocrática do relator que admite e solicita informações ao terceiro é


irrecorrível, mas, a contrario sensu, a decisão que indefere a manifestação do amicus curiae
pode ser atacada por recurso, que seria o agravo interno previsto no art. 1.021 do novo CPC.
Da mesma forma, a decisão que inadmite a intervenção de alguma parte de processo
sobrestado desafia o recurso de agravo interno.

2.4.6.5 A instrução do IRDR

As partes e os terceiros intervenientes poderão requerer, no prazo comum de 15


dias, a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da
questão jurídica em debate e, em seguida, o Ministério Público deverá se manifestar, no
mesmo prazo.

O relator poderá, ainda, designar audiência pública para ouvir depoimento de


pessoas com experiência e conhecimento da matéria, para completar a instrução do IRDR.

Por envolver debate processual sobre questões repetitivas unicamente de direito,


não haverá necessidade de ampla dilação probatória, o que não impede, todavia, a juntada de
pareceres de juristas, estudos acadêmicos já desenvolvidos sobre a temática no Brasil e em
outros países, pesquisas e pareceres realizados durante o processo legislativo acerca das
normas em discussão, dados estatísticos, inclusive sobre dados financeiros e econômicos,
entre outros documentos que podem ser relevantes para o debate processual.

O fato de se tratar de questão de direito não significa, por si, que as discussões
sobre a repercussão fática não sejam relevantes para se alcançar a interpretação mais justa e
próxima à realidade subjacente aos conflitos intersubjetivos repetitivos. A título de exemplo,
para se definir a existência ou não do direito à desaposentação, poderia ser relevante a análise
demonstrativa do impacto financeiro e a repercussão sobre o equilíbrio atuarial do Regime
Geral da Previdência Social.

Nesse contexto, também se mostra relevante à instrução a possibilidade de


designação das chamadas “audiências públicas” – outro instituto que revela a natureza
jurídica do IRDR como processo objetivo – voltada à oitiva de pessoas com experiência
técnica e conhecimento na matéria em discussão, que podem contribuir para a formação da
convicção dos julgadores sobre a melhor interpretação jurídica.
132

Ao comparar a instrução probatória nos processos subjetivos, nos quais se julga


uma pretensão resistida, e nos objetivos, afirmou Anderson Moraes:

O paralelo entre a audiência pública e a audiência comum, feita em juízo e


composta pelas partes concretamente arroladas num processo judicial, é
perfeitamente possível, sendo adequado até mesmo afirmar que a primeira é
um alargamento da segunda, uma abertura à participação do público
290
indefinido num processo que tem partes igualmente indefinidas.

As audiências públicas ampliam o debate processual e, por consequência,


consagram a participação democrática da sociedade na construção da prestação jurisdicional,
na medida em que permitem que seus diversos segmentos e grupos sejam efetivamente
ouvidos pelos julgadores, aproximando o tribunal da realidade em que as normas discutidas
são vivenciadas.

A forma de realização da audiência pública deverá ser regulada no regimento


interno291 de cada tribunal local. E na ausência de regulamentação específica, caberá ao
relator do IRDR zelar pela participação paritária na audiência pública das opiniões e
manifestações pró e contra determinada interpretação da questão de direito, sob pena violação
às garantias da isonomia e do contraditório consagradas no modelo constitucional do
processo.

As audiências públicas são fundamentais ao efetivo contraditório, pois, como


outros canais da esfera pública, a exemplo das passeatas e dos jornais, conduzem a influência
da esfera pública até o sistema (que pode ser o sistema político ou o sistema jurídico, no caso
dos processos judiciais), mas de maneira institucionalizada, isto é, regulamentadas e
organizadas pelo próprio sistema, como ocorre no direito processual brasileiro.292

290
MORAES, Anderson Júnio Leal. Audiências públicas como instrumento de legitimação da jurisdição
constitucional. Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2011. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br. Acesso em: jan. 2016, p.79.
291
A título de exemplo, o procedimento das audiências públicas no Supremo Tribunal Federal foi regulado no
Regimento Interno daquela corte pela emenda 29, de 18 de fevereiro de 2009. O zelo pela participação igualitária
está previsto expressamente nos incisos II e III do parágrafo único do art. 154, que dispõem, respectivamente,
que “havendo defensores e opositores relativamente à matéria objeto da audiência, será garantida a participação
das diversas correntes de opinião” e que “caberá ao Ministro que presidir a audiência pública selecionar as
pessoas que serão ouvidas, divulgar a lista dos habilitados, determinando a ordem dos trabalhos e fixando o
tempo que cada um disporá para se manifestar”. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em jan.2016.
292
MORAES, Anderson Júnio Leal. Audiências públicas como instrumento de legitimação da jurisdição
constitucional. Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2011. Disponível em
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br. Acesso em: jan. 2016, p. 87-88.
133

Assim, para que seja assegurada a participação democrática no processo, a


audiência pública não pode ser um mero espetáculo para o público em geral e a mídia, mas
sim um conjunto de elementos de convicção produzidos de forma paritária, ou seja, com
equilíbrio das manifestações pró ou contra determinada tese jurídica, que deverão ser
efetivamente considerados pelo tribunal no julgamento do IRDR.

2.4.7 O julgamento do IRDR

O julgamento do IRDR e os seus efeitos estão regulados no artigo 984 do novo


CPC, que cuida especificamente das regras procedimentais que deverão ser observadas na
sessão de julgamento.

Constata-se, inicialmente, que serão necessárias duas sessões do órgão colegiado


competente do tribunal para a análise do incidente. A primeira, para o exercício do juízo de
admissibilidade que é privativo do órgão colegiado, especialmente do juízo positivo, uma vez
que, conforme já se demonstrou no item próprio, o relator poderá inadmitir monocraticamente
a instauração do IRDR quando manifestamente incabível. A segunda sessão, para o
julgamento do mérito do incidente voltado à definição da tese jurídica.

O relator fará a exposição do objeto do incidente, relatando as principais


ocorrências e diligências realizadas. Na referida exposição, para assegurar o pleno
contraditório, o relator deverá delimitar a questão de direito repetitiva que será objeto de
deliberação, especificando as normas jurídicas em discussão, os argumentos apresentados
pelos sujeitos processuais e a moldura fática, quando for o caso, na qual estão inseridas.

A abordagem da realidade fática subjacente, principalmente em seus aspectos


sociais e econômicos, pode ser muito importante, por exemplo, em questões tributárias, em
temas relacionados à previdência social (desaposentação, índices de reajuste, reposição da
inflação, cumulação de benefícios, etc.) e à saúde (fornecimento de medicamento não
autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA ou não fornecido pelo
SUS gratuitamente para o tratamento de determinada doença, reajuste de planos de saúde,
legalidade de vedação contratual de determinada cobertura pelo plano de saúde, etc.)

Em seguida, será dada oportunidade para a sustentação oral, no prazo de 30


(trinta) minutos, pelos advogados do autor e do réu do processo modelo, a partir do qual o
IRDR foi instaurado. Evidentemente que, se o incidente foi instaurado a partir de vários
processos modelo, todos deverão ser ouvidos. Se o incidente foi instaurado por iniciativa da
Defensoria Pública, mesmo não sendo parte no processo modelo, também terá o direito
134

processual de se manifestar.

O Ministério Público, seja como requerente do incidente ou como fiscal da lei,


também se manifestará no prazo de 30 (trinta) minutos. Os demais interessados, que se
inscreverem para sustentação oral com dois dias de antecedência, também poderão se
manifestar no prazo comum de 30 (trinta) minutos que será dividido entre si.

Dependendo da quantidade de manifestações orais, caberá à presidência da sessão


ampliar os prazos, assegurando o tempo adequado e razoável para as exposições (art. 984, §
1º). Tal prerrogativa é salutar, pois visa garantir a preservação do amplo espaço do debate
processual.

Tais regras procedimentais não são supérfluas, na medida em que o julgamento


não poderá ficar adstrito às razões escritas. Os fundamentos trazidos oralmente pelas
audiências públicas e pelos debates travados na sessão de julgamento também deverão ser
considerados pelos julgadores no acórdão proferido em prol do contraditório substancial.

Conforme preconiza a lei no § 2º do art. 984, deverão ser abrangidos pelo acórdão
“todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida”, sejam eles
favoráveis ou desfavoráveis ao entendimento adotado pelo tribunal, sob pena de nulidade do
julgado por ausência de fundamentação.

Nas palavras de Mattos, “incumbe ao órgão competente evitar o julgamento


superficial, incompleto, que possibilita aos órgãos jurisdicionais subordinados deixar de
aplicar o precedente em vários casos concretos pelo fato de apresentarem argumentos não
decididos” 293.

Com efeito, a fundamentação deve ser qualificada e analítica para legitimar a


representatividade outorgada ao Poder Judiciário pelo Estado Democrático de Direito e
consagrar o modelo constitucional de processo, pois impede o arbítrio e concretiza a garantia
fundamental do contraditório substancial, segundo o qual as partes devem ter o direito de
influenciar a decisão, conforme será abordado no capítulo 03.

Nesse contexto, determina o inciso IV do § 1º do art. 489 do novo CPC que não
deve ser considerada fundamentada a decisão judicial que não enfrente todos os argumentos
deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Os

293
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1.
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 193.
135

argumentos capazes de infirmar a conclusão são aqueles considerados relevantes para o


entendimento da controvérsia e, portanto, essenciais para a completa prestação jurisdicional.

Arenhart, Marinoni e Mitidiero294 entendem que o juiz não tem o dever de rebater
todos os argumentos superficiais ou periféricos levantados pelas partes, mas sim aqueles
relevantes, ou seja, todos os que forem capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador,
aqueles idôneos para a alteração do julgado.

Na verdade, segundo o novo modelo processual adotado, o órgão colegiado do


tribunal deverá observar todas as demais imposições do referido § 1º e do § 2º do art. 489, sob
pena de nulidade do julgamento. Isso quer dizer que o acórdão proferido no julgamento do
IRDR não poderá invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua
incidência no caso; não poderá se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato
normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; se limitar a invocar
precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; não poderá, ainda,
deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Ao motivar o julgamento do IRDR com ampla análise de todos os fundamentos


relevantes e capazes de infirmar a conclusão do tribunal universaliza a participação de todas
as partes e sujeitos interessados no processo: o juiz, ao explanar as suas razões, as partes do
processo modelo e daqueles suspensos, o Ministério Público e os terceiros interessados, ao
terem a justificativa do resultado da demanda. Dá-se, ao mesmo tempo, em razão da ampla
publicidade, a oportunidade para que a opinião pública saiba como o julgador está aplicando o
direito.

É certo, ademais, que, quanto mais qualificada for a fundamentação adotada no


julgamento do IRDR, mais fácil será para os interessados utilizarem da recorribilidade
adequada, como também a possibilidade de controle pelos tribunais superiores quanto à
justiça e legalidade da decisão que será reexaminada, no âmbito das respectivas competências.

Importante ressaltar que o julgamento do IRDR, por se tratar de um processo de


natureza objetiva, apenas define a tese jurídica, não aplicando o direito ao caso concreto em

294
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo
Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 493.
136

cada processo suspenso. A resolução individual da lide deduzida em cada demanda suspensa
continuará ocorrendo em sentenças próprias, que poderão, inclusive, ser de sentido final
diverso, por imposição de quadro fático distinto analisado pelo juiz natural da causa.295

O caráter normativo da ratio decidendi do acórdão proferido no IRDR,


considerado uma espécie de precedente vinculante do CPC/2015, não exime o intérprete de
selecionar os fatos relevantes a serem extraídos para comporem a norma que servirá de ponto
de partida para os casos concretos objeto de julgamento. Interpretação contrária implicará o
engessamento da interpretação do direito e a mecanização da aplicação das normas jurídicas
ao caso concreto em total afronta à independência judicial.

Conforme advertem os professores Dierle Nunes, Humberto Theodoro Jr.,


Alexandre Bahia e Flávio Pedron:

(...) o uso do direito jurisprudencial não se limita à mera transcrição


mecânica de ementas, trechos de votos ou enunciados de súmula, escolhidos
em consonância com o interesse de confirmação do aplicador, de acordo
com suas preferências; é preciso promover uma reconstrução de toda a
história institucional do julgamento do caso, desde o seu leading case, para
que evitemos o clima de self-service insano, ao gosto do intérprete, que
vivenciamos na atualidade.296

O debate processual e a fundamentação qualificada no julgamento do IRDR são,


enfim, fundamentais para assegurar a sua compatibilidade com o modelo constitucional do
processo.

Em razão disso, Luiz Norton Batista Mattos defende que, em situações


excepcionais, o órgão colegiado do tribunal, em atenção ao princípio do contraditório e da
ampla defesa, ao constatar que a argumentação jurídica em torno da questão de direito não foi
apresentada de maneira “satisfatória, suficiente, vigorosa e completa”297 e que a definição da
tese jurídica comporta debate mais amplo e profundo, deverá extinguir o IRDR ao término do
procedimento, sem prejuízo de novo instauração, nos termos do §3º do art. 976 do novo CPC.
O contraditório não foi devidamente assegurado no curso do incidente de modo que não será

295
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 736.
296
THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre Melo Franco Bahia;
PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e sistematização. Lei 13.105, de 16.03.2015. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 392.
297
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1..
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 195.
137

possível a produção de decisão paradigmática e vinculante.

Nos moldes do procedimento-modelo alemão e da ordem de litígio em grupo


inglês, a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes da tese jurídica firmada no
julgamento do IRDR serão sucedidos da mais ampla divulgação, sendo registrados em
cadastro eletrônico que deverá ser criado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. (art. 979
do novo CPC já citado)

Conforme já se destacou quando da análise da suspensão automática dos


processos, o incidente deverá ser julgado no prazo de um ano, tendo preferência sobre os
demais processos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. (art.
980 do novo CPC)

Transcorrido o prazo legal, cessará a suspensão dos processos pendentes,


individuais ou coletivos, que versam sobre a questão de direito repetitiva e que estejam em
curso na área de competência do tribunal.

Todavia, o parágrafo único do art. 980 do novo CPC permite que o relator
prorrogue a suspensão, se entender necessário, por decisão fundamentada. Nesse caso, não
haverá limite de tempo para a suspensão, o que constitui um verdadeiro “cheque em branco”
dado ao tribunal que, diante da enorme morosidade do Sistema de Justiça, já abordada
criticamente no primeiro capítulo, poderá gerar enorme represamento dos processos,
engessando o debate processual e, por conseguinte, obstando a formação de jurisprudência
sobre a questão de direito controvertida já que todos os órgãos vinculados ao tribunal e os
juízes de primeira instância não poderão se manifestar sobre a questão.

A demora processual e o engessamento da jurisprudência poderão ser ainda mais


perversos ao longo do tempo, pois a lei brasileira, ao contrário do previsto no direito
comparado, não conferiu a possibilidade das partes dos processos suspensos requererem o
prosseguimento de suas causas para não se submeterem aos efeitos do IRDR. Vale dizer, não
foi previsto o direito de optar (right to opt) entre a inclusão (right to opt in) ou a exclusão
(right to opt out) da demanda coletiva em tramitação, o que pode caracterizar violação ao
acesso à Justiça e, outrossim, ao modelo constitucional de processo.

2.4.8 Os efeitos do julgamento do IRDR e o cabimento da reclamação

Os efeitos do julgamento do IRDR estão previstos no art. 985 do CPC/2015 e


talvez constituem o ponto mais polêmico do novel instituto, visto que inserido no regime dos
“precedentes vinculantes” trazido pelo Código.
138

O art. 985 determina, de forma imperativa, que a tese jurídica definida no


julgamento do IRDR será aplicada indistintamente a todos os processos individuais ou
coletivos que versem sobre a mesma questão de direito e tramitem na área de competência do
tribunal, inclusive aqueles em tramitação nos juizados especiais do respectivo estado ou
região, bem como aos processos futuros sobre a mesma questão, enquanto não operada a
revisão da tese pelo mesmo tribunal.

Trata-se de efeito erga omnes e vinculante antes visto no direito processual


brasileiro apenas nos casos de controle concentrado de constitucionalidade e das súmulas
vinculantes.

Em relação às causas futuras, se a petição inicial tiver pedido que contrarie a tese
jurídica firmada no julgamento do IRDR, caberá o julgamento liminar (ou imediato) de
improcedência do pedido, antes mesmo da citação do réu e desde que não seja necessária
dilação probatória sobre os fatos alegados pelo autor, nos termos do art. 332, inciso III da
novel legislação.

O julgamento do IRDR tem efeitos gerais pro et contra, ou seja, vincula os


envolvidos (partes do processo modelo, dos suspensos e dos futuros, assim como os
intervenientes) tanto se favorável, quanto se desfavorável, sem a possibilidade de que as
partes dos processos suspensos possam pedir a sua exclusão da aplicação da tese que vier a
ser firmada. Tal consequência jurídica o diferencia totalmente do regime jurídico das ações
coletivas previsto no direito brasileiro, por meio de representação ou substituição processual,
no qual a coisa julgada é secundum eventum litis, vinculando os substituídos apenas se os
beneficiar.

Daí a maior importância que se deve conferir à efetiva participação das partes na
construção da decisão judicial, sob pena de se caracterizar a incompatibilidade do novel
instituto com o modelo constitucional de processo.

Nesse novo modelo processual, portanto, os juízes de primeira instância e os


demais julgadores do tribunal, mesmo que discordem da ratio decidendi determinante da tese
jurídica fixada no IRDR, deverão adotá-la obrigatoriamente nos processos em tramitação e
nos futuros, tendo sido previsto, inclusive, o cabimento da reclamação – como instrumento
processual de garantia da força vinculante – contra as decisões judiciais que não observarem a
tese jurídica definida no julgamento do incidente, nos termos do previsto no § 1º do art. 985.

A propósito, Marcos Cavalcanti cita o exemplo do Tribunal Regional Federal da


139

1ª Região para ilustrar a ideia central do IRDR:

(...) a decisão proferida no âmbito do julgamento de mérito do IRDR tem efeito


vinculante sobre todas as demais causas repetitivas na área de competência do
tribunal, mesmo que estejam em tramitação nos juizados especiais. Por
exemplo, decisão proferida no julgamento de mérito do IRDR instaurado no
Tribunal Regional Federal da 1ª Região terá eficácia vinculante sobre todas as
causas repetitivas que tramitam, em primeira e em segunda instâncias, nos entes
federativos englobados pela referida região, quais sejam: o Distrito Federal e os
Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso,
Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima e Tocantins.298 (CAVALCANTI,
2015, p. 461)

Tal como a súmula vinculante, a tese jurídica firmada terá forte impacto na
atividade jurisdicional, especialmente na exercida pela primeira instância, pois terá eficácia
erga omnes dentro da área de competência do tribunal que julgou o incidente, não se
restringindo apenas aos processos em tramitação, mas projetando-se também, pela vontade da
lei, sobre as causas futuras, como em um regime de precedentes vinculantes.

Observa-se aqui uma nítida diferença com o procedimento-modelo do sistema


alemão. Naquele procedimento, o efeito do julgamento é vinculante, mas limitado, pois não se
aplica às causas futuras, mas apenas aos processos suspensos durante a tramitação do
incidente.

Segundo Antônio do Passo Cabral299, no sistema alemão, os intervenientes


também escapam dos efeitos da decisão no caso de a parte escolhida para ser líder processual
(Musterkläger) não tiver feito uso dos meios de ataque e defesa adequados, prejudicando o
debate processual na definição da tese jurídica. Trata-se, a toda evidência, de uma específica
forma de controle de representatividade prevista no sistema alemão. Os interessados não serão
atingidos pela eficácia da decisão-modelo se a atuação processual foi deficiente, se o líder
processual não se utilizou por culpa grave dos meios de ataque e defesa cabíveis, o que não
foi trazido para o IRDR do direito brasileiro.

Não obstante tais diferenciações consideradas fundamentais para a


compatibilidade constitucional do instituto, para Humberto Theodoro Jr., não importa que o
regramento do IRDR tenha se afastado do procedimento-modelo do sistema alemão. Na visão

298
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 746.
299
CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma alternativa às
ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, p. 139.
140

do respeitado processualista, “trata-se de instituto concebido e aperfeiçoado pelo direito


brasileiro, sem qualquer ofensa ao sistema do processo constitucional idealizado por nossa
Carta Magna”300.

No entendimento de Humberto Theodoro Jr.301, também não caracteriza violação


à Constituição a previsão, por lei ordinária, de casos de jurisprudência dotada de força
vinculativa, fora das previsões constitucionais. Afirma que, no julgamento do agravo
regimental na Reclamação nº. 1.880 (DJ 19/03/2004), relatado pelo Ministro Maurício Corrêa,
o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a Lei 9.868, de 1999, que estabeleceu
o efeito vinculante para os julgamentos de todas as ações de controle de constitucionalidade,
apesar da Constituição, àquela época, somente conferir tal eficácia às ações declaratórias de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

A referida posição, no entanto, não é compartilhada por Artur César de Souza, que
considerada manifestamente inconstitucional a previsão de eficácia vinculante ao julgamento
do IRDR. Defende o jurista que “em nosso ordenamento jurídico somente haverá eficácia
vinculante quando a decisão for objeto de súmula vinculante ou de ações abstratas de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade”302.

Assim, a eficácia vinculante da decisão do IRDR ficaria restrita aos órgãos


fracionários do tribunal que o julgou, justamente por serem órgãos integrantes do próprio
tribunal. Em relação aos demais órgãos da jurisdição de primeiro grau, o julgamento teria
efeito apenas persuasivo de interpretação, sem o caráter obrigatório que se impôs na novel
legislação.

Devido a gravidade do tema, o regime de “precedentes vinculantes” previsto pelo


CPC/2015, a extensão dos efeitos vinculantes do IRDR em relação aos juízes de primeiro
grau e sua (in)compatibilidade com a garantia constitucional da independência judicial
merecerão análise em capítulo próprio.

2.4.8.1 Os efeitos do IRDR em relação aos Juizados Especiais

300
THEODORO JR., Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 746.
301
THEODORO JR., Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 749.
302
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 160.
141

A segunda parte do inciso I do art. 485, já citado, também impôs a extensão dos
efeitos vinculantes do julgamento do IRDR aos processos que versarem sobre a mesma
questão de direito em tramitação nos juizados especiais no respectivo Estado ou região.

Importante ressaltar que a extensão dos efeitos do IRDR aos juizados não estava
prevista no anteprojeto do novo Código e tampouco no projeto que tramitou inicialmente no
Senado da República.

A previsão normativa foi introduzida pelo texto substitutivo apresentado pelo


deputado Paulo Teixeira e aprovado na Câmara dos Deputados. Tal inovação recebeu
aprovação no Senado, conforme se pode inferir do parecer final apresentado pelo Senador
Vital do Rêgo, que defendeu, inclusive, a sua constitucionalidade, in verbis:

Quanto ao art. 995 do SCD, que estende o alcance da tese jurídica fixada
pelo pertinente Tribunal a toda área de sua jurisdição, com inclusão dos
juizados especiais do respectivo estado ou região, é preciso reconhecer a sua
adequação. De fato, contra a extensão dos efeitos do julgamento do incidente
de demandas repetitivas aos Juizados Especiais, ergue-se a tese da
inconstitucionalidade, que, em um primeiro momento, falsamente convence.
Alega-se, em suma, que, como a Carta Magna não deferiu competência
recursal aos Tribunais para decisões prolatadas no âmbito dos Juizados
Especiais, seria inconstitucional estender os efeitos de julgamentos feitos por
aqueles aos Juizados. No entanto, essa não é a melhor leitura da Carta
Magna.
Em primeiro lugar, recorda-se que, no arranjo de competência desenhado
pela Constituição Federal, com posterior esclarecimentos trazidos pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) e pela legislação ordinária, o Superior
Tribunal de Justiça (STF) assumiu o papel de, em última instância, pacificar
a interpretação da legislação infraconstitucional, ao passo que o STF, o de
uniformizar a interpretação da Carta Magna. Causas provenientes dos
juizados especiais desaguarão no STJ ou no STF para uniformização de teses
jurídicas, seja por conta da reclamação (admitida pelo STF para os Juizados
Especiais Estaduais), seja na forma da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001
(para os Juizados Especiais Federais). Esse fato demonstra que a intenção do
legislador é a de garantir, ao máximo, que todos os brasileiros tenham acesso
a uma resposta jurisdicional uniforme. O incidente de resolução de resolução
de demandas repetitivas segue essa orientação constitucional.
Em segundo lugar, os Juizados Especiais e os Tribunais locais e regionais
costumeiramente apreciam matérias jurídicas idênticas. Por exemplo,
demandas de revisão de contratos bancários, com alegação de abusividade de
taxa de juros, frequentam os Juizados Especiais e os Tribunais. A diferença é
que, no âmbito dos Juizados, há valor de alçada. Nesses casos, diante de
demandas multidinárias, a Constituição Federal, prestigiando o princípio da
duração razoável do processo, sediada no art. 5º, e reconhecendo a
competência dos Tribunais para pacificar o Direito no Estado ou na Região,
empresta seu irrestrito beneplácito a que os Tribunais possam, em sede de
incidente de resolução de demandas repetitivas, garantir a solução de
milhares de milhares de processos com teses idênticas de modo uniforme,
com possibilidade de eventual provocação futura do STJ, corte incumbida da
unificação nacional da interpretação da legislação infraconstitucional.
142

O princípio constitucional da duração razoável do processo e o desenho de


competência jurisdicional feito pela Lei Maior com olhos na busca de uma
tutela jurisdicional efetiva e uniforme aos brasileiros de cada estado ou
região aplaudem a solução empregada pelo caput do art. 995 do SCD.
Portanto, é forçosa a manutenção do seu teor, com os ajustes redacionais que
303
haverão de ser explicitados.

A título de exemplo, segundo a novel legislação, a tese jurídica definida no


julgamento do IRDR no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região vincularia os
juízes de primeiro grau dos juizados especiais federais dos 13 (treze) Estados e o Distrito
Federal abrangidos pela 1ª Região, os juízes das turmas recursais sediadas em cada Estado, e
ainda os juízes da turma regional de uniformização de jurisprudência na 1ª. Região. As turmas
regionais foram criadas pela Lei 10.259 de 2001 para dirimir a divergência de interpretação
entre turmas recursais pertencentes à mesma região no âmbito da justiça federal.

Em razão da área territorial, os efeitos vinculantes do IRDR somente não


alcançariam os juízes federais atuantes na turma nacional de uniformização de jurisprudência
(TNU) prevista para dirimir, em âmbito nacional, a divergência de interpretação de direito
material entre turmas recursais dos juizados situadas em regiões diferentes da justiça federal.

No exemplo acima, a turma regional de uniformização de jurisprudência da 1ª


Região estaria vinculada ao julgamento do IRDR proferido pelo Tribunal Regional Federal da
1ª Região, mas eventual recurso cabível contra o julgamento da turma não poderia ser julgado
pelo referido tribunal. O recurso poderia ser endereçado à turma nacional de uniformização e,
em caso de matéria constitucional, ao próprio Supremo Tribunal Federal, os quais não
estariam vinculados aos efeitos do julgamento do IRDR proferido no âmbito da 1ª Região.

Assim, eventual julgamento da turma nacional dos juizados poderia divergir do


julgamento do IRDR proferido por um determinado Tribunal Regional Federal, já que não é
alcançada pelos efeitos vinculantes do incidente, gerando conflito de interpretações e
insegurança jurídica, pois não se saberia se os juízes daquela respectiva região deveriam
seguir a tese jurídica firmada no IRDR ou a interpretação uniformizada pela turma nacional
dos juizados federais, cuja atribuição uniformizadora é prevista pela legislação especial de
regência do microssistema dos juizados.

Para Aluisio Mendes e Odilon Romano Neto, no entanto, a extensão do incidente

303
Texto disponível no endereço: www.senado.leg.br. Parecer Final n. 956, de 2014, relatado pelo Senador Vital
do Rêgo sobre o substitutivo aprovado na Câmara dos Deputados, p. 177-178. Acesso em: fev. 2016.
143

de resolução de demandas repetitivas aos Juizados Especiais, em conformidade com o


disposto no art. 985, I, do novo Código, vem, de certa forma, suprir as deficiências do sistema
de uniformização atualmente existente no microssistema dos Juizados Especiais, conferindo
mais uniformidade à jurisprudência do âmbito de um mesmo Estado ou região e assegurando
um tratamento isonômico ao jurisdicionado:

(...) cabe reconhecer que a extensão da aplicação do incidente de resolução


de demandas repetitivas aos Juizados Especiais não se afigura
inconstitucional, por eventual contrariedade ao disposto no artigo 98, I, da
Constituição da República de 1988, na medida em que não há um
deslocamento do julgamento das causas em tramitação nos Juizados
Especiais para os respectivos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais
Federais, mas apenas a extensão da aplicação da tese jurídica nestes firmada,
nos moldes do que já existe atualmente em relação ao Superior Tribunal de
Justiça, de detém a palavra final nos mecanismos de uniformização presentes
nas Leis 10.259/01 e 12.153/09, havendo o Supremo Tribunal Federal já
reconhecido a constitucionalidade deste modelo. 304

No mesmo sentido, o entendimento de Scarpinella Bueno305, para o qual a solução


dada pelo CPC/2015 é, inquestionavelmente, a mais prática e “lógica”, fazendo eco, até
mesmo, à Resolução n. 12/2009 do STJ, que, em última análise, permite que aquele tribunal
superior controle o conteúdo das decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais de
todo o país por intermédio de reclamações.

Não obstante essas e outras respeitadas vozes em sentido contrário306, a


incoerência sistêmica que se apresenta com a extensão dos efeitos do IRDR aos juizados
especiais caracteriza ofensa à Constituição da República em razão da manifesta ausência de
competência funcional dos tribunais locais ou regionais para uniformizarem a interpretação
jurídica no âmbito dos juizados especiais. Ainda que o propósito seja de conferir segurança

304
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; NETO, Odilon Romano. O incidente de resolução de demandas
repetitivas (IRDR) e os Juizados Federais. In: GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção
Repercussões do Novo CPC, Magistratura. v. 1. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 58-59.
305
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 629.
306
A defesa da extensão dos efeitos do IRDR aos juizados também encontra respaldo nas lições de: ATAÍDE
JR., Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto do novo Código de Processo Civil. In: FREIRE,
Alexandre (org.). Novas tendências do Processo Civil: estudos sobre o projeto do novo Código de Processo
Civil. v. 3. Salvador: Juspodivm, 2014, p. 50-54. Destaca-se, ainda, o Enunciado n. 93 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis – FPPC, segundo o qual admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas,
também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a mesma questão objeto do incidente e que
tramitem perante os juizados especiais no mesmo estado ou região. (In: NUNES, Dierle; SILVA, Natanael Lud
Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015. Referenciado com os dispositivos correspondentes no
CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e
com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 392)
144

jurídica e isonomia aos litigantes dentro de determinado território, o vício que se apresenta é
de natureza formal e insuperável.

Os tribunais não possuem competência funcional e hierarquia jurisdicional para


reexaminar as decisões, sentenças e acórdãos proferidos pelos juízes atuantes nos juizados
especiais, inclusive através de meios impugnativos autônomos como, por exemplo, o
mandado de segurança, conforme já decidiram o Supremo Tribunal Federal307 e o Superior
Tribunal de Justiça308. Em razão disso, não é possível a lei ordinária conferir competência
originária para que os tribunais julguem ação autônoma de reclamação em face de
julgamentos dos juizados.

Com efeito, os juizados especiais federais e estaduais estão subordinados,


respectivamente, aos tribunais regionais federais e aos tribunais de justiça apenas no aspecto
administrativo, de modo que os atos jurisdicionais dos referidos tribunais não podem interferir
de forma vinculante nos juizados, gerando a insegurança jurídica que o incidente visa coibir
haja vista a possibilidade divergência com o entendimento manifestado pela turma nacional
de uniformização.

Nesse contexto, parece ilógico no sistema processual estabelecer a eficácia


vinculante entre órgãos do Poder Judiciário sem hierarquia ou subordinação processual entre
si. A propósito, merece destaque a lição de Luiz Norton Baptista de Mattos:

A jurisprudência dominante, os precedentes e as súmulas de um tribunal


somente podem adquirir eficácia vinculativa quanto aos órgãos judiciários
que lhe são inferiores ou subordinados na hierarquia jurisdicional. Essa
hierarquia jurisdicional de derrogação implica a atribuição ao tribunal de
poder funcional, de competência para a revisão, o reexame e a reforma da
decisão do órgão jurisdicional inferior através de recurso ou de ação
autônoma de impugnação. Se o tribunal não pode, de maneira alguma,
reformar a decisão do órgão judiciário de primeiro grau, por não se colocar,
na linha recursal, como instância revisora, a sua jurisprudência não poderá
ser de observância compulsória pelo último, devido à singela razão de que o

307
O Supremo Tribunal Federal decidiu que a competência para o processamento e julgamento do mandado de
segurança para o controle de decisão de juiz em exercício nos juizados especiais, contra a qual a legislação
especial não prevê a admissibilidade de qualquer recurso, é originária das respectivas turmas recursais, e não do
tribunal de justiça ou tribunal regional federal, caso a autoridade coatora seja juiz de juizado especial federal.
(Reclamação n. 1086-RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 19/11/2004, p. 30). No
entendimento do Ministro Ricardo Lewandowski, as turmas recursais qualificam-se como órgãos recursais
ordinários de última instância em relação aos julgamentos dos juizados especiais, de modo que os juizados e as
respectivas turmas recursais não estão sujeitos à jurisdição dos tribunais de justiça e dos tribunais regionais
federais no âmbito da justiça estadual e federal, respectivamente. (STF, Tribunal Pleno, RE n. 586.789/PR,
Relator Ministro Ricardo Lewandowski, com repercussão geral, acórdão eletrônico publicado em 24/02/2012)
308
A propósito do tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 376, segundo a qual “compete à
turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”.
145

tribunal não teria meios para impor-lhe obediência aos seus julgados.309

Entende-se que o microssistema dos juizados especiais já possui mecanismos


suficientes para a uniformização jurisprudencial no âmbito de sua estrutura hierárquica, de
modo que a extensão a eles dos efeitos vinculantes do julgamento do IRDR constitui uma
ingerência inconstitucional.

Conforme entendimento jurisprudencial pacífico310, após o esgotamento dos


recursos previstos na legislação especial do microssistema dos juizados que sejam
endereçados às turmas recursais, será sempre possível a revisão do julgamento e a
uniformização da interpretação da questão constitucional pela mais alta corte do país,
mediante a interposição do recurso extraordinário, na forma do art. 102, inciso III e alíneas da
Constituição da República. Assim, em última análise, caberá ao próprio Supremo Tribunal
Federal definir, em matéria constitucional, a uniformização da interpretação jurídica através
do regime da repercussão geral.

É de se destacar também que o Supremo Tribunal Federal, em polêmico


311
julgamento , conferiu ao Superior Tribunal Justiça o papel de uniformização da

309
MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC. In:
GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.).Coleção Repercussões do Novo CPC, Magistratura, v. 1..
Salvador: Juspodivm, 2015, p. 207.
310
A propósito, cita-se a ementa do julgamento da reclamação n. 2.132-MG, relatado pelo Ministro Celso de
Mello, 2ª Turma, DJU 14/02/2003: JUIZADO ESPECIAL (LEI Nº 9.099/95) - DECISÃO EMANADA DE
TURMA RECURSAL - CABIMENTO, EM TESE, DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO - JUÍZO
NEGATIVO DE ADMISSIBILIDADE - INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUSA
DE SEU PROCESSAMENTO - HIPÓTESE CONFIGURADORA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. - As decisões de
Turmas Recursais, proferidas em causas instauradas no âmbito dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95), são
passíveis de impugnação mediante recurso extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, desde que se
evidencie, no julgamento do litígio, a existência de controvérsia de natureza constitucional. Precedentes. - Cabe
reclamação, para o Supremo Tribunal Federal, nos casos em que o Presidente da Turma Recursal, usurpando
competência outorgada à Suprema Corte, nega trânsito a agravo de instrumento interposto contra decisão que
não admitiu recurso extraordinário. Precedentes.
311
Trata-se do julgamento dos embargos de declaração interpostos no recurso extraordinário n. 571.572, da
relatoria da então Ministra Ellen Gracie, cujo acórdão foi publicado no DJe em 27/11/2009. Em razão do novo
paradigma criado pelo entendimento do STF, importante destacar a ementa do referido julgado: EMBARGOS
DE DECLARAÇÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO
EMBARGADO. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICAÇÃO ÀS
CONTROVÉRSIAS SUBMETIDAS AOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS. RECLAMAÇÃO PARA O
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CABIMENTO EXCEPCIONAL ENQUANTO NÃO CRIADO, POR
LEI FEDERAL, O ÓRGÃO UNIFORMIZADOR.
1. No julgamento do recurso extraordinário interposto pela embargante, o Plenário desta Suprema Corte apreciou
satisfatoriamente os pontos por ela questionados, tendo concluído: que constitui questão infraconstitucional a
discriminação dos pulsos telefônicos excedentes nas contas telefônicas; que compete à Justiça Estadual a sua
apreciação; e que é possível o julgamento da referida matéria no âmbito dos juizados em virtude da ausência de
complexidade probatória. Não há, assim, qualquer omissão a ser sanada.
146

interpretação da legislação infraconstitucional no âmbito dos juizados especiais estaduais e


federais.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que, diante da ausência, àquela época, de


turma de uniformização no âmbito dos juizados estaduais, o Superior Tribunal de Justiça
também poderia exercer tal função, por meio da reclamação, quando os juizados divergissem
da sua interpretação sedimentada.

Importante ressaltar que, ao contrário do que se possa imaginar, o entendimento


do STF não chancelou a possibilidade de se atribuir competência aos tribunais locais para
exercerem o papel uniformizador da jurisprudência dos juizados. A corte superior apenas
entendeu que, na ausência de um sistema uniformizador nos moldes dos juizados federais, o
Superior Tribunal de Justiça deveria desempenhar a sua missão constitucional de uniformizar
a interpretação infraconstitucional também no microssistema dos juizados estaduais.

Embora não seja cabível a interposição do recurso especial, a Lei 10.259, de 2001,
que regulou os juizados especiais federais, já dispunha, nos §§§ 4º, 5º e 6º do art. 14, sobre a
possibilidade do Superior Tribunal de Justiça ser chamado a intervir quando a decisão da
turma nacional de uniformização divergir daquela corte quanto à interpretação da legislação
infraconstitucional.

Após o referido julgamento do Supremo Tribunal Federal, previsão normativa


semelhante constou do §3º do art. 18 e do art. 19, caput, da Lei 12.153, de 2009, que regulou
os juizados especiais no âmbito da Fazenda Pública dos Estados e do Distrito Federal.

As disposições das referidas leis ordinárias são, a toda evidência, de duvidosa


constitucionalidade, porquanto a previsão de novas competências do Superior Tribunal de
Justiça deveria constar diretamente da Constituição da República, mediante emenda

2. Quanto ao pedido de aplicação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, observe-se que aquela
egrégia Corte foi incumbida pela Carta Magna da missão de uniformizar a interpretação da legislação
infraconstitucional, embora seja inadmissível a interposição de recurso especial contra as decisões proferidas
pelas turmas recursais dos juizados especiais.
3. No âmbito federal, a Lei 10.259/2001 criou a Turma de Uniformização da Jurisprudência, que pode ser
acionada quando a decisão da turma recursal contrariar a jurisprudência do STJ. É possível, ainda, a provocação
dessa Corte Superior após o julgamento da matéria pela citada Turma de Uniformização. 4. Inexistência de órgão
uniformizador no âmbito dos juizados estaduais, circunstância que inviabiliza a aplicação da jurisprudência do
STJ. Risco de manutenção de decisões divergentes quanto à interpretação da legislação federal, gerando
insegurança jurídica e uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio
eficaz para resolvê-la.
5. Embargos declaratórios acolhidos apenas para declarar o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação
prevista no art. 105, I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da turma de uniformização
dos juizados especiais estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação
infraconstitucional.
147

constitucional, e não por lei ordinária como ocorreu no caso dos juizados. Para Cunha, “em
razão do princípio da tipicidade, as competências dos órgãos jurisdicionais são apenas as
expressamente previstas na Constituição”312.

A despeito disso, a citada interpretação dada pelo STF acabou por conferir, ao
menos implicitamente, legitimidade constitucional à previsão dos §§§ 4º, 5º e 6º do art. 14 da
Lei 10.251 e do § 3º do art. 18 e do art. 19, caput, da Lei 12.153, de 2009, para assegurar a
uniformização da interpretação jurídica nos juizados especiais.

Dentro do referido contexto normativo, entende-se que o microssistema dos


juizados já é dotado de meios próprios de uniformização interpretativa, não sendo cabível a
extensão dos efeitos do IRDR especialmente quando julgado apenas no âmbito do tribunal
local ou regional.

Para haver compatibilidade com a Constituição, a única hipótese em que os


efeitos do julgamento do IRDR repercutiriam, de fato, sobre os processos em tramitação nos
juizados, em qualquer de suas instâncias, seria quando houvesse o julgamento do recurso
extraordinário ou do recurso especial interpostos contra o acórdão proferido no incidente,
conforme previsto no § 2º do art. 987 do novo CPC.

Como é cediço o STF e o STJ são órgãos do Poder Judiciário dotados de


atribuição constitucional de definição das teses jurídicas, respectivamente, acerca da
Constituição e da legislação infraconstitucional, assumindo, portanto, papel de sobreposição
em relação aos tribunais locais e regionais, bem como em relação ao juizado especial.

Por isso a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior
Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou
coletivos que versarem sobre a mesma questão de direito, o que inclui, por coerência
sistêmica e por competência funcional dos referidos tribunais superiores, aquelas causas em
tramitação nos juizados.

2.4.8.2 Os efeitos do IRDR em relação à Administração Pública

Quando se pensa em efetividade da jurisdição e em diminuição da litigiosidade no


cenário de crise do Poder Judiciário, os entes públicos – sejam eles federais, estaduais ou
municipais – devem ser colocados em um patamar diferenciado em relação aos demais

312
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Jurisdição e competência. São Paulo: RT, 2008, p. 47.
148

litigantes. Isso porque lidam com o interesse público e os anseios sociais, de maneira que suas
condutas administrativas afetam diretamente um grande universo de pessoas.

Nesse contexto, para que sejam implementados mecanismos realmente eficientes


de solução de conflitos e de aplicação dos precedentes judiciais, é imprescindível que a
Administração Pública seja colocada como um de seus principais destinatários, obrigando-a,
quando derrotada, a mudar suas práticas administrativas, em caráter geral, e não somente em
favor da parte vitoriosa na demanda judicial.

A circunstância acidental de o administrado ter ajuizado ação judicial não pode


ser considerada fator legítimo de discriminação para justificar condutas distintas da
Administração Pública na concretização do sentido da norma jurídica definitivamente fixada
por precedente judicial. A interpretação da norma é uma só, já acertada pelo Poder Judiciário,
e, portanto, deve ser aplicada a todos pelo Estado.

Em que pese o novo CPC tenha instituído um sistema de precedentes dotados de


eficácia vinculante com o propósito de conferir maior uniformidade, coerência, estabilidade e
previsibilidade da jurisprudência, não há previsão específica na lei da extensão dos efeitos
vinculativos aos entes públicos, maiores litigantes do Sistema de Justiça. De igual modo, não
foi previsto o cabimento da reclamação para fazer valer a autoridade do precedente judicial
em face de conduta da Administração Pública.

O art. 927 da novel legislação processual dispõe apenas que os juízes e tribunais
deverão observar nos seus julgados as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade, os enunciados de súmulas vinculantes, das súmulas do
Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em
matéria infraconstitucional, os acórdãos preferidos em incidentes de assunção de competência
ou de resolução de demandas repetitivas e de julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos e, por fim, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados.

Com exceção das hipóteses de julgamento do controle concentrado de


constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e das súmulas vinculantes, cuja eficácia
vinculante e erga omnes, inclusive para a Administração Pública, consta da própria
Constituição, as demais hipóteses da norma acima referida adquiriram eficácia vinculante por
lei ordinária restrita apenas ao âmbito da estrutura hierárquica do Poder Judiciário.

Assim, a tese jurídica firmada no julgamento do IRDR deverá ser adotada


149

obrigatoriamente pelos juízes de primeiro grau, mas, por outro lado, paradoxalmente, não
precisará ser adotada, em caráter geral, pela Administração Pública, não havendo a previsão
normativa de qualquer sanção para eventual inércia dos entes públicos em adequar suas
condutas e práticas administrativas à interpretação jurídica sedimentada no julgamento do
incidente. Ou seja, o Poder Público poderá continuar incentivando a litigiosidade a despeito
da posição pacificada no âmbito do Poder Judiciário.

De maneira muito tímida e insuficiente para coibir a litigiosidade, o § 2º do art.


985 previu, no caso do julgamento do incidente de resolução de demandas repetitivas, que
versarem sobre questão afeta a prestação de serviço público objeto de delegação, que o
resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora
competente para fiscalização da efetiva aplicação da tese adotada, por parte dos entes sujeitos
a regulação. O mesmo efeito foi previsto no inciso IV, do art. 1.040 do novo Código de
Processo Civil para os casos dos julgamentos dos recursos especial e extraordinário
repetitivos.

Fora do âmbito interno do Poder Judiciário, a eficácia vinculante do incidente


seria restrita aos particulares delegatórios do serviço público que, embora também se
enquadrem como litigantes habituais nas estatísticas do Conselho Nacional de Justiça, não
respondem pela maioria das ações em tramitação.

Entende-se que o dispositivo é muito claro ao determinar a efetiva aplicação da


tese jurídica fixada no IRDR por parte dos entes sujeitos à regulação. Trata-se, sem dúvida, da
mesma eficácia vinculante prevista no art. 927, mas agora estendida a alguns sujeitos
delegatórios de serviços públicos, razão pela qual será cabível o ajuizamento da reclamação
por interpretação sistemática.

Para Sofia Temer, no entanto, o referido dispositivo legal, ao contrário do previsto


no art. 927, não possui eficácia vinculante, mas apenas eficácia persuasiva:

Esse dispositivo deve ser lido, pensamos, como um mecanismo que confere
uma eficácia persuasiva em relação à administração pública. A comunicação
pode levar à alteração da conduta dos prestadores dos prestadores de serviço
público, por exemplo, ainda que isso decorra de uma questão financeira
(pelo cálculo do custo da litigância nesta hipótese) e não da direta obediência
à tese. O significado do art. 985, §2º, é diverso, portanto, do significado do
art. 927. Enquanto este prevê a eficácia vinculativa, aquele dispõe de uma
eficácia que não é compreendida como diretamente obrigatória, e, por isso,
não prevê uma subordinação. Uma das consequências dessa diferenciação é
que não caberá reclamação contra ato da administração pública que não
150

observar tese fixada no IRDR.313

Qual a razão de não se ter conferido pela lei a mesma eficácia vinculante dos
precedentes judiciais para os entes públicos em geral e demais litigantes habituais nos demais
casos de julgamentos de casos repetitivos ou de enunciados de súmula do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça? Interessa realmente ao Poder Público modificar
suas práticas administrativas em razão dos precedentes judiciais? As respostas para tais
indagações dependerão da atitude do Poder Público diante dos precedentes judiciais após a
vigência do CPC/2015.

É importante admitir, todavia, que os entes públicos federais – grandes


responsáveis pelo excesso de litigiosidade, no âmbito da justiça federal e dos tribunais
superiores – estão tentando, ainda que de maneira tímida, adotar critérios para que se
reconheça a desnecessidade de prosseguir com determinado litígio314, além de medidas de
valorização da chamada “jurisprudência iterativa dos tribunais”315 no intuito de diminuir a sua
presença em juízo.

Nota-se que as medidas legislativas adotadas no âmbito da Administração Pública


Federal dão especial prerrogativa ao Advogado-Geral da União316 de eleger os casos em que a

313
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 221.
314
A propósito, a Lei 9469/97, que regulamenta o disposto no inciso VI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de
10 de fevereiro de 1993, prevê que “o Advogado-Geral da União poderá dispensar a inscrição de crédito,
autorizar o não ajuizamento de ações e a não-interposição de recursos, assim como o requerimento de extinção
das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos da União e das
autarquias e fundações públicas federais, observados os critérios de custos de administração e cobrança” (art. 1º-
A) A lei estende semelhante faculdade aos dirigentes máximos das empresas públicas federais, que “poderão
autorizar a não-propositura de ações e a não-interposicão de recursos, assim como o requerimento de extinção
das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos, atualizados,
de valor igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de
autoras, rés, assistentes ou opoentes, nas condições aqui estabelecidas” (art. 1º-B). O art. 2º, com redação dada
pela Lei 13.140, de 2015, também autoriza que “o Procurador-Geral da União, o Procurador-Geral Federal, o
Procurador-Geral do Banco Central do Brasil e os dirigentes das empresas públicas federais mencionadas no
caput do art. 1o poderão autorizar, diretamente ou mediante delegação, a realização de acordos para prevenir ou
terminar, judicial ou extrajudicialmente, litígio que envolver valores inferiores aos fixados em regulamento”.
315
A Lei 9469/97 também dispõe que “não havendo Súmula da Advocacia-Geral da União (arts. 4º, inciso XII,
e 43, da Lei Complementar nº 73, de 1993), o Advogado-Geral da União poderá dispensar a propositura de ações
ou a interposição de recursos judiciais quando a controvérsia jurídica estiver sendo iterativamente decidida pelo
Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores” (art. 4º). O Ato Regimental n. 1, de 02 de julho de
2008, da Advocacia Geral da União define, por sua vez, jurisprudência iterativa dos Tribunais como sendo:
entende-se por jurisprudência iterativa dos Tribunais, para os efeitos deste Ato Regimental, as decisões judiciais
do Tribunal Pleno ou de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, dos Órgãos Especiais ou das Seções
Especializadas dos Tribunais Superiores, ou de ambas as Turmas que as compõem, em suas respectivas áreas de
competência, que consagram entendimento repetitivo, unânime ou majoritário, dos seus membros, acerca da
interpretação da Constituição ou de lei federal em matérias de interesse da União, suas autarquias e fundações.
Disponível em: www.agu.gov.br. Acesso em: fev. 2016.
316
Nesse sentido, o Decreto Federal n. 2.346, de 10 de outubro de 1997, alterado pelo Decreto 8.157, de 2013,
151

advocacia pública deixará de contestar ou recorrer e também quais as questões temáticas


definidas pela jurisprudência iterativa dos tribunais superiores se estenderão
administrativamente aos demais servidores públicos em situação semelhante, evitando-se
novas demandas perante o Poder Judiciário.

Trata-se, a toda evidência, de ato discricionário do Advogado-Geral, cujo cargo


político possui status de ministro de estado. Assim, dependendo da gestão do Poder
Executivo, em razão da ineficiência ou interesses políticos do governo, a inércia do referido
agente político poderá impedir que as decisões judiciais sejam estendidas no âmbito da
Administração Pública. A discricionariedade administrativa quanto ao cumprimento da tese
definida pelo Poder Judiciário somente não tem espaço nas hipóteses em que a própria
Constituição estabeleceu a eficácia vinculativa da decisão judicial.

Por sua vez, nas causas fiscais em que a representação da União competir à
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, havendo manifestação jurisprudencial reiterada e
uniforme e decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de
Justiça, em suas respectivas áreas de competência, o Decreto 2346, de outubro de 1997,
conferiu ao Procurador-Geral da Fazenda Nacional a autorização para declarar, mediante
parecer fundamentado, aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda, as matérias em relação
às quais é de ser dispensada a apresentação de recursos.

Nesse sentido, merece destaque o Parecer PGFN nº. 492, de 22 de março de


2010317, que orienta os Procuradores da Fazenda Nacional a não interporem recursos contra

que consolida normas de procedimentos a serem observadas pela Administração Pública Federal em razão de
decisões judiciais, e dá outras providências, dispõe que:
Art. 1º-B. Compete exclusivamente ao Advogado-Geral da União e ao Ministro de Estado do Planejamento,
Orçamento e Gestão se manifestarem, prévia e expressamente, sobre a extensão administrativa dos efeitos de
decisões judiciais proferidas em casos concretos, inclusive ações coletivas, contra a União, suas autarquias e
fundações públicas em matéria de pessoal civil da administração direta, autárquica e fundacional.
§ 1º Os pedidos de extensão administrativa, instruídos com manifestação jurídica, documentos pertinentes e,
quando possível, jurisprudência dos Tribunais Superiores, serão submetidos à análise do Advogado-Geral da
União e do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 2º A extensão administrativa dos efeitos de decisões judiciais será realizada por meio de Portaria
Interministerial do Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 3º As autarquias e fundações públicas encaminharão o pedido de extensão administrativa por meio do titular do
órgão ao qual estejam vinculadas.
§ 4º Os procedimentos para o trâmite dos pedidos de extensão serão disciplinados em ato conjunto do
Advogado-Geral da União e do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão.
Art. 2º Firmada jurisprudência pelos Tribunais Superiores, a Advocacia-Geral da União expedirá súmula a
respeito da matéria, cujo enunciado deve ser publicado no Diário Oficial da União, em conformidade com o
disposto no art. 43 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
Art. 3º À vista das súmulas de que trata o artigo anterior, o Advogado-Geral da União poderá dispensar a
propositura de ações ou a interposição de recursos judiciais.
317
Em razão da importância do entendimento externado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, destaca-se a
152

decisões judiciais que se mostrarem consentâneas com os precedentes judiciais formados sob
a sistemática dos julgamentos dos recursos extraordinário e especial repetitivos e também a
não interporem defesa e impugnação quando o pedido formulado pela parte estiver em
consonância com os referidos julgados.

Posteriormente, o art. 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, modificada


pela Lei nº 12.844, de 19 de julho de 2013, autorizou expressamente a aquiescência da
Administração Tributária em relação às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e
pelo Superior Tribunal de Justiça, nos ritos de repercussão geral e dos recursos especiais
repetitivos.

É bom ressaltar que a lei apenas “autorizou” a aquiescência pela Administração,


não impondo em nenhum momento a obrigação de cumprimento das decisões em caráter geral
para todos os administrados na mesma situação.

De igual modo, os §§ 4º, 5º e 7º do referido art. 19 autorizam, desde que

ementa do referido parecer: FORÇA - PERSUASIVA OU VINCULANTE - DOS PRECEDENTES JUDICIAIS


DO STF/STJ. DESTINO DOS RECURSOS INTERPOSTOS CONTRA DECISOES FUNDADAS NESSES
PRECEDENTES. APRESENTAÇÃO, OU NÃO, PELA PGFN, DE RECURSO E DE CONTESTAÇÃO.
RAZÕES DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. REQUISITOS.
1. O precedente judicial, oriundo do STF/STJ, formado nos moldes dos arts. 543-B e 543-C do CPC ostenta uma
força persuasiva especial e diferenciada, de modo que os recursos interpostos contra as decisões judiciais que os
aplicarem possuem chances reduzidas de êxito. Assim, critérios de política institucional apontam no sentido de
que a postura de não mais apresentar qualquer tipo de recurso (ordinários/extraordinários), nessas hipóteses, é a
que se afigura como a mais vantajosa, do ponto de vista prático, para a PGFN, para a Fazenda Nacional e para a
sociedade. Nessa mesma linha, também não há interesse prático em continuar contestando pedidos fundados em
precedentes judiciais formados sob a nova sistemática.
2. Diante da força persuasiva inferior que marca os precedentes judiciais, oriundos do STF/STJ, não submetidos
à sistemática prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC, não há parâmetros suficientemente seguros para se
afirmar se os recursos interpostos contra as decisões que os aplicarem tendem, ou não, a obter êxito, sendo certo
que fatores das mais diversas ordens poderão influenciar/ determinar o resultado do julgamento desses recursos.
Assim, razões de política institucional apontam no sentido de que não é conveniente a adoção, pela PGFN, da
postura de deixar de interpor qualquer espécie de recurso contra decisões judiciais proferidas em consonância
com tais precedentes, já que não se pode antever se a adoção dessa postura traria mais vantagens do que
desvantagens.
3. Em se tratando, especificamente, de RE/RESP´s interpostos contra acórdãos proferidos em consonância com
jurisprudência reiterada e pacífica do STF/STJ, o seu seguimento tem sido repetidamente obstado pelos
Presidentes/Vice-Presidentes (de TRF`s e do STJ); daí que, nesses casos, pode-se afirmar, com a segurança
necessária, que os recursos extremos interpostos contra essas decisões possuem reduzida viabilidade de êxito, de
modo que a PGFN não possui interesse prático em continuar insistindo na sua interposição.
4. De igual modo, também é possível afirmar a baixa utilidade em continuar interpondo agravo regimental
contra decisões monocráticas, proferidas por Relatores nos TRF´s, no STJ e no STF que, com respaldo em
jurisprudência reiterada e pacífica do STF/STJ, seguida pela respectiva Turma, negam seguimento, nos termos
do art. 557 do CPC, a recursos (agravos de instrumentos, apelações, RESP´s e RE´s).
5. A aplicação prática das orientações ora sugeridas depende da verificação, pelo Procurador da Fazenda
Nacional que atua no caso concreto, quanto ao atendimento dos requisitos listados por este Parecer; ainda como
consideração de ordem prática, vale o registro de que a não apresentação, pela PGFN, de contestação/recurso,
nas hipóteses sugeridas neste Parecer, deve, sempre, ser precedida de justificativa processual, a ser apresentada
administrativamente pelo Procurador da Fazenda Nacional.
Disponível em: http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/dataset/pareceres/resource/4922010. Acesso em: fev. 2016.
153

condicionada à prévia orientação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que a Receita


Federal adote em suas decisões proferidas nos processos administrativos tributários os
posicionamentos firmados nos tribunais superiores, o que tende a diminuir a litigiosidade na
referida área. 318

Mais recentemente a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional também editou a


Portaria PGFN nº 502, de maio de 2016, buscando a redução da litigiosidade tributária e a
racionalização da sua atuação em juízo a partir dos impactos decorrentes da vigência do
CPC/2015. De acordo com o referido ato normativo, fica dispensada a apresentação de
contestação, de contrarrazões, de recursos, bem como recomendada a desistência dos já
interpostos, em várias hipóteses, destacando-se aquelas que versarem sobre temas definidos
em sentido desfavorável à Fazenda Nacional pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior
Tribunal de Justiça ou pelo Tribunal Superior do Trabalho, sem sede de julgamento de casos
repetitivos, e quando houver súmula do STF em matéria constitucional ou dos demais
tribunais superiores em matéria infraconstitucional.

Interessante ressaltar que o ato normativo não fez referência aos julgamentos do
IRDR pelos tribunais locais e regionais, deixando claro o entendimento de que, pelo menos
nas questões de natureza tributária, tais acórdãos não vincularão a União, num primeiro
momento, já que a Fazenda Nacional utilizará dos instrumentos recursais disponíveis para
submeter a tese jurídica ao reexame do STJ ou do STF.

O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, considerado um dos maiores


litigantes habituais do Sistema de Justiça no Brasil, também está mudando sua postura para

318
A título de exemplo, cita-se a Solução de Consulta COSIT (Coordenação-Geral de Tributação da Receita
Federal) n. 152, de 17 de junho de 2015, publicada no DOU de 23/06/2015, seção 1, p. 41, com a seguinte
ementa: EMENTA: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CONTRIBUIÇÃO DE 15% SOBRE NOTA
FISCAL OU FATURA DE COOPERATIVA DE TRABALHO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº
595.838/SP. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 595.838/SP, no âmbito da
sistemática do art. 543-B do Código de Processo Civil (CPC), declarou a inconstitucionalidade – e rejeitou a
modulação de efeitos desta decisão – do inciso IV, do art. 22, da Lei nº 8.212, de 1991, dispositivo este que
previa a contribuição previdenciária de 15% sobre as notas fiscais ou faturas de serviços prestados por
cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.
Em razão do disposto no art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002, na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014, e na
Nota PGFN/CASTF nº 174, de 2015, a Secretaria da Receita Federal do Brasil encontra-se vinculada ao referido
entendimento. O direito de pleitear restituição tem o seu prazo regulado pelo art. 168 do CTN, com observância
dos prazos e procedimentos constantes da Instrução Normativa RFB nº 1.300, de 20 de novembro de 2012, com
destaque, no caso, para os arts. 56 a 59, no que toca à compensação.
Disponível em: http://www.normaslegais.com.br/legislacao/solucao-de-consulta-cosit-152-2015.htm. Acesso
em: fev. 2016. Importante esclarecer que a Cosit, Coordenação-Geral de Tributação, é um órgão da Receita
Federal, cuja principal responsabilidade é responder consultas de cunho tributário por meio das chamadas
“Soluções de Consulta”. Suas soluções geram efeito vinculante no âmbito da Administração Tributária não
apenas a quem fez a pergunta, mas em relação a todos os contribuintes em situação semelhante.
154

estender em favor de todos os segurados da Previdência Social as teses jurídicas firmadas em


julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de recurso extraordinário dotado de repercussão
geral319.

O cumprimento dos precedentes em relação à Administração Pública em geral, tal


como exemplificado em relação aos entes federais, depende única e exclusivamente de sua
própria vontade, através de orientações internas movidas exclusivamente por critérios de
conveniência e oportunidade, tendo em vista a ausência de disposição a respeito na
Constituição ou no novo regime de precedentes instituído pelo CPC/2015.

Não se sabe se os referidos critérios adotados pela Administração Pública Federal


também serão estendidos, a partir da vigência do novo CPC, aos efeitos do julgamento do
IRDR. Como se trata de julgamento de tribunal local ou regional de segunda instância, muito
provavelmente a Administração, por critério de conveniência e oportunidade, somente
adequará suas práticas à tese jurídica firmada após o julgamento definitivo pelo Supremo
Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em razão dos recursos que sabidamente
serão interpostos. 320

319
Nesse sentido, destaca-se o Memorando- Circular Conjunto n. 2 do INSS, de 23 de julho de 2015, que
determina o cumprimento, no âmbito da Previdência Social, do entendimento adotado pelo Supremo Tribunal
Federal em julgamento com repercussão geral, in verbis: (...) Observada a decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF) no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 664.335, a qual apresentou novo entendimento para a
análise do tempo especial de segurados expostos ao agente nocivo ruído e a Nota nº
00006/2015/CGPL/PFE/AGU, solicitamos que sejam observadas as orientações a seguir: a) os casos de
exposição do segurado ao agente nocivo ruído, acima dos limites legais de tolerância, a declaração do
empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), sobre a eficácia do Equipamento de
Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o enquadramento como atividade especial para fins de
aposentadoria; b) a decisão passa a ter obrigatoriedade para o INSS a contar de 12/02/2015, data da publicação
na Ata de Julgamento no Diário da Justiça; c) aplica-se o novo entendimento aos processos pendentes de decisão
em 12/02/2015 e requerimentos posteriores, inclusive para o período de atividade laboral anterior a essa data; d)
relativamente aos processos indeferidos e em fase de recurso às Juntas de Recursos ou às Câmaras de
Julgamento do Conselho de Recurso da Previdência Social, ainda pendentes de julgamento, aplicam-se as
orientações contidas acima, considerando que não ocorreu o ato conclusivo da administração e não foi exaurida a
esfera administrativa; e) devem ser preservados os atos administrativos já consolidados em última instância.
Entretanto, caso haja novo requerimento apresentado pelo segurado, após esse novo entendimento, será
analisado à luz da orientação atual contida na IN/INSS/PRES nº 77/15; e f) nos pedidos de revisões
administrativas o INSS poderá utilizar os novos critérios de análise, porém não terá efeitos retroativos, devendo
os efeitos financeiros ser fixados na data do pedido de revisão-DPR. Disponível em:
http://www.alexandretriches.com.br/memorando-circular-conjunto-no-2dirsatdirbeninss/ Acesso em: fev. 2016.
320
Embora não haja determinação ou orientação normativa para que os entes federais possam adequar suas
práticas administrativas ao entendimento do precedente judicial, a Portaria n. 487, de 27 de julho de 2016, da
Advocacia-Geral da União autoriza expressamente os Advogados da União a reconhecer a procedência do
pedido, a abster-se de contestar e de recorrer e a desistir de recursos já interpostos quando a pretensão deduzida
ou a decisão judicial estiver de acordo com a tese jurídica definida em acórdão transitado em julgado, proferido
pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário em incidente de resolução de demandas
repetitivas, processado nos termos do art. 987 do CPC (art. 2º, inciso V) ou em acórdão transitado em julgado,
proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial em incidente de resolução de demandas
repetitivas (art. 3º, inciso II). Disponível em: www.agu.gov.br. Acesso em: ago. 2016.
155

Nesse cenário, à míngua de previsão na legislação processual acerca da eficácia


vinculante em relação à Administração Pública, espera-se, ao menos, que seja implementado
um diálogo institucional constante entre os Poderes, em todas as esferas da federação, a fim
de que os entes públicos se conscientizem quanto à necessidade de mudança de postura
administrativa em face dos precedentes judiciais firmados, sobretudo, pelos tribunais
superiores, que detém o papel constitucional de uniformização da interpretação jurídica, para
que as mudanças propostas possam, de fato, mitigar a litigiosidade exacerbada.

2.4.9 Dos recursos cabíveis contra o julgamento do IRDR

O julgamento do IRDR se dará por órgão colegiado definido pelo regimento


interno do tribunal local ou regional.

O art. 987 do novo CPC dispõe que do julgamento de mérito do IRDR caberá o
recurso extraordinário ou o especial, conforme o caso.

2.4.9.1 Dos embargos de declaração

Mesmo que o referido dispositivo legal não tenha mencionado expressamente, do


acórdão proferido no IRDR caberá o recurso de embargos de declaração para esclarecer
obscuridade ou eliminar contradição, suprir omissão sobre ponto ou questão sobre o qual
devia ter se pronunciado o tribunal e, ainda, para corrigir erro material, de acordo com a
previsão do art. 1022, incisos I, II e III, da novel legislação.

O objetivo do referido recurso é apenas o aperfeiçoamento da prestação


jurisdicional, de maneira que é cabível em face de todo e qualquer julgamento do Poder
Judiciário.

2.4.9.2 Da restrição ao cabimento de recurso contra o julgamento, sem resolução do


mérito, do IRDR

O legislador dispôs que o recurso será cabível contra o julgamento de mérito do


IRDR. A contrario sensu, não poderão ser interpostos os recursos extraordinário e especial
em face do acórdão proferido pelo órgão colegiado do tribunal local que rejeitar o incidente
por ausência de seus pressupostos ou em razão da ilegitimidade do requerente.

Com efeito, os recursos extraordinários ou excepcionais são diferentes dos


recursos comuns ou ordinários, porquanto não possuem como fim imediato a tutela do direito
subjetivo das partes litigantes no caso concreto. Ao contrário, tais recursos remetem a questão
decidida aos tribunais superiores, que são responsáveis pela garantia da integridade e
156

uniformidade do direito federal e da Constituição.

Como as hipóteses de cabimento de tais recursos estão taxativamente previstas na


Constituição de 1988, poderia se entender que a lei ordinária não teria aptidão para
estabelecer novas restrições. Nesse sentido, defende Artur César de Souza321 que a vedação
legal ao cabimento do recurso extraordinário e especial contra o julgamento, sem resolução de
mérito, do IRDR não estaria de acordo com a Constituição, que não veda a interposição dos
referidos recursos contra julgamentos meramente terminativos.

Não obstante, entende-se que a lei ordinária pode sim estabelecer restrições ao
cabimento de recursos.

Isso porque, respeitado o posicionamento em contrário322, o duplo grau de


jurisdição não constitui garantia constitucional.

A propósito, o professor Humberto Theodoro Jr. entende que o duplo grau “não
chega a ser uma garantia constitucional que, em caráter absoluto, tenha de funcionar a todo
instante e em qualquer procedimento” 323.

Eduardo Arruda Alvim e Cristiano Zanin Martins324 também sustentam que o


legislador pode restringir o cabimento de recursos no âmbito da instância ordinária sem que
isso configure violação ao texto Constitucional, devendo ser observado, em qualquer caso, os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de forma a não eliminar a possibilidade de
controle dos atos estatais.

De igual modo, segundo o entendimento já sufragado pelo Supremo Tribunal

321
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 162.
322
Em brilhante obra sobre o tema, Marina Santos defende, à luz do processo justo idealizado pela Constituição
de 1988, que o duplo grau de jurisdição é sim garantia fundamental de efetividade do processo, abrindo à
doutrina brasileira uma oportunidade para a revisitação da temática e aprofundamento crítico do posicionamento
jurisprudencial. Para Marina Santos, “o Estado Democrático de Direito está assentado em um modelo
constitucional que exige a busca pela efetividade do processo, e esta não prescindirá do asseguramento tanto do
controle da atividade estatal quanto da construção democrática dos direitos. A garantia do duplo grau de
jurisdição constitui, nestes termos, pressuposto inafastável de liberdade e de democracia no processo civil
contemporâneo”. (in SANTOS, Marina França. A garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Belo
Horizonte: Del Rey, 2012, p. 166)
323
THEODORO JR., Humberto. O processo civil brasileiro: no limiar do novo século. Rio de Janeiro: Forense,
2002, p. 192.
324
ALVIM, Eduardo Arruda; MARTINS, Critiano Zanin. Apontamentos sobre o sistema recursal vigente no
direito processual civil brasileiro à luz da lei 10.352/2001. In: NERY JR., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões
judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 137.
157

Federal325, a lei ordinária pode suprimir ou vedar o cabimento de recursos em determinadas


situações, sobretudo, nos casos de julgamentos meramente terminativos, desde que justificada
a restrição pelo princípio da razoabilidade, pois não existe a garantia constitucional do duplo
grau de jurisdição326.

No caso, eventual recurso extraordinário interposto contra o julgamento


terminativo do IRDR não traria nenhuma utilidade ao microssistema de resolução das
demandas repetitivas, mas apenas causaria engessamento e demora na tramitação dos
processos suspensos. Melhor seria que outro incidente fosse instaurado o quanto antes com os
defeitos formais já corrigidos ou superados.

Assim, não ofende a Constituição a interpretação de que não cabem o recurso


extraordinário e o recurso especial contra o julgamento, sem resolução do mérito, do IRDR.

2.4.9.3 Do cabimento do recurso especial e do extraordinário

Do julgamento do mérito do IRDR caberá, por sua vez, o recurso especial ou o


extraordinário, conforme a natureza da questão de direito solucionada e de acordo com as
pressupostos constitucionais dos incisos III dos art. 105 e art. 102, respectivamente, da
Constituição de 1988.

325
O Supremo Tribunal Federal tem assentado que não há um direito ao duplo grau de jurisdição, salvo nos
casos expressamente garantidos pela Constituição, como, por exemplo, o do recurso ordinário constitucional, que
devolve a matéria à instância imediatamente superior. (In: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo
Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 444)
326
Sobre a possibilidade de restrições ao cabimento de recursos pela lei ordinária, também merece transcrição
trecho de substancioso voto proferido pelo então Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal:
(...) Tudo isso me conduziu - sem negar-lhe a importância, mormente como instrumento de controle – à
conclusão de que a Constituição - na linha de suas antecedentes republicanas - efetivamente não erigiu o duplo
grau de jurisdição em garantia fundamental. Certo, não desconheço ser ele quase universalmente um princípio
geral do processo. Daí,a previsão constitucional de Tribunais cuja função - básica nos de segundo grau (v.g, art.
108, II), e extraordinária, nos Superiores (arts. 105, II, e 121, § 4º, III a V) e até no Supremo (art. 102, II) - é a de
constituir-se em órgão de recursos ordinários. Entretanto, não só a Carta Política mesma subtraiu do âmbito
material de incidência do princípio do duplo grau as numerosas hipóteses de competência originária dos
Tribunais para julgar como instância ordinária única, mas também, em linha de princípio, não vedou à lei
ordinária estabelecer as exceções que entender cabíveis, conforme a ponderação em cada caso, acerca do dilema
permanente do processo entre a segurança e a presteza da jurisdição. Essa convicção me levou duas vezes - esta
é a terceira - a negar estatura constitucional ao duplo grau de jurisdição e até à regra menor do duplo exame: a
primeira, no voto como relator da ADInMC 675, DJ 20.6.97 - vencido por outros motivos -, e a segunda,
quando, com o respaldo da Primeira Turma, neguei força de garantia constitucional à embargabilidade das
decisões das ações penais originárias, que não as do Supremo Tribunal (HC 71.124, 1ª T., 28.6.94, Pertence, DJ
23.9.94). Com a reserva, que entendo cabível, do exame, em cada hipótese, da razoabilidade da exclusão legal do
recurso ordinário - continuo persuadido desse entendimento, isto é, de que a Constituição, quando não o repila
ela mesma, não garante às partes o duplo grau de jurisdição. STF, RHC 79785 RJ, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence, Julgamento: 28/03/2000, Tribunal Pleno, Publicação: DJ 22-11-2002 PP-00057. Informativo n. 187.
Brasília, 1º a 5 de maio de 2000. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: fev.2016.
158

Scarpinella Bueno327 suscita fundada dúvida sobre a constitucionalidade da


previsão do cabimento dos referidos recursos contra o julgamento do IRDR. Tais recursos
dependem, de acordo com a Constituição, de uma “causa decidida em única ou última
instância”. Segundo o autor, a compreensão do IRDR como “causa” geraria problemas de
ordem constitucional, pois apenas a Constituição dos Estados e a Constituição de 1988 podem
criar causa de competência originária dos tribunais locais ou regionais.

Todavia, conforme já se demonstrou ao longo da pesquisa, entende-se que o


IRDR, apesar do nome, possui a natureza jurídica de um “processo objetivo”, que, apenas
para ser instaurado pressupõe a existência de processo (lide) sobre a questão repetitiva em
tramitação no tribunal. O procedimento e o julgamento do IRDR são dotados de requisitos e
efeitos próprios, o que lhes conferem autonomia processual em relação ao caso modelo
originário.

Daí o entendimento de que o IRDR pode ser enquadrado no termo constitucional


de “causa decidida”, já que a questão de direito repetitiva será definida, em procedimento
autônomo, com eficácia erga omnes e vinculante para toda a área de competência do tribunal.
Interpretação contrária esvaziaria o propósito do IRDR, tornando-o equivalente ao antigo
incidente de uniformização de jurisprudência.

Admitir-se a restritiva interpretação do termo “causa decidida” burlaria, ainda, o


papel constitucional atribuído ao STF e ao STJ de uniformização da matéria constitucional e
da lei infraconstitucional, impedindo que os referidos tribunais superiores analisassem a tese
jurídica definida no IRDR.

Ademais, conforme lição de Ticiano Alves e Silva, “causa decidida” é conceito


processual que pode ser conformado pelo legislador infraconstitucional, como fez o
CPC/2015328, de modo que não se vislumbra inconstitucionalidade quanto à previsão do
cabimento dos recursos excepcionais em face do julgamento de mérito do IRDR.

Com a interposição do recurso especial ou extraordinário, o tribunal superior


competente poderá determinar, de ofício ou mediante requerimento, a suspensão de todos os
processos em tramitação no território nacional, bastando que exista a multiplicidade de ações
sobre a mesma questão de direito em tramitação em mais de um Estado ou região.

327
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 631-632.
328
SILVA, Ticiano Alves e. Os embargos de declaração no novo Código de Processo Civil. In: MACEDO,
Lucas Buril et al (Orgs.). Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Coleção novo
CPC – Doutrina selecionada. Vol. 06. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 661-684.
159

A propósito da suspensão dos processos pelos tribunais superiores, a lei n. 13.256,


de 04 de fevereiro de 2016, suprimiu o §10º do artigo 1.035 e o §5º do artigo 1.037 do CPC.
Os referidos dispositivos estabeleciam um marco temporal de duração da suspensão de
processos em todo território nacional, o que poderia induzir maior agilidade dos tribunais
superiores no julgamento dos recursos repetitivos, impedindo que tal suspensão se eternizasse
pela mora ao julgar os recursos.

Em face da revogação dos prazos limites, o sistema de julgamento de recursos


pelos tribunais superiores admitirá, sem qualquer sanção ou filtro, a situação de suspensão de
centenas de milhares de processos por prazo indeterminado, inviabilizando as garantias do
devido processo constitucional e do acesso à justiça. Sem olvidar, ainda, de que isto poderá
causar uma inconstitucional discricionariedade dos tribunais superiores em escolher quando
determinadas temáticas deverão ser dirimidas e quando deverão ser mantidas em suspensão,
pois a referida lei também flexibilizou a ordem cronológica como critério obrigatório para o
julgamento dos processos.

Destaca-se, ainda, que, por disposição especial da lei processual, os referidos


recursos serão recebidos obrigatoriamente no efeito suspensivo, de modo que a tese jurídica
fixada no julgamento do IRDR somente será aplicada aos processos em tramitação se não
houver a interposição de recursos para os tribunais superiores.

Os recursos excepcionais permitirão aos tribunais superiores sanarem, em prol da


isonomia e da segurança jurídica, o vício da incompletude do IRDR, estendendo a eficácia
vinculante da tese jurídica sobre matéria constitucional ou infraconstitucional para todo o
território nacional, inclusive em relação aos processos em tramitação nos juizados especiais,
além de possibilitar a revisão da interpretação jurídica definida pelo incidente.329

Nesse contexto, para facilitar o acesso ao Supremo Tribunal Federal, que tem
papel fundamental na uniformização da interpretação constitucional, a novel legislação previu
a presunção da repercussão geral do tema decidido no julgamento do IRDR.

A repercussão geral constitui exigência da Constituição para a admissibilidade do


recurso extraordinário, devendo a questão decidida transcender os interesses subjetivos das
partes do processo modelo originário. Como o IRDR possui a natureza jurídica de um
processo objetivo com a finalidade de estabelecer tese jurídica com eficácia vinculante e erga

329
THEODORO JR., Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 749.
160

omnes, a lei reconheceu que as temáticas decididas terão relevância jurídica.

Nas palavras de Humberto Theodoro Jr., “estará o recorrente dispensado de buscar


outros argumentos para demonstrar, in concreto, a presença da repercussão geral já
reconhecida pelo próprio legislador”330.

Finalmente, quanto à legitimidade recursal, entende-se que deverá ser a mais


ampla possível. O recurso poderá ser interposto pela parte do processo modelo originário do
incidente, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, seja como parte ou como fiscal
da ordem jurídica, nos termos da regra geral do art. 996 do novo CPC.

A Defensoria Pública, como legitimada para requerer a instauração do IRDR,


também poderá recorrer do julgamento de mérito.

De igual modo, as partes dos processos suspensos e que serão afetadas


diretamente pela eficácia vinculante da tese jurídica definida no IRDR possuem legitimidade
para interposição de recurso, sob pena de violação ao direito fundamental de participação no
processo.

Nesse mesmo sentido, a interpretação dada pelo Enunciado n. 94 do Fórum


Permanente dos Processualistas Civis, segundo a qual a “parte que tiver o seu processo
suspenso nos termos do inciso I do art. 982 poderá interpor recurso especial ou extraordinário
contra o acórdão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas”331.

A amplitude da legitimidade recursal no caso do IRDR também se evidencia na


atuação do amicus curiae, que poderá interpor tanto os embargos de declaração quanto os
recursos para os tribunais superiores contra o acórdão que julgar o incidente, conforme norma
especial do § 3º do art. 138 do NCPC.

2.4.10 A possibilidade de revisão da tese jurídica

O art. 986 do novo CPC prevê a possibilidade de revisão da tese jurídica firmada
no julgamento definitivo do IRDR.

A referida previsão legal é fundamental para assegurar a coerência e atualidade

330
THEODORO JR., Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 748.
331
NUNES, Dierle José Coelho. SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 396.
161

aos precedentes judiciais de modo que possam ser revistos quando se alterarem as
circunstâncias fáticas ou jurídicas subjacentes ao julgamento do incidente. Como afirma
Scarpinella Bueno (2015, p. 630), “é assim com a edição de novas leis e não haveria razão
para ser diverso com os “precedentes judiciais””, os quais também possuem caráter
normativo.

Em outras palavras, segundo Artur César de Souza, o julgamento do IRDR está


sujeito à “cláusula rebus sic stantibus, tendo eficácia enquanto no âmbito social, cultural e
econômico for legítima a tese jurídica adotada no incidente”332.

Não obstante o silêncio da lei, por interpretação lógico-sistemática, o


procedimento da revisão deve ser equivalente ao adotado para a formulação da tese jurídica,
assegurando-se a ampla divulgação, participação de amicus curiae, realização de audiências
públicas, etc.

Quanto à legitimidade, a tese jurídica poderá ser revista pelo próprio tribunal, de
ofício, ou mediante requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública –
legitimados nos termos do art. 977, inciso III. O pedido de revisão poderia se basear em
mudança superveniente do direito, em decorrência de reforma legislativa ou constitucional,
viabilizando a reanálise da questão jurídica repetitiva. O julgamento se aplicará apenas aos
processos ainda em curso e aos futuros.

As partes do caso modelo, dos processos suspensos e, inclusive, aquelas das ações
ajuizadas após o julgamento do IRDR, embora sejam afetadas pela tese jurídica fixada, não
possuem legitimidade específica para requerer a instauração do procedimento de revisão.

Com efeito, a ausência de legitimidade das partes caracteriza violação à


participação democrática no processo e contribuirá para o engessamento da jurisprudência, já
que são elas que são afetadas diretamente pela aplicação da norma e que, portanto, teriam real
interesse de apresentar novos fundamentos ou comprovar mudanças supervenientes dos fatos
ou da legislação que pudessem justificar nova análise da questão de direito.

Scarpinella Bueno333 sustenta que, nesse ponto, o dispositivo legal padece também
de inconstitucionalidade formal, uma vez que no substitutivo apresentado na Câmara dos
Deputados havia previsão expressa da legitimidade das partes para o pedido de revisão da tese
jurídica, o que foi suprimido do texto somente na fase de revisão pelo Senado Federal antes

332
SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015, p. 163.
333
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 630.
162

do envio à sanção presidencial. A revisão de redação alterou, portanto, substancialmente o


conteúdo da norma, pois retirou das partes a legitimidade para requerer a revisão da tese
jurídica. E, logo a seguir, o referido jurista conclui:

Não há como, com o devido respeito, tolerar esta prática que representa
verdadeira subversão do processo legislativo. Destarte, é o caso de sustentar
que as partes também têm legitimidade para o pedido de revisão, nos termos
do texto aprovado pelo Senado Federal na sessão de 17 de dezembro de
2014, considerando-se não escrita, porque formalmente inconstitucional, a
restrição contida no art. 986.334

De todo o modo, como a lei prevê a legitimidade do tribunal para instaurar de


ofício o procedimento de revisão, nada impede que as partes o provoquem diretamente pelo
direito constitucional de petição. O tribunal poderá ou não encampar os fundamentos
apresentados pelas partes para determinar a abertura do procedimento. Da mesma forma, as
partes poderão provocar a Defensoria Pública e o Ministério Público.

Nesse sentido também é o enunciado n. 473 do Fórum de Processualistas Civis,


segundo o qual “a possibilidade de o tribunal revisar de ofício a tese jurídica do incidente de
resolução de demandas repetitivas autoriza as partes requerê-la”335.

A possibilidade de revisão da tese jurídica a qualquer tempo, inclusive de ofício


pelo tribunal, indica que não é cabível a propositura de ação rescisória para a modificação do
acórdão proferido no IRDR. Ao contrário, a previsão legal corrobora o entendimento acerca
da natureza jurídica de um “processo objetivo”.

O IRDR não se presta a solucionar determinada lide ou realizar a subsunção dos


fatos à norma jurídica, o que ocorrerá em cada demanda pelo respectivo juiz natural. O
incidente coletivo apenas define a tese jurídica (ratio decidendi) sobre determinada questão de
direito, a qual será dotada de eficácia erga omnes e vinculante no âmbito de competência do
respectivo tribunal.

Finalmente, é certo advertir que o procedimento de revisão será prescindível


quando a mesma temática for objeto de súmula em sentido contrário dos tribunais superiores
ou de julgamento superveniente de recurso extraordinário com repercussão geral e recurso
especial repetitivo. O pronunciamento dos tribunais superiores se sobrepõe ao do tribunal

334
BUENO, Cássio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 631.
335
NUNES, Dierle José Coelho. SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015.
Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do
Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo
Horizonte: Fórum, 2015, p. 396.
163

local, de maneira que os juízes poderão afastar, no caso concreto, a tese jurídica firmada no
IRDR, demonstrando a superação daquele precedente sem que incorra em descumprimento do
efeito vinculante.
164

CAPÍTULO 03

O MODELO CONSTITUCIONAL DO PROCESSO: O DIREITO


FUNDAMENTAL À PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

3.1 Introdução

A compreensão e aplicação da ciência do Direito estão inseridas atualmente num


contexto de ampla constitucionalização, isto é, de adequação à supremacia da Constituição em
todas as suas vertentes. Um movimento que não é privilégio do sistema jurídico brasileiro,
mas que coincide nos Estados democráticos contemporâneos.

Para Miguel Carbonell336, esse movimento chamado de


“neoconstitucionalismo” pretende explicar os textos constitucionais surgidos após as barbáries
da Segunda Guerra Mundial, demonstrando que não se limitam apenas a estabelecer
competências ou separar os poderes constituídos, mas que possuem normas vinculativas que
condicionam a própria atuação do Estado.

A constitucionalização do Direito está ligada, nesse contexto, diretamente à


expansão normativa das Constituições cujo conteúdo material e valorativo se irradia por todo
o ordenamento jurídico, deixando de ser mero enunciado político programático para adquirir
força cogente e imperativa em relação aos seus destinatários.

Nas palavras de Eduardo Cambi,

(...) o reconhecimento da força normativa da Constituição marca uma ruptura


com o Direito Constitucional clássico, onde se visualizavam normas
programáticas que seriam simples declarações políticas, exortações morais
ou programas futuros e, por isto, destituída de positividade ou de eficácia
vinculativa.337

Com efeito, as Constituições democráticas retiram de seu próprio conteúdo


normativo uma supremacia que se manifesta na supralegalidade das suas regras e princípios e
na imutabilidade relativa dos seus preceitos, assim dotados de uma superioridade concreta na
própria vida social e na aplicação do Direito338.

336
CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo: elementos para uma definição. In: MOREIRA, Eduardo
Ribeiro; PUGLIESI, Marcio (coords.). 20 anos da Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 198.
337
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Papnótica, Vitória, ano 1, n.6, fev. 2007, p.7.
338
A supremacia da Constituição é destacada na Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen, para o qual “a ordem
165

Como consequência do caráter normativo, a constitucionalização repercute sobre


a atuação dos três poderes da República e das relações privadas, influindo diretamente em
suas decisões, que jamais poderão contrariar ou, até mesmo, descumprir as determinações
constantes da Constituição. Ou seja, todos os atos, sejam eles do Poder Executivo, do
Legislativo ou do Poder Judiciário, devem se adequar e precisam se conformar com a Lei
Maior, que é o parâmetro, o valor supremo, o nível mais elevado do direito positivo.

No Brasil, essa nova concepção da Constituição e da sua força normativa se deu a


partir da promulgação da Carta de 1988, que efetivou a transição do regime ditatorial para o
paradigma do Estado Democrático de Direito, com ampla constitucionalização dos direitos
fundamentais.

Dentro dessa perspectiva, o direito processual não pode ter tratamento diferente
dos demais ramos da ciência do Direito e está hoje totalmente constitucionalizado no campo
de seus fundamentos e de sua estrutura. Os poderes de acesso à justiça, da competência, da
independência judicial, o direito à participação na construção da tutela jurisdicional integram
as garantias fundamentais proclamadas pela Constituição democrática de 1988.

Conforme lição de Scarpinella Bueno339, “é a partir da Constituição Federal que


se deve buscar compreender o que é, para que serve e como ‘funciona’ o direito processual
civil”. A Constituição Federal e o ‘modelo constitucional do direito processual civil’ dela
extraível são o eixo sistemático (consciente) do estudo do direito processual civil.

Em toda sua extensão o processo se fundiu no programa tutelar idealizado pela


ordem jurídica constitucional. As normas procedimentais criadas pelo legislador ordinário,
por sua vez, não podem ser interpretadas de forma isolada, pois se viram obrigadas a conviver
com a supremacia dos preceitos e garantias da Lei Maior.340

Nas palavras de Álvaro de Oliveira,

jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas
é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da
relação de dependência que resulta do facto de a validade de uma norma, cuja produção, por seu turno, é
determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma
fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, fundamento de validade último que constitui a unidade
desta interconexão criadora”. (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. Coimbra:
Armênio Amado, 1976, p. 310)
339
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. v.1. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 85-86.
340
THEODORO JR., Humberto. Direito Processual Constitucional. Revista Estação Científica. Juiz de Fora, v.
01, n. 04, out-nov. 2009, p. 30.
166

(...) o processo, na sua condição de autêntica ferramenta de natureza pública


indispensável para a realização da justiça e da pacificação social, não pode
ser compreendido como mera técnica, mas, sim, como instrumento de
valores e especialmente de valores constitucionais (...)341

Assim, em virtude do princípio da supremacia da Constituição, as novas técnicas


de julgamento voltadas à celeridade processual e à padronização decisória não podem, de
modo algum, contrariar as regras e princípios traçados pela ordem constitucional e tampouco
estabelecer um modelo processual dotado de características próprias, mitigadoras das
garantias constitucionais, para lidar com a litigiosidade repetitiva.

Sob tal ponto de vista, mister se faz identificar o modelo constitucional do


processo civil brasileiro, cuja matriz servirá de parâmetro imprescindível para a conformidade
da legislação processual e, outrossim, para a atuação do Poder Judiciário na interpretação e
aplicação das novas técnicas de julgamento previstas no CPC de 2015.

3.2 A teoria do processo como relação jurídica na visão de Bulow, Chiovenda e


Liebman: vínculo de sujeição das partes ao juiz e a necessidade de sua superação

Ao longo da história da ciência do direito processual, várias teorias surgiram e


tentaram definir, sem sucesso, a natureza jurídica do processo. 342

Não constituindo a evolução histórica das teorias do processo objeto central da


presente pesquisa, a análise crítica se dará a partir da clássica teoria da relação jurídica de
Bulow, aprimorada por diversos juristas italianos, entre os quais Chiovenda e Liebman, cuja
doutrina influenciou sobremaneira o direito brasileiro e a teoria instrumentalista do processo.

341
ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p.
252.
342
A propósito, destacam-se as teorias do processo como contrato e como quase-contrato que tiveram como
principais precursores, respectivamente, Pothier, em 1800, e Savigny e Guényvau, em 1850. Pothier entendia
que o processo era um contrato que se firmava entre os litigantes a partir do comparecimento espontâneo das
partes em juízo para a solução do conflito. Conforme destacado pelo professor Rosemiro Pereira Leal, essa teoria
revelou-se inadequada para explicar a natureza jurídica do processo, pois, já no século XVIII, o juiz não
precisava de prévio consenso das partes para tornar coativa a sentença. A teoria do processo como quase-
contrato também foi buscar nas fontes romanas os seus fundamentos, tendo Savigny insistido que o processo
deveria ser enquadrado na esfera do direito privado, mas que não seria tipicamente um contrato já que o
consentimento das partes não era inteiramente livre. A parte que ingressava em juízo já consentia que a decisão
pudesse ser favorável ou desfavorável, ocorrendo um nexo entre o autor e o juiz, ainda que o réu não aderisse
espontaneamente ao debate da lide (In: LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos.
Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 87-88). As referidas teorias foram superadas na medida em que incorreram em
erro metodológico ao enquadrar o processo e a jurisdição nas categorias de direito privado. Outros motivos
também se destacam: imposição de obstáculos à independência da magistratura; dificuldade na enumeração de
elementos conceituais; atenuação do caráter jurisdicional do processo; possibilidade de arbitrariedade no
exercício da jurisdição. (In: FRANCO, Marcelo Veiga. Processo Justo: entre efetividade e legitimidade da
jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2016, p. 1-2).
167

Em 1868, o alemão Oskar von Bulow publicou célebre obra intitulada “Das
exceções processuais e dos pressupostos processuais”343, que se constitui num marco do
estudo científico do processo.

Nas palavras de Bedaque,

O direito processual passou a ser estudado cientificamente a partir da


polêmica iniciada em 1856, entre Windscheid e Muther, a respeito do direito
de ação, bem como da obra de von Bülow (1868). Encerrou-se a fase
sincrética, em que o processo era tratado como mero apêndice do direito
material, iniciando-se a fase autonomista, marcada pela ideia separatista.
Aqui, a grande preocupação dos estudiosos do novo ramo do Direito era
determinar seus fundamentos e princípios. A técnica passou a imperar, e era
considerada valor quase absoluto, acima até mesmo do próprio direito
material, que foi relegado a plano inferior. A observância das regras
processuais era mais importante que a solução da questão substancial.344

Os estudos de Bulow romperam com as concepções privatísticas do processo,


tendo como grande mérito a sistematização da relação jurídica processual ordenadora da
conduta dos sujeitos do processo em suas ligações recíprocas.

Bulow defendeu a existência de uma relação jurídica processual de direito


público, distinta da relação de direito material, que se estabelece entre as partes e o juiz. A
relação processual se distinguiria da relação de direito material por três aspectos: a) pelos seus
sujeitos (autor, réu e o Estado-juiz); b) pelo seu objeto (a prestação jurisdicional); e c) pelos
seus pressupostos (os pressupostos processuais).345 A relação jurídica processual seria
progressiva e dinâmica, pois se desenvolve e se desdobra gradualmente, num caminhar para
frente na busca da tutela jurisdicional, ao contrário da relação jurídica de direito material, que
é perfeita e acabada desde o seu surgimento. 346

Com efeito, não se trata de uma simples relação de coordenação ou de


cooperação, mas de poder e sujeição, predominando o interesse público na resolução do litígio
sobre os interesses conflitantes. Ou seja, caracteriza-se por um vínculo de subordinação entre
as partes e pelo caráter de exigibilidade da prestação demandada perante o Estado Juiz.

343
BULOW, Oskar von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais. Trad. Ricardo Rodrigues Gama.
Campinas: LZN, 2005.
344
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 19.
345
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINARMARCO, Cândido Rangel. Teoria
geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 278.
346
BULOW, Oskar von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais. Trad. Ricardo Rodrigues Gama.
Campinas: LZN, 2005, p. 06-07.
168

Para Cândido Rangel Dinamarco347, a teoria do processo como relação jurídica


teve o mérito de suplantar a arcaica visão do processo como pura sequência de atos, sem
cogitações de um específico vínculo de direito entre seus sujeitos.

O procedimento é considerado, nesse contexto, apenas o meio extrínseco pelo


qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo, sendo a sua realidade fenomenológica
perceptível. Enfim, o processo se constitui a partir da relação jurídica e do procedimento,
visto como sua exteriorização, aspecto meramente formal.

A concepção do processo como relação jurídica ainda predomina na elaboração


dos códigos e leis processuais, tendo, inclusive, sido aprimorada na Itália por Giuseppe
Chiovenda e Enrico Liebman, além de outros renomados processualistas348.

A propósito, em conferência na Universidade de Bolonha, no ano de 1903,


Chiovenda, considerado discípulo de Bulow, iniciou a caminhada do processualismo
moderno.

Para Chiovenda349, o processo é um complexo de atos coordenados ao objetivo da


atuação da vontade da lei por parte dos órgãos da jurisdição estatal. E, logo a seguir, o mestre
italiano conclui que o processo não é uma unidade apenas porque os diversos atos, de que se
compõe, se associam com um objetivo comum. Essa unidade é característica de qualquer
empresa, ainda que não jurídica, a exemplo de uma obra de arte, a construção de um edifício,
uma experiência científica. O processo, ao contrário, é unidade jurídica, uma empresa
jurídica, uma relação jurídica350.

De igual modo, Liebman conceituou o processo a partir da sua tessitura jurídica


interna enquanto relação jurídica processual (rapporto giuridico processuale). A partir do
momento da instauração do processo, o órgão investido da autoridade para presidi-lo e as
partes nele empenhadas encontram-se numa relação jurídica especial que cria para cada um
deles consequências jurídicas relevantes e recíprocas. Trata-se de uma relação jurídica de
natureza processual distinta da relação de direito substancial. Ela se assenta na autoridade que
tem o órgão judiciário para emitir provimentos com eficácia perante as partes. O conteúdo
dessa relação jurídica processual seria a potestade do órgão jurisdicional, direitos subjetivos,

347
DINARMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 27.
348
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 88.
349
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1965, p. 37.
350
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 1, 1965, p. 55.
169

ônus e sujeição das partes. 351

O processo, segundo a teoria de Liebman, seria um instrumento para o exercício


da jurisdição, uma vez que é mediante o processo e segundo as premissas da relação jurídica
processual que o Estado juiz julga as lides que lhe são apresentadas. O critério adotado por
Liebman para definir o processo como instrumento da jurisdição é puramente teleológico,
pelo qual o processo se caracteriza como instrumento para a positivação do poder
jurisdicional.

A teoria da relação jurídica é ainda adotada no Brasil, tendo inspirado a legislação


processual, especialmente o Código Buzaid de 1973.

A referida teoria recebeu contundente crítica do professor Aroldo Plínio


Gonçalves, defensor dos estudos de Fazzalari. Ao se admitir o processo como relação jurídica,
ter-se-ia que admitir, consequentemente, que ele é um vínculo constituído entre sujeitos em
que um pode exigir do outro uma determinada prestação, ou seja, uma conduta determinada.
Seria o mesmo que se conceber que há direito subjetivo de um dos sujeitos processuais sobre
a conduta do outro, e que há direitos das partes sobre a conduta do juiz, que, então,
compareceria como sujeito passivo de prestações, ou, ainda, que há direitos do juiz sobre a
conduta das partes que, então, seriam os sujeitos passivos da prestação, em uma relação de
verdadeira subordinação processual. 352

Esse vínculo de sujeição acaba por atribuir ao processo um caráter que se


distancia do princípio democrático da efetiva participação das partes em igualdade, essencial à
definição do contraditório dinâmico, não meramente estático ou formal. Em outras palavras,
as partes estão vinculadas ao controle do juiz que, por sua vez, é dotado de amplos poderes no
processo, ostentando a exclusividade na construção do provimento jurisdicional, pois sua
atuação substitui a atividade das partes pela sua vontade.353

A teoria da relação jurídica distancia-se, enfim, da visão discursiva e


comparticipativa do processo para a obtenção do provimento jurisdicional.

Embora o CPC de 2015 também adote na sua essência o conceito de processo a

351
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. Cândido Rangel Dinamarco. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 40-41.
352
GONÇALVES. Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001, p. 97.
353
FRANCO, Marcelo Veiga. A evolução do contraditório: a superação da teoria do processo como relação
jurídica e a insuficiência do processo como procedimento em simétrico contraditório. Revista do Programa de
Pós-graduação em Direito da UFBA, Salvador, vol. 22, n. 24, 2012, p. 181.
170

partir da teoria da relação jurídica, é inegável que, diante da Constituição democrática de


1988 e do capítulo da novel legislação destinado às normas fundamentais do processo, os
institutos estão nitidamente preordenados numa lógica constitucionalizada. Vale dizer, a nova
legislação intenta demonstrar que os institutos processuais devem ser interpretados e
aplicados à luz das garantias e direitos fundamentais previstos na Constituição.

3.3 O processo na teoria de Elio Fazzalari: o direito de participação das partes em


simétrica paridade para a legitimação do provimento

A teoria do italiano Elio Fazzalari desenvolvida em 1978 adquire, diante das


Constituições democráticas, proeminência na evolução histórica das mencionadas concepções
teóricas do que seja o processo na sua essência.

O estudo de Fazzalari intenta superar a teoria da relação jurídica e a visão da


existência de um vínculo de sujeição e submissão dos sujeitos envolvidos no processo,
demonstrando a importância fundamental da plena participação das partes, em simétrica
paridade, na construção do provimento jurisdicional como fator de legitimação da autoridade
estatal exercida no processo.

A propósito, importante citar as palavras do professor Aroldo Plínio Gonçalves


acerca do “confronto” com a teoria da relação jurídica:

(...) o conceito de relação jurídica é o de vínculo de exigibilidade, de


subordinação, de supra e infra-ordenação, de sujeição. Uma garantia não é
uma imposição, é uma liberdade protegida, não pode ser coativamente
oferecida e não se identifica como instrumento de sujeição. Garantia é
liberdade assegurada. Se o contraditório é garantia de simétrica igualdade de
participação no processo, como conciliá-lo com a categoria da relação
jurídica? Os conceitos de garantia e de vínculo de sujeição vêm de esquemas
teóricos distintos. O processo como relação jurídica e como procedimento
realizado em contraditório entre as partes não se encontram no mesmo
quadro, e não há ponto de identificação entre eles que permita sua unificação
conceitual. 354

Daí a importância da abordagem da referida teoria, destacando a distinção entre


processo e procedimento e a visão do contraditório como elemento estruturante do processo,
segundo Fazzalari e o professor Aroldo Plínio Gonçalves, precursor no Brasil dos estudos da
teoria do referido mestre italiano.

354
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001, p. 132.
171

Os processualistas mineiros Carlos Henrique Soares e Ronaldo Brêtas355 afirmam


que a teoria elaborada por Fazzalari deve ser denominada de estruturalista, porque trata o
processo como procedimento que se desenvolve dentro da estrutura dialética, sendo o
contraditório um elemento estruturante do conceito de processo.

O procedimento é considerado, na teoria de Fazzalari, uma sequencia de normas,


atos e posições subjetivas, que se encadearão até a realização do ato final (o provimento), na
qual a norma precedente – que estabelece uma conduta valorada como lícita ou devida – é
pressuposto para realização da consequente. Ou seja, caracteriza-se por uma conexão
normativa preparatória do ato estatal. A validade e legitimidade do provimento final
dependem, nesse contexto, da validade e da eficácia dos atos que compõem o procedimento.

Para Fazzalari,

(...) a estrutura do procedimento se obtém quando se está diante de uma série


de normas (até a reguladora de um ato final, frequentemente um provimento,
mas pode-se tratar também de um simples ato), cada uma das quais
reguladora de uma determinada conduta (qualificando-a como direito ou
obrigação), mas que enuncia como pressuposto da sua própria aplicação, o
cumprimento de uma atividade regulada por uma outra norma da série.356

O procedimento não seria, portanto, a mera exteriorização fenomenológica do


processo, conforme a visão instrumentalista da teoria da relação jurídica processual.

Em relação aos provimentos, Fazzalari denomina-os de atos com os quais os


órgãos do Estado emanam, em qualquer âmbito de sua competência, disposições imperativas.
Os órgãos estatais são entendidos de forma ampla como os que legislam, que governam, ou
aqueles que entregam a justiça. O provimento de qualquer órgão estatal se constitui,
exatamente, na conclusão de um procedimento, de modo que a lei não reconhecerá validade e
legitimidade ao provimento, se ele não for precedido da série de atividades preparatórias que a
própria lei estabelece.

É a partir das noções de procedimento e de provimento final que Fazzalari alcança


a definição da essência do processo. Para o mestre italiano, o processo é, na verdade, uma das
espécies do procedimento (visto como gênero), distinguindo-se fundamentalmente pelo
tratamento dispensado aos partícipes que sofrerão os efeitos do provimento final, e que, por

355
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique. Manual Elementar de Processo Civil. Belo
Horizonte: Del Rey, 2011, p. 103.
356
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 113-114.
172

isso, devem participar efetivamente do procedimento em posição de simétrica paridade.

Nas palavras de Fazzalari357, “o processo é um procedimento do qual participam


aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório
e de modo que o autor do ato não possa obliterar as suas atividades”.

A participação em contraditório dos interessados permite que existam outros tipos


de processos além do jurisdicional, como o administrativo e legislativo. Assim, também
poderia se falar em espécies de processos: processo administrativo, em que se desenvolve a
atividade da Administração; processo legislativo, em que se desenvolve a atividade
legislativa; processo jurisdicional, em que se desenvolve a atividade do Estado de fazer a
justiça e aplicar o direito por meio de seus juízes358.

A gênese do processo decorre, portanto, do procedimento realizado em


contraditório concebido a partir da plena participação das partes em simétrica paridade e em
uma estrutura dialético-discursiva.359

Sobre o tema, importante destacar a lição do professor Aroldo Plínio Gonçalves,


para o qual, na teoria de Fazzalari, a participação em contraditório das partes interessadas na
formação do provimento seria o marco distintivo fundamental entre procedimento e processo:

(...) o processo é uma espécie do gênero procedimento, e, se pode ser dele


separado é por uma diferença específica, uma propriedade que possui e que o
torna, então, distinto, na mesma escala em que pode haver distinção entre
gênero e espécie. A diferença específica entre o procedimento em geral, que
pode ou não se desenvolver como processo, e o procedimento que é
processo, é a presença neste do elemento que o especifica: o contraditório. O
processo é um procedimento, mas não qualquer procedimento; é o
procedimento de que participam aqueles que são interessados no ato final, de
caráter imperativo, por ele preparado, mas não apenas participam; participam
de uma forma especial, em contraditório entre eles, porque seus interesses
em relação ao ato final são opostos.360

Na mesma toada, destacam-se as considerações do professor André Cordeiro Leal


acerca da distinção entre processo e procedimento na teoria de Fazzalari:

O processo adquire assim, portanto, contornos de uma espécie do gênero


procedimento, que possui uma importante característica autorizativa de uma
classificação destacada: o contraditório. Assim, se o procedimento, ou seja, a

357
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 118-119.
358
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001, p. 115.
359
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 119.
360
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001, p. 68.
173

conexão normativa preparatória de um ato estatal, estrutura-se pelo


contraditório, tem-se o processo. Disso decorre que, em Fazzalari, pode
haver procedimento sem processo, jamais processo sem procedimento.
Nessa perspectiva, torna-se imprescindível o estudo do contraditório, já que
é ele, como se demonstrou, o traço diferenciador dos institutos jurídicos a
que alude Fazzalari.361

O professor Cândido Rangel Dinamarco, embora seja discípulo de Liebman e


defensor da teoria do processo como relação jurídica, reconhece o avanço metodológico da
teoria de Fazzalari, que tira o foco da submissão à figura do juiz e ao poder jurisdicional, para
valorar a participação das partes em contraditório no espaço discursivo e dialético do
processo:

Esse modo de ver o processo corresponde ao pensamento mais moderno da


teoria processualista e é de cômoda assimilação na teoria do Estado e do
poder. Diz-se que o processo é todo procedimento realizado em
contraditório, e isso tem o mérito de permitir que se rompa com o
preconceituoso vício metodológico consistente em confiná-lo nos quadrantes
do ‘instrumento da jurisdição’; a abertura do conceito de processo para os
campos da jurisdição voluntária e da própria administração ou mesmo para
fora da área estatal constitui fator de enriquecimento da ciência ao permitir a
visão teleológica dos seus institutos além dos horizontes acanhados que as
tradicionais posturas introspectivas impunham. O fascínio que acompanha
essa colocação está ligado, aliás, ao importante sinal metodológico que
contém e que é a visão do processo mesmo (como instituto jurídico) e do
sistema processual a partir de um ângulo externo (...) Procedimento e
contraditório fundem-se numa unidade empírica, e somente mediante algum
exercício do poder de abstração pode-se perceber que no fenômeno
‘processo’ existem dois elementos conceitualmente distintos: à base das
exigências de cumprimento dos ritos instituídos em lei está a garantia de
participação dos sujeitos interessados, pressupondo-se que cada um dos ritos
seja desenhado de modo hábil a propiciar e assegurar essa participação.
Dessa forma, cumprir o procedimento é também observar o contraditório:
sendo apenas o aspecto visível do processo, ele, no fundo, não tem o seu
próprio valor, mas o valor das garantias que tutela.362

A dialeticidade do processo na concepção de Fazzalari é relevante para a análise


do instituto no paradigma constitucionalizado da democracia e das garantias fundamentais,
pois oferece, concretamente, igualdade de oportunidades aos interessados na obtenção do
provimento estatal, bem como real possibilidade de dizer e contradizer a formação do ato
estatal, tornando o processo um espaço público discursivo, apto a desenvolver amplo e justo
debate entre as partes.

361
LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 38.
362
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 160-161.
174

Sob tal ótica, é fundamental à legitimação do provimento final a participação em


contraditório do interessado na cadeia procedimental quando sua esfera jurídica será afetada.
Não se trata de uma simples participação, mas de uma “participação-garantia” num ambiente
discursivo e argumentativo que possibilite a formação do ato estatal.

Por isso o contraditório não deve ser entendido como uma participação
meramente episódica dos sujeitos do processo no momento da defesa ou de sua oitiva.363

O contraditório é muito mais do que isso e transcende a mera ideia do direito à


ciência e manifestação dos interessados, para representar também o elemento distintivo entre
processo e procedimento364, caracterizando uma forma de garantia de plena participação, em
simétrica paridade, dos sujeitos do processo, daqueles a quem se destinam os efeitos do
provimento365.

O contraditório na teoria de Fazzalari significa, enfim, um direito-garantia de


igualdade de oportunidades no processo para construir legitimamente o provimento final. A
propósito, destaca-se a lição de Aroldo Plínio Gonçalves:

A ideia de participação, como elemento integrante do contraditório, já era


antiga. Mas o conceito de contraditório desenvolveu-se em sua dimensão
mais ampla. Já não é mera participação, ou mesmo participação efetiva das
partes no processo. O contraditório é a garantia da participação das partes,
em simétrica igualdade, no processo, e é a garantia das partes porque o jogo
das contradições é delas, os interesses divergentes são delas, são elas os
‘interessados e os contra-interessados’ na expressão de Fazzalari, enquanto,
dentre todos os sujeitos do processo, são os únicos destinatários do
provimento final, são os únicos sujeitos do processo que terão os efeitos do
provimento atingindo a universalidade de seus direitos, ou seja, interferindo
imperativamente em seu patrimônio. (...) O contraditório é a igualdade de
oportunidade no processo, é a igual oportunidade de igual tratamento, que se
funda na liberdade de todos perante a lei. É essa igualdade de oportunidade
que compõe a essência do contraditório enquanto garantia de simétrica
paridade de participação no processo. 366

É, portanto, através do contraditório que se estabelece, de forma racional, uma


relação dialética discursiva e argumentativa entre os destinatários do provimento jurisdicional.
Assim, o contraditório deixa de ser um mero princípio para se tornar um elemento-garantia
estruturante do processo.

363
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 124.
364
FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Campinas: Bookseller, 2006, p. 119-120.
365
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001, p. 120.
366
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001, p. 127.
175

Mais uma vez vale citar Cândido Rangel Dinamarco, que apesar de ainda filiar-se
à teoria do processo como relação jurídica, também ressalta a importância do contraditório
como critério de legitimação do provimento jurisdicional. Na visão do processualista,

(...) o que caracteriza fundamentalmente o processo é a celebração


contraditória do procedimento, assegurada a participação dos interessados
mediante exercício das faculdades e poderes integrantes da relação jurídica
processual. A observância do procedimento em si próprio e dos níveis
constitucionais satisfatórios de participação efetiva e equilibrada, segundo a
generosa cláusula due processo of law, é que legitima o ato final do
processo, vinculativo dos participantes.367

Nesse contexto, todo provimento jurisdicional (entenda-se ato estatal) deve ser
construído nos estreitos ditames do Estado Democrático de Direito, a partir de uma estrutura
dialético-discursiva, o que possibilitará a concretização prática da cidadania, assegurando a
defesa de todos os direitos fundamentais e efetivando o exercício verdadeiro do devido
processo substancial.

Nesse sentido destacam-se as palavras de Marcelo Franco,

A teoria do processo como procedimento realizado em contraditório é uma


contribuição essencial para definir o contraditório como o fundamento de
legitimidade do exercício da jurisdição. Considerando que os membros do
Judiciário não são eleitos, a legitimidade dos provimentos jurisdicionais
decorre da participação direta dos destinatários dos efeitos produzidos pela
decisão. Esta participação ocorre mediante a garantia do contraditório, em
que os interessados atuam em simétrica paridade na construção do
provimento a que se sujeitarão. Trata-se de exercício da democracia, da
cidadania e da soberania popular no processo, na medida em que as partes –
sujeitos do contraditório – participam e interferem diretamente na construção
do provimento – ato imperativo estatal – que produzirá efeitos nos seus
patrimônios jurídicos.368

É por isso que, na visão do professor Aroldo Plínio Gonçalves369, a identificação


do processo nessa estrutura normativa, como procedimento realizado em contraditório entre
as partes, supera a teoria clássica da relação jurídica.

Com efeito, a garantia de participação em simétrica paridade na construção do


provimento, assegurada na teoria de Fazzalari, não se concilia com o vínculo de sujeição

367
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 79.
368
FRANCO, Marcelo Veiga. A evolução do contraditório: a superação da teoria do processo como relação
jurídica e a insuficiência do processo como procedimento em simétrico contraditório. Revista do Programa de
Pós-graduação em Direito da UFBA, Salvador, vol. 22, n. 24, 2012, p. 52.
369
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 2001, p. 193.
176

preconizado pela relação jurídica processual. Perante o contraditório, não se pode admitir uma
relação jurídica de sujeição ou subordinação entre as partes ou perante o juiz, órgão estatal.
As partes se sujeitam apenas ao provimento, ato final do processo, de cuja preparação
participaram efetivamente a partir do debate processual.

A principal crítica que se faz à referida teoria é que Fazzalari quando distinguiu o
processo de procedimento, integralizando em sua teoria o contraditório, não “fê-lo
originariamente pela reflexão constitucional”370a partir da constitucionalização e idealização
dos direitos fundamentais.

O processualista italiano, de fato, não se debruçou na construção de um modelo


constitucional de processo, mas isso não impede que tal modelo seja estruturado a partir das
suas balizas teóricas que vinculam a legitimidade do provimento estatal à efetiva participação
das partes no processo. Nesse sentido, recomenda o professor Ronaldo Brêtas:

(...) a teoria estruturalista de Fazzalari carece de alguma complementação


pelos elementos que compõem a teoria constitucionalista, porque a inserção
do contraditório no rol das garantias constitucionais decorre da exigência
lógica e democrática da co-participação paritária das partes, no
procedimento formativo da decisão jurisdicional que postulam no processo,
razão pela qual conectada está à garantia também constitucional da
fundamentação das decisões jurisdicionais centrada na reserva legal,
condição de efetividade e legitimidade democrática da atividade
jurisdicional constitucionalizada.371

É necessária, portanto, a releitura da teoria de Fazzalari a partir da


constitucionalização do processo, o que ora se pretende, conferindo à participação
democrática das partes o status de direito fundamental indispensável à legitimidade e validade
de qualquer tutela jurisdicional, especialmente daquelas dotadas de eficácia vinculante
emanadas de tribunais da instância ordinária, os quais não detém o papel constitucional de
assegurar a unidade do direito.

Dentro desse novo “paradigma” interpretativo, qualquer tentativa do legislador ou


do julgador de minorar ou eliminar o direito de participação das partes, com a criação de
novas técnicas processuais de julgamento voltadas primordialmente à celeridade caracterizará
ofensa insuperável ao contraditório e, por conseguinte, ao devido processo constitucional.

370
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros Estudos. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 93.
371
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 2010, p. 91.
177

3.4 O modelo único constitucional de processo na perspectiva de Italo Andolina e


Giuseppe Vignera

Para demonstrar o direito fundamental à participação no processo, importante


destacar também a contribuição trazida pela obra dos italianos Italo Andolina e Giuseppe
Vignera na formulação de seu modelo único de processo estabelecido a partir da Constituição.

Os referidos juristas italianos interpretam a Constituição como a fonte primeira


das normas processuais, o que permitiu a definição de um modelo único constitucional do
processo na Itália, ou seja, um modelo processual trazido pela própria Constituição e a partir
de suas regras, princípios e garantias, aos quais todos os processos, sem distinção, devem se
conformar em razão da supremacia constitucional.

Percebeu-se que não bastava a positivação, em sede das Constituições


democráticas, de diversos direitos e garantias fundamentais se não houvesse meios aptos de
assegurar sua real efetividade e, nesse contexto, a concepção de um modelo único
constitucional de processo surge como instrumento essencial à efetivação dos direitos
constitucionais.

Assim, Italo Andolina e Giuseppe Vignera afirmam que, numa perspectiva “pós-
constitucional” (entendida, conforme acima exposto, como o cenário de valorização das
disposições constitucionais e da sua supremacia no ordenamento jurídico), o processo não
pode ser definido apenas pelo seu “ser”, isto é, “sua organização concreta segundo as leis
ordinárias vigentes”, mas deve, necessariamente, levar em consideração o seu dever-ser, ou
seja, “a conformidade de sua ordem positiva à normativa constitucional sobre o exercício da
atividade jurisdicional” 372. (tradução livre)

Logo a seguir, em suas explanações introdutórias, Andolina e Vignera ensinam


que “as normas (regras e princípios) constitucionais inerentes à atividade jurisdicional,
consideradas em sua complexidade, possibilitam ao intérprete delinear um verdadeiro e

372
“Nella nuova prospettiva post-costituzionale, quindi, il problema del processo no riguarda soltanto il suo
essere (idest: la sua concreta organizzazione secondo le leggi ordinarie vigenti), ma anche il suo dover essere
(idest: la conformitá del suo assetto positivo alla normativa costituzionale sull’ esercizio dell’attività
giurisdizionale). Il problema della giursidizione, a sua volta, non è più una mera questione di tipo
(essenzialmente) definitorio interessante soprattutto la teoria generale del diritto e dello Stato, costituendo
invece um tema dalle implicazioni pratiche assai marcate, poiché soltanto di fronte ad um procedimento
(positivo) strumentale all’esercizio della funzione giurisdizionale occorre controllare se lo stesso effetivamente é
come dovrebbe (secondo la Costituzione) essere. L’oggetto di queste lezioni é costituito proprio dalla
“giurisdizionalità costituzionalmente derivata” del processo, dal suo dover essere alla stregua della normativa
costituzionale.” (ANDOLINA, Ítalo Augusto; VIGNERA, Giuseppe. Il modello costituzionale del processo
civile italiano. Torino: G. Giappichelli Editore, 1990, p. 11.)
178

adequado esquema geral de processo susceptível de constituir o objeto de uma exposição


unitária”373(tradução livre), o que contribuirá para a definição de um modelo único de
processo.

De acordo, ainda, com os autores italianos, o modelo constitucional de processo


possui três características gerais que podem ser individuadas na expansividade, variabilidade
e na perfectibilidade374.

A expansividade assegura idoneidade para que a norma processual possa ser


expandida para microssistemas específicos de processo, desde que presente a conformidade
com a proposta geral. A variabilidade autoriza, por sua vez, a especialização de determinados
preceitos gerais para um determinado microssistema. Ou seja, para alcançar determinados
fins, é possível ocorrer a criação e adequação de institutos ou técnicas processuais ao modelo
constitucional de processo. Por fim, a perfectibilidade permite o aperfeiçoamento do modelo
constitucional pela legislação infraconstitucional que pode construir procedimentos
jurisdicionais caracterizados por garantias e institutos desconhecidos do modelo
constitucional de processo, mas que com ele sejam compatíveis. Destaca-se, a título de
exemplo, a previsão do princípio da economia processual e do duplo grau de jurisdição que,
embora não constituam garantias constitucionais, são compatíveis com o modelo de processo.

Pelas características da expansividade, variabilidade e perfectibilidade do


processo, não se admite falar em um processo constitucional e outro infraconstitucional.
Todas as regras processuais devem ser fundadas no mesmo modelo institucional
constitucionalizado e unificado por princípios e garantias constitucionais.

373
“Le norme ed i principi costituzionali riguardanti l’esercizio della funzione giurisdizionale, se considerati
nella loro complessità, consentono all’interprete di disegnare un vero e proprio schema generale de processo,
suscettibile di formare l’oggetto di una esposizione unitaria.” (ANDOLINA, Ítalo Augusto; VIGNERA,
Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli Editore, 1990, p. 13)
374
“Prima de prendere in considerazione i singoli elementi (oggetivi e soggettivi) del modello costituzionale del
processo civile, é doveroso evidenziare in questa sede i suoi caratteri generali, che possono individuarsi: a)
nella espansività, consistente nella sua idoneità (conseguente alla posizione primaria delle norme costituzionali
nella gerarchia delle fonti) a condizionare la fisionomia dei singoli procedimenti giurisdizionali introdotti da
legislatore ordinário, la quale (fisionomia) deve essere comunque compatibile coi connotati di quel modelo; b)
nella variabilità, indicante la sua attitudine ad assumere forme diverse, di guisa che l’adeguamento al modello
costituzionale (ad opera del legislatore ordinario) delle figure processuali concretamente funzionanti può
avvenire secondo varie modalità in vista del perseguimento di particolari scopi; c) nella perfettibilità,
designante la sua idoneità ad essere perfezionato dalla legislazione sub-costituzionale, la quale (scilicet: nel
rispetto, comunque, di quel modello ed in funzione del conseguimento di objettivi particolari) bem può costruire
procedimenti giurisdizionali caratterizzati da (ulteriori) garanzie ed istituti ignoti al modello costituzionale: si
pensi, per esempio, al principio di economia processuale, a quello del doppio grado di giurisdizione ed
all’istituto della cosa giudicata.” (ANDOLINA, Ítalo Augusto; VIGNERA, Giuseppe. Il modello costituzionale
del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli Editore, 1990, p. 14-15.)
179

As referidas características do modelo constitucional do processo civil italiano


delineado pelos referidos autores conduzem a um “esquema em branco”375 (tradução livre) –
um esquema que contém elementos constantes que se encontram em todos os procedimentos
jurisdicionais válidos, mas que também possui elementos de caráter móvel, que exigem
complementação, para que as variáveis sejam preenchidas pela legislação infraconstitucional
de acordo com o processo em que se encontram.

Na visão de Andolina, o direito de acesso à justiça, o direito de defesa, o


contraditório e a paridade de armas entre as partes, a independência e a imparcialidade do juiz
e, ainda, o dever de fundamentação das decisões judiciais são considerados elementos
necessários ou pontos nodais imprescindíveis para caracterização do modelo de processo
concebido pela Constituição e para a noção de “processo justo”.376

O contraditório e a participação das partes em simétrica paridade se enquadram,


portanto, no núcleo intangível e necessário à configuração do modelo constitucional de
processo.

Essa perspectiva defendida por Andolina e Vignera permite constatar que o


processo é um modelo único com tipologia plúrima377. Vale dizer, um modelo
constitucionalizado de processo dotado de elementos intangíveis, mas que permite ser

375
“I sopra descritti connotati generali del modello costituzionale del processo inducono conclusivamente a
considerare lo stesso com una sorta di “schema in bianco”. Esso, infatti, contiene in nuce gli elementi costanti
ed indefettibili di ciascun procedimento giurisdizionale (validamente) presente nell’ordinamento giuridico, ma
presenta al contempo dei “caratteri mobili” e degli “spazi vuoti”, destinati ad essere – rispettivamente – variati
e colmati dal legislatore sub-costituzionale in vista del conseguimento di determinati objettivi.” (ANDOLINA,
Ítalo Augusto; VIGNERA, Giuseppe. Il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: G.
Giappichelli Editore, 1990, p. 15)
376
“(...) La centralità del processo giurisdizionale all’interno del sistema delle garanzie giustifica la particolare
attenzione ad esso dedicata dalla Costituzione, la quale ha disegnato appunto un modello di processo
giurisdizionale. Come è noto, invero, la Carta costituzionale ha individuato alcuni connotati o requisiti che
devono caratterizzare il procedimento strumentale all’esplicazione della giurisdizione. La presenza di tali
elementi è, dunque, indefettibile e necessaria in ciascun procedimento che voglia ritenersi costituzionalmente
giurisdizionale. Punti nodali del modello (modello tuttavia non rigido ma, al contrario, duttile e dinamico,
perennemente in fieri, frutto di costante lettura e rilettura in chiave evolutiva del dettato costituzionale)
disegnato dal costituente sono: a) il diritto di accesso alla giustizia; b) il diritto di difesa; c) il contraddittorio e
la c.d. parità delle armi tra le parti; d) l’indipendenza e la terzietà del giudice; e) l’obbligo di motivazione dei
provvedimenti giurisdizionali; f) il sindacato (diffuso) di legittimità, ad opera della Corte di Cassazione, sui
provvedimenti giudiziali decisori (non altrimenti impugnabili). Sono questi gli elementi che caratterizzano la
nozione di “giusto processo”; nozione che è, peraltro, antecedente alla modifica dell’art. 111 Cost. compiuta
dalla legge cost. 23 novembre 1999, n. 2. (ANDOLINA, Ítalo Augusto. Il “Giusto Processo” nell’esperienza
Italiana e Comunitária. Revista de Processo: RePro, v. 30, n. 126, ago. 2005, p. 93)
377
“(...) il processo in Itália é diventato un’entità “a modello único ed a tipologia plurima”: espressione che
(nella sua apparente contraddittorietà) esprime efficacemente – ci sembra – l’idea che, se esiste un solo
paradigma costituzionale di processo, esiste (recte: può esistere) altresì nell’ordinamento una pluralità di
procedimenti giurisdizionali.” (ANDOLINA, Ítalo Augusto; VIGNERA, GIUSEPPE. Il modello costituzionale
del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli Editore, 1990, p. 15).
180

decomposto em uma pluralidade de procedimentos jurisdicionais (administrativo, penal, civil


ou trabalhista), aperfeiçoando-se e especializando-se para plena concretização das suas
finalidades, mas sempre moldado e interpretado a partir da Constituição para garantia dos
direitos fundamentais.

Nesse sentido, destaca-se a leitura realizada pela professora Flaviane de


Magalhães Barros, ao discorrer sobre o modelo constitucional de processo proposto por
Andolina e Vignera:

Tal compreensão de modelo constitucional de processo, de um modelo único


e de tipologia plúrima, se adapta à noção de que na Constituição encontra-se
a base uníssona de princípios que definem o processo como a garantia, mas
que para além de um modelo único ele se expande, aperfeiçoa e especializa,
exigindo do intérprete compreendê-lo tanto a partir dos princípios-bases
como, também, de acordo com as características próprias daquele
processo.378

Assim, mesmo considerando a variabilidade como característica importante do


modelo processual de Andolina e Vignera, não é possível admitir que a legislação
infraconstitucional, a pretexto de criar tutelas jurisdicionais diferenciadas para remediar
conflitos específicos, mitigue ou até mesmo elimine algumas das garantias constitucionais
inerentes ao modelo processual. Enfim, toda e qualquer técnica processual deve ser criada e
interpretada a partir da Constituição, de suas normas e garantias, sob pena de violação ao
núcleo intangível (elementos imutáveis e necessários) do modelo constitucional do processo.

3.5 O “processo justo” na visão de Comoglio

Dentro da perspectiva de constitucionalização do processo e do direito


fundamental de participação democrática das partes na construção do provimento
jurisdicional, também possuem relevância os estudos do italiano Luigi Paolo Comoglio acerca
da difícil tentativa de reunir e sistematizar os elementos mínimos para se definir o “processo
justo” como uma nova leitura do devido processo legal.

É bom ressaltar que antes mesmo da reforma constitucional realizada na Itália, em


1999, Comoglio já defendia a tese de que a Constituição garantia requisitos mínimos de um
processo justo e equânime, considerando o contraditório e a participação das partes em
igualdade substancial como uma garantia mínima, intangível, mesmo que, até então, não

378
BARROS, Flaviane de Magalhães. O Modelo Constitucional de Processo e o Processo Penal: a necessidade
de uma interpretação das reformas do processo penal a partir da Constituição. In: MACHADO, Felipe Daniel
Amorim; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade (coord.). Constituição e Processo: A contribuição do
processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 335.
181

prevista expressamente na Carta Magna daquele país379.

De igual modo, ao interpretar o novo art. 111 da Constituição italiana de 1948,


Comoglio parte do pressuposto metodológico de que o justo processo (giusto processo) não é
qualquer processo que apenas se amolde à previsão legal (devido processo legal). Justo é o
devido processo que se constitui em respeito aos parâmetros mínimos e essenciais fixados
pela norma constitucional e pelos valores partilhados pela coletividade, de sorte a se
desenvolver pelo debate travado pelas partes em contraditório, perante um juiz independente e
imparcial.380

A concepção do processo justo busca, portanto, superar uma visão formalista do


devido processo legal, trazendo uma perspectiva constitucionalizada do devido processo
dinâmico e substancial.

Para que coincida o devido processo com o processo justo é fundamental, na visão
de Comoglio, a presença de requisitos mínimos de justiça procedimental, consubstanciada na
imparcialidade e independência do juiz, no amplo acesso à justiça, ampla defesa, no
contraditório, além da coerência da forma com o escopo institucional do processo, de maneira
a excluir a possibilidade de alguém ser privado de seus direitos sem a adequada possibilidade
de ser ouvido e de se defender perante o julgador.381

O autor agrupa, ainda, como garantias mínimas do processo justo: a) a relação de


instrumentalidade entre o direito processual e o substancial; b) o amplo acesso às cortes de

379
Nella “costituzionalizzazione” del concetto di “giusto processo” – che è clausola generale di “giustizia
procedurale”, “principio ad assetto variabile” o a “tessitura aperta”, eticamente accettabile perché conforme
alla cultura giuridica della legalità, nello Stato di diritto moderno – trovano spazio sia l’idea del processo
“giusto” in quanto “regolato per legge” (o secondo “legalità processuale”), sia la parità delle parti, intesa
quale corrispondenza dinamica di reciproci diritti fra Le parti medesime sulla base di una loro sostanziale
eguaglianza. Ma vi rientrano altresì: 1) il contraddittorio (quale garanzia di paritaria difesa e quale cânone
oggettivo o strutturale del “giusto processo”, sino ad oggi non enunciati in forma esplicita nella Costituzione);
2) la “imparzialità” e la “terzietà” del giudice (intese: la prima, in senso funzionale, come “foro interiore” del
magistrato giudicante, doverosamente scevro da personali pregiudizi, neutrale ed equidistante dalle posizioni di
parte; la seconda, in senso strutturale, come garanzia dell’indipendenza e della diversità soggettiva del
magistrato giudicante, rispetto alle parti in lite); 3) la garanzia della “durata ragionevole” del processo.
(COMOGLIO, Luigi Paolo. Il “Giusto Processo” Civile in Italia e in Europa. Revista de Processo: RePro, v. 29,
n. 116, jul.-ago. 2004, p. 107)
380
“(...) E´ certo, invece, che il “processo” non possa dirsi “giusto”, se non in quanto la “legge”, da cui è
comunque “regolato”, rispetti ab intrinseco le condizioni essenziali (quali sono: il contraddittorio, la parità
delle parti, la terzietà e l’imparzialità del giudice), che sono dettate nel 2.º comma dell’art. 111 (giacché ogni
diversa interpretazione sarebbe riduttiva e fuorviante). Tali condizioni o componenti essenziali rappresentano, a
loro volta, talune garanzie minime, necessarie e sufficienti perché il “processo” che le rispetti o Le attui possa
definirsi, appunto, “giusto”, “equo” e “dovuto”.” (COMOGLIO, Luigi Paolo. Il “Giusto Processo” Civile in
Italia e in Europa. Revista de Processo: RePro, v. 29, n. 116, jul.-ago. 2004, p. 129)
381
COMOGLIO, Luigi Paulo. Garanzie costituzionali e ‘giusto processo’ (modelli a confronto). Revista de
Direito Comparado, Belo Horizonte: UFMG, v. 2, n. 2, mar./1998, p. 272.
182

justiça; c) a independência, autonomia e a imparcialidade do juiz; d) o exercício dos direitos


de ação e de defesa, em simétrica paridade; e) enfim, o direito das partes a um processo
justo.382

O contraditório, nesse contexto, não é visto apenas como o dizer e o contradizer.


O contraditório é um elemento estrutural indispensável do processo justo e uma exigência de
prevenção contra a “sentença surpresa”, impondo o prévio debate processual
(comparticipação) entre as partes sobre toda e qualquer questão, mesmo em relação às
matérias sujeitas à apreciação de ofício pelo julgador.

Ou seja, o juiz possui um verdadeiro poder-dever (e não uma mera


discricionariedade383) de assegurar o contraditório entre as partes, com paridade de armas, em
relação a toda e qualquer questão, de rito ou de mérito, de fato ou de direito, prejudicial ou
preliminar, com garantia de influência no resultado do processo.384

O processo justo na concepção de Comoglio se apresenta, portanto, sempre em


um ambiente dialógico, em que há um equilíbrio entre o poder do órgão julgador –
independente e imparcial – e a participação efetiva das partes e demais interessados no
processo, em contraditório, para construção da solução em tempo suficiente e razoável.

Conforme ressalta o professor Humberto Theodoro Jr.385, em sua precisa leitura


sobre a perspectiva de Comoglio, também integra o processo justo um conteúdo ético,
deontológico, transcendente a ele mesmo. A ética que anima o processo seria o conjunto dos
valores fundamentais da civilização e da democracia, que asseguram o respeito à pessoa e aos
seus direitos essenciais.

A propósito, importante citar as palavras de Humberto Theodoro Jr.:

(...) há uma presença ética na própria estrutura procedimental arquitetada


pelo direito processual positivo, inspirado nos princípios constitucionais e

382
COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e técnica del ‘giusto processo’. Torino: G. Giappichelli Editore, 2004, p.
162.
383
“Nel nuovo contesto costituzionale, non vi è più spazio per alcun apprezzamento puramente discrezionale da
parte del giudice, giacché la previa provocazione del contraddittorio e la previa “trattazione” di qualsiasi
“questione pregiudiziale” non sono più materia di mere valutazioni di “opportunità” processuale, rimesse al
medesimo giudice, ma diventano invece una conseguenza costituzionalmente necessaria della loro
“indicazione” (o, se si preferisce, del loro rilievo d’ufficio).” (COMOGLIO, Luigi Paolo. Il “Giusto Processo”
Civile in Italia e in Europa. Revista de Processo: RePro, v. 29, n. 116, jul.-ago. 2004, p. 139)
384
COMOGLIO, Luigi Paolo. Il “Giusto Processo” Civile in Italia e in Europa. Revista de Processo: RePro, v.
29, n. 116, jul.-ago. 2004, p. 138.
385
THEODORO JR., Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de Estudos Constitucionais,
Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), jan.-jun. 2010, p. 68.
183

nos princípios comuns infraconstitucionais que exigem dos sujeitos da


relação processual e de seus representantes constante e rigoroso respeito aos
preceitos da boa fé, lealdade e probidade. Ademais, a própria meta de fazer
justiça aos litigantes, perseguida pela função jurisdicional, reclama um
compromisso natural do processo com um valor ético, caro aos fundamentos
do Estado Democrático de Direito. Não se pode, por isso mesmo,
desconectar o comportamento prático de todos os protagonistas do processo
– partes, defensores, ministério público, juiz e auxiliares – dos valores éticos
ou morais que envolvem a ideia de justiça. Diante disso, é perfeitamente
adequada a qualificação de processo justo com a qual a Constituição Italiana
identifica o meio de acesso à tutela jurisdicional, dentro das garantias
fundamentais.386

Desse modo, entre os direitos essenciais e invioláveis também se coloca o próprio


direito ao processo justo, com o respeito aos seus elementos mínimos e intangíveis
assegurados pela Ordem Constitucional.

A tutela jurisdicional somente será justa se o Estado-juiz proporcionar às partes o


pleno acesso ao processo, a ciência dos atos processuais, o direito de alegar os fatos
relevantes, contraditar as questões adversas, provar a veracidade de suas alegações e,
principalmente, o direito de influenciar o conteúdo da decisão sem se afastar da carga ética
inerente à conduta dos sujeitos processuais.

3.6 O modelo de processo eficiente para a América Latina: uma proposta do Documento
Técnico nº 319 do Banco Mundial para a reforma do Poder Judiciário

Segundo os estudos divulgados pelo Banco Internacional para Reconstrução e


Desenvolvimento - Banco Mundial, o Poder Judiciário, em várias partes da América Latina e
Caribe, tem experimentado um aumento vertiginoso da litigiosidade, excessivo acúmulo de
processos, acesso limitado à população, falta de transparência e de previsibilidade de decisões
judiciais, além da frágil confiabilidade pública no sistema.

A ineficiência do Sistema de Justiça seria causada por muitos obstáculos,


incluindo a falta de independência do Judiciário, inadequada capacidade administrativa das
Cortes de Justiça, deficiência no gerenciamento de processos, reduzido número de juízes,
carência de treinamentos, prestação de serviços de forma não competitiva por parte dos
funcionários, falta de transparência no controle de gastos de verbas públicas, ensino jurídico e
estágios inadequados, ineficácia do sistema de sanções para condutas processuais
protelatórias, procedimentos enfadonhos e burocráticos, além da ausência de utilização efetiva

386
THEODORO JR., Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de Estudos Constitucionais,
Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), jan.-jun. 2010, p. 67.
184

dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos.

A partir da análise do Sistema de Justiça na América Latina, o Documento


Técnico nº 319387, publicado em 1996, ou seja, há aproximadamente 20 anos, apresenta um
programa, ainda atualíssimo, de reforma do Judiciário, abordando os principais fatores, na
visão da pesquisadora Maria Dakolias, que afetariam a qualidade do processo jurisdicional e
sua efetividade.

O documento discute, sob um viés do desenvolvimento econômico e da


preservação da propriedade, os elementos necessários para se garantir um processo mais justo
e eficiente.388

Daí a importância da sua abordagem no contexto das reformas implementadas no


Brasil, principalmente, a partir da Emenda Constitucional n. 45, de 2004, e, recentemente,
pelo CPC/2015 com a criação do sistema de precedentes vinculantes e do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR.

Convém rememorar que já foi mencionado alhures muitos dos problemas


estruturais e de gestão apontados no Documento Técnico, a ausência de estímulo aos métodos
alternativos de solução de conflitos, e a “necessidade” de reformas legislativas para melhoria
do Sistema de Justiça.

Várias leis foram publicadas no Brasil nestes últimos 20 anos para se tentar
modificar o cenário da crise, mas os Relatórios da Justiça em Números divulgados pelo
Conselho Nacional de Justiça demonstram que a situação do Judiciário é ainda muito
preocupante em face do congestionamento processual e do aumento contínuo da litigiosidade.

Em razão dos impactos econômicos gerados pela atuação do Poder Judiciário, as


propostas apresentadas no Documento Técnico nº 319 se preocupam nitidamente com a busca
de maior previsibilidade decisória e celeridade processual. A diminuição do tempo e da
quantidade de processos demonstra importante sintonia do Documento com as reformas
legislativas já implementadas no Brasil, desde a súmula vinculante até o sistema de

387
Os Documentos Técnicos são publicados com a finalidade de comunicar com a maior brevidade possível os
resultados dos trabalhos e pesquisas do Banco Mundial, no desenvolvimento comunitário. Os estudos são
produzidos para auxiliar governos, pesquisadores e operadores do direito no desenvolvimento de futuros
programas de reforma e aperfeiçoamento do Poder Judiciário. O Documento Técnico 319 foi publicado em
junho de 1996. A permissão para reproduzir partes do documento para uso estudantil é garantida pelo Centro de
Autorização para Direitos Autorais, suíte 910, 222, Rosewood Drive, Danvers, Massachusetts 01923, U.S.A.
388
DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Trad. Sandro
Eduardo Sardá. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319. 1996, p. 08. Disponível em www.anamatra.org.br.
Acesso em: mar. 2016.
185

precedentes criado pelo CPC/2015.

O Documento Técnico nº 319 sugere, inicialmente, o fortalecimento da


independência do Poder Judiciário nos países da América Latina.

Não há processo justo e eficiente se não houver a garantia da independência


judicial389, de modo a permitir a atuação decisória livre do Poder Judiciário conforme o direito
aplicável e não baseada em pressões políticas, internas ou externas à instituição. A
independência do juiz pode ser preservada pela forma adequada de investidura no cargo,
salários competitivos e definição de atribuições jurisdicionais apropriadas. Nesse contexto, o
sistema de nomeações e promoções reveste-se de importante fator de fortalecimento da
independência judicial, devendo se basear no merecimento, através de processo democrático e
transparente, para se assegurar a qualidade e isenção dos magistrados.

Além disso, não se pode falar na independência total se não for assegurada a plena
autonomia orçamentária do Poder Judiciário. Sem os recursos necessários e sua gestão
eficiente é impossível adequar o processo ao desenvolvimento econômico da sociedade.
Visando garantir uma alocação eficiente de recursos orçamentários, o Judiciário deve
apresentar habilidades técnicas de contabilidade financeira e de auditorias. Na maioria dos
países latino americanos, o quadro de pessoal do Judiciário não esta suficientemente treinado
em matérias de contabilidade e finanças390. A propósito, no Brasil, a criação do Conselho
Nacional de Justiça pela Emenda Constitucional 45, de 2004, contribuiu fortemente para
maior controle e fiscalização dos gastos orçamentários pelo Poder Judiciário, evitando-se
abusos e malversação do erário.

O problema da autonomia orçamentária se destaca atualmente quando se depara


com as dificuldades enfrentadas pelo Judiciário em razão da falta de recursos para
implementação de melhorias tecnológicas, como o processo eletrônico, digitalização dos
autos, realização de audiências por vídeos conferências, treinamento e capacitação de juízes e
servidores, etc.

O Documento Técnico nº 319 sugere também a melhoria do ensino jurídico. A


baixa qualidade do ensino jurídico seria fator importante para a litigiosidade e a baixa
eficiência do processo nos países da América Latina. A qualidade dos cursos de Direito tem

389
DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução de
Sandro Eduardo Sardá. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319. 1996, p. 11-12.
390
DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução de
Sandro Eduardo Sardá. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319. 1996, p. 30.
186

se deteriorado, existindo a necessidade de aperfeiçoar o nível educacional universitário, bem


como promover treinamento continuado para os profissionais.

De acordo com a pesquisa, na maioria dos países da América Latina, as


universidades públicas não exigem requisitos para admissão ou cada estabelecimento
educacional fixa seus próprios critérios sem qualquer padronização. Devido aos baixos
salários, os professores de Direito não trabalham em dedicação adequada, e,
consequentemente, tem pouco tempo para se dedicar à pesquisa voltada ao aperfeiçoamento
do Judiciário.391 Como resultado, frequentemente os juízes não estão preparados para a
magistratura e, de igual modo, os advogados não estão preparados para a advocacia.

Tais fatores, que podem parecer distantes do processo, não o são na realidade,
pois repercutem diretamente na atuação e cultura dos profissionais do Direito e, por
conseguinte, na qualidade e eficiência da condução e prática dos atos processuais.

Nesse contexto, o acesso à Justiça também se apresenta como fator determinante


para a garantia de um processo mais justo e eficiente. “O aprimoramento do acesso à justiça é
essencial para garantir serviços básicos para a sociedade, garantindo os objetivos previamente
mencionados de democratização e institucionalização, redefinindo as relações entre a
sociedade e o estado”392.

A pesquisa aponta diversos fatores considerados importantes para se avaliar a


garantia de pleno acesso à Justiça, tais como: tempo de julgamento, custos diretos e indiretos
das partes com a litigância (despesas com requerimentos, custas processuais, cauções,
honorários advocatícios, perdas salariais com o tempo despendido, etc.), acesso físico às
instalações do Poder Judiciário e a capacidade dos potenciais usuários, de ter acesso a
informação e possibilidade de acompanhamento das fases processuais.

Ou seja, o excesso de despesas processuais (custos da litigância), a ausência de


informações adequadas e a demora da tramitação processual constituem barreiras ao modelo
adequado de processo. Programas de assistência jurídica e defensoria pública adequados e
eficientes devem ser disponibilizados para promover assistência e aconselhamento às pessoas
que não podem arcar com os gastos da litigância ou se defenderem em um processo. A
propósito do tema, várias modificações legislativas implementadas no Brasil ao longo dos

391
DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução de
Sandro Eduardo Sardá. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319. 1996, p. 13.
392
DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução de
Sandro Eduardo Sardá. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319. 1996, p. 38.
187

últimos anos melhoraram a estrutura e eficiência das defensorias públicas. Importante


ressaltar, ainda, que a defensoria pública foi fortalecida no Brasil com a aprovação da Emenda
Constitucional 74, que lhe conferiu autonomia administrativa e financeira no âmbito da
União, e pela Emenda Constitucional 80, que fixou prazo de 08 anos para que os entes
públicos dotassem todas as comarcas de defensores públicos. Não se tratam evidentemente de
meras promessas constitucionais, mas normas dotadas de força imperativa para efetivação do
direito à assistência judiciária no Estado Democrático de Direito.

A despeito da estruturação das Defensorias Públicas, da União e dos estados, sua


capacidade de atendimento da população ainda é limitado. Assim, a advocacia privada exerce
a representação dos hipossuficientes econômicos, todavia, a legislação não estabelece
parâmetros objetivos para a concessão do benefício da assistência judiciária. Com efeito,
constata-se abusividade do direito de litigar, uma vez que muitos indivíduos, dotados de
capacidade econômica, indevidamente invocam estado de pobreza e litigam sem ônus
financeiros. A consequência é a existência de aventuras judiciais, de forma implausível e
antiética, apostando na deficiência do sistema de justiça.

Na visão dos pesquisadores do Banco Mundial, o acesso à Justiça dependeria,


ainda, do incentivo à utilização das ações coletivas, o que se mostra muito tímido nos países
da América Latina. O Documento Técnico destaca a importância das ações coletivas (class
action) como forma mais econômica e eficiente de assegurar às partes um instrumento
processual adequado de propor uma demanda comum. A pesquisa também faz referência às
ações de grupo desenvolvidas no continente Europeu, criando um ambiente que assegura
maiores poderes aos demandantes e minimizam os custos individuais.

É possível perceber, por fim, que a pesquisa do Banco Mundial também deu
ênfase à verticalização do Poder Judiciário como forma de se assegurar a previsibilidade das
decisões e a tão desejada celeridade processual.

Para se alcançar a previsibilidade decisória, embora não faça recomendação


específica, o Documento Técnico nº 319 menciona, em diversas passagens, a necessária
urgência de se ampliar o poder vinculante das Cortes Supremas e a prevalência da
jurisprudência sumulada sobre as decisões das instâncias inferiores. Os países-membros dos
mercados comuns devem ter a certeza de que as leis serão aplicadas e interpretadas de acordo
com padrões regionais e internacionais. Nesse contexto, um Judiciário ideal, na proposta do
Banco Mundial, aplica e interpreta as leis de forma igualitária e eficiente, o que significa que
devem existir mecanismos para se assegurar maior previsibilidade nos resultados dos
188

processos.

Foram sugeridas, assim, várias alterações nos procedimentos administrativos e


nos códigos de processo, para aumentar a eficiência no processamento das demandas. As
reformas processuais dependeriam da identificação dos procedimentos que obstruem a
eficiência das Cortes e causam atrasos nos julgamentos.

Não se pode negar que, após 20 anos da divulgação do Documento Técnico nº


319, muitas das referidas propostas do Banco Mundial para um modelo de processo mais
justo e eficiente foram incorporadas ao Sistema de Justiça no Brasil, especialmente a partir da
Emenda Constitucional 45 – a Reforma do Poder Judiciário – que implementou a súmula
vinculante e criou o Conselho Nacional de Justiça para controle administrativo e orçamentário
dos órgãos da Justiça.

Mais recentemente o CPC/2015 instituiu, dentro do mesmo viés, uma espécie de


sistema de precedentes vinculantes para conferir maior previsibilidade decisória, além de
“importar” novas técnicas de julgamento, dotadas de caráter coletivo, como o Incidente de
Demandas Repetitivas – IRDR como forma de se alcançar maior celeridade na uniformização
da interpretação do Direito.

A crítica que se coloca é que, embora muitas das recomendações formuladas pelo
Banco Mundial sejam, de fato, pertinentes para a melhoria da qualidade do processo, não se
pode relegar ao segundo plano a garantia efetiva de participação e do contraditório das partes
para a realização de um processo mais justo e eficiente, de acordo com normas e garantias
preconizadas pela Ordem Constitucional de cada país da América Latina.

A toda evidência, a pesquisa não se preocupou com a previsão de instrumentos


processuais para se assegurar, no processo realmente democrático, a efetiva participação das
partes na construção do provimento jurisdicional.

Enfim, a busca pela celeridade a qualquer custo e a verticalização do Poder


Judiciário, mediante a vinculação de precedentes e criação de técnicas de julgamento dotadas
de caráter coletivo e vinculante, se consideradas apenas isoladamente, não se mostram
compatíveis com a perspectiva do devido processo justo.

3.7 O modelo constitucional do processo civil brasileiro: é possível um modelo


diferenciado de processo para a tutela das demandas repetitivas?

Inicialmente, importante advertir que o modelo constitucional de processo civil


189

brasileiro não é apenas uma mera concepção teórico-metodológica a ser estudada e


demonstrada cientificamente sem qualquer repercussão na realidade social.

Ao contrário, ele deve ser visto como sendo um paradigma interpretativo dotado
de diretrizes obrigatórias a serem seguidas na realidade prática do Sistema de Justiça, pois,
efetivando-se tal modelo, efetiva-se a própria Constituição e a garantia dos direitos
fundamentais concebidos no Estado Democrático de Direito.

Nessa perspectiva, destacam-se as palavras de Scarpinella Bueno:

Estudar o direito processual civil na e da Constituição, contudo, não pode ser


entendido como algo passivo, que se limita à identificação de que
determinados assuntos respeitantes ao direito processual civil são previstos e
regulamentados naquela Carta. Muitos mais do que isso, a importância da
aceitação daquela proposta metodológica mostra toda plenitude no sentido
ativo de aplicar as diretrizes constitucionais na construção do direito
processual civil, realizando pelo e no processo, isto é, pelo e no exercício da
função jurisdicional, os misteres constitucionais reservados para o Estado
brasileiro, de acordo com o seu modelo político, e para seus cidadãos.393

Na segunda metade do século XX, após duas guerras mundiais e diante das graves
barbáries cometidas, a constitucionalização do processo e a proteção das garantias
fundamentais passaram a ocupar espaço de estudo no direito comparado, tal como já
mencionado neste capítulo acerca das teorias de Andolina, Vignera e Comoglio, além de
diversos outros juristas394.

Acerca do contexto histórico, ensina Humberto Theodoro Jr.:

A segunda metade do século XX, depois da apavorante tragédia de duas


grandes guerras mundiais, viria exigir da revisão constitucional dos povos
democráticos um empenho, nunca dantes experimentado, de aprofundar a
intimidade das relações entre o direito constitucional e o processo, já que os
direitos fundamentais deixaram de ser objeto de simples declarações e
passaram a constituir objeto de efetiva implementação por parte do Estado

393
BUENO, Cassio Scarpinella. O “Modelo Constitucional do Direito Processual Civil”: um paradigma
necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. In: JAYME, Fernando Gonzaga;
FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra (coord.). Processo Civil: Novas Tendências. Belo Horizonte:
Del Rey, 2008, p. 158.
394
No mesmo sentido é a lição do jurista italiano, Nicolò Trocker, que defende o direito a um processo justo que
se desenvolve segundo os parâmetros fixados pelas normas constitucionais e pelos valores aceitos pela
coletividade (tradução livre). “Giusto é il processo che si svolge nel rispetto dei parametri fissari dalle norme
costituzionali e dei valori condivisi dalla collectività”. (In: Processo civile e costituizione. Milano: Giuffre,
1974, p. 383-384.) O uruguaio Eduardo Couture também apresenta esboço de um direito processual
constitucional, sob a perspectiva do caráter dialético do processo, que, através do contraditório, deve franquear o
debate processual às partes e ao juiz para que a atividade jurisdicional alcance a verdade. (In: Introdução ao
Estudo do Processo Civil: Discursos, Ensaios e Conferências. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte:
Líder, 2008, p. 44)
190

Democrático de Direito.395

Para Humberto Theodoro Jr, pode-se constatar no referido período duas grandes
mudanças de rumo do direito processual: a primeira se refere à aproximação do tratamento
das figuras processuais em relação ao direito material, reforçando o papel do processo na
tutela dos direitos subjetivos permeados de valores humanos e éticos, dando origem ao devido
processo justo; a segunda consistente no fenômeno da constitucionalização do processo e da
regulação dos direitos fundamentais396. O processo passa a ser estudado e aplicado a partir de
suas relações com a Constituição.

No Brasil, seguindo os estudos do mexicano Hector Fix-Zamudio397, José Alfredo


de Oliveira Baracho foi um dos precursores, ao escrever, na década de 80, a respeito da teoria
constitucionalista do processo:

O processo, como garantia constitucional consolida-se nas constituições do


século XX, através da consagração de princípios de Direito processual, com
o reconhecimento e a enumeração de direitos da pessoa humana, sendo que
esses consolidam-se pelas garantias que os tornam efetivos e exequíveis.398

Para Baracho, “o modelo constitucional do processo civil assenta-se no


entendimento de que as normas e os princípios constitucionais resguardam o exercício da
função jurisdicional”399, de modo que o processo não é mais considerado mero instrumento da
jurisdição, mas uma garantia da legitimidade do provimento jurisdicional e de efetivação dos
direitos fundamentais assegurados pela Constituição.

O processo constitucional efetiva-se, nesse contexto, através da consagração de


procedimentos que garantam os direitos das partes, outorgando-lhes oportunidade do pleno

395
THEODORO JR., Humberto. Constituição e Processo: desafios constitucionais da reforma do processo civil
no Brasil. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de
(coord.). Constituição e Processo: A contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro.
Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 234.
396
THEODORO JR., Humberto. Direito Processual Constitucional. Revista Estação Científica. Juiz de Fora, v.
01, n. 04, out-nov, 2009, p. 31.
397
O mexicano Hector Fix-Zamudio destacou em sua obra publicada na década de 70 que as garantias
fundamentais previstas nas Constituições passaram a ter relevância no estudo e interpretação do direito
processual, concluindo que é impossível desvincular qualquer legislação processual de tais direitos fundamentais
previstos pelas normas constitucionais. (FIX-ZAMUDIO, Hector. Constituición y Proceso Civil en
Latinoamérica. México: Instituto de Investigaciones Juridicas, 1974)
398
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Processo Constitucional. Revista Forense. Rio de
Janeiro, v. 383, jan-fev. 2006, p. 132.
399
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: Aspectos Contemporâneos. Belo
Horizonte: Fórum, 2008, p. 15.
191

exercício de ampla defesa em contraditório e assegurando a efetiva igualdade em todas as


fases de atuação do processo.

Com efeito, nessa perspectiva constitucional, o processo deve garantir “direitos de


participação e condições procedimentais que possibilitam a geração legítima do provimento
jurisdicional”400.

O ápice da teoria constitucionalista no Brasil foi alcançado pela Constituição da


República de 1988, de cujo enorme leque de garantias e direitos constitucionais deriva a
necessidade de que todas as ramificações do sistema jurídico pátrio – processuais ou não –
sejam lidas e interpretadas sob o viés constitucional, nada escapando aos anseios do Estado
Democrático de Direito.

Ou seja, a Constituição é o fundamento de validade de todo o sistema jurídico,


visto que a produção e aplicação do direito devem irrestrita obediência ao seu texto, não
havendo devido processo que não seja, em sua essência, constitucional.

A Constituição Democrática de 1988 possui, nesse sentido, um conteúdo


processual próprio e intangível. Existem disposições que reconhecem um conteúdo
instrumental do processo, representado exemplificativamente pela inserção de instrumentos
de operacionalização do direito material (ações), das regras de competência na estrutura
organizacional do Poder Judiciário, da ampla defesa e do contraditório dinâmico, e também
um conteúdo fundamental criador de direito material, ou melhor, conteúdo responsável pela
atribuição, em favor de todo e qualquer jurisdicionado, de direitos substanciais para serem
gozados no e em razão do processo.

Os direitos fundamentais de natureza processual vinculam tanto o Estado-Juiz


(como fator de legitimação da prestação da tutela jurisdicional), como também o Estado-
Legislador (na elaboração da norma infraconstitucional), revelando a matriz constitucional
intangível do processo, ordem vinculante de toda e qualquer ramificação do direito
processual.

Nas palavras de Humberto Theodoro Jr.:

Não é só o acesso de todos à Justiça estatal que se resta assegurado. Diante


de qualquer lesão ou ameaça a direito, o que a Constituição garante é que,
através do judiciário, seja disponibilizada uma tutela efetiva, capaz de

400
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O processo constitucional como instrumento de jurisdição
constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte, v. 03, n. 5 e 6, 2000, p. 165.
192

proporcionar a todos o desfrute real (concreto) tanto dos direitos subjetivos


individuais como, principalmente, que se efetive essa tutela de modo a fazer
respeitar e cumprir tudo aquilo que na Constituição fora estabelecido em
torno das garantias fundamentais. Em toda extensão o processo se fundiu no
programa tutelar idealizado pela ordem jurídica constitucional. Passou, antes
de tudo, a ser comandado pelas regras e princípios da Constituição. As
normas procedimentais, por sua vez, se viram obrigadas a conviver, no dia-
a-dia do foro, com a supremacia dos preceitos e garantias da Lei Maior.401

Conclui o referido processualista que “todo o direito processual, direito ao acesso


à justiça, se viu envolvido pelo manto da constitucionalidade, traduzido na declaração de
garantia de processo justo em substituição à velha noção de devido processo legal”402.

A fórmula mínima do “processo justo” para se demonstrar o perfil do modelo


constitucional de processo adotado no Brasil está em estruturar-se o formalismo processual de
modo a nele terem lugar privilegiado os direitos fundamentais à tutela jurisdicional adequada
e efetiva (art. 5, inciso XXXV, CF), ao juiz natural (art. 5, incisos XXXVII e LIII, CF), à
representação técnica (art. 133, CF), à paridade de armas (art. 5, inciso I, CF), ao contraditório
substancial (art. 5, inciso LV, CR), à ampla defesa (art. 5, inciso LV, CF), à prova lícita (art.
5, inciso LVI, a contrário sensu, CF), à publicidade (art. 5, inciso LX, e 93, inciso IX, CF), à
motivação do provimento produzido a partir do debate processual (art. 93, inciso IX, CF), à
assistência jurídica integral (art. 5, inciso LXXIV, e 134, CF) e à duração razoável do
processo (art. 5, inciso LXXVIII, CF).403

Para a completa adequação ao modelo concebido pela Constituição é necessário


equilibrar o tempo processual e a segurança jurídica. Nessa perspectiva, ofendem o modelo de
processo justo as técnicas processuais que, em prol da celeridade a qualquer custo, implicam
prejuízos ao contraditório, à ampla defesa ou à produção de provas necessárias à correta
solução da causa; ao mesmo tempo, é incompatível com esse mesmo modelo o processo que,
embora assecuratório da ampla defesa, seja extremamente lento, possibilitando
procrastinações e renuncie à preclusão, possibilitando a perpetuação do contraditório inócuo
sem justificativas plausíveis para a extensão do debate processual.404

401
THEODORO JR., Humberto. Direito Processual Constitucional. Revista Estação Científica. Juiz de Fora, v.
01, n. 04, out-nov, 2009, p. 30.
402
THEODORO JR., Humberto. Direito Processual Constitucional. Revista Estação Científica. Juiz de Fora, v.
01, n. 04, out-nov, 2009, p. 31.
403
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. v.1. São Paulo:
Atlas, 2010, p. 28.
404
FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del
Rey, 2016, p. 88-89.
193

Ou seja, nas palavras de Marcelo Franco, “a tempestividade processual não se


confunde com a precipitação ou aceleração procedimental, da mesma forma que o
contraditório e a segurança jurídica não equivalem à eternização de discussões”405.

Também integra o modelo constitucional de processo a garantia de independência


judicial prevista no art. 95 da Constituição. A independência do juiz não é uma prerrogativa
da pessoa que ocupa o cargo, mas se apresenta como garantia da sociedade e do próprio
Estado Democrático de Direito.

A independência judicial constitui exigência política destinada a conferir ao


magistrado plena liberdade decisória no julgamento das causas a ele submetidas, em ordem a
permitir-lhe o desempenho autônomo do officium judicis, de acordo com os fatos e
fundamentos debatidos no processo, sem o temor de sofrer, por efeito de sua prática
profissional, ameaças ou intromissões indevidas, direta ou indiretamente, de quaisquer setores
ou por quaisquer motivos, além de abusivas instaurações de procedimentos penais ou civis.406

Trata-se de garantia para a existência de um processo justo, uma vez que a atuação
independente do Poder Judiciário promove a efetivação dos direitos fundamentais, corrigindo
as ilegalidades ou omissões dos demais poderes, figurando como mecanismo de freio e
contrapesos que visa a manter o equilíbrio entre os poderes.

Tais direitos fundamentais constituem elementos intangíveis e essenciais para a


caracterização do modelo constitucional do processo civil brasileiro, os quais não podem ser
mitigados ou eliminados pelo legislador infraconstitucional. Sobre a presença de elementos
permanentes e essenciais ao modelo de processo, destaca-se a lição de Guilherme Botelho:

O modelo constitucional do processo civil brasileiro também possui seus


valores permanentes. Trata-se dos direitos fundamentais processuais civis
ou, na expressão que mais comumente se empregará neste estudo, direitos
informativos do processo civil. Enquanto vigente a ordem constitucional, tais
valores devem ser promovidos servindo de norte à interpretação de todo
sistema processual. Mais do que isso, trata-se de valores que transcendem
determinado ambiente cultural, sendo, portanto, transnacionais e
transtemporais, dado que correspondem a uma exigência sem fronteiras.407

405
FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del
Rey, 2016, p. 89.
406
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Entendimento manifestado no Inq 2.699-QO, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 12-3-2009, Plenário, DJE de 8-5-2009.
407
BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil na perspectiva do Estado
Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 96.
194

De igual modo, para o professor Ronaldo Brêtas, o modelo de processo concebido


pela Constituição é uma estrutura metodológica normativa constitucional de garantia dos
direitos fundamentais, devendo ser apreendido como bloco aglutinante e compacto de vários
direitos e garantias fundamentais inseparáveis408.

Ensina, ainda, o referido processualista mineiro que a viga-mestra do modelo do


processo brasileiro é o devido processo constitucional (processo justo na concepção dos
italianos já mencionados neste capítulo), que se efetiva no pleno contraditório, na ampla
defesa, no juízo natural, nas decisões fundamentadas em consonância com o princípio da
reserva legal, na razoável duração do processo, na paridade das armas, entre outros princípios
e garantias que fundamentam o devido processo constitucional, como forma de se assegurar o
verdadeiro Estado Democrático de Direito.409

Assim, nesse contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito


assegurado pela Carta de 1988, o devido processo constitucional (processo justo) é o conjunto
mínimo de características intangíveis previstas constitucionalmente, que conferem ao
processo a condição de direito-garantia fundamental do cidadão410, permitindo a ampla
participação em espaço discursivo para a construção e aplicação do direito legislado ao caso
concreto411.

Não se pode admitir, dentro desse paradigma, que o legislador infraconstitucional,


a pretexto de conferir maior celeridade e previsibilidade decisória, mitigue ou elimine as
garantias do modelo constitucional de processo. O problema da litigiosidade repetitiva é, de
fato, um problema vivenciado pelo Poder Judiciário na sociedade massificada, mas isso não
franqueia a possibilidade de criação de um modelo “próprio e peculiar” de processo para
remediar tais conflitos de forma mais célere e uniforme. As garantias constitucionais são as
mesmas em qualquer modalidade de processo e não podem assumir o caráter de mera ficção
jurídica em razão de disposições infraconstitucionais.

Com efeito, a reforma da legislação processual e a criação de novas técnicas de

408
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Fundamentos constitucionais da jurisdição no Estado Democrático de
Direito. In: GALUPPO, Marcelo Campos (Coord.). Constituição e democracia: fundamentos. Belo Horizonte:
Fórum, 2009, p. 229.
409
BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 2010, p. 92.
410
ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 97-
98.
411
ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 105.
195

julgamento não podem esvaziar “o papel do processo como instituição garantidora de


implementação de direitos fundamentais”412, promovendo a rapidez procedimental a qualquer
custo e reduzindo o espaço público de debate processual para formação do provimento, com o
comprometimento do contraditório substancial e a independência judicial.

Conforme já colocado, segundo a teoria de Fazzalari, não haverá processo sem a


efetiva participação em contraditório daqueles que são os interessados na lide, por serem esses
os sujeitos que suportarão os efeitos do provimento. Por isso o contraditório substancial,
como elemento necessário e intangível do modelo constitucional de processo, merece estudo
destacado nos tópicos seguintes.

3.7.1 O contraditório como elemento essencial do modelo constitucional de processo

Para verificação da compatibilidade do Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas com o modelo constitucional de processo civil, faz-se necessária também a
abordagem da evolução da concepção do princípio do contraditório, demonstrando que a sua
visão meramente formal ou estática como direito à bilateralidade da audiência, na qual uma
das partes argumenta e a outra simplesmente rebate o argumento, não tem mais espaço de
sustentação no paradigma do Estado Democrático de Direito.

Em sua perspectiva formal ou estática, o princípio do contraditório inspirava a


simples ideia de “ciência bilateral e obrigatória dos atos do processo, bem como a
possibilidade de contrariá-los. É a informação necessária a ambas as partes, a quem se deve
assegurar a oportunidade de reação”413.

O princípio do contraditório estava intimamente vinculado a uma concepção


formal de processo, em que o juiz assumia uma posição essencialmente passiva, dentro de um
esquema vertical e impositivo no relacionamento perante as partes.

A referida concepção formal acarreta a superficialidade e, muitas vezes, a


inutilidade do debate travado pelas partes no processo, tendo em vista que suas razões não
precisam integrar a fundamentação do juiz, cuja sentença seria, num esquema processual
verticalizado, uma consequência apenas da sua interpretação e convicção pessoal.

Essa interpretação reducionista do princípio do contraditório não se compatibiliza

412
NUNES, Dierle José Coelho. Comparticipação e prolicentrismo. Horizontes para a democratização
processual civil (Tese de doutoramento). PUC-MG, Belo Horizonte, 2008, p. 106.
413
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório.
In: TUCCI, José Rogério Cruz e; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Causa de pedir e pedido no processo
civil: questões polêmicas. São Paulo: RT, 2002, p. 20.
196

com o modelo constitucional do processo, por permitir que o julgador assuma


metaforicamente o papel de verdadeiro “juiz Hércules”414, onisciente, onipresente, dotado de
qualidades e argumentos superiores, capaz de dar a solução que considera mais adequada para
os conflitos de interesses que lhe são submetidos, sem precisar considerar as razões
apresentadas pelas partes envolvidas na lide.

Noutro sentido, a concepção contemporânea do contraditório – denominada visão


substantiva, dinâmica ou tridimensional – vai muito além da mera manifestação e reação das
partes, assegurando a participação democrática das partes na formação da convicção do
julgador, que, por sua vez, não transcenderá daquilo que foi debatido no processo para
elucidação da lide (garantia de não surpresa).

Desenvolve-se a ideia de que a colaboração das partes no processo é indispensável


à construção e à eficácia da sentença415. Para tanto, as partes devem agir com respeito à
lealdade e à boa-fé processuais, em regime de cooperação com o órgão julgador,
abandonando-se o esquema processual vertical e impositivo no relacionamento com o
julgador, em prol de uma postura horizontal e dialógica entre os sujeitos processuais. 416

A relevância do tema sobressai em razão do tratamento jurídico dado pelo


CPC/2015 ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - IRDR, cujos efeitos erga
omnes e vinculantes afetam diretamente as partes dos processos suspensos e obrigam os juízes
de primeiro grau que sequer tiveram a oportunidade de interpretar a questão de direito
controvertida.

Ora, se a decisão que resolve o IRDR define a interpretação jurídica de questão de


direito que interessa a muitos processos sobrestados, tal decisão não pode ser considerada
totalmente diferente daquela que, em ação individual, resolve questão de direito que
posteriormente também não poderá mais ser rediscutida em qualquer outro processo. Em
outras palavras, “a resolução que se dê à questão jurídica na ação paradigmática repercutirá
em todas as demais, como se a discussão que lá se travou tivesse sido travada ao mesmo

414
O juiz Hércules é uma metáfora utilizada por Dworkin (1999) para demonstrar as qualidades excepcionais,
quase divinas, do juiz que toma a melhor decisão em cada caso, respeitando o princípio da integridade e
garantindo a coerência do Direito. (DWORKIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999,
p. 377-492)
415
PICARDI, Nicola. Il principio del contraddittorio. Rivista di Diritto Processuale. Padova, CEDAM, n. 3,
1998, p. 673-674.
416
JAYME, Fernando Gonzaga; FRANCO, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no Projeto do novo
Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 39, n. 227, jan. 2014, p. 356.
197

tempo em cada uma dessas ações” 417, assumindo o incidente verdadeiro papel de polo difusor
da resolução única e vinculante sobre a questão de direito repetitiva.

Nessa perspectiva, o julgamento proferido no IRDR não pode prejudicar terceiros,


que dele não participaram (art. 506 do CPC/2015). Interpretação contrária constituiria
flagrante violação ao direito fundamental de participar do processo e de influenciar o
julgador.

Daí a importância da análise da temática a partir do contraditório dinâmico ou


substancial para demonstrar que, no modelo constitucional de processo, a justa composição da
lide pressupõe, em qualquer situação, a participação das partes em simétrica paridade, com
efetivo direito de influência na construção da fundamentação do provimento jurisdicional,
como resultado legítimo do processo democrático.

3.7.2 A evolução do contraditório formal ao substancial: o direito de influência e o dever


de cooperação entre as partes e o juiz na construção do provimento jurisdicional

A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio do contraditório no art. 5º,


LV: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O princípio do contraditório é considerado um dos mais relevantes entre os


corolários do devido processo legal, ou melhor, do “processo justo”. Da mesma forma que
este, é um princípio fundamental do processo democrático.

Ao longo do tempo, o estudo do contraditório apontou duas concepções distintas


que se complementam no sistema processual contemporâneo para conferir real concretude ao
processo democrático, quais sejam: a concepção clássica de caráter formal, estático e a visão
moderna substantiva, dinâmica ou tridimensional do contraditório.

A visão meramente formal ou estática do contraditório desdobra o princípio


apenas no direito à informação e à reação.

O direito à informação refere-se à possibilidade de tomar conhecimento dos fatos


em que se sustenta o processo, bem como de vista dos documentos e de outros dados
presentes nos autos, e ainda ter acesso a todas as informações e atos que de alguma forma
possam interferir no julgamento.

417
BARBOSA, Andrea Carla; CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. O incidente de resolução de demandas
repetitivas no projeto do Código de Processo Civil: apontamentos iniciais. In: FUX, Luiz (coord.). O novo
processo civil brasileiro: direito em perspectiva. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 491-492.
198

Frise-se que o direito à informação como expressão do contraditório formal


concretiza-se durante todo o processo, restando assegurada às partes a possibilidade de
acompanhar e de ter ciência dos atos processuais.

O direito à reação, por sua vez, relaciona-se à elaboração e apresentação de


argumentos contrários, fatos, documentos ou quaisquer instrumentos legais que objetivam
sustentar a posição defendida pela parte, demonstrando o caráter dialético do processo.

Nelson Nery Jr. explica que “garantir-se o contraditório significa a realização da


obrigação de noticiar (Mitteilungspflicht) e da obrigação de informar (Informationspflicht)
que o órgão julgador tem, a fim de que o litigante possa exteriorizar suas manifestações”418.

Também nas palavras de Alexandre Câmara, define-se o contraditório, sob o


aspecto formal, como a mera “garantia de ciência bilateral dos atos e termos do processo com
a consequente possibilidade de manifestação sobre os mesmos”419.

Ou seja, a visão formal ou estática do contraditório estaria relacionada com a


expressão audiatur et altera pars (“ouça-se a outra parte”). O importante é que se dê ao
processo uma estrutura dialética. Se o autor propôs a sua ação, tem o réu o direito de contestá-
la. Se forem arroladas testemunhas por uma das partes, a outra tem o direito de contraditá-las,
interrogá-las e também arrolar as suas. Se o autor arrazoou, deve ser dada igual possibilidade
ao réu420.

O contraditório estático limita-se, enfim, a reconhecer uma igualdade apenas


formal entre as partes no processo, o que não passa de uma mera ficção jurídica pela qual não
se exige do julgador uma postura horizontal e dialógica no sentido de assegurar às partes o
justo processo.

A toda evidência, a visão formal ou estática do contraditório reduz sobremaneira o


alcance do referido princípio, na medida em que não confere importância à finalidade do
debate travado entre as partes no processo, permitindo que o juiz não se vincule às razões
aduzidas e que a sentença seja consequência apenas da interpretação pessoal desse
magistrado.

418
NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo.
São Paulo: RT, 2009, p. 206.
419
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.
50.
420
TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993, p.
44.
199

No sistema processual contemporâneo, a concepção do referido princípio se


ampliou, a fim de que, como garantia constitucional, pudesse atingir sua verdadeira função no
paradigma do Estado Democrático de Direito, qual seja, assegurar a participação democrática
das partes na construção do provimento jurisdicional.

Trata-se, nas palavras de Fernando Jayme e Marcelo Franco, “da conjugação dos
direitos das partes ao conhecimento e à participação no processo em simétrica paridade
(dimensão estática), com a possibilidade de interferência e de fiscalização dos resultados
advindos do exercício da função jurisdicional (dimensão dinâmica)” 421.

A igualdade das partes e a sua mera audiência bilateral no processo não satisfazem
o contraditório participativo como instrumento do princípio político da participação
democrática. É necessário que o contraditório instaure um diálogo humano, que permita a
efetiva contribuição das partes na formação da decisão. O juiz confere às partes a
oportunidade concreta de apresentarem e debaterem seus argumentos, produzirem as provas e
influenciarem a formação do convencimento do juízo.

De acordo com a concepção contemporânea, “não se pode mais, na atualidade,


acreditar que o contraditório se circunscreva ao dizer e contradizer formal entre as partes, sem
que isso gere uma efetiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do
provimento”422.

Por isso, Dierle Nunes adverte que o processo deve ser estruturado em qualquer
situação sob uma perspectiva comparticipativa e policêntrica, ancorado nas garantias
fundamentais previstas na Constituição, constituindo um espaço público no qual se
apresentam plenas condições comunicativas para que todos os legitimamente interessados
participem da formação do provimento jurisdicional 423.

É nesse momento que se destaca a visão substancial ou dinâmica do princípio do


contraditório. Esse elemento substancial do contraditório é chamado “poder de influência e de
não surpresa”.

A dimensão substancial do contraditório é ressaltada por Fredie Didier Jr.,

421
JAYME, Fernando Gonzaga; FRANCO, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no Projeto do novo
Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 39, n. 227, jan. 2014, p. 344-345.
422
NUNES, Dierle José Coelho. Curso de Direito Processual Civil: fundamentação e aplicação. Belo Horizonte:
Fórum, 2011, p. 81.
423
NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas
processuais. Curitiba: Juruá, 2008, p. 211.
200

segundo o qual:

Não adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo. Apenas


isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É
necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de
poder influenciar a decisão do magistrado. Se não for conferida a
possibilidade de a parte influenciar a decisão do órgão jurisdicional – e isso é
o poder de influência, de interferir com argumentos, ideias, alegando fatos, a
garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o
contraditório não se efetiva apenas com a ouvida da parte; exige-se a
participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar o
conteúdo da decisão.424

Assim, enquanto na concepção estática do contraditório destacava-se o seu


aspecto meramente formal, significando apenas o direito da parte ser informada dos atos
praticados e de se manifestar no processo, a visão dinâmica ou substantiva passa a considerá-
lo sob três dimensões fundamentais e indissociáveis: a) direito de informação: o órgão
julgador deve informar às partes os atos praticados no processo e os elementos dele
constantes; b) direito de manifestação ou reação: é assegurado à parte o direito de se
manifestar oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do
processo; e c) direito de influência e de não surpresa: o julgador tem o dever de conferir
atenção às razões relevantes apresentadas, não somente para tomar conhecimento, mas
também para considerá-las detidamente quando do julgamento, sem surpreender as partes
com questões não debatidas.

O caráter tridimensional da referida concepção demonstra que o contraditório tem


diversas facetas, com destaque para o direito de influência e de não surpresa, que constitui o
aspecto substancial indispensável à concretude da participação democrática no processo. Ou
seja, as partes deixam de ser meros espectadores e sujeitos passivos à espera de uma decisão a
ser prolatada pelo juiz, como único intérprete do Direito, e passam a atuar ativamente de
forma a influenciar a construção da decisão.

A dimensão dinâmica do contraditório reflete, assim, a prerrogativa de simétrica


influência dos sujeitos processuais na construção do conteúdo da decisão judicial, em sintonia
com o dever imposto ao julgador, como terceiro imparcial, de assegurar às partes iguais
oportunidades de interferência nos resultados da atividade jurisdicional, inclusive quanto às

424
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento.
Salvador: JusPodivm, 2010, p. 52.
201

questões apreciáveis de ofício, não podendo surpreendê-las. 425

A propósito, Theodoro Jr. e Dierle Nunes ensinam que:

(...) o contraditório moderno constitui uma verdadeira garantia de não


surpresa que impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as
questões, inclusive as de conhecimento oficioso, impedindo que, em
“solitária onipotência”, aplique normas ou embase a decisão sobre fatos
completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as
partes.426

Nesse mesmo diapasão, estabelece Zaneti Jr.:

É justamente no contraditório, ampliado pela Carta do Estado Democrático


brasileiro, que se irá apoiar a noção de processo democrático, o processo
como procedimento em contraditório, que tem na sua matriz substancial a
“máxima da cooperação” (...) O contraditório surge então renovado, não
mais unicamente como garantia do direito de resposta, mas sim como direito
de influência e dever de debate.427

O direito de influência – marcante na visão tridimensional ou substantiva do


contraditório – corporifica-se, nesse contexto, no princípio da cooperação, a propugnar pela
formação de uma verdadeira comunidade processual na qual atuam, em conjunto e em
simétrica paridade, todos os sujeitos do processo, partes e juiz, contribuindo para que o
processo seja conduzido da melhor forma possível e, principalmente, para que o provimento
jurisdicional seja construído a partir do debate e dos argumentos trazidos ao processo.

Nessa comunidade processual a direção do processo é “compartilhada”


igualitariamente entre as partes e o juiz, que assume a posição de interlocutor que dialoga
permanentemente com os sujeitos processuais. 428

Nas palavras de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira:

(...) a ideia de cooperação além de implicar, sim, um juiz ativo, colocado no


centro da controvérsia, importará senão o restabelecimento do caráter
isonômico do processo, pelo menos a busca de um ponto de equilíbrio. Esse

425
JAYME, Fernando Gonzaga; FRANCO, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no Projeto do novo
Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 39, n. 227, jan. 2014, p. 345.
426
THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge reconhecer ao
contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de
aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo. São Paulo, n. 168, 2009, p. 125.
427
ZANETI JR., Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 191.
428
JAYME, Fernando Gonzaga; FRANCO, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no Projeto do novo
Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 39, n. 227, jan. 2014, p. 346-347.
202

objetivo impõe-se alcançado pelo fortalecimento dos poderes das partes, por
sua participação mais ativa e leal no processo de formação da decisão, em
consonância com uma visão não autoritária do papel do juiz e mais
contemporânea quanto à divisão do trabalho entre o órgão judicial e as
partes.429

Essa nova postura das partes em face do juiz no direito processual contemporâneo
também foi destacada nas palavras de Mancuso:

(...) esse renovado contexto participativo pressupõe um ambiente de


colaboração entre os sujeitos da relação processual – juiz e partes – em prol
do desdobramento da verdade dos fatos e da consecução de uma decisão
justa e tempestiva, o que não se coaduna com um exacerbado sistema
adversarial, aderente à terminologia tradicional: vencedor e vencido;
sucumbente, executado, expressões que denunciam um processo visto como
uma arena de combate, por onde se espraia o direito em pé de guerra. 430

Com efeito, a participação democrática reclama que os agentes do Estado -


especialmente do Poder Judiciário, que não foram eleitos pela vontade popular – exerçam
suas atribuições com a colaboração de todos que se apresentem como interessados no
processo de construção da decisão. Conforme parecer do deputado Paulo Teixeira:

(...) o projeto do novo Código de Processo Civil consagra, em combinação


com o princípio do contraditório, a obrigatória discussão prévia da solução
do litígio, conferindo às partes oportunidade de influenciar as decisões
judiciais, evitando, assim, a prolação de “decisões-surpresa”. Às partes deve-
se conferir oportunidade de, em igualdade de condições, participar do
convencimento do juiz. (...) A necessidade de participação, que está presente
na democracia contemporânea, constitui o fundamento do princípio da
cooperação. Além de princípio, a cooperação é um modelo de processo
plenamente coerente e ajustado aos valores do Estado Democrático de
Direito.
Além da vedação de decisão-surpresa, o processo cooperativo impõe que o
pronunciamento jurisdicional seja devidamente fundamentado, contendo a
apreciação completa das razões invocadas por cada uma das partes para a
defesa de seus respectivos interesses.431

Leonardo Greco sintetiza com precisão o direito de influência na concepção atual


do contraditório, que recebe do autor a denominação “contraditório participativo”, no qual o
juiz e as partes atuam conjuntamente e em cooperação na solução da lide, in verbis:

429
ÁLVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Poderes do juiz e visão cooperativa do processo. Revista da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa, v. 44, 2003. p. 26.
430
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: RT,
2012, p. 435.
431
BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer da Comissão Especial referente ao Projeto de Lei nº 8.046, de
2010. Rel.: dep. Paulo Teixeira. Brasília, 26 mar. 2014, p. 35-36. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>.
Acesso em: ago. 2015.
203

(...) o contraditório deixou de ser um simples instrumento de luta entre as


partes para transformar-se num instrumento operacional do juiz, ou melhor,
um pressuposto fundamental do próprio julgamento. (...) Para isso, o
contraditório não pode mais apenas reger as relações entre as partes e o
equilíbrio que a elas deve ser assegurado no processo, mas se transforma
numa ponte de comunicação de dupla via entre as partes e o juiz. Isto é, o
juiz passa a integrar o contraditório, porque, como meio assecuratório do
princípio político da participação democrática, o contraditório deve
assegurar às partes todas as possibilidades de influenciar eficazmente as
decisões judiciais.432

Ora, se o contraditório confere às partes o direito garantia de ver as suas alegações


e provas analisadas pelo órgão julgador, não se pode permitir que a decisão jurisdicional seja
proferida com explícito desprezo à colaboração dos seus próprios destinatários.

Por isso, o julgador não “proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja
previamente ouvida” (art. 9º do CPC/2015) e também não poderá “decidir, em qualquer grau
de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes
oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de
ofício” (art. 10º – princípio da não surpresa).

É certo que somente a partir da referida concepção contemporânea do


433
contraditório é que se poderá alcançar o “processo justo” defendido por Comoglio já
estudado em tópico específico deste capítulo. Com efeito, para ser justo não basta apenas que
o processo seja célere e de acordo com a lei, mas principalmente que assegure a atuação de
forma adequada e efetiva de todas as garantias fundamentais, refletindo o devido processo tal
como preconizado pela Constituição.

A concepção dinâmica ou substantiva do contraditório como direito de


informação, reação e de influência exprime, em toda sua plenitude, o caráter democrático do
processo, possibilitando o debate participativo, cooperativo e pluralista para construção do
provimento jurisdicional – essencial para o processo justo e para a concretude do modelo
constitucional de processo.

A participação das partes que serão afetadas pelo provimento jurisdicional é

432
GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. Estudos de Direito Processual. Campos dos Goytacazes:
Faculdade de Direito de Campos, 2005, p. 541.
433
COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e tecnica del giusto processo. Torino: G. Giappichelli, 2004, p. 60; No
mesmo sentido: COMOGLIO, Il “Giusto Processo” Civile in Italia e in Europa. Revista de Processo: RePro, v.
29, n. 116, jul.-ago. 2004, p. 138.
204

fundamental, portanto, para se assegurar efetivamente a garantia do contraditório substancial.


Transformá-lo em mera ficção jurídica para adequá-lo à nova técnica de resolução de
demandas repetitivas é o mesmo que negá-lo como garantia fundamental do processo justo.

3.7.3 A construção participativa da fundamentação das decisões judiciais: dever de


considerar os argumentos aduzidos pelas partes

No Estado Democrático de Direito, a legitimidade do Poder Judiciário – único


Poder da República cujos representantes não são democraticamente escolhidos pelo povo –
dá-se pela fundamentação da decisão construída a partir do discurso racional e participativo
no processo.

Quando Fazzalari define o processo como o procedimento realizado em


contraditório entre as partes – ou seja, o procedimento em que as partes participam, em
igualdade de condições, da elaboração do provimento final –, revela que as partes são
também, em certo sentido, tão autores da sentença quanto o juiz.

Vale dizer, o sentido da norma jurídica e a definição de qual norma regula


determinado caso só se revelam em sua inteireza quando os envolvidos participam
plenamente desse discurso racional de aplicação e de interpretação. 434

Portanto, na democracia, o processo decisório deve desenvolver-se em ambiente


discursivo propício à participação efetiva das partes e à valorização da argumentação jurídica,
visando sempre à definição e à aplicação do que é correto, válido ou devido.

A propósito, destaca-se o magistério de Robert Alexy:

A questão da legitimidade do Poder Judiciário surge sempre que se pergunta


sobre o alcance da norma constitucional expressa no enunciado de que “todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos
ou diretamente” (art. 1º, parágrafo único). Se o poder judicial não é exercido
pelo povo “diretamente”, nem por meio de “representantes eleitos”, impõe-
se investigar o que torna justificável a aceitação das decisões dos juízes por
parte da cidadania. A única possibilidade de conciliar a jurisdição com a
democracia consiste em compreendê-la também como representação do
povo. Não se trata, obviamente, de um mandato outorgado por meio do
sufrágio popular, mas de uma representação ideal que se dá no plano
discursivo, é dizer, uma “representação argumentativa”.
Essa representação argumentativa é exercida não no campo das escolhas
políticas – cujas deliberações versam (predominantemente) sobre o que é
bom, conveniente ou oportuno –, mas no campo da aplicação do Direito, sob
as regras do discurso racional por meio do qual se sustenta e se declara o que
434
GALUPPO, Marcelo Campos. Hermenêutica constitucional e pluralismo. In: SAMPAIO, José Adércio Leite;
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coord.). Hermenêutica e jurisdição constitucional. Belo Horizonte: Del Rey,
2001, p. 63.
205

é correto, válido ou devido.435

Daí a relação intrínseca e direta entre o contraditório substancial e a


fundamentação das decisões judiciais no processo democrático, cujo pilar de sustentação é a
construção participativa do provimento jurisdicional.

Com efeito, “a motivação decisória é inserida como elemento estrutural do


contraditório, a partir de uma perspectiva comparticipativa do contraditório que considere as
partes como reais partícipes da construção do provimento” 436.

Nesse contexto, o entendimento em relação ao julgamento do IRDR não pode ser


diferente, sob pena de se admitir a existência de um contraditório meramente presumido no
incidente coletivo, cujo resultado da interpretação vinculante da questão de direito repetitiva
poderá prejudicar o direito individual daquelas partes ausentes (dos processos sobrestados)
que não tiveram a oportunidade de participar efetivamente ou serem representadas
adequadamente no debate processual.

O fato do incidente possuir a natureza jurídica de um processo objetivo, conforme


já se demonstrou no capítulo 02, não pode justificar a relativização da garantia do
contraditório substancial, especialmente em razão do caráter coletivo e concreto de que
também se reveste o procedimento já que influenciado na sua essência pelo modelo das ações
de grupo do direito comparado.

A legitimidade democrática do referido julgamento perpassa, assim, pela


indispensável participação das partes ausentes e, outrossim, pelo controle da
representatividade adequada dessas mesmas partes (que será objeto de análise em tópico
específico), sob pena de flagrante violação ao modelo constitucional de processo. 437

435
ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 163.
436
JAYME, Fernando Gonzaga; FRANCO, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no Projeto do novo
Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 39, n. 227, jan. 2014, p. 354.
437
Sofia Temer defende, por sua vez, uma nova concepção de contraditório, que não seja entendido como
igualdade de condições de participação direta e pessoal, mas que atenda ao caráter objetivo do IRDR e seja
compatível com a tutela das demandas repetitivas. Nas palavras da referida jurista: “a natureza objetiva do
incidente dispensa, então, a perquirição da vontade dos sujeitos parciais das demandas repetitivas, porquanto não
haverá direta interferência em sua esfera de direitos e, por conseguinte, no espaço em que devem poder exercer
sua autonomia. Como o incidente visa à definição da melhor solução para um problema de conformidade e
coerência do ordenamento jurídico, o direito à influência no debate que ocorre no incidente decorre da
possibilidade de estabelecimento de diálogo fundado em argumentos racionais. A participação aqui é vista,
então, como a possibilidade de convencimento, através da apresentação (direta ou indireta) de razões para a
resolução da controvérsia jurídica”. (TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
Salvador: Juspodivm, 2016, p. 137-138). Entende-se, ao contrário, que transformar o direito ao contraditório em
mera ficção jurídica em relação, sobretudo, aos litigantes ausentes é o mesmo que desconsiderá-lo no
206

Essa visão substancial ou dinâmica do contraditório e sua aplicação ao IRDR não


só reflete na atuação das partes, mas principalmente na atuação do órgão julgador. De mero
destinatário e expectador dos atos processuais, o juiz ou o tribunal local, no caso do incidente,
também alcançou a condição de ator processual ativo e comprometido com a condução do
processo de forma democrática e participativa.

Como justifica Bedaque:

Tanto quanto as partes, tem o juiz interesse em que sua função atinja
determinados objetivos, consistentes nos escopos da jurisdição. Os valores
determinantes do modo de ser do juiz na condução da relação processual não
são os mesmos vigentes no início do século. A crescente complexidade das
situações regidas pelo direito substancial, a enorme disparidade econômica
entre os sujeitos do direito, a integração cada vez maior de culturas jurídicas
diferentes, determinada pelo que se convencionou chamar de globalização,
tudo isso exige maior preocupação do representante estatal com o resultado
do processo. Vem daí a ideia do juiz participativo.438

Dierle Nunes também destaca o novo papel do juiz no contexto da concepção do


contraditório como direito de influência e de não surpresa:

O processo que durante o liberalismo privilegiava o papel das partes e que


após os grandes movimentos reformistas pela oralidade e pela instauração do
princípio autoritário implementou um ativismo judicial que privilegiava a
figura do juiz passa em um estado democrático, com a releitura do
contraditório, a permitir uma melhora da relação juiz-litigantes de modo a
garantir o efetivo diálogo dos sujeitos processuais na fase preparatória do
procedimento (audiência preliminar para fixação dos pontos controvertidos),
e na fase de problematização (audiência de instrução e julgamento)
permitindo a comparticipação na estrutura procedimental.439

O direito de ampla participação e influência atua ainda, sob outra ótica, como um
limite ao poder do juiz, gerando a existência de um dever de debate por parte do julgador,
mesmo nos casos em que seja possível e recomendável a sua atuação de ofício. 440

Em outras palavras, tudo que o juiz decidir fora do debate travado pelas partes
implica surpreendê-las, ofendendo o caráter dialético e democrático do processo, mesmo que

procedimento do IRDR.
438
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz do contraditório.
In: TUCCI, José Rogério Cruz e; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Causa de pedir e pedido no processo
civil: questões polêmicas. São Paulo: RT, 2002, p. 21.
439
NUNES, Dierle José Coelho. O princípio do contraditório. Boletim Técnico da Escola Superior de Advocacia
da OAB/MG. Belo Horizonte, v. 1, jan.-jun. 2004, p. 41.
440
ZANETI JR., Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 196.
207

o objeto da decisão corresponda a matéria apreciável de ofício, o que se denomina de


princípio da não surpresa.

Sobre o tema, Álvaro de Oliveira assevera que:

A liberdade concedida ao julgador na eleição da norma a aplicar,


independentemente de sua invocação pela parte interessada, consubstanciada
no brocardo iura novit curia, não dispensa a prévia ouvida das partes sobre
os novos rumos a serem imprimidos ao litígio, em homenagem, ainda aqui,
ao princípio do contraditório. A hipótese não é pouco comum porque são
frequentes os empecilhos enfrentados pelo aplicador do direito, nem sempre
de fácil solução, dificuldade geralmente agravada pela posição
necessariamente parcializada do litigante, a contribuir para empecer visão
clara a respeito dos rumos futuros do processo. Aliás, a problemática não diz
respeito apenas ao interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o
próprio interesse público, na medida em que qualquer surpresa, qualquer
acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na administração
da justiça. O diálogo judicial e a cooperação, acima preconizada, tornam-se,
no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de democratização do
processo, a impedir que poder do órgão judicial e a aplicação da regra iura
novit curia redundem em instrumento de opressão e autoritarismo, servindo
às vezes a um mal explicado tecnicismo, com obstrução à efetiva e correta
aplicação do direito e à justiça do caso.441

Nesse contexto, a fundamentação da decisão judicial não deve se constituir apenas


em uma justificativa racional do entendimento do julgador. Deve demonstrar também que o
juiz não só tomou ciência do conteúdo do debate travado no processo e de todas as questões
suscitadas, mas também que todas elas foram apreciadas séria e detidamente. 442

O juiz, na fundamentação, mais do que analisar deve resolver as questões de fato e


de direito. Portanto, fundamentar implica o dever de expor de forma lógica as razões, de fato e
de direito, que conduziram o magistrado até aquela decisão; e deve existir uma exteriorização
racional do convencimento do juiz, como meio de comprovar o distanciamento judicial de
arbitrariedades.

Com efeito, a exposição das razões de convencimento do julgador estaria para a


sentença assim como a causa de pedir está para a petição inicial; e as razões de defesa, para a
contestação. A par disso, as razões de decidir devem constituir o acolhimento dos argumentos

441
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In:
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. (org.) Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.
194.
442
GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 271.
208

de uma das partes e a rejeição de outros. 443

Ou seja, a fundamentação deve ser qualificada e analítica para legitimar a


representatividade outorgada ao Poder Judiciário pelo Estado Democrático de Direito e
consagrar o modelo constitucional de processo, pois impede o arbítrio e concretiza a garantia
fundamental do contraditório substancial.

Em relação ao IRDR, conforme preconiza a lei no § 2º do art. 984, que regula o


julgamento do incidente, deverão ser abrangidos pelo acórdão “todos os fundamentos
suscitados concernentes à tese jurídica discutida”, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao
entendimento adotado pelo tribunal, sob pena de nulidade do julgado por ausência de
fundamentação.

De igual modo, determina o inciso IV do § 1º do art. 489 do NCPC que não deve
ser considerada fundamentada a decisão judicial que não enfrente todos os argumentos
deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador.

Os argumentos capazes de infirmar a conclusão são aqueles considerados


relevantes para o entendimento da controvérsia e, portanto, essenciais para a completa
prestação jurisdicional.

O art. 489, § 1º, inciso IV do CPC dispõe que o órgão julgador não tem o dever de
rebater todos os argumentos superficiais ou periféricos levantados pelas partes, mas sim
aqueles que são relevantes, ou seja, todos os que são capazes de infirmar a conclusão adotada
pelo julgador, aqueles que são idôneos para a alteração do julgado. 444

Com efeito, a relação direta entre a fundamentação e os argumentos apresentados


pelas partes não deve significar necessariamente que todo argumento, por mais insignificante
que seja, deva sempre ser objeto de análise no provimento jurisdicional. Do contrário, o dever
de fundamentação se transformaria na obrigação de responder questionários formulados pela
parte inconformada com eventual derrota no processo, o que comprometeria a eficiência da
prestação jurisdicional, além de permitir manobras protelatórias das partes, o que não condiz
com o propósito da novel legislação. Sem falar no desvirtuamento da função jurisdicional,
transformando em órgão consultivo ao invés de deliberativo.

443
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. IV. São Paulo: Malheiros, 2004,
p. 661.
444
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo
Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 493.
209

Destarte, a decisão, no processo jurisdicional democrático, e isso também deve se


aplicar ao IRDR, não pode mais ser vista como expressão da vontade única do órgão julgador
e sua fundamentação não pode ser vislumbrada como mecanismo formal de legitimação de
um entendimento que este tinha antes mesmo do debate travado no processo. Pelo contrário,
deve-se buscar legitimidade a partir da consideração dos aspectos relevantes e racionais
suscitados e debatidos por todos os participantes e destinatários do provimento, informando
razões (na fundamentação) que sejam convincentes para todos os interessados no espaço
público e aplicando o arcabouço jurídico existente sem inovações subjetivistas.

A participação de todas as partes que serão afetadas pelo provimento jurisdicional


é, nesse contexto, fundamental para a legitimidade do julgamento do IRDR e para assegurar
que, de fato, todos os argumentos considerados relevantes serão apresentados e submetidos à
análise do órgão julgador.

Tal como previsto no CPC/2015, o Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas restringe o debate processual, na medida em que possibilita a concentração da
definição da interpretação do direito perante o tribunal local ou regional – instância
meramente ordinária –, prescindindo do julgamento do juiz de 1º grau e, ainda, prescindindo
do controle de representatividade das partes ausentes que serão afetadas pelo provimento
jurisdicional, conforme será abordado a seguir.

3.7.4 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre o contraditório substancial

O STF também adotou a visão substantiva do contraditório e sua indispensável


repercussão na fundamentação das decisões.
445
No julgamento do Mandado de Segurança nº 24.268 , o plenário da Suprema

445
É importante citar a ementa do Mandado de Segurança nº 24.268 (rel. min. Gilmar Mendes, Diário Oficial de
17/9/2004): “Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União.
Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3.
Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos,
judiciais ou administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito
constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito de manifestação e de
informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do
contraditório e da ampla defesa, assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos
administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a
respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do
princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos
administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável.
Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa
que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência
da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio
da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica.
210

Corte decidiu que a pretensão à tutela jurídica justa (processo justo) envolveria não só o
direito de informação e de manifestação, mas também o direito de influência, isto é, o direito
de as partes verem seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. O entendimento foi
446
reiterado no Mandado de Segurança nº 25.787 , conforme decisão do plenário do Supremo
Tribunal Federal publicada em 14 de setembro de 2007.

A propósito, o ministro Gilmar Mendes, relator em ambos os casos, consignou em


seu voto:
Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador
(Recht auf Berucksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz
ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se
afirmar que envolve não só o dever de tomar conhecimento
(Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente,
as razões apresentadas (Erwägungspflicht).447

Nos referidos precedentes, restou consignado que a fundamentação das decisões


deriva da obrigação de considerar as razões apresentadas pelas partes no processo, seja ele
judicial ou administrativo, de modo que o julgamento pelo órgão sem a oitiva e a participação
das partes envolvidas violaria o âmago do contraditório.

A parte tem, enfim, o direito de ver os seus argumentos considerados no


julgamento, exigindo do órgão julgador capacidade e isenção de ânimo para contemplar as
razões apresentadas.

A toda evidência, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal nos referidos


precedentes também contribui para a participação democrática no processo e, sobretudo,
assegura na essência o direito ao contraditório substantivo como direito de influência e de não
surpresa.

Embora o novo CPC admita a construção participativa da fundamentação das

Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar
observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 5º LV)”.
446
Ementa: “Mandado de Segurança. 2 Decisão do Presidente da República que, em processo administrativo,
indeferiu recurso hierárquico e, por consequência, manteve decisão que declarou a caducidade da concessão
outorgada à Transbrasil S.A Linhas Aéreas para a prestação de serviço de transporte aéreo. 3. Alegada violação
aos princípios da ampla defesa e do contraditório, assim como a dispositivos da Lei nº 9.784/99, pois a
impetrante não teria sido comunicada da instauração do processo administrativo ou de qualquer ato nele
praticado, não lhe tendo sido concedida oportunidade de proferir defesa de forma adequada. 4. Os documentos
juntados aos autos pela própria impetrante, porém, demonstram cabalmente que lhe foram asseguradas todas as
garantias da ampla defesa e do contraditório, como os direitos de informação sobre os atos produzidos no
processo, de manifestação sobre seu conteúdo e de ter seus argumentos devidamente considerados pela
autoridade administrativa. 5. Mandado de Segurança indeferido.”
447
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.268. Relator ministro Gilmar Mendes.
17/9/2004.
211

decisões, isso poderá ser comprometido na aplicação prática do Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas, que se estrutura a partir de uma mera ficção da garantia do
contraditório, violando o modelo constitucional do processo.

3.8 A ausência de controle judicial da representatividade adequada das partes que serão
afetadas pelo IRDR e sua repercussão no contraditório substancial

Antes da abordagem do tema especificamente em relação ao IRDR, importante


apresentar algumas considerações introdutórias acerca do controle judicial da representação
adequada no direito comparado.

No sistema da class action do direito norte-americano, o controle da


representação adequada dos titulares dos direitos objetos da tutela é considerado requisito
essencial para legitimar a propositura de ação coletiva pelos representantes. Os
representantes precisam demonstrar em juízo suas condições de defender o direito coletivo
veiculado no processo, fazendo-o da maneira mais eficiente possível, sob pena da ação
coletiva não ser certificada como tal.

De acordo com Antonio Gidi, a finalidade desse requisito é “que o candidato a


448
representante proteja adequadamente os interesses do grupo em juízo” . E prossegue o
referido autor, “esse requisito é essencial para que haja o respeito ao devido processo legal
em relação aos membros ausentes e, consequentemente, indispensável para que eles possam
ser vinculados pela coisa julgada produzida na ação coletiva (...)”449.

“Nos casos em que o grupo ou alguns membros não foram representados


adequadamente na ação coletiva, os tribunais, em processo posterior, não reconhecem o efeito
vinculante da coisa julgada coletiva e podem decidir novamente a questão (collateral
attack)”450.

Destaca-se que o referido controle da representação também se dá em relação aos


advogados atuantes no processo para verificar se possuem condições técnicas de realizar
defesa fiel e adequada aos interesses do grupo.451 A capacidade, experiência na matéria

448
GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 99.
449
GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 99.
450
GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007, p. 101.
451
CAVALCANTI, Mauro de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas.
212

discutida nos autos, a reputação profissional e a dedicação do advogado do representante


serão submetidas ao controle judicial.

Nas palavras de Marcos Cavalcanti,

Verificada a adequação da representatividade e, por consequência,


certificada a demanda como ação coletiva, presume-se que todos os
integrantes da classe estão devidamente representados em juízo. Por essa
razão, a vontade manifestada pela parte representativa será a vontade de
todos os integrantes do grupo. Daí o motivo pelo qual o regime jurídico das
modernas class actions permite que os membros ausentes do grupo sejam
alcançados pelos efeitos da decisão e da coisa julgada material,
independentemente do resultado da decisão, salvo quando exercido o direito
de autoexclusão (opt-out). (...) O controle judicial é sempre contínuo. Se, a
qualquer momento, durante o processamento da demanda, for verificado que
as partes representativas não tem condições de efetuar a adequada defesa dos
direitos coletivos, a ação coletiva deve ser decertificada. Com isso, a decisão
ali proferida não terá o condão de atingir os membros ausentes do grupo.452

De forma semelhante, o procedimento modelo do sistema alemão, que inspirou a


criação do IRDR pelo CPC/2015, também prevê o controle de representação das partes do
grupo que será afetado pelo julgamento.

Compete ao tribunal de segunda instância (Oberlandesgericht-OLG), antes do


julgamento da questão isomórfica, proceder à escolha de um líder (parte principal) tanto para
a autora (Musterkläger) quanto para a parte ré (Musterbeklagte) que passam a ser os
interlocutores diretos com a Corte. Caberá ao líder da parte autora definir a estratégia
processual e a forma de condução do processo, não podendo os intervenientes contrariá-lo.453

A definição do líder (parte principal), contudo, não impede a participação direta


dos interessados. As partes dos processos individuais dependentes do julgamento do incidente
coletivo são consideradas intervenientes e também podem se valer de meios diretos de ataque
e defesa.

Os interessados ausentes não serão atingidos pela eficácia da decisão-modelo se a


atuação processual foi deficiente, se o líder não se utilizou dos meios de ataque e defesa
cabíveis em razão de negligência na condução do processo. A má gestão processual poderá,

Salvador: JusPodivm, 2015, p. 591.


452
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 592-593.
453
ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução do group
litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso? Disponível em http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-
artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-resolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-
direito-brasileiro-avanco-ou-retrocessol, p. 24-25. Acesso em: 21 dez. 2015.
213

assim, comprometer a extensão dos efeitos da coisa julgada (pro et contra).

Nesse contexto, o contraditório substancial, entendido como direito fundamental


de participar e influenciar o convencimento do órgão julgador na construção do provimento
jurisdicional, somente será assegurado aos membros ausentes se houver atuação eficiente do
representante escolhido como líder processual para a defesa dos interesses do grupo.

O sistema processual brasileiro, por sua vez, não adota de maneira efetiva o
controle judicial da representação adequada.

No microssistema do processo coletivo pátrio, a legitimidade ativa se dá apenas


em virtude de lei, a qual elenca expressa e objetivamente os legitimados a substituírem a
coletividade. A mera previsão legislativa dos legitimados não é suficiente para assegurar que
aquele representante seja, de fato, o adequado para a defesa dos interesses da coletividade ou
de um grupo de pessoas determinadas em um caso específico.

Segundo Marcos Cavalcanti, “isso não elimina ou reduz a possibilidade de


atuação incompetente, negligente ou com má-fé no processo coletivo” 454.

Assim, justamente em razão da ausência de qualquer controle judicial mais efetivo


da representação do grupo ou classe no processo coletivo brasileiro, a coisa julgada relativa
aos conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos ou massificados opera seus
efeitos secundum eventus litis, ou seja, somente quando procedente a pretensão, evitando
prejuízos aos sujeitos substituídos que não participaram de forma direta do processo. Do
contrário, restaria violado o processo justo e, por consequência, o contraditório substancial
como direito de participação e de influência na construção do provimento.

Todavia, se em relação às ações coletivas que defendem direitos individuais


homogêneos ou massificados o julgamento não impede que os interessados ingressem em
juízo com suas ações individuais ou nelas prossigam se assim desejarem, o mesmo não se
pode dizer em relação ao IRDR.

O legislador do CPC/2015 não mostrou a referida preocupação em relação ao


incidente de resolução das demandas repetitivas, o que compromete as garantias
fundamentais e estruturantes do modelo constitucional de processo, haja vista os efeitos
vinculantes e erga omnes (pro et contra) atribuídos ao julgamento do incidente.

454
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 599.
214

Inspirado no modelo das ações de grupo, o IRDR constitui uma técnica


processual para definição, em bloco, da tese jurídica discutida em várias demandas repetitivas
ou massificadas.

A sua peculiaridade, de acordo com a novel legislação, está no fato de que a tese
jurídica definida pelo tribunal local repercutirá em caráter pro et contra diretamente sobre os
vários processos em curso e os futuros, vale dizer, poderá prejudicar ou beneficiar as partes
envolvidas em cada demanda independentemente da participação ou não no incidente
coletivo. Daí a importância de se garantir o contraditório substancial, com a efetiva
participação das partes afetadas.

Como é cediço o IRDR é instaurado a partir de um processo modelo, de um caso


piloto (processo originário). Não obstante, não foram previstos critérios objetivos para a
escolha do processo originário. Não foi prevista a escolha de um “líder” ou de controle
judicial da representação no incidente coletivo, tal como ocorre no direito comparado, para
assegurar a efetiva participação daqueles que serão afetados pelo processo e, ao mesmo
tempo, conferir legitimidade ao julgamento dotado de efeito vinculante.

A definição de critérios para a escolha ou afetação do processo originário é


fundamental, pois a estrutura normativa do procedimento do incidente coletivo confere certo
protagonismo às partes e advogados do processo originário. Por exemplo, o autor e réu do
processo originário terão uso da palavra na sessão de julgamento do IRDR em tempo igual
(30 minutos) àquele destinado a todos os demais interessados em conjunto (também 30
minutos). (art. 984, inc. II, alíneas a e b do CPC/2015)

Em outras palavras, de acordo com a lei, a escolha do processo modelo


(originário) interfere nas prerrogativas processuais dos sujeitos interessados. Assim, a
instauração do IRDR a partir de processo originário mal conduzido, com poucos e frágeis
argumentos jurídicos ou com acompanhamento técnico deficiente pode comprometer as
garantias processuais dos litigantes, especialmente daqueles ausentes.

Em tais casos, a decisão do incidente, dotada de caráter vinculante pro et contra,


pode não vir a ser a melhor e mais consistente solução da controvérsia de massa, com
evidente impacto prejudicial à conclusão da multiplicidade de demandas sobrestadas em
flagrante violação ao modelo constitucional de processo.455

455
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 208.
215

A situação se apresenta ainda mais preocupante quando se está diante dos


litigantes habituais, aqueles que possuam diversos processos versando sobre a mesma matéria,
conforme abordagem realizada no primeiro capítulo.

Os litigantes habituais podem, como parte processual, optar sobre qual dos
processos suscitarão o incidente coletivo. Desta maneira, poderão provocar o incidente a
partir de um litígio melhor instruído, com argumentos mais precisos em seu favor, bem
escritos ou completos, no qual a parte contrária não tenha apresentado fortes argumentos
contrários ou que não disponha do mesmo aparato profissional para o acompanhamento
técnico da causa.456

A propósito do problema da escolha do processo modelo e da representação


adequada dos litigantes ausentes, importante destacar a crítica do eminente Ministro Herman
Benjamin do Superior Tribunal de Justiça lançada em brilhante voto vencido em julgamento
impactante sobre milhares de demandas:

(...) Em litígios dessa envergadura, que envolvem milhões de


jurisdicionados, é indispensável a preservação do espaço técnico-retórico
para exposição ampla, investigação criteriosa e dissecação minuciosa dos
temas ora levantados ou que venham a ser levantados. Do contrário,
restringir-se-á o salutar debate e tolher-se-á o contraditório, tão necessários
ao embasamento de uma boa e segura decisão do Colegiado dos Dez. (...)
escolheu-se exatamente uma ação individual , de uma contratante do Rio
Grande do Sul, triplamente vulnerável na acepção do modelo constitucional
welfarista de 1988 - consumidora, pobre e negra -, para se fixar o precedente
uniformizador, mesmo sabendo-se da existência de várias ações civis
públicas , sobre a mesma matéria, que tramitam pelo País afora. Ou seja,
inverteu-se a lógica do processo civil coletivo: em vez da ação civil pública
fazer coisa julgada erga omnes, é a ação individual que, por um expediente
interno do Tribunal, de natureza pragmática, de fato transforma-se, em
consequência da eficácia uniformizadora da decisão colegiada, em
instrumento de solução de conflitos coletivos e massificados.
Não se resiste aqui à tentação de apontar o paradoxo. Enquanto o
ordenamento jurídico nacional nega ao consumidor-indivíduo, sujeito
vulnerável, legitimação para a propositura de ação civil pública (Lei
7347/1985 e CDC), o STJ, pela porta dos fundos, aceita que uma demanda
individual – ambiente jurídico-processual mais favorável à prevalência dos
interesses do sujeito hiperpoderoso (in casu o fornecedor de serviço de
telefonia) - venha a cumprir o papel de ação civil pública às avessas, pois o
provimento em favor da empresa servirá para matar na origem milhares de
demandas assemelhadas - individuais e coletivas. (...) Finalmente, elegeu-se
exatamente a demanda de uma consumidora pobre e negra (como dissemos
acima, triplamente vulnerável), destituída de recursos financeiros para se
fazer presente fisicamente no STJ, por meio de apresentação de memoriais,

456
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 205.
216

audiências com os Ministros e sustentação oral. Como juiz, mas também


como cidadão, não posso deixar de lamentar que, na argumentação(?) oral
perante a Seção e também em visitas aos Gabinetes, verdadeiro monólogo
dos maiores e melhores escritórios de advocacia do País, a voz dos
consumidores não se tenha feito ouvir. Não lastimo somente o silêncio de D.
Camila Mendes Soares, mas sobretudo a ausência, em sustentação oral, de
representantes dos interesses dos litigantes-sombra , todos aqueles que serão
diretamente afetados pela decisão desta demanda, uma gigantesca multidão
de brasileiros (mais de 30 milhões de assinantes) que, por bem ou por mal,
pagam a conta bilionária da assinatura-básica (lembro que só a recorrente,
Brasil Telecom, arrecada, anualmente, cerca de três bilhões e meio de reais
com a cobrança dessa tarifa (...)457

Logo a seguir, conclui o eminente ministro:

Em síntese, a vitória das empresas de telefonia, que hoje se prenuncia, não é


exclusivamente de mérito; é, antes de tudo, o sucesso de uma estratégia
judicial, legal na forma, mas que, na substância, arranha o precioso princípio
do acesso à justiça, uma vez que, intencionalmente ou não, inviabiliza o
debate judicial e o efetivo contraditório, rasgando a ratio essendi do sistema
de processo civil coletivo em vigor (Lei 7347/85 e CDC). 458

Para se evitar tal nefasta consequência, defende-se que o órgão julgador tem o
dever de realizar o controle da representação adequada, independentemente de lei que
autorize, valendo-se da cláusula constitucional do devido processo legal, como ensina
Antonio Gidi459.

Nesse sentido, Antonio do Passo Cabral propõe critérios para escolha da causa-
piloto ou processo modelo. O referido autor indica dois vetores básicos que se complementam
e devem ser analisados conjuntamente: a amplitude do contraditório e a pluralidade e
representatividade dos sujeitos do processo originário. 460

A amplitude do contraditório corresponde aos aspectos do debate processual,


sendo, pois, um vetor de caráter objetivo. A fim de otimizar a escolha do processo modelo
(originário), alguns aspectos objetivos devem ser considerados: a) completude da discussão;
b) qualidade da argumentação apresentada pelas partes; c) divergência da argumentação; d)

457
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Voto-vista vencido proferido pelo Ministro Herman Benjamin no
julgamento do REsp 911.802/RS, DJU. 24.10.2007.
458
. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Voto-vista vencido proferido pelo Ministro Herman Benjamin no
julgamento do REsp 911.802/RS, DJU. 24.10.2007.
459
GIDI, Antônio. Rumo a um código de processo civil coletivo: a codificação das ações coletivas no Brasil. Rio
de Janeiro: Forense, 2008, p. 81.
460
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 210.
217

contraditório efetivo; e) existência de restrições à cognição e à prova.461

Segundo Cabral, “sempre que houver restrições ao contraditório, seja no


procedimento do processo originário, seja quando a escolha da causa puder limitar o
contraditório no próprio incidente, deve-se rever ou corrigir a seleção do processo-teste” 462.

O contraditório, na visão do referido jurista e em consonância com o que se


defendeu ao longo do presente capítulo, deve ser “compreendido como influência reflexiva
(isto é, os direitos de informação, expressão e consideração, abrangendo todos os sujeitos do
processo, inclusive o juiz, em ambiente dialogal cooperativo)” 463.

É importante nesse aspecto que um ou alguns dos processos modelo escolhidos


(originários do incidente) já tenham sentença do juiz de primeira instância. A fundamentação
da sentença apresenta na sua essência os argumentos debatidos e a construção interpretativa
da questão de direito realizada pelo juiz, como importante sujeito do processo, cujo papel
também é indispensável ao modelo constitucional de processo, conforme se verá no capítulo
próprio.

Na mesma toada, Cabral adverte que:

Definir uma tese em decisão paradigmática sem tomar em consideração um


grupo mais completo dos fundamentos da pretensão e da defesa que
comumente são encontrados nos processos repetitivos traz um duplo risco.
Por um lado, a solução do incidente pode revelar-se equivocada porque
justamente um daqueles argumentos não compreendidos no processo-teste
poderia conduzir o Tribunal a uma conclusão diversa. E a decisão do
incidente pode também ser menos eficiente, seja porque não vislumbrou uma
possibilidade decisória, seja porque, ao omitir-se sobre certos argumentos,
deixa espaço para novos dissensos, podendo surgir, posteriormente,
questionamentos no sentido de evitar a aplicação da decisão do incidente a
processos pendentes. Neste caso, o distinguishing teria fundamento na
omissão do Tribunal julgador em considerar certos argumentos que, não
debatidos, impediriam que a tese jurídica fosse aplicada porque aquele caso
seria “diverso”, devendo ser apreciado à luz daqueles argumentos não
analisados quando do julgamento do incidente.464

461
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 210- 217.
462
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 210.
463
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 214.
464
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 211.
218

Como alternativa à ausência de previsão específica do CPC/2015, Sofia Temer


defende a aplicação ao IRDR das regras do regime dos recursos repetitivos em relação à
escolha dos processos modelo, as quais também destacam o conteúdo dos argumentos como
critério objetivo de seleção:

Para os recursos repetitivos a lei dispõe que a decisão de afetação deverá


selecionar no mínimo dois processos, que sejam admissíveis, com
abrangente argumentação e discussão sobre a questão analisada. Dispõe
ainda que, embora a escolha inicial caiba aos tribunais de justiça ou
regionais, o tribunal superior não fica vinculado, podendo selecionar outros
processos. Há, assim, um critério que pode ser extraído para a escolha dos
líderes no IRDR: a abrangência e profundidade dos argumentos apresentados
em seus processos originários em torno da questão de direito. 465

O segundo vetor elencado por Antonio do Passo Cabral possui aspecto subjetivo,
pois se relaciona aos sujeitos do processo e à sua representatividade. Em razão dos efeitos
vinculantes e erga omnes do IRDR, deve-se fomentar a participação no incidente e assegurar
o contraditório substancial.

Para que seja assegurado maior pluralismo do debate processual, deve ser
selecionado o processo modelo no qual preferencialmente se figuram vários autores, réus e
intervenientes. Ou seja, “se o pluralismo e o estímulo à participação são a tônica dos inciden-
tes de coletivização, ao buscar escolher uma causa-piloto em que esta participação tenha sido
tão mais plural já nas instâncias inferiores, reduz-se o problema do déficit de participação no
curso do próprio incidente” 466.

Ressalta-se que o pluralismo dos sujeitos no processo originário é não apenas um


fator relevante para carrear maior número de argumentos ou alegações diversificadas, mas
também se revela um importante impulso à repartição das formas de participação no curso do
incidente.

Desse modo, alguns critérios são apresentados:

1. uma causa com litisconsórcio deve ser preferida a uma causa com apenas
um autor e um réu; 2. devem-se preferir litisconsórcios tanto no polo ativo
como passivo; 3. deve-se priorizar um processo originário no qual tiver
havido intervenção de terceiros; 4. entre os processos com intervenção de
terceiros, deve ser preferido sobretudo um processo em que tenha havido a
atuação de amicus curiae, que é um terceiro desinteressado e que intervém

465
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 158.
466
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 218.
219

com a função de trazer elementos de convicção para o debate e oxigenar o


contraditório com outros pontos de vista; 5. devem ser preferidos processos
no curso dos quais tenha havido audiência pública.467

Segundo o mesmo processualista, se simultaneamente estiver tramitando ação


coletiva fundada na questão de direito repetitiva, deve esta ser preferida aos processos
individuais. E se vários processos coletivos estiverem tramitando, o incidente deve ser
instaurado preferencialmente a partir daquelas ações ajuizadas por órgãos independentes, que
atuam com base no interesse público, sem hierarquia. Assim, os processos ajuizados pelo
Ministério Público e pela Defensoria Pública deveriam ter preferência. De igual modo, as
associações privadas de caráter nacional deveriam preferir às associações de caráter local ou
regional. 468

Acrescente-se, ainda, a necessidade de se perquirir sobre a qualidade técnica dos


advogados e a sua indispensável atuação no tribunal. A defesa técnica deficiente pode
comprometer o debate processual e a amplitude das argumentações.

Enfim, para que seja assegurado o contraditório substancial inerente ao modelo


constitucional de processo, não basta apenas a ampla divulgação do IRDR, a participação das
partes do processo originário, do Ministério Público e do amicus curiae, é imprescindível que
se faça o controle judicial da representatividade adequada, a despeito da ausência de expressa
previsão normativa, estabelecendo critérios para a admissibilidade do incidente coletivo a
partir de processos modelo mais completos, seja no que se refere à amplitude da
argumentação, seja no que se refere à qualidade da representação do grupo e à atuação técnica
dos advogados.

3.9 A ausência de previsão da possibilidade de autoexclusão (modelo right to opt out) do


julgamento do IRDR e a ofensa ao direito de acesso à justiça

O modelo processual de autoexclusão assegura o direito subjetivo do membro da


classe ou do grupo, cuja pretensão é objeto de um processo de caráter coletivo, de manifestar
seu desejo de não sofrer os efeitos do julgamento e, portanto, não ser alcançado pela coisa
julgada.

Nas palavras de Ada Pellegrini Grinover,

467
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 219.
468
CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.
Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, mai. 2014, p. 220.
220

O sistema opt out consiste em permitir que cada indivíduo, membro da clas-
se, requeira em juízo sua exclusão da ação coletiva de modo a ser consi-
derado terceiro, não sujeito à coisa julgada. Todos os demais membros da
classe, que não tenham exercido a opção de excluir-se, são considerados
partes e sofrem os efeitos da coisa julgada, seja ela positiva ou negativa (...)
O sistema exige ampla divulgação da demanda, por todos os meios de
comunicação e – quando possível – até pessoal, para que os membros da
classe que não queiram ser abrangidos pela coisa julgada, favorável ou
desfavorável, possam exercer seu direito de opção, retirando-se do processo.
É raro nos países da civil law – seguido apenas por Holanda e Portugal.469

No sistema norte americano das ações coletivas de indenização (class actions for
damages), os membros da classe ou do grupo devem ser intimados ou notificados da
existência da demanda.

A finalidade principal desta intimação é permitir que o interessado opte por não
fazer parte do processo, o que caracteriza o modelo right to opt out (direito de autoexclusão).
Exercido o opt out o representando não será beneficiário se a sentença for procedente e
tampouco prejudicado se a pretensão for improcedente. Esta opção de sair da demanda
somente é admitida na hipótese de ações indenizatórias – class action for damages – que
podem ser comparadas com a ação coletiva no Brasil que versa sobre a tutela do direito
individual homogêneo ou massificado.470

Na medida do possível, a intimação deverá ser pessoal. Os custos com o referido


ato processual são do representante adequado da classe, e se ele não tiver condições
econômicas de intimar todos os membros do grupo, deverá desistir da class action.

Antonio Gidi471 ressalta que a intimação, em geral, acontece na fase inicial, logo
após a certificação da class action, e tem o objetivo de informar os membros ausentes a
respeito da propositura e da certificação da ação coletiva, oportunizando que compareçam em
juízo e intervenham na ação ou, se for o caso, requeiram a sua autoexclusão do grupo. Se os
indivíduos se mantiverem inertes, se submeterão aos efeitos do julgamento
independentemente do resultado.

469
GRINOVER, Ada Pellegrini. Os processos coletivos nos países da civil law. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda (Org). Os processos coletivos nos países da civil law e da common
law: uma análise de direito comparado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 242.
470
BARROSO, Luís Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da class action Norte
Americana. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n.8,
jan./jun. 2007, p. 51.
471
GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma
perspectiva comparada. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007, p. 215.
221

Assim, no sistema norte americano, proferida uma decisão de procedência ou de


improcedência da pretensão nas ações coletivas de indenização, os efeitos da coisa julgada
atingirão todos os membros do grupo, ficando ressalvados apenas aqueles que, após
pessoalmente intimados, manifestaram-se expressamente pela exclusão da lide, no prazo
estabelecido.472
473
De acordo com Marcos Cavalcanti , o procedimento modelo do direito alemão
também adota um sistema semelhante de autoexclusão. A KapMug permite que o autor da
demanda individual repetitiva desista de sua ação, sem a necessidade de consentimento do
réu, no prazo de 30 dias contado da comunicação da suspensão do processo, como forma de
não ser alcançado pelos efeitos da decisão-modelo.

No sistema inglês da Group Litigation Order (GLO), já estudado no segundo


capítulo, ocorre exatamente o contrário, tendo em vista a previsão do modelo opt in. Vale
dizer, cada parte interessada deverá optar expressamente por participar do julgamento das
demandas atingidas pela ordem de litígio coletivo. Se eventualmente já tiver sido ultrapassado
o prazo para a opção de inclusão, não haverá prejuízo ao indivíduo que poderá ajuizar ação
individual não submetida aos efeitos da GLO.

Pelo modelo opt in, quem não manifestar expressamente o desejo de inclusão no
processo de caráter coletivo não será abrangido pelos efeitos da coisa julgada, não sendo
prejudicado ou beneficiado pelo julgamento. Para Ada Pellegrini Grinover, a escolha pelo
modelo opt in “pode, em muitos casos, esvaziar o processo coletivo, frustrando seus ideais –
sobretudo o de resolver, de uma vez por todas, litígios de massa, evitando multiplicação das
demandas, decisões contraditórias, fragmentação da prestação jurisdicional” 474.

Segundo Vânila Moraes, o sistema brasileiro afastou-se dos modelos opt out ou
opt in, escolhendo inicialmente um critério mais condizente com sua realidade so-
cioeconômica, levando em consideração as deficiências de informação e de politização da
sociedade, as dificuldades de comunicação e a própria ausência de controle judicial da

472
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 604-605.
473
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 607.
474
GRINOVER, Ada Pellegrini. Os processos coletivos nos países da civil law. In: GRINOVER, Ada Pellegrini;
WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda (Orgs). Os processos coletivos nos países da civil law e da common
law: uma análise de direito comparado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 243.
222

representatividade adequada. 475

A influência do sistema norte americano está na divulgação da propositura da


ação de caráter coletivo prevista no artigo 94 do CDC, que dispõe apenas sobre a publicação
de edital no diário oficial a fim de que os interessados possam intervir no processo. A norma
do direito brasileiro não assegura, de fato, o direito de autoexclusão como previsto no sistema
norte americano, pois lá a previsão é de intimação pessoal e os indivíduos podem optar por
não participar da demanda.

Nesse sentido, a lição de Alexandre Flexa, Daniel Macedo e Fabrício Bastos:

A intimação (fair notice) é indispensável para a configuração do sistema,


pois a mera publicidade preconizada pelo art. 94, do CDC, não tem o condão
de garantir a plena ciência da existência de demandas coletivas, versando
sobre a mesma situação jurídica das demandas individuais correlatas. Caso
não seja conferida ao autor da ação individual a oportunidade processual de
se manifestar, restará relegado a oblívio o princípio do acesso à justiça
(artigo 5, inciso XXXV, da Constituição da República), bem como o
princípio da efetividade da tutela jurisdicional (artigo 5, inciso LIV, da
Constituição da República). 476

Ou seja, a intimação de consumidores nas ações coletivas se dá apenas por edital e


estes só não se beneficiarão do julgamento se já tiverem ajuizado demanda individual e não
pedirem a suspensão do processo durante a tramitação da demanda coletiva, conforme
determina o art. 104 do CDC. 477

Ressalta-se que, se o resultado da ação coletiva for desfavorável, os interessados


substituídos poderão prosseguir com o andamento das suas respectivas ações individuais
suspensas, o que ameniza a ausência de adoção pelo Brasil do modelo de autoexclusão.

O microssistema do processo coletivo brasileiro previsto até então não adotava a

475
MORAES, Vânila C. A. Demandas repetitivas decorrentes de ações e omissões da administração pública:
hipótese de soluções e a necessidade de um direito processual público fundamentado na Constituição. Séries
Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2012, p. 84.
476
FLEXA, Alexandre. MACEDO, Daniel. BASTOS, Fabrício. Novo Código de Processo Civil. Temas inéditos,
mudanças e supressões. Bahia: JusPODIVM, 2015, p. 635.
477
Hipótese semelhante foi prevista recentemente pela Lei 13.300, de 23 de junho de 2016, que disciplina o
processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo. O parágrafo único do art. 13 dispõe
expressamente que “o mandado de injunção coletivo não induz litispendência em relação aos individuais, mas os
efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante que não requerer a desistência da demanda individual no
prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração coletiva”. Portanto, em relação ao
mandado de injunção, a lei exige a desistência (e não mera suspensão) da ação individual para que o impetrante
possa se beneficiar dos efeitos da ação coletiva. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2016/Lei/L13300.htm. Acesso em junho de 2016)
223

possibilidade da coisa julgada pro et contra nas ações de caráter coletivo. A coisa julgada
relativa aos conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos ou massificados opera
seus efeitos secundum eventus litis, ou seja, somente gera efeitos quando procedente a
pretensão, evitando prejuízos aos litigantes substituídos que não participaram de forma direta
do processo justamente por não haver a previsão do modelo de autoexclusão e do controle
judicial da representação adequada.

Essa técnica processual adotada no Brasil pelo microssistema do processo coletivo


protege, de certo modo, os interesses dos litigantes ausentes e, por conseguinte, resguarda o
pleno acesso à Justiça.

Não obstante, a situação se tornou extremamente perigosa quando se depara com


o novo modelo adotado em relação às demandas repetitivas ou de massa, no qual se insere o
IRDR como instrumento inspirado nas ações de grupo para definição rápida da interpretação
do direito dotado de caráter vinculante e erga omnes.

Com efeito, o Brasil consagrou no novo Código de Processo Civil o seu próprio
modelo de solução das demandas repetitivas, imputando a todos os jurisdicionados com
demandas individuais homogêneas os efeitos da decisão paradigma, seja ela favorável ou não
(pro et contra), inclusive para os casos futuros.

O regramento do IRDR prevê que as demandas repetitivas serão automaticamente


suspensas e o julgamento pro et contra alcançará de forma vinculante todos os processos em
tramitação na área de competência territorial do tribunal local ou regional. A vinculação é, a
toda evidência, de caráter absoluto, não tendo sido previsto o modelo de autoexclusão (opt
out), com a possibilidade do litigante prosseguir com o seu processo individualmente, ou de
inclusão mediante requerimento (opt in).

Previu-se apenas a possibilidade de distinção (técnica do distinguishing), pela


qual a parte interessada pode requerer o prosseguimento de seu processo, comprovando que
seu caso é distinto da questão jurídica objeto do incidente coletivo (IRDR), o que não afasta a
grave violação ao direito constitucional de pleno acesso à Justiça.

Para Marcos Cavalcanti,

Essa forma de vinculação absoluta fere o direito fundamental de ação (art.


5º, inciso XXXV, da CF/1988). Não há como o NCPC impedir o direito de a
parte prosseguir com sua demanda isoladamente, ou seja, fora do regime
jurídico do IRDR. O sistema processual deve sempre assegurar ao litigante o
direito de opção. Essa possibilidade de escolha decorre do direito
224

fundamental de ação, de sorte que o legislador não poder criar uma forma de
vinculação absoluta pro et contra sem estabelecer mecanismos processuais
que assegurem seu pleno exercício. 478

E, logo a seguir, o referido processualista defende a aplicação subsidiária da regra


do art. 104 do CDC ao regime processual do IRDR, in verbis:

Desse modo, para que não exista violação ao direito fundamental de ação, é
preciso que seja assegurado aos litigantes dos processos representativos um
dos sistemas acima referidos: opt-in ou opt-out. Isto é, o NCPC, de uma
forma ou de outra, deve assegurar às partes o direito de optarem pela não
participação no julgamento do IRDR. Como o NCPC é omisso quanto ao
ponto, impõe-se a aplicação subsidiária do microssistema processual coletivo
para suprir a lacuna. Feitas as adaptações necessárias, o art. 104 do CDC
merece ser aplicado ao regime jurídico do IRDR. Assim, interpretando-se tal
dispositivo a partir do direito fundamental de ação, deve ser extraída a regra
no sentido de que o litigante tem o prazo de trinta dias para requerer sua
exclusão do julgamento do IRDR, a contar da ciência formal da
admissibilidade do IRDR nos autos do processo repetitivo. 479

Nas palavras de Júlio Rossi:

Não há como tolher o direito de ação de um indivíduo que não pretende


aderir a um processo coletivo. É uma opção do titular de um direito homogê-
neo ingressar em uma ação coletiva, na qualidade de litisconsorte
(vinculando-se ao resultado da lide coletiva), como também suspender sua
demanda individual para aproveitar o resultado favorável estabelecido
naquela, ou, ainda, não se vincular ao pronunciamento exarado na ação
coletiva. Essas posturas são conferidas pelo direito fundamental de ação (art.
5.º, XXXV, da CF/1988) e pelo devido processo legal (art. 5.º, LV, da
CF/1988). 480

Sofia Temer defende, por sua vez, a inadequação da aplicação dos modelos opt-in
e opt-out ao IRDR em razão do caráter objetivo do incidente. Nas suas palavras:

Os modelos de opt-in e opt-out estão vinculados à ideia de participação


como consentimento, da qual se distancia o sistema do IRDR (...) Assim, não
há conduta da parte da demanda repetitiva em relação à inclusão ou
exclusão, porque não há esse agrupamento que ocorre nas ações coletivas. A
eficácia que incide em relação ao processo individual não decorre do fato de
a parte ter “agregado” sua demanda a outras, porque sua demanda será
inteiramente decidida pelo juízo em que estiver tramitando. A eficácia
decorre da uniformização do tribunal sobre uma controvérsia jurídica,

478
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 606-607.
479
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas.
Salvador: JusPodiym, 2015, p. 608.
480
ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 232.
225

decidida em abstrato, a qual é depois aplicável aos casos que se encontrem


dentro da moldura fática relevante por ocasião do julgamento. 481

Entende-se, ao contrário, que a natureza objetiva do IRDR coincide com o seu


caráter coletivo e concreto, de modo que o resultado do julgamento da tese jurídica impacta
diretamente os processos sobrestados obrigando os respectivos julgadores a adotar aquele
posicionamento estabelecido pelo tribunal. Em razão desse nítido caráter coletivo, o direito de
exclusão adquire especial relevância para a compatibilidade do IRDR com o direito de acesso
à Justiça assegurado pelo modelo constitucional de processo.

Com efeito, o acesso à justiça não se resume à mera possibilidade de ingressar em


juízo ou à garantia de obtenção de um julgamento célere; é, sim, principalmente, a garantia de
que os jurisdicionados possam demandar e defender-se adequadamente, isto é, ter acesso à
efetividade no processo com os meios e recursos a ele inerentes de modo a obter um
provimento jurisdicional justo, construído a partir do amplo debate e participação dos sujeitos
interessados, respeitando-se as garantias estruturantes do modelo constitucional de processo.

Em se tratando de litígios de massa, que envolvem milhares de jurisdicionados e


várias demandas individuais e coletivas, é indispensável a preservação do espaço técnico-
retórico para exposição ampla, debate, investigação criteriosa e dissecação plena dos temas
ora levantados ou que venham a ser levantados, inclusive com a participação do julgador de
primeiro grau. Do contrário, o contraditório substancial e o acesso à justiça, vistos como
direitos fundamentais, serão relegados ao segundo plano. A vinculação dos processos
sobrestados de forma absoluta e irrevogável ao IRDR ofende tal direito.

Assim, com ou sem a aplicação do art. 104 do CDC, esse novo modelo processual
pode, em prol da celeridade processual a qualquer custo, culminar na perniciosa padronização
das decisões judiciais, restringindo a participação efetiva dos sujeitos interessados na
interpretação do direito e, em última análise, restringindo o próprio acesso à justiça – garantia
inerente ao modelo constitucional de processo.

481
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 235-236. A
referida autora entende, portanto, que a previsão de vinculação dos órgãos jurisdicionais à tese jurídica definida
pelo IRDR seria uma exigência constitucional que se funda no direito à isonomia, à segurança jurídica e à
coerência e unidade do direito. A parte não teria o direito de autoexclusão para obter decisão que desrespeite essa
uniformização, como não teria o direito a se autoexcluir de decisões em controle de constitucionalidade e de
súmulas vinculantes.
226

CAPÍTULO 04

A EFICÁCIA VINCULANTE DO IRDR E A INDEPENDÊNCIA


JUDICIAL

4.1 O movimento de aproximação dos sistemas civil law e common law: a valorização da
jurisprudência no Brasil como fonte normativa do Direito

Para facilitar o estudo dos sistemas de direito contemporâneo, René David os


agrupa em famílias, reduzindo os tipos de modo a facilitar sua compreensão e apresentação. O
autor trata da família romano-germânica, da família common law e da família dos direitos
socialistas. O próprio autor ressalta que essas famílias não refletem toda a realidade do mundo
contemporâneo, mas são úteis para apresentar um quadro sistemático com as principais
características e significados. 482

O sistema romano-germânico, também chamado civil law483, baseia-se


primordialmente nas codificações, e o sistema anglo-saxão, conhecido como common law484,
fundamenta-se na tradição e na teoria dos precedentes.

Acerca das principais diferenças entre os dois sistemas, Luiz Guilherme


Marinoni485 ensina que, no common law, os textos codificados não têm sua principal
preocupação em apresentar ao juiz todas as regras e soluções para todos os tipos de problemas
das relações sociais, mantendo entre seus principais aspectos a possibilidade de o juiz

482
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Lisboa: Meridiano, 1978 p.22.
483
“(...) o termo Civil Law refere-se ao sistema legal adotado pelos países da Europa Continental (com exceção
dos países escandinavos) e por, praticamente, todos os outros países que sofreram um processo de colonização,
ou alguma outra grande influência deles – como os países da América Latina. O que todos esses países têm em
comum é a influência do Direito Romano, na elaboração de seus códigos, constituições e leis esparsas. É claro
que cada qual recebeu grande influência também do direito local, mas é sabido que, em grande parte desses
países, principalmente os que são ex-colônias, o direito local cedeu passagem, quase que integralmente, aos
princípios do Direito Romano. E, por isso, a expressão Civil Law, usada nos países de língua inglesa, refere-se ao
sistema legal que tem origem ou raízes no Direito da Roma antiga e que, desde então, tem-se desenvolvido e se
formado nas universidades e sistemas judiciários da Europa Continental, desde os tempos medievais; portanto,
também denominado sistema Romano-Germânico.” (VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: os dois
grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2007, p. 270.)
484
O sistema do common law, por sua vez, possui balizamento firme nas decisões judiciais. Consiste,
basicamente, em princípios, usos e regras de ação, aplicáveis ao Estado e à sociedade, cuja autoridade não é
positivada em um ato normativo do Poder Legislativo, mas substancialmente criada pelos costumes e pelas
decisões judiciais. Assim, o decidido (ratione decidendi) torna-se precedente, holding, paradigma, leading case,
binding case, ou seja, a jurisprudência passa a constituir fonte do direito. A isso chamamos de sistema do stare
decisis (stare decisis, et non quita movere – aderir ao que está decidido e não alterar as coisas que estão estabe-
lecidas). (ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de
demandas repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 206-207)
485
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 55-56.
227

interpretar e integrar a lei, já que, na base deste sistema, está o reconhecimento de que é
impossível ao legislador regular todas as possíveis situações humanas.

Por sua vez, a principal fonte das normas jurídicas, no âmbito do civil law, sempre
foi tradicionalmente a lei, como estrutura abstrata e fechada, voltada à regulação de todas as
relações humanas, funcionando o “precedente judicial” dos tribunais apenas como uma
espécie de reforço argumentativo e persuasivo acerca da melhor interpretação da disposição
legal ou constitucional.

Existe atualmente, no entanto, um movimento global nos Estados ocidentais


voltado à flexibilização das fronteiras e à convergência entre os dois sistemas, seja pelo
aumento da codificação no common law para regulação das condutas sociais, seja pela
implementação de técnicas processuais de vinculação de precedentes e de padronização
decisória no civil law.486 Supera-se, assim, segundo Thomas Bustamante, o mito da autonomia
metodológica do common law.487

A crescente aproximação e a mútua influência entre os referidos sistemas são


muito bem retratadas na lição de Lorena Miranda Santos Barreiros:

(...) a civil law, tradicionalmente racionalista, vem sendo aproximada da


realidade histórica e do empirismo, o que é possível de ser observado, por
exemplo, com o fenômeno da decodificação, conducente, no Século XX, à
proliferação de leis extravagantes e ao surgimento de microssistemas
jurídicos, aos quais as codificações oitocentistas tiveram de ceder espaço.
Também contribuem decisivamente para essa mudança o papel central
assumido pelas Constituições (e a necessidade de concretização dos valores
nela inseridos) e a adoção, em larga escala, da técnica de legislar por meio
de cláusulas gerais, ampliativa do papel do juiz na construção do direito. Por
outro lado, a common law vivencia a crescente influência do direito
legislado, ao ponto de a Inglaterra, país no qual teve origem a tradição anglo-
saxônica, haver adotado, no final do Século XX, um Código de Processo
Civil (as RCP – Rules of Civil Procedure, de 1999), a despeito de,
sabidamente, as codificações não possuírem, nos sistemas de tradição de
common law, o sentido totalizante que alcançaram na tradição romano-
germânica oitocentista.488

486
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2007, p. 310-
312.
487
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a aplicação das regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, pp. 106 e ss.
488
BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Estruturação de um sistema de precedentes no Brasil e concretização
da igualdade: desafios no contexto de uma sociedade multicultural. In: DIDIER JR., Freddie; CUNHA,
Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes.
Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 187.
228

O sistema common law e o civil law representam, dentro desse novo contexto,
aspectos de uma mesma e grande tradição jurídica ocidental.489

O ordenamento jurídico brasileiro, de tradicional filiação ao sistema romano-


germânico490, não ficou imune ao referido movimento de convergência entre os dois sistemas,
tendo sido implementadas ao longo dos últimos anos modificações legislativas dotadas de
nítida influência do common law.

José Carlos Barbosa Moreira já alertava há mais de uma década que é “indubitável
que o peso do universo anglo-saxônico tem aumentado no direito brasileiro, talvez mais
noutros campos, agora diretamente alcançados pelas vagas da globalização econômica, mas
também no terreno do processo civil” 491.

Sergio Gilberto Porto também destaca a ocorrência do que denomina de


“commonlawlização” do direito brasileiro, haja vista a tendência de valorização da
jurisprudência como fonte de direito. Nas palavras do referido jurista:

Cumpre, outrossim, registrar que, hodiernamente, em face da globalização –


a qual para o bem ou para o mal indiscutivelmente facilitou as comunicações
- observa-se um diálogo mais intenso entre as famílias romano-germânicas e
a da common law, onde uma recebe influência direta da outra. Da common
law para civil law, há, digamos assim, uma crescente simpatia por algo que
pode ser definido como uma verdadeira "commonlawlização" no
comportamento dos operadores nacionais, modo especial, em face das já
destacadas facilidades de comunicação e pesquisa postas, na atualidade, a
disposição da comunidade jurídica. Realmente, a chamada
"commonlawlização" do direito nacional é o que se pode perceber, com
facilidade, a partir da constatação da importância que a jurisprudência, ou
seja, as decisões jurisdicionais vêm adquirindo no sistema pátrio,
particularmente através do crescente prestigiamento da corrente de
pensamento que destaca a função criadora do juiz.492

Sofia Temer aponta, por sua vez, alguns motivos importantes que culminaram na
maior valorização das decisões judiciais no sistema brasileiro, entre os quais se destacam:

489
MARINONI, Luiz Guilherme. Apresentação. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). A força dos
precedentes: estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual da UFPR. Salvador: JusPodivm,
2010, p. 07.
490
Em sua clássica obra, René David explica que “as colônias espanholas, portuguesas, francesas e holandesas
da América aceitaram de modo natural as concepções jurídicas típicas da família romano-germânica”. (in
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Lisboa: Meridiano, 1978 p. 77)
491
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O processo civil brasileiro entre dois mundos. In: BARBOSA
MOREIRA, José Carlos. Temas de Direito Processual. Oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 41-42.
492
PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre common law, civil law e o precedente judicial. Estudo em homenagem ao
Professor Egas Moniz de Aragão. 2007, p. 06. Disponível em: www.abdpc.org.br. Acesso em: 22 abr. 2016.
229

b) (...) falência da concepção de que a lei seria suficiente e unívoca,


dispensando, por isso, qualquer atividade interpretativa e/ou criativa do
direito. A constatação de que o texto legal admite variadas normas, que deve
ser interpretado e que o juiz tem papel criativo no exercício da jurisdição
evidenciaram a necessidade de abandonar dogmas do civil law, para buscar
segurança jurídica e a previsibilidade em outras fontes que não na lei, como
na decisão judicial; c) da inflação legislativa e da inatividade do legislador;
d) da crescente exigência de segurança jurídica, racionalidade,
previsibilidade, uniformidade e coerência, mormente diante da explosão da
quantidade de processos judiciais, muitos versando sobres as mesmas
questões, entre outros fatores.493

Percebe-se facilmente, nessa nova perspectiva, que as disposições legais e as


codificações no Brasil estão permeadas de princípios jurídicos, cláusulas gerais e conceitos
jurídicos indeterminados ou abertos que transferem para o juiz o papel de integração do
direito na solução dos conflitos sociais. São vários os exemplos: plausibilidade do direito,
perigo da demora, boa-fé objetiva, relevância social, função social da propriedade, dignidade
da pessoa humana, proporcionalidade, razoabilidade.

Como preencher esses conceitos? Como dar a eles força normativa, para
estabelecer regras de conduta e consequências jurídicas na solução concreta dos conflitos? A
partir do momento em que a lei não o faz, a tarefa passa ao juiz e aos tribunais que, apoiados
na doutrina, assumem um papel de interpretação e “criação”494 do direito.

É natural, portanto, que, diante da referida postura legislativa, caiba à


jurisprudência, na sua força criativa complementar, estabelecer o melhor e mais adequado
entendimento acerca da inteligência das cláusulas gerais e das normas jurídicas incompletas,

493
TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 199.
494
Conforme esclarecimento realizado por Lucas Buril de Macêdo, citando Pontes de Miranda, com “criação”
pretende-se significar que se chega institucionalmente a uma determinada norma jurídica que pode ser
racionalmente atribuída aos elementos normativos fornecidos anteriormente, mas ainda assim até então
inexistente de forma expressa. É também claro que a constituição, modificação e extinção do Direito realizada
pelo juiz possuem limites, que são impostos pelo próprio ordenamento jurídico e que a criação judicial do
Direito não significa uma inovação completa, a partir do nada. O Direito é construído e reconstruído sempre em
determinado contexto histórico-social, do qual o intérprete não pode se alienar: a norma é gota de tinta em um
copo, e sua cor é assumida em conformidade ao todo. Em interessante passagem do Sistema, Pontes de Miranda,
tendo isso em mente, acaba por dizer que não há atos criativos do Direito: o direito é processo social de
adaptação e é forjado pela e na própria sociedade, ao legislador e ao juiz cabe reconhecê-lo. (...) Para Pontes, o
jurista não cria o Direito assim como o arquiteto nada cria, simplesmente reordena e combina os elementos
encontrados na natureza para lhes dar o aspecto novo: constrói. Não há aí criação, pois toda substância era
anterior ao ato, novidade só há na forma como se organizou e na função que se deu. O tema é extremamente
complexo e sua tratativa de forma adequada requereria uma pesquisa à parte (...) Pode-se dizer que se utiliza,
nesta tese, um sentido fraco ou superficial de “criação”, enquanto Pontes utiliza o termo em sentido forte ou
profundo. (MACÊDO, Lucas Buril de. A disciplina dos precedentes no direito brasileiro: do anteprojeto ao
Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro
Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3.
Salvador: JusPodivm, 2015, nota 23, p. 464.)
230

firmando os limites de sua interpretação e de seus efeitos práticos diante de cada caso. 495

Nas palavras de Gustavo Nogueira, “a partir do momento em que nossos


monumentos legislativos contém omissões, e elas são supridas pelos nossos Tribunais,
aproximamo-nos da common law. Judge made law, puro judge made law”496.

Ou seja, constata-se, de forma nítida, um incentivo no Brasil à utilização cada vez


mais intensa das decisões jurisprudenciais como fonte de aplicação do Direito. 497

Nesse contexto de aproximação dos sistemas jurídicos e de influência das técnicas


de julgamento do common law, a adoção de um “sistema próprio de precedentes vinculantes”
pareceu ao legislador infraconstitucional uma opção legítima para, em curto prazo, minimizar
a crise causada pela “justiça intempestiva” no Brasil.498

É notório que o Sistema de Justiça do Brasil atravessa uma grave crise


institucional. A enorme quantidade de processos, o aumento da litigiosidade de massa, a
demora e a burocracia processuais, além do alto grau de instabilidade jurídica provocada
pelos acontecimentos políticos, sociais e econômicos, colocaram na ordem do dia a temática
sobre a criação de técnicas processuais e outras medidas que pudessem assegurar a celeridade
da uniformização jurisprudencial e, por conseguinte, uma maior previsibilidade decisória.

A tendência de se criar mecanismos de valorização dos julgamentos dos tribunais


começou a se destacar nas reformas legislativas implementadas no direito processual
brasileiro desde a Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004. 499

Cita-se, a propósito, a introdução da “súmula vinculante”, que, nas palavras de


José Rogério Cruz e Tucci, foi “concebida como mecanismo de aceleração dos julgamentos,
em decorrência do óbice a demandas fulcradas em teses jurídicas já pacificadas na

495
THEODORO JR., Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 673.
496
NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro.
Salvador: JusPodivm, 2013, p. 51.
497
THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves considerações da politização do
Judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro – Análise da convergência entre o civil law e o
common law e dos problemas da padronização decisória. Revista de processo, São Paulo: RT, v. 189, nov. 2010,
p. 03.
498
TUCCI, Jogé Rogério Cruz e. Precedente Judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 281.
499
SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de Janeiro: Lúmen
Juris, 2005, p. 141.
231

jurisprudência dominante”500.

A referida reforma constitucional introduziu, ainda, a “repercussão geral” como


pressuposto de admissibilidade específico (filtro) para o recurso extraordinário, dando caráter
mais objetivo e abstrato ao controle difuso de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal, possibilitando que os efeitos do julgamento de alguns poucos recursos se irradiassem
para outros casos concretos.

A partir da introdução da repercussão geral, o simples pré-questionamento da


questão constitucional não é suficiente para o cabimento do recurso extraordinário. O
recorrente deverá demonstrar a relevância da matéria sob a ótica econômica, política, social
ou jurídica, que transcende o mero interesse subjetivo das partes litigantes. Ao regulamentar o
instituto, a Lei 11.418/2006 introduziu o § 5º ao art. 543-A do CPC de 1973, dispondo que, se
negada a repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre a mesma matéria,
que serão indeferidos liminarmente, ressalvada a hipótese de revisão da tese.

Destaca-se também a criação do regime de julgamento dos recursos especiais


repetitivos pela Lei 11.672/2008, aperfeiçoada no CPC/2015, que implementou a técnica
processual de “pinçamento” do caso modelo ou causa piloto para a resolução da questão de
direito de maneira uniforme para todas as demandas repetitivas. Trata-se de uma técnica pela
qual o tribunal de origem seleciona um ou mais recursos representativos da controvérsia e os
encaminha ao Superior Tribunal de Justiça, sobrestando os demais recursos sobre a mesma
questão jurídica até o pronunciamento da corte superior acerca da definição da tese jurídica.

Seguindo esse mesmo propósito, o legislador do CPC de 2015 implementou um


sistema próprio de precedentes para o direito processual civil.

A temática é relevante e causa preocupação quando, diante do modelo


constitucional de processo, depara-se com o status de precedente vinculante atribuído ao
julgamento do IRDR de competência de tribunal local de segunda instância, corte de mera
revisão, cujo papel não se confunde com o dos tribunais superiores, os quais possuem a
competência constitucional de definição de teses jurídicas e uniformização da interpretação do
direito.

Ressalta-se, ademais, o grave risco de engessamento da interpretação do direito


em uma sociedade plural em constante modificação e, ainda, de esvaziamento do papel do

500
TUCCI, Jogé Rogério Cruz e. Precedente Judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 281.
232

juiz da primeira instância no debate processual. Em prol de estatísticas e da celeridade


processual, o julgador poderá se tornar um “juiz eletrônico” que apenas reproduz, de maneira
quase que automatizada, a tese jurídica (de caráter normativo) já definida pelo tribunal local.
Sob o mito da igualdade, corre-se extremado risco de asseverar as desigualdades considerando
a heterogeneidade existente no Brasil, país de dimensão continental, com nuances regionais
acentuadas. Assim, há o perigo de se negar a igualdade por se tratar igualmente cidadãos
substancialmente diferentes. A igualdade substancial ou material concretiza-se quando se trata
desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Com efeito, o juiz de primeiro grau da jurisdição é, em regra, aquele que realiza o
primeiro contato direto com as particularidades do conflito vivenciado pelas partes,
participando efetivamente do debate processual. A verticalização e a vinculação pura e
simples aos julgamentos dos tribunais, especialmente dos de segundo grau como ocorre no
caso do IRDR, podem acarretar precipitação, reduzindo o espaço cognitivo do processo,
espaço essencial ao debate público dos fundamentos aduzidos pelas partes.

Assim, diante dessa rígida verticalização do Sistema de Justiça e do risco de


esvaziamento do papel do juiz de primeiro grau, a análise da compatibilidade do IRDR com o
modelo constitucional de processo não pode prescindir da abordagem crítica do sistema de
precedentes criado pelo novo CPC, do efeito vinculante atribuído ao julgamento do incidente
coletivo pelos tribunais de segunda instância e da independência judicial, haja vista o papel
fundamental do juiz na construção do provimento jurisdicional no Estado Democrático de
Direito.

4.2 Apontamentos sobre precedente e seus elementos

Para a melhor compreensão da temática e sua contextualização no CPC/2015, não


se deve confundir ou utilizar como sinônimos os termos “precedente”, “jurisprudência” e
“súmula”. Importante ressaltar que não se aprofundará na distinção desses institutos, que
exigiria outra delimitação temática. Busca-se apenas estabelecer algumas premissas e
distinções necessárias para possibilitar a análise do IRDR e da sua concepção como
precedente no sistema instituído pelo CPC/2015.

Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, precedente é “a primeira decisão que


elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia deixando-a cristalina”501
e, por isso, deve formar-se a partir da análise de todos os principais argumentos e,

501
MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo. Revistas dos Tribunais, 2010, p.216.
233

preferencialmente, em mais de um caso concreto, mediante a construção da solução judicial


mais completa possível acerca da questão de direito que passa por diversos casos.

Para Lênio Streck e Georges Abboud, “o precedente constitui-se como critério


normativo a ser seguido em novos casos nos quais exista idêntica questão de direito”502. Os
precedentes devem constituir, portanto, as principais decisões de determinado ordenamento
jurídico, cuja função primordial consiste em servir de modelo para decisões posteriores.

Já segundo Fredie Didier Jr., Rafael Oliveira e Paula Braga, “precedente é a


decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como
diretriz para o julgamento posterior de casos análogos”503.

O núcleo essencial do precedente constitui a chamada ratio decidendi, vale dizer,


a tese jurídica fixada pelo julgador como fundamentação determinante para a resolução do
caso concreto, que, nas palavras de Fredie Didier, “se desprende do caso específico e pode ser
aplicada em outras situações concretas que se assemelhem àquela em que foi originariamente
construída”504.

Ao lado da ratio decidendi, o precedente judicial também pode ser composto por
considerações periféricas, no entanto, desprovidas de força vinculante para julgamentos
posteriores. Denominam-se obter dictum os argumentos jurídicos expostos apenas de
passagem na fundamentação do julgado, caracterizando, na essência, “juízos normativos
acessórios, provisórios, secundários, impressões ou qualquer outro elemento jurídico-
hermenêutico que não tenha influência relevante e substancial para a decisão” 505.

O obiter dictum é normalmente identificado por exclusão, sendo compreendido


como tudo aquilo que não integra a ratio decidendi. É composto pelos elementos do
precedente que não se identificam com o núcleo da fundamentação do julgado, configurando
qualquer conclusão a que chega o Tribunal, mas que não é essencial para o julgamento do
caso concreto506. Assim, apesar de não se prestar para ser invocado como precedente

502
STRECK, Lênio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 63.
503
DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula. Curso de direito processual civil. v. II. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 385.
504
DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula. Curso de direito processual civil. v. II. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 428.
505
DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula. Curso de direito processual civil. v. II. Salvador:
Juspodivm, 2013, p. 430.
506
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2007, p. 139.
234

vinculante em caso análogo, o obter dictum pode perfeitamente ser referido como argumento
de persuasão507.

Dierle Nunes também explica a diferença entre ambos:

(...) a ratio decidendi (elemento vinculante) justifica e pode servir de padrão


para a solução do caso futuro; já o obter dictum constituem-se pelos
discursos não autoritativos que se manifestam nos pronunciamentos judiciais
de sorte que apenas as considerações que representam indispensavelmente o
nexo estrito de causalidade jurídica entre o fato e a decisão integram a ratio
decidendi, onde qualquer outro aspecto relevante, qualquer outra observação,
qualquer outra advertência que não tem aquela relação de causalidade é
obiter: um obter dictum ou, nas palavras de Vaughan, um gratis dictum.508

A distinção entre ratio decidendi e obiter dictum se mostra fundamental em um


sistema de precedentes vinculantes, como o proposto pelo CPC/2015, na medida em que o
efeito vinculante reside somente no elemento essencial da fundamentação, isto é, na parte do
ato decisório que compõe a ratio decidendi.

Pode-se perceber, assim, que nem toda decisão proferida pelo Poder Judiciário
deve adquirir o status de precedente judicial, mas, por outro lado, todo precedente judicial
deve possuir algumas características essenciais, como a relevância de seu conteúdo jurídico,
que delineia de forma cristalina determinada tese jurídica, e a antecedência, para que possa ser
apto a irradiar seus efeitos para outros casos subsequentes. Além disso, nem todo o conteúdo
do precedente judicial adquire força normativa vinculante, mas somente a parte do juízo
decisório que fundamenta a construção de determinada tese jurídica.

Destaca-se, ainda, que o precedente possui autoridade vertical para vincular o


órgão prolator da decisão e os demais que estão a ele submetidos em razão da competência
hierárquica funcional e também autoridade horizontal, haja a vista a necessidade dos próprios
tribunais respeitarem os seus julgamentos. 509

O precedente possui força vinculante no common law, pois, como fonte inovadora
do Direito, deve dar consistência ao sistema, assegurando a coerência e segurança jurídica. E

507
TUCCI, José Rogério Cruz e. O regime do precedente judicial no novo CPC. In: DIDIER JR., Fredie;
CUNHA, Leonardo Carneiro da; MACÊDO, Lucas Buril de; ATAIDE JR., Jaldemiro R. de (coords).
Precedentes. Salvador: JusPodivm, p. 445/458, 2015, p. 177.
508
NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a
litigiosidade repetitiva. A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização
decisão. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 199, set. 2011, p. 38.
509
NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a
litigiosidade repetitiva. A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização
decisão. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 199, set. 2011, p. 438.
235

quem diz que o precedente vincula não é a lei, mas outro precedente. Isso porque aquele
sistema não se baseia na lei, mas é formado por decisões judiciais proferidas nos casos
concretos, a partir das quais se extrai a norma de direito genérica que vai se reproduzindo nos
casos subsequentes. 510

A jurisprudência é, por sua vez, uma “sucessão de acórdãos consonantes, sobre


um mesmo tema, prolatados de modo reiterado e constante, por órgão jurisdicional colegiado,
num mesmo foro ou Justiça” 511.

A jurisprudência dominante, tal como atualmente é concebida e aplicada pelos


tribunais no Brasil, nem sempre se baseia em um verdadeiro “precedente judicial”, mas
muitas vezes em julgamentos desprovidos de ampla fundamentação que simplesmente foram
reprisados em outros casos semelhantes sem maior cotejo dos argumentos apresentados pelas
partes.

A expressão “jurisprudência dominante” é criticada pelo professor Dinamarco:

É indeterminado o conceito de jurisprudência dominante e, para aplicá-lo


adequadamente, os relatores e os tribunais devem ter a consciência de que
inexiste um critério quantitativo que seja suficiente para sua especificação.
Nem há qualquer critério objetivo, que possa aplicar-se sempre.
Aproximadamente, tem-se como jurisprudência dominante em dado tribunal
uma linha de julgamentos significativamente majoritária em seus órgãos
fracionários, ainda que não pacífica; a existência de decisões contrárias, ou
de votos vencidos, não retira a essas linhas vitoriosas a condição de
jurisprudência dominante, embora deva ser levada em conta para a
verificação sobre a realidade da prevalência da jurisprudência no sentido
majoritário. 512

Michele Taruffo destaca, ainda, a distinção entre precedente e jurisprudência em


razão da quantidade de julgados:

Quando se fala do precedente se faz normalmente referência a uma decisão


relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala da jurisprudência
se faz normalmente referência a uma pluralidade, frequentemente bastante
ampla, de decisões relativas a vários e diversos casos concretos. A diferença
não é apenas do tipo semântico. O fato é que nos sistemas que se fundam
tradicionalmente e tipicamente sobre o precedente, em regra a decisão que se

510
NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro.
Salvador: JusPodivm, 2013, p. 129-130.
511
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: RT, 2010, p.
47.
512
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. São Paulo: RT, 2003, p. 186-187.
236

assume como precedente é uma só (...) 513

Nessa perspectiva, quando um precedente judicial imbuído de relevância e de


substancioso conteúdo jurídico é reiteradamente aplicado pelo Poder Judiciário em casos
semelhantes se transforma em jurisprudência, que pode dar ensejo à edição de um enunciado
na súmula da jurisprudência deste tribunal.

Nas palavras de Nelson Nery e Rosa Nery, a súmula

é o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência reiterada e


predominante no tribunal e vem traduzido em forma de verbetes sintéticos
numerados e editado. O objetivo da súmula é fixar teses jurídicas in abstrato
que devem ser seguidas pelos membros do tribunal, de modo a facilitar o
exercício da atividade jurisdicional pelo tribunal que as editou. 514

As súmulas podem ser meramente persuasivas e, como o próprio nome diz,


apresentam-se como modelos recomendados ou sugestões para a solução de decisões futuras,
estando o juiz livre para utilizar o modelo ou não.

As vinculantes, introduzidas pela Emenda Constitucional 45, de 2004, possuem,


por sua vez, efeito incontrastável, ou seja, o efeito de que nenhum juiz, tribunal ou a
Administração Pública está livre ou autorizado a contrariar a súmula em suas decisões. Criam
elas, assim, um compulsório para todas as demais interpretações sobre a mesma matéria.

As súmulas são, portanto, enunciados de caráter geral e abstrato, características


semelhantes às presentes na lei, que retratam o posicionamento de determinado tribunal
acerca de um determinado tema, pois extraídos da ratio decidendi de casos anteriormente
julgados.

4.3 O sistema de precedentes adotado pelo CPC/2015: análise crítica da inclusão do


julgamento do IRDR como “precedente vinculante”

Feitos tais apontamentos introdutórios, percebe-se que o CPC/2015 intenta


aproximar o sistema judicial brasileiro ao sistema de valorização dos precedentes vinculantes,
com nítida influência do common law.

Ao contrário do que acorre naquele sistema, a força vinculante e a valorização dos


precedentes não decorreram da interpretação e construção do Direito pelos tribunais, mas por

513
TARUFFO, Michele. Precedentes e Jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 199, 2011, p. 142.
514
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. São Paulo: RT, 2009.
p. 529.
237

imposição da própria codificação, que introduziu, por lei ordinária, a autoridade vinculante de
alguns julgamentos dos tribunais, inclusive de cortes regionais e locais da segunda instância,
para reduzir o grau de imprevisibilidade jurídica no Sistema de Justiça no Brasil.

De acordo com a novel legislação, o precedente judicial não detém somente a


função persuasiva de orientar a interpretação dos dispositivos legais ou constitucionais, mas
passa a obrigar o julgador a adotar o mesmo fundamento de decisão proferida anteriormente,
aproximando-se o sistema brasileiro da teoria do stare decisis (doutrina característica do
common law, decorrente da expressão latina stare decisis et non quieta movere, em uma
tradução livre: mantenha-se a decisão e não se mexa no que foi estabelecido) 515.

Nas palavras de Lênio Streck e Georges Abboud,

(...) a principal preocupação na elaboração do NCPC é a segurança jurídica


pensada sob o ponto de vista do Judiciário e a crença de que os mecanismos
vinculantes forjados para funcionar verticalmente assegurariam a
concretização da segurança jurídica e acabariam com o fenômeno daquilo
que se convencionou chamar de jurisprudência lotérica. 516

Nesse sentido, o art. 926 do CPC/2015 dispõe que a jurisprudência dos tribunais
deve se manter íntegra, coerente e estável, com intuito de que os tribunais respeitem seus
próprios precedentes, evitando a oscilação da interpretação jurídica. Uma das formas de se
alcançar esse intento, segundo o §1º do referido dispositivo legal, é que os tribunais devem
editar súmulas que correspondam à sua jurisprudência dominante.

Em seguida, o art. 927517 dispõe expressamente que os juízes e tribunais deverão


observar nos seus julgados as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado

515
NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro.
Salvador: JusPodivm, 2013, p. 23.
516
STRECK, Lênio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes?
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 100.
517
Em razão da importância do referido dispositivo legal para o sistema de precedentes adotado pelo NCPC,
oportuno destacar alguns enunciados interpretativos do Fórum Permanente dos Processualistas Civis: Enunciado
170 - “As decisões e precedentes previstos nos incisos do caput do art. 927 são vinculantes aos órgãos do
jurisdicionais a eles submetidos”; Enunciado n. 173 – “Cada fundamento determinante adotado na decisão capaz
de resolver de forma suficiente a questão jurídica induz os efeitos de precedente vinculante, nos termos do
Código de Processo Civil”; Enunciado n. 318 – “Os fundamentos prescindíveis para o alcance do resultado
fixado no dispositivo da decisão (obter dicta), ainda que nela presentes, não possuem efeito de precedente
vinculante”; Enunciado n. 460 – “O microssistema de aplicação e formação dos precedentes deverá respeitar as
técnicas de ampliação do contraditório para amadurecimento da tese, como a realização de audiências públicas
previas e participação de amicus curiae”. (NUNES, Dierle; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo
Civil. Lei nº. 13.105/2015. Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado, com os
enunciados interpretativos do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição
Federal e da Legislação. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 363-365)
238

de constitucionalidade, os enunciados de súmulas vinculantes, das súmulas do Supremo


Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional, os acórdãos proferidos em incidentes de assunção de competência ou de
resolução de demandas repetitivas e de julgamento de recurso extraordinário e especial
repetitivo e, por fim, a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados.

Considera-se prescindível a previsão da eficácia obrigatória em relação ao


julgamento do controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e
em relação às súmulas vinculantes, uma vez que já possuem eficácia vinculante e erga omnes
em razão da própria Constituição da República de 1988.

As súmulas, aliás, por sua característica de síntese e abstração, não tem condições
de expressar com precisão as circunstâncias de fato pertinentes aos casos julgados em que se
definiu a interpretação jurídica sintetizada nos enunciados, por isso “é ilógico dar-lhes a
função de precedentes, na medida em que só a decisão do caso concreto é capaz de espelhar
em toda a sua plenitude o contexto fático em que a ratio decidendi se insere” 518.

A inclusão como precedente obrigatório dos julgamentos proferidos em recurso


especial e extraordinários repetitivos tem, por sua vez, respaldo no papel constitucional
atribuído às Cortes Supremas, o qual não se confunde com a função das instâncias ordinárias,
conforme será tratado em tópico a seguir. Aliás, Marinoni critica o fato de terem sido
considerados como precedentes obrigatórios apenas os julgamentos dos recursos
extraordinários e especiais repetitivos, quando deveriam sê-lo também todos os demais
julgamentos de recursos relevantes pelo STJ e STF, haja vista o papel jurisdicional
desempenhado pelos referidos tribunais superiores:

É um grosso equívoco imaginar que apenas as decisões proferidas em


recursos repetitivos têm eficácia obrigatória. A letra do art. 927 parece supor
que a função das Cortes Supremas é resolver litígios que podem se repetir
em massa para, dessa forma, otimizar a administração da justiça. Ora, isso
nada tem a ver com a função das Cortes Supremas, que é de definir,
mediante as melhores razões, a norma que deflui do texto legal ou
constitucional. O exercício dessa função, por mudar o direito
incrementadamente, acrescendo sentido à ordem jurídica vinculante, dá
origem a decisões cujas rationes decidendi tem natural eficácia obrigatória.
519

518
MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: precedente e decisão do recurso diante do
novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 23.
519
MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: precedente e decisão do recurso diante do
239

As demais hipóteses da norma acima referida, como os acórdãos proferidos no


IRDR e no incidente de assunção de competência, adquiriram por lei ordinária o status
automático de precedente com eficácia vinculante no âmbito da estrutura hierárquica do Poder
Judiciário, julgamentos que, todavia, não têm a capacidade de efetivamente garantir a unidade
do direito, mas apenas primar pela celeridade processual e pelo engessamento da
jurisprudência.

Ou seja, no sistema brasileiro, alguns julgamentos serão considerados, por força


de lei, “precedentes judiciais obrigatórios” ainda que não proferidos pelos Tribunais
Superiores. Atribuiu-se a presunção absoluta de que todas as decisões proferidas nas hipóteses
elencadas no referido art. 927 terão relevância e ampla fundamentação para definição de teses
jurídicas dotadas de verdadeiro caráter normativo, as quais repercutirão, de forma vinculante,
nos casos subsequentes. “Pode-se, assim, dizer que no Direito brasileiro, diferentemente do
que acontece em outros ordenamentos, o precedente é criado ‘para ser precedente vinculante’.
Pode-se mesmo dizer que tais pronunciamentos são ‘precedentes de propósito’” 520.

Nas palavras de Júlio Rossi,

Criamos um precedente à brasileira: uma forma de solucionar os conflitos


por meio da jurisprudência (seja ou não reiterada; matéria constitucional ou
infraconstitucional) que servirá de parâmetro normativo obrigatório (não
indicativo ou persuasivo), para que os órgãos inferiores do Poder Judiciário
chancelem, com a mesma decisão padrão, casos aparentemente
assemelhados. 521

Na verdade, o que se instituiu pela letra da lei foi o uso obrigatório de


determinados julgamentos, especialmente dos proferidos apenas pela instância ordinária,
como “padrões decisórios” com o principal objetivo de acelerar o andamento das ações
repetitivas e, por conseguinte, diminuir o acervo de processos em tramitação no Poder
Judiciário.

Isso vai de encontro à teoria do precedente no common law. Um precedente não


surge automaticamente ou recebe tal status antes mesmo que o julgamento aconteça e seja
reproduzido em outros casos.

novo CPC. São Paulo: RT, 2015, p. 22.


520
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 437.
521
ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 206.
240

Naquele sistema, é muito difícil surgir um precedente (um padrão decisório a ser
seguido) a partir de um único julgamento, o que, a toda evidência, será o caso do Brasil.
Conforme destacam Dierle Nunes e Humberto Theodoro Jr. em relação ao common law, “nem
todas as decisões se tornam precedentes, mesmo quando proferidas pela Suprema Corte (isso
pode ocorrer porque a decisão dividiu o Tribunal ou porque este, de toda sorte, se expressa no
sentido de que a decisão não cria precedente)” 522.

Além disso, no common law, o precedente é apenas um ponto de partida que


estabelece um princípio universalizável. Como ponto de partida, o juiz poderá aplicá-lo ao
caso subsequente, moldando-o e adaptando-o de forma a alcançar a realidade da decisão ao
caso concreto. “O processo de aplicação, quer resulte numa expansão ou numa restrição do
princípio, é mais do que apenas um verniz; representa a contribuição do juiz para o
desenvolvimento e evolução do direito” 523.

Nesse contexto, o julgamento de um caso específico somente adquire a condição


de precedente a partir da participação fundamental dos julgadores dos casos subsequentes, que
poderão aplicá-lo e, ainda, moldá-lo, se os conflitos se assemelharem em todos os aspectos e,
principalmente, se aquele julgamento precedente realmente for dotado de relevância e ampla
fundamentação para legitimar a repetição da ratio decidendi.

Conforme a lição do italiano Michele Taruffo:

O precedente fornece uma regra (universalizável, como já foi dito) que pode
ser aplicada como critério de decisão no caso sucessivo em função da
identidade ou – como acontece em regra – da analogia entre os fatos do
primeiro caso e os fatos do segundo caso. Naturalmente, a analogia das duas
fattispecie concretas não é determinada in re ipsa, mas é afirmada ou
excluída pelo juiz do caso sucessivo conforme este considere prevalecentes
os elementos de identidade ou os elementos de diferença entre os fatos dos
dois casos. É, portanto, o juiz do caso sucessivo que estabelece se existe ou
não existe o precedente e desta forma – por assim dizer – “cria” o
precedente. 524

Ou seja, de acordo com o processualista italiano, o precedente surge e se funda a


partir da analogia que o segundo juiz vê entre os fatos do caso que ele deve decidir e os fatos

522
THEODORO JR, Humberto; NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre Melo Franco Bahia;
PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e sistematização. Lei 13.105, de 16.03.2015. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 358.
523
RE, Edward D. Stare Decisis. Trad. Elle Gracie Northfleet. Revista Forense, v. 327, 1990, p. 38.
524
TARUFFO, Michele. Precedentes e Jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 199, 2011, p. 142-
143.
241

do caso já decidido, porque somente com essa condição é que se pode aplicar a regra pela
qual a mesma ratio decidendi deve ser aplicada a casos idênticos ou ao menos similares. 525

No mesmo sentido, Leonard Schmitz defende a formação gradativa do precedente


pela adoção reiterada de determinado fundamento pelos juízes dos casos subsequentes,
criticando a teoria de precedente que foi implementada no Brasil:

(...) a decisão de adotar o precedente cabe ao juiz posterior, ou seja, àquele


que está no momento julgando e não se constitui uma imposição do juízo
anterior como no caso da edição de súmula, máxime quando e se de caráter
vinculante. Em outras palavras, esses julgamentos-paradigma formam o que
se pode chamar de “padronização decisória preventiva”, consistindo em uma
teoria às avessas do precedente judicial. Acreditar, como se tem acreditado
no Brasil, que a ementa de decisão jurídica pode conter em si mesma as
soluções para os casos futuros é, no mínimo, uma ingenuidade, pois isso
equivale a dizer que o julgador poderia abrir mão do raciocínio jurídico,
utilizando o discurso previamente fabricado para justificar sua decisão. 526

Em razão da imposição legislativa no Brasil, corre-se o sério risco de que na


prática judiciária o rol dos precedentes obrigatórios do CPC/2015 seja aplicado de forma
absolutamente mecânica527, com a repetição das teses jurídicas, acarretando um verdadeiro
engessamento do processo argumentativo, além da restrição da participação democrática dos
sujeitos afetados pelo provimento jurisdicional e também do próprio julgador de primeiro
grau, cujo papel é fundamental na interpretação do Direito.

Marcelo Franco também externa preocupação com o sistema de precedentes


adotado no Brasil e a restrição à participação democrática:

(...) a aplicação de precedentes judiciais com eficácia vinculante (binding


effect) pressupõe que a tese jurídica já se encontre totalmente discutida e
consolidada na jurisprudência do tribunal. É necessário que o debate jurídico
acerca do thema decidendum já esteja exaurido em relação a todos os
argumentos deduzidos em contraditório pelos interessados, de modo que a
ratio decidendi do julgado-paradigma é construída com a participação
influente dos destinatários do provimento. Esse é mais um dos motivos pelos
quais não é possível que o dispositivo decisório ou um enunciado sumular
tenha força vinculante. Ora, terceiros estranhos à causa de origem, que não
debateram as questões em contraditório, não podem se sujeitar à aplicação

525
TARUFFO, Michele. Processo civil comparado. Ensaios. Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons,
2013, p. 131.
526
SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Compreendendo os “precedentes” no Brasil: fundamentação de decisões com
base em outras decisões. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 38, n. 220, jun. 2013, p. 361.
527
NERY JR., Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs direito jurisprudencial. In: FREIRE, Alexandre et
al.(orgs.) Novas tendências do processo civil. Vol. I. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 497-498.
242

obrigatória e vinculativa de determinada ordem jurisdicional. 528

O sistema de precedente imposto pela lei servirá como um perigoso instrumento


centralizador, de natureza presumidamente fechada e acabada, que engessará a interpretação
do direito por outros órgãos jurisdicionais, vulnerando o modelo constitucional de processo.

Cita-se no ponto a crítica de Lênio Streck para o qual o horizonte da dogmática


jurídica ingressa “num universo de silêncio: um universo do texto, do texto que sabe tudo, que
diz tudo, que faz as perguntas e dá as respostas”529. Ou seja, um horizonte de restrição do
debate processual e também de limitação da atuação do julgador de primeiro grau, que se
tornará um “juiz eletrônico”, mero repetidor de teses jurídicas de caráter normativo firmadas
pelos tribunais.

No mesmo sentido, importante transcrever as palavras de Dierle Nunes:

Ao contrário do que se passa no common law, a utilização, no Brasil, dos


precedentes e, em maior medida, do direito jurisprudencial na aplicação do
direito é fruto de um discurso de matiz neoliberal, que privilegiava a
sumarização da cognição, a padronização decisória superficial e uma justiça
de números (eficiência tão somente quantitativa), configurando um quadro
de aplicação equivocada (fora do paradigma constitucional) desse mesmo
direito jurisprudencial (...) 530

O receio não se encontra apenas no seio da doutrina. O Superior Tribunal Justiça,


o qual deverá assumir o papel de “Corte de Precedentes”, também já manifestou preocupação
sobre a padronização das decisões e o uso desmedido do procedimento de pinçamento de
recursos repetitivos representativos de controvérsia.

Nessa toada, Georges Abboud cita a fala do ministro Napoleão Nunes Maia em
debate no Superior Tribunal de Justiça sobre o impacto dos julgamentos dos recursos
repetitivos:

‘A nossa paixão pelos recursos repetitivos está nos tornando irracionais.


Toda paixão tira a razão’, disse. Segundo o ministro, ‘as decisões tomadas
pela sistemática de recursos repetitivos não nos dá o melhor’. Ele recordou
que o julgamento nessa modalidade processual ‘gera um efeito cascata. Não

528
FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del
Rey, 2016, p. 119.
529
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 107.
530
THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre Melo Franco Bahia;
PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e sistematização. Lei 13.105, de 16.03.2015. Rio de
Janeiro: Forense, 2015, p. 327.
243

sobe mais nada’. Questionando a possibilidade de reverter o leading case,


afirmou que ‘mudar o precedente é um tsunami’: ‘São irreversíveis as
decisões em recurso repetitivo. São mais veementes do que súmulas’,
comentou. Para o ministro, ‘não é possível saber como vamos para o futuro
com os repetitivos’. Napoleão Nunes Maia recordou a obra do sociólogo
Zygmunt Bauman, ‘Medo Líquido’, que fala sobre os medos
contemporâneos que assolam a sociedade: ‘Bauman, em seu livro, não falou
dos recursos repetitivos, mas poderia’ – disse, arrematando sua fala com a
frase: ‘Eu também tenho medo dos repetitivos!’531

Não se pode negar, pois, que o modelo de “precedentes obrigatórios” adotado pelo
CPC/2015 representa uma mudança de paradigma não só para a interpretação do direito
processual do país, mas na cultura jurídica brasileira, acarretando sérias consequências para a
prática judiciária. Talvez por isso tal modelo deveria ter sido implementado mediante uma
profunda reforma constitucional condizente com a ruptura do paradigma anterior, já que a
novel legislação atribuiu aos tribunais, inclusive àqueles de segundo grau, o poder de definir
teses jurídicas dotadas de caráter normativo geral e abstrato.

Nesse sentido, a crítica de José Rogério Cruz e Tucci ao art. 927 do CPC/2015:

Salta aos olhos o lamentável equívoco constante desse dispositivo, uma vez
que impõe aos magistrados, de forma cogente – “os tribunais observarão” –,
os mencionados precedentes, como se todos aqueles arrolados tivessem a
mesma força vinculante vertical. Daí, em princípio, a inconstitucionalidade
da regra, visto que a Constituição Federal, como acima referido, reserva
efeito vinculante apenas e tão somente às súmulas fixadas pelo Supremo,
mediante devido processo e, ainda, aos julgados originados de controle
direto de constitucionalidade. À míngua de uma dogmática própria, o
legislador pátrio perdeu uma excelente oportunidade para regulamentar um
regime adequado da jurisprudência de nossos tribunais, entre as várias
espécies de precedente judicial, a partir de sua natureza, considerando a sua
respectiva origem. 532

Nelson Nery Jr.533 e Alexandre Freitas Camara534 também criticaram a sistemática


de precedentes adotada pela novel legislação, pois o poder normativo conferido aos tribunais
em razão dos julgamentos elencados no art. 927 superaria, segundo os referidos juristas, a
autoridade da própria lei e da Constituição.

531
ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e Judicial: o ato administrativo e a decisão judicial.
São Paulo: RT, 2014, p. 402-403.
532
TUCCI, José Rogério Cruz e. O regime do precedente judicial no novo CPC. In: DIDIER JR., Fredie;
CUNHA, Leonardo Carneiro da; MACÊDO, Lucas Buril de; ATAIDE JR., Jaldemiro R. de (coords).
Precedentes. Salvador: JusPodivm, p. 445/458, 2015, p. 454.
533
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1837.
534
CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 425-442.
244

No que interessa ao objeto da presente pesquisa, a tese jurídica535 firmada no


julgamento do IRDR possui status de precedente, adquirindo, por previsão expressa do art.
927 do CPC/2015, caráter normativo dotado de eficácia prospectiva, como uma verdadeira
súmula vinculante, pois deverá ser adotada obrigatoriamente pelos tribunais locais e pelos
juízes de primeira instância em relação aos casos em tramitação e aos futuros.

O juiz de primeira instância deverá observá-la, sob pena de manejo de reclamação


ao tribunal local ou regional do qual emanou a tese vinculante, o qual poderá, conhecendo da
via impugnativa, cassar o ato decisório e determinar que o julgador profira novo julgamento
em consonância com o precedente formado no incidente coletivo.

Júlio Rossi adverte que, a pretexto de intentar resolver o problema da litigiosidade


relevante e de massa (constitucional e infraconstitucional), corre-se o risco de se alcançar uma
solução meramente estatística e funcionalmente conveniente, em detrimento de “decisões
qualitativamente satisfatórias sob o ponto de vista de uma prestação jurisdicional
absolutamente legítima e eficiente” 536.

Isso porque, segundo o referido processualista, a prática dos juízes e tribunais no


Brasil carece de uma teorização ou de uma doutrina da utilização dos precedentes, na medida
em que reprisam, de forma mecanizada, os julgados do Poder Judiciário em casos semelhantes
ou mesmo as meras ementas de acórdãos como se fossem “precedentes”, interpretando-os e
aplicando-os sem fazer a análise pormenorizada da causa da qual se originaram a partir dos
debates processuais.

Nessa perspectiva, Dierle Nunes defende o delineamento de uma teoria de


precedentes para o Brasil, que respeite o “processualismo constitucional democrático”, sem a
perniciosa padronização decisória superficial que restringe a análise e a reconstrução
interpretativa do direito. 537

535
Para Sofia Temer, “o termo “tese” deve ser compreendido de uma forma ampla, compreendendo tanto os
fundamentos e argumentos sopesados como a própria conclusão sobre a questão de direito (seja em relação a sua
interpretação, à sua constitucionalidade, à sua incidência em relação à determinada categoria fática). Por isso,
talvez seja possível afirmar que, em relação à decisão do IRDR, há um regime de estabilidade e de eficácia
vinculativa do conjunto fundamentos apreciados à luz de uma determinada categoria fática + conclusão. Para
nós, essa é a tese jurídica.” (TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador:
Juspodivm, 2016, p. 212).
536
ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 204.
537
NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a
litigiosidade repetitiva. A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização
decisão. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 189, set. 2011, p. 38.
245

Para tanto, a legitimidade da aplicação do precedente dependeria, segundo Dierle


Nunes, dentre outras premissas elencadas, de longo e prévio debate sobre a temática antes de
sua utilização como um padrão decisório:

(...) ao se proceder à análise de aplicação dos precedentes no common law se


percebe ser muito difícil a formação de um precedente (padrão decisório a
ser repetido) a partir de único julgado, salvo se em sua análise for procedido
um esgotamento discursivo de todos os aspectos relevantes suscitados pelos
interessados. Nestes termos, mostra-se estranha a formação de um
‘precedente’ a partir de um julgamento superficial de um (ou poucos)
recursos (especiais e/ou extraordinários) pinçados pelos tribunais (de
Justiça/regionais ou Superiores). Ou seja, precedente (padrão decisório)
dificilmente se forma a partir de um único julgado. 538

O IRDR tem o principal objetivo de acelerar a resolução das causas repetitivas e o


seu julgamento é considerado um precedente em razão de mera ficção legal de que abordará a
integralidade dos argumentos objetos da controvérsia jurídica, podendo ser instaurado, de
acordo com o CPC/2015, a partir de alguns poucos processos repetitivos, o que potencializa o
risco de uma padronização superficial e indesejável da interpretação do direito.

Desse modo, tal como concebido, o incidente coletivo não proporciona ou exige o
esgotamento prévio da temática antes da utilização do seu julgamento como padrão decisório,
especialmente pelo fato de que é da competência dos tribunais locais, cortes de apelação e não
verdadeiras Cortes de Precedentes, conforme se verá a seguir.

Com efeito, a vinculação ao julgamento do incidente de resolução de demandas


repetitivas traz “o risco de que o entendimento jurisprudencial venha a ser fixado de forma
prematura, ensejando novos dissensos, num curto lapso temporal, tendo em vista o
surgimento de novos argumentos não imaginados ou não trazidos à discussão na época do
incidente”539.

A propósito desse ponto, merece destaque a crítica apresentada por Júlio Rossi:

Parece que o Código projetado, ao criar o IRDR, fincou esforços para re-
solver apenas questões antecipadas de forma, ao invés de estabelecer os con-
tornos necessários a uma adequada decisão judicial e uma maneira efetiva de
controlá-la em nível recursal. Preferiu-se impor apenas a força da autoridade

538
NUNES, Dierle. Processualismo constitucional democrático e o dimensionamento de técnicas para a
litigiosidade repetitiva. A litigância de interesse público e as tendências “não compreendidas” de padronização
decisão. Revista de Processo, São Paulo: RT, v. 189, set. 2011, p. 38.
539
ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema
processual brasileiro: Os Precedentes dos Tribunais Superiores e sua Eficácia Temporal. Curitiba: Juruá, 2012,
p.130.
246

do órgão prolator da decisão, projetando a reclamação como o único meio


adequado de atacá-la, inviabilizando a “oxigenação do direito” e a maturação
necessária para a decisão (conteúdo), e impedindo que os órgãos judiciais in-
feriores tenham contato com a causa e contribuam para uma jurisprudência
firme; estrangulou-se o sistema recursal, inviabilizando o efetivo e
democrático debate no âmbito do Poder Judiciário. 540

Evaristo Aragão Santos541 também critica o status de precedente obrigatório


conferido ao IRDR, em razão da previsão da possibilidade de uma única pessoa requerer ao
STF ou ao STJ (a depender da controvérsia em jogo) a suspensão dos processos individuais
sobre a matéria objeto do incidente, restringindo a diversidade e a possibilidade de se ampliar
a discussão da causa.

Enfim, sem o esgotamento da temática e o amplo dissenso interpretativo, o status


de precedente vinculante conferido pela lei ao julgamento do IRDR por tribunal de segundo
grau se mostra precipitado e absolutamente inadequado, sob a ótica do modelo constitucional
de processo, seja em razão das restrições à participação democrática das partes (conforme
abordado no capítulo 03), seja em razão da independência judicial e da restrição à
participação do juiz na construção do provimento jurisdicional, o que será analisado em
tópico específico.

O sistema de precedentes deveria ter sido previsto na própria Constituição e,


outrossim, deveria ter sido circunscrito somente aos julgamentos pelos tribunais superiores, os
quais possuem competência constitucional para uniformizar a interpretação do Direito e atuar
como Cortes de Precedentes para definir teses jurídicas com caráter prospectivo.

4.4 A inconstitucionalidade da visão dos tribunais ordinários como “Corte de


Precedente”: a diferença entre a função jurisdicional dos tribunais superiores e dos
tribunais locais

Diante da opção do legislador do CPC/2015 em conferir status de “precedente


vinculante” a determinados julgamentos pelos tribunais locais ou regionais, especialmente ao
julgamento do IRDR, importante abordar, sob a ótica do modelo constitucional de processo, a
distinção dos papéis desempenhados pela instância ordinária e a extraordinária no Sistema de
Justiça no Brasil.

540
ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 234-235.
541
SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.176.
247

Conforme distinção terminológica proposta por Daniel Mitidiero542, ao passo que


as “cortes superiores” têm como objetivo primordial o simples controle da legalidade das
decisões proferidas pelos tribunais ordinários, não sendo um órgão voltado à interpretação e
construção do direito (definição de teses jurídicas), as “cortes supremas” têm como finalidade
a formação de precedentes, julgamentos dotados de caráter normativo e prospectivo, com
intuito de assegurar a efetividade dos princípios constitucionais da isonomia e da segurança
jurídica.

No atual Estado Constitucional, o processo civil, segundo o referido


processualista, assume duas funções que se complementam: uma voltada à tutela do direito
subjetivo das partes através de uma decisão justa, garantidora dos direitos fundamentais
assegurados pela Lei Maior; outra dirigida à sociedade, que se dará a partir da formação de
precedente de relevância, projetando-se para o futuro para garantir a unidade do direito, sua
estabilidade e confiabilidade. Essa segunda função deve ser desempenhada por uma Corte
Suprema e não por um tribunal meramente de revisão da legalidade da decisão recorrida.

Nessa perspectiva, o ideal é que apenas determinadas cortes sejam vocacionadas à


prolação de decisões justas, voltadas à revisão dos julgados, e que outras cuidem da formação
de precedentes. Assim, uma organização judiciária ideal parte do pressuposto da necessidade
de uma cisão funcional entre os tribunais incumbidos de tomar decisões justas para solução
dos casos concretos, atendendo aos interesses subjetivos das partes em litígio, e outros de
editar precedentes ou, em fórmula mais sintética, entre Cortes de Justiça e Cortes de
Precedentes. 543

Michele Taruffo também aborda o papel das Cortes Supremas, na atualidade,


destacando genericamente que a função a ser desempenhada é dotada de dois aspectos: um
voltado para a “tutela” da legalidade e outro para a “promoção” da legalidade (considerada a
correta aplicação do direito).

A tutela da legalidade é entendida, segundo o autor italiano, como uma função


reativa, realizada quando uma violação da lei já ocorreu e a intervenção do tribunal tem o
objetivo de eliminá-la e, quando possível, neutralizar ou eliminar seus efeitos. A promoção da
legalidade se relaciona, por sua vez, com o caráter prospectivo da atuação da corte (atuação
ativa, ou pró-ativa), dirigida tanto no sentido de prevenir violações da lei, como no sentido de
542
MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao
precedente. São Paulo: RT, 2013, p. 11.
543
MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da jurisprudência ao
precedente. São Paulo: RT, 2013, p. 29-30.
248

favorecer a evolução e transformação do direito.544 Os aspectos reativo e prospectivo da


função exercida podem coexistir e se desenvolver com intensidades diferentes a depender dos
casos julgados e das cortes analisadas.

Dando como exemplo os principais modelos do civil law de cortes de cassação ou


revisão na França, Itália e na Espanha, Taruffo destaca que a função reativa assume particular
relevância, tendo em vista o mero papel de controle da legitimidade da decisão proferida no
caso concreto para verificar se a lei, material e processual, foi aplicada corretamente nos
julgamentos de mérito.545 Uma função de natureza “privada”, pois voltada
preponderantemente à tutela dos interesses das partes.

Diferentemente da função reativa, a atuação proativa ou prospectiva na construção


e interpretação do direito constitui a principal função das modernas cortes supremas, que
assumem posição como vértice da organização hierárquica jurisdicional. Com os seus
julgamentos, na realidade, a corte suprema se torna ativa protagonista do complexo processo
de construção e interpretação do direito, orientando as decisões futuras sobre os problemas de
relevância jurídica que transcendem os meros interesses individuais das partes.

Nas palavras de Taruffo, “uma função desse gênero se manifesta com particular
evidência quando o acesso às cortes supremas é subordinado a uma seleção e a atividade
dessas cortes é orientada principalmente à produção e ao controle dos precedentes
jurisprudenciais” 546. (tradução livre)

É o caso quando a corte funciona como órgão de vértice da jurisdição ordinária e


também quando decide questões de natureza constitucional. Por isso as Cortes Constitucionais

544
La “tutela” della legalità allude alla funzione reattiva che molte corti svolgono, e che si esplica quando una
violazione del diritto si è già verificata e l’intervento della corte è finalizzato ad eliminarla e – quando è
possibile – a neutralizzarne o eliminarne gli effetti. La “promozione” della legalità allude alla funzione che (con
un anglismo forse tollerabile) si potrebbe definire come proattiva: essa si esplica quando le decisioni delle corti
supreme sono finalizzate (anche o soprattutto, o soltanto) ad ottenere effetti futuri, sia nel senso di prevenire
violazioni della legalità, sia nel senso di favorire l’evoluzione e la trasformazione del diritto. (TARUFFO,
Michele. Le Funzioni delle Corti supreme: cenni generali. Revista Magister de direito civil e processual
civil, v. 8, n. 46, jan./fev. 2012, p. 96)
545
Controllo di legittimità della decisione nel singolo caso significa – come è chiaro ad esempio proprio nel
caso della Cassazione italiana, della Cour de Cassation francese e del Tribunal Supremo spagnolo – che la
funzione della corte consiste essenzialmente nel verificare se la legge, sostanziale e processuale, è stata
correttamente applicata dai giudici di merito. Assume particolare rilievo la dimensione reattiva di questa
funzione (...) (TARUFFO, Michele. Precedentes e Jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 199,
2011, p. 98)
546
Una funzione di questo genere si manifesta invero con particolare evidenza quando l’accesso alle corti
supreme è subordinato ad una selezione25, e l’attività di queste corti è orientata principalmente alla produzione
e al governo dei precedenti giurisprudenziali. (TARUFFO, Michele. Precedentes e Jurisprudência. Revista de
Processo. São Paulo: RT, n. 199, 2011, p. 101)
249

também podem assumir importante papel na evolução e interpretação do direito.

Nessa perspectiva, a decisão de uma Corte de Vértice de determinado Sistema de


Justiça – quando desempenha o papel de verdadeira Corte Suprema – passa a orientar a
sociedade e a guiar as decisões dos juízes e dos tribunais de apelação. Em razão de
desenvolver o direito ao lado do legislativo, tal decisão deve ganhar a autoridade que lhe
permita irradiar os seus efeitos perante o ordenamento jurídico. É nesse ponto que as decisões
das Cortes Supremas se sobressaem em relação às cortes de apelação, assumindo a qualidade
de precedentes. 547

No Brasil, a Constituição da República de 1988 definiu, de forma analítica, a


organização do Poder Judiciário nos artigos 92 a 126, estabelecendo precisamente a
competência dos tribunais superiores (instância extraordinária), dando-lhes papel de
relevância na interpretação e uniformização do direito, como verdadeiras “cortes supremas” e
não meras cortes superiores de revisão da legalidade das decisões recorridas (como se fossem
uma terceira instância).

Nesse contexto, o papel constitucional do Supremo Tribunal Federal e do Superior


Tribunal de Justiça adquire proeminência em relação à instância ordinária e com ela não pode
se confundir.

Trata-se de tribunais superiores que não pertencem a nenhum ramo específico da


Justiça, possuem jurisdição em todo território nacional e também são considerados órgãos
jurisdicionais de convergência e de superposição.

De acordo com a lição de Cândido Rangel Dinamarco:

Quanto às causas processadas na Justiça Federal ou nas locais, em matéria


infraconstitucional a convergência conduz ao Superior Tribunal de Justiça,
que é um dos Tribunais Superiores da União embora não integre Justiça
alguma; em matéria constitucional, convergem diretamente ao Supremo
Tribunal Federal. Todos os Tribunais Superiores convergem unicamente ao
Supremo Tribunal Federal, como órgão máximo da Justiça Brasileira e
responsável final pelo controle de constitucionalidade de leis, atos
normativos e decisões judiciárias.548

Embora não pertençam a qualquer Justiça, as suas decisões se sobrepõem às

547
MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. São Paulo: RT, 2014, p.
65.
548
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. 1. São Paulo: Malheiros, 2001, p.
368.
250

decisões proferidas pelos órgãos inferiores das instâncias ordinárias. As decisões do Superior
Tribunal de Justiça se sobrepõem àquelas da Justiça Federal comum, da Estadual e do Distrito
Federal, ao passo que as decisões do Supremo Tribunal Federal se sobrepõem a todas as
Justiças e Tribunais do Poder Judiciário do Brasil. 549

Sob de tal perspectiva, passou-se a atribuir às referidas cortes extraordinárias não


apenas o objetivo de uniformizar a jurisprudência, mas, na essência, o papel de outorga de
unidade, coerência e segurança ao ordenamento jurídico pátrio.

Afora os casos excepcionais de competência originária e recursal ordinária


expressa e exclusivamente previstos na Constituição, o Supremo Tribunal Federal
desempenha a função fundamental de guardião da Lei Maior, segundo caput do art. 102.
Destacam-se, a propósito, as palavras do ministro Gilmar Mendes:

A discussão na Constituinte sobre a instituição de uma Corte Constitucional,


que deveria ocupar-se, fundamentalmente, do controle de
constitucionalidade, acabou por permitir que o Supremo Tribunal Federal
não só mantivesse a sua competência tradicional, com algumas restrições,
como adquirisse novas e significativas atribuições. A Constituição de 1988
ampliou significativamente a competência originária do Supremo Tribunal
Federal, especialmente no que concerne ao controle de constitucionalidade
das leis e atos normativos e ao controle da omissão inconstitucional. 550

Apesar de não ser uma Corte constitucional nos moldes, por exemplo, do sistema
adotado na Alemanha, no qual o Tribunal Constitucional foi criado especificamente para o
controle da constitucionalidade551, o Supremo Tribunal Federal possui relevante papel na
efetividade da jurisdição constitucional, seja no controle difuso, através do recurso
extraordinário, seja no controle concentrado, mediante o julgamento das ações diretas de
inconstitucionalidade por ação e omissão, da ação declaratória de constitucionalidade e de

549
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2005, p. 346.
550
MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 990.
551
O modelo da Europa continental, seguindo a tradição de Kelsen, caracteriza-se por concentrar em um só
órgão especial, o chamado tribunal constitucional, colocado fora e acima do Judiciário, a função de velar pela
constitucionalidade das leis e subsequente respeito do texto constitucional. A fisionomia técnico-jurídica do
sistema europeu-continental caracteriza-se pelo fato de que, nos casos de inconstitucionalidades suscitada pelos
órgãos judiciários, a decisão do tribunal constitucional é remetida ao órgão do judiciário que suscitou a questão
de inconstitucionalidade para ser aplicada ao caso concreto. Cabe assinalar, porém, que o procedimento ante o
tribunal constitucional não se esgota com a questão incidental suscitada pelos órgãos judiciários. Há também a
impugnação direta da norma supostamente inconstitucional, a ser exercitada por certos sujeitos especialmente
legitimados a tal fim. Finalmente, outro traço saliente do sistema europeu-continental está no fato de que a
declaração de inconstitucionalidade do tribunal constitucional produz sempre efeito erga omnes, seja na
suscitação incidental, seja na ação direta, já que, segundo a concepção kelseniana, o tribunal constitucional é um
legislador negativo. (ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros,
1995, p.87-88)
251

descumprimento de preceito fundamental.

Como órgão jurisdicional de cúpula do controle difuso de constitucionalidade,


compete também ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso III da
Constituição, julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar
a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local
contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei
federal.

Conforme destaca Guilherme Bacelar, em brilhante dissertação sobre o tema, o


recurso extraordinário é o instrumento por excelência colocado à disposição do STF para a
fiscalização do exercício da jurisdição constitucional pelos demais órgãos do Poder Judiciário,
de modo a desempenhar a sua missão de guardião maior da Constituição, aclarando o
conteúdo e o alcance das normas constitucionais e extirpando do sistema os atos normativos
contrários à Constituição de 1988. 552

Destaca-se, nesse ponto, que a Emenda Constitucional 45, de 2004, introduziu a


“repercussão geral” como pressuposto específico de admissibilidade (filtro) do recurso
extraordinário. O recorrente deverá demonstrar a relevância da matéria sob a ótica econômica,
política, social ou jurídica, que transcende o mero interesse subjetivo das partes litigantes, o
que confere caráter mais objetivo e abstrato também ao controle difuso de
constitucionalidade, possibilitando que os efeitos do julgamento de alguns poucos recursos se
irradiem para outros casos concretos.

Nas palavras do professor Humberto Theodoro Jr.:

Esse tipo de recurso nunca teve a função de proporcionar ao litigante


inconformado com o resultado do processo uma terceira instância revisora
da injustiça acaso cometida nas instâncias ordinárias. A missão que lhe é
atribuída é de uma carga política maior, é a de propiciar à Corte Suprema
meio de exercer seu encargo de guardião da Constituição, fazendo com que
seus preceitos sejam corretamente interpretados e fielmente aplicados. É a
autoridade e supremacia da Constituição que toca ao STF realizar por via
dos julgamentos dos recursos extraordinários. 553

552
ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários e especial
repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-
graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016, p. 148.
553
THEODORO JR., Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (Lei nº.11.418) e súmula
vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil,
Porto Alegre, n.18, maio/jun. 2007, p.6.
252

Com efeito, a modificação constitucional demonstra a tendência normativa de


valorização dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal, dando-lhe status de verdadeira
“Corte Suprema” e não de tribunal de “terceira instância” voltado apenas à revisão e controle
dos atos proferidos pelas instâncias ordinárias.

Nesse sentido, Arruda Alvim destaca a importância da atuação do Supremo


Tribunal Federal:

As decisões do STF configuram o referencial máximo em relação ao


entendimento havido como o correto em relação ao Direito Constitucional.
Tais decisões, em devendo ser exemplares, hão, igualmente, de carregar
consigo alto poder de convicção, justamente porque são, em escala máxima,
os precedentes a serem observados e considerados pelos demais Tribunais,
ainda que não sejam sumulados pelo STF. 554

A definição do STF como Corte Suprema, vale dizer, como Corte de Precedentes,
tem, portanto, amparo na Carta de 1988555, o que se mostra essencial para se dar racionalidade
e coerência interna ao Sistema de Justiça, especialmente quando se admite o controle difuso
de constitucionalidade.

Nas palavras de Marinoni, “não há racionalidade em dar a todo e qualquer juiz o


poder de afirmar o significado de um direito fundamental e, não obstante isso, deixar-lhe
desobrigado perante a palavra final da Corte Suprema” 556.

De igual modo, foi conferida ao Superior Tribunal de Justiça, como instância


extraordinária (Corte de Vértice), a incumbência de zelar primordialmente pela unidade do
direito federal infraconstitucional mais do que simplesmente solucionar o conflito
intersubjetivo das partes submetido à apreciação do Poder Judiciário. Conforme lição de
Marinoni:
A autoridade dos precedentes também guarda relação com o fato de uma
Suprema Corte ter posição diferenciada no sistema jurídico, destinada à

554
ARRUDA, Alvim. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. et. al.
(Coord.). Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 84.
555
O Supremo Tribunal, sob pena de se comprometerem as elevadas funções que a Constituição lhe conferiu,
não pode ter seus julgados desobedecidos (por meios diretos ou oblíquos), ou vulnerada sua competência. Trata-
se (...) de medida de Direito Processual Constitucional, porquanto tem como causa finalis assegurar os poderes e
prerrogativas que ao Supremo Tribunal foram dados pela Constituição da República. (BRASIL, Supremo
Tribunal Federal, Reclamação n. 1723-CE, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 06/04/2001)
556
MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. São Paulo: RT, 2014, p.
55.
253

revelação do sentido do direito. No sistema brasileiro o Superior Tribunal de


Justiça é uma Corte de Vértice, nada existindo acima dela no que diz
respeito ao direito federal. Assim, a sua posição no sistema lhe confere a
última palavra no que pertine à atribuição judicial de sentido ao direito
federal. 557

Conforme se verifica do artigo 105, inciso III, da Constituição da República de


1988, compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas
decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida contrariar tratado ou lei
federal, ou negar-lhes vigência, julgar válido ato de governo local contestado em face de lei
federal, ou der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Incumbe, portanto, ao STJ, uniformizar o direito infraconstitucional, mediante a


definição da correta interpretação da legislação federal vigente, a fim de evitar que cada
Tribunal Regional Federal ou de Justiça, ao interpretá-la, faça-o de forma distinta de outros,
decidindo casos substancialmente idênticos de forma diferente, violando a segurança jurídica
e o princípio da igualdade. 558

Alexandre de Moraes559 traça um importante paralelo ao afirmar que, se o


Supremo Tribunal Federal é entendido como guardião da Constituição, também se pode
afirmar, em igual proporção, que o Superior Tribunal de Justiça deve funcionar como
guardião do ordenamento infraconstitucional federal.

Assim, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça –


compreendidos, nesse novo contexto interpretativo, como “Cortes Supremas” e não meros
tribunais superiores de revisão – assumem papel relevante não apenas para dizer a exata
aplicação da norma constitucional e legal, respectivamente, mas, principalmente, para
construir, de forma prospectiva, o sentido da norma jurídica cuja interpretação lhes cabe fixar,
com o propósito de prevenir violações da Constituição ou da lei federal.

Ou seja, os recursos para as Cortes Supremas e os seus julgamentos não são


voltados à mera correção da injustiça no caso concreto. A tutela dos interesses das partes é
secundária e constitui apenas efeito reflexo do provimento jurisdicional.

557
MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual
da corte suprema São Paulo: RT, 2013, p. 159.
558
ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários e especial
repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-
graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016, p. 150.
559
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2005, p. 512.
254

A finalidade primordial dos recursos extraordinários (especial e extraordinário) é


a de propiciar ao STJ e ao STF o zelo pela validade, autoridade, uniformidade do direito
nacional no âmbito de suas respectivas competências, incumbência essa que não pode ser
atribuída, por lei infraconstitucional, às instâncias ordinárias, sob pena de se deturpar todo o
sistema da autoridade das decisões judiciais.

A propósito da importância dos julgamentos dos tribunais de cúpula, destaca-se a


lição de Arruda Alvim:

(...) conquanto a validade e a eficácia das decisões seja, normalmente,


circunscrita às partes, as proferidas pelos Tribunais de cúpula transcendem o
ambiente das partes, e com isto, projetam-se o prestígio e a autoridade da
decisão nos segmentos, menor da atividade jurídica, de todos quantos lidam
com o direito, e, mesmo em espectro maior, para a sociedade toda.560

Nas palavras de Marinoni, “a antiga corte de controle de legalidade ou de correção


das decisões agora é uma corte de interpretação e essa naturalmente é uma Corte de
Precedentes”561.

Nessa perspectiva, defende-se que somente ao órgão do Judiciário que


desempenha a função constitucional de uma verdadeira “Corte Suprema” é que se deve
outorgar a função de definir teses jurídicas, com eficácia erga omnes e vinculante, para
uniformização do direito, assegurando a coerência, previsibilidade e segurança jurídica ao
sistema.

A previsão do art. 927 do CPC/2015 que confere, por lei ordinária, o status de
precedente aos julgamentos do recurso extraordinário e especial repetitivos, além dos
julgamentos do controle de constitucionalidade concentrado, tem, sob a perspectiva do
conceito de “Corte Suprema”, respaldo na interpretação da competência constitucional do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Nesse sentido, importante destacar o voto proferido pelo Ministro Teori Zavascki,
do Supremo Tribunal Federal, citando Calamandrei:

Esse entendimento guarda fidelidade absoluta com o perfil institucional


atribuído ao STF, na seara constitucional, e ao STJ, no domínio do direito

560
ALVIM, Arruda. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do recurso especial e a
relevância das questões. In: STJ 10 anos: obra comemorativa 1989-1999. Brasília: Superior Tribunal de Justiça,
1999, p. 38.
561
MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual
da corte suprema. São Paulo: RT, 2013, p. 80.
255

federal, que têm entre as suas principais finalidades a de uniformização da


jurisprudência, bem como a função, que se poderia denominar nomofilácica
– entendida a nomofilaquia no sentido que lhe atribuiu Calamandrei,
destinada a aclarar e integrar o sistema normativo, propiciando-lhe uma
aplicação uniforme –, funções essas com finalidades “que se entrelaçam e se
iluminam reciprocamente” (Calamandrei, Piero. La casación civil. Trad.
Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina,
1945. t. II. p. 104) e que têm como pressuposto lógico inafastável a força
expansiva ultra partes dos seus precedentes. 562

Marinoni também defende a institucionalização de um sistema de precedentes


obrigatórios somente em relação à instância extraordinária no Brasil:

(...) as decisões dos juízes de civil law, no mínimo quando abordam matéria
constitucional ou se valem de cláusula geral, relacionam-se com a
previsibilidade nos mesmos moldes das decisões de common law, o que
significa que a nossa realidade, que convive com a correção da legislação a
partir dos direitos fundamentais por qualquer juiz ou tribunal ordinário e
com o emprego cada vez mais difundido de cláusulas abertas, não pode adiar
a teorização de um sistema de precedentes obrigatórios capaz de dar a devida
autoridade às decisões das Cortes Supremas – isto é, do STJ e do STF. 563

Essa interpretação, contudo, não pode ser admitida em relação às instâncias


ordinárias dotadas de cortes de apelação, cujo papel jurisdicional não se volta à definição de
teses jurídicas, mas ao controle de legalidade e revisão das decisões recorridas. 564

A justiça ordinária não exerce a função constitucional de “Corte Suprema”. É


organizada em duas instâncias ou graus: a justiça de primeiro grau, formada pelos juízes
estaduais, lotados por entrâncias (art. 93, II, da Constituição) na Justiça Estadual, ou divididos
em categoria de juiz federal substituto e juiz federal, na Justiça Federal; e a justiça de segundo
grau, representada pelos Tribunais de Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais,

562
Trecho do voto proferido pelo Ministro Teori Zavascki que demonstra a evolução da legislação processual no
Brasil e a tendência de valorização e de expansão da força dos precedentes das Cortes Superiores, especialmente
do STF (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Reclamação n. 4335/AC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ.
22/10/2014).
563
MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. São Paulo: RT, 2014, p.
62-63.
564
O jurista Hermes Zaneti Jr. manifesta posição contrária. Segundo Zaneti Jr., de fato, “não se pode falar de
ordenamento jurídico e de precedentes normativos formalmente vinculantes sem identificar nas Cortes Supremas
as principais personagens da construção deste modelo. Como vimos acima um modelo de precedentes é um
modelo de e para as Cortes Supremas. Contudo, não se pode esquecer da premissa fixada pela teoria do direito
segundo a qual o direito regula inclusive as suas fontes, a sua criação. Como o direito é artificialmente
construído nos parece impossível limitar os precedentes apenas às Cortes Supremas, especialmente no
ordenamento jurídico brasileiro, formalizado pelo art. 927 e incisos. Neste caso serão precedentes mesmo as
decisões que não forem de Cortes Supremas, desde que, por evidente, limitem-se à sua esfera de influência
formal e, portanto, respeitem as decisões das instâncias formalmente superiores”. (O valor vinculante dos
precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 372)
256

nomenclaturas da Justiça Estadual e Federal, respectivamente.

Na esfera estadual, existem 27 (vinte e sete) Tribunais de Justiça (um por unidade
565
federativa) e, na esfera federal, 5 (cinco) Tribunais Regionais Federais . A enorme
quantidade de tribunais locais já é suficiente para demonstrar que tais cortes locais não detém
o papel constitucional de uniformização do direito.

Ao contrário do previsto para as Cortes Supremas, cabem aos órgãos


jurisdicionais ordinários – juízes de primeira instância e aos tribunais locais ou regionais –
cuidarem da solução das controvérsias, realizando a devida apuração dos fatos e a aplicação
do direito aos casos concretos para tutelar o direito das partes. Em outras palavras, nas
instâncias ordinárias exercita-se a jurisdição com o objetivo de obter uma decisão justa para o
caso concreto voltado à satisfação dos interesses das partes.

No mesmo sentido, Guilherme Bacelar destaca a diferença de papéis entre a


instância ordinária e a extraordinária na organização do Poder Judiciário no Brasil:

Da leitura da organização hierárquica do Poder Judiciário, observa-se, então,


que a Constituição fez uma nítida cisão dos órgãos judiciais, dividindo-os
em instâncias ordinária e extraordinária, as quais naturalmente, devem
exercer funções diversas para que haja alguma utilidade e racionalidade
nessa divisão, conforme anteriormente analisado. Os juízes e os tribunais de
segundo grau compõem as instâncias ordinárias da Justiça Comum, federal e
estadual, cabendo-lhes, soberanamente, formular juízos definitivos sobre
matéria fática presente no processo. Para tanto, devem determinar a
produção de provas, interpretá-las para reconstruir os fatos da causa de
acordo com os elementos probatórios carreados aos autos, a fim de assim
cumprir sua função precípua e imediata de buscar a realização da justiça no
caso concreto. O STF e o STJ, ressalvadas as suas competências originária e
recursal ordinária, integram as instâncias extraordinárias do Poder Judiciário,
cuja função sublime, instrumentalizada por meio dos recursos extraordinário
e especial, é de nomofilaquia interpretativa, ou seja, de conferir unidade,
certeza e coerência ao Direito constitucional e infraconstitucional federal,
complementando e outorgando sentido aos textos legais escritos, por meio da
interpretação judicial, reduzindo a equivocidade dos seus enunciados
linguísticos. A essas cortes de vértice compete, soberanamente, emitir juízos

565
A Emenda Constitucional 73/2013, promulgada em junho de 2013, determinou a criação de mais quatro
tribunais regionais federais (TRFs), com sedes em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus. Logo depois de
ser promulgada, todavia, a emenda foi alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.017) ajuizada
pela Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anpaf) e o então presidente do Supremo Tribunal Federal
(STF), Joaquim Barbosa, concedeu uma liminar para suspender seus efeitos. Atualmente a ação, relatada pelo
ministro Luiz Fux, aguarda decisão de mérito do Plenário do STF. O Procurador Geral da República apresentou
parecer pela improcedência da ADI, defendendo a constitucionalidade da emenda constitucional.
257

definitivos e vinculantes sobre matéria de direito. 566

Nessa toada, a divergência jurisprudencial não pode ser vista como um mal para o
sistema. Ela se justifica principalmente pela extensão territorial do Brasil, na qual convivem
as mais variadas culturas dentro de díspares sistemas econômicos, e pelos pródigos
legisladores que, neste país de dimensões continentais, editam muitas leis que nem sempre
guardam concorrência entre si, fazendo com que os vários centros de dicção do direito tendam
mesmo à divergência interpretativa.

Com efeito, as divergências jurisprudenciais enriquecem o debate, de maneira que


as Cortes Supremas poderão desempenhar seu papel com maior segurança, valendo-se da
maior quantidade e qualidade dos fundamentos jurídicos apresentados em prol ou contra
determinada interpretação do direito.

Estender, nesse contexto, o papel das Cortes Supremas às instâncias ordinárias,


que não se encontram no vértice da estrutura jurisdicional, causará precipitação e o
engessamento do debate processual em prol unicamente da celeridade processual.

Como é cediço as discussões jurídicas chegam aos tribunais superiores pelo


sistema recursal após longo debate travado nas instâncias ordinárias em suas diferentes
localidades. Conferir também à corte de revisão o papel de definir precedente limitará o
debate que muitas vezes se resumirá àquele travado internamente no âmbito do próprio
tribunal local, prescindido da efetiva participação dos juízes de primeiro grau e das partes,
cujos processos ficaram sobrestados.

É importante deixar claro que não se está negando aos juízes e tribunais de
segundo grau a função jurisdicional de interpretação do direito. Pelo contrário, todos os
órgãos do Poder Judiciário devem desempenhar tal papel.

A questão é que, no caso das instâncias ordinárias, a interpretação do direito deve


se circunscrever à solução dos casos concretos apresentados, a partir das provas dos fatos e,
principalmente, do debate processual desenvolvido em contraditório dinâmico entre as partes.
Não cabe às instâncias ordinárias estabelecer teses jurídicas de caráter normativo e eficácia
prospectiva, como fonte do direito, pois não possuem o papel constitucional de “Corte de
Precedentes”.

566
ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários e especial
repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-
graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016, p. 155.
258

Conforme lição de Marinoni, “os juízes e tribunais de apelação tem a função de


resolver os casos conflitivos e, a partir daí, podem colaborar na construção do sentido do
direito”567. Essa colaboração é, porém, limitada pela última palavra dada pelas Cortes
Supremas – o STF e o STJ. Após a definição dada pela Corte de Vértice, os tribunais de
apelação não mais podem negar a aplicação do sentido definido pelo precedente, embora
possam continuar colaborando mediante a apresentação de opiniões dissidentes e razões que
demonstrem a necessidade de revisão do posicionamento adotado pela instância superior.

Com efeito, se as instâncias ordinárias pudessem assumir o mesmo papel de


“Cortes Supremas” para definição de teses jurídicas dotadas de eficácia vinculante e erga
omnes haveria uma total sobreposição dos papeis jurisdicionais, tornando sem sentido a
delimitação das competências traçada pela Lei Maior para as Cortes Superiores.

Assim, sob a ótica da competência constitucional conferida aos tribunais locais,


não pode ser conferido ao julgamento do IRDR o status de precedente obrigatório, pois não
emanado propriamente de uma “Corte Suprema”, vale dizer, de uma “Corte de Precedente”,
mas apenas de um tribunal local de revisão, de modo que os efeitos do julgamento devem se
restringir apenas ao âmbito do próprio tribunal, não assumindo caráter normativo (de tese
jurídica) para os demais órgãos jurisdicionais e aos casos futuros.

Poderia se admitir, de lege ferenda, o exercício excepcional da função típica da


Corte Suprema pelos tribunais de segundo grau apenas em relação às questões de direito local,
quando estiverem fora das hipóteses do controle recursal pelo Supremo Tribunal Federal ou
pelo Superior Tribunal de Justiça. Somente em tais hipóteses, o tribunal local ou regional
poderia desempenhar o papel da Corte Suprema para definição da interpretação jurídica em
caráter prospectivo, assegurando a uniformização do entendimento e prevenindo a violação ao
direito local.

4.5 A inconstitucionalidade do efeito vinculante do IRDR: uma interpretação construída


à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Além da impossibilidade de se conferir ao tribunal de apelação – instância


ordinária – o status de “Corte de Precedente”, também se questiona a legitimidade da lei
ordinária nº 13.105/2015, que instituiu o CPC/2015, para se atribuir eficácia vinculante ao
julgamento desse mesmo tribunal.

567
MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual
da corte suprema. São Paulo: RT, 2013, p. 160.
259

A questão é polêmica e sua compreensão perpassa pela análise da evolução do


entendimento jurisprudencial, especialmente do Supremo Tribunal Federal, relativo a alguns
temas semelhantes, quais sejam: os prejulgados vinculantes da Justiça do Trabalho e da
Justiça Eleitoral; a eficácia vinculante da ação declaratória de constitucionalidade introduzida
pela Emenda Constitucional n. 03/93; e da ação direta de inconstitucionalidade prevista pela
lei ordinária nº 9.868/99; e, por fim, o tema da ampliação dos efeitos da decisão proferida pela
Corte Suprema em sede de controle difuso de constitucionalidade, independentemente da
intervenção do Senado da República.

O estudo crítico do tema, a partir da interpretação do Supremo Tribunal Federal,


demonstrará, sob a perspectiva do modelo constitucional de processo, que a atribuição de
eficácia vinculante para a interpretação judicial somente se mostra compatível com a
Constituição em hipóteses restritas e para determinados tribunais.

4.5.1 A inconstitucionalidade dos prejulgados vinculantes da Justiça do Trabalho e da


Justiça Eleitoral

Ainda na vigência da Constituição de 1946, restou assentado no julgamento pelo


Supremo Tribunal Federal da Representação de Inconstitucionalidade n. 946/ DF568 que o art.
902, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, ao conferir força vinculante aos prejulgados
do Tribunal Superior do Trabalho, não seria compatível com a ordem constitucional. A lei não
poderia conferir força normativa vinculante aos prejulgados trabalhistas.

De acordo com texto legal do art. 902, “é facultado ao Tribunal Superior do


Trabalho estabelecer prejulgados, na forma que prescrever o seu Regimento Interno”. O § 1º
do art. 902 da CLT dispunha que “uma vez estabelecido o prejulgado, os Tribunais Regionais
do Trabalho, as Juntas de Conciliação e Julgamento e os juízes de Direito investidos na
jurisdição da Justiça do Trabalho ficarão obrigados a respeitá-lo”.

O prejulgado resultava de pronunciamento do Tribunal Superior do Trabalho, em


reunião plenária, por ocasião de julgamento de ação originária ou de recurso de sua
competência, ou independentemente desses procedimentos, sobre interpretação de norma
jurídica, dotado de caráter geral e vinculante.

O instituto tinha o objetivo de dar padrão decisório, coerência, estabilidade e


uniformidade à interpretação do direito trabalhista. Não por mera coincidência o mesmo

568
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Representação n. 946/DF, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJ
01/07/1977.
260

objetivo é previsto nos artigos 926 e 927 do CPC/2015, para também se conferir eficácia
vinculante ao julgamento do IRDR pelos tribunais de segundo grau.

Importante destacar trecho do voto do eminente ministro Eloy da Rocha:

O prejulgado, com força vinculativa dos parágrafos do art. 902, da


Consolidação das Leis do Trabalho, consubstancia, desde 18.9.1946,
contrariedade à Constituição. Somente o Supremo Tribunal Federal, em
virtude da Emenda Constitucional n. 7, de 13.4.1977 (...), pode, mediante
representação do Procurador-Geral da República, dar a interpretação, em
tese, de lei ou ato normativo federal ou estadual.
Não se confunde o prejulgado, do Tribunal Superior do Trabalho, com a
súmula de jurisprudência dominante, prevista no art. 479 do Código de
Processo Civil, ou nos arts. 894, b, e 896, a, da Consolidação das Leis do
Trabalho, combinados com art. 168 do Regimento Interno.
Ainda posteriormente à Constituição de 1946, o Regimento Interno
autorizou o Tribunal Superior do Trabalho a estabelecer prejulgado (...),
mesmo independentemente de ação originária ou recurso, sempre que ocorra
ou possa ocorrer discrepância de interpretação na aplicação da norma legal.
Estes prejulgados são impostos aos Tribunais Regionais do Trabalho, às
Juntas de Conciliação de Julgamento e aos Juízes de Direito investidos da
jurisdição trabalhista. 569

Ficou definido pela Suprema Corte que seria inconstitucional qualquer ato
normativo que dissesse que os prejulgados daquele tribunal superior deveriam
necessariamente ser observados pelos juízes das instâncias inferiores. Ou seja, não caberia ao
Tribunal Superior Trabalho formular teses jurídicas de caráter normativo, geral e vinculante
para as instâncias inferiores da justiça laboral.

Oportuno ressaltar que, após o julgamento pelo STF, foi editada a Lei 7.033, de
05/10/1982, que revogou o instituto. O TST, em seguida, transformou os seus antigos
prejulgados em enunciados da sua jurisprudência dominante, mas sem eficácia vinculante.

Noutra oportunidade, já na vigência da Constituição da República de 1988, o


Tribunal Superior Eleitoral – TSE adotou o referido precedente da Suprema Corte para
reconhecer, em julgamento relatado pelo então ministro Sepúlveda Pertence, a
inconstitucionalidade dos “prejulgados vinculantes” previstos no Código Eleitoral. 570

Dispõe o art. 263 do Código Eleitoral: “no julgamento de um mesmo pleito


eleitoral, as decisões anteriores sobre questões de direito constituem prejulgados para os
demais casos, salvo se contra a tese votarem dois terços dos membros do Tribunal”.

569
Disponível no site: www.stf.jus.br. Acesso em: maio 2016.
570
BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral, Recurso Especial Eleitoral n. 9.936/RJ, Relator Ministro Sepúlveda
Pertence, julgamento de 14/09/1992. Disponível em www.tse.jus.br. Acesso em: maio de 2016.
261

Entendeu o TSE que o texto legal positivo não pode emprestar força normativa
vinculante à interpretação judicial do direito no âmbito da Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, o voto do relator ministro Sepúlveda Pertence proferido no TSE,


no qual foram feitos apontamentos sobre as semelhanças entre o “prejulgado eleitoral” e o
“prejulgado trabalhista”, além da inconstitucionalidade do efeito vinculante atribuído pela lei
a ambos:

É óbvio que a hipótese é um pouco diversa da do prejulgado trabalhista que


é significativamente mais rígido; primeiro porque, o trabalhista, se impunha
diretamente aos órgãos inferiores da estrutura da Justiça do Trabalho,
enquanto o prejulgado eleitoral tem eficácia restrita a cada Tribunal; no
tempo, enquanto o prejulgado trabalhista é de duração indeterminada, o
eleitoral só vige no mesmo período eleitoral em que assentado.
Dois, porém, são os pontos em que me parece haver o choque com a
Constituição.
O primeiro é idêntico ao do prejulgado trabalhista. Apesar das diferenças
notadas, a menor extensão orgânica, a temporariedade e a maior
flexibilidade – porque ainda neste período se permite a revisão por um
quórum qualificado – o que é certo é que também o prejulgado trabalhista
faz de um precedente jurisprudencial como norma vinculante da decisão do
Tribunal. Logo, dá ao precedente judicial força de lei, o que viola o princípio
da separação funcional aos poderes. (...)
Ocorre-me, afinal, mais uma consideração. É tão violenta a força vinculante
que o prejulgado pretende, que ele é maior do que a força obrigatória da lei.
Veja V. Exa.: se nesta votação, tivermos quatro votos pela
inconstitucionalidade de uma lei, podemos deixar de aplicá-la; mas teríamos
que ter cinco votos para deixar de aplicar o critério de um precedente que, ao
ver da maioria do Tribunal, não interpretou bem a lei.
De tal modo, Senhor Presidente, que meu voto incidentemente declara
inconstitucional o art. 263 desde a Constituição de 46, sob a qual foi
editado.571

Os referidos julgados sinalizam inequivocamente que, ao atribuir eficácia


vinculante à interpretação judicial do direito pelos tribunais especializados da Justiça do
Trabalho e Eleitoral, a lei ordinária viola a ordem constitucional.

A inconstitucionalidade decorre da ofensa à separação dos poderes, em razão da


atribuição de poder normativo aos referidos julgados, e, ainda, ofensa à independência
judicial, garantia do Estado Democrático, na medida em que impede o julgamento da causa a
partir do debate em contraditório e do livre convencimento motivado do julgador.

4.5.2 A constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 03/93 que instituiu a ação


declaratória de constitucionalidade e sua eficácia vinculante

571
Disponível em: www.tse.jus.br. Acesso em: maio de 2016.
262

Alguns anos depois, o Supremo Tribunal Federal analisou a constitucionalidade


da Emenda Constitucional n. 03/93, que instituiu a chamada ação declaratória de
constitucionalidade (ADC), um novo instrumento processual do controle concentrado. A
controvérsia residia justamente em relação à eficácia erga omnes e vinculante do julgamento
da referida ação pela Suprema Corte. 572

Nos termos do § 2º do art. 102 da Constituição de 1988, com redação dada pela
referida emenda, “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade (...), produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo”.

Impende advertir, inicialmente, que o conceito de “eficácia erga omnes” não se


confunde com o de “efeito vinculante”, sob pena de se admitir a utilização de palavras inúteis
no texto constitucional. 573

A eficácia erga omnes ou “eficácia contra todos” se restringe à parte dispositiva


do julgamento da Suprema Corte e alcança a própria eficácia geral e abstrata da norma objeto
do controle, atingindo, por conseguinte, a todos.574 O efeito vinculante é, nas palavras de
Marcelo Alves Dias de Souza, “um plus em relação à eficácia erga omnes e significa a
obrigatoriedade da administração pública e dos órgãos do Poder Judiciário, excluindo o
Supremo Tribunal Federal, de submeter-se à decisão proferida na ação direta” 575.

O objetivo da modificação da Carta de 1988 pela Emenda Constitucional nº 03 foi


criar um instrumento processual capaz de uniformizar de forma célere o entendimento sobre a
constitucionalidade de determinada norma, em contrapartida à força outorgada aos juízes de
primeira instância no controle difuso. Ou seja, era necessário criar um mecanismo alternativo
ao controle difuso de constitucionalidade, para que a Suprema Corte pudesse intervir de forma
rápida, direta e vinculante sobre eventual controvérsia acerca da validade de uma lei ou ato
normativo federal.

572
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Questão de ordem na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 01,
Rel. Ministro Moreira Alves, julgamento em 27/10/1993, DJ 16/06/1995.
573
A literalidade dos textos normativos que consagram o efeito vinculante o dissocia da eficácia contra todos. Ao
atribuir às decisões proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade eficácia contra todos e efeito
vinculante, lógica e naturalmente, está-se a distinguir conceitualmente os dois institutos. Assimilar o efeito
vinculante à eficácia erga omnes, ou mesmo à coisa julgada, seria negar-lhe autonomia de conteúdo e utilidade
prática, bem como violentar o dogma do legislador. (LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na
jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 145)
574
LEITE, Glauco Salomão. Súmula Vinculante e jurisdição constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Forense,
2007, p. 157.
575
SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2007, p. 210.
263

Considerou, assim, o legislador constituinte, a partir de um juízo de valoração


jurídica e política, que seria preponderante o interesse geral na solução imediata pela Suprema
Corte da controvérsia sobre a legitimidade constitucional de uma determinada lei, em prol da
defesa da integridade da ordem jurídica, impedindo a ocorrência de julgamentos discrepantes
que poderiam acarretar danos irreversíveis em função do transcurso do tempo, além de
assegurar o mesmo tratamento jurídico a situações idênticas.

O STF entendeu, nesse contexto, que os efeitos da ação declaratória de


constitucionalidade eram compatíveis com a ordem constitucional vigente. A eficácia erga
omnes não seria uma característica exclusiva da ADC, mas da própria natureza do processo
objetivo de controle abstrato das normas, sendo também inerente à ação direta de
inconstitucionalidade.

A eficácia vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, por sua
vez, redundaria em importante consequência de ordem processual. Isso porque a
inobservância do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade configurará afronta à
autoridade da Suprema Corte, dando ensejo à reclamação.

O referido efeito também foi considerado compatível com a Constituição e suas


cláusulas pétreas na medida em que o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder
Judiciário, ao qual se atribuiu o papel de guardião da Constituição e, por conseguinte, a
atribuição do controle jurisdicional de constitucionalidade das leis. Se a observância de seus
julgados nesta seara não fosse obrigatória, haveria o total esvaziamento do seu papel
constitucional e do próprio controle concentrado de constitucionalidade.

Nessa perspectiva, a emenda constitucional apenas explicitou um poder que a


Suprema Corte já detinha. Nas palavras do relator Ministro Moreira Alves,

(...) é o efeito vinculante da decisão de mérito na ação declaratória de


constitucionalidade que lhe permite, prontamente, defender a segurança
jurídica com o respeito da ordem constitucional assegurado por esse meio de
controle.
Mesmo nos países em que só se admite o controle concentrado de
constitucionalidade exercido por Corte Constitucional, nunca se sustentou
que, com ele, se retirou a independência da magistratura. Essa crítica – que
não decorreria da criação da ação declaratória de constitucionalidade, mas
que poderia ser feita quanto à ação direta de inconstitucionalidade – é tanto
mais improcedente que é certo que, no Brasil, o órgão que exercita esse
controle concentrado, em face da Constituição Federal, é, por força dela
mesma, o Supremo Tribunal Federal, que não apenas integra o Poder
264

Judiciário, mas se encontra no ápice de sua hierarquia. 576

Merecem destaque também as indagações do Ministro Francisco Rezek em seu


voto proferido naquele julgamento:

(...) faz sentido não ser vinculante uma decisão da Suprema corte do país?
Não estou falando, naturalmente, de fatos concretos, cada um com seu perfil,
reclamando esforço hermenêutico da lei pelo juiz que conhece as
características próprias do caso. Estou me referindo a hipóteses de pura
análise jurídica. Tem alguma seriedade a ideia de que se devam fomentar
decisões expressivas de rebeldia? A que serve isso? Onde está o interesse
público em que esse tipo de política prospere? 577

O efeito vinculante é uma medida de utilidade que o legislador constituinte


entendeu oportuno adotar no Brasil no âmbito do controle de constitucionalidade pela
Suprema Corte. É medida necessária para que uma decisão da Corte Superior se faça
respeitada e obrigatória.

O fundamento determinante para o reconhecimento da constitucionalidade da


ADC e da sua eficácia vinculante relaciona-se, portanto, com o papel constitucional da
Suprema Corte e o princípio da supremacia da Constituição para assegurar a uniformidade da
interpretação e segurança jurídica ao ordenamento.

Desse modo, é possível concluir, a partir da interpretação da STF no caso em


questão, que a eficácia vinculante de determinado pronunciamento do Poder Judiciário não
corresponde à regra do sistema de Justiça e não pode ser outorgada aos julgamentos de
qualquer órgão jurisdicional, mas daqueles que estejam no vértice da estrutura hierárquica e
que desempenham papel fundamental na uniformização da interpretação do direito.

4.5.3 A constitucionalidade da Lei Ordinária n. 9.868/99 que atribuiu eficácia vinculante


aos julgamentos de mérito da ADI: legitimidade da eficácia vinculante prevista para a
jurisdição constitucional

Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal também reconheceu, por maioria


de votos, a constitucionalidade do art. 28, parágrafo único, da lei ordinária nº 9.868, de 1999,
que atribuiu eficácia vinculante aos julgamentos definitivos de mérito proferidos pela Corte

576
Trecho do voto proferido pelo ministro Moreira Alves, relator da questão de ordem na Ação Declaratória de
Constitucionalidade - ADC n. 01. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: maio 2016.
577
Trecho do voto proferido pelo ministro Francisco Rezek, no julgamento da questão de ordem na Ação
Declaratória de Constitucionalidade - ADC n. 01. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: maio 2016.
265

Suprema em ação direta de inconstitucionalidade (ADI). 578

Para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo,


entendeu-se que havia similitude substancial de objetos entre a ação declaratória de
constitucionalidade, criada pela Emenda Constitucional nº 03/93, e a ação direta de
inconstitucionalidade. Enquanto a primeira se destina à aferição positiva de
constitucionalidade, a segunda possui pretensão de caráter negativo. Ambas as ações são,
portanto, de natureza dúplice ou ambivalente, de modo que a eficácia do julgamento se
equivaleria nas hipóteses de procedência ou de improcedência.

Assim, a eficácia vinculante da ação declaratória de constitucionalidade conferida


pelo § 2º do art. 102 da Constituição não deve se distinguir, na essência, dos efeitos das
decisões de mérito proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade, o que assegura a
compatibilidade constitucional ao dispositivo legal que apenas confirmou a mesma eficácia
das referidas ações. Com efeito, a lei ordinária não teria inovado o ordenamento jurídico em
relação ao tema, mas apenas explicitado a inteligência da disposição constitucional, visando
conferir mais força ao controle concentrado de constitucionalidade.

O ministro Gilmar Mendes defendeu em seu voto que o efeito vinculante está
intimamente relacionado à própria natureza da jurisdição constitucional, no Estado
Democrático, e à função de guardião da Constituição desempenhada pela Suprema Corte.

Nesse contexto, o legislador ordinário não estaria impedido de atribuir essa


proteção processual especial a outras decisões de controvérsias constitucionais proferidas pelo
STF, como teria sido reconhecido, inclusive, em relação à ação de descumprimento de
preceito fundamental 579.

A validade da lei ordinária para estabelecer a eficácia vinculante estaria


circunscrita, a toda evidência, aos julgamentos da Suprema Corte no controle de
constitucionalidade e para concretização do papel fundamental a ela atribuído de guardiã da
Constituição.

Para o Ministro Gilmar Mendes:

Na verdade, o efeito vinculante decorre do particular papel político-

578
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ag. Reg. na Reclamação n. 1880-6, Relator Ministro Maurício Corrêa,
DJ 19/03/2004.
579
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2231/DF, Rel. Ministro Néri da
Silveira, Julgamento 05/12/2001.
266

institucional desempenhado pela Corte, ou pelo Tribunal Constitucional, que


deve zelar pela observância estrita da Constituição nos processos especiais
concebidos para solver determinadas e específicas controvérsias
constitucionais. Foi exatamente esse o entendimento que imperou na
Alemanha. O efeito vinculante não está previsto na Constituição, ao
contrário da “força de lei” (...), ou da chamada “eficácia erga omnes”. Não
obstante, o efeito vinculante foi imposto por lei. (...) Esse foi o entendimento
adotado por este Tribunal na Ação Declaratória n. 04, ao reconhecer efeito
vinculante à decisão proferida em sede de cautelar, a despeito do silêncio do
texto constitucional e da ausência à época de disposição legal sobre o
texto.580

Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 45, de 08/12/2004, constou


expressamente na Constituição a eficácia vinculante ao julgamento das ações diretas de
inconstitucionalidade, terminando com qualquer controvérsia.

O professor Humberto Theodoro Jr. sustenta que a constitucionalidade da referida


lei ordinária nº 9.868/1999 reconhecida pelo STF corroboraria a legitimidade da lei
13.105/2015, que instituiu o CPC/2015, para atribuir eficácia vinculante também a outros
julgamentos do Poder Judiciário, inclusive de tribunal de segundo grau, como no caso do
IRDR:

Muito se tem discutido sobre a possibilidade ou não de a lei ordinária


instituir casos de jurisprudência de força vinculante geral, fora das previsões
constitucionais. O STF, no entanto, já considerou constitucional, por
exemplo, a Lei 9.868/1999, que estabeleceu efeito vinculante para todas as
ações de controle de constitucionalidade, quando, a seu tempo, a
Constituição só previa tal eficácia para as ações declaratórias de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. 581

A referida interpretação não convence, porquanto a Suprema Corte não


reconheceu naquele julgamento a legitimidade da lei ordinária para conferir eficácia
vinculante a qualquer julgamento ou em relação a qualquer órgão do Poder Judiciário.

Ao contrário, para o reconhecimento excepcional da constitucionalidade da


referida lei ordinária, os fundamentos determinantes adotados pelo Supremo Tribunal Federal
no julgamento da Reclamação n. 1880-6 repousaram na simetria de objetos das ações
pertinentes à jurisdição constitucional e, outrossim, na relevância do papel constitucional
daquele Tribunal Superior como guardião da Constituição.

580
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ag. Reg. na Reclamação n. 1880-6, DJ 19/03/2004, p. 19.
581
THEODORO JR., Humberto. OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester Camila Gomes Norato
(Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil brasileiro (de acordo com o Novo Código de
Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 749.
267

Portanto, os fundamentos da inconstitucionalidade dos prejulgados vinculantes da


Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral previstos por legislação ordinária, já citados nesta
análise, não foram infirmados pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal em relação
à lei ordinária 9.868/1999.

4.5.4 A polêmica sobre a ampliação dos efeitos da decisão proferida pelo STF em sede de
controle difuso de constitucionalidade: existe vinculação aos demais órgãos do Poder
Judiciário?

O tema da ampliação dos efeitos da decisão proferida em sede de controle de


difuso de constitucionalidade – chamado de “abstrativização” do controle difuso – foi tratado
no caso emblemático da Reclamação Constitucional n. 4.335. 582

Discutiu-se a possibilidade de utilização da ação de reclamação para assegurar a


vinculação vertical dos efeitos das decisões proferidas pela Suprema Corte em sede de
controle difuso de constitucionalidade.

No caso analisado, o juízo de primeiro grau da Vara de Execuções da Comarca de


Rio Branco, no Estado do Acre, indeferiu a concessão do benefício de progressão de regime
nos casos de crime hediondos, não obstante o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido
incidentalmente, no julgamento do Habeas Corpus 82.959, a inconstitucionalidade (por seis
votos a cinco) do art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, que vedava a progressão de regime de
cumprimento de pena para tais crimes. O habeas corpus não havia sido concedido em favor do
mesmo condenado que teve o benefício de progressão de regime negado pelo juízo de
primeira instância.

O relator ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelo ministro Eros Grau,


entendeu que a recusa do juiz da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco em conceder
a progressão do regime nos casos de crime hediondos desrespeitaria a eficácia erga omnes e
vinculante que também deveria ser atribuída à decisão proferida pela Suprema Corte no
julgamento do Habeas Corpus 82.959, tal como sucede no controle concentrado de
constitucionalidade, independentemente da manifestação do Senado Federal. Sustentou-se ter

582
Com a seguinte ementa: Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada
aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP,
Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante n. 26. 5. Efeito ultra partes da
declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada
procedente. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Reclamação n. 4335/AC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJ.
22/10/2014)
268

havido uma mutação constitucional no art. 52, inciso X, da Constituição Federal, na medida
em que o papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade teria se
restringido apenas a dar publicidade às decisões proferidas pela Suprema Corte.

Conforme destacou o ministro Gilmar Mendes em seu voto:

Vê-se, assim, que a Constituição de 1988 modificou de forma ampla o


sistema de controle de constitucionalidade, sendo inevitáveis as
reinterpretações ou releituras dos institutos vinculados ao controle incidental
de inconstitucionalidade, especialmente da exigência da maioria absoluta
para declaração de inconstitucionalidade e da suspensão de execução da lei
pelo Senado Federal.
O Supremo Tribunal Federal percebeu que não poderia deixar de atribuir
significado jurídico à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede
de controle incidental, ficando o órgão fracionário de outras Cortes
exonerado do dever de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao
plenário ou ao órgão especial, na forma do art. 97 da Constituição. Não há
dúvida de que o Tribunal, nessa hipótese, acabou por reconhecer efeito
jurídico transcendente à sua decisão. Embora na fundamentação desse
entendimento fale-se em quebra da presunção de constitucionalidade, é certo
que, em verdade, a orientação do Supremo acabou por conferir à sua decisão
algo assemelhado a um efeito vinculante, independentemente da intervenção
do Senado. Esse entendimento está hoje consagrado na própria legislação
processual civil (...)
Portanto, é outro o contexto normativo que se coloca para a suspensão da
execução pelo Senado Federal no âmbito da Constituição de 1988.
Ao se entender que a eficácia ampliada da decisão está ligada ao papel
especial da jurisdição constitucional, e, especialmente, se considerarmos que
o texto constitucional de 1988 alterou substancialmente o papel desta Corte,
que passou a ter uma função preeminente na guarda da Constituição a partir
do controle direto exercido na ADI, na ADC e na ADPF, não há como deixar
de reconhecer a necessidade de uma nova compreensão do tema. (...)
De fato, é difícil admitir que a decisão proferida em ADI ou ADC e na
ADPF possa ser dotada de eficácia geral e a decisão proferida no âmbito do
controle incidental - esta muito mais morosa porque em geral tomada após
tramitação da questão por todas as instâncias - continue a ter eficácia restrita
entre as partes.583

E, logo a seguir, conclui o ilustre julgador, citando o direito comparado:

Desta forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental,


chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa
decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal
para que este publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente,
não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento
do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa.
Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões
judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade
de publicar ou não a decisão, uma vez que não se cuida de uma decisão

583
Inteiro teor do acórdão da Reclamação n. 4335/ AC disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: maio 2016.
269

substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a


outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição
austríaca, art. 140,5 - publicação a cargo do Chanceler Federal, e Lei
Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art.31, (2), publicação a cargo do
Ministro da Justiça). 584

Ou seja, a própria decisão da Suprema Corte, no controle difuso ou incidental de


constitucionalidade das leis, conteria força normativa bastante para suspender a execução da
lei declarada inconstitucional, possuindo eficácia erga omnes e vinculante, e não apenas
eficácia inter partes.

Naquela assentada, porém, os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa e


Ricardo Lewandowski divergiram do relator e reafirmaram o papel do Senado Federal para
conferir a eficácia erga omnes à decisão proferida no controle difuso de constitucionalidade,
destacando, no entanto, o instrumento da Súmula Vinculante como alternativa processual para
se obter a pretendida eficácia normativa aos julgamentos da Suprema Corte no controle
incidental. Nas palavras do ministro Sepúlveda Pertence, o efeito vinculante “ou decorre, no
nosso sistema, de decisões nos processos objetivos de controle direto, ou decorrerá da adoção
solene, pelo Tribunal, da súmula vinculante”.

O papel do Senado, no art. 52, inciso X da Constituição, sempre foi a de ampliar a


força vinculativa das decisões de declaração de inconstitucionalidade tomadas pelo STF em
controle difuso, conferindo-lhes, assim, eficácia erga omnes semelhante à do instituto do
stare decisis. Trata-se de opção do legislador constituinte que se mantém hígida no sistema de
controle de constitucionalidade adotado pelo Brasil.

A polêmica sobre o tema ainda persiste, uma vez que, em 14 de março de 2014, o
Supremo Tribunal Federal julgou procedente a referida Reclamação n. 4.335, mas por
fundamento determinante diverso, qual seja, a violação à Súmula Vinculante n. 26, editada
três anos após o ajuizamento daquela ação. Entendeu-se que a aprovação do enunciado da
súmula vinculante sobre o mesmo tema (inconstitucionalidade da proibição da progressão de
regime em relação aos crimes hediondos) constituiria fato superveniente que não poderia ser
desconsiderado pelos julgadores.

Nos debates travados no julgamento da referida reclamação constitucional, ficou


claro que a preocupação com o tema de fundo se deu em razão da importância das decisões
proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na qualidade de guardião da Constituição. Mais

584
Inteiro teor do acórdão da Reclamação n. 4335/ AC disponível no site www.stf.jus.br. Acesso em: maio 2016.
270

uma vez se evidencia que a força de um precedente depende da Corte da qual ele emana e do
papel constitucional desse tribunal no Sistema de Justiça.

Nesse contexto de valorização dos julgamentos da corte superior, vale destacar


que a Emenda Constitucional 45, de 2004, expandiu a eficácia das decisões do STF proferidas
no controle difuso, ao instituir como novo requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário, a demonstração da “repercussão geral das questões constitucionais discutidas
no caso, nos termos da lei” (art. 102, § 3.º da CF, regulamentado nos arts. 543-A e 543-B do
CPC de 1973). A norma regulamentadora, também reproduzida no CPC/2015, considerou
como indispensável à caracterização da repercussão geral que as questões discutidas sejam
relevantes sob dois distintos aspectos: o material (relevantes do ponto de vista econômico,
político, social e jurídico) e o subjetivo (que ultrapassem o interesse subjetivo da causa).

Esse segundo requisito evidencia o caráter mais objetivo de que se reveste


atualmente a formação do precedente da Suprema Corte também em relação ao controle
difuso ou incidental de constitucionalidade. Justamente com base nessa circunstância, o STF,
ao examinar a natureza e o alcance do novo regime, deixou inequivocamente acentuado o
efeito expansivo das decisões dele decorrentes para os demais recursos, já interpostos ou que
vierem a sê-lo.

O sistema atual não apenas confere especial força expansiva aos julgamentos do
STF na jurisdição constitucional, com amparo na própria Constituição, mas também institui
fórmulas procedimentais para tornar concreta e objetiva a sua aplicação aos casos pendentes
de julgamento. 585

585
O CPC/2015 prevê, inclusive, a possibilidade de utilização da ação de reclamação constitucional em caso de
descumprimento de julgamento do STF de recurso extraordinário com repercussão geral após esgotadas as
instâncias ordinárias. A lei ordinária visa superar a jurisprudência restritiva do STF sobre o não cabimento da
reclamação em tais casos. Por tratar-se de competência originária da Suprema Corte, com hipóteses taxativas de
cabimento extraídas com base no texto constitucional, entende-se que a ampliação por mera lei ordinária das
hipóteses de cabimento da ação constitucional de reclamação não é compatível com a Constituição. Conforme
entendimento pacífico do STF antes da vigência do CPC/2015, “(...) a reclamação é inadmissível pelo só
descumprimento de tese fixada em repercussão geral assentada no julgamento de recurso extraordinário, por isso
que o instituto não é servil à substituição dos recursos cabíveis in itinere contra as decisões judiciais, porquanto
raciocínio inverso consagraria pleito per saltum com indevida supressão de instância (Reclamação nº 10.793/SP,
Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 13 de abril de 2011). Reclamação ajuizada contra decisão de segundo grau que, em
sede de apelação, declarou a inconstitucionalidade da contribuição social prevista no arts. 25 da Lei nº 8.212/91 e
25 da Lei nº 8.870/94, ressaltando, porém, que o crédito do contribuinte deveria sofrer “compensação com
contribuições sobre folha de salários prevista no art. 22, incisos I e II, da Lei nº 8.212/91”. Alegação de
descumprimento da autoridade dos precedentes proferidos por este Supremo Tribunal Federal no julgamento dos
Recursos Extraordinários nºs 363.852/MG e 596.177/RS, oportunidade nas quais restou rejeitado o pleito de
modulação da declaração de inconstitucionalidade das normas tributárias em jogo. Inexistindo, in casu,
precedente fruto de exercício da fiscalização abstrata de constitucionalidade, a reclamação constitucional não
pode ser admitida, sob pena de frustrar a teleologia indispensável para a subsistência do sistema recursal pelo
manejo indevido da medida como sucedâneo de recurso de índole ordinária ou extraordinária. Reclamação não
271

Não há que se cogitar na violação ao papel do Senado Federal já que a previsão da


repercussão geral também foi prevista por norma constitucional, introduzida pela Emenda
Constitucional 45. As duas regras coexistem e se complementam. A repercussão geral permite
a expansão objetiva da eficácia do julgado no âmbito interno do Poder Judiciário com o
propósito de assegurar o respeito do precedente pelas demais instâncias e a sua reprodução
nos recursos sobrestados sobre a mesma temática. A atuação do Senado Federal servirá para
expandir a eficácia do julgamento também para o âmbito da Administração Pública.

Dentro dessa polêmica acerca da tendência586 de objetivação dos efeitos do


controle difuso e da constatação de que a expansão da eficácia normativa dos julgados do STF
se deu a partir de reformas constitucionais, sobretudo a partir da Emenda Constitucional 45,
que introduziu a súmula vinculante e a repercussão geral, outra não pode ser a conclusão
senão a de que constitui flagrante ofensa à Constituição a previsão por lei ordinária de eficácia
vinculante e erga omnes ao julgamento do IRDR, já que se trata de incidente processual de
competência dos tribunais ordinários de segundo grau, os quais não desempenham a função
de Corte Suprema para uniformização do direito.

Fazendo uma comparação entre os temas, Júlio Rossi também aponta a


inconstitucionalidade da eficácia vinculante atribuída ao IRDR por lei ordinária, in verbis:

(...) a decisão firmada no IRDR possui a mesma carga de eficácia das


súmulas vinculantes, com um agravante: não há amparo constitucional, o
que nos leva arriscar a afirmação que o art. 941 do PLS 166/2010 (art. 980
do PLC 8.046/2010) é inconstitucional. A subversão gerada nos processos
subjetivos (com a força vinculante da decisão-quadro tomada em IRDR)
importaria no acesso direto aos Tribunais por meio de reclamação,
colocando em cheque a estrutura judiciária escalonada, principalmente no
que se refere aos meios ordinários de impugnação.
Salienta-se que, nem mesmo em processos incidentais de constitucionali-
dade, há objetividade automática dos efeitos das decisões judiciais para ou-
tros processos, sendo necessário o reconhecimento de repercussão geral pelo
órgão de cúpula do Poder Judiciário e aplicação do disposto no art. 52, X, da

conhecida”. (BRASIL, STF, Rcl 12692 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 27/02/2014,
DJe 21-03-2014)
586
Em suas atuações no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes e o então Ministro Eros Grau
destacaram-se como os maiores defensores da objetivação dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade,
conforme se depreende do acórdão da lavra do ministro Eros Grau proferido no julgamento do RE n. 376.852:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL.
ALTERAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. LEI N. 9.718/98. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 239 DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL. O Supremo Tribunal Federal tem entendido, a respeito da tendência de não-estrita subjetivação ou
de maior objetivação do recurso extraordinário, que ele deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa
de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva.
Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, STF, RE 475812 AgR, Relator(a): Min.
Eros Grau, 2º Turma, J. 13.06.2006, DJ 04.08.2006)
272

CF/1988, em ato privativo do Senado Federal (somente assim seria atribuído


efeito erga omnes à decisão). 587

Assim, à luz de alguns casos emblemáticos da jurisprudência do Supremo


Tribunal Federal, dessume-se que a expansão normativa dos efeitos do julgamento de um
determinado tribunal depende, antes de tudo, de sua posição na organização hierárquica do
Poder Judiciário e, outrossim, da previsão no texto da própria Constituição da função daquela
corte de assegurar a unidade do direito, definindo teses jurídicas e uniformizando a
interpretação.

4.6 A independência judicial e o modelo constitucional de processo: o impacto do IRDR


no papel do juiz na interpretação do direito

Conforme já estudado no capítulo 03, o modelo constitucional de processo


concebido pela Carta de 1988 estabelece contornos minuciosos e intangíveis da atividade
jurisdicional, servindo como um norte de fortes limitações ao legislador infraconstitucional.

O CPC/2015 e todas as demais normas processuais infraconstitucionais devem


ser, portanto, aplicados à luz das balizas estabelecidas pela ordem constitucional para que,
havendo a mitigação de uma garantia, prevaleça “(...) a interpretação que, conforme o caso,
restrinja menos o direito fundamental, dê-lhe maior proteção, amplie mais o seu âmbito,
satisfaça-o em maior grau” 588.

A independência judicial589 assegurada pelo art. 95 da Constituição de 1988


constitui, nesse contexto, núcleo intangível do modelo constitucional de processo concebido
no Estado Democrático de Direito.

É mais do que uma garantia pessoal do magistrado, é uma garantia da própria


sociedade590, pois possibilita, em qualquer caso, um julgamento imparcial, isento de pressões

587
ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução de demandas
repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 234.
588
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In:
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. (org.) Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 09.
589
Para Guilherme Botelho, a independência judicial não estaria incluída entre os direitos informativos do
processo civil, indo além de seus princípios e garantias. O referido autor considera que a independência do juiz é
fenômeno que pressupõe a própria existência da jurisdição. “Vale dizer, onde inexiste julgador independente e
imparcial, sequer existe jurisdição”. (BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil
na perspectiva do Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 100-101)
590
A independência do julgador depende da conjugação de outras cinco garantias que devem ser observadas em
prol do juiz, mas que indiretamente também resguardam à própria sociedade no Estado de Direito:
inamovibilidade; dignidade da profissão judicial, mediante instituição de carreira; independência econômica
(remuneração condizente ao cargo e a garantia da sua irredutibilidade); execução de suas decisões (autoridade); e
273

sociais, políticas, econômicas ou de exigências dos próprios órgãos jurisdicionais.

Com efeito, a independência conferida aos magistrados outorga legitimidade


democrática à atuação do Poder Judiciário, possibilitando que a função jurisdicional seja
exercida com a responsabilidade, autonomia e a imparcialidade necessárias à adequada
resolução dos conflitos sociais. 591

A propósito, José de Albuquerque Rocha aponta as prerrogativas da


independência e imparcialidade como essenciais à função jurisdicional exercida pelos
membros do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito:

Do ponto de vista teórico pode-se definir a independência como sendo a


capacidade de decidir livre de toda influência interna ou externa. Significa a
negação de sujeição a qualquer poder. A finalidade última da independência
é de vincular o juiz exclusivamente à lei. O juiz é independente interna e
externamente para ser dependente só da lei, ou seja, para que possa julgar
com base somente na lei. A independência é, pois, um instrumento de
realização do princípio da legalidade. Do ponto de vista político-sociológico,
a independência tem por finalidade legitimar o judiciário, dando-lhe, assim,
autoridade para impor suas decisões. (...) a imparcialidade, constituindo na
posição de terceiro que o magistrado deve observar em relação às partes de
um dado processo e aos interesses de que são portadoras, é, efetivamente,
uma nota indispensável à configuração do papel do juiz e, por consequência
da jurisdição. Independência e imparcialidade, embora conceitos conexos,
eis que servem ao mesmo valor de objetividade do julgamento, no entanto
têm significações diferentes. Enquanto a imparcialidade é um modelo de
conduta relacionado ao momento processual, significando que o juiz deve
manter uma postura de terceiro em relação às partes e seus interesses,
devendo ser apreciada em cada processo, pois, só então é possível conhecer
a identidade do juiz e das partes e suas relações, a independência é uma nota
configuradora do estatuto dos membros do Poder Judiciário, referente ao
exercício da jurisdição em geral, significando ausência de subordinação a
outros órgãos. 592

Existem diversas formas de independência judicial e todas devem ser igualmente


protegidas e respeitadas: a independência substantiva que corresponde à independência
funcional ou decisória (as decisões judiciais e o exercício das atribuições de magistrado não
estão sujeitas a nenhuma outra autoridade senão a do direito), independência pessoal
(garantias individuais da magistratura, como a inamovibilidade e vitaliciedade no cargo),
independência coletiva (participação judicial na administração das Cortes), e independência

um órgão adequado para assegurar a realização das condições anteriores. (FIX-ZAMUDIO, Hector.
Constituición y Proceso Civil en Latinoamérica. México: Instituto de Investigaciones Juridicas, 1974, p. 35-53)
591
FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del
Rey, 2016, p. 9-11.
592
ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 28-30.
274

interna (independência de interpretação do direito em relação aos julgamentos das cortes


superiores). 593

De igual modo, reprisando o já analisado no capítulo 03 desta pesquisa, Andolina


e Vignera defendem a independência judicial como elemento integrante do modelo
constitucional de processo.

Os referidos juristas destacam, com amparo na doutrina italiana, que a


independência institucional dos juízes possui dois aspectos: a independência externa e a
interna. O aspecto externo se refere à garantia de exclusão de qualquer interferência de outros
órgãos públicos na atuação dos juízes. O Poder Judiciário constitui um ramo autônomo e
independente dos outros poderes. O aspecto interno da independência judicial se refere, por
sua vez, à garantia de não interferência na atividade jurisdicional do juiz vinda de outros
órgãos do próprio Poder Judiciário. Ou seja, deve se considerar estranha à organização do
Poder Judiciário a aplicação dos princípios da hierarquia e de direção, característica própria
das relações entre os órgãos do Executivo.594

Os magistrados se distinguem entre si apenas em razão das funções exercidas no


âmbito das suas respectivas competências constitucionais.

Assim, no sistema jurídico do Brasil de tradição romano-germânica, o juiz poderá,


de forma fundamentada, dar diferente significado à lei nos casos submetidos ao seu
julgamento, ainda que exista posicionamento em outro sentido fixado pelo tribunal,
especialmente quando se está falando apenas nos tribunais das instâncias ordinárias, a quem
compete analisar o IRDR. Isso não violaria o direito da parte, pois tem à sua disposição os
recursos e outros meios de impugnação das decisões judiciais.

A questão assume especial relevância diante da atual legislação processual que


preconiza a instituição de um sistema de precedentes vinculantes, pelo qual se deu força

593
DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para reforma. Tradução de
Sandro Eduardo Sardá. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319. 1996, p. 20-21. Disponível em:
www.anamatra.org.br. Acesso em: maio 2016.
594
La dottrina non ha mancato, poi, di precisare che nell’indipendenza istituzionale del giudice é possibile
cogliere e distinguere due aspetti: quello dell’indipendenza esterna e quello dell’indipendenza interna. Di
indipendenza esterna suole parlarsi per designare la (garantita) esclusione di ogni ingerenza nell’operato del
giudice da parte di altri organi pubblici incardinati in un potere diverso da quello cui egli appartiene. (...) Per
indipendenza interna, a sua volta, si intende la (garantita) esclusione di interferenze com l’attività del giudice
promananti da altri organi giurisdizionali inquadrati nel suo stesso ordine: con la conseguenza che deve
considerarsi sicuramente estranea all’organizzazione del potere giurisdizionale l’operatività dei principi di
gerarchia e di direzione (caratteristici nelle relazioni tra organi della Pubblica Amministrazione) (...)
(ANDOLINA, Italo Augusto; VIGNERA, Giuseppe. Il Modello Costituzionale del Processo Civile Italiano.
Torino: G. Giappichelli Editore, 1990, p. 36-37.)
275

obrigatória vertical não apenas aos julgamentos das Cortes Superiores, o que se considera
salutar, mas também a alguns dos tribunais locais e regionais.

É certo que, a partir dos estudos abordados neste capítulo acerca do papel
constitucional das Cortes Supremas, a definição de teses jurídicas no âmbito do Supremo
Tribunal Federal, no que se refere à interpretação da Constituição, e do Superior Tribunal de
Justiça, acerca da interpretação da legislação federal, privilegia a unidade do direito, podendo
servir de parâmetro decisório para outras instâncias do Judiciário sem que isso vulnere a
garantia da independência judicial.

Eduardo de Albuquerque Parente enfrenta a questão, defendendo que algumas


decisões dos Tribunais Superiores deveriam ser realmente seguidas pelos demais juízes,
mesmo que com elas discordem. Conclui que:

(...) essa nova realidade pressupõe que o juiz, individualmente, sinta-se parte
da estrutura propulsora da interpretação, não seu opositor. Deve ver na
decisão uniformizante uma regra de direito para o bem da realidade jurídica
e da própria estrutura judicial da qual faz parte, não uma camisa de força.
(...) Isso equivale a dizer que o juiz consciente do seu papel deve pautar suas
ações de acordo com a cúpula da estrutura judicial como se obrigação
houvesse, mesmo que contrário à sua própria convicção. Isso não significa
estar tolhido da sua liberdade de decidir, e sim ter noção de que é parte de
uma estrutura que deve ter uma visão sobre determinados temas (em que a
divergência seja infundada), sob pena de contribuir com a desigualdade e a
incerteza jurídica. Esse é um reflexo do caráter público da jurisdição. 595

O mesmo entendimento não pode se aplicar, contudo, em relação ao julgamento


do IRDR submetido à competência dos tribunais locais e regionais, os quais não se
caracterizam como “Cortes de Precedentes”.

Ao se atribuir a eficácia vinculante e erga omnes ao julgamento de um mero


tribunal local ou regional que não ostenta a função constitucional de uma Corte de Precedente,
mas apenas de instância revisora, o CPC/2015 restringiu sobremaneira o debate processual e,
por conseguinte, a independência do juiz de primeiro grau, vulnerando sob esse viés o modelo
constitucional do processo.

O incidente coletivo concentra no tribunal de segundo grau o desate da


controvérsia jurídica, produzindo enunciado normativo genérico que não poderá ser
rediscutido nos processos sobrestados, como se tratasse de uma súmula vinculante, o que

595
PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Jurisprudência – da divergência à uniformização. São Paulo: Atlas,
2006, p. 21.
276

mecanizará a atividade dos demais magistrados.

Haveria, assim, dois tipos de juízes: aqueles que interpretam a questão de direito,
definindo tese jurídica de caráter erga omnes e vinculante, que são os julgadores do incidente;
e aqueles que se limitam a aplicar a decisão padronizada às demandas individuais, repetindo
as anteriores, tornando o precedente judicial para as demandas repetitivas algo estático e
acabado.

Marcelo Barbi Gonçalves critica a força vinculante do IRDR, entendendo que, tal
como previsto pela legislação infraconstitucional, vai de encontro à garantia da independência
judicial:

Confessa-se aqui a dificuldade de compreensão da forma pela qual a


subtração da liberdade para aplicar a norma jurídica ao caso concreto pode
ser descrita como uma forma de prestígio. O que se tem, ao revés, é uma
imposição a priori de um determinado modo de dizer o direito ao
magistrado, o qual fica castrado para formar livremente sua convicção e
executar sua tarefa livre de qualquer espécie de coação. A independência da
magistratura, é bem de ver, consubstancia uma tríplice garantia: institucional
do regime democrático, individual dos cidadãos e pessoal do magistrado.
Esse protovalor constitucional não se coaduna com uma compreensão
militarizada das instâncias judiciárias, já que não há qualquer subordinação
hierárquica entre os juízes. 596

Em destacada passagem, o Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal


também manifestou seu inconformismo com a eficácia vinculante atribuída por lei ordinária a
determinado julgamento do Poder Judiciário:

Não creio que aqueles que têm a função de julgar possam estar submetidos a
algo diverso, estranho à própria consciência. Estou certo de que, pelo menos,
da parte dos juízes, teremos uma resistência democrática e republicana,
porque, se estivesse na primeira instância, trilharia esse caminho. Repito: as
decisões do Supremo Tribunal Federal se impõem, não pelo papel, pelo fato
de um dispositivo de lei ordinária dizer que essas decisões são obrigatórias,
mas pela respeitabilidade, pelo conteúdo dessas mesmas decisões. A adoção
da jurisprudência há de ser espontânea; cada processo é um processo, e
devemos fugir a tudo que leve à generalização e à tendência do homem de se
acomodar e evitar o maior esforço. 597

O engessamento da função judicante decorrente dessa hermenêutica de submissão


que se propõe no IRDR faz lembrar uma metáfora crítica em relação aos três tipos de

596
GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a magistratura deitada.
Revista de Processo. Volume 222. São Paulo: RT, ago/2013, p. 233-234.
597
BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Ag. Reg. na Reclamação n. 1880-6, DJ 19/03/2004, p. 72. Disponível
em: www.stf.jus.br. Acesso em: maio 2016.
277

magistraturas na França: a magistratura sentada, porque os juízes trabalham sentados para


análise e julgamento dos conflitos; a magistratura de pé, que é o Ministério Público que fala
em pé ao nível do chão, e não sobre o estrado ao lado do magistrado (como acontece
atualmente), e por isso se chama Parquet; e, por fim, a “magistratura deitada”, que, em uma
metáfora, representaria a posição do juiz ao aplicar a sistemática do IRDR no Brasil. É aquela
magistratura, que antes de decidir, deve esperar a posição do tribunal para saber como deve
aplicar o direito.598

A censura realizada pelo tribunal de segundo grau, como corte de revisão na sua
essência, deveria situar-se apenas no plano jurisdicional para resolver, em novo julgamento, a
causa apresentada, sem interferir na independência do juiz a quo. Ou seja, os tribunais
ordinários devem se limitar a dar solução ao caso sem ditar parâmetros obrigatórios e teses
jurídicas para julgamentos futuros.

É bom ressaltar que não se defende a rebeldia judicial e a chamada


“jurisprudência lotérica”, mas sim o respeito indispensável ao protagonismo legítimo do juiz
na interpretação do direito para a construção do provimento jurisdicional no espaço público
discursivo e comparticipativo do processo democrático.

Defende-se, na verdade, a rebeldia preconizada por Nalini, que reforça o papel do


juiz moderno na interpretação do ordenamento e na busca do direito justo, in verbis:

(...) Um juiz rebelde - leia-se juiz ético - não se conforma com esse estado de
coisas. E muitos deles já existem. (...) Para afirmar-se como Poder do
Estado, o Judiciário precisa dos bons rebeldes. Aqueles que se não recusem a
um plus. Além da produtividade na solução dos problemas, a formulação de
soluções novas para a justiça. (...) É por isso que se insiste num juiz rebelde,
revoltado, teimoso e desobediente. Rebelde com causa; revoltado com a
justiça; teimoso em reformar o mundo; desobediente em relação a regras
superadas, formalismos estéreis e preconceitos alimentados pelo arcaísmo.
599

Ou seja, um juiz que personaliza o modelo constitucionalista de atuação judicial,


na visão de Luiz Flávio Gomes. 600

598
GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a magistratura deitada.
Revista de Processo. Volume 222. São Paulo: RT, ago/2013, p. 235-236.
599
NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 154-158.
600
Luiz Flávio Gomes elabora, de forma crítica, cinco modelos de atuação judicial. O juiz adstrito
exclusivamente à lei representa o modelo “positivista-legalista”; o que coloca, de acordo com seus critérios
pessoais, o valor “justiça” acima de tudo, inclusive da lei, retrata o modelo “alternativista extremado”; o que
aceita a súmula vinculante, espelha o modelo opressivo hierárquico; por último, o que tem por base o “direito”
278

Com efeito, o juiz de primeiro grau não pode ser visto como um mero aplicador
mecânico da letra da lei ou do enunciado da jurisprudência, ou do precedente vinculante, um
computador programado para apenas processar a tese jurídica definida pelo tribunal, extraindo
uma solução automática ao caso concreto.

Dentro do contexto de uma sociedade globalizada e de uma produção jurídica


superlativa e complexa, o juiz contemporâneo deve ser comprometido, antes de tudo, com a
completude da decisão do conflito, vista não como ato processual isolado, mas como
resultado da efetiva cooperação e do debate processual desenvolvido em contraditório pelas
partes no modelo constitucional de processo.

Para tanto, faz mister um juiz pró-ativo e independente, que analise com
propriedade direitos e princípios debatidos no processo para que não apresente soluções
demasiadamente simplistas frente à complexidade dos fatos ou para que não reproduza
mecanicamente a interpretação já dada pelo tribunal sem se debruçar sobre os fundamentos
submetidos ao debate processual.

Calamandrei explica muito bem o dilema vivido pelo magistrado:

O risco das causas costuma estar neste antagonismo: entre o juiz lógico e o
juiz sensível; entre o juiz consequencial e o juiz precursor; entre o juiz que
para não cometer uma injustiça está disposto a se rebelar contra a tirania da
jurisprudência e o juiz que, para salvar a jurisprudência, está disposto a
deixar esmagar nas inexoráveis engrenagens da sua lógica um homem vivo.
601

Desse modo, ao interpretar o direito para resolver os casos concretos que lhe são
apresentados, o magistrado não só os resolve, mas aponta um caminho inovador e mais seguro
para a sociedade. Vale dizer, manejando a lei no caso concreto, o juiz também a enriquece e
contribui para o desenvolvimento do direito e o alcance da interpretação mais justa e
adequada para aquele tipo de conflito. Isso é verdade tanto para os países da common law
quanto para os países da tradição romano-germânica.602

(globalmente considerado – interno e internacional) personaliza o modelo constitucionalista de atuação judicial.


Um “quinto” modelo de atuação judicial que, na verdade, não é nenhum modelo, senão uma aberração, não se
vale de nenhum dos referenciais até aqui mencionados: consiste no juiz politicamente engajado com o Estado
“autoritário” (...) Cuida-se de “modelo” que nem sequer alcança o nível mínimo da legalidade (exercita-se,
destarte, na sublegalidade) (GOMES, Luiz Flávio. A dimensão da magistratura: no estado constitucional e
democrático de direito: independência judicial, controle judiciário, legitimação da jurisdição, politização e
responsabilização do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 128-129)
601
CALAMANDREI, Pietro. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 185.
602
VILELA, Hugo Otávio Tavares. Além do Direito: o que o juiz deve saber. A formação multidisciplinar do
279

Esse papel fundamental do magistrado, especialmente daquele atuante no primeiro


grau, somente poderá se efetivar se respeitada a garantia constitucional da independência
judicial, o que foi restringido pela força normativa e vinculante do julgamento do IRDR.

A questão merece ser analisada ainda sob o viés do pensamento de Ronald


Dworkin acerca da teoria da integridade do direito e sua aplicação no common law, que
também deve ser considerada para o melhor entendimento do Sistema de Precedentes
concebido pelo CPC/2015 e, especialmente, para a definição do papel do juiz de primeiro
grau.

Com efeito, a criação de técnicas processuais, como é o caso do IRDR, voltadas


primordialmente à aceleração da prestação jurisdicional e à concentração da proteção jurídica
no âmbito da segunda instância da jurisdição ordinária, mitigando-se garantias processuais e
materiais (ausência de controle da representatividade, contraditório meramente ficto) possui
tão somente a capacidade de conduzir a uma justiça pronta e padronizada, sem espaço para o
debate e a interpretação do direito.

Para Dworkin, por sua vez, embora o direito deva ser analisado como um todo,
evitando-se julgamentos isolados do contexto geral e da história institucional, o juiz não pode
agir de maneira mecanizada, simplesmente reproduzindo decisões prontas.

O referido autor americano se utiliza de uma metáfora, “o romance em cadeia”, ao


comparar o juiz a um crítico responsável por interpretar as variadas dimensões e sentidos
possíveis de uma peça ou poema complexo. 603

Em outras palavras, a história do Direito, da atividade legislativa e da


interpretação judicial pode ser comparada a um romance redigido de modo coerente e
continuado, em que cada romancista posterior, desprovido de liberdade plena, escreve sua
parte da obra em continuação ao que já havia sido escrito pelos anteriores.

Cada juiz agiria, segundo o autor americano, como um verdadeiro romancista em


um grupo encarregado da construção de um capítulo de uma obra, devendo, assim como num
romance, preocupar-se em manter uma lógica evolutiva desse novo capítulo com toda a obra
que já fora escrita, sem, contudo, encerrá-lo, de forma a permitir que outro romancista possa
dar continuidade à obra com um novo capítulo. Cada um deve escrever o capítulo de modo a

juiz. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2015, p. 18.
603
DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 275.
280

criar da melhor maneira possível o romance em elaboração, assegurando sua evolução. 604

O Direito também é assim, um produto coletivo de uma sociedade não estática,


mas em permanente evolução. Ao proferir um julgamento, os juízes devem se voltar para os
julgados do tribunal e chegar a um posicionamento sobre o que os demais julgadores
decidiram, de forma coletiva, sobre aquele caso semelhante. Ao agir dessa forma, esse juiz
atuará como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, sem desprezar o que tem
em mãos a partir de uma nova decisão.

Enfim, o juiz, ao decidir um caso, não pode considerá-lo como um caso isolado,
mas inserido em um todo (integridade), num processo construtivo a que o julgador dá
necessária continuidade. Isso não significa que o juiz tenha de repetir mecanicamente a
mesma decisão passada quando está diante de um caso similar, pois que o juiz, ao mesmo
tempo em que aplica o direito, é também autor (pois acrescenta algo ao edifício jurídico) e
crítico do passado (pois que o interpreta).605 O juiz não é um mero repetidor, mas, ao mesmo
tempo, intérprete e criador da decisão.

Nesse sentido, a advertência de Maurício Ramires:

(...) quando se diz que o juiz tem uma obrigação de respeitar a integridade e
a coerência do direito, não significa que ele deve ser “a boca da
jurisprudência”. Menos ainda se quer dizer que lhe bastará, para resolver um
caso, repetir ementas e trechos de julgados anteriores, como se só lhe fosse
exigido seguir uma “corrente jurisprudencial”. A integridade não traz
semelhantes facilidades e, ao contrário, traduz-se em um ônus adicional. 606

A racionalidade e objetividade do conteúdo da decisão judicial, que deve respeitar


a integridade do direito, estão presentes na sua coerência e conexão com a evolução histórica,
as necessidades, tendências e ideais da sociedade em determinado tempo refletidos na
Constituição. Em razão disso, Marcelo Franco leciona que:

Ao juiz cabe exercer a jurisdição como um participante que dialoga com a


sociedade mediante a reinterpretação construtiva do Direito, o respeito à
Constituição e a aplicação dos princípios jurídicos adquiridos ao longo da

604
DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 276.
605
NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Tendências de padronização decisória no PLS n. 166/2010: o Brasil
entre o Civil Law e o Common Law e os problemas na utilização do “Marco Zero Interpretativo”. In:
MAGALHÃES, Flaviane Barros; BOLZAN, José Luiz (Coord.). Reforma de processo civil: perspectivas
Constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 86.
606
RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação dos precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010, p. 104.
281

tradição histórico-institucional da comunidade onde está imerso. 607

Tal como previsto no CPC/2015, o IRDR apresenta-se como um precedente


vinculante nocivo ao sistema jurídico, pois implica, em prol da celeridade para a solução de
demandas repetitivas, que o direito se limitará ao que já foi decidido no passado, não havendo
mais espaço para reinterpretação, mas apenas para se aplicar mecanicamente o que definido
pelo tribunal local como uma fórmula padronizada e fechada, pois se presume que nela
conterá absolutamente toda a solução da questão jurídica conflituosa. Tanto é assim que o
CPC/2015 possibilita a reclamação direta ao tribunal local, caso o juiz da demanda repetitiva
não reproduza a tese jurídica padrão ao caso.

Destarte, o IRDR, como instituto que visa retirar matérias jurídicas do âmbito do
debate processual realizado perante o juiz natural de primeiro grau, fixando-lhes interpretação
unívoca e obrigatória, apresenta-se maculado de inconstitucionalidade, colidindo com a
construção do direito a partir do contraditório e da independência do julgador e, assim, com o
próprio Estado Democrático de Direito.

4.6.1 A técnica de ressalva de entendimento como forma de se minimizar o esvaziamento


do papel do juiz de primeiro grau na interpretação do direito

Para além das questões colocadas acerca da violação ao modelo constitucional de


processo pelo sistema de precedentes adotado pelo CPC/2015, especialmente em relação ao
IRDR, é necessário indagar se é possível vislumbrar uma forma de atuação do juiz de
primeira instância que amenize o esvaziamento de sua atuação na interpretação do direito e,
principalmente, permita-lhe influir concretamente na formação e superação de precedentes.

Mesmo em um sistema de precedentes obrigatórios, a primeira instância deve ser


valorizada. É a porta de entrada da grande massa dos jurisdicionados no Brasil, estando em
contato direto com os fatos do caso concreto e com o cidadão que intenta uma prestação
jurisdicional rápida, efetiva, mas principalmente qualificada, que analise as questões
relevantes debatidas no processo, sem causar surpresa ou perplexidade.

Já advertia o mestre Carlos Maximiliano, citado em outra passagem desta


pesquisa, sobre a importância da atuação do magistrado de primeiro grau:

(...) veem estes de mais perto os interesses e os desejos dos que recorrem à

607
FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição. Belo Horizonte: Del
Rey, 2016, p. 74.
282

justiça: uma jurisdição demasiado elevada não é apta a perceber rápida e


nitidamente a corrente das realidades sociais. A nova lei vem de cima; as
boas jurisprudências fazem-se embaixo. 608

Oportuna também a crítica de Mayara de Carvalho e Juliana Coelho Tavares da


Silva e a necessidade de valorização da primeira instância:

Se o modelo de precedentes judiciais se presta a reforçar o poder e o dever


do Judiciário na solução de litígios, deve partir, portanto, de uma
reestruturação na forma de gerir, publicar e conceber as decisões de primeira
instância, sob pena de assumir o risco de cometer os mesmos equívocos de
outrora: estabelecer um plano estratégico a partir de cima com a
massificação irrefletida de baixo.609

Nesse contexto, a aplicação dos precedentes, ainda que se admita a força


vinculativa tal como preconizada pela novel legislação e combatida neste estudo, não deve
ocorrer de modo mecânico, impossibilitando que o juiz prolator da decisão promova a
possibilidade de melhoria do sistema, sob pena de reduzi-lo a um mero autômato, um juiz
eletrônico.

Visto o juiz de primeiro grau como um dos sujeitos do contraditório substancial


no modelo constitucional do processo democrático, cuja participação é fundamental para
assegurar a legitimidade do provimento jurisdicional, ele também deve ter o poder de auxiliar
na formação dos precedentes, seja concordando com sua aplicação, seja distinguindo em
virtude de especificidades do caso, seja sustentando contrapontos para que o tribunal leve em
consideração novos argumentos, mesmo que seja instado a aplicar o padrão decisório do
tribunal.

Nesse sentido, ao comentar o sistema inglês, Thomas Bustamante leciona que o


caráter vinculante do precedente não induz à impossibilidade do juiz ou tribunal dialogar com
a corte que formou o precedente:

Fora da House of Lords, aliás, a prática de rever os próprios precedentes é


ainda considerada expressamente proibida, de sorte que, se uma corte inglesa
de apelação tiver posicionamento contrário ao seu próprio precedente, deve,
ao invés de revê-lo, conceder leave to appeal e remeter o processo para a
corte superior. Esse é, com efeito, o entendimento reiterado por Lord

608
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 180.
609
CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ressalva de entendimento e valorização da
primeira instância no sistema de precedentes brasileiro. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro
da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes
Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 744.
283

Bingham em um caso de discrepância entre os tribunais ingleses acerca da


aplicação da Convenção Européia de Direitos Humanos: “Como Lord
Hailsham observou, ‘em questões jurídicas, um certo grau de certeza é ao
menos tão valioso quanto uma parte de justiça ou perfeição’. Esse grau de
certeza é mais bem alcançado ao se aderir, mesmo no contexto convencional,
a nossas regras sobre precedentes judiciais. Será com certeza ônus dos juízes
revisar os argumentos convencionais dirigidos a eles, e se eles considerarem
um precedente vinculante inconsistente, ou possivelmente inconsistente, com
as authorities de Strasbourg, eles podem expressar suas opiniões e dar
trânsito à apelação [leave to appeal], como a Court of Appeal fez aqui. Leap-
frog appeals podem ser apropriados. Nesse sentido, na minha opinião, eles
se desincumbem de seu dever estabelecido pelo Act de 1998. Mas eles
devem seguir o precedente vinculante, como também fez a Court of Appeal
nesse caso. 610

Assim, para possibilitar o referido diálogo com a Corte, ganha relevância a


“técnica da ressalva de entendimento” (disapproval precedent). Ou seja, constatada, em
primeira instância, alguma interpretação mais adequada à Constituição e à legislação
infraconstitucional, que contrarie um precedente obrigatório, o julgador aplicará o precedente
vinculante, mas deverá fazer referência ao seu entendimento divergente com ampla
fundamentação, dando a oportunidade para que as demais instâncias possam superar a
interpretação firmada.

Nas palavras de Mayara de Carvalho e Juliana Coelho Tavares:

(...) vale ressaltar que a ressalva de entendimento a que se refere nesse tópico
é, como dito, a técnica específica de decisão, na qual o dispositivo está em
conformidade com o precedente, mas a fundamentação é realizada segundo o
entendimento que pretende influir para revertê-lo. Difere, portanto, do
sentido majoritariamente atribuído à expressão no Brasil em que é
empregada para designar que dado julgamento colegiado não foi unânime,
sem referir-se a divergência específica quanto aos elementos condicionantes
da ratio de dado precedente. (...) A técnica não é voltada especificamente
para a primeira instância, ressalta-se, antes, constitui método de decisão
estratégica no sistema de precedentes. Tem aptidão, assim, para influir
concretamente na reformulação de entendimentos sem interferir
negativamente na segurança jurídica e na expectativa das partes. 611

Importante ressaltar que a decisão que aplica o precedente vinculante, com a


técnica de ressalva de entendimento do julgador para ‘dialogar’ com a corte superior e

610
BUSTAMANTE, Thomas. Teoria do Precedente Judicial: A justificação e a aplicação de regras
jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012, p. 425-426.
611
CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ressalva de entendimento e valorização da
primeira instância no sistema de precedentes brasileiro. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro
da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes
Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 745.
284

influenciar eventual alteração ou superação do precedente, não é contraditória em sua


fundamentação, de modo que não seriam cabíveis os embargos de declaração.612 A
fundamentação apresentada pelo juiz é apenas uma técnica para marcar seu posicionamento,
permitindo que as instâncias superiores tenham ciência daqueles argumentos.

Ou seja, eventual recurso da parte interessada, em tais casos, devolverá o


conhecimento ao tribunal da importância dos argumentos propostos em instância inferior que
se contrapõem ao precedente, o que pode convencer o tribunal sobre a necessidade de
modificar ou superar a interpretação do direito até então definida.

O uso da referida técnica encontra respaldo no CPC/2015, que permite a alteração


da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e demais Tribunais Superiores,
bem como a alteração de enunciado de súmula e de tese jurídica adotada em julgamento de
casos repetitivos desde que amplamente fundamentada, observando-se a segurança jurídica, a
proteção da confiança e a isonomia (§4º do art. 927). Ademais, inclusive deixa aberta a
possibilidade da modulação temporal da alteração atendidos os interesses sociais e a
segurança jurídica (§3º do art. 927).

Ou seja, o overrruling pode ser reconhecido tanto em relação às súmulas quanto


em relação aos precedentes. Poderá o Tribunal, impulsionado pela técnica da ressalva de
entendimento, decidir que houve modificação substancial do entendimento acerca de
determinada norma (decorrente de "alteração econômica, política ou social referente à
matéria") ou, mais formalmente, que a própria norma foi alterada, havendo a necessidade de
"superação".

Desse modo, a técnica da ressalva de entendimento, possibilita a aplicação do


precedente, respeitando a expectativa das partes, mas ao mesmo tempo, pelo menos na teoria,
valoriza a primeira instância quanto à possibilidade de construção e aperfeiçoamento da
interpretação do direito, já que pode influenciar novos debates e a reformulação da tese
jurídica já definida pela Corte Superior.

Não se quer defender algo utópico. A referida técnica existe, de fato, no direito
comparado e é importante para a oxigenação do direito jurisprudencial, mas somente terá

612
Nesse sentido é o enunciado n. 172 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis: “a decisão que aplica
precedentes, com a ressalva de entendimento do julgador, não é contraditório”. (NUNES, Dierle; SILVA,
Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105/2015. Referenciado com os dispositivos
correspondentes no CPC/73 Reformado, com os enunciados interpretativos do Fórum Permanente de
Processualistas Civis (FPPC) e com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo Horizonte: Fórum,
2015, p. 365)
285

utilidade prática no sistema de precedentes adotado no Brasil se ocorrer uma drástica


mudança quanto à forma atualmente existente de julgamento pelos tribunais.

4.6.2 Técnica de utilização do precedente: o distinguishing como forma de incentivo à


interpretação do juiz de primeira instância

Para se evitar o esvaziamento do papel do juiz da primeira instância e do próprio


contraditório substancial – elementos intangíveis do modelo constitucional de processo, o
precedente vinculante jamais poderá ser visto como um esgotamento argumentativo que deve
ser aplicado de modo automático para as causas repetitivas, especialmente quando emanado
dos tribunais locais da instância ordinária (os quais, ressalta-se, não possuem o papel
constitucional de Corte de Precedentes pelos motivos já descritos neste capítulo).

É preciso assegurar que, diante do caso subsequente (e das especificidades deste),


o juiz terá o poder de analisar, de modo discursivo, amplo e profundo se o precedente
obrigatório deverá ou não ser repetido como fundamento determinante daquele julgamento.

Por isso, segundo Guilherme Bacelar, a aplicação subsuntiva da tese obtida a


partir da ratio decidendi de um precedente ao caso subsequente depende da demonstração não
apenas das semelhanças fáticas, mas principalmente da identidade substancial das questões de
direito debatidas no processo. Se, no caso posterior, existir algum outro ponto controvertido,
além daqueles analisados no precedent case, o julgador deverá resolvê-lo no caso concreto,
podendo ampliar ou reduzir o campo de incidência da tese firmada. Pode ocorrer, inclusive, o
afastamento justificado do precedente – judicial departures. 613

Fala-se em distinguishing quando houver distinção entre o caso concreto em


julgamento e o caso paradigma que deu origem ao precedente, seja porque não há
coincidência entre os fatos fundamentais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio
decidendi (tese jurídica) constante do precedente, seja porque, a despeito de existir uma
aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação da
orientação vinculante. Segundo Cruz e Tucci, é o método de confronto “pelo qual o juiz
verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma” 614.

Trata-se, enfim, de uma técnica, típica do common law, consistente em não se

613
ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários e especial
repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-
graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016, p. 57-58.
614
TUCCI, Jogé Rogério Cruz e. Precedente Judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 174.
286

aplicar o precedente quando o caso subsequente a ser decidido apresenta alguma


peculiaridade, que autoriza o afastamento da tese jurídica, possibilitando que a nova decisão
seja tomada independentemente daquela.615 A referida técnica não implica a revogação ou
abandono do precedente – sua validade como norma universal não é infirmada – mas apenas
permite sua não aplicação a determinado caso considerado distinto.

Guilherme Bacelar enfatiza a existência de dois momentos na aplicação da técnica


de distinção de casos: a distinção operada dentro do próprio precedente pela qual se identifica
a ratio decidendi (a tese jurídica), distinguindo-a da parte da sua fundamentação que constitui
apenas obter dictum, de modo a separar os fatos materialmente relevantes daqueles
irrelevantes para o resultado da decisão; e, no segundo momento, a distinção entre casos, pela
qual se demonstra as diferenças relevantes entre o caso anterior e o presente, mostrando
racionalmente que a tese jurídica do precedente não se aplica ou se adéqua ao processo
presente. Os dois momentos são essenciais para a correta realização da distinção e para o
afastamento racional do precedente pelo julgador do caso subsequente. 616

Percebe-se, nesse contexto, que a distinção é fundamental para a participação do


juiz e dos demais sujeitos processuais na interpretação e construção do direito, contribuindo
para a evolução do ordenamento. Na lição de Dierle Nunes e André Horta:

É a partir das distinções, das ampliações e das reduções que os precedentes


são dinamicamente refinados pelo Judiciário (sempre a partir das
contribuições de todos os sujeitos processuais), à luz de novas situações e
contextos, a fim de se delimitar a abrangência da norma extraída do
precedente. Se, de um lado, é verdade que o precedente originário estabelece
o primeiro material jurisprudencial (não se ignora o texto legal e a doutrina)
sobre o qual se debruçarão os intérpretes dos casos subsequentes, com o
passar do tempo, uma linha de precedentes se formará a partir daquele
primeiro precedente, confirmando-o, especificando-o e conferindo-lhe
estabilidade, e a técnica da distinção (distinguishing) desempenha importante
função nesse processo de maturação do direito jurisprudencial. 617

O distinguishing qualifica-se, no contexto do sistema de precedentes obrigatórios,

615
NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro.
Salvador: JusPodivm, 2013, p. 212.
616
ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários e especial
repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-
graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016, p. 61.
617
NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015: Uma
breve introdução. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues
de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 309.
287

como instrumento indispensável para a ruptura do engessamento jurisprudencial e tanto maior


será sua importância e necessidade no ordenamento jurídico quanto maior for a autoridade
conferida aos precedentes judiciais, assegurando o espaço argumentativo e discursivo em que
poderão transitar os sujeitos processuais – partes e o juiz – na construção em contraditório do
provimento jurisdicional a ser dado ao caso concreto.618

A dificuldade prática encontrada se refere justamente à identificação das


diferenças que podem ou não justificar o afastamento do precedente vinculante. Conforme
leciona Gustavo Nogueira,

Todos os casos submetidos ao Judiciário contém diferenças entre si, posto


que se forem idênticos estaremos diante do fenômeno da duplicidade de
ações (litispendência), porém os casos, quando postos em comparação,
podem conter semelhanças que justifiquem a aplicação ao caso que está
sendo julgado da ratio decidendi do precedente. Não há uma fórmula que
identifique com precisão que tipo de diferenças podem justificar ou não a
aplicação do precedente, cabendo ao juiz fazer a sua análise e ao Tribunal
que elaborou o precedente verificar, quando cabível, se o distinguishing foi
corretamente feito.619

O CPC/2015 adotou a técnica da distinção, prevendo que a decisão não será


considerada fundamentada se o julgador deixar de seguir precedente vinculante sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento (inciso VI, § 1º do art. 489). As
diferenças que serão ou não relevantes para a adoção da técnica da distinção serão avaliadas
pelo juiz caso a caso.

Deve-se valorizar o distinguishing no sistema brasileiro, sob pena do total


engessamento e mecanização da prática judicial. Distinguir obter dicta de ratio decidendi é
fundamental para a aplicação da técnica.

Defende-se que, para se assegurar a ampla participação do juiz na construção do


provimento jurisdicional, a técnica da distinção deve ser utilizada sem restrições, bastando
que haja qualquer diferença relevante capaz de alterar a interpretação do direito no caso em
julgamento. Ou seja, a diferença que justifica a adoção da técnica pode ser tanto de substrato
fático quanto de fundamento jurídico.

618
NUNES, Dierle; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e distinguishing no CPC/2015: Uma
breve introdução. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues
de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 332-333.
619
NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito brasileiro.
Salvador: JusPodivm, 2013, p. 213.
288

Com efeito, muitas vezes se depara com demandas repetitivas, que apresentam
fundamentos jurídicos distintos, uns de natureza constitucional e outros, infraconstitucional,
por exemplo, de modo que se o julgamento paradigma que deu origem ao precedente não tiver
analisado todos aqueles fundamentos, caberá ao juiz do caso concreto proceder à nova
interpretação do direito a partir daqueles argumentos ainda não analisados, sem que haja
violação à força vinculante do precedente.

Se, de um lado, a formulação de teses jurídicas e de enunciados de súmulas pelas


Cortes de Precedentes podem favorecer a uniformidade do direito e a previsibilidade das
decisões, de outro, não deve servir como engessamento da interpretação jurídica, devendo o
juiz, em qualquer caso, analisar, de forma racional e discursiva, os casos que lhe são
submetidos, aplicando ou deixando de aplicar o precedente judicial com base em razões de
fato e de direito construídas e debatidas em contraditório substancial pelos sujeitos
processuais.

O que é essencial na utilização da referida técnica é que haja, em qualquer


hipótese, a motivação, conforme preconiza o art. 93, inciso IX, da Constituição de 1988,
assegurando a participação do juiz na interpretação do direito a partir do contraditório
desenvolvido no processo. A fundamentação da decisão judicial implica que o julgador não
deve se reportar apenas a artigos de lei, a súmulas ou a ementas de julgamento. A decisão
deve expor os elementos fáticos e jurídicos em que o magistrado se apoiou para realizar a
distinção e não aplicar o precedente ou para aplicá-lo se entender adequado à espécie em
julgamento.
289

CONCLUSÃO

A partir dos fundamentos desenvolvidos nos capítulos desta pesquisa,


demonstraram-se graves inconstitucionalidades do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas – IRDR e, outrossim, sua incompatibilidade com o modelo constitucional de
processo civil no Brasil.

Para se alcançar tal desiderato, apresentou-se, inicialmente, uma visão crítica da


crise do Poder Judiciário para alertar, inclusive mediante análise de dados estatísticos e dos
relatórios da “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça, que a criação de novas
técnicas processuais imbuídas do intuito de conferir maior celeridade à prestação jurisdicional
não constituiu, ao longo da história, remédio adequado à solução dos problemas vivenciados
pelo Sistema de Justiça no Brasil.

Os números apresentados demonstraram, por exemplo, que a técnica de


pinçamento de recursos para julgamento de questões repetitivas (como é o caso do recurso
especial representativo de controvérsia e do recurso extraordinário com repercussão geral) não
acarretou a diminuição de processos nas Cortes Superiores. Ao contrário, os dados destacados
ao longo do capítulo 01 demonstraram o enorme congestionamento dos tribunais responsáveis
pela definição das teses jurídicas.

Ou seja, as ondas de reformas processuais, principalmente após a Constituição de


1988, e os Pactos Republicanos por uma Justiça mais célere não trouxeram reflexos concretos
para a celeridade e melhoria da qualidade da prestação jurisdicional e, principalmente, não
contribuíram para a efetiva diminuição da litigiosidade de massa, em que pese terem
representado profunda modificação no direito processual, inclusive com a promulgação da
recente Lei 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o novo Código de Processo Civil.

O enorme arcabouço legislativo somente demonstra que a cultura jurídica


brasileira seria adepta da nomocracia, em razão do imediatismo da solução legislativa e o fato
de que a edição e divulgação de uma nova lei a respeito de assunto problemático podem
passar à sociedade a impressão de que as medidas já foram tomadas pelos entes competentes,
diminuindo a insatisfação geral.

É certo, porém, que, antes mesmo do CPC/2015, o Brasil já poderia orgulhar-se


de ter uma das mais completas e avançadas legislações em matéria processual, inclusive de
proteção de interesses supra individuais, de modo que, se ainda é insatisfatória e morosa a
290

tutela dos direitos dos cidadãos, certamente não é a carência de instrumentos processuais que
responde por isso.

É de se ver que o Poder Judiciário e as recentes alterações legislativas trabalham


apenas com as consequências do não cumprimento dos direitos, mas dificilmente com as
causas, para as quais, em grande medida, haveria a necessidade de políticas públicas mais
idôneas promovidas pelo Poder Executivo, em todas as suas esferas na federação, além de
medidas concretas para prevenir o uso patológico do Sistema de Justiça.

Nessa toada, não é possível falar-se em diminuição da litigiosidade e em


celeridade da prestação jurisdicional sem que se resolva, com prioridade, o problema
gravíssimo da litigância habitual patológica no Brasil.

Os números confirmam, e isso se repetirá ao longo dos anos, que um enorme


percentual dos processos em tramitação possui como parte processual alguns poucos sujeitos,
entre os quais se destacam os entes públicos, as instituições financeiras e as pessoas privadas
prestadoras de serviços públicos.

A figura do litigante habitual adquire em razão disso enorme relevância para o


diagnóstico e o combate à litigiosidade repetitiva. Não se vislumbra, contudo, conforme se
destacou na pesquisa, uma maior preocupação com a atuação abusiva do referido agente, que
permite a pulverização de demandas de idêntica natureza mesmo diante de posicionamentos
contrários já firmados pelos tribunais.

As evidências demonstram que é melhor para os grandes litigantes, sob a ótica


financeira, manter sua postura e práticas adotadas extrajudicialmente do que adequá-las aos
posicionamentos dos tribunais. Haveria por trás uma lógica econômica perversa que
justificaria a conduta dos litigantes habituais, sejam eles agentes privados ou públicos, de
insistirem na utilização do Poder Judiciário, retroalimentando a litigiosidade.

As novas legislações e técnicas de julgamentos, inspiradas inclusive no common


law, não combatem diretamente a litigância habitual patológica no Brasil. As medidas de
punição são tímidas e praticamente inoperantes, sobretudo em relação aos entes públicos
considerados os maiores litigantes.

Assim, mais do que a publicação de novas leis e a criação de novas técnicas de


julgamento seria necessário estabelecer um diálogo institucional aberto e constante entre o
Poder Judiciário e os demais poderes da Republica para se modificar a cultura do litígio, de
maneira que principalmente o Poder Público – considerado o maior litigante – comece a
291

adotar uma postura coerente com a intenção manifestada de melhoria do Sistema de Justiça.
Uma postura de respeito aos posicionamentos firmados pela Justiça, alterando-se as práticas
administrativas consideradas ilegais não só em favor daqueles que obtiveram êxito no
processo, mas também em favor de todos os administrados na mesma situação, o que, de fato,
reduziria a litigiosidade.

A referida análise crítica da Crise do Poder Judiciário mostrou-se extremamente


importante para o foco da presente pesquisa, pois a partir dela se conseguiu esmiuçar o IRDR
e suas características processuais, desvestindo o olhar da falsa premissa de que a referida
inovação legislativa resultará, como um passe de mágica, na redução da litigiosidade e na
melhoria da prestação jurisdicional.

O IRDR não resultará em redução de processos, pois não remedia a causa da


litigiosidade, mas apenas as suas consequências e a um preço muito caro: a ofensa a garantias
intangíveis do modelo constitucional de processo.

A partir de tais considerações, a análise teórica do IRDR se desenvolveu pelas


lentes do modelo constitucional do processo civil brasileiro.

Como premissa da interpretação que se defendeu ao longo da pesquisa, o referido


modelo de processo não pode ser tido apenas como uma mera concepção teórico-
metodológica a ser estudada e demonstrada cientificamente sem qualquer repercussão na
realidade social. Ao contrário, ele deve ser visto como sendo um novo paradigma
interpretativo dotado de diretrizes obrigatórias a serem seguidas na realidade prática do
Sistema de Justiça, pois, efetivando-se tal modelo, efetiva-se a própria Constituição e a
garantia dos direitos fundamentais concebidos no Estado Democrático de Direito.

Realizou-se, sob esse viés, o necessário confronto e a interlocução entre o IRDR e


a garantia de participação democrática no processo a partir do conceito do contraditório
substancial, adotando-se uma visão constitucional da teoria estruturalista de Fazzalari
capitaneada no Brasil pelo professor Aroldo Plínio, para se demonstrar a importância da
participação das partes e também do juiz na construção do provimento estatal.

A concentração do poder apenas nos tribunais ordinários de segundo grau, como


Cortes de Precedentes, não se coaduna, nesse contexto, com a visão constitucionalista da
teoria de Fazzalari, restringindo sobremaneira a participação em simétrica paridade dos
demais sujeitos do processo afetados pelo julgamento vinculante.

O tema percorreu, ainda, o estudo comparado do modelo único constitucional de


292

processo civil italiano de Ítalo Andolina e Giuseppe Vignera e, ainda, do processo justo
(devido processo) na perspectiva de Comoglio, perfeitamente aplicáveis ao Brasil em razão
das garantias processuais da Constituição da República de 1988.

Pela perspectiva defendida por Andolina e Vignera, constatou-se que o processo é


um modelo único com tipologia plúrima. Vale dizer, um modelo constitucionalizado de
processo dotado de elementos intangíveis, mas que permite ser decomposto em uma
pluralidade de procedimentos jurisdicionais (administrativo, penal, civil ou trabalhista),
aperfeiçoando-se e especializando-se para plena concretização das suas finalidades, mas
sempre moldado e interpretado a partir da Constituição para garantia dos direitos
fundamentais.

Não é a Constituição que deve ser interpretada a partir das técnicas processuais
criadas em prol da celeridade, mas são as referidas técnicas que devem se moldar às garantias
constitucionais intangíveis do devido processo justo. Garantias essas que devem se
concretizar na prática jurídica, não podendo ser reduzidas a uma mera presunção ou ficção
jurídica.

Conforme se demonstrou, o modelo constitucional de processo civil brasileiro


assegura, enfim, garantias e direitos fundamentais intangíveis, ou seja, valores permanentes,
entre os quais se destaca o contraditório substancial entre as partes e o juiz, que não podem
ser derrogados ou mitigados pelo legislador infraconstitucional.

O contraditório, sob a ótica do modelo constitucional, não é visto apenas como o


dizer e o contradizer. O contraditório é um elemento estrutural dinâmico do processo justo e
uma exigência de prevenção contra a “sentença surpresa”, impondo, sem restrições, o prévio
debate processual (comparticipação) entre as partes e o juiz sobre toda e qualquer questão,
mesmo em relação às matérias sujeitas à apreciação de ofício pelo julgador, para assegurar-
lhes o direito de diálogo e de influência.

A participação democrática das partes constitui, portanto, direito fundamental


indispensável à validade da tutela jurisdicional em qualquer procedimento. Ofende o âmago
desse devido processo justo qualquer técnica processual prevista pelo legislador ordinário que
acarrete a mitigação daquele direito ou o transforme em mera ficção jurídica para se assegurar
a uniformização célere da interpretação do direito.

Nesse contexto, mostra-se extremamente relevante o estudo do Incidente de


Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR a partir das garantias do processo constitucional.
293

O referido incidente coletivo foi introduzido no direito brasileiro pelo legislador


do novo CPC com o propósito de trazer celeridade e uniformidade à prestação jurisdicional
relativa aos conflitos de massa que tem por objeto questão de direito repetitiva. Seu
regramento não pode ser visto como um modelo à parte daquele assegurado pela Constituição.

Trata-se de uma técnica processual para definição, em bloco (caráter coletivo), da


tese jurídica discutida em várias demandas repetitivas ou massificadas.

Embora tenha sido inspirado no procedimento-modelo alemão, demonstrou-se, ao


longo da pesquisa, que o IRDR adquiriu contornos próprios que o diferenciam
fundamentalmente dos institutos do direito comparado, em razão da ausência do controle
judicial da representatividade das partes afetadas e da não previsão do direito de exclusão dos
efeitos do julgamento.

De tudo que foi analisado, pode-se concluir que o IRDR constitui uma categoria
distinta de processo, que não se identifica propriamente com os instrumentos utilizados nas
demandas puramente individuais e tampouco com os mecanismos de representação e
substituição processual típicos da ação coletiva, tendo inspiração, ao contrário, nas chamadas
ações de grupo instituídas na Europa.

Por meio de um processo modelo que servirá de paradigma, instaura-se o


procedimento do IRDR que adquire autonomia processual e contornos objetivos, pois não
soluciona a lide intersubjetiva, mas apenas define uma tese jurídica vinculante com caráter
geral e abstrato, como uma súmula vinculante.

Ao se analisar os aspectos processuais do IRDR, constatou-se que seu cabimento


deve pressupor a efetiva repetição de processos e a existência de antagonismo jurisprudencial
em relação à questão de direito repetitiva.

Sem a existência de decisões ou sentenças antagônicas, seria admitida a produção


de tese jurídica vinculante – efeito previsto para o julgamento do IRDR pelo tribunal local –
acerca de questões de direito apresentadas inicialmente na primeira instância sem a
participação efetiva do magistrado de primeiro grau em qualquer das etapas de sua construção
e sem o debate processual maduro e suficiente para definição da melhor interpretação.

Demonstrou-se, ainda, que a admissibilidade do incidente coletivo deve pressupor


a tramitação no respectivo tribunal de recurso, remessa necessária ou processo de
competência originária que tenha por objeto a mesma questão de direito repetitiva.
294

Admitir a instauração do IRDR a partir de processos em tramitação apenas na


primeira instância sem qualquer prévio pronunciamento judicial, seja ele por decisão ou
sentença, colide frontalmente com o contraditório substancial robustecido pelo debate
processual mais amplo que deveria permear qualquer procedimento voltado à fixação de
posicionamentos vinculantes de modo a lhes conferir legitimidade constitucional.

A interpretação quanto à necessidade de processo pendente no tribunal de


segundo grau para a admissibilidade do IRDR também se mostra insuperável do ponto de
vista da constitucionalidade formal da lei. Ou seja, sem que exista processo pendente no
tribunal de segundo grau, a instauração do IRDR configurará ampliação, por meio de lei
ordinária, da competência originária dos tribunais em total afronta à Constituição da
República de 1988.

Em relação ao procedimento, destacou-se a necessidade de ampla participação das


partes, inclusive daquelas dos processos suspensos, e também da figura do amicus curiae,
como forma de se conferir legitimidade ao julgamento e de influenciar concretamente (e não
de forma fictícia) o convencimento dos julgadores.

Como se trata de procedimento inspirado nas ações de grupo do direito europeu,


cada membro do grupo envolvido naquela temática em litígio deve ser considerado parte no
processo com todos os ônus e poderes processuais inerentes. Não se pode aceitar apenas um
contraditório ficto, presumindo-se de forma absoluta pela lei que todos estariam sendo
legitimamente representados no procedimento a ponto de sofrerem os efeitos do julgamento
ainda que desfavorável.

Com efeito, a participação de diversos atores nos processos objetivos dotados de


eficácia vinculante e erga omnes é essencial para que ocorra a integração do Direito à
sociedade. A atuação dos terceiros enriquece a discussão, privilegiando o interesse público e
esmiuçando a questão em discussão sob diversas perspectivas, de forma a se obter uma
decisão mais segura e completa possível.

No caso do IRDR, a situação se mostra inconstitucional, pois não existe na


legislação a previsão do controle da representatividade adequada e de escolha de um líder
para a condução do processo em nome das partes, além de não haver critérios objetivos para a
própria escolha do processo ou dos processos modelos para a instauração do incidente, o que
configura grave violação ao modelo constitucional de processo.

A instauração do incidente a partir de processo originário mal conduzido, com


295

poucos e frágeis argumentos jurídicos ou com acompanhamento técnico deficiente


compromete as garantias processuais dos litigantes, especialmente daqueles considerados
ausentes.

Em tais casos, a decisão do incidente, dotada pela lei de caráter vinculante pro et
contra, pode não vir a ser a melhor e mais consistente solução da controvérsia de massa, com
evidente impacto prejudicial à conclusão da multiplicidade de demandas sobrestadas.

Em outras palavras, tal como previsto pelo CPC/2015, o novel instituto favorece
os litigantes habituais, que possuam diversos processos versando sobre a mesma matéria, os
quais poderão provocar o incidente a partir de um litígio com argumentos mais precisos em
seu favor, bem escritos ou completos, no qual a parte contrária não tenha apresentado fortes
argumentos contrários ou que não disponha do mesmo aparato profissional para o
acompanhamento técnico da causa.

Defende-se, nesse contexto, que o órgão julgador tem o dever de realizar o


controle da representação adequada, independentemente de lei que autorize, valendo-se da
cláusula constitucional do devido processo justo. Os critérios poderão ainda ser definidos pelo
regimento interno de cada tribunal, evitando-se prejuízo à participação das partes na
construção da melhor e mais adequada interpretação do direito.

De igual modo, é importante que um ou alguns dos processos modelos escolhidos


(originários do incidente) já tenham decisão ou sentença do juiz de primeira instância acerca
da questão de direito controvertida. A fundamentação da decisão judicial apresenta os
argumentos debatidos e a construção interpretativa da questão de direito realizada pelo juiz,
como importante sujeito do processo, cujo papel também é indispensável ao modelo
constitucional de processo.

Assim, à luz da garantia constitucional do contraditório, é imprescindível que


sejam estabelecidos critérios rigorosos para a admissibilidade do incidente coletivo a partir de
processo modelo mais completo, seja no que se refere à amplitude da argumentação e da
ampla participação das partes, seja no que se refere à qualidade da representação do grupo e à
atuação técnica dos advogados.

Outro ponto relevante trabalhado pela pesquisa se refere à ausência de previsão do


direito de autoexclusão dos efeitos do julgamento do IRDR, caracterizando restrição
desproporcional ao acesso à Justiça – garantia inerente ao modelo constitucional do processo
civil.
296

O sistema opt out consiste em permitir que cada indivíduo, membro da classe ou
do grupo, requeira em juízo sua exclusão de qualquer processo de natureza coletiva de modo a
ser considerado terceiro não sujeito aos efeitos do julgamento. Todos os demais membros
daquele grupo, que não tenham exercido a opção de excluir-se, são considerados partes e
sofrem os efeitos do julgamento, seja ele positivo ou negativo (pro et contra).

A propósito, o procedimento modelo do direito alemão amplamente estudado no


capítulo 02, que teria inspirado a criação do IRDR brasileiro, adota um sistema semelhante de
autoexclusão. A lei alemã permite que o autor da demanda individual repetitiva desista de sua
ação, sem a necessidade de consentimento do réu, no prazo de 30 dias contado da
comunicação da suspensão do processo, como forma de não ser alcançado pelos efeitos da
decisão-modelo. A eficácia do julgamento do incidente não atinge os processos futuros, de
maneira que a ação poderá ser ajuizada novamente pela parte e o julgador poderá realizar
outra interpretação do direito mais adequada ao caso sem a necessidade de se valer da técnica
do distiguishing.

O microssistema do processo coletivo previsto até então no Brasil não adotava a


possibilidade do julgamento pro et contra nas ações de caráter coletivo. O julgamento relativo
aos conflitos que envolvem direitos individuais homogêneos ou massificados opera seus
efeitos secundum eventus litis, ou seja, somente gera efeitos quando procedente a pretensão,
evitando prejuízos aos litigantes substituídos que não participaram de forma direta do
processo justamente por não haver a previsão do controle judicial da representação adequada.

Essa técnica processual adotada no Brasil protege, de certo modo, os interesses


dos litigantes ausentes e, por conseguinte, resguarda o pleno acesso à Justiça.

Isso não foi previsto pelo novo modelo adotado em relação às demandas
repetitivas ou de massa, no qual se insere o IRDR como instrumento de definição rápida da
interpretação do direito dotado de caráter vinculante e erga omnes.

O regramento do IRDR prevê que as demandas repetitivas serão automaticamente


suspensas e o julgamento pro et contra alcançará de forma vinculante todos os processos em
tramitação na área de competência territorial do tribunal local ou regional, inclusive os casos
futuros. A vinculação é de caráter absoluto, total e fechada, e, portanto, inconstitucional, não
tendo sido previsto o modelo de autoexclusão (opt out), com a possibilidade do litigante
prosseguir com o seu processo individualmente.

Não passou despercebida também a inconstitucionalidade da extensão dos efeitos


297

do julgamento do IRDR aos processos dos juizados especiais, em razão da manifesta ausência
de competência funcional absoluta dos tribunais locais ou regionais para uniformizarem a
interpretação jurídica no âmbito dos juizados especiais.

A competência, como forma de organização do Poder Judiciário e de limitação da


atividade jurisdicional, constitui elemento intangível do modelo constitucional de processo.

Os tribunais ordinários de segundo grau não possuem competência funcional e


hierarquia jurisdicional para reexaminar as decisões, sentenças e acórdãos proferidos pelos
juízes atuantes nos juizados especiais, inclusive através de meios impugnativos autônomos
como, por exemplo, o mandado de segurança, conforme já decidiram o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça.

Com efeito, os juizados especiais federais e estaduais estão subordinados,


respectivamente, aos tribunais regionais federais e aos tribunais de justiça apenas no aspecto
administrativo, de modo que os atos jurisdicionais dos referidos tribunais não podem interferir
de forma vinculante nos juizados, gerando a insegurança jurídica que o incidente coletivo visa
justamente coibir, haja vista a possibilidade de conflito de entendimentos com a turma
nacional de uniformização – órgão próprio da estrutura organizacional dos juizados.

Nesse contexto, considera-se inconstitucional estabelecer a eficácia do ato


jurisdicional entre órgãos do Poder Judiciário sem hierarquia ou vinculação processual entre
si.

Outro ponto controvertido do novel instituto se refere ao seu efeito vinculante.


Percebe-se uma preocupação do legislador muito mais voltada ao efeito obrigatório e à
extensão da tese jurídica para atingir milhares de processos do que com o modo da definição
da melhor interpretação do Direito.

O efeito vinculante não se resume apenas a um grupo específico de casos como


acontece no contexto alemão. Na realidade, a intenção do legislador é atingir todos os
processos em curso durante o julgamento do IRDR, assim como todos os futuros que tratarem
da mesma temática.

Surge, então, no direito brasileiro, a controvérsia acerca da constitucionalidade da


previsão do efeito vinculante das decisões proferidas no IRDR, sua compatibilidade com o
contraditório substancial e o papel do juiz na interpretação do Direito.

Demonstrou-se, no capítulo 04, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal


298

Federal, que o efeito vinculante não pode ser atribuído por lei ordinária a julgamentos de
tribunais da instância ordinária.

No julgamento de questão de ordem na ADC n. 01, o Supremo Tribunal Federal


reconheceu a constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 03/93 – a qual instituiu a ação
declaratória de constitucionalidade com eficácia vinculante – ao entendimento de que a
eficácia obrigatória dos julgamentos no controle concentrado é indispensável à garantia do
papel do Supremo como guardião da Constituição. A emenda apenas teria explicitado um
poder que a Corte Suprema já detinha para assegurar a unidade do direito e a segurança
jurídica ao ordenamento.

Motivação semelhante foi apresentada no julgamento da constitucionalidade do


art. 28, parágrafo único, da lei ordinária nº 9.868, de 1999, que atribuiu eficácia vinculante
aos julgamentos definitivos de mérito proferidos pela Corte Suprema em ação direta de
inconstitucionalidade (ADI).

A lei ordinária somente foi considerada constitucional para veicular a imposição


de força obrigatória ao julgamento da ADI em razão da similitude substancial do seu objeto
com a ação declaratória de constitucionalidade, criada pela Emenda Constitucional nº 03/93.
São ações dúplices. Desse modo, a referida lei não teria inovado o ordenamento jurídico em
relação ao tema, mas apenas explicitado a inteligência da disposição constitucional, visando
conferir mais força ao controle concentrado de constitucionalidade.

A validade da lei ordinária para estabelecer a eficácia vinculante estaria


circunscrita aos julgamentos da Suprema Corte no controle de constitucionalidade e para
concretização do papel fundamental a ela atribuído de guardiã da Constituição.

Corrobora, ainda, o referido entendimento a expansão da eficácia normativa dos


julgados do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade a partir de
reformas constitucionais, sobretudo a partir da Emenda Constitucional 45, que introduziu a
súmula vinculante e a repercussão geral. Tais reformas permitiram que os efeitos do controle
difuso se estendessem para além das partes do caso concreto.

A impossibilidade de uma mera lei ordinária atribuir força obrigatória a


julgamento de qualquer tribunal tem respaldo igualmente no entendimento manifestado pelo
Supremo Tribunal Federal em relação à inconstitucionalidade da eficácia vinculante atribuída
pela CLT aos prejulgados trabalhistas. A lei infraconstitucional não pode atribuir tal força aos
julgamentos estranhos à Suprema Corte e, principalmente, estranhos à jurisdição
299

constitucional.

O prejulgado era previsto pelo § 1º do art. 902 da CLT e resultava de


pronunciamento do Tribunal Superior do Trabalho, em reunião plenária, por ocasião de
julgamento de ação originária ou de recurso de sua competência, ou independentemente
desses procedimentos, sobre interpretação de norma jurídica, dotado de caráter geral e
vinculante.

O instituto tinha o objetivo de dar padrão decisório, coerência, estabilidade e


uniformidade à interpretação do direito trabalhista. Não por mera coincidência o mesmo
objetivo é previsto nos artigos 926 e 927 do CPC/2015, para também se conferir eficácia
vinculante ao julgamento do IRDR pelos tribunais de segundo grau.

Ficou definido pela Suprema Corte, ainda sob a vigência da Constituição de 1946,
que seria inconstitucional qualquer ato normativo que dissesse que os prejulgados do Tribunal
Superior do Trabalho deveriam necessariamente ser observados pelos juízes das instâncias
inferiores. Ou seja, não caberia ao Tribunal Superior Trabalho formular teses jurídicas de
caráter normativo, geral e vinculante para as instâncias inferiores da justiça laboral.

Já na vigência da Constituição da República de 1988, o Tribunal Superior


Eleitoral – TSE adotou o referido entendimento da Suprema Corte para reconhecer, em
julgamento relatado pelo então ministro Sepúlveda Pertence, a inconstitucionalidade também
dos “prejulgados vinculantes” previstos no Código Eleitoral.

Os referidos julgados sinalizam inequivocamente que, ao atribuir eficácia


vinculante à interpretação judicial do direito pelos tribunais especializados da Justiça do
Trabalho e Eleitoral, a lei ordinária violou a ordem constitucional.

A inconstitucionalidade decorre da ofensa à separação dos poderes, em razão da


atribuição de poder normativo aos referidos julgados, e, ainda, ofensa à independência
judicial, garantia do Estado Democrático, na medida em que impede o julgamento da causa a
partir do debate em contraditório e do livre convencimento motivado do julgador.

Não se defende a rebeldia judicial e a chamada “jurisprudência lotérica”, mas sim


o respeito indispensável ao protagonismo legítimo do juiz na interpretação do direito para a
construção do provimento jurisdicional no espaço público discursivo do processo
democrático.

Defende-se, por outro lado, a valorização da primeira instância, compreendendo


300

sua participação e autoridade como necessárias para moldar o direito ao caso concreto,
gerenciando os litígios para que se preze por uma prestação jurisdicional qualificada e não
padronizada.

O IRDR concentra no tribunal de segundo grau o desate da controvérsia jurídica,


produzindo enunciado normativo genérico como se tratasse de uma súmula vinculante, o que
mecanizará a atividade dos demais magistrados.

Haveria, assim, dois tipos de juízes: aqueles que interpretam a questão de direito,
definindo tese jurídica de caráter erga omnes e vinculante, que são os julgadores do incidente;
e aqueles que se limitam a aplicar a decisão padronizada às demandas individuais, repetindo
as anteriores, tornando o precedente judicial para as demandas repetitivas algo estático e
acabado.

Com efeito, o juiz de primeiro grau não pode ser visto como um mero aplicador
mecânico da letra da lei ou do enunciado da jurisprudência, um computador programado para
apenas processar a tese jurídica definida pelo tribunal, extraindo uma solução automática ao
caso concreto.

No processo democrático, o juiz deve ser comprometido, antes de tudo, com a


completude da decisão do conflito, vista não como ato processual isolado, mas como
resultado da cooperação e do debate processual desenvolvido em contraditório pelas partes.

Esse papel fundamental do magistrado, especialmente daquele atuante no primeiro


grau, somente poderá se efetivar se for respeitada a garantia constitucional da independência
judicial, restringida de maneira inconstitucional pelo CPC/2015 ao atribuir força normativa e
vinculante ao julgamento do IRDR pelo tribunal da instância ordinária.

Não se pode olvidar, nesse ponto, da crítica ao sistema de precedentes adotado


pelo CPC/2015 que demonstra a impropriedade da definição do julgamento do IRDR como
um precedente vinculante.

No sistema brasileiro, alguns julgamentos serão considerados, por força de lei,


“precedentes judiciais obrigatórios” ainda que não proferidos pelos Tribunais Superiores.
Atribuiu-se a presunção absoluta de que todas as decisões proferidas nas hipóteses elencadas
no art. 927 do CPC/2015 terão relevância e ampla fundamentação para definição de teses
jurídicas dotadas de verdadeiro caráter normativo, as quais repercutirão, de forma vinculante,
nos casos subsequentes.
301

Em outras palavras, esses julgamentos-paradigma formam o que se pode chamar


de “padronização decisória preventiva”, consistindo em uma teoria às avessas do precedente
judicial. Servirão, na verdade, como um perigoso instrumento centralizador, de natureza
presumidamente fechada e estática, que engessará a interpretação do direito por outros órgãos
jurisdicionais, vulnerando o modelo constitucional de processo.

Por isso se mostra absolutamente inadequada a equiparação dos tribunais da


instância ordinária a Cortes de Precedentes. Conforme se demonstrou no capítulo 04, não se
pode falar de um modelo de precedentes normativos formalmente vinculantes sem identificar
nas Cortes Supremas como suas personagens centrais.

A atuação proativa ou prospectiva na construção e interpretação do direito


constitui a principal função das modernas cortes supremas, que assumem posição como
vértice da organização hierárquica jurisdicional. Com os seus julgamentos, na realidade, a
corte suprema se torna ativa protagonista do complexo processo de construção e interpretação
do direito, orientando as decisões futuras sobre os problemas de relevância jurídica que
transcendem os meros interesses individuais das partes.

Ou seja, somente ao órgão do Judiciário que desempenha a função constitucional


de uma verdadeira “Corte Suprema” é que se deve outorgar a função de definir teses jurídicas,
com eficácia erga omnes e vinculante, para uniformização do direito, assegurando a
coerência, previsibilidade e segurança jurídica ao sistema.

No Brasil, defende-se que somente o Supremo Tribunal Federal e o Superior


Tribunal de Justiça desempenham o papel constitucional de “Cortes Supremas”, permitindo
que suas decisões assumam a qualidade de precedentes.

Os tribunais locais e regionais, por sua vez, integram apenas a instância ordinária,
cujo papel é apenas de corte de revisão das decisões proferidas pela primeira instância. Ao
contrário do previsto para as Cortes Supremas, cabem aos órgãos jurisdicionais ordinários –
juízes de primeira instância e aos tribunais locais ou regionais – cuidarem da solução das
controvérsias, realizando a devida apuração dos fatos e a aplicação do direito aos casos
concretos para tutelar o direito das partes. Em outras palavras, nas instâncias ordinárias
exercita-se a jurisdição com o objetivo de obter uma decisão justa para o caso concreto
voltado à satisfação dos interesses das partes. Não agem com caráter prospectivo e para
construção de teses jurídicas. Mesmo porque também não deteriam a última palavra sobre a
questão, que ficará sujeita aos meios impugnativos endereçados às Cortes Supremas.
302

Estender, nesse contexto, o papel das Cortes Supremas às instâncias ordinárias,


que não se encontram no vértice da estrutura jurisdicional, causará precipitação e o
engessamento do debate processual em prol unicamente da celeridade processual.

Eventuais divergências jurisprudenciais no âmbito das instâncias ordinárias não


podem ser vistas como um mal para o Sistema de Justiça, pois elas enriquecem o debate, de
maneira que as Cortes Supremas poderão desempenhar seu papel com maior segurança, no
tempo próprio e pelos meios processuais constitucionalmente previstos, valendo-se da maior
quantidade e, principalmente, qualidade dos fundamentos jurídicos apresentados em prol ou
contra determinada interpretação do direito.

Portanto, sob a ótica da competência constitucional conferida aos tribunais locais,


defende-se que não pode ser conferido ao julgamento do IRDR o status de precedente
obrigatório, pois não emanado propriamente de uma “Corte Suprema”, vale dizer, de uma
“Corte de Precedente”, mas apenas de uma instância ordinária de revisão, de modo que os
efeitos do julgamento devem se restringir apenas ao âmbito do próprio tribunal, não
assumindo caráter normativo para os demais órgãos jurisdicionais e aos casos futuros.

Em uma sociedade globalizada na qual as relações jurídicas se multiplicam, é


natural que ocorram as demandas repetitivas.

A preocupação do legislador, das instituições e dos operadores do Direito deve-se


voltar para o combate às causas da litigiosidade, incentivando-se outros meios de solução de
conflitos, como a conciliação, a mediação e a arbitragem, além do diálogo institucional
constante e democrático para se prevenir as condutas recalcitrantes, principalmente dos entes
públicos, de modo a adequar suas práticas administrativas aos posicionamentos
jurisprudenciais, o que, de fato, poderia reduzir a litigiosidade.

O que não pode se admitir é a criação de um modelo processual próprio para se


alcançar, acima de tudo, a solução rápida das referidas demandas pelo Poder Judiciário,
reduzindo e transformando as garantias fundamentais do processo constitucional em uma
mera ficção jurídica que servirá, em última análise, apenas à mecanização da aplicação e
interpretação do direito.
303

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e Judicial: o ato administrativo e a


decisão judicial. São Paulo: RT, 2014.

ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus Curiae. Coleção Temas de Processo Civil. v.5.
Salvador: JusPODIVM, 2005.

ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil. v.


I. São Paulo: Atlas, 2010.

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Poderes do juiz e visão


cooperativa do processo. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Lisboa,
v. 44, 2003. p. 179-212.

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Do formalismo no processo


civil. São Paulo: Saraiva, 2003.

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. O processo civil na


perspectiva dos direitos fundamentais. In: ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto;
MITIDIERO, Daniel. (org.) Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende. O case management inglês: um sistema maduro?


Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. v. VII. Rio de Janeiro. Janeiro a junho de
2011. p. 288-335. Acesso em: 23 dez. 2015.

ALVIM, Arruda. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do


recurso especial e a relevância das questões. STJ 10 anos: obra comemorativa 1989-1999.
Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 1999, p. 37-47.

ALVIM, Arruda. A EC n. 45 e o instituto da repercussão geral. In: WAMBIER, Teresa


Arruda Alvim. et. al. (Coord.). Reforma do Judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda
Constitucional n. 45/2004. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

ALVIM, Arruda; MARTINS, Critiano Zanin. Apontamentos sobre o sistema recursal vigente
no direito processual civil brasileiro à luz da lei 10.352/2001. In: NERY JR., Nelson;
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de
outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ANDOLINA, Ítalo Augusto; VIGNERA, GIUSEPPE. Il modello costituzionale del processo


civile italiano. Torino: G. Giappichelli Editore, 1990.

ANDOLINA, Ítalo Augusto; VIGNERA, GIUSEPPE. Il “Giusto Processo” nell’esperienza


Italiana e Comunitária. Revista de Processo: RePro, v. 30, n. 126, ago. 2005, p. 95-113.
304

ANDOLINA, Ítalo Augusto; VIGNERA, Giuseppe. I fondamenti costituzionali della giustizia


civile: il modello costituzionale del processo civile italiano. Torino: G. Giappichelli, 1997.

ANDREWS, Neil. O moderno processo civil: formas judiciais e alternativas de resolução de


conflitos na Inglaterra. Orientação e revisão da tradução Teresa Arruda Alvim Wambier. São
Paulo: Revista os Tribunais, 2009.

ARAÚJO, José Henrique Mouta. O incidente de resolução das causas repetitivas no novo
CPC e o devido processo legal. In: MACEDO, Lucas Buril et al (orgs.). Processo nos
Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Coleção novo CPC – Doutrina
Selecionada. Vol. 06. Salvador: Juspodivm, 2015.

ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte:


Mandamentos, 2003.

ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. As demandas de massa e o projeto do novo Código de
Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre (org.). Novas tendências do Processo Civil: estudos
sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. v. 3. Salvador: Juspodivm, 2014.

ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito


no sistema processual brasileiro: Os Precedentes dos Tribunais Superiores e sua Eficácia
Temporal. Curitiba: Juruá, 2012.

ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. Precedentes vinculantes em recursos extraordinários


e especial repetitivos. 2016, 296f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Minas
Gerais. Programa de Pós-graduação em Direito. Belo Horizonte, 2016.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral do Processo Constitucional. Revista


Forense. Rio de Janeiro, v. 383, , jan-fev. 2006, p. 131-180.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Direito Processual Constitucional: Aspectos


Contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

BARBOSA, Andrea Carla; CANTOARIO, Diego Martinez Fervenza. O incidente de


resolução de demandas repetitivas no projeto do Código de Processo Civil: apontamentos
iniciais. In: FUX, Luiz (coord.). O novo processo civil brasileiro: direito em perspectiva. Rio
de Janeiro: Forense, 2011.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O futuro da Justiça: alguns mitos. In: Revista Forense,
v. 96, n. 352, out-dez, 2000.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre alguns aspectos do processo (civil e penal)
nos países anglo-saxônicos. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva,
2001.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia
inerente ao Estado de Direito. Temas de Direito Processual – 2ª série. São Paulo: Saraiva,
1988.
305

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O que deve e o que não deve figurar na sentença.
Temas de Direito Processual – 8ª série. São Paulo: Saraiva, 2004.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O processo civil brasileiro entre dois mundos. Temas de
Direito Processual. Oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004.

BARROS, Flaviane de Magalhães. O Modelo Constitucional de Processo e o Processo Penal:


a necessidade de uma interpretação das reformas do processo penal a partir da Constituição.
In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade
(coord.). Constituição e Processo: A contribuição do processo ao constitucionalismo
democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

BARREIROS, Lorena Miranda Santos. Estruturação de um sistema de precedentes no Brasil e


concretização da igualdade: desafios no contexto de uma sociedade multicultural. In: DIDIER
JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de;
MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3.
Salvador: JusPodivm, 2015, p. 183-213.

BARROSO, Luis Roberto. Constituição, democracia e supremacia judicial: direito e política


no Brasil contemporâneo. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 12, n. 96, fev/maio
2010.

BARROSO, Luis Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da
class action Norte Americana. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de
Minas Gerais. Belo Horizonte, n.8, jan.-jun. 2007, p. 34-55.

BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. O devido processo legal nas causas repetitivas. p. 4940-
4954. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/
antonio_adonias_aguiar_bastos.pdf> Acesso em: 12 jan. 2016.

BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. A necessidade de compatibilização do interesse público


com os direitos processuais individuais no julgamento das demandas repetitivas. In: DIDIER
Jr, Fredie; BASTOS, Antonio Adonias Aguiar (coord.). O Projeto do Novo Código de
Processo Civil: estudos em homenagem ao professor José Joaquim Calmon de Passos.
Salvador: JusPodiym, 2012.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Os elementos objetivos da demanda examinados à luz
do contraditório. In: TUCCI, José Rogério Cruz e; BEDAQUE, José Roberto dos Santos.
Causa de pedir e pedido no processo civil: questões polêmicas. São Paulo: RT, 2002. p. 20-
38.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São
Paulo: Malheiros, 2006.

BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade. Para uma teoria geral da política. Trad.
Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Paz e Terra. 2011.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Malheiros, 2006.
306

BOTELHO, Guilherme. Direito ao processo qualificado: o processo civil na perspectiva do


Estado Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Presidência. Projeto de Lei do Senado nº 166,
de 2010 (Do Senador José Sarney, proveniente dos trabalhos da Comissão de Juristas,
instituída pelo ato nº 379, de 2009, do Presidente do Senado Federal). Dispõe sobre a reforma
do Código de Processo Civil. Diário do Senado Federal, Brasília, DF, 09 jun. 2010, pp.
26692-26950.

BRASIL. Substitutivo da Câmara dos Deputados nº 8.046, de 2010, ao projeto de lei do


Senado n. 166 de 2010. Subsecretaria de Coordenação Legislativa do Congresso.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Parecer da Comissão Especial referente ao Projeto de Lei
nº 8.046, de 2010. Rel.: dep. Paulo Teixeira. Brasília, 26 mar. 2014. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br>. Acesso em ago. 2015.

BRASIL. Comissão de Juristas responsável pela elaboração de Anteprojeto de Código de


Processo Civil. Anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Brasília-DF, 2010. 381 pp.
Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em:
09 mar. 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Texto constitucional


promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas
Constitucionais n. 1/92 a 57/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/94.
Diário Oficial da União. Brasília: Senado Federal: Subsecretaria de Edições Técnicas, 2009.

BRASIL. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário
Oficial da União, 17 jan. 1973.

BRASIL. Lei no 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial
da União, 17 mar. 2015.

BRASIL. Lei n. 13.256, de 04 de fevereiro de 2016. Altera o Código de Processo Civil.


Diário Oficial da União, 05 fev. 2015.

BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático de


Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique. Manual Elementar de


Processo Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique. Fundamentos


constitucionais da jurisdição no Estado Democrático de Direito. In: GALUPPO, Marcelo
Campos (Coord.). Constituição e democracia: fundamentos. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias; SOARES, Carlos Henrique. FIORATTO, Débora


Carvalho. A conexão entre os princípios do contraditório e da fundamentação das decisões na
307

construção do Estado Democrático de Direito. Revista Eletrônica de Direito Processual. Rio


de Janeiro, 2010, p. 228-260.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva,
2015.

BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro


enigmático. São Paulo: Saraiva, 2012.

BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. v.1. São
Paulo: Saraiva, 2009.

BUENO, Cassio Scarpinella. O “Modelo Constitucional do Direito Processual Civil”: um


paradigma necessário de estudo do direito processual civil e algumas de suas aplicações. In:
JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra
(coord.). Processo Civil: Novas Tendências. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

BULOW, Oskar von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais. Trad. Ricardo
Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2005.

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial: a justificação e a


aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012.

CABRAL, Antônio do Passo. O novo procedimento-modelo (Muterverfahren) alemão: uma


alternativa às ações coletivas. Revista de Processo, mai. 2007, pp. 123-146.

CABRAL, Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de


processos repetitivos. Revista de Processo, v. 39, n. 231. São Paulo: RT, maio 2014, p. 201-
223.

CABRAL, Antônio do Passo. O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva.


Revista de Processo. São Paulo: RT, n. 126, p. 59-82, 2005.

CABRAL, Antônio do Passo. Il principio del contraddittorio come diritto d’influenza e


dovere di dibattito. Revista di Diritto Processuale, anno LX, n. 2, aprile-giugno, p. 449-464,
2005. Padova, Itália.

CABRAL, Antônio do Passo. Comentários aos arts. 976 a 987. In: CABRAL, Antonio do
Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2015, p. 1415-1454.

CALAMANDREI, Pietro. Eles, os juízes, vistos por um advogado. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. v. I. Rio de Janeiro:


Lúmen Júris, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015.
308

CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. O incidente de resolução de demandas repetitivas no


projeto de novo CPC: a comparação entre a versão do Senado Federal e a da Câmara dos
Deputados. In: FREIRE, Alexandre et al (Orgs.). Novas tendências do processo civil. vol. III.
Salvador: Juspodivm, 2014, p. 279-311.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Papnótica, Vitória, ano 1, n:


6, fev. 2007, p. 1-44.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988.

CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo: elementos para uma definição. In:


MOREIRA, Eduardo Ribeiro; PUGLIESI, Marcio (coords.). 20 anos da Constituição
Brasileira. São Paulo: Saraiva, 2009.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Sentença mal fundamentada e sentença não fundamentada.


Revista de Processo. São Paulo, RT, ano 21, n. 81, jan.-mar. 1996. p. 220-225.

CARVALHO, Mayara de; SILVA, Juliana Coelho Tavares da. Ressalva de entendimento e
valorização da primeira instância no sistema de precedentes brasileiro. In: DIDIER JR.,
Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO,
Lucas Buril de. (coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. v. 3. Salvador:
JusPodivm, 2015, p. 729-751.

CARVALHO NETTO, Menelick de. Requisitos Pragmáticos da interpretação jurídica sob o


paradigma do Estado Democrático de Direito. Revista de direito comparado. Belo Horizonte:
Mandamentos, 1999.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Direito constitucional. Belo Horizonte:


Mandamentos, 2002.

CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade O processo constitucional como instrumento de


jurisdição constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito. Belo Horizonte, v. 03, n.
5 e 6, 2000.

CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as


ações coletivas. Salvador: JusPodiym, 2015.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. 1,


1965.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINARMARCO,


Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 1998.

CLÈVE, Clemerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito


brasileiro. São Paulo: RT, 1995.

COMOGLIO, Luigi Paolo. Etica e tecnica del giusto processo. Torino: G. Giappichelli, 2004.
309

COMOGLIO, Luigi Paolo. Il “Giusto Processo” Civile in Italia e in Europa. Revista de


Processo: RePro, v. 29, n. 116, jul.-ago. 2004, p. 97-158.

COMOGLIO, Luigi Paolo. Garanzie costituzionali e ‘giusto processo’ (modelli a confronto).


Revista de Direito Comparado, Belo Horizonte: UFMG, v. 2, n. 2, mar./1998.

CORRÊA, Priscila Pereira Costa. Direito e desenvolvimento: Aspectos relevantes do


Judiciário brasileiro sob a ótica econômica. Séries Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2014.

COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil: Discursos, Ensaios e


Conferências. Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2008.

CUNHA, Alcides A. Munhoz. Evolução das ações coletivas no Brasil. Revista de Processo,
São Paulo, ano 20, n. 77, jan.-mar.1995, p. 224-235.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Anotações sobre o incidente de resolução de demandas
repetitivas previsto no Projeto de novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São
Paulo: RT, n. 193, mar. 2011, p. 255-271.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de
processo. São Paulo: RT, n. 179, jan. 2010, p. 139-174.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Jurisdição e competência. São Paulo: RT, 2008.

DAKOLIAS, Maria. O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe: elementos para


reforma. Tradução de Sandro Eduardo Sarda. Banco Mundial. Documento Técnico n. 319.
1996, p. 08. Disponível em: www.anamatra.org.br. Acesso em: mar. 2016.

DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Lisboa: Meridiano, 1978.

DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Amicus curiae: instrumento de participação


democrática e de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2007

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Processo Coletivo. v. 4. Salvador: Juspodivm,
2008.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Possibilidade de Sustentação Oral do Amicus
Curiae. Revista Dialética de Direito Processual nº 8, out./2003, p. 33-38.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil: Teoria geral
do processo e processo de conhecimento. Salvador, Editora JusPodvm, 2010.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula. Curso de
direito processual civil. v. II. Salvador: Juspodivm, 2013.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. O princípio da cooperação: uma apresentação.
Revista de Processo. São Paulo, RT, n. 127, 2005. p. 75-79.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Princípio do contraditório: aspectos práticos.
Revista de Direito Processual Civil. Curitiba, Gênesis, n. 29, 2003.
310

DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do Código de Processo Civil: Lei 8.455, de 24-
08-92, 8.637, de 31-3-93, 8.710, de 24-9-93, 8.718, de 14-10-93, 8.898, de 29-6-94, 8.950, de
13-12-94, 8.951, de 13-12-94, 8.952 de 13-12-94 e 8.953, de 13-12-94. São Paulo: Malheiros,
1995.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. I. São Paulo:


Malheiros, 2001.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. IV. São Paulo:
Malheiros, 2004.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. São Paulo: RT, 2003.

DWORKIN, Ronald. O império do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual. Trad. Elaine Nassif. Campinas:


Bookseller, 2006.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro:


Lumen Juris, 2011.

FIX-ZAMUDIO, Hector. Constituición y Proceso Civil en Latinoamérica. México: Instituto


de Investigaciones Juridicas, 1974.

FLEXA, Alexandre. MACEDO, Daniel. BASTOS, Fabrício. Novo Código de Processo Civil.
Temas inéditos, mudanças e supressões. Bahia: JusPODIVM, 2015.

FRANCO, Marcelo Veiga. Processo justo: entre efetividade e legitimidade da jurisdição.


Belo Horizonte: Del Rey, 2016.

FRANCO, Marcelo Veiga. A evolução do contraditório: a superação da teoria do processo


como relação jurídica e a insuficiência do processo como procedimento em simétrico
contraditório. Revista do Programa de Pós-graduação em Direito da UFBA, Salvador, vol.
22, n. 24, 2012, p. 165-193.

GALUPPO, Marcelo Campos. Hermenêutica constitucional e pluralismo. In: SAMPAIO, José


Adércio Leite; CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coord.). Hermenêutica e jurisdição
constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 47-65.

GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações
coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GIDI, Antônio. Rumo a um código de processo civil coletivo: a codificação das ações
coletivas no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
311

GOMES, Luiz Flávio. A dimensão da magistratura: no estado constitucional e democrático


de direito: independência judicial, controle judiciário, legitimação da jurisdição, politização e
responsabilização do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide,
2001.

GONÇALVES, Gláucio Maciel; DUTRA, Victor Barbosa. Apontamentos sobre o novo


incidente de resolução de demandas repetitivas no Código de Processo Civil de 2015. RIL
Brasília a. 52 n. 208 out./dez. 2015 p. 189-202.

GONÇALVES, Marcelo Barbi. O incidente de resolução de demandas repetitivas e a


magistratura deitada. Revista de Processo. Volume 222. São Paulo: RT, ago/2013, p. 221-
248.

GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In:


SOUZA, Márcia Cristina Xavier de. RODRIGUES, Walter dos Santos (Coord.). O novo
Código de Processo Civil: o projeto do CPC e o desafio das garantias fundamentais. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2012.

GRECO, Leonardo. A reforma do poder judiciário e o acesso à justiça. Revista Dialética de


Direito Processual, São Paulo: Oliveira Rocha, n. 27, jun. 2005, p. 67-87.

GRECO, Leonardo. O princípio do contraditório. In: Estudos de Direito Processual. Campos


dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2005. p. 541-556.

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. v. II.Rio de Janeiro: Forense, 2010.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Deformalização do processo e deformalização das


controvérsias. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1990.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Os processos coletivos nos países da civil law. In: GRINOVER,
Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda (Org). Os processos coletivos nos
países da civil law e da common law: uma análise de direito comparado. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008.

HADDAD, Carlos. Acredite: a Justiça pode melhorar, basta bem administrar. Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2016-jan-17/segunda-leitura-acredite-justica-melhorar-basta-bem-
administrar Acesso em: 18 jan. 2016.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

HOLANDA, Marcelo Cunha. A possibilidade do controle judicial da adequação do autor


coletivo no direito brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual. Belo Horizonte:
Editora Fórum, n. 69, jan-mar. 2010, p. 146-165.
312

JAYME, Fernando Gonzaga. Obstáculos à tutela jurisdicional efetiva. Revista Forense. Rio
de Janeiro: Forense. v. 399, 2008, p. 95-110.

JAYME, Fernando Gonzaga; FRANCO, Marcelo Veiga. O princípio do contraditório no


Projeto do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 39, n. 227, jan. 2014, p.
335-359.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Armênio
Amado, 1976.

LAMY, Eduardo de Avelar; TEMER, Sofia Orberg. A representatividade adequada na tutela


de direitos individuais homogêneos. Revista de Processo, vol. 206, 2012, p. 167-189.

LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito


processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

LEAL, Roger Stiefelmann. O efeito vinculante na jurisdição constitucional. São Paulo:


Saraiva, 2006.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo, Primeiros Estudos. Rio de Janeiro:
Forense, 2001.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. O acesso à Justiça como direito humano e fundamental.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª. Região. Belém: TRT 8ª Região, v. 41, ano
80, 2008, p. 91-92.

LEITE, Glauco Salomão. Súmula Vinculante e jurisdição constitucional brasileira. Rio de


Janeiro: Forense, 2007.

LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Método, 2005.

LÉVY, Daniel de Andrade. O incidente de resolução de demandas repetitivas no Anteprojeto


do Novo Código de Processo Civil. Exame à luz da Group Litigation Order Britânica. Revista
de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 196, jul/2011, p. 165-205.

LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. Cândido Rangel
Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

MACÊDO, Lucas Buril de. A disciplina dos precedentes no direito brasileiro: do anteprojeto
ao Código de Processo Civil. In: DIDIER JR., Freddie; CUNHA, Leonardo Carneiro da;
ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de. (coords.) Precedentes.
Coleção Grandes Temas do NCPC. v. 3. Salvador: JusPodivm, 2015.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas.


São Paulo: RT, 2011.
313

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São


Paulo: RT, 2010.

MARINONI, Luiz Guilherme. Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do


Estado Constitucional. In: DIDIER Jr., Fredie e JORDÃO, Eduardo. Teoria do Processo:
panorama doutrinário mundial. Salvador: Editora Juspodivm, 2008, p. 541-574.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas de processo civil. São Paulo: Malheiros, 2000.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso
de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. v. 2. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo


Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC. Críticas e propostas.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MARINONI, Luiz Guilherme. Apresentação. In: MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). A


força dos precedentes: estudos dos cursos de mestrado e doutorado em direito processual da
UFPR. Salvador: JusPodivm, 2010.

MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo. Revistas dos Tribunais,
2010.

MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do


sistema processual da corte suprema. São Paulo: RT, 2013.

MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. São Paulo:
RT, 2014.

MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas Cortes Supremas: precedente e decisão do


recurso diante do novo CPC. São Paulo: RT, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme. O “problema” do incidente de resolução de demandas


repetitivas. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 28, n. 5/6, maio/junho
2016, p. 36-46.

MATTOS, Luiz Norton Batista. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo


CPC. In: GAJORDONI, Fernando da Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC,
Magistratura, v. 1. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 145-228.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 18. ed. Rio de Janeiro:


Forense, 1999.

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional.


São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; NETO, Oldilon Romano. O incidente de resolução


314

de demandas repetitivas (IRDR) e os Juizados Federais. In: GAJORDONI, Fernando da


Fonseca. (coord.). Coleção Repercussões do Novo CPC. Magistratura, v. 1.. Salvador:
Juspodivm, 2015, p.15- 59.

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O incidente de resolução de


demandas repetitivas do novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 243,
maio/2015, p. 283-332.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito


Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.

MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas: do controle à interpretação, da


jurisprudência ao precedente. São Paulo: RT, 2013.

MORAES, Anderson Júnio Leal. Audiências públicas como instrumento de legitimação da


jurisdição constitucional. Dissertação apresentada ao programa de Pós-graduação em Direito
da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2011.

MORAES, Vânila C. A. Demandas repetitivas decorrentes de ações e omissões da


administração pública: hipótese de soluções e a necessidade de um direito processual público
fundamentado na Constituição. Séries Monografias do CEJ. Brasília: CJF, 2012.

MORAIS, José Luis Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem:
alternativas à jurisdição. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

NERY JR., Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo: RT, 2010.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada. São
Paulo: RT, 2009.

NERY JR., Nelson; ABBOUD, Georges. Stare decisis vs direito jurisprudencial. In: FREIRE,
Alexandre et al.(orgs.) Novas tendências do processo civil. Vol. I. Salvador: Juspodivm,
2013, p. 485-514.

NOGUEIRA, Gustavo Santana. Precedentes vinculantes no direito comparado e no direito


brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2013.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Método, 2010.

NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das
reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008.

NUNES, Dierle José Coelho. Comparticipação e policentrismo: horizontes para a


democratização processual civil. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito. Belo Horizonte, 2008.

NUNES, Dierle José Coelho. O princípio do contraditório. Boletim Técnico da Escola Superior
de Advocacia - ESA/MG, v. 1, jan/jul. 2004, p. 39-55.
315

NUNES, Dierle José Coelho. Direito constitucional ao recurso: da teoria geral dos recursos,
das reformas processuais e da comparticipação nas decisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2006.

NUNES, Dierle José Coelho. Processualismo constitucional democrático e o


dimensionamento de técnicas para a litigiosidade repetitiva, a litigância de interesse público e
as tendências ''não compreendidas'' de padronização decisória. Revista de Processo, São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 199, set 2011.

NUNES, Dierle José Coelho. Novo enfoque para as tutela diferenciadas no Brasil?
diferenciação procedimental a partir da diversidade de litigiosidades. Revista de Processo.
São Paulo, n. 184, p. 109-140, jun. 2010.

NUNES, Dierle José Coelho. O princípio do contraditório: uma garantia de influência e de


não surpresa. In: DIDIER JR, Fredie. (Org.). Teoria do Processo: panorama doutrinário
mundial. v.1. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 151-174.

NUNES, Dierle José Coelho. Curso de Direito Processual Civil: fundamentação e aplicação.
Belo Horizonte: Fórum, 2011.

NUNES, Dierle José Coelho. Precedentes, padronização decisória preventiva e coletivização


– Paradoxos do sistema jurídico brasileiro: uma abordagem constitucional democrática. In:
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo: RT, 2012.

NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre. Tendências de padronização decisória no


PLS n. 166/2010: o Brasil entre o Civil Law e o Common Law e os problemas na utilização
do “Marco Zero Interpretativo”. In: MAGALHÃES, Flaviane Barros; BOLZAN, José Luiz
(Coord.). Reforma de processo civil: perspectivas Constitucionais. Belo Horizonte: Fórum,
2010, p. 75-92.

NUNES, Dierle José Coelho; SILVA, Natanael Lud Santos e. Código de Processo Civil. Lei
nº. 13.105/2015. Referenciado com os dispositivos correspondentes no CPC/73 Reformado,
com os enunciados interpretativos do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) e
com artigos da Constituição Federal e da Legislação. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

NUNES, Dierle José Coelho; HORTA, André Frederico. Aplicação de precedentes e


distinguishing no CPC/2015: Uma breve introdução. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA,
Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de.
(coords.) Precedentes. Coleção Grandes Temas do NCPC. V. 3. Salvador: JusPodivm, 2015,
p. 301-333.

OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de. OLIVEIRA, Mário Esteves de. Código de Processo nos
Tribunais Administrativos Anotado. Coimbra: Almedina, 2004.

PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Jurisprudência – da divergência à uniformização. São


Paulo: Atlas, 2006.

PICARDI, Nicola. Il principio del contraddittorio. Rivista di Diritto Processuale. Padova,


CEDAM, n. 3, 1998, p. 673-681.
316

PORTO, Sérgio Gilberto. Sobre common law, civil law e o precedente judicial. Estudo em
homenagem ao Professor Egas Moniz de Aragão. 2007. Disponível em: www.abdpc.org.br.
Acesso em: abr. 2016.

RAMIRES, Maurício. Crítica à aplicação dos precedentes no direito brasileiro. Porto


Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

RE, Edward D. Stare Decisis. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Revista Forense, v. 327, 1990.

ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros,
1995.

ROMÃO. José Eduardo Elias. Justiça Procedimental: a prática da mediação na teoria


discursiva do Direito de Jurgen Habermas. Brasília: Maggiore, 2005.

ROSA, Renato Xavier da Silveira. Incidente de resolução de demandas repetitivas: artigos


895 a 906 do Projeto de Código de Processo Civil, PLS n.º 166/2010. Monografia
apresentada em Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito. Faculdade de Direito do
Largo São Francisco. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.

ROSSI, Júlio César. O precedente à brasileira: súmula vinculante e o incidente de resolução


de demandas repetitivas. Revista de Processo. Ano 37, vol. 208, jun 2012, p. 203-240.

ROSSONI, Igor Bimkowski. O incidente de resolução de demanda repetitivas e a introdução


do group litigation no direito brasileiro: avanço ou retrocesso?.
Disponível em http://www.tex.pro.br/home/artigos/44-artigos-dez-2010/4740-o-incidente-de-
resolucao-de-demandas-repetitivas-e-a-introducao-do-group-litigation-no-direito-brasileiro-
avanco-ou-retrocessol.

SAMPAIO, José Adércio Leite. A constituição reinventada pela jurisdição constitucional.


Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-


modernidade. Porto: Afrontamento, 1999.

SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manual Leitão; PEDROZO, JOÃO. Os


tribunais nas sociedades contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, ano 11, n.
30, fev. 1996, p. 29-62.

SANTOS, Evaristo Aragão. Em torno do conceito e da formação do precedente judicial. In


WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012, p. 133-201.

SANTOS, Marina França. A garantia constitucional do duplo grau de jurisdição. Belo


Horizonte: Del Rey, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010.
317

SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora


Lumen Juris, 2006.

SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Compreendendo os “precedentes” no Brasil: fundamentação


de decisões com base em outras decisões. Revista de Processo. São Paulo: RT, v. 38, n. 220,
jun. 2013, p. 349-382.

SERRA, Umpierre de Mello. Gestão de Serventias. v. 1. Rio de Janeiro: FGV, 1996.

SILVA, Celso de Albuquerque. Do efeito vinculante: sua legitimação e aplicação. Rio de


Janeiro: Lúmen Juris, 2005.

SILVA, Ticiano Alves e. Intervenção de sobrestado no julgamento por amostragem. Revista


de Processo. v. 182. São Paulo: RT, abr. 2010, p. 234-248.

SILVA, Ticiano Alves e. Os embargos de declaração no novo Código de Processo Civil. In:
MACEDO, Lucas Buril et al (Orgs.). Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às
Decisões Judiciais. Coleção novo CPC – Doutrina selecionada. Vol. 06. Salvador: Juspodivm,
2015, p. 661-684.

SOUZA, Artur César de. Resolução de Demandas Repetitivas. São Paulo: Almedina, 2015.

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá,
2007.

STRECK, Lênio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas
vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

STURNER, Rolf. Sobre as reformas recentes no direito alemão e alguns pontos em comum
com o projeto brasileiro para um novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 193, mar/2011, p. 355-371.

TARUFFO, Michele. Precedentes e Jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo: RT, n.


199, set. 2011, p. 139-155.

TARUFFO, Michele. Le Funzioni delle Corti supreme: cenni generali. Revista Magister de
direito civil e processual civil, v. 8, n. 46, jan./fev. 2012, p. 93-115.

TARUFFO, Michele. Processo civil comparado. Ensaios. Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo:
Marcial Pons, 2013.

TAVARES, André Ramos. Manual do Poder Judiciário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2012.

TEIXEIRA, Ludmila Ferreira. Acesso à Justiça Qualitativo. 2012. 195f. Dissertação


(Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito do Sul de Minas. Programa de Pós-Graduação
em Direito, Pouso Alegre, MG, 2012.
318

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma do Poder Judiciário. In: MARTINS, Ives


Gandra; NALINI, José Renato (Coordenadores). Dimensões do direito contemporâneo:
estudos em homenagem a Geraldo de Camargo Vidigal. São Paulo: IOB, 2001. p. 55-61.

TEMER, Sofia. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas. Salvador: Juspodivm,


2016.

TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo:
Saraiva, 1993.

THEODORO JÚNIOR. Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. BAHIA, Alexandre.


Litigiosidade em massa e repercussão geral no recurso extraordinário. Revista de processo, nº
177, p. 09-46, nov., 2009.

THEODORO JÚNIOR. Humberto; NUNES, Dierle José Coelho. Uma dimensão que urge
reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência,
de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo. São Paulo,
n. 168, p. 107-141, 2009.

THEODORO JÚNIOR. Humberto; NUNES, Dierle José Coelho; BAHIA, Alexandre Melo
Franco Bahia; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e sistematização. Lei
13.105, de 16.03.2015. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

THEODORO JÚNIOR. Humberto; OLIVEIRA, Fernanda Alvim de. REZENDE, Ester


Camila Gomes Norato (Coord.). Primeiras linhas sobre o novo direito processual civil
brasileiro (de acordo com o Novo Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de
2015). Rio de Janeiro: Forense, 2015.

THEODORO JÚNIOR. Humberto. O processo justo e as tutelas jurisdicionais


proporcionáveis aos direitos substanciais em crise. Revista Dialética de Direito Processual.
São Paulo: Dialética, n. 123, jun., 2013, p. 32-61.

THEODORO JÚNIOR. Humberto. O processo civil brasileiro: no limiar do novo século. Rio
de Janeiro: Forense, 2002.

THEODORO JÚNIOR. Humberto. Celeridade e efetividade na prestação jurisdicional:


insuficiência da reforma das leis processuais. Revista de Processo, n. 125, jul. 2005, p. 61-78.

THEODORO JÚNIOR. Humberto. Direito Processual Constitucional. Revista Estação


Científica. Juiz de Fora, v. 01, n. 04, out-nov. 2009, p. 28-43. Disponível em
http://portal.estacio.br/media/2654365/artigo%202%20revisado.pdf Acesso em fevereiro de
2016.

THEODORO JÚNIOR. Humberto. Processo justo e contraditório dinâmico. Revista de


Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), jan.-jun. 2010, p. 64-
71.

THEODORO JÚNIOR. Humberto. Constituição e Processo: desafios constitucionais da


reforma do processo civil no Brasil. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA,
319

Marcelo Andrade Cattoni de (coord.). Constituição e Processo: A contribuição do processo


ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

THEODORO JÚNIOR. Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Breves


considerações da politização do Judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro –
Análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização
decisória. Revista de processo, São Paulo: RT, v. 189, nov. 2010.

THEODORO JÚNIOR. Humberto. Repercussão geral no recurso extraordinário (Lei


nº.11.418) e súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal (Lei nº 11.417). Revista
Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, n.18, maio/jun. 2007, p. 5-32.

TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituizione. Milano: Giuffre, 1974.

TUCCI, Jogé Rogério Cruz e. Precedente Judicial como fonte do Direito. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2004.

TUCCI, Jogé Rogério Cruz e. O regime do precedente judicial no novo CPC. In: DIDIER JR.,
Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; MACÊDO, Lucas Buril de; ATAIDE JR., Jaldemiro
R. de (coords). Precedentes. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 445-458.

VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: os dois grandes sistemas legais
comparados. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2007.

VILELA, Hugo Otávio Tavares. Além do Direito: o que o juiz deve saber. A formação
multidisciplinar do juiz. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários,
2015.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Questão de fato e questão de direito. Revista da Academia
Paulista de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 3, jan./jun., 2012, p. 235–256.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Sobre o novo art. 543-C
do CPC: sobrestamento de recursos especiais “com fundamento em idêntica questão de
direito”. Revista de Processo, v. 33, n. 159, maio/2008, p. 215-221.

YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. O incidente de resolução de demandas


repetitivas no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 206, abr., 2012, p. 243-270.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Poder Judiciário. Crise, Acertos e Desacertos. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995.

ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos
formalmente vinculantes. Salvador: Juspodivm, 2016.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de
direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

Potrebbero piacerti anche