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Capitulo I
Os precursores da Filosofia da Pós-Modernidade (Nietzsche Heidegger, Hegel
e Marx)
«Deus está morto! Eis que lhes mostro o super-homem.» Assim dizia Nietzsche, o filósofo
alemão do século XIX, ao abrir caminho para o pós-modernismo.
Que é o pós-modernismo?
O uso do termo se tornou corrente embora haja controvérsias quanto ao seu significado e a sua pertinência.
Portanto a Filosofia pós-moderna é um conjunto de estudos críticos realizados entre 1950 e 1970 ou
1980, que indeferiu, em parte, as tendências universalistas e racionalista da filosofia moderna, ou
procurou distanciar-se para uma melhor análise. Ela se aplica as obras e movimentos herdados dos
grandes pensadores da suspeita do final do século XIX e início do XX (Nietzsche Heidegger,
Hegel e Marx) sendo cética frente a implementação tradicional do discurso em Filosofia,
Literatura, Política, Ciência, etc.
A pós-modernidade tem passado por duas fases relativamente distintas: a primeira começando em
1950 e terminando com a Guerra Fria (quando a mídia analógica com a banda limitada era
monopolizada por grupos estatais de mídia autoritários) e a segunda começou no início do fim da
Guerra Fria (marcado pela popularização da televisão à cabo e a "nova mídia" baseada em
significados digitais de disseminação de informação e transmissão).
Outros autores preferem evitar o termo. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um dos principais
popularizadores do termo Pós-Modernidade no sentido de forma póstuma da modernidade,
atualmente prefere usar a expressão "modernidade líquida" - uma realidade ambígua, multiforme,
na qual, como na clássica expressão do manifesto comunista, tudo o que é sólido se desmancha no
ar.
O filósofo francês Gilles Lipovetsky prefere o termo "hipermodernidade", por considerar não ter
havido de fato uma ruptura com os tempos modernos - como o prefixo "pós" dá a entender.
Segundo Lipovetsky, os tempos atuais são "modernos", com uma exacerbação de certas
características das sociedades modernas, tais como o individualismo, o consumismo,
a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço.
Nietzsche é por vezes considerado o pai ou precursor do pós-modernismo. Anunciando que Deus
estava morto, Nietzsche salientava que não havia mais fundamento para as coisas, nenhuma base
sobre a qual colocar nossas crenças. Portanto, seres humanos têm tanto a oportunidade como a
responsabilidade de criar seu próprio mundo.
Mas há um problema. Nietzsche disse que o conhecimento de coisas conforme realmente existem, é
impossível. O que pensamos ser conhecimento é uma criação humana, uma ilusão ou uma
formulação artística. A linguagem através da qual expressamos nosso conhecimento é um mundo à
parte, inteiramente distinto da realidade externa e puramente arbitrário em sua formação. O que
chamamos verdade, portanto, é uma invenção humana.
Uma segunda figura a influenciar o pós-modernismo foi Martin Heidegger, o filósofo alemão do
século XX. Concordando essencialmente com Nietzsche que a linguagem cria a realidade,
Heidegger desenvolveu muito de sua compreensão da linguagem a partir de exemplos artísticos e
mantinha uma opinião mística, talvez até religiosa, com respeito à linguagem. Em vez de analisar a
linguagem, ele queria afinal experimentá-la, e através desta experiência chegar em contato com o
“ser”.
Jacques Derrida também se preocupa com linguagem. Uma vez que não temos uma visão
imediata da realidade, dependemos do falar e do escrever. Mas falar e escrever são ambíguos e
não comunicam necessariamente o que gostaríamos. Derrida propôs “decompor” textos
(desconstrução), o que inclui analisar a etimologia de palavras, trocadilhos não intencionais e
deslizes freudianos no esforço de demonstrar que eles não contêm nenhum sentido óbvio.
Apesar das diferenças importantes entre estes quatro pensadores, eles lançaram as bases
filosóficas para o pós-modernismo através de suas contribuições primárias:
1º - Os seres humanos não têm acesso à realidade e, portanto, nenhum meio de perceber a
verdade.
2º - A realidade é inacessível porque somos restritos a uma linguagem que molda nossos
pensamentos antes de pensarmos e porque não podemos expressar o que pensamos.
3º - Através da linguagem criamos a realidade, e assim a natureza da realidade é
determinada por quem quer que tenha o poder de moldar a linguagem.
A obra de Hegel (1770-1831) foi fundamental para o pensamento de Marx (1818-1883). Desde que
a filosofia pretende a universalidade, o filósofo procura ver o todo. A noção de totalidade está
implícita em todas as filosofias da história. A filosofia da história de Marx é denominada
materialismo histórico. O principal objetivo do materialismo histórico é explicitar as causas que
governam a direção da mudança histórica.
Para Marx, a base da mudança é material: é a economia, o trabalho humano. O materialismo
histórico, como todo o historicismo é uma teoria da mudança histórica. Embora as causas dessa
mudança sejam radicalmente diferentes das filosofias da história anteriores (filosofias idealistas), o
materialismo histórico, como aquelas, sustenta que as mudanças que ele quer explicar possuem um
sentido determinado. Marx explica o passado, diagnostica o presente e estabelece os objetivos a
serem atingidos no futuro: “se percorrermos o desenvolvimento do próprio Marx, vemos que ele
traduz as teorias econômicas em linguagem nitidamente hegeliana, o que significa que o negado - a
filosofia - permanece conservado na negação. Portanto, sua obra implica a filosofia que ele
expressamente recusa” (OLIVEIRA, Manfredo. Op. cit., p. 13). Antevendo o futuro, Marx elabora
um projeto de emancipação para a humanidade. Este projeto se realizaria ao longo da história e
consistia em levar a termo a história inconclusa da liberdade humana. O homem seria, ao final,
um sujeito emancipado. O que significa: fim das desigualdades e livre desenvolvimento das
potencialidades humanas. O marxismo, afirma Loparic, “é essencialmente uma utopia que prevê
duas coisas: a supressão efetiva da desigualdade e o conseqüente livre desenvolvimento das forças
humanas” . A história é a realização dessa liberdade, dessa emancipação de tudo o que impede o
homem de desenvolver-se livremente. Com relação à liberdade, portanto, podemos extrair duas
conclusões:
- liberdade só pode ser compreendida na história;
- liberdade se realiza na história mas não está dada de antemão, embora possamos
antevê-la.
No entanto, enquanto para Hegel, a história tinha chegado ao seu ápice com o Estado prussiano,
Marx constata que a história da liberdade não está concluída. Ele é um crítico parcial da
modernidade: embora louve nesta época histórica o desenvolvimento tecnológico, aponta os seus
obstáculos para a realização humana. No capitalismo, segundo ele, vivemos o máximo da
contradição histórica entre desenvolvimento das forças produtivas e apropriação da riqueza
produzida. O fim da história seria o comunismo.
A história é a história da humanidade. A emancipação final não será apenas de um povo, mas da
humanidade. Ao final, as contradições fundamentais estarão resolvidas e a espécie humana estará
unificada: “e então a libertação de cada indivíduo singular é alcançada na mesma medida em que
a história transforma-se completamente em história mundial” (MARX e ENGELS, 1987, p. 54).
A história tem uma lógica, tem etapas que podemos apreender, por isso é possível prever o futuro.
Essa é uma história racional. Uma história em que a causalidade estabelece as ligações entre os
acontecimentos e é responsável pelo seu caráter contínuo. A história prossegue numa dialética de
liberdade e necessidade. As contingências não afetam o ponto de partida e o resultado do processo.
Essa é, portanto, uma história necessária. Uma história que segue o seu curso como um dever-ser. O
que é, é o que devia ser, como afirmava Hegel. Essa é também uma história teleológica. A história
tem um sentido e caminha para um fim determinado. A história tem um desenvolvimento
necessário que encaminha a humanidade para o seu fim. Um fim que unificará a espécie humana.
Esse fim seria o comunismo. A história marxista é uma antevisão do destino da humanidade.
A filosofia da história de Marx foi criticada pelos pós-modernos (Heidegger, Foucault, Lyotard),
mas também por marxistas (Benjamin, Marcuse, Adorno e Horkheimer) e ex-marxistas
(Habermas). Vejamos algumas dessas críticas: O discurso pós-moderno rejeita não apenas a teoria
totalizante do marxismo, mas também a do hegelianismo, do cristianismo e de “qualquer outra
filosofia da história baseada em noções de causalidade, em soluções totais que tudo englobam a
respeito do destino humano” (GIROUX, 1993). Essa rejeição das noções de totalidade e das
narrativas mestras significa a rejeição dos fundamentos, da ontologia que elas pressupõem. Como
afirmar que a liberdade vem de uma única causa: econômica, social ou política? Perguntam-se
os pós-modernos. Não podemos identificar as coordenadas originárias, respondem. Não há,
portanto, um fio condutor capaz de dar inteligibilidade à história, nenhuma ligação intrínseca entre
os acontecimentos, pois não há uma história única, mas inúmeras histórias particulares. É nesse
sentido que se referem à ‘pós-história’ ou ‘dissolução da história. A idéia de que a história tem um
sentido e no seu curso garantirá a emancipação humana é uma idéia metafísica que não se sustenta
empiricamente.
Referências
INTRODUÇÃO:
No seu livro A condição pós-moderna, Lyotard esclarece que o objeto de seu estudo é a
situação do saber nas sociedades mais desenvolvidas, a qual decidiu chamar ‘pós-
moderna’, palavra usada no continente americano pela sociologia e pela crítica e que
designa a cultura após as transformações ocorridas em relação à crise dos grandes
relatos e que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes no final do
século XIX. A crise dos relatos inicia com a sua transformação em fábula pela ciência.
Por não serem meramente instrumentais e buscarem a verdade, os relatos legitimam, no
entanto, as suas próprias regras, transformando-se em filosofia e, com isso, se
autolegitima como metadiscurso e passa a se chamar de ciência moderna. Daí, a
suposição da racionalidade universal possibilitar o consenso acerca de um enunciado
que contém um juízo verdadeiro, como, por exemplo, a paz universal proposta no
projeto Iluminista. O saber é legitimado por um ‘metarrelato’ que implica em uma
filosofia da história com conceitos de justiça e verdade pré-determinados. O livro de
Lyotard se propõe, precisamente, a desvendar os caminhos da deslegitimação das
grandes narrativas modernas como passaremos a demonstrar.
I - A condição Pós-moderna
Outra modificação desse novo universo do saber é a sua transformação radical em valor
como mera mercadoria. O saber terá como objetivo da sua produção, o mercado e a
troca, tornando secundário o seu valor de uso. Nos últimos decênios, o saber se
transformou na principal força de produção e elemento econômico decisivo das
populações produtivas nos países desenvolvidos e sua ausência um ponto de
estrangulamento para os países em desenvolvimento. Dessa forma, Na idade pós-
industrial e pós-moderna, a ciência conservará e sem dúvida reforçará ainda mais sua
importância na disputa das capacidades produtivas dos Estados-nações. [...]. Sob a
forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e
será um desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder. Do
mesmo modo que os Estados-nações se bateram para dominar territórios, e com isto
dominar o acesso e a exploração das matérias-primas e da mão-de-obra barata, é
concebível que eles se batam no futuro para dominar as informações. Assim encontra-se
aberto um novo campo para as estratégias industriais e comerciais e para as estratégias
militares e políticas (Ibid., p. 4). Agora, o que é decisivo na circulação de um
conhecimento não é a sua capacidade de retirar alguém da ignorância e sim sua
potencialidade de melhorar a performance e o desempenho de uma dada mão-de-obra
para a melhoria do processo produtivo. Em outras palavras, para Lyotard houve uma
mercantilização generalizada do saber. A hipótese de trabalho de Lyotard, modificação
do estatuto do saber na sociedade pós-industrial e cultura pós-moderna ou sociedade
informatizada, não pretende ser original nem verdadeira, mas busca possibilitar a
capacidade de discernimento sobre as sociedades informatizadas mais desenvolvidas,
para iluminar certos aspectos da formação do saber e dos seus efeitos sobre o poder
público e as instituições civis (Ibid., p. 11). Questiona, de forma radical, o progresso das
ciências e das técnicas com seu correspondente crescimento econômico e
desenvolvimento sócio-político e admitida a acumulação do saber técnico e científico, o
máximo que se discute é a sua forma. Ademais, a crença na acumulação do saber
científico é falaciosa, pois o saber científico não é “o” sinônimo de saber. Há uma outra
importante espécie de saber que é o narrativo (Ibid., p. 12). O saber científico está
intimamente ligado à legitimação compreendida como um processo pelo qual um
legislador é autorizado a promulgar uma lei como norma: O direito de decidir sobre o
que é verdadeiro não é independente do direito de decidir sobre o que é justo, mesmo se
os enunciados submetidos respectivamente a esta e àquela autoridade forem de natureza
diferente. É que existe um entrosamento entre o gênero de linguagem que se chama
ciência e o que se denomina ética e política: um e outro procedem de uma mesma
perspectiva ou, se preferir, de uma mesma ‘opção’, e esta chama-se Ocidente (Ibid., p.
12). Dessa forma, pode-se afirmar que o estatuto atual do saber científico é de
subordinação aos países poderosos, e com as novas tecnologias corre o risco ainda
maior de transformar-se em um dos principais elementos de seus embates. Isso exige o
exame apurado daquela dupla legitimação, que na sua forma mais originária evidencia
saber e poder como uma só questão: “quem decide o que é saber, e quem sabe o que
convém decidir? O problema do saber na idade da informática é mais do que nunca o
problema do governo” (Ibid., 13). O referencial teórico-metodológico utilizado na
investigação lyotardiana acerca do saber na sociedade pós-moderna é o pensamento de
Wittgenstein com sua ênfase nos fatos de linguagem e seus aspectos pragmáticos (Ibid.,
p. 15). Lyotard apóia-se no discurso wittgensteiniano que se centraliza nos efeitos dos
discursos e nos diversos tipos de enunciados ou jogos de linguagem, os quais são
determinados por regras específicas. Nos jogos de linguagem as regras não têm
legitimação por elas próprias, mas por um acordo exterior a elas feito pelos jogadores.
Se não há regra, não há jogo, sendo que qualquer modificação em uma regra existente
modifica o jogo. Enfim, todo enunciado lingüístico é um lance no jogo.
IV - Vínculo Social
Vimos que, ao definir o saber em geral, Lyotard deixa claro que este saber não se reduz
à ciência e nem mesmo ao conhecimento como conjunto de enunciados denotativos ou
descritivos que podem ser declarados verdadeiros ou falsos. A ciência, por sua vez, seria
um subconjunto do conhecimento. No entanto, o conceito de saber é mais amplo: uma
mistura de ‘idéias de saber-fazer, saber-viver, de saber-escutar’. Trata-se de um
conjunto de competências que se encontra além das preocupações com o critério único
de verdade, pois se estende aos “critérios de eficiência (qualificação técnica), de justiça
e/ou de felicidade (sabedoria ética), de beleza sonora, cromática (sensibilidade auditiva,
visual), etc.” (Ibid., p. 36). Saber, portanto, coincide com ‘formação’ de competências.
Já na formulação do saber tradicional prevalece a forma narrativa que tem no relato a
sua composição por excelência, e, diversamente das formas desenvolvidas dos discursos
de saber, admite nela mesma uma pluralidade de jogos de linguagem. A narrativa da
transmissão dos relatos obedece às regras fixadas pela pragmática: a tradição dos relatos
é ao mesmo tempo a dos critérios que definem uma tríplice competência – saber-dizer,
saber-ouvir, saber-fazer – em que se exercem as relações da comunidade consigo
mesma e com o que a cerca. O que se transmite com os relatos é o grupo de regras
pragmáticas que constitui o vínculo social (Ibid, p. 40). (Grifo nosso). Enquanto a
pragmática da narrativa popular é auto legitimante, a legitimidade é um jogo de
linguagem ocidental que tem como referente o jogo interrogativo por intermédio dos
relatos que, por sua vez, determinam os critérios de competência e o direito de o quê
dizer e fazer na cultura (Ibid., p. 42). Inicialmente, Lyotard indica cinco propriedades do
saber científico clássico: é um jogo de linguagem isolado que exclui outros e que tem
como critério de aceitabilidade o valor de verdade; não é mais imediato e partilhado
como o saber narrativo, pois se torna profissão e funda instituições, fazendo surgir o
problema da relação entre instituição científica e sociedade; no jogo da pesquisa a
competência requerida é somente do enunciador; um relato científico não é válido
sozinho, pois necessita de provas e pode sempre ser ultrapassado por novas descobertas
que exigem novas provas; o jogo da ciência pressupõe uma temporalidade diacrônica,
ou seja, a produção de novos conhecimentos supõe conhecimentos anteriores que vão se
acumulando. Lyotard lembra que estas propriedades são conhecidas, mas precisam ser
relembradas para salientar a diferença entre o saber científico e o narrativo, bem como a
importância de ambos: de início, o paralelismo da ciência com o saber não científico
(narrativo) faz compreender, [...], que a existência da primeira é tão necessária quanto a
da segunda, e não menos. Uma e outra são formadas por conjuntos de enunciados; estes
são ‘lances’ apresentados por jogadores no quadro das regras gerais; estas regras são
específicas de cada saber, e os ‘lances’, considerados bons aqui ou ali, não podem ser da
mesma espécie, salvo por acaso (Ibid., p. 48).
A ciência moderna recorre ao relato narrativo para a sua própria legitimação. O conflito
entre o saber científico e a narrativa está presente desde o jogo de linguagem dos
Diálogos platônicos, na qual existe uma pragmática da ciência que já inclui a dupla
função de pesquisa e ensino. Nos escritos de Platão já estão presentes: a argumentação
em busca do consenso, o acordo como resultado de um único referente, a paridade dos
participantes, o reconhecimento de que se trata de um jogo, não de um destino, que
exclui os que não aceitam suas regras (Ibid., p. 53). Lyotard chama atenção para o
paradoxo de que o discurso platônico, que inaugura e legitima a ciência, não ser
científico. O saber científico, para saber e dizer que é verdadeiro, precisa recorrer ao
relato, à narração, que é para a ciência o não-saber. Do contrário, teria que se pressupor
a si mesmo, numa petição de princípio.
Novas questões para a legitimação: A ciência moderna traz duas novas questões para
a legitimação: como provar a prova e quem decide o que é verdadeiro? A resposta é
dada pelo próprio discurso científico: « Desvia-se da busca metafísica de uma prova
primeira ou de uma autoridade transcendente, reconhece-se que as condições do
verdadeiro, isto é, as regras de jogo da ciência, são imanentes a este jogo, que elas não
podem ser estabelecidas de outro modo a não ser no seio de um debate já ele mesmo
científico, e que não existe outra prova de que as regras sejam boas, senão o fato delas
formarem o consenso dos experts» (Ibid., p. 54). Essa legitimação científica ocorre por
meio dos relatos simultaneamente à emancipação dos burgueses em relação às
autoridades tradicionais, sendo também uma legitimação de sua autoridade, e que está
em harmonia com a nova atitude científica: « Disto resulta infalivelmente a idéia de
progresso; ela não representa outra coisa senão o movimento pelo qual supõe-se que o
saber se acumula, mas este movimento estende-se ao novo sujeito sóciopolítico. O povo
está em debate consigo mesmo sobre o que é justo e injusto, da mesma maneira que a
comunidade dos cientistas sobre o que é verdadeiro e falso; o povo acumula as leis
civis, como os cientistas acumulam as leis científicas; o povo aperfeiçoa as regras do
seu consenso por disposições constitucionais, como os cientistas revisam à luz dos seus
conhecimentos produzindo novos ‘paradigmas’» (Ibid., p. 55). Dessa forma, a
legitimação, que reimplanta o relato como validade do saber, faz surgir duas novas
realidades: um herói do conhecimento e um herói da liberdade. Contudo, nem a
legitimação tem um único sentido e nem o relato é suficiente para validá-la. Lyotard
apresenta duas grandes versões dos relatos da legitimação do saber e das instituições na
Modernidade, um especulativo (filosófico) e outro prático (emancipação política). O
primeiro “tem por sujeito a humanidade como herói da liberdade” (Ibid., p. 59),
mediante a apropriação do saber científico. O segundo consiste na condução, pelo
Estado e pela Universidade humboldiana, do povo iluminado cientificamente rumo ao
progresso, num processo emancipatório (Aufklärung), por intermédio da Formação
(Bildung) do indivíduo e da Nação. Esses dois grandes relatos de legitimação sofrem.
A ‘crise’ do saber científico, cujos sinais se multiplicam desde o fim do século XIX, não
provém de uma proliferação fortuita das ciências, que seria ela mesma o efeito do
progresso das técnicas e da expansão do capitalismo. Ela procede da erosão interna do
princípio de legitimação do saber. Esta erosão opera no jogo especulativo, e é ela que,
ao afrouxar a trama enciclopédica na qual cada ciência devia encontrar seu lugar, deixa-
as se emanciparem (Ibid., p. 71).
Dessa forma, pode-se afirmar que a pragmática da pesquisa científica pós-moderna faz
assomar a invenção de ‘lances’ novos e de novas regras de jogos de linguagem. Desta
maneira, o atual saber científico busca alternativas para a crise do determinismo, que
considera a base da legitimação através do desempenho. Este, por sua vez, deve supor
um sistema em estado estável, para que ocorra um trânsito regular de input/output. Esta
é, no entanto, uma leitura positivista pós-moderna, na qual não se resume todo o
pensamento da pós-modernidade: “Trata-se em suma de mostrar em alguns casos típicos
que a pragmática do saber científico pós-moderno tem, nela mesma, pouca afinidade
com a busca do desempenho” (Ibid., p. 99) (Grifo nosso).
Ora, nem toda a ciência pós-moderna se desenvolve pelo positivismo da eficiência, mas
também pela produção do ininteligível, do paradoxo, da criação de novas regras
lingüísticas que compõe a legitimidade da própria ciência. A ciência pós-moderna
também se desenvolve como pesquisa de instabilidade, para além de determinado
positivismo: “o traço surpreendente do saber pós-moderno é a imanência a si mesmo,
mas explícita, do discurso sobre as regras que o legitimam” (LYOTARD, 1993, p. 100).
(Grifo nosso).
A idéia predominante nas pesquisas científicas pós-modernas não é mais, portanto, a
continuidade e a previsão como paradigmas do conhecimento. Agora a preferência é:
pelos indecidíveis, nos limites da precisão do controle, pelos quanta, pelos conflitos de
informação não completa, pelos ‘fracta’, pelas catástrofes, pelos paradoxos
paradigmáticos, a ciência pós-moderna torna a teoria de sua própria evolução
descontínua, catastrófica, não retificável, paradoxal. Muda o sentido da palavra saber e
diz como esta mudança pode se fazer. Produz, não o conhecido, mas o desconhecido. E
sugere um modelo de legitimação que não é de modo algum o da melhor performance,
mas o da diferença compreendida como paralogia (Ibid., p. 107-108) (Grifo nosso).
CONCLUSÃO
Na investigação de Lyotard, a pós-modernidade se caracteriza pela descrença nos
‘metarrelatos’ e a conseqüente valorização das pequenas narrativas. Nesse âmbito é
também valorizada a influência das informações tecnológicas e das máquinas
informacionais do saber, que substituem os especialistas e os políticos nas decisões
sociais. Dessa forma, a recusa dos grandes ideais e dos instrumentos políticos e
representativos do coletivo, como o entende a tradição da modernidade, abre espaço
para a valorização dos movimentos sociais alternativos, que por sua vez, tem grande
importância na crise estrutural do capital.
A conseqüência maior dessa recusa, tanto num caso como no outro, é a diluição da idéia
de coletividade, fazendo assomar as noções de individualidade ou de pequenos grupos.
Quando Lyotard constata a submissão pós-moderna da ciência, que não é mais
portadora do conhecimento verdadeiro, ao processo de valorização do capital e de
viabilização da formação de competências para o atendimento do sistema, temos
também uma forte aproximação com o papel da ciência na 18 crise estrutural do capital
quando este se insere completamente na necessária aceleração tecnológica que alimenta
a produção destrutiva, a forma de produção mais adequada para sua reprodução dentro
da crise.
Nesse sentido, arriscamos dizer que a desmistificação do saber científico operada pelo
pensamento pós-moderno, por intermédio da deslegitimação das grandes narrativas, está
presente na crise estrutural do capital contemporâneo na sua apropriação da ciência
como elemento de produção, agora indispensável no contexto da produção destrutiva. É
necessário enfatizar que o pensamento pós-moderno, além de reconhecer a
deslegitimação da ciência como portadora do discurso verdadeiro, reconhece também
sua deslegitimação operada por meio da sua apropriação pelo capital, da disponibilidade
da ciência moderna em atender aos interesses do capital.
O fim dos grandes ideais das metanarrativas – como o fim unitário da história e do
poder cognitivo e centrado do sujeito moderno, o esmaecimento da crença na
emancipação progressiva da razão e da liberdade, a descrença na alternativa socialista e
na abstração do conceito moderno de humanidade, etc. – encontra ressonância na forma
de ser do capital em sua crise estrutural. Senão, vejamos. Observemos que os grandes
ideais da modernidade eram compatíveis com um capital em sua ascendência histórica e
em busca de sua expansão territorial, que se apresentava com validade universal para
estabelecer sua própria legitimidade e realizar seus intuitos de ampliação e acumulação.
Diversamente, um capital em crise estrutural que busca sua reprodução pela produção
destrutiva só pode favorecer e ser favorecido num mundo fragmentado, de valores
efêmeros, marcado pela paralogia e pelo dissentimento. A taxa de utilização
decrescente das mercadorias, essencialmente necessária à produção destrutiva, tem a sua
expressão nessa instabilidade constitutiva do mundo e do pensamento pósmoderno. Os
ideais universais e estáveis da modernidade já não se coadunam com a produção
destrutiva baseada na descartabilidade das mercadorias, a qual se alastra pela totalidade
social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NB:
Conforme Lyotard: “Esta lógica do melhor desempenho é, sem dúvida, inconsistente sob muitos
aspectos, sobretudo no que se refere à contradição no campo sócio-econômico: ela quer,
simultaneamente, menos trabalho (para baixar os custos da produção) e mais trabalho (para
aliviar a carga social da população inativa). Mas a incredulidade resultante é tal que não se
espera destas contradições uma saída salvadora, como pensava Marx” (LYOTARD, 1993,
p.xvii).
Um enunciado científico está submetido a essa regra: “um enunciado deve apresentar
determinado conjunto de condições para ser reconhecido como científico”(LYOTARD,
1993,p.12).
Três observações sobre os jogos de linguagem: 1- “...suas regras não possuem sua legitimação
nelas mesmas, mas constituem objeto de um contrato explícito ou não entre os jogadores (o que
não quer dizer todavia que estes as inventem)”; 2- “...na ausência de regras não existe jogo, que
uma modificação, por mínima que seja, de uma regra, modifica a natureza do jogo, e que um
lance ou um enunciado que não satisfaça as regras, não pertence ao jogo definido por elas”; 3-
“...todo enunciado deve ser considerado como um ‘lance’ feito num jogo”
(LYOTARD,1993,p.17).
Para Lyotard ocorre uma nova forma de vinculação social: “O si mesmo é pouco mas não está
isolado; é tomado numa textura de relações mais complexa e mais móvel do que nunca. Está
sempre, seja jovem ou velho, homem ou mulher, rico ou pobre, colocado sobre os ‘nós’ dos
circuitos de comunicação, por ínfimos que sejam. É preferível dizer: colocado nas posições
pelas quais passam mensagens de natureza diversa.” (LYOTARD, 1993, p. 28).
Os jogos de linguagem é o mínimo de relação exigido para que haja sociedade: “[...] desde antes
do seu nascimento, haja vista o nome que lhe é dado, a criança humana já é colocada como
referente da história contada por aqueles que a cercam e em relação à qual ela terá mais tarde de
se deslocar. Ou mais simplesmente ainda: a questão do vínculo social, enquanto
questão, é um jogo de linguagem, o da interrogação, que posiciona imediatamente aquele que a
apresenta, aquele a quem ela se dirige, e o referente que ela interroga: esta questão já é assim o
vínculo social” (LYOTARD, 1993, p. 29).
Para Lyotard, a ciência pós-moderna não se caracteriza somente pelo positivismo mas também
pela pesquisa da paralogia: “A expansão da ciência não se faz graças ao positivismo da
eficiência. É o contrário: trabalhar na prova é pesquisar e inventar o contra-exemplo, isto é, o
ininteligível; trabalhar na argumentação é pesquisar o ‘paradoxo’ e legitimá-lo com novas
regras do jogo de raciocínio. Nos dois casos, a eficiência não é visada por si mesma, ela vem
por acréscimo, por vezes tarde, quando os financiadores se interessam enfim pelo caso. Mas, o
que não pode deixar de vir e voltar com uma nova teoria, uma nova hipótese, um novo
enunciado, uma nova observação, é a questão da legitimidade. Pois é a própria ciência que a si
mesma levanta esta questão, e não a filosofia à ciência” (LYOTARD, 1993, p. 99-100).
CAP III - LOUIS ALTHUSSER: A IDEOLOGIA DA CLASSE DOMINANTE
Althusser viveu sua infância na capital da Argélia. De Argel, mudou-se para a cidade de
Marseille, em 1930. Seu pai havia recebido uma promoção no banco e foi transferido
para esta cidade, onde fez seu curso secundário, no Liceu Saint-Charles, vivendo nesta
cidade até 1936.
De Marseille mudou-se para Lyon (novamente seu pai tinha sido transferido); nesta cidade,
fez o curso preparatório, no Liceu do Pare, para a Escola Normal Superior.
Ao ser libertado, voltou para Paris e ingressou na Escola Normal Superior, seis anos depois
da aprovação no concurso. Nessa instituição, trabalhou mais de trinta anos como
professor e secretário.
Na Escola Normal Superior, conheceu Georges Lesèvre, um ex-aluno de Lyon, que como
ele, tinha-se atrasado no ingresso à escola, por ter participado da resistência francesa
durante a guerra. Através dele, Althusser entra para a juventude republicana e também por
meio dele, vai conhecer Hélène, socióloga e militante comunista que participou da
resistência francesa durante a 2a Guerra Mundial.
Com Hélène, sua futura esposa, oito anos mais velha do que ele, vai ter sua primeira
relação sexual, aos 29 anos, experiência que o leva a uma profunda depressão, a primeira de
sua doença mental, que o fez passar alguns meses internado, no hospital Saint-Anne, em
tratamento à base de eletrochoque: sofria de psicose maníaco-depressiva.
Em 1948, entra para o Partido Comunista. Este ano também é marcado pela sua
aprovação, no exame da "agrégation" da Escola Normal Superior, tornando-se
portanto, professor titular. Nessa, sua vida intelectual foi construída, desenvolvida e
encerrada com o trágico episódio de 1980, o assassinato de Hélène.
Conheceu e conviveu com grandes pensadores de sua época, na França. Foi aluno de
Desanti e Merleau-Ponty, polemizou com Sartre, foi amigo de Lacan, Foucault e
Poulantzas, se inspirou em Cavaillès e Canguilhem, entre outros. Em seus primeiros anos
de escola, era grande conhecedor do pensamento de Descartes, Malebranche, Pascal,
Platão e um pouco de Hegel, Kant, Bachelard, Rousseau, Spinosa e Bergson. Quanto a
Marx, ao entrar para a escola, tinha pouco conhecimento, mas em pouco tempo passou a
ser um grande conhecedor de sua obra.
Em 1962, passou a colaborar no periódico "La Pensée". Com a publicação em 1965 dos
livros "Por Marx" e "Ler O Capital", é reconhecido como pensador marxista.
Althusser escreveu e publicou vários livros, artigos, notas que parte significativo só
foi a público depois de sua morte na cidade de Paris em 22 de outubro de 1990 de ataque
cardíaco.
2- Sobre a Ideologia:
As teses a que se refere o autor são: "A Ideologia é uma 'representação' da relação
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência", "a Ideologia
tem existência material" e " a ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos"
Ao afirmar que "a ideologia não tem história" o faz, segundo ele, retomando Freud em sua
proposição de que "o inconsciente é eterno", isto é, não tem história. Tomando por
eterno o que não transcende a qualquer história (temporal), mas onipresente, portanto,
A segunda observação a que o autor se refere é sobre a Repressão e Ideologia, aqui faz
observações sobre o semanário anarquista "Action", criticando a concepção anarquista,
afirmando que essa substitui a exploração pela repressão ou a exploração pensada como
uma forma de repressão, outra crítica que faz ao semanário e à própria concepção
anarquista, é a substituição da ideologia pela repressão.
Nessa polémica com os anarquistas, o autor aponta para a necessidade de uma teoria da
ideologia que mostre concretamente como funciona a ideologia em seu nível mais concreto,
no nível dos sujeitos individuais, isto é, dos homens tais como existem, em sua
individualidade concreta, em sua vida cotidiana. Portanto,
Essa tese incide "sobre o objeto que é representado sob a forma imaginária da
ideologia"; Althusser rompe com todas as conceitualizações da ideologia como "falsa
consciência". Em sua tese, o autor argumenta que o representado na ideologia são as
relações imaginárias que os indivíduos têm com a realidade e não a própria realidade.
«não são as suas condições reais de existência, seu mundo real que os
"homens" "se representam" na ideologia, o que é nelas representado
é, antes de mais nada, a sua relação com as suas condições reais de
existência. É esta relação que está no centro de toda representação
ideológica, e portanto imaginária do mundo real. É nesta relação que
está a "causa" que deve dar conta da deformação imaginária da
representação ideológica do mundo real. » Louis ALTHUSSER,
Aparelhos Ideológicos de Estado, 87
Em outras palavras, a ideologia materializa-se nos atos dos indivíduos. Para demonstrar sua
tese, utiliza a religião como exemplo da materialidade da ideologia:
«.. .a existência das ideias de sua crença é material, pois suas ideias são
seus atos materiais inseridos em práticas materiais, reguladas por
rituais materiais, eles mesmos definidos pelo aparelho ideológico
material de onde provêm as ideias do dito sujeito...
A opção de começar esse texto com a questão da ideologia foi na tentativa de deixar claro
como Louis Althusser pensa os mecânicos gerais de ação da ideologia e especificamente
nos Aparelhos Ideológicos de Estado.
A partir dessa primeira tese, nosso autor passa a denominar Aparelho repressor de Estado, o
que os clássicos designavam por Aparelho de Estado, e Aparelhos ideológicos de Estado
esta realidade da superestrutura, que faz parte do Estado, e que se distingue do aparato
repressor. É sobre a "nova" realidade, AIE, que ele se debruça para formular sua
contribuição no desenvolvimento da teoria marxista do Estado.
Antes de dar a definição do que são os Aparelhos ideológicos de Estado ele lista vários
aparelhos (aparelho escolar, familiar, religioso, político, sindical, da informação, da
edição-difusão e o cultural) e faz três observações a respeito desses aparelhos.
Primeira observação.
Segunda observação.
Terceira observação.
Essa afirmação leva Althusser a mais uma observação, a da existência de outras formas
ideológicas, além da ideologia de Estado. Ele acentua que "as mencionadas instituições
'produzam', no âmago de si mesmas e em suas práticas, certas formas de ideologia
inexplicáveis fora de suas práticas"( cfr. Louis ALTHUSSER, Sobre a Reprodução, 109).
«as ideologias secundárias são produzidas por uma conjunção de causas complexas nas
quais figuram, ao lado da prática em questão, o efeito de outras ideologias exteriores, de
outras práticas exteriores - e, em última instância, por mais dissimulados que se
encontrem, os efeitos mesmo longínquos, na realidade, muito próximo, da luta de classes ».
Ibid,110
Althusser, aqui, chama a atenção para a luta de classes e seus efeitos ideológicos
como determinantes nas relações internas entre as formações ideológicas, produto da
Ideologia Primária, e as subformações ideológicas secundárias.
Ainda sobre a presença do Partido e do sindicato proletários, no interior dos AIE, esses
travam a luta de classes nas formas legais, e a prática da luta de classes corre o risco de se
pensar a luta de classes nos limites do interior dos AIE, nos limites e nas formas legais.
Segundo Althusser, esse equívoco leva as organizações proletárias ao
colaboracionismo de classe.
«A luta de classes que impôs a presença do Partido e do sindicato proletários nos AIE
correspondentes supera infinitamente a luta de classe muito limitada que eles venham a
travar nesses AIE. Nascidas de uma luta de classe exterior aos AIE, amparadas por ela,
encarregadas de ajudá-la e ampará-la por todos os meios legais, as organizações proletárias
que figuram nos citados AIE trairiam sua missão se reduzissem a luta de classe exterior,
que se limita a se refletir sob formas muito limitadas na luta de classe travada nos AIE, a
essa luta de classe interior aos AIE. » ( Louis ALTHUSSER, Sobre a Reprodução, 123).
Essas referências à luta de classes que se trava no interior do AIE político podem ser
referências para compreensão dos vários AIE e a luta de classes, no interior desses e no
interior das instituições e organizações, que as compõem.
Por fim, é necessário relativizar e situar essas afirmações do autor, no tempo e no espaço,
final da década de sessenta e início da década de setenta do século passado na França, país
europeu de grande desenvolvimento capitalista. Isso não significa que as condições hoje
são melhores ou piores, ou que nos países subdesenvolvidos ou "em desenvolvimento" se
diferenciam ou não das afirmações apresentadas. Mas essas afirmações podem
contribuir em análises a respeito da sociedade e da luta de classes que se desenvolve no
interior dela, permitindo compreender os limites e as contribuições que a luta ideológica,
enquanto uma das formas da luta de classes, pode dar para a transformação social.
BIBLIOGRAFIA
Introdução
É bem difícil escrever sobre a vida de Deleuze. Ele era muito reservado, não deixou
nenhuma auto-biografia, não gostava de dar entrevistas. Considerava suas obras muito
mais importantes que sua vida particular. Apesar de tudo, era uma personagem muito
excêntrica, com unhas compridas e um jeito bem particular de agir e falar (por
exemplo, um período de sua vida em que sempre usava chapéu).
Sua obra pode ser separada em duas categorias: livros de conceitos (como “Diferença e
Repetição” e “Lógica do Sentido”, ambos obras primas) e livros de história da filosofia.
Apesar de ser considerado um grande historiador de filosofia, sua abordagem é diferente
dos seus companheiros, Deleuze mesmo dizia que “fazia um filho pelas costas” de cada
pensador que estudava. Sua intenção não é encontrar o “verdadeiro” Nietzsche ou
Espinosa. Não, na verdade, os pensamentos dos filósofos que estuda são usados como
ferramentas para pensar o presente e por isso reinventa os filósofos sobre os quais
admira e escreve: Hume, Bergson, Espinosa, Nietzsche, Leibniz, Kant.
Outra questão muito importante foi a sua obra em conjunto com Félix Guattari, cujo
encontro aconteceu em 1969. Anti-Édipo (1972) e Mil-Platôs (1980) podem ser
consideradas suas obras mais importantes, ambas com o subtítulo “Capitalismo e
Esquizofrenia”.
Deleuze lecionou na universidade de Vincennes até 1987 e é conhecido por ter sido um
grande professor. Seus cursos eram célebres e frequentados por uma enorme quantidade
de estudantes não matriculados que queriam conhecer o mestre dando aula (até mesmo
estrangeiros que consideravam as aulas de Deleuze um importante ponto turístico para
visitar e conhecer). Também ficou conhecido por desenvolver uma filosofia da
imanência e do desejo muitas vezes associada ao pós-estruturalismo.
Príncipe dos filósofos, Espinosa inventou o plano de imanência que se relaciona com
a substância e os atributos. Imanência teórica e prática que distingue a ética - «tipologia
dos modos de existência imanentes» — e a moral que «associa sempre a existência a
valores transcendentes». Em Espinosa, o empirismo está ligado à satisfação com a
diversidade e à rejeição das paixões mórbidas.
5- O esquema antidialéctico
O próprio conceito é uma intensidade, tal como as singularidades com que lida: um
continuum de variações. Ele mesmo sem identidade, coordena outras intensidades,
outros conceitos: «O Cogito de Descartes condensa as variações intensivas
respectivas de duvidar, pensar, ser, num co-funcionamento com consistência, não no
agrupamento comum sob um género. A verdade de um conceito é a sua consistência”.
6- A expressão, o rizoma
A imagem do rizoma, bolbo que lança raízes adventícias e cresce à superfície por
ramificações não unificadas, opõe-se à imagem clássica da filosofia «como uma
árvore» (Descartes). «Os signos trabalham as próprias coisas, ao mesmo tempo que as
coisas se desenvolvem ou se manifestam através dos signos» (Mille plateaux). O
pensamento já não ocupa um lugar exterior em relação ao mundo; reflecte sobre as
coisas, entranha-se nelas como um rizoma. Entre a forma de expressão (domínio dos
signos) e o conteúdo (domínio do concreto), a relação já não é de representação, mas
de implicação recíproca. Os signos, fluxos semióticos (não limitados à relação
significante/significado), são considerados em disposições ligadas a elementos extra-
linguísticos, fluxos extra-semióticos, práticas extra-discursivas, sem que exista
prioridade ou inferioridade.
Cada dimensão é individualizante, faz mudar o sujeito no qual ela se actualiza. Uma
vida não é um alinhamento de presentes entre nascimento e morte num presente
contínuo homogéneo; ela implica rupturas profundamente temporais, na acepção
negativa que damos a esse termo, quando, por exemplo, já não nos reconhecemos
naquele que fomos.
Diferença das diferenças, anónimo e individuante, ele mesmo sem identidade, a não
ser por diferir de si, o tempo é a multiplicidade, relação de pura diferença entre os
termos. Deleuze vai buscar a Duns Escoto o termo «hecceidade» para designar a
singularidade intensiva, a individualidade eventual, móvel e sem forma prévia.
Princípio informal de individuação, a intensidade, nascente e desvanecente, con-
funde-se com o evento — tudo o que se verifica, dimensão de emergência ainda não
distinta da que a precede. Cume de variações intensivas e diferenças singulares, em que
coexistem instantaneamente duas dimensões heterogéneas, futuro e passado,
confundindo-se nesse vazio: o tempo.
Bibliografia
1- O «estádio do espelho»
Ao aceder à ordem simbólica, supera a relação dual com a mãe, torna-se sujeito
e entra no mundo da cultura e da civilização. Em termos freudianos, pode dizer-se
que a identificação com a mãe é «primária» e que a identificação com o pai é
«secundária».
Além disso, Lacan, fiel à intuição freudiana de que as leis do sonho são
equivalentes às da poesia, vai construir uma verdadeira retórica do inconsciente.
A sua tese, que é também a do linguista Jakobson, defende que os mecanismos
de formação do inconsciente podem ser assimilados aos da linguagem segundo
duas figuras fundamentais: a metáfora — condensação, substituição -; a
metonímia - deslocamento, combinação. «A cura opera-se pela restituição das
cadeias associativas que sustentam os símbolos até ao acesso à verdade do
inconsciente.» Ela implica, então, que o paciente tome consciência de todas as
metáforas e metonímias, ou seja, do trabalho de construção fantasmagórico até
fazer emergir o significante primeiro.
Compreende-se agora todo o sentido da cura cujo funcionamento assenta
inteiramente na fala do paciente. Se o inconsciente é «a parte do discurso con-
creto que falta à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade do seu
discurso consciente», a cura não tem outro objecto senão restituir ao sujeito
«uma fala plena» que o devolva à ordem simbólica conferindo-lhe a possibilidade
de verbalizar aquilo que o seu inconsciente engendrou.
Bibliografia