O tópico que acabamos de considerar projeta um foco de luz sobre
o confuso tumultuar das paixões e sua relação com a consciência.
Pois, se seu desencadeamento é no mínimo passível de tornar-se consciente, seu manejo torna-se muito mais accessível do que comumente se imagina. A relação das emoções com o comportamento. Doutor Angélico considera o papel do conhecimento como diretivo, o da emoção como imperativo (ou ditatorial, poderíamos dizer) e o do movimento muscular como executivo. Da preponderância, portanto, da ditadura dos impulsos emocionais sobre as diretrizes racionais da cognição advém, muitas vezes, a perda do controle emocional. A consequência lógica é a adoção de um processo metódico de educação da inteligência e da vontade, aliada a um processo análogo, ainda que indireto, em relação ao apetite sensitivo, para prevenir tal descontrole, e mesmo aperfeiçoar o autodomínio. Pois, como vimos mais acima, o apetite sensitivo está por trás da paixão amor, a qual, por sua vez, desencadeia as demais. (pág. 26)
A coerência com os princípios tomistas leva-nos a crer que não basta
a influência de qualquer emoção para melhorar globalmente o desempenho, mas apenas o adequado domínio da inteligência e da vontade sobre as emoções, e o benefício que estas, uma vez bem reguladas, são capazes de oferecer àquelas, pode favorecer o desempenho humano, quer pontual, quer global. (pág. 27) Nesse particular, Tanquerey (1932) destaca os benefícios propiciados pela boa ordenação das paixões sobre a inteligência e a vontade, e em decorrência, sobre o comportamento do indivíduo. Com efeito, a inteligência ganha em capacidade de compreensão e dedicação, tanto no trabalho como no estudo, otimizando o desejo de conhecer a verdade, a facilidade em aprender e a utilização da memória. E a vontade multiplica suas energias e capacidade de decisão. Atuando em conjunto, elas terão condições de conduzirem a paixão amor às suas devidas finalidades. E este amor bem ordenado, por sua vez, facilitará enormemente a atuação do entendimento e do apetite racional. Pois, como mostra a experiência, tudo que se faz com verdadeiro amor, se faz melhor, uma vez que ele é a paixão- mestra que desencadeará o dinamismo das demais. A explicação desse fato, aliás, é simples. Corrobora o velho ditado: "a união faz a força". No caso, trata-se da união do apetite sensitivo, tanto concupiscível quanto irascível, conforme o caso, com o apetite racional, ou seja, a vontade. As faculdades superiores são, desse modo, diretamente recompensadas pelos seus esforços no autocontrole emocional. Tal processo de adequação, entretanto, reveste-se de um cunho teleológico, ou seja, tem em vista as reais finalidades do ser humano. Por essa razão, o papel da aprendizagem para o desenvolvimento da inteligência e da vontade, com sua repercussão sobre as emoções, é muito valorizado por São Tomás. (pág. 29) Para compreendermos melhor o enfoque metodológico tomista, convém antes tomar como pressuposto o modo pelo qual ele classifica os tipos de conhecimento. Alguns destes se buscam pelo afã de saber: são os especulativos. Outros se adquirem com o fim de atuar: são os práticos. Com base nisso, Brennan (1969) adota o conceito de Filosofia como ciência do conhecimento especulativo, e o de Ciência como o conhecimento de tipo experimental e prático. (pág. 39) Como consequência, quanto ao método de estudo (meios), a Filosofia baseia-se mais na simples observação, utilizando os sentidos e o raciocínio para aproveitar e analisar os dados dela decorrentes, enquanto a Ciência lança mão de instrumentos que lhe permitem ampliar ou modificar a capacidade de observação, incluindo o chamado método experimental. Este possibilita criar condições para desenvolver e aprimorar as observações, de modo a poder repeti-las quando se considerar necessário, comprovar o resultado de suas predições, e empregar o raciocínio para processar suas informações. Dependendo do objeto estudado, portanto, o enfoque mais adequado será ora o filosófico, ora o científico, ora o uso complementar de ambos. (pág. 40) São Tomás estudava a alma principalmente por meio da introspecção. Embora pouco considerada — ou mesmo contestada — por muitos dos psicólogos modernos, a introspecção foi o principal método de estudo adotado nos primórdios da Psicologia. (pág. 47) A introspecção é uma variante da observação, consistindo na análise das próprias reações interiores, conscientes ou subconscientes (estas, após treinamento). Oswald Külpe (1862-1915), considerado por Brennan (1969) como o primeiro psicólogo moderno a fazer um estudo sobre metodologia, afirma que “o experimento não pode substituir a introspecção em Psicologia, do mesmo modo que não pode substituir a observação em Física” (KÜLPE, 1895, p. 10, apud BRENNAN, 1969, p. 43). Brennan (1969, p.42) chega a afirmar que, segundo São Tomás, “a introspecção é o meio mais seguro de acesso aos dados da Psicologia”, e “a ferramenta básica” para obtê-los. De acordo com Collin (1949, p. 45), podemos definir a introspecção como “um olhar minucioso ao interior de si mesmo para examinar mentalmente um de seus atos e analisá-lo como um objeto distinto”. Não se trata, portanto, de uma tomada de consciência espontânea, mas de uma verdadeira reflexão ou um exame sobre os próprios atos mentais. (pág. 48) Naturalmente, nem São Tomás, nem os psicólogos que seguem a orientação tomista, desconsideram o valor da observação externa, como dos demais métodos científicos, tanto que vários deles se alinharam com a Psicologia Experimental, principalmente na primeira metade do século XX (cf. BARBADO, 1943). Mas, como assinala e resume Collin (1949, p. 48), o método objetivo (no sentido de ‘não-subjetivo’), apesar de “necessário e fecundo, mutila a Psicologia se pretende ser exclusivo”. Como se sabe, Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) é considerado o primeiro filósofo a formular uma doutrina sistemática sobre os processos da vida psíquica e sobre a alma propriamente dita, especialmente nos seus três livros De Anima. E é apontado como o primeiro a valorizar a observação, inclusive a introspecção, como metodologia de estudo. (pág. 49) Contribuição da Psicologia Tomista à metodologia psicológica O fim do presente estudo é analisar apenas uma dessas contribuições, a primeira de uma longa série de outras. No que consiste ela? Com antecipação de séculos, São Tomás enfrentou o problema da acessibilidade ao objeto da Psicologia acima referido, e o solucionou magistralmente ao adotar como “instrumento de pesquisa” o único disponível e capaz de observar a alma, ou seja, a própria alma.
Como Definir Objetivos com Kaizen & Ikigai: Foque, Cure a Procrastinação & Aumente sua Produtividade Pessoal (Alcance o Sucesso com Disciplina e Bons Hábitos)