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Rio de Janeiro
2016
i
Rio de Janeiro
Março – 2016
ii
iii
Banca Examinadora:
______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Sabrina Evangelista Medeiros (Orientadora)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Murilo Sebe Bon Meihy (PPGHC – UFRJ)
______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Monique Sochaczewski Goldfeld (ECEME)
______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Alexander Zhebit (PPGHC – UFRJ) (Suplente interno)
______________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Verônica Moreira dos Santos Pires (UVA) (Suplente externo)
iv
Agradecimentos
Resumo
O Choque do Petróleo foi um dos eventos da década de 1970 que contribuiu com a visão
de um mundo interdependente no que diz respeito ao comércio e à política internacional do
petróleo e inseriu a preocupação com a segurança da energia na agenda internacional para os
Estados produtores, consumidores e mais as grandes companhias ocidentais que exploravam
que exploravam o recurso no Oriente Médio e no Norte da África através dos regimes de
concessão estabelecidos no início do século XX.
A Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) foi fundada em
1968 por Arábia Saudita, Kuwait e Líbia, e até 1973 já contava com 10 países árabes associados.
A entidade foi criada com o intuito de estabelecer diretrizes de cooperação regional e
intragovernamental entre os seus membros, buscando políticas comuns para o melhor
desenvolvimento da indústria petrolífera dos países associados. A instituição da OPAEP, na
época, foi a concretização de uma política pan-árabe para coordenação do petróleo dos países
da região, pois tais Estados buscavam estabelecer diretrizes independentes das empresas
estrangeiras que atuavam na região.
A OPAEP desempenhou um papel relevante na Guerra do Yom Kippur, em outubro de
1973 (a quarta guerra árabe-israelense desde a fundação de Israel em 1948), quando determinou
cortes progressivos de produção de petróleo para os países neutros no conflito e impôs um
embargo total sobre os aliados de Israel no conflito, em especial para os Estados Unidos da
América (EUA), considerado pelos árabes como um dos principais parceiros do Estado
israelense. Além da interrupção do fornecimento, os produtores de petróleo estabeleceram um
preço muito mais alto do que a média histórica até aquele momento alterando
significativamente as condições do mercado petrolífero mundial.
O Choque do Petróleo de 1973, derivado da Guerra árabe-israelense, trouxe a discussão
sobre a segurança da energia para o âmbito internacional tanto para os países dependentes da
importação do recurso quanto para aqueles produtores e exportadores do mesmo, posto que,
enquanto um procura manter a segurança da oferta o outro busca a manutenção da segurança
da demanda, configurando, desta forma, uma situação de reponsabilidade compartilhada para
que a continuidade do fluxo do petróleo, enquanto suprimento para a energia e a indústria, seja
mantido.
Abstract
The Oil Shock was one of the events of 1970´s that contributed to the vision of an
interdependent world with regard to trade and international oil politics and inserted the concern
about energy security on the international agenda for the producing states, consumers and most
Western major companies that exploited the oil resource in the Middle East and North Africa
through the concession regimes established in the early twentieth century.
The Organization of Arab Petroleum Exporting Countries (OAPEC) was founded in
1968 by Saudi Arabia, Kuwait and Libya, and until 1973 had grown to 10 Arab members. The
entity was created with the aim of establishing regional cooperation and intra-governmental
guidelines among its members, seeking common policies for better development of the oil
industry in the associated countries. The institution of OAPEC, at the period, was the realization
of a Pan-Arab policy for coordination of oil produced by the countries in the region, such States
sought to establish guidelines independent from the foreign companies operating in the region.
OAPEC has played an important role in the Yom Kippur War in October 1973 (the
fourth Arab-Israeli war since Israel's founding in 1948), when determined progressive cuts on
their oil production for the neutral countries in conflict, and imposed a total embargo on Israel's
allies, especially to the United States of America (USA), considered by Arabs as a major partner
of the Israeli state. In addition to the disruption of supply, oil producers have established a much
higher price than the historical average until that time, changing significantly the conditions of
the world oil market.
The 1973 Oil Shock, derived from the Arab-Israeli War, has converted the discussion
about energy security to the international level for both dependent on oil importing and for
those producers and exporters countries. While the first group seeks to maintain safety of the
supply, the other tries to maintain the security of demand, configuring, in this way, a situation
of shared responsibly to the continuity of oil flow, as an important supply to the energy and
industrial sectors to be maintained.
Sumário
Lista de abreviações ........................................................................................................... x
Introdução........................................................................................................................ 11
Lista de Abreviações
Introdução
Esta dissertação tem por objetivo examinar as causas e os efeitos do Choque do Petróleo
de 1973 a partir de uma análise comparativa das estratégias políticas adotadas pelos Estados
Unidos da América (EUA), pelas grandes companhias de petróleo e pelos países membros da
Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP). Nesse período, o interesse
desses atores e a necessidade de assegurar o acesso ao petróleo estabeleceram uma relação de
dependência em relação ao mesmo pelas partes aqui propostas. Desse modo, o estudo
comparativo levará em consideração a importância que o petróleo assumiu como elemento de
estratégia política e como o mesmo influenciou o comportamento dos atores envolvidos na
questão do petróleo.
O acesso ao petróleo tornou-se importante tanto por sua capacidade de gerar energia
através de seus derivados, por meio da queima de combustíveis em caldeiras, turbinas e motores
de combustão interna, quanto pela sua capacidade industrial para a fabricação de diversos
produtos, como plástico, sintéticos, remédios, fertilizantes e uma gama de outros que podem
ser produzidos através do petróleo. Por conta de sua capacidade de geração de riquezas e ao
mesmo tempo seu condicionante geográfico – Já que as grandes reservas de petróleo não se
encontram disponíveis em todas as regiões do planeta – o recurso também recebeu o epíteto de
“ouro negro”.
O método comparativo elaborado pelo historiador alemão Jürgen Kocka em sua obra
Comparision and Beyond, que preconiza o estudo de processos de influência mútua entre os
atores envolvidos na comparação, será utilizado como metodologia comparativa no
desenvolvimento deste trabalho. A discussão da pesquisa ocorre considerando o petróleo como
o centro ora de disputas, ora de cooperação entre as partes, que por sua vez são atores que
gravitam em torno do “ouro negro” com interesses distintos que se cruzam e entram em conflito
à medida que um ou outro ator procura controlar a política internacional do petróleo. Dessa
forma, serão considerados para o desenvolvimento e resultado deste trabalho as querelas entre
as partes aqui comparadas pela autonomia e legalidade sobre a produção, sobre a influência na
determinação dos preços e sobre o controle das grandes reservas da OPAEP e da OPEP; os
interesses em jogo na questão do petróleo; e o conceito de segurança energética sob o ponto de
vista dos atores securitizadores: companhias, países consumidores e produtores do recurso.
12
A imposição da vontade de uma unidade política sobre outra, partiria, de acordo com o
autor da capacidade de empreender os recursos que a unidade detém. No que tange ao termo
“unidade política”, esta pesquisa o compreenderá como sendo um ator ou grupo de atores que
detém políticas em comum relacionadas ao controle do petróleo, sendo eles Estados, empresas
ou um bloco de Estados ou de empresas. Por outro lado, os recursos de poder empreendidos
pela “unidade política” para atingir seus objetivos podem ser de natureza bélica, política,
econômica, ou outra que seja capaz de atender os interesses do Estado que os aplica.
Dentro da perspectiva comparada elaborada por Kocka proposta nesta pesquisa, será
inserida uma preocupação com a questão da soberania. Para o autor neoclássico da doutrina
Realista das Relações Internacionais, Hans Morgenthau, a soberania representa a
impenetrabilidade da nação, ou seja, em um determinado território só uma nação pode exercer
a autoridade suprema e nenhum outro Estado tem o direito de realizar atos governamentais
nesse território sem seu consentimento (MORGENTHAU. 2003, p. 571,572). A abordagem de
tal premissa poderá ser observada a partir das disputas pelo controle da produção ou das
reservas de petróleo dos países árabes e pela insatisfação destes países que haviam outorgado
parte significativa de seus territórios à exploração de companhias petrolíferas ocidentais através
dos regimes de concessão. Tais regimes englobavam pagamentos de impostos e arrendamento
de terras nas quais os Estados hospedeiros tinham acesso restrito e não exerciam e abriam mão
de sua soberania por consentimento. Nesse contexto, os países do Oriente Médio (árabes e o
Irã) passaram a criar mecanismos de caráter nacionalista para se apossarem das reservas de
petróleo em seus territórios e garantir o total controle de sua capacidade produtiva interna e dos
preços de mercado, já que as exportações do recurso respondiam por parte expressiva de suas
receitas internas.
13
O Choque do Petróleo de 1973 foi um evento histórico que consolidou uma nova ordem
no comércio de petróleo, antes controlado apenas pelas companhias ocidentais e a partir
de então também pelos países produtores que passaram a decidir quantidade de
produção e preços;
Ainda neste capítulo são analisados os desdobramentos do Choque, suas consequências sobre
os Estados embargados, o aumento do preço do petróleo e que medidas os EUA adotaram para
amenizar o impacto do mesmo sobre sua economia e política para com a OPAEP. Por fim, serão
levantados três motivos anteriores ao Choque que respondem o porquê do aumento dos preços
do petróleo durante o embargo promovido pelos países árabes.
No terceiro capítulo são trabalhados aspectos ligados à segurança da energia dos atores
submetidos à comparação por esta pesquisa. O primeiro deles é a reciclagem de petrodólares,
mecanismo instituído pelos EUA em conjunto com grandes produtores de petróleo da OPEP e
da OPAEP com o desígnio de sustentar o dólar como principal moeda de transação no comércio
internacional e de manter a hegemonia norte-americana na economia mundial. Será também
abordada a criação da Agência Internacional de Energia (AIE), suas medidas emergenciais em
casos de interrupção do fluxo de energia, seu papel inicial como contrapeso à influência
exercida pelos países produtores e a importância do diálogo entre os dois lados. Ademais, ainda
neste capítulo, o conceito de segurança energética será adequado aos pontos de vista dos atores
securitizadores e também tratará sobre os riscos e o gerenciamento dos riscos inerentes à
segurança energética em suas dimensões política, econômica e geopolítica.
A abordagem do tema e dos dados apresentados nesta dissertação de mestrado têm por
base as análises de especialistas e historiadores norte-americanos, europeus e árabes e é
respaldada por documentos e estatísticas oficiais de governos, empresas e organizações
internacionais como:
Duas entrevistas concedidas pelo xeque Ahmed Zaki Yamani, ex-ministro do petróleo
saudita, na qual Yamani afirma a possibilidade de o Choque do Petróleo ter ido ao
encontro de determinados interesses do governo dos EUA:
o OPEC will play a different role in the future, says Sheikh Yamani. Business
Intelligence: Middle East. 17 de outubro de 2010. Disponível em: http://www.bi-
me.com/main.php?id=48966&t=1&c=38&cg=4&mset=1011 Acessado no dia 5 de
novembro de 2015.
o Sheikh Zaki Yamani, former Saudi oil minister denounces speculation: Different Role
for OPEC in the Future. Global Research. 17 de outubro de 2010. Disponível em:
http://www.globalresearch.ca/sheikh-zaki-yamani-former-saudi-oil-minister-
denounces-speculation-different-role-for-opec-in-the-future/21496 Acessado no dia 5
de novembro de 2015.
No que se refere aos dados estatísticos as fontes oficias consultadas foram o banco de
dados da OPAEP, da OPEP, da British Petroleum Oil Company e da Agência nacional
de energia dos EUA (The U.S. Energy Information Administration – EIA). Acessíveis
em:
o Organization of the Petroleum Exporting Countries – OPEC – Annual Statistical
Bulletin 2014. Disponível em:
http://www.opec.org/library/Annual%20Statistical%20Bulletin/interactive/current/File
Z/Main.htm
o Organization of Arab Petroleum Exporting Countries. OAPEC Energy Databank
disponível em http://oapecdbsys.oapecorg.org:8090/ords/f?p=112:8:::NO:::
o The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World
Energy 2015 workbook – Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview
Capítulo I
1
Empresa fundada por John D. Rockfeller em 1870. Chegou a deter cerca de 90% da produção mundial até 1911,
quando o congresso americano votou uma lei contra o monopólio que atingiu a companhia que levou à sua divisão
em 34 empresas concorrentes.
20
2
As referências bíblicas podem ser encontradas no livro do Gênesis 6:14 e 11:3, Êxodo 2:3 e Isaías 34:8-10.
3
The Shell bitumen handbook 5th edition, p. 3.
21
início do século XX, a saber: Henry Ford e Winston Churchill. O primeiro lançou o automóvel
movido a motor de combustão interna em 1908. Pode-se dizer que antes de Ford havia os
cavalos e as charretes, depois dele, havia o automóvel (PHILBIN. 2006, p. 63). Já Churchill,
enquanto primeiro lorde do almirantado britânico tomou uma decisão estratégica ao substituir
o carvão produzido nas ilhas britânicas (principalmente no País de Gales) por combustível
derivado de petróleo para abastecer a Royal Navy. O lorde britânico havia percebido que se os
navios fossem abastecidos com tal combustível a Marinha Real se manteria superior técnica e
estrategicamente à marinha do Império Alemão que passava por um rápido desenvolvimento.
Conforme retratado pelo próprio Churchill, o petróleo era um recurso de extrema importância
para a modernização da força naval britânica no que se referia à velocidade, abastecimento,
poder de fogo e maior manobrabilidade dos navios:
4
Grandes companhias petrolíferas que acordaram dividir a exploração de hidrocarbonetos em contexto global,
definindo preços e produção. A saber: Royal Dutch Shell; Anglo Persian Oil Company, atual British Petroil;
Standard Oil of New Jersey, depois EXXON; Standard Oil of New York, depois MOBIL (Estas duas últimas
empresas atualmente fundidas formam a atual EXXON-MOBIL); TEXACO; Standard Oil of California, tornou-
se mais tarde Chevron e funidiu-se com a TEXACO; e Gulf Oil, absorvida pelo grupo Chevron – TEXACO.
Atualmente as sete irmãs são apenas quatro: EXXON-MOBIL; Chevron-TEXACO; Shell; e British Petroil.
23
1953), a Crise do Canal de Suez (1956), e a Guerra dos Seis Dias (1967). Também são
discutidos tópicos relacionados a criação de duas organizações internacionais intensamente
atuantes nas crises do petróleo, a saber a Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP) e a Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP).
O estudo das crises que antecederam 1973 é considerado indispensável para o
desenvolvimento desta pesquisa, pois a análise das mesmas é importante para elucidar como o
petróleo se tornou uma questão de interesse político, econômico e de poder para os EUA, as
grandes companhias petrolíferas ocidentais e para os Estados árabes. Todavia, a chance da
existência de tais crises provavelmente não seria possível se não existissem os regimes de
concessão.
1. Os regimes de concessão
Até 1970, os países de economia industrializada tais como os EUA, a Grã-Bretanha e a
França tinham certa facilidade em obter o petróleo produzido no Oriente Médio, pois a
exploração de petróleo ocorria através dos regimes de concessão, pelo qual o país produtor
vendia o direito de exploração de uma parte de seu território às grandes companhias do setor
que eram, sobretudo, originárias e representativas dos países industrializados ou até mesmo
consideradas como agentes ou instrumentos do imperialismo ocidental (AL-SOWAYEGH.
1984, p. 95). Uma vez que a concessão havia sido obtida, o governo do país concessionário não
tinha nenhum controle sobre como os recursos deveriam ser desenvolvidos, sobre a quantidade
de petróleo prospectada, ou o a que preço o mesmo deveria ser comercializado.
A incursão das companhias ocidentais na região ocorreu basicamente após a primeira
descoberta significativa de petróleo do Oriente Médio na Pérsia (que passou a ser conhecida
como Irã a partir de 1934) na margem leste do Golfo Pérsico em 1908, onde o governo britânico
e um grupo de investidores estabeleceram uma companhia nacional de capital aberto, a Anglo-
Persian Oil Company (APOC), com a finalidade de obter o controle sobre a exploração de
hidrocarbonetos no local. Pouco tempo depois da fundação da Anglo-Persian, no ano de 1911,
Winston Churchill anunciaria a substituição do carvão mineral por combustível derivado de
petróleo para abastecer a Royal Navy, o que incluiu de fato o Irã na órbita dos interesses
britânicos.
Desde o primeiro ano de exploração em terras persas os resultados da APOC
mostraram-se promissores, pois além de abastecer a Grã-Bretanha, seus barris de petróleo eram
comercializados com outros países europeus e até mesmo com a longínqua Austrália. Somado
24
a isto, em 1912 a APOC financiou a construção da maior refinaria de petróleo de seu tempo em
Abadã, com o intuito de transportar o petróleo produzido no irã já refinado para seus diversos
destinos comerciais no exterior (KINZER. 2003, p. 49).
Nos anos anteriores a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha mantinha tratados com
alguns países (como Irã, Iraque, Kuwait, Bahrein e Arábia Saudita) com uma cláusula de
nacionalidade que determinava a preferência britânica para concessões de exploração de
petróleo na região. A intenção original era manter a Alemanha afastada do desenvolvimento de
recursos petrolíferos do Golfo Pérsico, mas na década de 1930 o principal efeito foi o de limitar
a penetração dos EUA na região. Embora nem o governo britânico, nem a APOC (futura Anglo-
Iranian Oil Company que mais tarde seria rebatizada de British Petroleum Oil Company)
acreditassem que a Península Arábica tivesse boas perspectivas de petróleo, eles ainda queriam
manter os concorrentes fora do que eles consideravam como esfera de influência da APOC e
sobretudo da própria Grã-Bretanha.
A primeira descoberta de petróleo em terras árabes aconteceu no Bahrein em 1920, no
entanto, o primeiro campo de petróleo de grandes proporções foi encontrado em Kirkuk no
Iraque em 1927. Esse achado, vinte e um anos após os britânicos se estabelecerem no Irã, gerou
grandes expectativas quanto à exploração de territórios do mundo árabe. A exploração na
Arábia Saudita, um dos principais produtores de petróleo do Oriente Médio atualmente, só foi
iniciada em 1933 após rei Ibn Saud conceder os direitos de prospecção a companhia norte-
americana Standard Oil of California (SOCAL). As perfurações tiveram início no ano de 1935
e só passaram a produzir petróleo em escala comercial a partir de 1938 (SIMONS. 2005,
p.24,27,28).
A SOCAL enfrentou dificuldades de naturezas diferentes para trabalhar no reino
saudita. A primeira foi a cláusula de nacionalidade que favorecia aos interesses britânicos, a
segunda foi a indisponibilidade de capital o suficiente para explorar sozinha a vasta extensão
do terreno arenoso do deserto saudita, o que levou a empresa a vender parte dos seus direitos
de concessão para viabilizar o andamento do negócio.5 Um outro obstáculo para a aprovação
da concessão aprovada por Ibn Saud estava ligada a orientação religiosa dos clérigos locais
5
Em 1936 a companhia da Califórnia vendeu 50 por cento dos direitos de concessão a também norte-americana
Texas Company, atual TEXACO, e em 1944, a empresa foi rebatizada como Arabian American Oil Company, ou
ARAMCO. Em 1948 a Standard Oil of New Jersey (SONJ) e a Standard Oil of New York (SONY) – precursoras
da EXXON e da MOBIL que em 1999 se fundiram formando a atual EXXON-MOBIL – passaram a fazer parte
do grupo de companhias com direitos de prospecção de petróleo em território saudita. Essa sociedade anônima foi
dividida em quatro partes: A SOCAL, a TEXACO e a SONJ com 30 por cento dos direitos de concessão, cada
uma, e a SONY com 10 por cento.
25
rigidamente religiosos com base nos preceitos islâmicos do sunismo wahabbista6. Empreender
uma negociação com uma empresa secular ocidental estadunidense requereria uma justificativa
religiosa por parte da monarquia saudita para fundamentar a legitimidade das negociações com
os “infiéis”. A justificativa veio através da citação pública, durante o período de orações diárias,
da surata corânica 1097 que trata sobre os “incrédulos” (AL-RASHEED. 2010, p.87,88).
Alnasrawi (1991, p. 13,14) chama a atenção para quatro fatores fundamentais
relacionados ao regime de concessões: O primeiro é que os governos dos Estados
concessionários recebiam uma espécie de royalties, de aproximadamente vinte e quatro
centavos por barril de petróleo, nas décadas anteriores a 1950, independentemente do valor que
o mesmo era comercializado no mercado.8 O segundo refere-se a extensão dos territórios
comprados. De acordo com o autor, nos casos do Iraque e do Kuwait, as empresas ocidentais
conseguiram o direito de explorar qualquer parte do país, já na Arábia Saudita, as empresas
poderiam explorar em quase todo território, salvo algumas áreas. O terceiro fator está
relacionado com a criação de companhias de propriedade conjunta para exploração local que
eram gerenciadas pelas empresas que obtiveram a concessão dos governos da região. Por fim,
o último fator importante era a extensão da estimativa da duração das concessões – o que
incluía até mesmo o Irã, que mesmo não sendo um Estado árabe estava sujeito às mesmas
condições para exploração de petróleo em seu território – como pode ser visualizado no quadro
abaixo:
6
O wahabismo foi um movimento político-religioso iniciado no século XVIII defendido por Muhammad Ibn Abd
al-Wahhab, que tinha por objetivo construir um Estado sunita sob os preceitos de um islã renovado. O wahabismo
não somente reconhece a existência de um único Deus, mas também faz aplicar estritamente as prescrições que
ele fez conhecer através das suas revelações por meio do alcorão (SOURDEL, Janine; SOURDEL, Dominique.
1996, p. 847,848).
7
Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.
1 Dize: Ó incrédulos,
2 Não adoro o que adorais,
3 Nem vós adorais o que adoro.
4 E jamais adorarei o que adorais,
5 Nem vós adorareis o que adoro.
6 Vós tendes a vossa religião e eu tenho a minha. (Alcorão surata 109).
8
Entre 1908 e 1950 o maior valor de venda do barril de petróleo foi US$ 3,07 em 1920 e o menor foi US$ 0,61
em 1910 e 1911. A média do referido período ficou em US$ 1,26. Ver The British Petroleum Company – BP –
British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook – Disponível em:
http://www.bp.com/statisticalreview – Acessado no dia 21 de setembro de 2015.
26
Os acordos 50/50 foram o primeiro passo para que os países do Oriente Médio,
especialmente os árabes, tivessem uma maior participação nos negócios envolvendo petróleo
em seus territórios. Todavia, a utilização do petróleo como instrumento político na região
ocorreria pela primeira vez não em um país árabe, mas no solo persa do Irã.
Bretanha à Corte Internacional de Justiça (CIJ) em maio de 1951, e em julho de 1952 a CIJ
legitimou a petição inglesa, 9 porém Mossadegh retorquiu à decisão argumentando que esta não
era legítima e que atitude de nacionalizar a AIOC era uma deliberação soberana e interna do
Estado iraniano.10
Após a nacionalização da AIOC o governo britânico chegou a considerar uma
intervenção armada em Abadã, na fronteira sudoeste com o Iraque onde operava uma das
maiores refinarias de petróleo do mundo na época, mas a resposta britânica foi dada no campo
econômico. Um embargo total foi aplicado à importação de petróleo proveniente do Irã; o
Banco da Inglaterra suspendeu recursos financeiros e congelou bens e ativos iranianos em posse
de instituições financeiras britânicas. Ademais, os portos iranianos foram bloqueados de forma
que quaisquer petroleiros que saíssem do Golfo Pérsico seriam presos, impedindo assim que o
Irã pudesse comercializar seu principal produto e ao mesmo tempo sufocando a economia local.
A resposta enérgica dada por parte do governo britânico não estava ligada somente a sua
necessidade de petróleo ou aos prejuízos financeiros da empresa, mas principalmente porque a
nacionalização da AIOC ameaçava diretamente a saúde da economia britânica ainda em fase
de recuperação menos de uma década após o fim da Segunda Guerra Mundial. Além disso,
havia também a necessidade de evitar que a ação do governo iraniano estabelecesse precedente
para os outros países da região onde a Grã-Bretanha encontrava-se presente (YERGIN. 2010,
p. 516-520).
Enquanto os britânicos possuíam interesses baseados na posição estratégica do Irã como
importante fornecedor de petróleo para abastecer a economia e a marinha britânica, os EUA por
sua vez percebiam a crise pelo viés da Guerra Fria. Seu principal objetivo era agir de modo a
evitar que o Irã fosse submetido aos interesses soviéticos, principalmente por conta da
proximidade do partido Tudeh com Moscou. Os interesses comerciais também se faziam
presentes, visto que os americanos estavam cientes da abundância de petróleo existente na
região do Oriente Médio, o que incluía o Irã na órbita de interesse tanto do governo quanto das
companhias petrolíferas norte-americanas. Para os EUA a preocupação de nível político se
sobrepunha aos interesses econômicos, visto que a contenção à União da Repúblicas Socialista
Soviéticas (URSS) era o foco principal da política externa de Washington. O interesse chave
9
International Court of Justice: Anglo-Iranian Oil Co. (United Kingdom v. Iran), 22 de julho de 1952. Disponível
em: http://www.icj-cij.org/docket/index.php?sum=82&p1=3&p2=3&case=16&p3=5 Acessado em 18 de julho de
2014.
10
Documentário The Epic of Black Gold: Oil Nationalism. Entre os minutos 17:20 – 17:40. disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=RjeDe1WDKsk Acessado no dia 17 de julho de 2014.
29
era salvar o Irã da esfera de influência comunista, pois se o Irã sucumbisse a tal ideologia, outros
países do Oriente Médio poderiam seguir pelo mesmo caminho e ficar concentrados na órbita
de influência soviética. Os EUA procuravam se comportar como uma nação anti-imperialista e
acreditavam que os britânicos deveriam enfatizar menos e restringir mais suas políticas desse
tipo para evitar o colapso do Irã. Além disso, os norte-americanos acreditavam que Mossadegh
representava no Oriente Médio um bastião de suma importância na luta contra a difusão da
ideologia comunista na região (BYRNE. In: MÖCKLI, Daniel; MAUER, Victor. 2011, p. 145).
Diante da pressão dos negociadores estrangeiros representantes da AIOC e dos
governos britânico e estadunidense, Mossadegh mostrara-se irredutível a qualquer concessão
ligada a desnacionalização da Anglo-Iranian e em outubro de 1951 expulsou do país todos os
britânicos remanescentes que ainda trabalhavam em Abadã. Até então, o Primeiro-Ministro
iraniano tinha força o suficiente para colocar a opinião pública contra a influência estrangeira
na exploração dos recursos do país, além disso, Mossadegh demonstrava indiferença perante o
embargo imposto pela Grã-Bretanha à comercialização do petróleo iraniano e dizia que “até
onde sabia, o petróleo poderia permanecer no solo para o uso das gerações futuras” (YERGIN.
2010, p. 525). Apesar do menosprezo demonstrado por Mossadegh o embargo britânico causou
um período de sérias dificuldades para o Irã, pois o país dependia das receitas provenientes do
petróleo para movimentar sua economia. Ademais, a instabilidade econômica encaminhava o
país à desordem social e ao enfraquecimento do capital político do Primeiro-Ministro que
passou a enfrentar a pressão de seus opositores internos. Para se assegurar no poder, Mossadegh
usava de prerrogativas autoritárias, devido ao enfraquecimento de sua liderança em âmbito
nacional.
Com o intuito de conservar a todo custo a nacionalização da AIOC, Mossadegh iniciou
uma aproximação com o partido Tudeh, e isto passou a preocupar a administração do presidente
Harry Truman dos EUA, que acreditava que as ações do líder iraniano consequentemente
conduziriam o Irã a uma aliança com a URSS. Foi neste contexto que a CIA (Central
Intelligence Agency) e o MI6 (Military Intelligence Section 6) 11 conduziram a operação Ajax
entre julho e agosto de 1953 com finalidade de destituir Mossadegh do poder. Ao final de
agosto, Mossadegh foi exonerado, o Xá retomou o poder e nomeou o general Fazlollah Zahedi
como o novo Primeiro-ministro do Irã. A recondução do Xá ao poder representou a instalação
11
Agências de inteligência e espionagem dos EUA e da Grã-Bretanha.
30
12
As dimensões do Canal tiveram que ser ampliadas ao longo dos anos até 1956. Em agosto de 2015 o Canal foi
reinaugurado após passar por nova reforma para se adequar ao desenvolvimento dos navios que por ele trafegam.
Suez Canal Authority. Disponível em: http://www.suezcanal.gov.eg/
32
a solução mais adequada para construir a barragem era buscar um empréstimo internacional
junto aos países desenvolvidos.13
Inicialmente os EUA e a Grã-Bretanha se comprometeram a financiar a construção da
barragem, porém em julho de 1956 ambos os países rejeitaram conceder auxílio financeiro por
considerarem a aproximação do Egito com o bloco soviético contrária ao objetivo de conter o
avanço comunista sobre o Norte da África e o Oriente Médio, já que o Estado africano detinha
um alto nível de influência política na região. No ano anterior o Egito havia fechado diversos
acordos com países de regime comunista como um pacto de comércio de armas com a
Tchecoslováquia e a URSS, bem como um acordo de exportação de algodão para a China. A
rejeição anglo-americana contribuiu para que os laços entre Egito e URSS se estreitassem.
Em julho de 1956, como retaliação ao compromisso não cumprido por parte dos
americanos e britânicos, Nasser anunciou a nacionalização da Companhia do Canal de Suez.
Yergin (2010, p.542) explica que este não foi o único motivo para a nacionalização da
administradora da passagem marítima, pois o Canal de Suez era uma rota pela qual diariamente
trafegava uma quantidade imensurável de riquezas a qual o Egito não tinha acesso. Assim, no
início de 1956 o governo egípcio chegou a pleitear junto à Companhia do Canal de Suez um
pacto de divisão de lucros no molde dos pactos 50/50 entre empresas do setor de petróleo e
Estados produtores do recurso, porém o pleito não foi atendido pelos administradores do Canal.
Para os britânicos, a atitude do governo egípcio traria prejuízos financeiros no que se
referia ao comércio com os países da região e impactaria no preço do petróleo importado dos
campos da BP no Irã, visto que os navios petroleiros levariam mais tempo no mar antes de
chegar a Europa para abastecer o mercado local, pois precisariam passar pelo sul da África para
chegar até o continente. Já os franceses acirraram a animosidade existente com o Egito no
período, pois percebiam em Nasser um líder que se opunha ao controle francês sobre a Argélia.
Para o governo da França, Nasser era um dos principais responsáveis por instigar os argelinos
pela busca de sua independência.
A primeira atitude tomada pela Grã-Bretanha foi o congelamento dos ativos financeiros
egípcios nos bancos do país. Além disso, considerava como providencial a execução de uma
intervenção armada na zona do Canal como resposta imediata ao desafio imposto pelo
presidente do país africano. Uma atitude similar havia ocorrido três anos antes após a
nacionalização da AIOC no Irã.
13
Documentário Modern Marvels: Suez Canal. Entre os minutos 32:40 – 34:10. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=joDHHrWRL6E Acessado no dia 13 de agosto de 2014.
33
O governo dos EUA, cujo presidente era Dwight Eisenhower, um ex-general que havia
servido seu país na Segunda Guerra Mundial, embora reprovasse a aproximação entre o Egito
e a URSS, se mostrou contrário a uma intervenção militar conforme pretendiam seus aliados
europeus, pois julgava que tal ação poderia inflamar todo o Oriente Médio e enfraquecer a
posição norte-americana na região, o que possibilitaria ganhos políticos para URSS e resultaria
no possível crescimento do radicalismo árabe alimentando a pregação pan-arabista de Nasser.
Além disso, os americanos preocupavam-se em não atrelar sua política externa aos interesses
imperialistas das potências europeias. Os EUA entendiam que uma intervenção armada no
Egito renderia ganhos políticos para os soviéticos e concentraram seus esforços em resolver a
crise por vias diplomáticas, se posicionando de forma contrária a qualquer tipo de intervenção
armada no país.
A nacionalização do Canal de Suez aproximou diplomaticamente Grã-Bretanha, França
e Israel. Entre os dias 22 e 24 de outubro de 1956 representantes do alto escalão dos governos
britânico, francês e israelense se reuniram em Sèvres, na França, a fim de discutir um pretexto
para desencadear um ataque sobre o Egito com a pretensão de retomar o controle sobre o Canal
e derrubar Nasser do poder. França e Israel já possuíam um acordo militar desde 1954 através
do qual o país europeu fornecia armamento aos israelenses em troca de auxílio na questão
argelina. Para Israel, o acordo trilateral era conveniente porque este país se sentia ameaçado
pela ascensão do regime nasserista e o comando militar israelense acreditava que a melhor
opção era iniciar uma guerra preventiva contra o país africano atraindo-o para um conflito
armado antes que tal nação estivesse militarmente preparada. Já a relação anglo-israelense
encontrava-se bastante tensa no início dos anos 1950. O ponto principal da inquietação
diplomática entre os dois países eram as discordâncias em relação à questão árabe-israelense,
de modo que os britânicos só aceitaram participar da operação conjunta com Israel porque este
último poderia providenciar o pretexto necessário para uma intervenção militar na região do
canal de Suez (CAMARGO. In: MAGNOLLI, Demétrio. 2008, p. 436).
No dia 29 de outubro de 1956 Israel atacou a região do Sinai, no dia seguinte a Grã-
Bretanha e a França lançaram um ultimato às duas partes do conflito e no dia 31 iniciaram suas
próprias campanhas militares. A intervenção no Egito provocou reação dos EUA e de parte da
comunidade internacional que reagiu convocando uma reunião extraordinária da Assembleia
Geral da Organização da Nações Unidas (ONU) para pressionar por um cessar-fogo imediato.
No dia 5 de novembro as forças israelenses asseguraram controle sobre o Sinai e
fecharam o estreito de Tiran na saída do golfo de Ácaba para o Mar Vermelho. As forças
34
europeias, por sua vez, assumiram o controle de Port Said e Port Fuad próximo ao Mar
Mediterrâneo, cercando as partes norte e sul do Canal, no entanto, encurralado em ambas as
extremidades, Nasser impediu o tráfego marítimo por Suez afundando dezenas de navios
carregados de materiais pesados como pedras e cimento interrompendo o escoamento de
petróleo para a Europa (YERGIN. 2010, p. 552).
Durante a crise do Suez e a interdição do Canal pelo presidente Nasser, a situação foi
agravada porque ocorreram reações de apoio a causa egípcia em outros Estados árabes como
no Kuwait e na Síria. No primeiro ocorreram sabotagens nos dutos que transportavam petróleo
para os portos no Golfo Pérsico e no segundo houve explosões de oleodutos que levavam
petróleo do Iraque para o Mediterrâneo. Já a Arábia Saudita, apesar das diferenças políticas
com o regime nasserista aplicou um embargo dos seus carregamentos de petróleo para a Grã-
Bretanha e a França e cortou relações com ambos os países.
14“Memorandum of Discussion at the 303d Meeting of the National Security Council, Washington, November 8”.
In: Foreign Relations of the United States, 1955–1957, Suez Crisis, July 26–December 31, 1956, p. 1833-
1834.Volume XVI.
35
5. Nasce a OPEP
As crises no Irã e no Egito podem ser consideradas como dois exemplos de
contrariedade dos governos de países do Oriente Médio em relação à presença de companhias
36
estrangeiras em atividades vitais da economia dos países da região. Somado a isto, percebe-se
em ambas as ocasiões que o regime de concessões gerou uma série de descontentamentos por
parte dos países concessionários que pretendiam rever contratos previamente firmados, ter uma
participação mais ativa na produção de petróleo bruto, influenciar na definição do preço do
petróleo e, sobretudo, receber uma compensação financeira equivalente ao lucro obtido pelas
empresas estrangeiras.
Após uma série de negociações entre governos e empresas a divisão de lucros em alguns
países ficou em 50% para os dois lados. Os acordos 50/50 foram o primeiro passo para que os
países do Oriente Médio, especialmente os árabes tivessem uma maior participação nos
negócios envolvendo petróleo (YERGIN. 2010, p. 504-507). O princípio 50/50 contribuiu com
o aumento das receitas internas dos países do Oriente Médio, todavia não lhes assegurava poder
de decisão capaz de influenciar na definição do preço do barril de petróleo no mercado
internacional.
No dia 10 de setembro de 1960, representantes da Arábia Saudita, Venezuela, Irã,
Iraque, Kuwait e Catar (na qualidade de observador)15 reuniram-se em Bagdá para encontrar
soluções com o intuito de impedir a redução unilateral do preço do petróleo provocada pelas
grandes companhias. Estes países, com exceção do Catar, detinham um peso político muito
grande pelo fato de suas reservas de petróleo em conjunto representarem o equivalente a 72%
das reservas mundiais no período16. Quatro dias depois da reunião na capital iraquiana foi
anunciada a criação da OPEP, a primeira organização internacional com o objetivo de coordenar
e unificar as políticas de petróleo dos seus membros e de determinar os melhores meios de
salvaguarda dos seus interesses individuais e coletivos. Segundo al-Sowayegh (1984, p. 32-33)
a criação da OPEP está diretamente ligada aos cortes unilaterais do preço do petróleo praticado
pelas grandes companhias internacionais em 1959 e nos primeiros meses de 1960, resultando
em prejuízo financeiro para os países produtores, que desde a primeira redução haviam
advertido às empresas ocidentais a não fazerem alterações sem consulta prévia aos países onde
operavam.
15
O Catar viria a se tornar membro efetivo em 1961. Outros Estados que se tornaram membros da OPEP foram:
Líbia (1962) Indonésia (1962-2009), Emirados Árabes Unidos (1967), Argélia (1969), Nigéria (1971), Equador
(1973-1992, retornando em 2007), Gabão (1975-1994).
16
Organization of the Petroleum Exporting Countries – OPEC – Annual Statistical Bulletin 2014. Disponível em:
http://www.opec.org/library/Annual%20Statistical%20Bulletin/interactive/current/FileZ/Main.htm Acessado no
dia 11 de dezembro de 2015.
37
Os cortes de preços pelas empresas tiveram quatro motivos principais: o primeiro foi a
entrada da URSS no mercado petrolífero como uma importante fornecedora do recurso para o
Ocidente, especialmente para a Europa ocidental; seguido por novas descobertas na África,
particularmente na Nigéria, Argélia, Egito e Líbia; o terceiro motivo foi a política protecionista
adotada pelo governo norte-americano impondo, a partir de 1959, cotas para a importação de
petróleo a fim de proteger os produtores nacionais; e por fim, o repasse dos prejuízos de um
mercado saturado de petróleo das companhias para os países produtores. Yergin (2010, p.579-
581) explica que no período em discussão a maioria dos países produtores procurava aumentar
seus lucros através do aumento do volume das vendas. Desta forma, “havia mais petróleo à
procura de mercados do que mercados à procura de petróleo”, o que obrigava as companhias a
oferecer descontos em cima do preço formalmente fixado para garantir a venda do produto,
diminuindo, consequentemente, sua margem de lucro correspondente aos seus 50% de
participação, pois a metade pertencente aos países produtores não era afetada pelos descontos.
A OPEP em pouco tempo se tornaria uma organização com ambição de derrubar o
legado imperialista e exploratório dos contratos de concessão (uma visão de alguns dos próprios
países produtores sobre tais contratos), das esferas de influência coloniais e do controle e
dominação ocidental desenfreado da vida política e económica dos países produtores de
petróleo, visando afirmar a soberania sobre os seus próprios recursos. O Ocidente, porém, não
deu credibilidade a fundação da organização. Para os EUA, por exemplo, a OPEP havia nascido
como um organismo descreditado e desacreditado. Poucos dias depois do anúncio do
estabelecimento da organização foi a vez do jornal norte-americano The Washington Post
qualifica-la como “um briguento conglomerado de emirados, jóqueis de camelo e repúblicas de
banana”. (PUSHKALA. 1997, p.296).
De acordo com Maugeri (2006, p.86), A luta por uma maior produção se tornou um
problema real para a OPEP (e em determinadas ocasiões ainda continua sendo) e tomou forma
a partir do antagonismo político existente entre os seus membros, o que por sua vez alimentou
a indisciplina básica que se tornaria sua norma em muitas ocasiões. Se por um lado existia um
interesse de cooperação no âmbito internacional, por outro existia rivalidade e competição por
mercados e investimento estrangeiro entre os principais membros da entidade. A Arábia Saudita
e o Irã, por exemplo, por motivos culturais, religiosos e comerciais concorriam pela posição de
maior produtor do Oriente Médio e pelo status especial de mais importante aliado do Ocidente
no Golfo Pérsico, o que lhes propiciaria maiores receitas internas. As disputas entre alguns
membros da OPEP passaram a causar um efeito negativo a todos os outros, posto que o aumento
38
17
Organization of the Petroleum Exporting Countries Statute. Disponível em:
http://www.opec.org/opec_web/static_files_project/media/downloads/publications/OPEC_Statute.pdf Acessado
no dia 2 de julho de 2015.
39
Síria, onde se encontra a nascente do rio Jordão, uma das principais fontes hídricas da região
do Levante e conquistou definitivamente o Sinai, até que no dia 10 de junho de 1967 todos os
Estados beligerantes assinaram um acordo de cessar-fogo que pôs fim ao conflito. Dessa forma,
Israel provou-se militarmente superior aos seus vizinhos pelo fato de ter conseguido reverter,
em menos de uma semana, uma situação de autodefesa para uma situação de expansão, já que
anexou os territórios conquistados a sua soberania.
A Guerra dos Seis Dias, no entanto, vai além de ser mais uma conflagração entre árabes
e israelenses, mais do que isto, foi um conflito importante na história do petróleo onde pela
primeira vez os Estados árabes produtores do recurso utilizaram-no como instrumento de
política externa. Em junho de 1967, Egito, Jordânia e Síria não eram os únicos países envolvidos
no conflito. Outras nações como Iraque, Kuwait, Arábia Saudita, Líbia e Argélia também
estavam indiretamente envolvidos na guerra colaborando com os países que batalhavam contra
Israel. A crise do petróleo de 1967 foi provocada por estes Estados no dia 6 de junho (segundo
dia de guerra) quando decidiram suspender todos os carregamentos de petróleo para as nações
que davam suporte a Israel, como os EUA, a Grã-Bretanha e em menor grau a Alemanha
Ocidental. Os sauditas inclusive chegaram a suspender as operações da Trans-Arabian Pipeline,
também conhecida como Tapline, um oleoduto com mais de 1.700 quilômetros que
transportava a produção de Dhahran, na costa do Golfo Pérsico, ao porto de Sidom, no Líbano.18
A decisão dos países árabes de interromper o fornecimento do petróleo, sua principal
fonte de rendimentos, além da motivação política pan-arabista, foi influenciada por distúrbios
dentro de suas próprias fronteiras com a ocorrência de greves de trabalhadores dos campos de
petróleo, motins e sabotagens de oleodutos. Até a refinaria de Abadã, no Irã (que não é um país
árabe), foi fechada pela recusa iraquiana de continuar operando navios no canal de Shatt-al-
Arab, linha de fronteira entre os dois países, que escoava a produção da refinaria para o Golfo
pérsico (YERGIN. 2010, p. 626,627). O embargo ainda ganharia um contorno mais alarmante
com a guerra civil nigeriana no mesmo período do conflito árabe-israelense, pois apesar de a
Nigéria não fazer parte do Oriente Médio, o país detinha a posição de terceiro maior produtor
de petróleo do continente africano atrás apenas da Líbia e da Argélia que, como já visto,
estavam indiretamente envolvidas na guerra contra Israel.
O embargo de petróleo imposto pelos países árabes aos aliados de Israel não foi uma
decisão tomada por conta da guerra, mas em circunstância dela. Essa ideia de utilizar o petróleo
18
A capacidade máxima de transferência do oleoduto era de 480.000 de barris por dia, e em seu pico a Tapline
podia transportar cerca de 30 por cento do total da produção de petróleo saudita. (Kaufman 2014, p. 100).
41
em favor dos interesses dos Estados produtores da região, já havia sido elaborada desde 1959,
quando a Liga Árabe patrocinou o primeiro Congresso Árabe de Petróleo no Cairo. No entanto
a utilização do petróleo como instrumento de retaliação só ganhou força a partir do quinto
Congresso Árabe de Petróleo que também ocorreu no Cairo, em 1965, quando foi amplamente
considerada a utilização do petróleo como um instrumento político que pudesse causar prejuízos
tanto às grandes companhias do setor quanto aos Estados dependentes de importação (AL-
SOWAYEGH. 1984, p. 89).
A interrupção da produção e do fornecimento de petróleo pelos países árabes, somado
ao fechamento do Canal de Suez e de oleodutos que ligavam o Oriente Médio até o Mar
Mediterrâneo pela segunda vez em pouco mais de uma década, proporcionou que o embargo
de 1967 estruturalmente tomasse uma proporção até então desconhecida para os países
importadores, e assim como em 1956 os europeus foram os mais atingidos pelo embargo. Com
menor disponibilização de petróleo no mercado e sem a possibilidade utilizar o Canal de Suez,
a demanda pelos navios superpetroleiros cresceu a fim de baratear o preço do barril de petróleo,
que em decorrência do conflito árabe-israelense teria que utilizar o Cabo da Boa Esperança, no
sul do continente africano, como principal rota marítima para alcançar a Europa. Os EUA, por
sua vez, eram autossuficientes em petróleo e sua produção doméstica atendia a demanda
interna, ademais, dispunham de estoques suficientes para fornecer uma margem de segurança a
si próprio e a seus aliados europeus em médio prazo.
O embargo promovido pelos países árabes não surtiu o efeito desejado por dois motivos
principais nos campos político e no econômico. No campo político fracassou porque os aliados
de Israel do Ocidente não deixaram de apoiá-lo. Além disso, a suspensão de carregamentos de
petróleo não alterou a balança de poder do Oriente Médio em favor dos países árabes, muito
pelo contrário, em 1967 a vitória militar conferiu a Israel o status de maior potência militar da
região. No campo econômico a utilização do petróleo como instrumento de poder não foi
sentida porque o excedente de petróleo norte-americano disponibilizado no mercado e o
aumento da produção em outros grandes produtores membros da OPEP, como o Irã e a
Venezuela, permitiram que o suprimento fosse restituído em curtíssimo prazo gerando liquidez
de mercado e consequentemente impedindo que os preços subissem. Desse modo, se o embargo
fosse mantido os países árabes acumulariam mais prejuízos do que lucros, tornando suas
balanças comerciais negativas e perdendo receitas, já que o petróleo respondia como o principal
produto de exportação destes países. Nesse sentido, embora alguns países como o Iraque
pretendessem manter as sanções, os governos do Kuwait e da Arábia Saudita, através do seu
42
7. A criação da OPAEP
Cerca de seis meses depois da Guerra dos Seis Dias, em 9 de janeiro de 1968, a Arábia
Saudita, o Kuwait e a Líbia fundaram a Organização dos Países Árabes Exportadores de
Petróleo (OPAEP) estabelecendo sua sede na Cidade do Kuwait. Porém, a finalidade inicial,
diferentemente do embargo promovido em 1967, era manter o petróleo fora do plano político.
A criação da OPAEP foi motivada à época pelo nacionalismo árabe, pelo espírito do
pan-arabismo nasserista, pelo nacionalismo árabe e pelo interesse desses países em deter o
controle da sua produção de petróleo em detrimento de companhias internacionais do setor.
Além disso, o insucesso em usar o petróleo como instrumento de política externa durante a
Guerra dos Seis Dias impulsionou os Estados árabes a procurarem coordenar suas políticas
ligadas ao petróleo de forma coesa entre eles. Desse modo, outros países árabes do Oriente
Médio e do Norte da África se juntaram a OPAEP nos anos conseguintes somando um total de
43
11 membros na organização com a adesão de Argélia, Bahrain, Catar e Emirados Árabes Unidos
(EAU) em 197019; Iraque e Síria em 1972; Egito no ano de 1973 e Tunísia em 1982.20 Do ponto
de vista estratégico o bloco se encontra uma posição geográfica privilegiada ocupando uma
forma de cinturão alongado passando por estreitos desde o Oceano Atlântico no Ocidente até o
Golfo Árabe no Oriente, bem como do Oceano Índico através do Mar Vermelho ao
Mediterrâneo, ocupando espaços importantes dos continentes da África e da Ásia. As condições
geográficas conferiram aos países árabes na geopolítica do petróleo a posição de centro de
produção e distribuição para o Ocidente e para o Oriente (MAACHOU. 1982, p. 95).
Para Mingst (1977, p. 97), além da intenção de cooperação no que tange a política do
petróleo, o estabelecimento da OPAEP foi visto como uma necessidade entre os países árabes
se os mesmos pretendessem futuramente aproveitar sua capacidade de produção para fins
políticos, já que no âmbito da OPEP provavelmente isto não ocorreria, visto que os Estados não
árabes como a Venezuela, a Indonésia e até mesmo o Irã preferiam não se envolver nos conflitos
árabe-israelenses.
Os adeptos da OPAEP, sabendo que o petróleo era a sua fonte básica e principal de
recursos e receitas nacionais, declararam como objetivo principal da organização:
19
À época representados por Abu Dhabi, Dubai e outros emirados independentes. A unificação ocorreria apenas
em dezembro de 1971.
20
Como a Tunísia entrou na OPAEP apenas em 1982 e se retirou quatro anos depois, não serão contabilizadas as
informações referentes a este país quando neste trabalho forem contabilizados quaisquer dados referentes à
organização árabe.
44
de associação dos Estados que nela adentraram como membros em 1970. Em 1971, Mingst
(1977, p.102) e Maachou (1982, p. 45) explicam que o acordo da OPAEP foi alterado e que o
petróleo não precisava mais ser a fonte básica e principal das receitas dos membros, mas que a
partir de então o petróleo deveria apenas providenciar parte das receitas de exportação, o que
permitiu a entrada do Egito e da Síria. 21
O Egito e a Síria, embora não fossem grandes produtores ou exportadores de petróleo
desempenhavam um papel relevante na relação de interdependência no mercado regional como
importantes países de trânsito. A Síria, por exemplo, está localizada em posição privilegiada
para escoar a produção do Oriente Médio para a Europa através dos oleodutos que atravessavam
(e ainda atravessam) o país, como o Kirkuk–Baniyas que foi aberto em 1952 e escoa a produção
do norte do Iraque para o Mar Mediterrâneo22. O Egito, por sua vez, o terceiro maior produtor
de petróleo da África no início da década de 1970 – atrás apenas de Líbia, Nigéria e Argélia –
além de controlar o tráfego marítimo do Canal de Suez desde a crise de 1956, a rota mais rápida
e barata para a passagem dos petroleiros que saem do Golfo Pérsico em direção ao continente
europeu e americano, exercia desde meados da década de 1950 um papel de liderança e
influência política significativa sobre os demais Estados árabes em diversos campos, dentre os
quais o setor petrolífero.
O pedido de ingresso mais controverso da OPAEP, no entanto, foi o iraquiano, pois
países contrários à sua entrada na entidade como a Arábia Saudita, Bahrein, Catar e EAU
temiam que a influência de organizações esquerdistas em atividade no Iraque, principalmente
do partido socialista Baath, no poder desde 1968, ameaçasse os objetivos de integração
estritamente econômica e de mercado comum entre os países árabes produtores de petróleo. Por
outro lado, Líbia, Kuwait e Argélia por afinidade política davam suporte à adesão iraquiana e
decidiram não enviar representantes para reuniões da entidade enquanto houvesse oposição ao
Iraque, até que em 1972 o país foi aceito formalmente como membro do grupo. Estes três países
mais o Iraque eram vistos como “radicais” pelos outros membros pelo fato de defenderem o
uso político do petróleo como instrumento dissuasório contra os parceiros ocidentais de Israel
(MINGST. 1977, p.102).
Segundo Ahrari (1979, p.12) um dos motivos da oposição das monarquias do Golfo
Pérsico em relação ao uso do petróleo para fins políticos tinha relação com a sensação de
21
Ver também Agreement of the Organization of Arab Petroleum Exporting Countries. In: Maachou, 1982.
22
Atualmente o oleoduto Kirkuk–Baniyas não opera de forma integral visto que o mesmo foi danificado em
território iraquiano durante a invasão norte-americana no país em 2003.
45
insegurança causada pelos movimentos antimonarquistas que havia derrubado os reis do Egito
(1952), Iraque (1958) e Líbia (1969). Em sua visão, o autor argumenta que até a década de 1970
parecia haver uma relação de troca de favores entre os reinos do Golfo e os EUA. Tal
relacionamento acontecia de modo que os EUA desempenhavam um papel de garantidor da
sobrevivência destes Estados – isto é, dos regimes governamentais dos mesmos – enquanto eles
serviam como canais de segurança para os norte-americanos, Europa Ocidental e Japão. Desse
modo, de acordo com a concepção do autor, este tipo de envolvimento entre as partes pesava
em favor dos EUA e impedia que os governos da região, dependentes da proteção providenciada
por uma potência externa, influenciassem a política norte-americana a se posicionar contra os
interesses de Israel.
O interesse de usar o petróleo como plataforma de política internacional, por outro lado,
segundo Maachou (1982, p. 43,44) se sobrepunha aos objetivos de criação da OPAEP que
visavam essencialmente “providenciar um aparato institucional para um grupo de países árabes
que não haviam aprovado nem o processo de politização crescente do petróleo, nem as novas
direções em que as ações da OPEP pareciam cada vez mais estar se movendo”. Porém,
conforme afirmação de Mingst (1977, p.103), sob a influência dos novos membros, as políticas
com direcionamento para as aplicações internas entre os membros da organização passaram a
ser suprimidas por outras orientadas para o exterior, de modo a garantir os interesses de parte
dos membros fazendo uso do petróleo como “arma” em situações consideradas propícias para
esse fim.
O início dos anos 1970 propiciaria o momento oportuno para a utilização do petróleo
como arma política para a OPAEP. A queda da capacidade produtiva dos EUA, a
desvalorização do dólar e mais uma guerra entre árabes e israelenses ofereceriam a
oportunidade prática de ação estratégica por parte dos países árabes produtores do recurso.
Considerações Finais
As crises do petróleo anteriores a 1973 foram o resultado da insatisfação dos países
produtores de petróleo do Oriente Médio com os regimes de concessão acordados com as
grandes companhias estrangeiras, consideradas como representantes dos interesses ocidentais
na região. No entanto, pode-se concluir que tais regimes possuíam legalidade relativa para
vigorar nos países árabes e no Irã, pois por um lado os governos da região haviam permitido a
presença das empresas em seus territórios e, por outro, estes mesmos governos, por serem
colônias ou ex-colônias europeias no período em que as Sete Irmãs descobriram e passaram a
46
explorar reservas em suas terras não possuíam autonomia o suficiente para requerer jurisdição
sobre as áreas ocupadas antes de sua independência.
A crise no Irã, no início da década de 1950, foi importante para o desenvolvimento das
crises do petróleo e consequentemente do Choque do Petróleo porque mesmo em não se
tratando de um Estado árabe, foi o primeiro caso em que um país da região desafiou os
interesses de uma companhia estrangeira e, por conseguinte, de seu país-sede: a Grã-Bretanha.
Embora Mossadegh não tivesse condições econômicas para manter a nacionalização da AIOC
em prol dos interesses iranianos, sua atitude foi concebida por seus vizinhos como um
precedente motivador para a condução de políticas de cunho nacionalista no que se referia à
questão do petróleo para os principais produtores da região.
A Crise do Canal de Suez foi a primeira crise genuinamente árabe que causou impacto
no mercado do petróleo. O fechamento da principal rota marítima da região para a transportação
do petróleo produzido no Oriente Médio com destino ao Ocidente, em conjunto com a invasão
militar tripartite de Grã-Bretanha, França e Israel para recuperar o Canal de Suez, causaram
uma crise de abastecimento na Europa e consequentemente causou um princípio de valorização
dos preços do barril de petróleo. Sem apoio dos EUA e sob ameaça de intervenção soviética no
Egito, os países belicistas recuaram e se retiraram do país. Nesse período, os EUA assumiram
o papel de principais fornecedores de petróleo para França, Grã-Bretanha e outros países
europeus que dependiam da importação da commodity produzida no Golfo Pérsico. Dessa
forma, além da tensão natural entre norte-americanos e soviéticos na época da Guerra Fria, a
ameaça de suspensão do fornecimento de petróleo por parte do governo norte-americano para
os aliados europeus em caso de manutenção da campanha militar em território egípcio, aliado
ao temor das companhias estadunidenses de serem consideradas coniventes com a agressão ao
Egito e sofrerem restrições de outros países árabes, levaram os invasores a se retirarem e
concedeu a Nasser e ao pan-arabismo uma importante vitória política.
Na alvorada da década de 1960 grandes produtores do mundo árabe mais o Irã e a
Venezuela fundaram a OPEP, a primeira organização intercontinental de países do Terceiro
Mundo com o objetivo de fazer frente aos interesses das companhias petrolíferas e seus Estados
representantes relacionados à questão do petróleo. O principal interesse da OPEP era controlar
o nível de produção dos seus afiliados e, sobretudo, definir os preços finais de comercialização
do petróleo. Não foram encontrados indícios que a entidade pretendia utilizar o recurso como
instrumento de política externa, sua principal vontade no período em que foi fundada era
aumentar sua margem de lucros e que seus membros assumissem o comando das atividades
47
Capítulo II
O Choque do Petróleo
Considerações Iniciais
As Guerras Árabes-Israelenses e a utilização do petróleo como arma estão
subjetivamente ligadas à Questão Palestina, que desde a criação do Estado de Israel tem gerado
animosidade entre os dois povos. Para Al-Sowayegh, (1984, p.51).
“A Questão Palestina é a causa fundamental da utilização do petróleo como instrumento
político”, pois “A crise do petróleo está enraizada na questão mais ampla do conflito árabe-
israelense. O conflito é por sua vez uma consequência da mais fundamental Questão Palestina”.
Até 1973 haviam ocorrido quatro conflitos entre árabes e israelenses. O primeiro foi em
1948, ano de independência e criação do Estado israelense; o segundo em 1956 durante a crise
do Canal de Suez, nacionalizado pelo Egito e que teve impacto direto no mercado de petróleo,
já que com o fechamento do Canal o preço do barril sofreu alteração no valor, posto que no
período da crise os petroleiros tiveram que contornar o sul do continente africano, via Cabo da
Boa Esperança, para abastecer o mercado ocidental. Mas a utilização do petróleo como
instrumento político se consolidaria após o terceiro conflito em 1967.
A Guerra dos Seis Dias representou um marco para a história do petróleo. Durante o
conflito entre os países envolvidos, um grupo de Estados árabes estabeleceu um embargo de
petróleo contra os aliados de Israel, que diante de constante ameaça em suas fronteiras terrestres
e marítimas por parte do Egito, da Jordânia e da Síria, empreendeu uma ofensiva (considerada
pelo alto comando israelense como preventiva) que em apenas seis dias impôs uma derrota
esmagadora sobre os três países e alterou a balança de poder regional em seu favor. No segundo
dia de guerra, no entanto, outros países indiretamente envolvidos no conflito como Iraque,
Kuwait, Arábia Saudita, Líbia e Argélia, decidiram suspender todos os carregamentos de
petróleo para os aliados israelenses, dentre as quais os EUA, a Grã-Bretanha e em menor grau
a Alemanha Ocidental.
Cerca de seis meses depois da Guerra dos Seis Dias, em 9 de janeiro de 1968, a Arábia
Saudita, o Kuwait e a Líbia fundaram a OPAEP motivados pelo nacionalismo árabe, pelos
resultados dos congressos árabes de petróleo promovidos pela Liga Árabe e pelo interesse
desses países em deter o controle da sua produção de petróleo. Porém, a finalidade inicial,
diferentemente do embargo promovido em 1967, era manter o petróleo fora do plano político.
50
23
O Yom Kippur é um dos mais importantes feriados sagrados para os judeus do calendário judaico. Instituído
em Levítico 23:26-32 por ordem divina expressa ao profeta Moisés, o costume neste dia é abster-se de atividades
ligadas ao trabalho.
51
acordos de Trípoli e Teerã firmados entre países produtores da OPEP e as grandes companhias
de petróleo ocidentais que atuavam em seus territórios desde as concessões outorgadas pelos
Estados hospedeiros nas primeiras décadas do século XX; o impacto do término do padrão
ouro-dólar adotado em Bretton Woods em 1944; e a última razão abordada, porém não menos
importante, diz respeito a uma reunião do grupo Bilderberg organizada de forma confidencial
envolvendo representantes de governos, petrolíferas, banqueiros e de outros importantes
setores, norte-americanos e europeus, onde foi discutida a necessidade da valorização do preço
do petróleo no mercado internacional com finalidade de viabilizar a exploração de reservas em
locais de difícil acesso e com alto custo de produção, bem como diminuir seus níveis de
dependência para com o petróleo produzido nos países árabes.
24
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Resolução n. 242, de 22 de novembro de 1967. Disponível em
http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/ Acessado no dia 2 de outubro de 2014.
52
com hesitação, e Nixon e Kissinger empreenderam pouco esforço para levar a proposta adiante,
frustrando o esforço diplomático por parte do Egito25.
No dia 6 de outubro de 1973, no feriado israelense do Yom Kippur, Egito e Síria
desencadearam uma ofensiva contra Israel. Apesar de sua inferioridade militar, sírios e egípcios
procuravam criar uma situação política que permitisse forçar Israel à mesa de negociações, pois
como o Estado judeu não aceitava negociar um acordo que o fizesse se retirar dos territórios
conquistados Sadat e Hafez al-Assad, presidente sírio, entenderam que o empreendimento de
uma nova guerra era a forma mais adequada para perseguir seus objetivos políticos e
reincorporar os territórios perdidos em 1967 às suas fronteiras.
De acordo com Kissinger (1982, p. 221), a primeira-ministra Golda Meier acreditava
que Israel era militarmente inexpugnável e que após a vitória avassaladora na Guerra dos Seis
Dias a balança de poder da região pendia a favor do Estado judeu. Dessa forma, o governo
israelense acreditava que nenhum Estado hostil da região seria capaz de impor perdas
consideráveis a Israel. Meier estava disposta a iniciar conversas, embora não se comprometesse
a um resultado. Quanto ao Egito, ela estava disposta a fazer um acordo de desengajamento ao
longo do Canal de Suez como um primeiro passo em direção a uma solução definitiva. Mas ela
não iria concordar com um arranjo final de fronteiras antes do início das negociações.
A penetração das forças sírias e egípcias nas colinas de Golã e no Sinai, respectivamente,
teve suporte indireto da URSS que era um importante parceiro na venda de armamentos para
ambos os países. A URSS possuía interesses no local como a expansão de seu alcance naval e
militar através dos portos e bases da região, seu principal objetivo era ter acesso às águas
quentes do Oceano Índico e ao petróleo produzido no Golfo Pérsico. Com este fim, Moscou
buscava exportar sua ideologia ao Oriente Médio estimulando movimentos de caráter
comunista na região e bajulando regimes nacionalistas anti-israelenses. Mas, as ambições
hegemônicas soviéticas iam de encontro às americanas, que procuravam impedir a difusão dos
ideais soviéticos no local. Para tanto, mediar a paz entre árabes e israelenses era interesse
estratégico para Washington, que tinha Israel como um aliado de extrema importância para
conter o avanço do comunismo e preservar o acesso irrestrito ao petróleo da região. 26
25
U.S Depatment of State: Office of the Historian. MILESTONES: 1969–1976. The 1973 Arab-Israeli War.
Disponível em https://history.state.gov/milestones/1969-1976/arab-israeli-war-1973 Acessado no dia 2 de
outubro de 2014.
26
ASHLEY, Sean Paul. Cold War Politics in the Middle East. E-International Relations, maio 2012. Disponível
em http://www.e-ir.info/2012/08/30/cold-war-politics-in-the-middle-east/ Acessado em 30 de setembro de 2014.
53
Israel, embora possuísse superioridade militar em relação aos países vizinhos deparou-
se com uma grave situação por conta dos reveses no início do conflito. Um destacamento
conjunto de tanques sírios, jordanianos e iraquianos atacou Israel ao norte através das colinas
de Golã. Ao sul, o exército egípcio atravessou o Canal de Suez e destruiu a linha Bar Lev, onde
Israel havia edificado posições de defesa para assegurar sua posição na região do Canal. Com
a perda de cerca de 500 tanques e 49 aviões de combate Israel solicitou auxílio militar aos EUA.
No dia 9 de outubro Washington deu luz verde para que o fornecimento de armamentos
americanos para o conflito entrasse em vigor.27
Yergin (2010, p. 685) aponta que ao governo estadunidense era interessante prestar
auxílio militar de forma sigilosa para que seus parceiros comerciais árabes não fossem
insultados. Os aviões cargueiros C-5A responsáveis pela entrega suprimento bélico – com
capacidade de transportar caças e tanques de guerra – deveriam chegar em solo israelense na
madrugada do dia 13 de outubro, porém devido às más condições climáticas pousaram na
manhã do dia 14. Os árabes, embora reconhecessem a parceria estratégica entre ambos países,
decidiram reprimir a ajuda americana impondo um embargo de petróleo sobre os EUA e outros
países que apoiavam Israel. Ainda no dia 14 as forças israelenses contiveram o avanço egípcio
no Sinai e no dia 16 penetraram no território do país. A partir de então as forças israelenses
passaram a ganhar terreno também no norte, forçando o exército sírio a se retirar de suas
fronteiras e avançando rumo a Damasco.
As batalhas continuaram por mais alguns dias até que no último decêndio de outubro o
Conselho de Segurança da ONU baixou as resoluções 338 e 339 requerendo que as partes
envolvidas na guerra interrompessem o conflito, buscando força-los à mesa de negociações.28
2. O comunicado árabe
No dia 17 de outubro de 1973, onze dias após o ataque que deu início a quarta guerra
árabe-israelense, os membros da OPAEP anunciaram cortes de produção e um embargo de
fornecimento aos aliados de Israel, numa reunião realizada no Kuwait, até que os direitos do
27
Henry Kissinger. “Memorandum of conversation between Henry A. Kissinger, Secretary of State; Ambassador
Simcha Dinitz of Israel; Military Attaché General Mordechai Gur; General Brent Scowcroft, Deputy Assistant to
the President for National Security Affairs and Peter W. Rodman, NSC Staff.” In : Foreign Relations of the
United States, 1969–1976. Arab-Israeli Crisis and War, 1973, p. 392-396. Volume XXV.
28
Conselho de Segurança das Nações Unidas. Resoluções n. 338 e 339 de 22 e 23 de outubro de 1973
respectivamente. Disponível em http://www.un.org/en/sc/documents/resolutions/ Acessado no dia 8 de outubro
de 2014.
54
povo palestino fossem respeitados e os territórios conquistados por Israel seis anos antes fossem
completamente liberados.
Entre as delegações presentes na reunião, a do Iraque tinha interesse em tomar as
atitudes mais radicais contra os norte-americanos, principais aliados de Israel, como estatizar
todas as suas companhias de petróleo instaladas nos territórios dos países membros da OPAEP,
sacar todo capital árabe dos fundos financeiros norte-americanos e estabelecer um embargo
total de petróleo contra os EUA e todos os países que davam suporte a Israel. No entanto, do
ponto de vista das outras delegações presentes no encontro, tal atitude poderia trazer
consequências incertas aos Estados árabes e por isso dispensaram tomar medidas ultrarradicais.
Com a rejeição do plano iraquiano a delegação que representava o país se retirou e não
participou da elaboração do documento árabe que comunicava sobre os cortes na produção de
petróleo, que pode ser lido abaixo na íntegra:
29
Communiqué issued by the Conference of Arab Oil Ministers, Kuwait, October 17, 1973. In: SHIHATA,
Ibrahim. The case of the Arab Oil Embargo, p 75-77. O comunicado foi assinado por representantes da Arábia
Saudita, Kuwait, Líbia, Argélia, Egito, Síria, Abu Dhabi, Bahrein e Qatar. O Iraque recusou a assinar o
documento por entender que os países árabes deveriam praticar um embargo de 100% das exportações de
petróleo para os EUA.
56
O comunicado emitido pela OPAEP foi o documento oficial que deu início ao Choque
do Petróleo. al-Sowayegh (1984, p. 103) explica que a “guerra do petróleo” foi lutada pelos
países da OPAEP em três frontes distintas e complementares: redução da produção; embargo
seletivo aos países que manifestaram apoio direto a Israel intervindo diretamente na guerra
árabe israelense com ajuda logística, militar ou financeira; e aumento unilateral de preços sem
participação direta das grandes companhias petrolíferas estrangeiras que atuavam em seus
territórios. O autor ainda considera a possibilidade de abertura de um quarto “fronte de batalha”
que incluiria a nacionalização das companhias estrangeiras, mas que foi considerada de forma
particular pelos países árabes e não no âmbito da OPAEP.
3. Choque do Petróleo
O comunicado apresentado no tópico anterior expressa um sentimento de nacionalismo
e cooperação em tempos de guerra que permeava as relações entre os países árabes durante as
décadas de 1960 e 1970. Nesse sentido, a providência tomada por eles em relação ao uso do
petróleo como “arma” foi simbólica e significativa. Os membros da OPAEP anunciaram que
cortariam a produção petrolífera em 5% ao nível do mês de setembro de 1973 e continuariam
cortando a mesma porcentagem nos meses seguintes. Mas os cortes para os EUA seriam de
10%, até que Israel se retirasse dos territórios ocupados.
A determinação da interrupção gradativa da produção de petróleo ganhou maior
relevância do que os cortes mensais por si próprios, visto que no dia anterior, a cúpula dos
ministros do petróleo reunida no Kuwait anunciou o aumento unilateral dos preços de
comercialização do barril de petróleo de US$ 3,01 para US$ 5,12, o que proporcionou uma
valorização do preço do barril de cerca de 70% de valorização em único dia. Vale ressaltar que
o preço do barril era comercializado há mais de vinte anos a cerca de US$ 2,00, de forma que
tal aumento teve um sentido dramático para a época.
Mas a utilização do petróleo como instrumento político assumiria uma dimensão ainda
maior quando no dia 19 de outubro o presidente Richard Nixon anunciou um pacote de ajuda
de US$ 2,2 bilhões a Israel para pagar o equipamento militar transportado pela força aérea
americana. Segundo Kissinger (1982, p. 873), o pedido submetido ao congresso foi apresentado
“como uma rotina, em grande parte orçamental, de decisões”. Além disso, o então Secretário
de Estado norte-americano afirma não ter tomado conhecimento de nenhuma preocupação de
qualquer membro do alto escalão do governo em relação a uma reação árabe quanto ao pacote
de ajuda financeira. A reação árabe, no entanto, aconteceu rapidamente. No mesmo dia a Líbia
57
anunciou um embargo total de petróleo aos EUA. A decisão do país africano foi seguida por
Argélia e Arábia Saudita no dia 20, Kuwait, Catar e Iraque – que havia se retirado da reunião
do dia 17 – no dia 21 e por Omã (que nem mesmo era membro da OPAEP) no dia 25. O embargo
total era dirigido aos EUA pelo envolvimento no conflito ao lado de Israel e à Holanda “por
sua atitude hostil para com os direitos árabes e seu viés pró-Israel”. O Iraque chegou a anunciar
a nacionalização da parte holandesa da participação da Shell na Basrah Petroleum Company,
como “medida punitiva ao seu posicionamento hostil para com as nações árabes. O embargo
também foi estendido a outros países como Portugal, África do Sul e Rodésia, atual Zimbábue
(SHIHATA. 1975, p.7).
É importante destacar que tal decisão teve consequências enormes para o mercado
petrolífero dos EUA e da Europa, que dependia do recurso mais ainda que os norte-americanos.
Os EUA, que até 1967 tinham suprido seus aliados nos casos de interrupção de fornecimento
de petróleo das crises anteriores (crise iraniana de 1953, crise do Suez 1956 e Guerra dos Seis
Dias 1967) não possuíam mais capacidade de complementar o mercado quando o mesmo
estivesse desabastecido por qualquer motivo, pois em 1970 o país havia alcançado seu pico de
produção. Além disso, sua demanda interna havia ultrapassado sua capacidade produtiva,
gerando dessa forma uma relação de dependência com o petróleo externo, sendo seus principais
fornecedores os países árabes produtores do Oriente Médio e do Norte da África que produziam
petróleo com um custo de produção mais barato (YERGIN. 2010, p. 666-668).
O demanda interna norte-americana foi atingida pelo embargo árabe porque em 1972 os
EUA detinham um PIB (Produto Interno Bruto) de aproximadamente 1.282 trilhões de dólares,
cerca de 33% do PIB mundial de aproximadamente 3.761 trilhões 30, o que lhe tornava em um
país altamente dependente do petróleo para movimentar sua economia interna. Em 1973 os
EUA consumiam em média 17.318 milhões de barris por dia (bpd), dos quais 10.946 eram
produzidos internamente e mais de 7 milhões eram importados do exterior (inclusive para
formar estoques), sendo que em torno de 2.992 milhões eram comprados da OPEP, 1 milhão só
da OPAEP, e 3.263 milhões de outros países. A parte da OPAEP, cerca de 6% do consumo total
diário ou de 14% do total das importações por dia, pode parecer bastante pequena em relação
ao todo, mas era o suficiente para abastecer pouco menos metade da demanda euroasiática e
latino-americana no mesmo ano, ou quase um terço da energia elétrica gerada por petróleo nos
30
Dados disponibilizados por Open Knowledge. Country, Regional and World GDP (Gross Domestic Product).
Disponível em: http://data.okfn.org/data/core/gdp#data; e The World Bank Group. GDP at market prices (current
US$). Disponível em: http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD . Acessados no dia 21 de
dezembro de 2015
58
EUA em 1973.31 Somado a isto, o embargo ainda acarretaria em uma escalada de preços até
então sem precedentes que permitiu que o preço fixado do barril fosse drasticamente valorizado
de US$2,90 até o início outubro de 1973, para US$11,65 em 1 janeiro de 1974, ou seja, um
aumento de 400% em apenas três meses (YERGIN. 2010, p. 708).
Nos dias 4 e 5 de novembro ocorreu uma nova reunião entre os representantes da
OPAEP na capital do Kuwait onde foi anunciado um novo corte de produção de 25%, em
relação a setembro:
31
Dados disponíveis em The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World
Energy 2015 workbook – Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview ; e The U.S. Energy Information
Administration – EIA. Total Energy Data, Petroleum. Disponível em:
http://www.eia.gov/beta/MER/index.cfm?tbl=T03.01#/?f=A&start=200001 Acessados no dia 22 de dezembro de
2015.
59
“Quantas vezes você passa por uma estrada ou autoestrada, onde quer
que seja, e vê centenas e centenas de carros com apenas um indivíduo neste
carro? Isso todos nós devemos cooperar para mudar.
Consistente com a segurança e as considerações económicas, eu
também estou pedindo aos governadores que tomem medidas para reduzir os
limites de velocidade das estradas a 50 milhas por hora. Esta ação por si só, se
for aprovada em âmbito nacional, poderia salvar mais de 200 mil barris de
petróleo por dia - apenas reduzindo o limite de velocidade a 50 milhas por hora.
Agora, todas essas ações irão resultar em economias substanciais de
energia. Mais do que isso, a maioria delas são ações que podemos tomar agora
- sem mais demora”.33
32
NIXON, Richard. Address to the Nation About Policies to Deal with the Energy Shortages. The American
presidency project. White House, Washington D.C, November 7th 1973. Disponível em:
http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=4034 Acessado no dia 15 de dezembro de 2014.
33
Idem.
34
O Clube de Roma foi fundado em 1968 como uma associação informal de personalidades independentes da
política, economia e ciência. O Clube trabalha com projeções de longo prazo de forma interdisciplinar e
holística. Em seus primeiros anos, o grupo centrou-se no debate sobre a natureza dos problemas globais, a
"problemática", sobre os "limites ao crescimento" e sobre novos caminhos para o desenvolvimento mundial. Ver
60
The Limits to Growth (Os Limites do Crescimento), que indicava que o número de reservas
internacionais de petróleo conhecidas até então duraria por aproximadamente mais trinta e um
anos (MEADOWS et al. 1972, p. 55,58).
A França, a exemplo dos EUA, também lançou campanha popular de economia de
energia conhecida como chasse au gaspi (caça ao desperdício) com o intuito de conscientizar
a população a não desperdiçar energia aumentando os termostatos de suas casas no inverno,
reduzir a velocidade dos automóveis nas autoestradas, apagar as lâmpadas que não estivessem
sendo utilizadas, entre outros gestos simples que marcariam a campanha. Além disso, o país
europeu passou a investir maciçamente em centrais de energia nuclear para que pudesse ser
responsável pela geração de sua própria energia em médio prazo, sem necessidade do
abastecimento internacional. 35
Nixon em seu pronunciamento no dia 7 de novembro anunciou um plano para atingir a
independência energética até 1980 que poderia ser executado com autorização legislativa para
explorar as reservas de petróleo na Baía de Prudhoe, no Alasca, e encorajar a exploração de
grandes quantidades de gás natural, considerada uma das mais limpas fontes de energia do
período. O plano foi batizado pelo próprio presidente de “projeto independência” e visava tornar
o país independente em energia, ou pelo menos do petróleo produzido no Oriente Médio, em
sete anos. De acordo com Yergin (2010, p. 699) “chamar esse plano de ambicioso era pouco;
seriam necessários inúmeros avanços tecnológicos, vasta soma de dinheiro e um desvio
significativo na nova tendência do ambientalismo”. Um outro fator que enfraquecia a pretensão
de Nixon era o escândalo de Watergate.36 Até mesmo os assessores do presidente reconheciam
que o “projeto independência” estava fadado ao fracasso:
Club of Rome. About the Club of Rome. Disponível em http://www.clubofrome.org/?p=324 acessado no dia 11
de fevereiro de 2016.
35
Documentário The Epic of Black Gold: Oil Nationalism. Entre os minutos 18:18 – 19:24. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=ey9hxKD0vCw Acessado no dia 17 de julho de 2014.
36
Watergate foi a invasão aos escritórios do Partido Democrata em Washington e a instalação de escutas ocultas
para espionar os planos do partido no conjunto de edifícios Watergate. O incidente aconteceu em 1972 e, após dois
anos de investigação, culminou com a renúncia do presidente Nixon agosto de 1974. A invasão ocorreu durante a
campanha eleitoral e, mesmo com evidências ligando o episódio ao comitê de Nixon, o presidente foi reeleito com
larga margem de votos. O escândalo provocou nos cidadãos americanos uma visão do poder como sinônimo de
impunidade, já que quando o vice Gerald Ford assumiu o governo concedeu perdão por qualquer crime cometido
por seu antecessor.
61
Mas os EUA não foram o país mais atingido pelo Choque do Petróleo, a crise de
energia que ele gerou teve alcance a nível global. O Japão, por exemplo, país industrializado
que mais dependia do petróleo como fonte de energia havia entrado na lista dos países
considerados hostis. Além disso, o governo japonês recebeu um comunicado do xeque saudita
Ahmed Zaki Yamani, ministro do petróleo da Arábia Saudita, para que se posicionasse a favor
dos Estados árabes no conflito contra Israel para que continuassem recebendo o fornecimento
normal de petróleo, caso contrário não teriam acesso ao recurso. No dia 22 de novembro o
primeiro-ministro japonês Kakuei Tanaka anunciou apoio à causa árabe e quatro dias depois os
cortes de fornecimento endereçados ao Japão foram suspensos.
As medidas de cortes de produção e embargo foram acompanhadas por uma
classificação dos países importadores do petróleo árabe nos seguintes grupos: (1) preferidos:
países que continuariam recebendo 100 por cento de suas importações em relação ao mês de
setembro de 1973. (2) neutros: países que receberiam importações reduzidas conforme os cortes
na produção anunciados pela OPAEP. (3) embargados: países a quem foi negado a venda de
petróleo como os EUA, a Holanda, Portugal, África do Sul e Rodésia (ALNASRAWI 1991, p.
92).
No que tange a Europa, a OPAEP obteve êxito em classificar os países do continente
em categorias diferentes. Esse fator contribuiu para dificultar a união dos mesmos em torno da
elaboração de programas de redistribuição de petróleo. A reação ao Choque, no entanto se daria
no âmbito da Comunidade Europeia (CE) 37 através do projeto denominado Política Europeia
de Cooperação (PEC), lançado previamente pela CE em 1970. No dia 6 de novembro de 1973
os formuladores da PEC emitiram a Declaration on Midlle East, que declarava em seu texto
que as conversações de paz da guerra árabe-israelense deveriam ser conduzidas pela ONU.
Além disso, indicava que garantias internacionais e o envio de tropas de paz a zonas
desmilitarizadas eram mais promissoras à segurança de Israel do que uma política de ocupação
por parte deste país. Também solicitava a retirada das tropas israelenses dos territórios ocupados
em 1967 por não admitirem a aquisição de territórios através do uso da força e ligavam uma
37
A CE era formada pela França, Itália, Alemanha Ocidental, Holanda, Luxemburgo, Bélgica, Grã-Bretanha,
Irlanda e Dinamarca. Os últimos três aderiram à Comunidade em 1972.
62
justa e duradoura paz à legitimação dos direitos dos palestinos, mas sem mencionar a criação
de um Estado próprio para eles. 38
A Declaration on Midlle East foi um documento notável pelo qual os Estados europeus
buscaram desempenhar uma política mais enérgica direcionada ao Oriente Médio com o intuito
de proteger seus interesses e acentuar seu papel na política regional, já que as potências do
continente haviam sido alijadas das conversações de paz do conflito que envolveu apenas os
EUA e a URSS como potências externas. A não consideração dos interesses dos membros da
CE levou os Estados do continente a tomarem providências em bloco. Os europeus ainda
procuraram estabelecer uma política energética comum. Para eles, ao contrário dos EUA que
percebiam o conflito árabe-israelense sobre o prisma da Guerra Fria, a guerra no Oriente Médio
tinha um potencial de implicações a nível global, sendo a principal ameaça uma crise de energia
generalizada. Como eram extremamente dependentes do petróleo da região, os europeus ao
emitirem a Declaração estavam interessados em um fim rápido e uma solução duradoura para
o conflito, além de fazer os Estados árabes cessarem a arma do petróleo. O ministro das
Relações Exteriores britânico Alec Douglas-Home chegou a declarar que “A Europa é tão
grande e seus interesses tão proximamente envolvidos nisso que não cabe sentar calada
enquanto grandes eventos ocorrem sobre a cabeça de seus líderes” (MÖCKLI. In: MÖCKLI,
Daniel; MAUER, Victor. 2011, p. 81,82). Em resposta a Declaração europeia a OPAEP
transmitiu em 18 de novembro uma notificação informando a decisão de “não implementar a
redução de 5% marcada para o mês de dezembro somente para a Europa”, isto é, para os
membros da CE. (SHIHATA. 1975, p.85).
O embargo promovido pela OPAEP durou até 18 de março de 1974 quando os países
árabes, com exceção da Síria e da Líbia, retomaram sua produção normal de petróleo. O Choque
do Petróleo marcou uma alteração no panorama no mercado de petróleo internacional, pois pela
primeira vez os países produtores deste recurso tomaram medidas unilaterais em relação ao
aumento dos preços do barril de petróleo sem a intervenção das grandes companhias
internacionais e dessa forma, assumindo de fato o controle sobre seus próprios recursos. Aliado
a isto, o embargo permitiu que os grandes produtores de petróleo (incluindo aqui a OPEP e seus
membros não árabes) alcançassem a capacidade de ditar os preços do petróleo através do seu
nível de produção sem necessidade de consentimento das empresas ocidentais de petróleo.
38
Joint statement by the Governments of the EEC. 6 de novembro de 1973. Disponível em:
http://www.cvce.eu/obj/joint_statement_by_the_governments_of_the_eec_6_november_1973-en-a08b36bc-
6d29-475c-aadb-0f71c59dbc3e.html Acessado no dia 10 de dezembro de 2014.
63
Segundo o autor “Era totalmente incoerente dos governos árabes pedir aos EUA para
mediar um acordo com Israel e, ao mesmo tempo exercer pressões econômicas contra o
"mediador”. Ao contrário, eles deveriam decidir entre a mediação estadunidense e a
manutenção das sanções. Em janeiro de 1974, o governo dos EUA conseguiu que Egito e Israel
chegassem a um acordo de desengajamento de suas respectivas tropas. Este acordo foi visto por
64
muitos países árabes como prova de que os EUA tinham alterado sua política de apoio a Israel,
o que justificaria a remoção das sanções. A percepção do fracasso dos objetivos políticos do
embargo foi seu levantamento em março de 1974 com a pendência de um acordo de
desengajamento entre Síria e Israel. Esse foi o principal motivo que os governos da Síria e da
Líbia mantiveram o embargo além de março de 1974.
Com o fim do embargo, esperava-se que os preços tornassem a cair, mas não foi
exatamente isto que ocorreu, muito pelo contrário, os preços do barril oscilaram entre US$11,00
e U$15,00 até 1979, quando os preços tornaram a disparar por conta da Revolução Iraniana e
da guerra entre o Irã e o Iraque no início dos anos 1980. Para explicar este fenômeno, no tópico
seguinte serão analisados outros motivos, além do embargo árabe, que impactaram os preços
da comercialização do petróleo e consequentemente levaram a um aumento substancial do seu
valor de mercado.
Isto ocorria porque mesmo com a existência da entidade como um foro multilateral formado
pelos países produtores, estes países preferiam buscar meios próprios de maximizar seus
interesses e riquezas ao invés de cooperar com seus consorciados, que ao mesmo tempo eram
parceiros e concorrentes no comércio mundial.
Alnasrawi (1991, p.76) comenta que embora os membros fundadores da OPEP
declarassem que já não podiam ficar indiferentes ao poder unilateral das empresas em efetuar
mudanças de preços pelos seus motivos corporativos, a organização falhou em tomar decisões
políticas e econômicas que fizessem valer seus objetivos iniciais. Ao contrário de tentarem
impor na prática as políticas declaradas do bloco, os membros afiliados à OPEP buscavam
maximizar seus lucros sem se coordenarem em grupo. Esta situação perdurou até 12 de janeiro
de 1971, quando a organização internacional dos Estados produtores de petróleo, em Teerã,
capital do Irã, pela primeira vez em quase onze anos de existência foi à mesa de negociações
em bloco com as companhias de petróleo. O motivo era a necessidade de reajustar os preços da
commodity.
Um ano antes do encontro na capital iraniana, porém, um evento de grande importância
para os países produtores aconteceu na Líbia, cuja “emergência nos anos 1960 como grande
produtora de petróleo (...) era vista pelos estrategistas ocidentais como uma alternativa para o
ambiente politicamente instável que caracterizava o mundo árabe nos anos 1950 e 1960” (AL-
SOWAYEGH. 1984, p. 103). Liderada pelo coronel Muammar al-Kadaffi, que havia assumido
o governo após um golpe militar que derrubara a monarquia local em 1969, o país adotou uma
política de pressão sobre as petroleiras estrangeiras que lá operavam para que cortassem parte
de sua produção com finalidade de forçar para cima os preços do petróleo.
O interesse líbio de valorizar o petróleo estava ligado à sua posição estratégica tanto no
aspecto geográfico quanto mercadológico. No aspecto geográfico porque apesar do clima
desértico, o território da Líbia ocupa uma posição privilegiada no norte da África, separada da
Europa apenas pelo Mar Mediterrâneo, por onde escoa (até hoje em dia) sua produção de
petróleo para os países europeus; e mercadológico porque, na época, era o país membro da
OPEP e da OPAEP com as maiores reservas de petróleo da África, respondendo por mais de
50% do total comprovado do continente.39 Mas além dos aspectos geopolíticos e comerciais a
política do governo líbio tinha um outro fator muito importante a seu favor: o momento.
39
Detinha reservas de aproximadamente 27.655 milhões de barris de um total de 51.107 milhões comprovadas
em todo o continente africano. Organization of the Petroleum Exporting Countries – OPEC – Annual Statistical
Bulletin 2014. Disponível em:
http://www.opec.org/library/Annual%20Statistical%20Bulletin/interactive/current/FileZ/Main.htm Acessado no
dia 11 de dezembro de 2015.
66
Até o mês de setembro de 1970 o governo Kadaffi conseguiu que fossem retirados do
mercado cerca de 800 mil bpd, além disso, o governo da Síria se alinhou com Trípoli e se
recusou a permitir que a empresa responsável pela Tapline fizesse as reparações necessárias no
oleoduto em território sírio. O resultado da pressão líbia sobre o mercado foi que o país
conquistou um novo acordo de divisão de lucros de 50% para 55%, houve um aumento real de
US$0,30 no preço do petróleo com o barril sendo vendido a US$ 2,55 em janeiro de 1971 (o
preço do início de 1970, cerca de um ano antes, era US$ 1,80), sem contar que até o final de
1970 as companhias ocidentais concederam 55% das receitas de petróleo para todos os outros
associados a OPEP, suplantando desse modo o modelo 50/50.
A conquista da Líbia e o novo modelo de divisão dos lucros 55/45 entusiasmou a OPEP
a negociar com as empresas estrangeiras em bloco ao invés de cada governo fazê-lo sozinho, já
que unidos os consorciados teriam maiores condições de barganha. Em dezembro de 1970 a
organização designou uma estratégia de conversações com as grandes companhias em três
grupos regionais: Um com os países do Golfo Pérsico, outro com os do Mediterrâneo e o último
com Venezuela e Indonésia. O desejo de negociar como entidade única era também interesse
das empresas, que preferiam proceder dessa forma do que fazê-lo individualmente com os
67
produtores, mas ao contrário da OPEP, que pretendia trabalhar com subgrupos, as petrolíferas
pretendiam manter uma frente unida e tratar com a organização como um todo. O plano das
empresas não foi adiante, pois o Xá do Irã era contrário a tal iniciativa argumentando que os
produtores “mais moderados não poderiam conter os radicais” como a Líbia, o Iraque e em
certa medida a Venezuela.
A primeira rodada de negociações entre as partes ocorreu em janeiro de 1971 na capital
do Irã envolvendo exclusivamente uma comissão de três países do Golfo Pérsico: Irã, Iraque e
Arábia Saudita mais as petrolíferas que possuíam concessões para trabalhar nestes países, a
exemplo da Shell, BP, Exxon e ARAMCO. Aos países produtores interessava aumentar sua
participação no negócio do petróleo bem como os preços do barril, pois o “ouro negro” havia
se tornado sua principal fonte de receitas em pouco mais de duas décadas. As petrolíferas
estavam pressionadas pelos governos dos Estados do Golfo, principalmente pela possibilidade
de embargo anunciada pelo Xá Reza Pahlavi. De acordo com (AL-SOWAYEGH. 1984, p. 109),
no dia 14 de fevereiro de 1971 chegou-se a um consenso e o Acordo de Teerã foi assinado com
as seguintes condições:
Apenas quatro dias depois foram iniciadas as negociações em Trípoli com o comitê do
Mediterrâneo composto por Líbia, Argélia, Arábia Saudita e Iraque (os dois últimos, embora
geograficamente não tivessem acesso ao Mar, escoavam parte considerável de sua produção
para o Mediterrâneo através de oleodutos que passavam pela Síria). A Líbia e seus parceiros
barganhavam com as empresas usando ameaças de nacionalização, embargo e suspensão de
carregamentos para navios petroleiros. Para as corporações não era interessante conceder maior
participação nos lucros para os países, pois perderiam o lucro da parte cedida, por outro lado
esta era uma opção melhor do que perder suas concessões nos países produtores. No que se
refere à valorização do preço do barril, havia o temor de perder o mercado para o petróleo
68
soviético e da queda das vendas pela incerteza dos preços praticados. No entanto, diante das
advertências anunciadas pelos produtores, as petroleiras endossaram o Acordo de Trípoli que
foi anunciado no dia 2 de abril de 1971, consagrando a divisão 55/45 e concedendo um aumento
de US$ 0,90 por barril para os cinco anos seguintes.
Teerã e Trípoli foram importantes porque pela primeira vez em onze anos de existência
a OPEP, mesmo subdividida em grupos, trabalhou como entidade única e foi reconhecida como
tal pelos empresários ocidentais. Além disso, pode-se concluir que os acordos firmados no Irã
e na Líbia contribuíram para uma política de intensificação de demanda por controle dos
recursos minerais dos membros da OPEP. Sobre isto, Yergin (2010, p. 659) argumenta que o
propósito dos países produtores “não era apenas uma questão de acumular mais rendas. Para os
exportadores, a questão mais importante era a soberania sobre seus recursos naturais. Tudo o
mais avaliado em face desse objetivo”.
usadas por países deficitários. Esse sistema baseado no dólar foi construído alicerçado na
influência da hegemonia da moeda norte-americana frente às economias europeias
enfraquecidas pela guerra e pelo fato de os EUA emergirem como a grande potência
hegemônica mundial no final do conflito.
40
NIXON, Richard. Address to the Nation Outlining a New Economic Policy: "The Challenge of Peace". The
American presidency project. White House, Washington D.C, August 15 th 1971. Disponível em:
http://www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=3115 Acessado no dia 16 de dezembro de 2015.
70
associados da OPEP e da OPAEP era muito inferior em relação a dos países industrializados da
Europa Ocidental, dos EUA e em menor grau do Canadá, o que significa que parte significativa
do óleo cru vendido pelos países exportadores voltava para eles em forma de produtos
manufaturados muito mais caros. Isto fica muito claro quando é feita uma relação de produção
e refino de petróleo, pois em 1972 o Oriente Médio refinava menos de 15% de sua produção
total.41
Dessa forma, pode-se concluir que o desmantelamento da paridade da moeda norte-
americana com o ouro não foi conveniente aos países produtores no que se refere a
contabilização das suas receitas provenientes da exportação de petróleo, de modo que foi
necessário que os mesmos pressionassem os preços para cima com o intuito de recuperar as
perdas e estabilizar os rendimentos financeiros nacionais. A alta dos preços foi também
importante para as companhias que por motivos semelhantes procuravam equilibrar o preço do
petróleo com a desvalorização do dólar para manter no mínimo uma horizontalidade aceitável
dos lucros.
JD: 1973, o embargo árabe do petróleo que você era um jogador-chave durante esse processo. O ex-secretário de
Estado americano Henry Kissinger disse que foi chantagem política o que a Arábia Saudita e a OPEP estavam
fazendo para o resto do mundo. Em retrospecto como você vê isso?
SY: (...) não foi uma chantagem, a necessidade de aumentar o preço do petróleo, mesmo antes disso. Há um livro
chamado A Century of War que conta uma história de uma reunião em uma ilha na Suécia, com a participação de
Henry Kissinger em que foi decidido aumentar o preço do petróleo em 400% e este é um incidente muito
41
Produção total = 18.186 milhares de barris/dia; capacidade de refino = 2.597. Dados disponíveis em: The British
Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook – Disponível em:
http://www.bp.com/statisticalreview Acessado no dia 22 de dezembro de 2015.
72
importante. Eles precisavam e essa é uma das reações da América, é ajudar as companhias de petróleo para investir
fora da OPEP, no México, no Mar do Norte e assim por diante; e isto não aconteceria sem um alto preço do
petróleo. E é assim que eles privaram a OPEP de seu poder estratégico e eu realmente respeito muito Henry
Kissinger, ele é realmente um planejador e estrategicamente ele é um homem a ser respeitado.
JD: Então você está sugerindo que não foi o embargo do petróleo árabe que foi chantagem política, mas esse era
um plano da indústria do petróleo dos EUA para empurrar os preços para cima.
SY: Não realmente muito, mas o plano estava lá e eu separo entre os dois. O embargo de petróleo árabe foi feito
e eu estava por trás dele, não para prejudicar a economia, apenas para atrair a opinião pública nacional que há um
problema entre os palestinos e os israelenses, essa é a única coisa e nós estávamos contra o que aconteceu depois
disso. Infelizmente dinheiro é muito atraente, números na OPEP, eles amam o dinheiro e receitas e é por isso que
eles empurraram os preços para cima o mais rápido possível e eles pagaram o preço pelo que fizeram. 42 (tradução
minha).
O trecho da entrevista acima não foi a primeira vez que o xeque Yamani declarou que
os EUA estariam envolvidos no Choque do Petróleo. Antes disso, em 2001 o xeque havia
declarado ao jornal britânico The Guardian, um dos periódicos de língua inglesa mais lidos no
mundo, que estava convicto da participação norte-americana na elevação dos preços do petróleo
durante a crise de 1973. Um fragmento do texto publicado pode ser lido abaixo:
"Eu tenho 100 por cento de certeza de que os americanos estavam por
trás do aumento do preço do petróleo. As companhias de petróleo estavam com
um problema real na época, eles tinham emprestado um monte de dinheiro e
precisavam de um alto preço do petróleo para salvá-los. "
Ele diz que foi convencido disso pela atitude do Xá do Irã, que em um
dia decisivo, em 1974 adotou um ponto de vista diferente do saudita, que a
caminhada seria perigosa para a OPEP porque alienaria os EUA, para defender
preços mais elevados.
'O rei Faisal me mandou para o Xá do Irã, que disse: "Por que você é
contra o aumento do preço do petróleo? Isso é o que eles querem? Pergunte
Henry Kissinger - ele é quem quer um preço mais elevado".
Yamani alega que a prova de sua antiga crença surgiu recentemente
na ata da uma reunião secreta em uma ilha sueca, onde as autoridades do Reino
42
OPEC will play a different role in the future, says Sheikh Yamani. Business Intelligence Middle East. Disponível
em: http://www.bi-me.com/main.php?id=48966&t=1&c=38&cg=4&mset=1011 Acessado no dia 5 de novembro
de 2015.
73
43
Saudi dove in the oil slick. The Guardian. Disponível em:
http://www.theguardian.com/business/2001/jan/14/globalrecession.oilandpetrol Acessado no dia 6 de novembro
de 2015.
44
Disponível em: http://www.bilderbergmeetings.org/index.php Acessado no dia 7 de novembro de 2015.
45
Itália, EUA, França, Grã-Bretanha, Suécia, Turquia, Canadá, Alemanha Ocidental, Islândia, Dinamarca,
Canadá, Bélgica, Noruega e Suíça.
74
46
Memorandum of Conversation. In: Foreign Relations of the United States, 1969–1976. Energy Crisis,
1969–1974, p. 503.
47
Idem, p. 24.
75
Uma das medidas para colocar em prática a o aumento do preço do petróleo era a
redução da demanda do recurso. Sobre esse assunto, um participante sueco em Saltsjöbaden
disse que a redução da curva de demanda era em grande parte uma questão de vontade política
e que:
48
Ibidem, p. 55-56.
76
Engdahl (2004, p. 130, 135) explica que o objetivo central da reunião em Saltsjöbaden
não era evitar um possível choque do preço do petróleo, mas, ao invés disso, era planejar como
gerenciar a inundação de dólares do petróleo prestes a ser criada, um processo que mais tarde
o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger chamaria de reciclagem de
petrodólares (que será abordado no próximo capítulo). Um aumento súbito do preço mundial
do petróleo em mais de 400%, visto que o preço praticado em meados de 1973 era de
49
Idem, p. 56-57.
50
Idem, p. 57.
51
Idem, p. 63.
77
52
Yergin 2010, p. 708.
78
ele por Henry Kissinger. Apenas alguns meses antes, o Xá havia se oposto ao
aumento da OPEP para US$3,01 por medo de que isso forçasse os exportadores
ocidentais a cobrar mais pelo equipamento industrial que o Xá procurava
importar para a ambiciosa industrialização do Irã. O apoio de Washington e do
Ocidente a Israel na Guerra de Outubro tinha alimentado a raiva da OPEP nas
reuniões. Mesmo o próprio Departamento de Estado de Kissinger não tinha
sido informado de suas maquinações secretas com o Xá. ” (ENGDAHL. 2004,
p. 138).
No dia 1 de janeiro de 1974 passou a vigorar o valor de US$11,65 como preço oficial
definido pela maioria dos membros da OPEP. Deste montante US$7,00 ficava como receita
para os governos dos países produtores e os US$4,65 restantes eram o lucro das companhias de
petróleo. A Líbia seguiu seu própria caminho e anunciou um preço recorde de US$18,76 por
barril que também entraria em vigor no primeiro dia de 1974. A Nigéria de forma similar, porém
com valores mais baixos que o da Líbia, anunciou o preço de US$14,76 por barril (AL-
SOWAYEGH. 1984, p.136).
O aumento dos preços beneficiou os países exportadores porque a grandeza do retorno
em rendimentos era algo inédito para estes Estados, sem contar que pela primeira vez desde a
fundação da OPEP os países produtores passaram a definir o preço de forma unilateral sem
necessidade de consultar ou negociar com as empresas estrangeiras que atuavam em seus
territórios. Mas as grandes companhias petrolíferas estrangeiras também tiveram benefícios
com o aumento dos preços. Seus lucros nunca haviam sido tão altos, além disso, conseguiram
verba o suficiente para aplicar em novas tecnologias a fim de explorar novos campos de
petróleo, a exemplo dos campos do Alasca e do Mar do Norte, para equilibrar a dependência
dos recursos provenientes dos países da OPEP e da OPAEP concretizando, assim, um dos
propósitos do encontro em Saltsjöbaden, na Suécia. Os governos ocidentais, em especial o dos
EUA também tiveram vantagens após o Choque do Petróleo, pois buscaram investir em novas
matrizes energéticas, a exemplo da energia nuclear, e buscaram manter sua hegemonia no
sistema financeiro internacional através de uma estratégia capaz de substituir o padrão ouro-
dólar, o sistema de reciclagem dos petrodólares
Considerações finais
O Choque do Petróleo de 1973 foi o ápice das crises do petróleo provocadas
intencionalmente por países produtores de petróleo. Cabe ressaltar que os cortes de produção
foram efetuados pelos países árabes membros da OPAEP e por Omã, que não é ligado à
79
instituição, mas que por solidariedade à causa árabe na quarta Guerra árabe-israelense
suspendeu seus carregamentos de petróleo para os aliados declarados de Israel. A OPEP, em
seu turno, não adotou o embargo promovido por seus afiliados árabes, por outro lado, durante
a crise, grandes produtores da organização como o Irã, a Nigéria e a Venezuela mantiveram seu
nível de produção no mesmo patamar de antes da Guerra do Yom Kippur entre outubro de 1973
e março de 1974. No entanto, a OPEP em sua totalidade foi decisiva na elaboração de um preço
de mercado, acima da média dos anos anteriores, que favoreceu aos objetivos iniciais da
organização no que se referia ao aumento de sua margem de lucros no comércio do petróleo e
ao controle de produção e de preços por parte de seus membros, especialmente por
representarem os Estados hospedeiros de companhias estrangeiras.
Ademais, a utilização da “arma do petróleo” redirecionou o alinhamento político da
OPAEP e de outros Estados da região do Oriente Médio transformando as relações entre
produtores e consumidores e remodelando o plano econômico internacional. Aliado a isso, o
Choque de 1973 marcou uma alteração no panorama do mercado petrolífero internacional, pois
pela primeira vez os países produtores do recurso tomaram medidas unilaterais em relação ao
aumento dos preços do barril sem a intervenção das grandes companhias internacionais que
atuavam em seus territórios assegurando, dessa forma, a soberania sobre seu principal produto,
além de conseguirem utilizá-lo como instrumento político de modo eficaz, o que lhes
proporcionou ganhos tanto no campo político quanto no econômico.
A utilização do petróleo como instrumento de poder e de barganha elevou a condição
do recurso para um assunto de nível estratégico e de competência estatal, tanto para os
importadores quanto para os exportadores, de modo que a preocupação com o fluxo do petróleo
que era preferencialmente atribuição das empresas se tornou, de fato, uma questão de Estado.
Ademais, o Choque ganhou um contorno mais marcante do que as crises predecessoras por
conta, em parte, de dois motivos destacados ao longo do capítulo: o cenário negativo propagado
pela pesquisa patrocinada pelo Clube de Roma e publicado em The Limits to the Growth de que
as reservas de petróleo conhecidas na época durariam cerca de trinta e um anos, mais a
incapacidade de os EUA suprirem a demanda internacional em casos de suspensão de
carregamentos de petróleo para a Europa, de modo que os norte-americanos passaram a fazer
parte do mercado mundial por terem alcançado seu pico produtivo e parte dos consumidores
nacionais buscarem alternativas de suprimentos com custo mais baixo.
O Choque do Petróleo representou um marco relevante na história do petróleo porque
através dele os interesses dos países exportadores se concretizaram, pois pela primeira vez os
80
cortes de produção praticados por eles, países do terceiro mundo dependentes da exportação de
petróleo, tiveram efeito real na economia internacional com o encarecimento do barril do
petróleo em cerca de 400% em relação ao valor praticado antes da interrupção de fornecimento
aos aliados de Israel em outubro de 1973. A propósito, também pela primeira vez os próprios
Estados produtores definiram o preço de comercialização do petróleo de forma unilateral, uma
decisão cercada de simbolismo que lhes revestiu da capacidade de efetuar determinações
relacionadas ao seu próprio petróleo sem consulta prévia às empresas que operavam em seus
territórios desde que lhes fora outorgado concessões para explorações de jazidas nas primeiras
décadas do século XX.
Embora o embargo tenha rendido ganhos econômicos para os produtores, no campo
político os países árabes não tiveram muitos ganhos significativos, pois os EUA não deixaram
de ser aliados de Israel e os territórios anexados pelas forças israelenses 1967 não foram
devolvidos ao Egito, Síria e Jordânia até o levantamento do embargo, sem contar que os direitos
do povo palestino parecem ter sido deixados em segundo plano após determinadas
manifestações de apoio aos árabes declaradas por europeus e japoneses.
No que diz respeito ao aumento dos preços do petróleo, percebe-se que não foi somente
o embargo da OPAEP que transformou o valor do barril. Os três outros fatores apresentados no
capítulo, a saber, as negociações dos acordos de Teerã e Trípoli; o Fim do sistema de Bretton
Woods de conversão do ouro em dólar; e o os projetos definidos pelos líderes ocidentais na
reunião confidencial do grupo Bilderberg, influenciaram de igual modo a valorização do custo
do petróleo no mercado internacional. Em suma, o primeiro fator foi apresentado como o
esforço político da OPEP em expandir sua margem de lucros e o entendimento da urgência de
reajuste dos preços de acordo com a inflação registrada no período; o segundo reflete o impacto
da anulação unilateral do sistema de paridade ouro-dólar por parte do governo estadunidense e
as consequências para o mercado petrolífero; e o terceiro versa sobre os interesses de dirigentes
de governos e de petrolíferas (e representantes de outros setores) do Ocidente no agigantamento
dos preços internacionais do petróleo com finalidade estratégica de transmutar reservas
conhecidas em regiões de difícil acesso e com alto custo de produção em jazidas viáveis para
exploração com o intuito de diminuir a dependência do recurso produzido no Oriente Próximo.
Por último, O Choque levou os países afetados a adotarem medidas de emergência para
estancar os prejuízos provocados pela suspensão de fornecimento por parte dos membros da
OPAEP. Durante a crise, governos como o dos EUA e a França empregaram mecanismo para
evitar o desperdício de energia. Após o fim da crise em março de 1974 e o fluxo de fornecimento
81
Capítulo III
Aspectos da segurança energética
Considerações iniciais
A ocorrência do Choque do Petróleo resultou em ações unilaterais e multilaterais de
muitos Estados para ajustarem suas agendas com a preocupação pela segurança energética. Nos
anos posteriores ao Choque muitos países passaram a investir em fontes alternativas de energia
para alcançarem sua independência nesse setor.
Ainda na década de 1970, países como os EUA, o Japão e a França, por exemplo,
altamente dependentes da produção e da profusão do fluxo de petróleo internacional, passaram
a investir maciçamente na energia nuclear como alternativa para reduzir a dependência do
petróleo da OPAEP. Até o fim da década de 1970, os EUA haviam construído 49 usinas
nucleares53, a França 1654 e o Japão 755. Embora algumas das plantas nucleares já tivessem sido
edificadas e operassem desde o final da década de 1950, como no caso francês, a partir de 1973
a energia nuclear se tornaria uma fonte estratégica para a manutenção da segurança energética
desses países. Além da nuclear, houve investimento em outras fontes de energia que poderiam
ser aproveitadas de forma alternativa ao petróleo como a eólica, a solar, outros combustíveis
fósseis como o próprio carvão e o gás natural, além da energia produzida a partir de fontes
orgânicas como os biocombustíveis. Sobre este último, o Brasil, ao lançar o Programa Nacional
do Álcool (Proálcool) em 1975, foi um dos pioneiros em substituir combustíveis derivados de
petróleo para automóveis por álcool produzido a partir da cana-de-açúcar.
Curiosamente, apesar da ocorrência do cenário negativo causado pelos efeitos
provenientes da crise provocada pelo embargo promovido pelos países árabes exportadores de
petróleo, o consumo de petróleo manteve certa estabilidade no mercado estadunidense durante
o restante da década de 1970. Em julho de 1974 os EUA importavam cerca de 3,335.300
milhões bpd da OPEP, quase 700 mil a mais do que em março de do mesmo ano, quando os
produtores árabes suspenderam o embargo e o petróleo voltou a fluir sem impedimento de
53
Datas de inauguração, expiração e nomes das usinas disponível em http://www.nrc.gov/info-finder/reactor/
Acessado no dia 27 de agosto de 2015.
54
Datas de inauguração, expiração e nomes das usinas disponível em: http://energie-nucleaire.net/ Acessado no
dia 27 de agosto de 2015.
55
Datas de inauguração, expiração e nomes das usinas disponível em: http://www.world-
nuclear.org/info/Country-Profiles/Countries-G-N/Japan/ Acessado no dia 27 de agosto de 2015.
83
natureza política. Em 1977, os EUA atingiram o maior pico de importação da década chegando
a comprar cerca de 6,630 milhões bpd da mesma entidade. Nos anos seguintes ocorreram leves
reduções na importação de petróleo até que em janeiro de 1980, os norte-americanos passaram
a consumir em média aproximadamente 5,467 milhões bpd. Os principais fornecedores da
OPEP para os EUA nos anos 1970 foram (não necessariamente em ordem de volume de
exportação) Venezuela, Arábia Saudita, Nigéria, Argélia, Irã e Líbia.56
Nesta parte da pesquisa são tratados alguns aspectos ligados à segurança energética
tanto para os países consumidores quanto para os produtores de petróleo. Estruturalmente, este
terceiro capítulo está organizado em cinco tópicos onde são abordadas questões relacionadas
ao assunto nos campos da economia, da política e da geopolítica do petróleo. No tópico inicial
é discutido como o governo norte-americano se aproveitou do aumento do preço do petróleo
pós Choque de 1973 para levar a cabo uma estratégia de vinculação do dólar ao petróleo
produzido pelos membros da OPEP e como tal fato se tornou em um mecanismo de segurança
nacional para os EUA no que se refere ao setor energético e econômico. Nele serão tratados o
que é o sistema de reciclagem de petrodólares, a aproximação dos EUA com os produtores da
OPEP e como se deu sua implementação no cenário internacional.
No segundo tópico, é trabalhada a fundação da Agência Internacional de Energia como
resultado da cooperação de países consumidores de petróleo para fazer frente ao poder dos
grandes produtores de petróleo. Neste item são abordados o peso político e econômico dos
exportadores árabes no mercado petrolífero com base em estatísticas e dados do início da
década de 1970; a motivação para a criação da AIE; as medidas emergenciais da agência em
casos de interrupção do fornecimento de energia, independente da natureza da causa; e o
interesse de cooperação entre consumidores e produtores para a manutenção do fluxo do
petróleo. No tópico seguinte, é realizada uma discussão sobre o que é a segurança energética e
como conceituá-la de forma a abranger as necessidades e exigências comerciais e políticas dos
atores securitizadores – Estados produtores e consumidores, organizações internacionais e
empresas públicas ou privadas. O quarto item deste capítulo aborda a preocupação com os
riscos geopolíticos que podem interromper o fluxo da cadeia de comercialização do petróleo
por vias marítimas e terrestres e as possíveis implicações que tal fato pode causar no cenário
internacional.
56
The U.S. Energy Information Administration – EIA. Total Energy reports. Petroleum Trade: Import from
OPEC Countries. Disponível em:
http://www.eia.gov/beta/MER/index.cfm?tbl=T03.03C#/?f=M&start=197301&end=198001&charted=10
Acessado no dia 15 de fevereiro de 2016.
84
O quinto e último tópico do terceiro capítulo desta dissertação versa sobre as políticas
de gerenciamento dos riscos à segurança energética a partir de uma análise da proteção da
cadeia de comercialização que compõe o ciclo energético (basicamente extração, refino,
transporte e comercialização) e as possíveis respostas a casos de ameaças a interrupção do fluxo
de energia.
“Os argelinos já estão pressionando bastante para que haja uma outra
reunião da OPEP no final deste mês. Eles estão preocupados com o declínio
dos seus lucros. Eles enviaram um cabo para países da OPEP pedindo para que
vinculemos os preços do petróleo a SDRs ou a uma cesta de moedas. Isso na
verdade é uma coisa justa, mas eu sei que este é apenas um primeiro passo para
aumentar os preços. (...) seus amigos no Irã também estão muito interessados
em ter um outro aumento de preços. Eles querem um rápido, uma vez que eles
acham que a inflação está crescendo. Eles querem um novo aumento neste ano.
”58
57
Ativo de reserva internacional criado pelo Fundo Monetário Internacional a partir de 1969 no contexto do
sistema de taxa de câmbio fixa Bretton Woods. Após o colapso do sistema de Bretton Woods a SDR foi redefinida,
em 1974, como uma cesta de 16 moedas amplamente utilizadas. Em 1981 a SDR foi simplificada para 5 moedas.
58
Memorandum of Conversation Preparatory Conference II, April 1975–October 1975. In: Foreign Relations of
the United States 1969–1976, Energy Crisis, 1974–1980. Volume XXXVII, p. 192.
86
dólar em baixa, o custo de produção de outros países diminui e sua posição competitiva ganha
força em relação aos EUA.59
Como resultado da Guerra do Yom Kippur e do embargo de petróleo estipulado pela
OPAEP o preço do petróleo já havia alcançado o valor de US$11,65, uma valorização de 400
por cento em menos de três meses – entre outubro de 1973 e janeiro de1974. Este valor,
conforme abordado no último capítulo não foi resultado somente da recusa de produção e venda
do petróleo árabe, mas estava ligado também ao reajuste da inflação do novo sistema de câmbio
flutuante adotado após o fim do padrão ouro-dólar e de interesses de governos e companhias
ocidentais para diminuir a dependência do petróleo do Oriente Médio, viabilizar
economicamente a exploração de campos de petróleo com alto custo de produção e investir em
fontes alternativas de energia.
O reajuste do preço do petróleo efetuado pela OPEP em janeiro de 1974, de 400% em
relação a setembro de 1973, afetou diversos setores da economia estadunidense como o
comércio, a indústria, o de energia e consequentemente a população local, já que com
necessidade de gastar mais para manter o nível de produção e a economia não desacelerar, era
necessário que estes segmentos repassassem os custos para o consumidor em forma de ajustes
nos preços de bens e serviços oferecidos. Todavia, as grandes companhias petrolíferas não
tiveram perdas significativas, ao contrário dos setores previamente citados, as empresas de
petróleo aumentaram significativamente sua margem de lucro, pois, apesar do Choque, o
consumo de petróleo se manteve estável até 1979, além disso, passaram a investir em outras
praças de exploração de petróleo como a Baía de Prudhoe no Alasca e no Mar do Norte.
O governo norte-americano também tirou proveito do aumento do preço do petróleo e
incentivou os países produtores da OPEP a comercializarem seu petróleo somente em dólares
e a investirem o excedente de suas receitas nos EUA com depósitos em bancos nos EUA e em
títulos de dívida do governo dos EUA. Este foi um dos primeiros mecanismos de segurança em
relação a energia empreendido pelos EUA após Choque do Petróleo, porque mesmo após o
embargo promovido pela OPAEP e o consequente investimento em fontes alternativas de
energia, havia o conhecimento de que o petróleo continuaria sendo a principal commodity
utilizada tanto para a geração da energia quanto para a movimentação da indústria mundial.
Sobre isto Zalloum (2011) argumenta o seguinte:
59
Summary of Conclusions of Ad Hoc National Security Council Meeting. In: Foreign Relations of the United
States 1969–1976, Energy Crisis, 1974–1980. Volume XXXVII, p. 516-518.
87
Para analisar a declaração de Zalloum devemos fazê-lo por partes. Em primeiro lugar,
quando o autor argumenta que o aumento dos preços foi teatralmente manipulado durante a
Guerra do Yom Kippur, tal afirmação não pode ser considerada verossímil, pois conforme
abordado no capítulo anterior, havia o interesse estratégico tanto dos países produtores tanto de
nomes influentes do governo e de petrolíferas dos EUA, assim como de seus aliados do Canadá
e da Europa Ocidental, em favor da escalada dos preços. Pode-se dizer, no entanto que o apoio
norte-americano a Israel com transferência de armamentos e auxílio financeiro tenha
estimulado os países da OPAEP a promoverem o embargo de petróleo e consequentemente a
valorização dos preços da commodity determinado pela OPEP no início de 1974.
Em segundo lugar, quando o autor trata da reciclagem dos petrodólares, pode-se afirmar
que este já era um plano ocidental anterior ao Choque e que deveria ser acionado após uma
crise relacionada ao petróleo com o aumento dos preços e das receitas dos países árabes
exportadores do recurso. Este plano foi exposto na reunião do grupo Bilderberg em
Saltsjöbaden, na Suécia, em maio de 1973. O principal interesse manifesto na conferência era
88
atrair investimentos de longo prazo dos países árabes para os EUA e a Europa, pois segundo
um participante norte-americano na conferência, os árabes preferiam fazer investimentos
líquidos de curto prazo, principalmente depois que o dólar americano deixou de ser lastreado
em ouro. Dessa forma, considerou-se importante limitar a imprevisibilidade e a volatilidade dos
fluxos de capitais da OPEP em relação aos Estados industrializados que possuíam um interesse
comum em encontrar maneiras para fazer os árabes efetuarem investimentos seguros e de longo
prazo, de alto rendimento e protegidos contra a instabilidade monetária.
A receita para atrair o investimento do excedente da receita do petróleo era os EUA e a
Europa se apresentarem como parceiros comerciais naturais, muito mais do que apenas
compradores de petróleo, a fim de explorar o desejo de diversificação da economia dos
produtores árabes. Nesse sentido, um participante holandês na reunião da Suécia chegou a
declarar o seguinte: “seria particularmente útil se pudéssemos aconselhá-los sobre as estratégias
de investimento” e complementou “a melhor filosofia era simplesmente que eles tinham muito
o que fazer em seus próprios países e nós poderíamos ajudá-los”. 60
Após o Choque do Petróleo os rendimentos dos exportadores aumentaram de 23 bilhões
de dólares, em 1972, para 140 bilhões dólares em 1977. Os excedentes que foram atribuídos à
revolução dos preços do petróleo no início de 1974 passaram a ser conhecidos como “o
excedente da OPEP” ou “os petrodólares da OPEP”, embora a maioria desses fundos tenham
sido acumulados pela Arábia Saudita e Kuwait e, em menor medida, pelos EAU e Qatar
(ALNASRAWI. 1991, p.102). Este súbito acúmulo de riqueza, inesperado antes de 1974, levou
os produtores de petróleo a embarcarem em um vertiginoso programa de gastos em artigos de
luxo, infraestrutura interna, serviços e industrialização. A disposição do excedente tomou várias
formas, sendo a mais importante delas a colocação de fundos nos mercados de capitais dos
países industrializados.
60
BILDERBERG MEETINGS. Saltsjöbaden Conference, Sweden, 11-13 de maio de 1973, p. 67-69. Disponível
em: http://www.bibliotecapleyades.net/sociopolitica/bilderbergfile/contents.htm Acessado no dia 5 de novembro
de 2015.
89
Os EUA também costuraram acordos com a Arábia Saudita e o Irã, que se destacavam
como detentores das maiores reservas e capacidade de produção no Oriente Médio, para que
estes continuassem comercializando seu petróleo exclusivamente em dólares em troca da venda
de armamentos e proteção militar que poderiam ser comprados com o excedente do lucro do
petróleo.
Com o aumento dos preços do petróleo e o estimulo da comercialização do recurso com base
na moeda estadunidense, quem mais acumulou prejuízos foram os países em desenvolvimento
que dependiam da importação do petróleo da OPEP para atender suas demandas internas. O
aumento dos preços prejudicou a balança de pagamentos dessas nações, constrangendo sua
capacidade de crescer ou inibindo por completo seu crescimento. A saída para estes países foi
recorrer a empréstimos e, assim, uma grande parte desse superávit em dólares da OPEP foi
“reciclada” através do sistema bancário para os países em desenvolvimento, ou seja, estes países
reuniram volumosas dívidas lidando com o Choque do Petróleo (YERGIN. 2010, p. 720).
Muitos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, mergulharam em uma
profunda crise que estourou na década de 1980 em parte por conta do Choque do Petróleo de
1973 (e de 1979 com a Revolução islâmica no Irã) e do sistema de reciclagem dos petrodólares.
O processo acontecia da seguinte maneira: os países da OPEP com os dólares da venda do
petróleo a preços mais elevados investiam nos EUA que por sua vez emprestavam dinheiro para
os países em desenvolvimento. Como os Estado mais pobres não tinham condições de pagar
pelos empréstimos então acionavam o FMI que, em seu turno, os aconselhava a adotar medidas
90
de austeridade, privatizações de estatais e outras medidas que lhes permitissem honrar seus
compromissos financeiros internacionais.
O sistema dos petrodólares é importante como mecanismo de segurança nacional para
os EUA porque enquanto o mundo precisar de petróleo, e enquanto tal commodity for vendida
apenas em dólares haverá sempre uma demanda para adquiri-los, de forma que esta é uma das
principais condicionantes que dá a moeda estadunidense seu valor. Segundo Robinson (2012,
p. 10), com uma grande circulação de dólares ao redor do globo, os preços dos ativos norte-
americanos naturalmente aumentaram a manutenção de uma demanda mundial por dólares e
tornou-se vital para "ilusão de prosperidade” nacional e “segurança nacional” para os EUA.
Quando o sistema dos petrodólares colapsar o governo terá que parar de imprimir dólares e
ficará suscetível a uma situação de hiperinflação de modo que a proporção de dólares em
existência será muito superiores à demanda real, levando a um aumento generalizado dos preços
de bens e serviços.
Apesar do sistema de reciclagem dos petrodólares visar a manutenção da hegemonia
norte-americana na economia mundial, era necessário que se investisse em mecanismos de
segurança para cooperação internacional em casos de futuras interrupções do fluxo de petróleo,
o que levou a criação de agências nacionais e internacionais para o gerenciamento da questão
energética.
petróleo, verificaremos que só os países árabes respondiam por 61% da produtividade desse
órgão inter-regional. Essas demonstrações numéricas demonstram o quão pesado foi o jogo do
embargo de petróleo árabe vide o peso da participação da OPAEP na produção de petróleo
mundial da época61.
A Arábia Saudita pode ser considerada o principal ator da OPAEP, cuja participação no
embargo foi decisiva para o sucesso do mesmo. Só em 1973 os sauditas detinham uma reserva
mensurada em 140,750 bilhões de barris de petróleo62, equivalente a pouco mais de 22% das
reservas mundiais de cerca de 635 bilhões de barris, sendo 401 bilhões destas reservas da OPEP
e 317 bilhões da OPAEP, ou seja, praticamente a metade do total da organização árabe. Além
disso, os sauditas dispunham de uma produção de 384 milhões de toneladas de petróleo, o
correspondente a pouco mais de 13% da produção mundial, 26% da OPEP e mais de 42% da
OPAEP.63 A Arábia Saudita, dessa forma, teve um papel de extrema importância no embargo
61
The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook –
Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview – Acessado no dia 21 de Agosto de 2015. Os dados utilizados
incluem petróleo bruto, óleo compacto ou de xisto, areias betuminosas e o conteúdo líquido de gás natural, onde
este é recuperado separadamente do gás per se.
Nessa estatística foram adicionados os dados do Bahrein (indisponíveis no BP Statistical Review of World Energy
2015 workbook) do banco de dados do OAPEC Energy Databank disponível em
http://oapecdbsys.oapecorg.org:8090/ords/f?p=112:8:::NO::: – Acessado no dia 26 de Agosto de 2015.
62
Organization of Araba Petroleum Exporting Countries – OAPEC – OAPEC Energy Databank – Disponível
em: http://oapecdbsys.oapecorg.org:8090/ords/f?p=112:8:::NO::: Acessado no dia 27 de agosto de 2015.
63
Ibidem
92
que resultou no Choque do Petróleo, já que sem este país, o impacto resultado por ele poderia
ser bem menos significativo do que o esperado ou até mesmo inviabilizar a proposta política
do mesmo.
Cabe mencionar que a Arábia Saudita era considerada um aliado estratégico dos EUA,
que contava com o país para ter acesso às reservas de petróleo fora do seu próprio território. Os
sauditas também consideravam sua aliança com a principal potência do Ocidente como
estratégica no que se referia a sua defesa e segurança nacional garantidas pelo poderio militar
norte-americano. O acordo de aliança entre ambos os Estados foi estabelecido a bordo do
cruzador norte-americano Quincy pelo então presidente Franklin D. Roosevelt e o rei Abd al-
Aziz Al Saud, mais conhecido como Ibn Saud, em 1945, e foi influenciado por funcionários do
alto escalão da ARAMCO como relata a historiadora Madawi al-Rasheed:
rápidas e eficientes em casos de emergência. Para este fim foi estabelecido o compromisso de
reservas emergenciais para que em casos de futuras crises, as necessidades dos países da AIE
fossem satisfeitas através da criação de estoques emergenciais de petróleo e da capacidade de
comutação dos combustíveis (SCOTT. 1994, p. 360,361).
Sobre os estoques emergenciais, o artigo 2 do International Energy Treaty, tratado que
deu origem a AIE, define como compromisso dos seus membros que os países mantenham
provisões de petróleo com suficiência para sustentar o consumo interno por 90 dias, sem
importações líquidas de petróleo (SCOTT. 1994, p. 361). Três vezes em sua história, a AIE
recorreu aos estoques de emergência para aliviar restrições de oferta que ameaçavam a
economia global: a primeira foi durante a Guerra do Golfo de 1991; a segunda foi após furacões
Katrina e Rita em 2005 terem danificado refinarias de petróleo no Golfo do México; e a terceira
vez foi em resposta à interrupção prolongada do fornecimento de petróleo da Líbia em 2011
(YERGIN. 2014, p. 285,286). O uso precipitado das reservas emergenciais pode contribuir para
a queda do preço do petróleo, no entanto, gerenciar preços não é o objetivo das ações coletivas
da AIE, pois ao se recorrer a tal tentativa através medidas de emergência, existe o risco de que
sinais importantes de mercado sejam mascarados, como a necessidade de investimento em
infraestrutura de provimento de combustível em tecnologias mais eficientes, que são essenciais
para garantir a segurança do abastecimento no futuro (YOUNG. In: EL-BADRI et al. 2014, p.
16,17).
Além das reservas estratégicas a AIE possui três outros mecanismos emergenciais que
são a contenção da demanda; a substituição de derivados do petróleo por outros combustíveis;
e o aumento da produção nacional de petróleo. No que tange ao primeiro, reduções de curto
prazo no uso do petróleo são uma parte importante de qualquer resposta a uma perturbação do
aprovisionamento externo. Esse tipo de medida foi usado durante o Choque de 1973 quando o
presidente Nixon anunciou em discurso à nação a necessidade de economizar energia e
combustível para conter a crise (portanto é anterior à fundação da AIE). As propagandas de
redução de consumo e de conscientização populacional exercem um papel fundamental na
implementação desta medida. A substituição do petróleo por outros combustíveis foi uma
consequência do embargo árabe para diminuir a dependência do petróleo da OPAEP e que
requer investimentos de médio e longo prazo e podem depender de alterações na legislação
(incluindo leis ambientais) e nas estruturas de distribuição de energia. Utilizar o gás natural e o
álcool como combustíveis alternativos à gasolina é um exemplo desta medida. Um outro
exemplo é a redução da dependência do petróleo para geração de eletricidade através do uso do
95
agenda dos atores citados acima. Assim, sob uma perspectiva um pouco mais generalista pode-
se deduzir que o conceito de segurança energética esteja intrinsicamente ligado à preocupação
com a interrupção ou o desvio da distribuição de recursos energéticos; ao aumento de preços
provocado pela escassez dos mesmos no mercado; e à disponibilidade deles no comércio
internacional para que o acesso a estes recursos não seja prejudicado colocando em risco a
segurança nacional. Dessa forma, pode-se inferir que a principal preocupação refletida pelo
conceito de segurança energética, tendo por pressuposto uma visão macro do assunto, seria a
continuidade da provisão de suprimentos energéticos ininterruptos no âmbito internacional,
pois sem acesso a grandes quantidades de energia para processos de produção, transporte e
consumo doméstico, nenhuma economia industrializada poderia existir e os atuais níveis de
bem-estar seriam inimagináveis.
O Choque de 1973 tornou o petróleo no principal objeto de discussão sobre segurança
energética. Todavia, antes mesmo de sua ocorrência, a energia tem desempenhado um papel
fundamental para a humanidade desde a antiguidade. A madeira e o fogo, por exemplo, por
muito tempo têm sido utilizados com a finalidade de aquecer as pessoas, realizar queimadas a
fim de “limpar” a terra para o cultivo de plantações ou formação de pastos, e até mesmo como
técnica para subjugar inimigos queimando seus vilarejos e cidades em situações de guerras entre
os povos. No caso da água, faz séculos que se tornou em um elemento fundamental para a
geração de energia. Nas sociedades agrárias, por exemplo, ela facilitava o trabalho da
agricultura através dos moinhos, que eram importantes para o desenvolvimento da estrutura do
trabalho dos agricultores porque aproveitavam a força cinética do movimento e da queda d´água
para facilitar a moedura dos grãos cultivados, irrigar grandes plantações e drenar terrenos
alagados. Nos séculos XIX e XX a água se tornou o componente principal da matriz energética
de países como o Brasil, onde a produção da eletricidade é majoritariamente gerada pelas
hidroelétricas.
O carvão mineral, por sua vez, é um recurso que foi inserido em grande escala no
contexto internacional a partir da Revolução Industrial. Esse elemento junto com o ferro
cumpriu um papel primordial na economia, nos transportes e na indústria. Durante grande parte
dos séculos XVIII e XIX o carvão forneceu a energia necessária para acionar as máquinas à
vapor e para a fabricação do ferro, que por sua vez era utilizado para aperfeiçoar o próprio
maquinário e os diversos tipos de ferramentas, bem como na construção de pontes, estradas de
ferro e navios, concedendo à siderurgia um papel de destaque no desenvolvimento industrial.
97
64
The U.S. Energy Information Administration – EIA. Total Energy reports. Disponível em:
http://www.eia.gov/totalenergy/reports.cfm Acessado no dia 23 de novembro de 2015.
98
e resíduos vegetais e animais que muitas vezes não são negociados no mercado) a preços
acessíveis, sendo os preços definidos como acessíveis quando eles não são passivos de causar
uma perturbação grave da atividade econômica e social normal. Debrower (2008, p. 2-3) por
sua vez, entende que o conceito pode ser tradicionalmente invocado para designar três tipos
distintos de preocupações:
Fonte: BP Statiscal Review of World Energy 2015, “Oil. Crude oil prices (1861-2014).
alegação dos autores em “a capacidade de um país para satisfazer todas as suas necessidades de
energia com a energia que produz a si mesmo ou os recursos que ele pode garantidamente
vender no mercado”. Trataremos mais adiante, no tópico de gerenciamento dos riscos, os meios
que os dois lados procuram atender suas respectivas necessidades energéticas.
Conforme levantado anteriormente, os países produtores pensam a segurança energética
como a segurança do mercado e da demanda. Essa é uma constatação não somente do período
do Choque do Petróleo, mas que se mantém na atualidade. Recentemente, em uma conferência
que tratou sobre o fortalecimento político e dos negócios entre a Europa e os países árabes em
2014 na Grécia, o Secretário-Geral da OPAEP Abbas Ali al-Naqi definiu o conceito como “a
segurança do abastecimento e da demanda” e acrescentou “ a segurança reside na estabilidade
de todo o mercado, para o benefício dos países produtores e consumidores”. Para ele “a
necessidade de reforçar a segurança energética tem que ser vista tanto do ponto de vista da
oferta quanto da demanda, que deveriam apoiar-se mutuamente”.65 Alguns anos antes em 2007,
o então Secretário-Geral da OPEP Mohammed Barkindo, em um discurso sobre a perspectiva
global da segurança energética, proferiu que “(...) A segurança energética deve ser recíproca. É
uma via de mão dupla. A segurança da procura é tão importante para os produtores, como a
segurança do abastecimento é para os consumidores (...)”.66
Ao considerarmos que tanto consumidores quanto produtores possuem interesse em
securitizar o mercado, pode-se induzir que uma definição aceitável para o conceito de segurança
energética poderia ser: a preocupação em evitar a interrupção do fluxo contínuo de energia, a
fim de manter estável o ciclo energético (basicamente extração, refino, transporte e
comercialização), e consequentemente os mercados e os preços. Dessa forma, para manter o
fluxo ininterrupto é necessário atentar a determinados aspectos da segurança energética como
os riscos e desafios que podem ser encontrados na geopolítica da energia.
65
Disponível em: http://www.oapecorg.org/Home/Media/Official-Speaches/OfficialSpeechDetail?id=a4826721-
6321-4d4b-8c2d-8a8fed05a639 e
http://www.hazliseconomist.com/uploads/speeches/2014/Arab%202014/Day%201/12_HE%20Abbas%20Ali%2
0Al-Naqi%20Speech.pdf Acessado no dia 10 de julho de 2015.
66
Disponível em: http://www.opec.org/opec_web/en/996.htm Acessado no dia 8 de junho de 2015.
102
o especialista norte-americano “para todos eles, a malha elétrica é um alvo muito óbvio, pois
sua interrupção pode imobilizar um grande segmento de um país e causar enormes prejuízos”.
No campo dos transportes, quando falamos de petróleo, o meio dominante de
transportação de recursos de um país produtor para um comprador são os navios petroleiros.
Atualmente cerca de 63% do comércio petrolífero é realizado pelo mar. Nesse sentido, o
principal risco desse campo seria a navegação pelos chokepoints, que segundo a U.S. Energy
Information Administration são definidos como canais estreitos ao longo das rotas marítimas
globais amplamente utilizadas, alguns tão estreitos que são impostas restrições sobre o tamanho
dos navios que podem navegar por eles. Esses chokepoints são uma parte crítica da segurança
energética global, devido ao elevado volume de petróleo e outros líquidos transportados através
de seus estreitos.67 Se houver impedimento de trânsito por essas rotas marítimas estratégicas
por motivos políticos, desastres naturais, pirataria, ou mesmo de guerras, pode ocorrer no curto
prazo uma disparada no preço do barril de petróleo e no longo prazo uma situação de
desabastecimento. Em Ensuring Energy Security, Daniel Yergin expressa preocupação e
identifica a localização de alguns desse” pontos de estrangulamento”:
67
The U.S. Energy Information Administration – EIA. World Oil Transit Chokepoints, 10 de novembro de
2014. Disponível em: http://www.eia.gov/beta/international/regions-topics.cfm?RegionTopicID=WOTC
Acessado no dia 28 de setembro de 2015.
104
68
The British Petroleum Company – BP – British Petroil Statistical Review of World Energy 2015 workbook –
Disponível em: http://www.bp.com/statisticalreview – Acessado no dia 28 de setembro de 2015.
105
tornar vítima de catástrofes naturais como terremotos. Além disso, as relações internacionais
também interferem no sistema de transportação de recursos energéticos por dutos, pois não é
de interesse de governos ou companhias que eles passem por territórios de países considerados
hostis ou instáveis. No Oriente Médio existem condutos transnacionais que transmovem a
produção dos países árabes para o Mar Mediterrâneo sem a necessidade de a mesma passar pelo
chokepoint do Canal de Suez. Logo abaixo serão levantados três casos delicados que se
enquadram na questão da vulnerabilidade dos oleodutos na região do Oriente Médio.
O primeiro caso da delicadeza dos dutos no Oriente Médio é a extinta Trans-Arabian
Pipeline, ou Tapline, que com mais de 1.700 quilômetros ligava Dhahran, na Arábia Saudita, a
Sidom, no Líbano, através dos desertos do norte saudita para a Jordânia e, em seguida, a
noroeste pelo sul da Síria e do Líbano. 69 O projeto da Tapline foi concebido pela ARAMCO e
pelos EUA que pretendiam encontrar uma maneira barata e eficiente de transportar o petróleo
saudita para o Ocidente, sem a necessidade de contratar os serviços caros de navios-tanque, e
satisfazer a crescente necessidade de petróleo da Europa sem esgotar as reservas de petróleo
estadunidenses. Os EUA também aspiravam aumentar as receitas do petróleo do Oriente Médio,
a fim de contribuir para a modernização da região sem a utilização de capital norte-americano.
Politicamente a Tapline passou por seu momento mais delicado durante a Guerra do
Seis Dias quando Israel ocupou as colinas de Golã, na Síria, e manteve o oleoduto sob sua
soberania. Nesse contexto, a Arábia Saudita suspendeu as atividades do empreendimento e
impactou significativamente o mercado europeu. Curiosamente, durante a guerra de 1973, o
petróleo nunca parou totalmente de fluir. Israel inclusive chegou a solicitar à ARAMCO que
reduzisse o fluxo pela metade para que o duto não fosse danificado durante os combates e a
empresa aceitou com o total apoio do governo dos EUA. Em 1975 as atividades da Tapline
foram suspensas por não serem mais economicamente viáveis, pois as companhias petrolíferas
passaram a transportar o petróleo bruto da Arábia em superpetroleiros (mais econômicos)
diretamente do Golfo Pérsico, usando o reaberto Canal de Suez, ao invés de pagarem a tarifa
de transportamento do oleoduto. (KAUFMAN. 2014, p. 98, 109-110).
Um outro oleoduto importante para a região foi o Kirkuk-Baniyas que transportava
petróleo extraído de campos iraquianos até a costa da Síria e que se encontra sem uso desde a
invasão dos EUA ao Iraque em 2003 quando a força aérea norte-americana bombardeou parte
de sua estrutura em território iraquiano. O Kirkuk-Baniyas, porém, possui um largo histórico
69
Trans-Arabian Pipeline. In: Encyclopædia Britannica, Inc. Disponível em:
http://www.britannica.com/topic/Trans-Arabian-Pipeline Acessado no dia 2 de dezembro de 2015.
106
de interrupção de suas atividades antes mesmo de 2003. Em 1956, o oleoduto foi seriamente
danificado pelo exército sírio em resposta à invasão anglo-francesa no Canal de Suez; em 1976,
o Iraque deixou de bombear petróleo pelo duto devido a rixas políticas com o governo sírio,
retomando o fluxo em fevereiro de 1979, mas o governo iraquiano o fechou novamente após o
início da guerra contra o Irã em setembro de 1980. Em março de 1981 o Iraque retomou o
bombeamento de petróleo, todavia, quando a Síria concluiu um acordo com o Irã para importar
volumes significativos de petróleo bruto, o oleoduto foi fechado em 1982. 70 Atualmente o
futuro do conduto permanece indefinido. No fim de 2010 os governos de Síria e Iraque
acenaram sobre a possibilidade de um acordo para sua reparação, mas a guerra civil síria
iniciada em 2011 impediu definições concretas sobre o assunto.
A terceira situação emblemática na geopolítica dos oleodutos é o caso do Baku-Tbilisi-
Ceyhan, que leva a produção de petróleo da capital do Azerbaijão, contorna a Armênia, entra
na capital da Geórgia e dirige-se para o sul, pela Turquia, até o porto de Ceyhan de onde saem
os petroleiros para a Europa e América. O trajeto escolhido pelo consórcio administrador levou
em conta a desconfiança das companhias e governos europeus e dos EUA em relação a
passagem do duto pelos territórios do Irã e da Rússia (países não considerados aliados na
geopolítica do petróleo) ao mesmo tempo que o governo da Geórgia não pretendia ceder espaço
ao governo armênio com quem possui rivalidade histórica. Somado a isto, um possível conflito
entre os países de trânsito pode levar à interrupção do escoamento da produção oriunda de
Baku.
Analisados os principais campos plausíveis de ocorrência de riscos na cadeia energética
propostos por Verda (2011, p. 6), é possível afirmar que quando há interrupção em uma das
etapas do ciclo energético há o perigo de suspensão da transmissão e escassez de energia, que,
por sua vez, pode levar ao aumento dos preços e ao desaceleramento econômico dependendo
do tempo que a interrupção durar. Assim, a descontinuidade do ciclo se torna prejudicial para
produtores e consumidores, cujas perspectivas de segurança energética estão ligadas,
respectivamente, tanto à continuidade da oferta bem como à continuidade da demanda.
Lyne Chester (2011, p. 891) destaca os efeitos do fator temporal como riscos ou ameaças
à segurança energética. Segundo a autora, os riscos em curto prazo incluiriam as “condições
meteorológicas extremas, acidentes, ataques terroristas, ou falhas técnicas”. Já os de longo
prazo dizem respeito à “adequação da oferta para atender à demanda e à adequação da
70
The Kirkuk – Banias Pipeline. Pipelines International, March 2011. Disponível em:
http://pipelinesinternational.com/news/the_kirkuk_banias_pipeline/055366/ Acessado no dia 3 de dezembro de
2015.
107
infraestrutura para oferecer abastecimento dos mercados que, por sua vez, dependem dos níveis
de investimento e de contratação, do desenvolvimento de tecnologia e da disponibilidade de
fontes de energia primária”. Portanto, o significado atribuído à segurança energética será
diferente ao longo do tempo porque a probabilidade e as consequências dos diferentes riscos ou
ameaças à oferta irão variar dependendo do período de duração da interrupção.
Um elemento não tratado pelo autor que pode ser enquadrado no plano econômico é
sem dúvidas o caso dos Swing Producers, isto é, o caso dos atores que detém a capacidade de
exercer influência sobre os preços do mercado através do seu desempenho quantitativo de
produção (que sempre deve ser maior do que o consumo interno). No início dessa pesquisa
verificamos que até o Choque do Petróleo de 1973 as grandes companhias que compunham o
Cartel das Sete Irmãs, assim como países como os EUA, com sua aptidão de preencher as
lacunas do mercado em períodos de escassez, tinham competência em estabilizar os preços no
mercado internacional, através dos níveis de produção, para atender seus interesses particulares
e garantir a estabilidade de seus parceiros. Essa capacidade foi invertida para o lado dos Estados
produtores após o embargo árabe promovido pela OPAEP, que desde os contratos de concessão
lutavam pela soberania de exploração de seus próprios recursos.
Atualmente os Swing Producers, como a Arábia Saudita, o Kuwait e os EAU (que
diferentemente de grandes produtores como a Venezuela e a Líbia detêm certa estabilidade
política interna), têm exercido o papel de manipuladores do mercado, não por meio da
politização do petróleo como ocorreu em 1973, mas sim para garantir sua segurança energética,
ou seja, para garantir a demanda do que produzem. Um dos motivos da queda brusca dos preços
do barril de petróleo que em agosto de 2014 custava cerca de US$ 100,00 e que cinco meses
depois caiu para US$ 45,00, além da voracidade da crescente demanda de países em
desenvolvimento como a Índia e a China, foi o aumento da produção dos Swing Producers para
inibir o investimento em fontes alternativas de energia e inviabilizar a exploração de reservas
de petróleo com alto custo de produção, a exemplo do óleo e do gás de xisto nos EUA e do pré-
sal brasileiro, respectivamente.
110
A dimensão política, a terceira proposta por Verda, está ligada às questões de relações
internacionais, política ambiental e política social.
Como pode ser observado, as medidas que os atores securitizadores podem aplicar para
gerenciar os riscos e as ameaças são baseadas em seus interesses de promover sua segurança
energética de um modo que, mesmo incapazes de proporcionar uma garantia total de segurança,
tais medidas possam amenizar os efeitos das interrupções de fornecimento por parte dos
compradores e da involução da demanda por parte dos produtores.
Considerações finais
A consequência imediata do Choque do Petróleo de 1973 foi a busca pela garantia da
segurança energética pelos países consumidores e pouco tempo depois pelos produtores.
Ambos, como os demais atores securitizadores apresentados neste capítulo, procuram
estabelecer medidas de segurança para atender e fazer valer seus interesses tanto no ambiente
doméstico de cada nação quanto no externo, no cenário internacional. Os Estados
consumidores, dependentes do petróleo produzido no exterior procuram assegurar o acesso aos
recursos energéticos a um preço acessível, enquanto os Estados produtores, muitos dos quais
dependentes da exportação de petróleo (e de outros produtos energéticos), procuram assegurar
a demanda externa para conseguir recursos financeiros. Dentro desse contexto, não é de
interesse nem de um nem de outro lado que haja interrupção em nenhuma das etapas do ciclo,
a não ser em casos em que o petróleo se torne em um instrumento de poder para a política
externa de determinado país com o intuito de forçar alguma das partes a se curvar às suas
exigências e/ou interesses em dada situação. Assim, os casos de embargo podem partir tanto do
ofertante, que pode suspender seus carregamentos de petróleo para determinados consumidores,
111
ou do demandante, que pode deixar de comprar de algum ou alguns produtores para adquirir de
seu concorrente ou investir em fontes alternativas de energia.
No primeiro tópico do capítulo percebeu-se que o sistema de reciclagem dos
petrodólares discutido na Conferência do grupo Bilderberg em maio de 1973 e estabelecido
depois do embargo da OPAEP e do aumento dos preços da commodity no início de 1974, foi
criado com o intuito de reestabelecer a confiança internacional na moeda estadunidense após o
rompimento da estrutura de câmbio fixo de Bretton Woods. Pode-se afirmar que tal sistema foi
estabelecido como um mecanismo de segurança nacional e energética para os EUA porque, em
tese, passou a garantir acesso facilitado ao petróleo produzido pela OPEP, em especial pelos
produtores do Oriente Médio, principalmente a Arábia Saudita, em troca de proteção militar
contra ameaças externas.
O sistema de reciclagem de petrodólares permitiu aos EUA importarem petróleo dos
países árabes a um custo relativamente mais baixo do que de outros consumidores por dois
motivos principais: em primeiro lugar porque como o recurso passou a ser necessariamente
comercializado em dólares, todos os países devem forçosamente manter comércio bilateral com
os EUA para adquirir a moeda norte-americana e assim obterem o petróleo vendido pelos
árabes. Em segundo lugar, como os acordos de proteção militar previam que o excedente da
receita dos produtores deveria ser investido nos EUA, pode-se inferir que quando os EUA
importavam o recurso da OPEP, o preço do petróleo reduzia significativamente, pois o dinheiro
utilizado para comprar o produto retornava aos bancos norte-americanos em forma de
investimento.
A AIE foi fundada como uma organização internacional para cooperação entre países
consumidores dependentes de importação de petróleo produzido fora de suas fronteiras. O
ocasionamento do embargo imposto pela OPAEP aos aliados e parceiros de Israel durante a
Guerra do Yom Kippur foi a razão crucial para sua criação, de forma que “a aliança entre os
Estados consumidores proporcionava coordenação entre os países industrializados no caso de
interrupções de abastecimento e encoraja o paralelismo e a colaboração entre suas políticas
energéticas. Ao mesmo tempo, deveria servir como freio contra qualquer uso futuro do
“petróleo como arma” pelos exportadores” (YERGIN. 2014, p. 282). A AIE se colocou como
uma frente comum para os países industrializados contrabalancearem o peso de mercado dos
produtores da OPEP e da OPAEP, cujos membros passaram a controlar a própria produção de
petróleo em detrimento das grandes companhias do setor que previamente controlavam as
atividades petrolíferas em seus territórios desde os regimes de concessão.
112
Conclusão
Trabalhar a geopolítica do petróleo durante o início da década de 1970 envolve questões
complexas relacionadas ao comércio do petróleo e as guerras árabe-israelenses que
predominavam o cenário de tensões do Oriente Médio durante o período. Antes de mais nada,
faz-se necessário colocar que o petróleo não é um produto de característica puramente
comercial, mas sim um produto que abrange aspectos econômicos, políticos e de planejamento
estratégico governamental. Nesse sentido, o propósito da pesquisa foi destacar como objeto de
sua análise, com base no modelo comparativo elaborado por Jürgen Kocka, as políticas
adotadas pelos atores envolvidos no Choque do Petróleo de 1973, a saber os EUA, a OPAEP e
as grandes companhias de petróleo ocidentais que atuavam na região, durante o período de crise
que se abateu na política internacional devido ao embargo imposto pelos países árabes.
No primeiro capítulo da pesquisa, que abrange o período entre o início dos regimes de
concessão até a fundação da OPAEP, foi possível perceber que o petróleo sofreu um processo
de alteração de sua importância do ponto de vista das empresas petrolíferas, dos Estados
produtores e dos Estados consumidores do recurso, deixando de ser apenas uma commodity
para geração de energia e de abastecimento da indústria, para se tornar em um recurso
energético e vital para os todos os atores envolvidos na geopolítica do Oriente Médio.
Para as empresas, se tornou um recurso estratégico porque inicialmente detinham
concessões legais outorgadas pelos países da região para exploração dos recursos naturais de
seus subsolos através da montagem de estruturas e de uma logística capaz de transportar o que
era dali extraído para os consumidores de outros continentes. Por isso tinham o controle sobre
o ciclo energético, a produção e os preços, sendo o principal determinante deste último a
concorrência e não somente a quantidade de petróleo produzido. Com o passar dos anos, os
Estados concessionários passaram a contestar os regimes de concessão e a requerer uma maior
participação nos lucros das companhias estrangeiras, ameaçando a regularidade do fluxo do
ciclo energético através de nacionalizações, sabotagens e embargos, levando as petrolíferas a
procurarem uma base de apoio em seus países de origem em nome do interesse nacional destes
Estados. Mas a continuidade do fluxo teve sua ameaça maior por um outro motivo: as guerras
árabe-israelenses, que envolveram de uma única vez os interesses sobre o petróleo das
empresas, dos países árabes produtores e dos países consumidores industrializados do Ocidente,
especialmente a Grã-Bretanha, a França e os EUA, países de origem de grande parte das
companhias que atuavam na região.
114
O capítulo I desta dissertação analisou os efeitos das ameaças do ciclo energético para
os três lados da comparação aqui proposta. Nele foi possível observar as crises do petróleo pré-
1973 e verificar que elas tiveram diferentes impactos no ambiente internacional de forma
crescente, sendo a crise iraniana a de menor peso e a originária da Guerra dos Seis Dias a de
maior. Ademais, a criação das organizações para os países produtores com extensão
intercontinental no caso da OPEP e regional como a OPAEP, proveram a estes Estados um
fórum multilateral para contestarem o modelo até então em vigor dos contratos de concessão e
ampliarem sua participação e lucro na renda do negócio do petróleo.
O capítulo II da dissertação examinou as causas, o impacto e as consequências do
Choque do Petróleo. A partir da análise nele efetuada, concluiu-se que as principais causas que
levaram os países árabes a adotarem medidas de corte de produção progressivos e depois
instituírem um embargo total contra determinados países foram: a anexação feita por Israel de
territórios do Egito, Síria e Jordânia durante a Guerra dos Seis Dias; a reivindicação pelos
direitos do povo Palestino como nação; a solidariedade para com os Estados árabes beligerantes
na Guerra do Yom Kippur; e o desafio às companhias ocidentais em determinar o volume de
produção sem a obrigação de solicitar qualquer tipo de permissão às mesmas.
No tocante aos impactos decorrentes da “arma do petróleo” destacam-se a capacidade
dos países árabes de decidirem soberanamente sobre seus próprios recursos naturais e o
aumento unilateral dos preços primeiro pela OPAEP, em 17 de outubro de 1973, e depois pela
OPEP em 1 de janeiro de 1974. Porém, como visto, o aumento dos preços não foi um fator
decorrente somente do Choque, pois houveram três outras razões para que isto acontecesse. A
primeira delas foi a renegociação dos contratos de participação nos lucros por parte dos
produtores junto às petrolíferas e a vontade da OPEP de reajustar os valores de venda do barril
de acordo com a inflação dos primeiros meses de 1971 através dos acordos de Trípoli e Teerã.
A segunda foi o rompimento da ordem monetária de câmbio fixo de Bretton Woods que atrelava
o dólar ao ouro e o início de uma era de volatilidade cambial que levou os produtores a buscarem
novos reajustes junto às companhias ocidentais de forma a compensar a desvalorização do dólar
em relação a outras moedas e a queda de rendimentos financeiros dos exportadores. A última
razão para o aumento dos preços abordado no capítulo II foram os interesses de parceiros da
Europa ocidental e da América do Norte anglo-saxônica expostos na Conferência do grupo
Bilderberg em maio de 1973, realizada na Suécia, onde foram apresentados exemplos de
medidas para aplicação futura e planejamentos para que uma valorização do preço do petróleo
minimizasse a dependência do recurso produzido pelos países árabes e possibilitasse a
115
exploração de regiões de difícil acesso, com o intuito de tornar o custo de produção destas áreas
viáveis do ponto de vista financeiro.
O capítulo III trouxe uma discussão sobre alguns aspectos da segurança energética e
sobre o próprio conceito do objeto em questão. Nesta parte da pesquisa averiguou-se que das
consequências do Choque de 1973 originaram-se mecanismos de cunho particular para os EUA
e de natureza cooperativa para os parceiros internacionais, somado a isto aventou-se a ideia de
que cada ator securitizador concebe sua definição de segurança energética conforme suas
condições internas e de sua dependência do fluxo da energia no cenário internacional.
O projeto de reciclagem dos petrodólares criado pelos EUA foi uma das principais
medidas do país no que se refere a economia, política e geopolítica do petróleo. Este sistema de
transação comercial atrelou o petróleo à moeda estadunidense e de certa forma reparou a
desconfiança dos produtores árabes em relação ao dólar, pois após a suspensão do sistema de
câmbio fixo de Bretton Woods e do aumento dos preços do petróleo durante a Guerra do Yom
Kippur, os membros da OPAEP e da OPEP passaram a conjecturar sobre a possibilidade de
vender seu principal produto com base em uma cesta de moedas. Faz-se necessário, aliás,
elucidar que desde a Conferência de Bretton Woods os contratos de comercialização de petróleo
eram fundamentalmente firmados em dólares, contudo, a dúvida que pairava sobre o sistema
de flutuação do dólar levou o governo norte-americano a fechar acordos com os grandes
exportadores do recurso com o intuito de impedir que o dólar entrasse em descrédito no
importante mercado do petróleo.
Acerca da cooperação internacional, para assegurar a segurança energética, foram
criadas organizações como a Agência Internacional de Energia que colaborou para o
estabelecimento de normas comuns para lidar com interrupções no fluxo energético. Uma das
principais medidas para tal, foi a criação do sistema de padronização dos estoques emergenciais
da AIE para que tivessem suficiência de sustentar o consumo interno dos membros da AIE por
90 dias. Apesar disso, a aposta no diálogo com organizações multilaterais de produtores tem
sido de suma importância para a manutenção do fluxo.
Consumidores e produtores, apesar dos diferentes interesses que têm em relação ao
petróleo buscam praticamente a mesma coisa: a continuidade do fluxo energético. Conforme
abordado na pesquisa, enquanto os primeiros buscam a disponibilidade de um abastecimento
suficiente às suas necessidades internas a preços acessíveis, o outro lado se concentra em
assegurar a continuidade da demanda para as suas exportações, que são responsáveis por uma
parcela significativa de suas receitas governamentais. Para que os objetivos de ambos os lados
116
sejam alcançados, as duas partes precisam combater, gerenciar e assumir os riscos existentes
nesse importante setor da economia mundial, independentemente de sua natureza. Por isso
pode-se concluir que a segurança energética não é somente dever de uma ou outra parte, mas é
um dever compartilhado de todos os atores securitizadores, inclusive das petroleiras, pois
quando o petróleo é extraído do solo todos tem a obrigação de fazê-lo chegar ao seu destino
final. Essa não é uma obrigação no sentido moral da palavra, mas sim um dever político e
econômico, porque nela estão envolvidas questões como concorrência, prestígio e dinheiro.
Experimentadas as hipóteses apresentadas na introdução da dissertação, o
desenvolvimento da pesquisa permitiu que se concluísse o seguinte:
(1) as principais causas que levaram a OPAEP e promover o embargo de petróleo contra os
aliados de Israel na Guerra do Yom Kippur, ou Guerra de Outubro, foram os conflitos
árabe-israelenses, devido a inimizade entre os dois povos desde a fundação do Estado
israelense na região da Palestina; a própria causa em prol da criação de um Estado
palestino; a solidariedade ao Egito, Síria e Jordânia (que não participou da Guerra de
1973) que tiveram território anexados por Israel após a derrota na Guerra dos Seis Dias
em 1967; e o interesse em exercer o controle sobre a produção e por conseguinte dos
preços do petróleo, já que o volume produzido influencia na modulação dos preços do
recurso, possibilitando que os árabes instituíssem regras de mercado para o setor;
(2) O Choque do Petróleo de 1973 foi um evento histórico que consolidou uma nova ordem
no comércio mundial de petróleo, até então controlado apenas pelas companhias
ocidentais detentoras de concessões e que representavam os interesses dos seus países
de origem no Oriente Médio e Norte da África. Pode-se dizer que a partir de 1973 os
produtores da OPAEP consolidaram poder de decisão em relação a produção de seus
membros.
(3) O Choque de 1973, apesar do seu impacto na época, não foi o evento que concedeu ao
petróleo o status de matéria-prima essencial à indústria contemporânea, de recurso
estratégico a nível internacional ou mesmo de instrumento de política externa. Antes do
embargo da OPAEP em 1973, ou mesmo antes da crise iraniana nos primeiros anos da
década de 1950, a commodity já havia tido um papel fundamental no ingresso dos EUA
117
(4) É possível determinar que o sucesso político e econômico do embargo foi decorrente do
seu curto período de duração. Porém, para analisar tal afirmativa, faz-se necessário
dividi-la em duas partes: a primeira o sucesso político e econômico do embargo e a
segunda o seu período de duração. No que diz respeito a primeira parte, pode-se inferir
que os ganhos econômicos foram maiores do que os políticos, pois embora os produtores
tenham assegurado o controle sobre seus próprios recursos determinado o volume da
produção e os preços, não conseguiram arranjar um desfecho favorável à Síria e ao Egito
no que tange aos territórios perdido em 1967 e muito menos para a Palestina, já que o
clamor pela garantia dos seus diretos como povo não foi levado adiante após a
sinalização da CE, do Japão e dos EUA em prol do diálogo e da causa árabe. Ademais,
a OPAEP falhou em relação aos EUA porque embargou o principal intermediário da
guerra reconhecido, inclusive, por parte considerável dos membros da organização. Em
segundo lugar, o sucesso da pressão feita pelo Choque do petróleo estar ligado ao seu
curto tempo de duração (seis meses), tem a ver com o próprio ajuste do mercado e com
a concorrência com outros produtores que não tinham nenhum tipo de ligação com o
petróleo árabe. Assim, “à medida que o embargo se prolongava, cada vez mais petróleo
vazava de volta ao mercado e os cortes [de produção] eram cada vez menos efetivos”
(YERGIN. 2010, p. 715).
(5) O Choque do Petróleo não teria tido peso e nem ganhado a dimensão que recebeu na
época se o cenário internacional não fosse favorável, posto que, diferentemente das
crises anteriores, os EUA não podiam mais abastecer o mercado internacional pelo fato
de seu consumo interno ter excedido sua capacidade produtiva (mesmo recorrendo aos
estoques) e dessa forma ter que se voltar para o mercado externo para garantir a
estabilidade da demanda interna. Nesse contexto, ultima-se que sem a participação
saudita dificilmente haveria referência ao evento de 1973 como uma crise internacional
de petróleo, isto porque somente a Arábia Saudita era responsável, respectivamente, por
pouco mais de 13% da produção e 22% das reservas mundiais. Dentro da OPAEP os
sauditas tinham um peso ainda maior representando 42% da produtividade da
organização.
118
Para finalizar, pode-se concluir que quando se trata da análise da geopolítica do petróleo
nos primeiros anos da década de 1970, os aspectos políticos se sobrepõem aos econômicos e
comerciais, como pode ser observado durante o embargo árabe, pois a regulação do fluxo do
petróleo entre as nações era objeto de responsabilidade dos governos. Apesar disso, nem sempre
é interessante que o petróleo seja utilizado como instrumento de poder para submeter um Estado
ou nação à vontade do outro – a não ser em situações específicas como o caso das guerras árabe-
israelenses, por exemplo – dado que o principal objetivo de exportadores, produtores e
companhias, isto é, dos atores securitizadores, é a manutenção do fluxo contínuo de energia
com a finalidade de manter estáveis as etapas do ciclo energético para que os objetivos de todos
os atores envolvidos na política do petróleo sejam alcançados.
119
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