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Estudos Psicanalíticos

coleção dirigida por Latife Yazigi

R . Kaês - J. Bleger - E. Enriquez - F. Fornari


P .
Fustier - R. Roussillon - J.-P. Vidal

A Instituição
e as Instituições
0701061085

llllilllllllllllll
Tradução:
Joaquim Pereira Neto

Revisão Técnica:

Latife Yazigi

Casa do Psicólogo® 61085


© 1989 Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda.

© 1988 Bordas Paris


,

Título Original:
[ institution et la; 'iKtituíiotis - iludes psythonalyH|Mi
,

Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à


Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda.
Rua Alves Guimarães 436 - 05410 - São Paulo - SP
,

Fone: (011) 852-4633 FAX (011) 64-5392

É proibida a reprodução total ou parcial desta publicaçao ,

para qualquer finalidade, sem autorização por escrito dos editores.

Impresso no Brasil/ Printed ia Brazil


Notas sobre a Tradução

A tradução deste livro contou com o patrocínio do Ministério de Cultura e de


Comunicação da França - Direção do Livro e da Leitura.
O Dicionário de Psicanálise de Pontalis e Laplanche serviu como fonte de
referência para os termos psicanalíticos, visando a uniformização terminológica da
coleção.
Cada capítulo deste livro foi escrito por um autor diferente e trata de um dos
vários aspectos da temática institucional. A variedade de estilos decorrente desse
fato é só mais uma qualidade do livro: a leitura é certamente agradável.
ÿ

f>ii*KSP ASSIS - BIBLIOTECA


1 DATA I
1 £HL2À -

tlA_ *--

\ tom ao,
-

1 £/££21

k M
.
Sumário

Prefácio à edição brasileira.XIII


Prefácio.XV

I .
REALIDADE PSÍQUICA E SOFRIMENTO NAS INSTITUIÇÕES
René Kaês.1

. 1. Pensar a instituição no campo da Psicanálise.1


. 1.1. Pensar a instituição: algumas dificuldades,
sobretudo narcísicas.1

»1 2
. . A questão da instituição no campo da Psicanálise.5
2 .
Formações intermediárias e espaços comuns da realidade psíquica.13
21. . O agrupamento como comunidade de realização
do desejo e da defesa.18
. 2.2 "A
.
troca de uma parte de felicidade possível contra uma
"
parte de segurança : renúncia pulsional e advento da
comunidade civilizada.20

. 23
. .
A permanência a filiação e a manutenção do sujeito
,

singular no ser-conjunto: o contrato narcísico.23


. 24
. .
As armadilhas da instituição: pacto denegatório
" "
não declarado e colmatagem do negativo.27

. 25
. .
A estrutura psíquica inconsciente da instituição.29
3 .
Sofrimento e psicopatologia nas instituições .
30

.3 1
. .
Sofrimento das/nas instituições.30
. 32
. .
Sofrimento do inextricável e patologia institucional.32
33
. .
O sofrimento associado a uma perturbação da
fundação e da função instituinte._....34
Sistemacultris.56
yjjj A Instituição e as Instituições

34
. .
O sofrimento associado aos entraves para a realização
da tarefa primária.35
* 3.5. O sofrimento associado à instauração e à manutenção
do espaço psíquico...36
II. O GRUPO COMO INSTITUIÇÃO E O GRUPO NAS INSTITUIÇÕES
. losé Bleger...41
III. O TRABALHO DA MORTE NAS INSTITUIÇÕES
Eugenè Enriquez.53
. A análise das instituições revela o seu caráter paradoxal.53
. 1. As instituições: sistemas culturais, simbólicos e imaginários.56
. 11 . .

. 12 . .
Sistemas simbólicos.57

. 13 . . Sistemas imaginários.58
2. As características das instituições terapêuticas.59
. 21 . .
Encontro com o arbitrário.60

. 22 . . O excesso de proibições.
*
2.3. O déficit de proibições.
, 24 . . O labirinto das proibições.
3. A equipe de tratamento.
3.1. Seres marginais.
32 . . Pessoas preocupadas com os seus próprios problemas
psíquicos.67
. 33 . . Seres em mutação.68
4 .
O funcionamento institucional.69
« 41 . . A ideologia igualitária.69
42 . . O fantasma dos primeiros fundadores.70
43 . . A autonomização da vida fantasmática.71
44 . .
Efeitos do fechamento do sistema.72
* c a nnripnte s
. nela eauioe de tratamento.73
Sumário IX

46
. .
A instituição submetida ao processo de contágio da
. loucura.75

5 .
O rosto amável da morte.76

. 51 . . A pulsão de vida a serviço da morte.77


. 5.2. O trabalho da pulsão de morte na origem de
processos vivos....77
IV. POR UMA PSICANÁLISE DAS INSTITUIÇÕES.
Franco Fornari.81

( 1. Reflexões sobre a contribuição de Freud.81

. 2 . Reflexões sobre a contribuição de Bion.86


. 3 .
Reflexões sobre a contribuição de Jaques.91
ÿ 4 .
Psicanálise da família enquanto instituição social.93
5 . A angústia genética em relação à formação de castas
(ou das classes sociais).99
6 .
A angústia genética na análise de três sonhos de gravidez . 103

7 . Conclusões.106
V .
A 1NFRA-ESTRUTURA IMAGINÁRIA DAS INSTITUIÇÕES .

SOBRE A INFÂNCIA DESAJUSTADA


Paul Fustier.Ill

. 1. A infra-estrutura imaginária das instituições.111


2 .
Balizas para uma história imaginária da instituição-infância
desajustada . 113

*
2.1. A história das origens e a imago materna . 113

2.2. A cientificidade e a defesa contra a sedução . 115


*

2.3. A corrente pós-68 . 117

3 .
O composto fantasmático cena primária deslocada, sedução.118
,

4 .
Os desorganizadores institucionais e seus tratamentos.120
. 41
. .
O quadro e as proibições edipianas. 120

, 4.2. Os elementos beta de origem institucional e o processo


da "irrupção bordélica". ..
122
X A Instituição e as Instituições

43
. .
O sistema de reciclagem em segundo grau.124
44
. . 0 "contêiner radioativo".124

5 . As aparelhagens institucionais do segundo e do primeiro graus.127

. 5.1. Aparelhagens do segundo grau.127


.
5.2. Aparelhagens do primeiro grau.129
6 Resumo.132
.

VI. ESPAÇOS E PRÁTICAS INSTITUCIONAIS. O QUARTO DE DESPEJO


E O INTERSTÍCIO

René Roussillon.133

A dialética do processo e do seu resto.133


1 . O "quarto de despejo" ou o "galpão".135
2 . Os espaços intersticiais.140
2 1 A retomada.142
. .

2.2. O depósito.142
,

23
. . A cripta.. .. 142

3 . O interstício nas instituições de tratamento.143


4 . Sobre o jogo no interstício ou o problema da intervenção "interna".145
41
. . Preliminar metodológica...145

4.2. A prática intersticial.146


43
. . O quadro e o tato.149

VII. O FAMILIALISMO NA ABORDAGEM "ANALÍTICA" DA INSTITUIÇÃO.


A INSTITUIÇÃO OU O ROMANCE FAMILIAR DOS ANALISTAS.
Jean Pierre Vidal.153

1 . A família como modelo ou origem na Psicanálise da instituição.153


*
1.1. "Contribuição à Psicanálise da escola como instituição".154
"
. 1 2 "Por
. . uma Psicanálise das instituições . 155

2 . A instituição como "problema de família".160


. 2.1. Da instituição "mãe má" à instituição "estilhaçada".161
Sumário . XI

- 22
. . Da proibição do incesto ao complexo de Édipo
" "
-
como organizador dos grupos de "familiares".163
Laborde.164

Bonneuil.166
"
» 2.3. G. Mendel ou o romance institucional do
"

" "
psicofamiliar .
167

3 . Dos impasses do familialismo ao objeto da intervenção.169


.
"
j . -

.,
r-

JiÉtiiSbsi.i ÿ i"À
Prefácio à Edição Brasileira

É inestimável o valor da edição de A Instituição e as Instituições em português,


notadamente se levarmos em conta a qualidade da tradução e da revisão técnica.

Pouco temos produzido, no Brasil, apesar das brilhantes exceções, na área da


aplicação da Psicanalisc ao estudo da instituição: igulamente, pouco ou nunca nos
utilizamos desse campo de conhecimento em intervenções em nossas instituições.
Fica por explicar por que as exceções mais brilhantes são cariocas: Hélio
Pelegrino, Jurandyr Costa Freire, Sérvulo Figueira...

Espremida embora entre duas interdições - a da Sociologia e a da Psicanálise - a


Psicanálise aplicada ao estudo do grupo, das instituições, da comunidade - aos
níveis societários intermediários, na expressão de Eric Trist - abriu seu espaço . Do
"
lado da Sociologia assim Moscovici expressa a interdição: Quase um século se
,

passou desde que foi editada em diversos tons uma regra imperativa: é preciso não
explicar os fatos sociais por causas psicológicas. Ela distingue cnlre si os
fenómenos humanos de maneira tão radical quanto a Biologia e a Física distin-
"
guem os fênomenos da vida e os da matéria. {La machine a faire de dieiíx, Paris,
Fayard 10S8). Do lado da Psicanálise, a interdição se refere, como sabemos, à
,

utilização dos conceitos psicrmáliticos fora do setting.

Os mecanismos sociais possuem sua dinâmica própria não redutível à dinâmica


,

individual nem à soma das dinâmicas individuais Mas que fenómenos são esses,
.

que dependem, para existir, de muitos indivíduos em presença? É possível explicar


o social sem questionar o que os indivíduos em presença empenham coletivamente
na sua produção? Reunião de egos sincréticos defesas coletivas, supostos básicos?
,

A articulação teórica dos dois pólos impõe uma revisão de cada um deles .
Para
citar apenas dois autores lembremos que Moscovici nos conta que escreveu La
,

machine a faire de dieux para explicar porque as ciências do homem devem se


libertar de sua divisão original e que, para Bastide, o encadeamento das duas
doutrinas (no caso a marxista e a freudiana) deve ser construído e não deduzido
,

de premissas já existentes que são incompatíveis.


,

Na revisão do imperativo sociológico, é preciso s"alientar que ele pressupõe a


sinonímia de "psicológico e "individual". Ora, já há algum tempo essa analogia foi
"
XIV A Instituição e as Instituições

rompida do lado da Psicanálise aplicada ao estudo dos grupos e das instituições .

Contamos hoje, iniciando-se com Elliot Jacques, com a formulação de conceitos


psicanalíticos específicos para processos mentais que se dão coletivamente, A
importância de tais conceitos reside não só no fato de se referirem a repre-
sentações, fantasias, ansiedades e defesas compartilhadas por todo grupo de pes-
soas vivendo a mesma situação, mas principalmente no fato de enfatizarem a
produção coletiva dessas. Estamos, então, falando de mecanismos que são
psicológicos, dada sua especificidade de conteúdo e de processo, mas não são
individuais.

Na Psicologia, esse desenvolvimento começa com Kurt Lewin: a partir de seus


trabalhos, o grupo passa a constituir um objeto de estudo autónomo, com leis e
mecanismos de funcionamento próprios. Nada mais coerente uma vez que Lewin
,

começa na Escola da Gestalt, sendo portanto herdeiro da formulação mais


explícita sobre as propriedades do todo, da configuração, da forma, da estrutura -
não redutíveis a seus elementos constitutivos - surgida no campo das ciências e ,

não só das ciências sociais ou humanas.

A Sociologia parece ter caminhado menos no sentido de superar sua interdição .

Evocándo mais uma vez Moscovici é possível verificar que outra oposição, aquela
,

existente entre o racional e o irracional, está presente. A Sociologia não parece


disposta a abrir mão de sua visão engrandecedora do homem: um ser racional.

Não parece possível, hoje, ÿvançar no conhecimento, nem do homem nem Ha


.

sociHfldr, rrqvanK? a Tinÿ riirãn teórica da pnntp inHivíHup-sociedade não for


investida de grandes e renovados esforços. Essa empreitada depois de con-
,

tribuições importantes como as de Kardiner Dufrenne, Bastide, Devereux, foi um


,

pouco abandonada. Apesar disso, no momento atual, devem ser lembrados os


trabalhos de Bordieu, na Sociologia; os de Moscovici na Psicologia Social; os de
,

Dejours na Psicopatologia do Trabalho; e também os de muitos psicanalistas sem


,
"

divã", entre os quais se situam numa posição de destaque, os autores deste volume.
,

Italo Calvino nos conta a seguinte história:


"
Marco Polo descreve uma ponte, pedra por pedra.
-

Mas qual é a pedra que sustenta a ponte? - pergunta Kublai Khait.


-

A ponte não é sustentada por esta ou aquela pedra - responde Marco


Polo mas pela curva do arco que essas formam.
Kublai KJian permanece em silêncio, refletindo. Depois acrescenta:
-

Por que falar das pedras? Só o arco me interessa.


Polo responde:
-

Sem pedras o arco não existe."

Italo Calvino As cidades invisíveis


,

Arakcy Martins Rodrigues


Prefácio

Psicanálise, instituição

Muito cedo, na história da Psicanálise, alguns psicanalistas viram-se confrontados,


no terreno das instituições - de tratamento, de reeducação, de correção, de
formação ... -, com os efeitos do inconsciente nos seus pacientes e no seu espaço
próprio. Freud, que jamais se dedicou a essa prática, várias vezes sustentou a sua
necessidade e interesse; ele desenvolveu os caminhos, os riscos e as dificuldades
de uma tal prática desde o seu célebre e controvertido discurso no Congresso de
Budapeste, até as proposições mais tardias de Malaise dans la Civilisation e das
Novelles conferences sur la psychanalyse. Essa prática jamais foi realmente teo-
rizada, talvez por ter sido desacreditada como Psicanálise Aplicada". Hoje ainda,
"

e mais do que nunca, psicanalistas trabalham, de maneira permanente ou parcial,


em instituições onde tratam, ensinam, dirigem, clinicam; fundam instituições e
nelas exercem funções hierárquicas, políticas, económicas, terapêuticas, por vezes
todas juntas. Pode acontecer de trabalharem com outros psicanalistas, reunidos na
e pela tarefa inscrita da instituição. Psychanalystes sans divan, conforme o título do
importante trabalho de P. C. Racamier são psicanalistas de/na instituição, ou são
,

chamados a "intervir" na instituição para aí efetuar, com alguns dos seus membros,
um trabalho sobre a realidade psíquica compartilhada, comum e singular que aí
está em sofrimento .

Cada um desses modos de existência do psicanalista na instituição suscita uma


série de questões sobre o inconsciente que aí se manifesta sobre o discurso que aí
,

se produz e sobre a sua escuta sobre o pedido que aí se exprime e sobre o seu
,

objeto Cada uma dessas posições do psicanalista pode ser questionada como um
.

deslocamento em relação ao espaço e. a possihilidade Ha cura, ou. ao contrário.


.

como tentativa de levar em consideração a subjetividade o sofrimento e o gozo de


,

que a instituição é palco e, de certa forma, origem. Cada uma dessas pesquisas nos
Çonfronta com o inextricável: o que é sentido na experiência dolorosa de que nossa
subjetividade e nossa palavra são tomadas 011 seja, ahsorvidas irTas também foj;-
.

madas numa rede de subjetividades e de sentidos pré-constituídos e anónimos, da


XVI A Instituição e as Instituições

qual descobrimos que somos beneficiários e integrantes; é essa rede que, à menor
análise, se revela como o emaranhado complexo de componentes, de níveis e de
lógicas interferentes.

As instituições, com efeito, reúnem e ligam em combinações variáveis, gerenciam


com destinos diversos, formações e processos heterogéneos: sociais, económicos,
culturais, políticos, psíquicos. Níveis de realidade e lógicas de ordem distinta inter-
ferem nesse fenómeno compósito, inextricável e, no entanto, unificado e unificante,
total, na perspectiva de M. Mauss.
*

O objetivo desta obra é colocar em evidência a ordem própria da realidade


psíquica mobilizada pelo fato institucional: mobilizada, trabalhada ou paralisada, e
deve-se dizer também, apoiada na instituição. Com efeito, aquilo que em cada um
de nós é instituição - a parte mais indiferenciada da nossa psique, bem como as
estruturas da simbolização - está engajada na vida institucional, para o duplo
benefício dos sujeitos individuais e do conjunto concreto que formam e do qual são
parte ativa, para seu benefício e para seu prejuízo, ou sua alienação. Sobre o fundo
de outros níveis da realidade na instituição, resulta uma vida psíquica característica
do vínculo e do lugar institucionais, um "clima" típico de cada instituição: aí se
conjugam a história e a estrutura da instituição, a natureza e as imposições da sua
tarefa primária, a infra-estrutura inconsciente que as suas relações organizam,
visando satisfações que dela podem ser auferidas. Mas,, muitas vezes, o estudo dos
processos e das estruturas psíquicas das instituições só é acessível a partir do
sofrimento que aí se experimenta, o qual apresenta alguns aspectos que dizem
respeito a uma verdadeira patologia da vida institucional.

Como o nosso propósito aqui é estabelecer alguns elementos para uma abordagem
psicanalítica das instituições e do fato institucional, esta obra não tratará direta-
mente de questões que, de uma forma ou de outra, poderiam ser esclarecidas,
quanto ao seu objeto, pelas proposições que aqui são lançadas.

O risco, as modalidades e a pertinência da presença permanente ou da intervenção


do psicanalista na instituição não serão, pois, examinados sistematicamente, ainda
que a fonte do nosso conhecimento se encontre, em larga escala, nessas práticas.
Pela mesma razão, não se poderá tratar diretamente da psicoterapia "institucional",
na medida que ela pressupõe que estruturas e processos específicos da instituição
(em geral) são mobilizáveis a serviço de um trabalho terapêutico numa deter-
1
minada instituição particular .

Esta série de estudos contribui para abrir um campo de trabalho. Quisemos propor
de uma maneira não sistemática um conjunto de formas de abordagem, de
1 O leitor poderá se reportar à obra de referência de G. Bléandonu e M. Despinoy (1974), Hôpitaux
de jour et psychiatrie dans la Comniunauté. Paris, Payot.
Prefácio XVII

enfatização, de questões sobre a possibilidade de estabelecer o fato psíquico ins-


titucional no campo da Psicanálise; para isso, forjamos alguns instrumentos con-
ceituais destinados a instaurar um campo de reflexao)e a operar em práticas, para
confirmá-las ou questioná-las. Com efeito, devemos admitir que ainda hoje não
dispomos dos meios necessários ao estabelecimento de uma teoria psicanalítica da
instituição, começando pela constituição do seu objeto. Esse objeto, se é pensável,
ainda não foi pensado no campo da Psicanálise, e seria um outro trabalho, aqui
apenas esboçado, descobrir por quê, uma vez queJFreud destacou amplamente os
seus elementos.

O capítulo de introdução dessa obra centra-se sobre a análise da realidade


psíquica da e na instituição. R. Kaês sublinha as dificuldades, sobretudo narcísicas,
para se pensar o seu objeto, particularmente no campo da Psicanálise. Depois
propõe alguns conceitos capazes de explicar as principais formações psíquicas
bifaciais engajadas no vínculo institucional, antes de esboçar alguns aspectos da
psicopatologia das instituições.

O psicanalista argentino J. Bleger expõe em seguida sua célebre distinção entre as


implicações psíquicas profundas da sociabilidade sincrética e da sociabilidade por
interação. E. Enriquez analisa o trabalho da morte nas instituições, levando em
consideração o seu caráter paradoxal: lugares pacificados e lugares de extrema
violência. A contribuição do psicanalista italiano E Fornari também é um texto
clássico que expõe, na linha das principais contribuições de Freud, Bion e Jaques,
os princípios de uma tópica institucional. P. Fustier, a partir da instituição crítica
que é a Infância Desajustada, extrai a infra-estrutura imaginária das instituições e
os movimentos dos organizadores e dos desorganizadores psíquicos sobre o traba-
lho do pensamento. R. Roussillon analisa a dialética do ambiente do processo e do
,
" "
resto ; ele coloca em evidência a existência e o funcionamento de espaços

psíquicos particulares (o "quarto de despejo", a "lata de lixo", o "vão") sublinhando


as suas qualidades e os seus efeitos sobre o processo terapêutico das instituições de
tratamento J.-P. Vidal, numa análise crítica da abordagem psicanalítica da
.

instituição questiona o modelo familialista", frequentemente privilegiado (in-


,
"

clusive por Fornari) analisando depois a emergência clínica da instituição como


,
"

questão de família".

Nossa modernidade nos confronta com a erupção, de forma muitas vezes


catastrófica daquilo que assegura as continuidades da vida, seus encaixes
,

biológicos sociais, políticos, religiosos, culturais: juntas, essas continuidades inter-


,

dependentes formam o fundo geralmente implícito da nossa vida psíquica. A


instituição as instituições asseguram silenciosamente essas continuidades, base cul-
,

tural complementar da rocha biológica sobre as quais se apóia o espaço da psique.


A erupção da instituição nesse espaço o subverte. O risco então é de se negar, de
se contornar ou de se fetichizar a instituição. Sua incessante invenção não pode
XVIII A Instituição e as Instituições

proceder senão de um duplo reconhecimento de suas funções e de sua


legitimidade, ao mesmo tempo pelo político e pela instância psíquica dos
indivíduos singulares.

René Kaês
I . Realidade Psíquica e Sofrimento nas
Instituições
René Kaès

1 . Pensar a instituição no campo da Psicanálise

11
. . Pensar a instituição: algumas dificuldades, sobretudo narcísicas

Uma dificuldade fundamental se opõe aos nossos esforços para constituiria


instituição como objeto de pensamento. Essa dificuldade vincula-se, preponderan-
temente, aos riscos psíquicos da nossa relação com a instituição. Facilmente
englobaria esses riscos em três grandes grupos de dificuldades. O primeiro diz
respeito aos fundamentos narcísicos e objetais da nossa posição de indivíduos en-
gajados na instituição: na instituição, somos mobilizados nas relações de objetos
parciais idealizados e perseguidores, experimentamos nossa dependência nas
identificações imaginárias e simbólicas que mantêm juntas a cadeia institucional e a
trama da nossa vinculação Somos confrontados com a violência da origem e com a
.

imago do Ancestral fundador: somos arrastados na rede da linguagem da tribo e


sofremos por não conseguir que a singularidade da nossa fala se faça reconhecer.
As dificuldades que afetam a relação com a instituição com uma valência negativa
entravam o pensamento daquilo que ela institui nada menos que isso; só nos tor-
,

namos seres que falantes e desej antes porque ela sustenta a designação do
impossível: a proibição da posse da mãe-instituição a proibição do retorno à
,

origem e da fusão imediata O que na relação com a instituição permanece como


. -*
sofrimento , continua sendo impensado devido ao recalque, à recusa, à reprovação.

O segundo conjunto de dificuldades é de natureza muito diferente: aqui não es-


tamos lidando com uma resistência contra conteúdos do pensamento , mas com um
fundo de irrepresentável, aquém do recalque. Não podemos pensar a instituição na
sya dimensão de pano de fundo da nossa subjetividade senão no tempo £on-
2 A Instituição e as Instituições

secutivo a uma experiência de ruptura catastrófica do quadro estático e mudo que


ela constitui para a vida e para o processo psíquico; mas para que esse pensamento
surja, são exigidos um quadro apropriado e um aparelho para pensar, com os quais
o indivíduo contribui, de certa forma, com a condição de que esse quadro já esteja
aí, pronto para ser inventado. O que está em questão aqui é a função de meta-
quadro desempenhada pela cultura e pela sociedade como também algumas
configurações do vínculo apropriadas a um trabalho psíquico: por exemplo, o dis-
positivo psicanalítico. Esse segundo nível da dificuldade revela um descentramento
radical da subjetividade. A,qni somos confrontados não apenas com a dificuldade
de pensar aquilo que, por um lado, nos pensa e nos fala: a instituição nos precede,
nos determina e nos inscreve nas suas malhas e nos seus discursos; mas, com esse
pensamento que destrói a ilusão centrista do nosso narcisismo secundário, des-
cobrimos também que a instituição nos estrutura e que contraímos com ela re-
lações que sustentam a nossa identidade.

Mais radicalmente, somos confrontados com o pensamento de que uma parte do


"
nosso Self está fora de si mesma", e que aquilo que está "fora dc si", é o mais
primitivo, o mais indiferenciado, a base do nosso ser, ou seja, tanto aquilo que, ao
pé da letra, nos expõe à loucura e ao desapossamento, à alienação, quanto aquilo
que fomenta a nossa capacidade criadora.

Portanto, não se trata unicamente do confronto com o pensamento daquilo que nos
engendra, mas com o pensamento daquilo que, de uma maneira impessoal e des-
subjetivizada, se dispersa se perde, certamente, e germina num espaço fora de nós
,

que é uma parte de nós: essa exteriorização de um espaço interno é a nossa relação
mais anónima, mais violenta e mais forte que mantemos com as instituições. Ela
constitui espaços psíquicos comuns que são coextensivo aos agrupamentos de
diversos tipos. O correspondente interno desse espaço exte-riorizado comum in-
diferenciado é provavelmente um dos componentes do inconsciente e por essa
,

razão deve ser considerado como aquele fundo irredutível a partir do qual se
,

organiza a vida psíquica. Poder-se-ia aproximar a posição tópica e funcional desse


espaço psíquico institucional interno-externo daquela da pulsão. Aí estão dois con-
ceitos limites que através do apoio articulam o espaço psíquico às suas duas mar-
gens heterogéneas: a margem biológica que atualiza a experiência corporal e a
margem social que atualiza a experiência institucional. Esses alicerces umbilicais
do sujeito no seu corpo e na instituição perdem-sé no seu pensamento: eles susten-
tam a sua relação de desconhecido.

A fantasia da cena primária é uma tentativa para dar a esse irrepresentável ex-
teriorizado uma cena e uma posição do sujeito numa origem. A invenção do Pai
originário da figura do Ancestral é uma ancoragem subjetivizante, defensiva contra
,

essa perda de si num espaço que se vem a desaparecer, nos confronta com o caos.
,

Nas instituições o trabalho psíquico incessante é o de trazer essa parte


,

irrepresentável para a rede de sentido do mito e de se defender contra o "nós"


,

institucional necessário e inconcebível.


Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

da
O terceiro conjunto de dificuldades já não diz respeito ao pensamento
is-
instituição como objeto ou como não-Self no sujeito, mas à instituição como s
tema de vínculo do qual o sujeito é parte interessada e parte integrante. Pensar a
instituição requer entãojo 3ha"r,"r""" da ilusão monocentrista, a aceitaçao de que
"
de onde se
uma parte de nós mesmos não nos pertence propriamente, ainda que
encontrava a instituição possa surgir um Eu" nos limites do nosso necessário apòio
sobre aquilo que, a partir_dela. no&jconstitui. A dificuldade específica que apresen-
to é mais complexa do que aquela das relações bipolarizadas interno-externo, con-
tinente-conteúdo, determinante-determinado, parte-todo; estamos aqui num
sistema polinuclear e de encaixes no qual, por exemplo, o continente, (o grupo) do
sujeito é o conteúdo de um meta-continente (a instituição); ou ainda, estamos
diante de uma organização do discurso que se determina em redes de sentido
interferentes, cada uma organizando da "ma maneira própria as insistências do
desejo e as ocultações de suzunanifestação.

Por causa dessas dificuldades e dos interesses que as sustentam, um esforço cons-
tante para construir uma representação da instituição é desenvolvido nas
instituições. Mas a maior parte das representações sociais da instituição, míticas,
eruditas ou militantes, constituem a economia do pensamento da relação do sujeito
com a instituição. A sua função é por um curativo na ferida narcísica, evitar a
angústia do caos, justificar e manter os custos identificalórix)s.-preservar as funções.
dos ideais e dos ídolos.

Esse trabalho coletivo do pensar realiza uma das funções capitais das instituições
quejéjbrnccer representações comuns e matrizes identificadoras: dar um status às
relações da parte e do conjunto unir os estados não integrados, propor objetos de
,

pensamento que tenham um sentido para os indivíduos aos quais é destinada a


representação e que gerem pensamentos sobre o passado o presente e o futuro;
,

indicar os limites e as transgressões assegurar a identidade, dramatizar os


,

movimentos pulsionais ...

Entramos na crise da modernidade quando passamos pela experiência das


instituições que já não realizam a sua função principal de continuidade e de
regulação As coisas então ficam um pouco confusas: o fundo imperceptível da
.

nossa vida psíquica até então gerenciado pelas garantias metafísicas, sociais e cul-
,

turais da continuidade e do sentido irrompe violentamente na cena psíquica e na


,

cena social As ciências humanas nascem do questionamento dessa idéia terrível e,


.

talvez suicida, de que o homem não é mais a medida de tudo mas se vê tomado e
,

manipulado por forças de maior envergadura: a economia, a linguagem, o incons-


ciente, a instituição. Aquilo que vem a culminar nos movimentos correlatos e an-
tagonistas do estruturalismo e das erupções vitalistas dos anos sessenta prepara-se
com os lutos impostos pela modernidade do fim do século XIX: de Deus, do
Homem e das Civilizações. Como toda modernidade, a nossa modernidade des-
cobre e denuncia os acordos tácitos comuns sobre os quais repousam a con-
tinuidade das instituições e a matriz do sentido.
4 A Instituição e as Instituições

Ora, as instituições, assim como as civilizações por elas sustentadas não são imor- ,

tais. A ordem que impõem não é imutável os valores que proclamam são
,

A? contraditórios e elas negam aquilo que lhes serve de base.

Uma tal descoberta não deixa de apresentar riscos: sentimos os seus efeitos na
difícil questão das funções metafísicas das instituições e diante das suas fraquezas,
,

as atacamos porque somos traídos , entregues ao caos, abandonados por elas, cuja
presença silenciosa nem sequer percebíamos.

O mudo e o imutável depositados nelas impõem-se, progressivamente , ao nosso


j reconhecimento como aquela parte de nós que nos era estranha e que aí estava
I depositada. Mas esse reconhecimento se realiza no arrombamento traumático e a ,

| sua violência paralisa a nossa capacidade de pensamento no mesmo momento em


i que novas estruturas institucionais são buscadas e submetidas à prova.

Portanto, somos sempre obrigados a pensar a instituição porque a instituição não


se impõe mais contra o surgimento do impensado e do caos; porque a nossa
relação prática com as instituições mudou; porque elas se dessacralizam e se
sacralizam continuamente. Nesse marasmo onde surgem pontos de criação ora ,

sustentados pelo imaginário utópico ora situados fora da história pela função do
,

ideal, fazemos a experiência da loucura comum da nossa parte louca escondida


,

nos meandros da instituição: massividade dos afetos discussão obnubilante e ,

repetitiva de ideias fixas paralisia da capacidade de pensamento, ódios


,

incontroláveis ataque paradoxal contra a inovação nos momentos de inovação,


,

confusão inextricável dos níveis e das ordens sincretismo e ataques concentrados


,

contra o processo de ligação e de diferenciação acting e somatização violentas.


,

Seria longa a lista das emergências desorganizadoras provocadas pelo desregra-


mento institucional; esses sofrimentos e essa patologia são uma das passagens para
o nosso conhecimento moderno da dimensão psíquica da instituição Quaerens .

quem devoret elas nos confrontam, inicialmente, com a angústia suscitada pelo
aumento de energia desvinculada e posta em movimento pela desagregação da
instituição revelando assim a sua função de ligação. Não podemos pensar esse
,

jnivel da função psíquica da instituição fora da experiência enlouquccedora da sua


falência. Tal é o preço alto e cruel, desse conhecimento. O prémio de reconhe-
,

cimento é dado no prazer da invenção de novos espáços de vinculação na ,

emergência de novas formas de vínculos e de pensamento no uso de novos ,

depósitos e pela reconstituição dos panos de fundopsíquicos.

Mas já não podemos acreditar plenamente nisso como antes: vemo-nos en- ,

ganados e, no entanto, prontos para recomeçar a aventura e nela tomar co-


nhecimento daquela parte sempre desconhecida de nós que enfim, talvez se revele ,

na sua verdade.

1 Expressão latina que significa: Procurando a quem devorar. (N. do T.) ,


5
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

Nesse difícil percurso, talvez tenhamos descoberto que oscilamos entre duas
ilusões e que nos esforçamos por inscrevê-las na história: a primeira é que a
instituição é feita por cada um de nós pessoalmente, como a Providência; a segun-
da, que ela é propriedade de um senhor anónimo, mudo e todo-poderoso, como
Moloc. Recusemos uma e outra. No final das contas, a instituição nos confronta i-
uma quarta ferida a qual também é uma ferida narcísica, depois daquelas que as
,

descobertas de Copérnico, de Darwin e de Freud infligiram à idéia do homem,


retirando-o da sua posição central no espaço, na espéc:e e na sua concepção de si
mesmo. Foi-nos necessário admitir que a vida psíquica não está exclusivamente
centrada num inconsciente pessoal, que seria como uma ejpéçie de propriedade
*
_

privada do sujeito individual Paradoxalmente, uma parte dele mesmo, que o


mantém na sua própria identidade e que compõe o seu inconsciente, não lhe per-
tence propriamente mas às instituições sobre as quais se apóia e que se mantêm
por esse apoio. Mas cuidemos para não cultivar a ferida: a descoberta da
instituição não é apenas a de uma ferida narcísica, é também a dos benefícios
narcísicos que sabemos tirar das instituições, a preços variáveis, que apenas
começamos a avaliar.

12. . A questão da instituição no campo da Psicanálise

Ao mesmo tempo que os conceitos e a prática da Psicanálise nos esclarecem na


nossa tentativa de refletir sobre os riscos psíquicos da instituição, surgem
obstáculos específicos para se elaborar o status psicanalítico da questão da
instituição. Minha hipótese é que as dificuldades para conceber psicanaliticamente
a própria instituição psicanalítica estão ligadas com as que aparecem quando ten-
tamos articular a ligação da instituição com os processos e as formações do incons-
ciente com as subjetividades que a ela correspondem, e com os espaços psíquicos
,

comuns que ela pressupõe e forma. Conceber psicanaliticamente a instituição


psicanalítica consiste em descobrir, no campo do trabalho psicanalítico, o que do
inconsciente e dos seus efeitos está ligado pelos analistas na instituição que eles
formam e em estabelecer os efeitos disso na prática e na teoria. -

Ao lado das dificuldades comuns de que acabo de falar e para cuja análise algumas
práticas psicanalíticas trazem uma luz importante - por exemplo, a análise das
formações grupais e familiais a análise das psicoses e a abordagem psicanalítica do
,

autismo determinados dispositivos de trabalho psicanalítico nas instituições de


,

tratamento psíquico - existe uma dificuldade específica de se dotar de um status


teórico e metodológico um objeto cuja consistência não pode ser provada no qua-
dro paradigmático do tratamento tradicional Consequentemente, e legitimamente,
.

os conceitos elaborados no quadro da cura devem ser utilizados em condições que


conservem a sua pertinência quando se aplicam à inteligibilidade de objetos
Provados e pensados num outro dispositivo.
6 A Instituição e as Instituições

\ Em que condições podem-se constituir uma teoria e uma prática psicanalítica da


'
.V , instituição? Questão complexa e de múltiplas facetas. Em que condições pode-se
.

sustentar que a instituição enquanto tal pode ser um objeto teórico e concreto da
Psicanálise? Dever-se-á admitir que ela pode se constituir apenas como um qua-
dro ou um dispositivo para um trabalho de inspiração psicanalítica com sujeitos
singulares? Para sustentar a primeira eventualidade, é preciso definir as
características de um objeto analisável e de um dispositivo apto para manifestar os
efeitos do inconsciente em ação nesse objeto e capaz de produzir efeitos de "

análise. Por qual pedido? O da instituição enquanto conjunto (objeto analisável")


e/ou aquele dos seus constituintes? A mesma questão se coloca, em termos sen-
sivelmente idênticos, no que diz respeito à análise da família ou do ÿrupo. Alguns
psicanalistas tentaram realizar esse trabalho: F. Fornari e J. P. Vidal abrem nesta
obra algumas perspectivas a esse respeito. A dificuldade comum que evidenciam é
a de especificar qual o papel desempenhado pelo inconsciente e pelo seu sujeito
hipotético nessas instituições.

Quanto à segunda eventualidade, a de que a instituição constitui um quadro


possível para um trabalho de inspiração psicanalítica, a prática a impôs, como o
próprio Freud havia desejado e predito, não sem que alguns problemas maiores
tenham surgido: o das modalidades específicas da organização da contra-
transferência e da transferência, e portanto, das resistências, num determinado
espaço psicanalítico contido num espaço heterogéneo. Mas trata-se aqui de um
conjunto de questões que mereceriam um estudo especial.

Uma dificuldade específica para se inscrever a instituição como objeto possível no


campo da psicanálise vincula-se ao fato de que ela é um objeto heterogéneo em
relação a esse campo - como na sua ordem própria o são o mito e a arte - e ao fato
de que ela obedece às leis próprias de sua ordem.

Uma formação da sociedade e da cultura

A instituição é, em primeiro lugar, uma formação da sociedade e da cultura; segue-


lhes a lógica própria. Instituída pela divindade ou pelos homens, a instituição se
opõe àquilo que é estabelecido pela natureza.

A instituição é o conjunto das formas e das estruturas sociais instituídas pela lei e
pelo costume: a instituição regula as nossas relações, preexiste e se impõe a nós;
ela se inscreve na permanência. Cada instituição é dotada de uma finalidade que a
identifica e a distingue, e as diferentes funções que lhe são atribuídas se ordenam,
2 O leitor encontrará na tese de doutorado de J.P. Vidal(1982) uma apresentação crítica das
condições exigidadas para um trabalho psicanalítico nos grupos institucionais: suas principais idéias
estão expostas em duas contribuições (1984, 1987), essa última é a que apresentamos nesse livro.
3 Entre os autores que trataram dessa questão, assinalamos os trabalhos de V, Girard (1975), J. C.
Rouchy(1982), J. Dubost e col. (1980).
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições 7

a grosso modo nas três grandes funções reconhecidas por G. Dumézil na base das
instituições indo-européias: as funções jurídico-religiosas, as funções defensivas e
de ataque, as funções produtoras-reprodutoras. Se para a sociedade romana
Júpiter, Marte e Quirino encarnam cada uma dessas funções, devemos admitir que
um número considerável de instituições dependem da proteção do conjunto da
trindade latina: as instituições de tratamento que na cultura moderna dos.
terapeutas tendem a se tornar o paradigma da Instituição realizaram e ainda
realizam, com muita evidência, funções mistas e complexas . Mas enquanto a
plurifuncionalidade tradicional das instituições (como por exemplo, as instituições
caritativas ou educativas da Igreja) integrava atividades, normas e regras sub-
sumidas por valores e funções basicamente religiosos, e se identificava como uma
expressão da instituição eclesial, parte integrante da ordem social e cultural a ,

plurifuncionalidade moderna já não tem um referente integrador que sustentaria o


consenso da representação mítica compartilhada, a função indiscutível do ideal, o
processo implícito de regulação social. É sobre esse tríptico que a instituição as-
segura a sua permanência e constitui para os seus membros a base de continuidade
sobre a qual se inscrevem os movimentos da sua história e da sua vida psíquica.

Nessa apresentação geral da instituição como formação social e cultural, gostaria


de estabelecer duas distinções importantes. A primeira feita por C. Castoriadis
(1975), opõe e articula o instituinte e o instituído. Essa oposição assume um sen-
tido no quadro de uma análise em que, para além do papel sócio-econômico da
"
instituição a ênfase é colocada sobre a maneira de ser sob a qual ela se apresenta,
,

"
ou seja, o simbólico {op. cit., p. 162). O imaginário é a capacidade original de
produção e de operação dos símbolos que, na ordem social, estão ligados com a
história e evoluem. O imaginário é nesse sentido, a atribuição de significados
,

novos a símbolos já existentes Castoriadis estabelece o caráter fundamentalmente


.

"
bífido" social e individual, do imaginário.
,

O imaginário individual (ou radical) "preexiste e preside a qualquer organização da


pulsão, por mais primitiva que seja... E de um fundo de representações originárias
que a pulsão toma emprestado, "no início", a sua "delegação por representação"
(op. cit., p. 388). O imaginário social, com a necessidade da organização e das
funções está na origem da instituição e na base da alienação: a alienação é aquele
,

momento em que o instituído domina o instituinte: "A alienação é a autonomização


e a predominância do momento imaginário na instituição o que provoca a
autonomização e a predominância da instituição relativamente à sociedade. Essa
autonomização da instituição... supõe sempre também que a sociedade viva as suas
relações com as instituições pelo modo do imaginário em outras palavras, não
,

reconhece no imaginário das instituições o seu próprio produto: (ibid p. 184). O .


,

imaginário social não é imutável é ator e motor da história. O social-histórico é um


,

produto do imaginário social .

4 O fenómeno talvez seja ainda mais identificável hoje nas instituições da produção que desempe-
nham funções "marciais" (estratégia e táticas industriais no contexto de guarra económica) e
,
" "

jupiteriana (cultura do ideal da empresa) .


8
A Instituição e as Instituições

A segunda distinção opõe e articula instituição e organização É uma categoria


.

familiar aos psicossociólogos (cf. G. Lapassade 1974), e muitos psicanalistas inte-


,

ressados pelo fato institucional voltaram a considerá-la novamente (J. Bleger .

1970, J.C. Rouchy, 1982; E. Enriquez 1983, 1987.) A organização teria um caráter
,

contingente e concreto , disporia não dos fins, mas dos meios para os atingir. Bleger
propõe que se considere a organização como a disposição hierárquica das funções
num conjunto definido Portanto, dar-se-á atenção à sinergia entre instituição e
.

organização e à sua conflituosidade potencial. Bleger sublinha no entanto, uma,

tendência geral da organização a marginalizar a instituição: por exemplo , numa


instituição de tratamento o objetivo terapêutico da instituição é tendencialmente
,

subordinado aos fins da organização que se autonomiza enquanto funcionamento


específico: a burocratização se instala fazendo prevalecer a interação sobre o
,

processo terapêutico, chegando mesmo a atacá-lo. Diremos, na linguagem de C.


Castoriadis, que o instituído suplanta e reduz a função instituinte da instituição .

Sublinho essas distinções fundamentais pois são necessárias à compreensão da


ordem própria da instituição: sobre os processos que elas designam articulam-se
funções psíquicas notáveis; a mudança do fim institucional é uma das figuras
análogas à da mudança psíquica. Aquilo que podemos chamar de sofrimento ins-
titucional, aceitando a polissemia desse adjetivo está ligado a elas.
,

Uma formação psíquica

A instituição não é apenas uma formação social e cultural complexa Realizando .

suas funções correspondentes ela realiza funções psíquicas múltiplas para os


,

indivíduos na sua estrutura na sua dinâmica e na sua economia pessoal. Ela


,

mobiliza investimentos e representações que contribuem para a regulação


endopsíquica e que asseguram as bases da identificação do sujeito com o conjunto
social; elas constituem como enfatizo mais uma vez, o fundo da vida psíquica no
,

qual podem estar depositadas e contidas algumas das partes da psique que es-
capam à realidade psíquica. Os trabalhos decisivos e clássicos de E Jacques (1955) .

e de I. Menzies (1960) mostraram que funções meta-defensivas a instituição podia


realizar frente às angústias psicóticas (que ela mobiliza e trata tendo em vista o seu
próprio fim). Definimos assim um primeiro espaço de análise e de trabalho
psicanalíticos: ele incide classicamente sobre a relação de objeto na instituição,
sobre a constituição das identificações imaginárias e simbólicas sobre a relação ,

com o quadro e com a lei sobre as transferências de funções. Esse é um ponto de


,

vista, enriquecido pela abordagem das psicoses dos grupos e das famílias que se ,

centraliza sobre o sujeito na sua relação com a instituição vista ora como objeto no
,

campo psíquico, ora como extensão do quadro e da moldura do campo psíquico .

Um segundo espaço de análise se abre com a hipótese de que a própria vida


psíquica supõe a instituição e de que esta constitui uma parte da nossa psique.
Essa proposição central não é um enunciado da nossa modernidade: ela apenas a
9
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

verifica e a precisa.É Freud quem primeiro enuncia esse princípio e o ilustra em


vários textos, principalmente em Totem et Tabou e em Psychologie des masses e
analyse du Moi. Na conc lusão do segundo capítulo desta obra e nas últimas páginas
de Totem et Tabou, Freud sustenta a tese de que o inconsciente é, em parte,
constituído pela transmissão das formações e dos processos psíquicos, geração
após geração. Ele reafirmará essa tese em 1923. A hipótese da psique de massa
(Massenpsyche, Volk-seele, Massenseele) explica não apenas a continuidade da vida
psíquica, a transmissão das características, mas a própria formação do incons-
ciente: Por quanto a repressão seja forte, escreve ele, uma tendência jamais
"

desaparece a ponto de não deixar atrás de si um substituto qualquer que, por sua
vez, torna-se o ponto de partida de determinadas reações. Portanto, somos
obrigados a admitir que não há processo psíquico relativamente importante que
uma geração seja capaz de esconder àquela que a sucede" G.-W., IX, 191; trad, fr.,
p .
1825. Freud postula que, para que essa transmissão se efetue, cada um possui no
seu inconsciente um aparelho para significar/interpretar (eirt Apparat zu deuten)
para endireitar e corrigir as deformações que os outros imprimem à expressão dos
seus movimentos afetivos. Paralelamente, a obra mostra como se forma a
instituição originária da sociedade humana: memória e memorial do assassinato
fundador, estruturação dos vínculos de pertença pela identificação ao totem,
instauração do tabu, transmissão da narrativa pela via mítica e pelo aparelho que
serve para interpretar e dar significado aos costumes, às cerimónias, aos preceitos
e às representações construídas após o assassinato originário.

Psychologie des masses e analyse du Moi vai admitir, sem justificação, a instituição
como um dado primário da identificação e da formação do Eu. Freud não se
enganou a respeito desse eterno já dado, primário, ou seja, quanto ao inconsciente
imortal da instituição. Baseia a sua análise das relações entre as identificações e a
formação do Eu no estudo de duas instituições fundamentais que são o Exército e
a Igreja. Freud não analisa tal Exército ou tal Igreja mas a forma permanente e
,

imortal que o Exército e a Igreja assumem para o inconsciente. Essas formas ins-
titucionais prototípicas não são demonstradas elas são apresentadas.
,

Sabe-se , porque hoje é lido mais amiúde do que há alguns anos, que o texto de
1920-21 se abre com essa declaração que não pode ser tomada por um simples
enunciado de psicanálise aplicada: "A oposição da psicologia individual à
psicologia social ou à psicologia dos grupos, que pode nos parecer muito sig-
nificativa à primeira vista perde muito da sua acuidade quando examinada profun-
,

damente A psicologia individual sem dúvida, baseia-se no homem individual, e


.
,

procura conhecer as vias pelas quais este busca obter a satisfação das suas
emoções pulsionais Mas, procedendo assim, só raramente, em condições excep-
.

cionais ela consegue fazer abstração das relações desse indivíduo (der Einzelne)
,

com os outros indivíduos Na vida psíquica do indivíduo, o Outro intervém regular-


.

mente como modelo aliado e adversário e é por isso que a psicologia individual
,

5 Obras Completas de Freud - em francês (N do R. T.)


.
10
A Instituição e as Instituições

sempre foi desde o início e simultaneamente uma psicologia social, nesse sentido
"
ampliado mas totalmente justificado (G.-W., XIII, 73).

Poderíamos evocar aqui outros textos fundamentais. Todos eles marcam o status
duplo do indivíduo apresentado por Freud no seu texto de 1914 Pour introduire le
"
narcissisme: O indivíduo efetivamente, leva uma dupla existência, na medida em
,

que é um fim para si mesmo e na medida em que é membro de uma cadeia à qual
está submetido se não contra a sua vontade, pelo menos sem a participação dela"
(G.-W., X, 143). Freud mostra constantemente, nesse texto e em outros, que esses
dois status se entrelaçam: o narcisismo primário apóia-se sobre o narcisismo da
cadeia familial, inter gerações, institucional (narcisismo da pequena diferença). A
questão do apoio aqui é central, do duplo apoio da realidade psíquica sobre as
f
suas duas margens, corporal e institucional Como o outro, a instituição precede o
.

indivíduo e o introduz na ordem de sua subjetividade predispondo as estruturas da


simbolização: pela apresentação da lei, pela introdução na linguagem articulada ,

pela disposição e pelos procedimentos de aquisição dos referenciais identifi-


catórios.

Mas a instituição também é o espaço extrajetado de uma parte da psique: está ao


mesmo tempo dentro e fora no duplo status psíquico do anexo e do depósito; está
,

na base do processo mas não poderia ser indiferente ao processo em si. É através
desses diferentes aspectos que o sujeito é sujeito da instituição e que a instituição
consiste numa dupla função psíquica: de estruturação e de receptáculo do in-
diferenciado.

Um terceiro campo de trabalho e de pesquisa se abre pela consideração do espaço


psíquico próprio da vida institucional. Admitir-se-á aqui que, para realizar as suas
funções específicas, não psíquicas a instituição deve mobilizar formações e proces-
,

sos psíquicos, e que principalmente aqueles que ela contribui para formar ou que
ela recebe em depósito (e que, desse modo, ela determina) serão particularmente
solicitados. Admitir-se-á, sobretudo, que formações psíquicas originais são
produzidas e mantidas pela vida institucional visando os seus próprios fins: isso
significa que se trata de fonnações que correspondem à dupla necessidade da
instituição e dos sujeitos que delas são partes integrante e beneficiária.

Essas formações originais mistas, não têm necessariamente o status de formações


,

compósitas ou de formações de compromissos, ainda que possam assumir esse


valor na dinâmica e na economia psíquica compartilhada e comum exigida e geren-
ciada pelo fato institucional. Essas formações constituem a possibilidade dos
6 Expus e argumentei sobre esse ponto de vista num estudo sobre o conceito de apoio no conjunto do
pensamento de Freud (R. Kaès, 1985, Étayage struluralion du psychisnic). Entendo apoio no
sentido em que Freud empregou esse conceito, não apenas nos Trois Essais sur la Théorie de la
Sexualité (1905), mas também nos desenvolvimentos ulteriores do seu pensamento e até os seus
últimos escritos. Ao lado do apoio de determinadas formações psíquicas sobre as "funções cor-
porais necessárias à vida" ele desenvolveu o conceito de apoio de outras formações psíquicas sobre
as instituições da cultura e do vínculo social.
11
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

espaços psíquicos comuns e compartilhados. Elas supõem a construção, a


issão e
utilização ou a organização de um aparelho psíquico de ligação, de transm
de transformação cujo protótipo elaborei no conceito (sobre o qual insisto devido à
sua capacidade metafórica) de aparelho psíquico grupai (ou de agrupamento). O
conceito de aparelho psíquico de agrupamento permite pensar o agenciamento
específico da realidade psíquica na relação do indivíduo com o conjunto intersub-
ietivo no qual toma parte e ao qual dá consistência. Dois níveis lógicos que a
análise deve levar em consideração e que ela deve explicar se organizam a partir
daí: o da realidade psíquica do indivíduo e o da realidade psíquica emergente
como efeito de agrupamento. As formações originais que se produzem nessa
relação e cuja caracterização deveria ser permitida por uma abordagem diferencial
conforme se trate do agrupamento de familiares, do agrupamento de estranhos ou
da instituição, apresentam todas como traço específico o fato de articular os
espaços e as lógicas que são, em parte, heterogéneos: os que regem a realidade
psíquica do indivíduo e a realidade psíquica produzida pelo conjunto.
O que chamo de aparelho psíquico do agnipamento, alianças inconscientes e cadeia
associativa gnipal são construções destinadas a explicar essa organização específica
das formações e dos processos psíquicos inconscientes mobilizados na produção
do vínculo e do sentido. Poder-se-á pôr à prova a validade dessa hipótese a
respeito daquilo que, nas instituições, funciona como o organizador psíquico in-
consciente, como sintoma partilhado ou como significante comum.

Tais formações asseguram a articulação entre a economia, a dinâmica e a tópica do


sujeito singular de um lado e de outro, a economia, a dinâmica e a tópica psíquicas
,

formadas para e pelo conjunto .

Freud nos introduziu nesse procedimento por mais de uma vez; apresentarei dois
exemplos que esclarecem o meu propósito A primeira vez foi em 1914, no texto
.

sobre o narcisismo: a concepção que ele propõe do Ideal do Eu é precisamente a


de uma dessas formações intermediárias ou bifaces que prendem a minha atenção .

Ele escreve: "O ideal do Eu abre importantes perspectivas para a compreensão da


psicologia das massas. Além do seu aspecto individual esse Ideal tem um aspecto
,

social: trata-se do ideal que reúne uma família, uma classe, uma nação A segunda
"
.

é dada na Psychologie des masses e analyse du Moi, quando nos propõe o paradig-
ma do sintoma compartilhado e do significante comum que fornece a base das
"
dentificações histéricas na instituição de moças. Tais formações têm por efeito o
reforço narcísico da parte e do conjunto fornecem referenciais identificatórios e o
,

traço comum {der einziger Zug) das identificações imaginárias mútuas.


Gostaria de ressaltar que a perspectiva que estou esboçando não opõe , por
principio, o indivíduo à instituição (ou ao grupo) como o elemento e o conjunto.
,

retende,
sobretudo, sondar as suas articulações nos espaços psíquicos e aí en-
contrar os efeitos do inconsciente Isso equivale a não localizar o inconsciente
.

fpenas no espaço do sujeito singular (ou do indivíduo enquanto tal para retomar a
,

expressão freudiana) mas nos espaços liminares onde se produzem as passagens


,
12 A Instituição e as Instituições

constitutivas da realidade psíquica: portanto, e por uma parte ainda desconhecida ,

nas formações do vínculo inter e transubjetivo ou nos espaços a-subjetivos do


quadro institucional.

Se eu me colocar do ponto de vista do sujeito singular, a oposição do elemento e


do conjunto constitui, e eventualmente divide, seu espaço psíquico. Cada sujeito
singular, bem ou mal, consegue fazer coexistir e satisfazer as exigências econó-
micas, dinâmicas e tópicas das lógicas cruzadas do indivíduo que persegue os seus
próprios fins e da cadeia à qual está submetido.

Formações e processos heterogéneos

A instituição liga une e gerencia formações e processos heterogéneos quer sejam


,

sociais, políticos, culturais económicos, psíquicos. Lógicas diferentes nela fun-


,

cionam em espaços que comunicam e interferem. É por isso que na lógica social
,

da instituição, podem se insinuar e predominar questões e soluções ligadas ao nível


e à lógica psíquicos. E esta ainda é o lugar de uma dupla relação: do sujeito com a
instituição e de um conjunto de sujeitos ligados pela e na instituição.

Nesse sentido ,se me parece legítimo considerar que toda emergência psíquica
possui a priori um valor de sintoma significativo para o conjunto institucional,
parece-me também que o nível em que ela se origina e a função não psíquica que
ela realiza permanecem sempre como uma questão aberta a ser estabelecida É .

possível que problemas políticos se exprimam no registro do sintoma psíquico. Mas


seria arriscado ignorar que reduzir o heterogéneo em favor do homogéneo susten-
,

tar o princípio da causa única e a função do Ideal reduzir a distância e a


,

dissonância cognitiva privilegiar os funcionamentos metonímicos nas relações da


,

parte e do todo, do elemento e do conjunto, reduzir os emaranhados da


heterotopia ao espaço uniforme da utopia é precisamente um trabalho dos conjun-
tos heterogéneos dotados de espaços psíquicos comuns. Nesse trabalho todos os
,

processos produtores de indiferenciação e de homogeneização são utilizados, e o


olho preparado aprende a reconhecer os elementos heteróclitos amontoados ou
justapostos como aquilo que em arquitetura é chamado de reutilização, ou seja,
vestígios de monumentos desagregados e utilizados na nova construção Dessa .

forma, nas instituições uma parte considerável dos investimentos psíquicos é des-
,

tinada a fazer coincidir numa unidade imaginária essas ordens lógicas diferentes e
complementares a fim de fazer desaparecer o caráter conflitante que contém. As
,

instituições estimulam a sinergia de todos esses investimentos e de todas as


formações que produzem a ilusão da coincidência e mantêm a relação isomórfica
entre os indivíduos e o seu grupo, até que a irrupção violenta do recalque e do
negativo faça voarem em pedaços os pactos inconscientes que selam o consenso e ,

dissociando a aparelhagem do agrupamento, revele as lógicas distintas que se dis-


simulavam nas formações comuns tão necessárias ao sujeito singular quanto ao
conjunto do qual ele procede e que ele ajuda a compor.
13
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

Ao contrário, a capacidade das instituições de tolerar o funcionamento de níveis


relativamente heterogéneos, de aceitar as interferências de lógicas diferentes cons-
titui a base de sua função metafórica. Essa capacidade torna possível a constituição
de um espaço psíquico diferenciado; ela restitui a perspectiva e a espessura de uma
história da qual os próprios atores são de ordem diferente, assim como um texto
palimpsesto contem os vestígios de escritas sucessivas sem as apagar totalmente.
O trabalho psicanalítico com as instituições pode ter por objetivo, e algumas vezes
como efeito, restabelecer essa capacidade metafórica. Espero que essas poucas
proposições tenham evidenciado suficientemente a sobredeterminação, a plurifun-
cionalidade, a diversidade de cenas psíquicas que a instituição faz funcionar. A
instituição é um polítopo, uma multiplicação de vários espaços heterogéneos man-
tidos juntos de uma maneira muitas vezes inextricável.
A multiplicidade dos níveis lógicos, das economias e das dinâmicas que aí se
desenvolvem produz diferentes efeitos: assim, efeitos de gerência ou de transferência
entre, por exemplo, o nível do sujeito singular e o do conjunto, sendo que esse
conjunto pode comportar, por sua vez, encaixes de formação (grupo, instituição)
ou montagens paralelas (família, instituição); efeitos de conflituosidade ou de re-
dução de distância entre os objetivos ou os meios das instâncias constitutivas do
conjunto (instituição, organização, grupo de sujeitos, sujeito singular); ou efeitos de
sinergia e de encaixe ordenados ou invertidos dos níveis.

No trabalho com as instituições somos confrontados com essa sobredeterminação,


,

com essa plurifuncionalidade com essa pluralidade espacial, com essas formações
,

psíquicas originais das quais passo agora a expor determinados aspectos. Uma
parte essencial do trabalho sobre o sofrimento psíquico que deriva da vida ins-
titucional recai sobre a constituição de um dispositivo capaz de neutralizar alguns
desses espaços a fim de que os efeitos da resistência, por deslocamento no espaço,
,

por reutilização dos enunciados caducos, por confusão dos níveis lógicos, possam
ser definidos e produzam efeitos de análise .

2 .
Formações intermediárias e espaços comuns da
realidade psíquica .

Tentarei ,
pois, analisar, nos termos das relações cruzadas que suponho existir entre
espaços psíquicos parcialmente heterogéneos (se o grupo é como um sonho, o
sonho não é o grupo, nem o grupo um sonho) e entre espaços psíquicos e espaços
nao psíquicos (a instituição é atravessada por ordens diferentes às quais correspon-
£r lógicas diferentes: sociais, políticas, psíquicas), a dupla articulação entre esses
espaços interferentes ligados pelo fato institucional Todavia, meu trabalho centrar-
.

Se~a rais sobre as formações e os espaços psíquicos comuns fomentados ,

produzidos e gerenciados pela instituição, a partir das contribuições e dos invés-


14 A Instituição e as Instituições

timentos que ela exige dos seus sujeitos. Por outro lado, os interesses e os
benefícios que aí encontram, o prazer e o sofrimento que aí experimentam deverão
ser igualmente avaliados.

Poderíamos desenvolver essa análise nos termos das estratégias de desvio dos in-
vestimentos psíquicos e dos meios institucionais para o benefício de alguns dos
seus componentes, ou para a instituição considerada como um todo. Isso sig-
nificaria explicar as derivas e os desvios que compõem, não sem riscos perversos ,

alguns aspectos da dinâmica institucional. Significariam explicar as forças


contrárias que modelam a instituição: algumas dedicam-se à unificação, essencial-
mente graças ao desenvolvimento da função do ideal, das representações da causa
única, das sinergias de investimento libidinal; outras dedicam-se à diferenciação e à
integração dos elementos distintos em unidades cada vez maiores; outras ao ,

contrário, dedicam-se ao retorno ao indiferenciado, à redução das tensões; outras,


ainda, à destruição e ao ataque. Mas uma tal análise, que esclarece aspectos fun-
damentais da vida psíquica na instituição, corre o risco de deixar de lado a
economia cruzada dos investimentos psíquicos que ligam, no agrupamento ins-
titucional, o interesse das partes e o do conjunto que constituem e do qual tiram a
sua existência, ou pelo menos aspectos fundamentais da sua existência.

Formações psíquicas intermediárias entre o sujeito singular e os outros

Procederei nessa análise utilizando um número restrito de conceitos que têm em


comum o fato de designar formações intermediárias entre o espaço psíquico do
sujeito singular e o espaço psíquico constituído pelo seu agrupamento na
instituição. Essas formações, cuja exploração apenas começou, são formações
psíquicas originais, que nâo pertencem propriamente nem ao sujeito singular nem
ao agrupamento, mas à sua relação: tem-se um exemplo disso naquilo que Freud
designa, de 1913 (Totem et Tabou) a 1921 (Psychologic des masses e analyse du Moi)
como o Mittler ou o Verinittler. ministro, chefe, dirigente, líder, realizam funções
,
psíquicas intermediárias e encarnam essa função Da mesma forma o porta-voz ou
.

o emissário (E. Pichon-Riviére).

Um traço constante e determinante dessas formações é o seu caráter bifacial, a


reciprocidade que induzem entre os elementos que ligam, a comunidade que selam
através dos pactos, contratos e consensos inconscientes; articulam, assim, as
relações do elemento e do conjunto nas figuras variadas: do encaixe, da inclusão
mútua, da co-inerência, ou do retomo contínuo (baseado no modelo da história em
o

quadrinhos de Moebius) .
7 O leitor poderá se reportar a um estudo no qual exponho a categoria do intermediário no pen-
samento de Freud, de Winnicott e de Roheim, procurando definir o seu emprego no campo
intrapsíquico e no espaço psíquico do agrupamento (Kaês R., 1985; e acessoriamente 1983).
8 Jean Moebius Giraud, autor francês de histórias em quadrinhos (N. do T.)
15
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

Procedendo dessa maneira, limitarei provisoriamente o campo do meu trabalho,


esperando que as funções psíquicas da instituição e da parte institucional de nosso
psiquismo sejam indiretamente iluminadas. Determinadas funções psíquicas que
pareciam pertencer apenas a um elemento do conjunto (por exemplo a função do
quadro ou do continente atribuída, numa instituição de tratamento, à equipe
terapêutica) aparecerão como uma formação comum intermediária, para cuja
elaboração e conservação o conjunto dos elementos contribui direta ou indireta-
mente, de acordo com as necessidades e as vicissitudes da sua posição na estrutura
da instituição e a sua configuração psíquica própria. Retomemos o exemplo do
quadro9 e do continente: a sua existência supõe a reciprocidade de funcionamento
com outros quadros ou outros continentes, ou o encaixe das suas relações. O qua-
dro do grupo terapêutico está numa relação de encaixe e de reciprocidade com o
quadro da própria instituição e com o quadro interno (mesmo teórico) do
terapeuta. Cada um a sua maneira - até mesmo os auxiliares de tratamento - par-
ticipam na conservação e na reciprocidade dos quadros, apesar das suas relações
serem antagónicas (quadro administrativo da instituição contra quadro
terapêutico) e complementares. Quando o quadro é atacado, em qualquer nível
que seja, os efeitos se repercutem nos diferentes elementos unidos pelo quadro:
temos por hábito estar atentos aos seus efeitos catastróficos para o sujeito singular;
devemos considerar as suas consequências nas modificações estruturais que afetam
a base psíquica do fato institucional e que confrontam o conjunto dos seus com-
ponentes ao retorno desagregador das partes indiferenciadas e não integradas,
depositadas em diferentes pontos do quadro. É por isso que eu sustento o ponto
de vista de que determinadas funções psíquicas que são atribuídas de maneira
estática a um elemento de um conjunto ou ao conjunto, devem ser tratadas nas
,

suas relações recíprocas .

As poucas formações intermediárias que gostaria de apresentar contribuem para o


fundamento psíquico dos conjuntos sociais ao mesmo tempo que formam as bases
da nossa psique Dizem respeito à partilha do prazer e dos meios empregados em
.

comum pela realização do desejo; pela renúncia pulsional exigida pelo


aparecimento da comunidade e da segurança dos seus sujeitos; pela reciprocidade
dos investimentos narcísicos e das representações que asseguram a continuidade
do fundo coletivo sobre o qual se apóia a vinculação e a identidade; enfim pelo
acordo inconsciente a respeito do que deve ser mantido no recalque ou fora de
toda representação para que as condições psíquicas e sociais da vinculação se
mantenham na forma de agrupamento que a constituiu Cada uma dessas .

wmações assegura, solidariamente com as outras, as condições psíquicas da


fxistencia e da vida da instituição Elas contribuem para a sua permanência e para
.

a sua capacidade de engendrar a continuidade; para a sua estrutura e para a sua


capacidade estruturante; para a realização de sua tarefa primária (I. Menzies, ,

I960) e consequentemente para a definição da sua identidade.


,

9 Sobre a função do quadro nas instituições


, ver trabalhos de J. J. Baranès (1984) e de R. Moury
(1977,1981).
16
A Instituição e as Instituições

Qualquer crise, qualquer falha nessas formações intermediárias põe em jogo a


instituição e a relação de cada um com a instituição revela os contratos, pactos
,

acordos e consensos inconscientes, libera energias mantidas nas suas malhas ou ,

paralisa toda invenção vital de novas relações. A lógica da crise e da auto-


superação inclui, portanto níveis diferentes10 e uma análise multifocal.
,

Talvez, assim, aquilo que nos preocupa aqui e que exige o nosso trabalho nas
instituições - o sofrimento psíquico ligado ao fato institucional e o desprendimento
das potencialidades que contribuem para a realização da tarefa primária da
instituição (tratar ensinar, produzir) -, possa aparecer na sua singularidade.
,

Exemplo clínico: a colusão dos tempos numa instituição de tratamento

Uma situação clínica servirá de referência empírica e de base crítica para a


apresentação dessas formações intermediárias. Trata-se de uma situação relativa-
mente frequente nas instituições de tratamento cuja fundação corresponde a uma
inovação no projeto e nas modalidades psicoterapêuticas É por isso que a en- .

contramos com frequência em alguns hospitais-dia ou de qualquer outra ,

estrutura, quando o tempo de saída dos primeiros doentes aparece na ordem do


dia. Um tal acontecimento faz aparecer de uma maneira crítica, a maior parte das
,

formações intermediárias que unem o espaço psíquico singular dos sujeitos ao


espaço psíquico comum da instituição; elas o afetam pois, em aspectos funda-
,

mentais de sua vida. O fragmento que apresento foi objeto de uma análise que
procurou pôr em evidência a imbricação e a desvinculação das temporalidades
1i
individuais , grupais e institucionais nessa circunstância .

"
Durante sete anos , encontrei-me regularmente com os membros da equipe auxiliar
de tratamento de um hospital-dia para tentar analisar o seu funcionamento grupai
e institucional. O trabalho foi efetuado a partir daquilo que foi dito por cada um
deles.

"
O término da minha intervenção era posto em discussão a cada ano e certa vez ,

havíamos combinado por proposta minha, a data da última sessão. Entre os


,

critérios que eu havia estabelecido para prever o fim da minha intervenção tinha ,

pensado principalmente na preparação de algumas saídas de membros da equipe


auxiliar de tratamento ou de doentes importantes para os membros da equipe , a
elaboração da crise do projeto terapêutico deles e correlativamente, a reestru-
,

turação do "romance institucional" e das suas ramificações ideológicas; havia conta-


do também com o trabalho de desligamento transferencial e contra- transferencial ,

com a sua capacidade de implantar um dispositivo de trabalho de desprendimento


frente aos mecanismos repetitivos que nesse caso, como em outros, especificam o
,

10 O leitor poderá se reportar ao trabalho de J. Guillaumin(1979) sobre a metodologia das situações


de crise interdependentes.

11 Cf. R. Kaès (1985b): Les temps du lien groupsL


17
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

funcionamento grupai e institucional. Uma vez fixada, a data do término da minha


intervenção foi logo esquecida e por várias vezes negada.
"
No decorrer dos últimos meses, uma parte considerável do trabalho da equipe
incidiu sobre a dificuldade atual que encontrava para se separar de alguns doentes
que estavam nõTTospital-dia desde o momento da fundação. Eles estavam lá no
começo, como a maior parte da equipe auxiliar de tratamento e, com uma pequena
diferença no tempo objetivo, como eu. O tempo subjetivo da equipe coincidia com
o dos doentes e com o da própria instituição, e não é surpreendente que a minha
própria presença tenha sido reduzida a essa coincidência no imaginário ucrônico
intervir
das origens: em outras instituições comparáveis, quando era solicitado a
após vários anos de funcionamento, fantasmaticamente, portanto fora do tempo,
eu sempre já estava ali presente na origem do hospital-dia. Com efeito, o analista é
chamado seja para refundar a instituição imaginária, seja para ser delegado como
testemunha na cena primária que a alicerça, para assegurar, retroativamente, que
não houve nem violência sexual nem assassinato ou então, uma vez que houve
assassinato e violência sexual, para determinar os culpados e as vítimas. E eviden-
temente sobre essa chamada que se constitui a resistência, ou seja, a transferência.
E a contra-transferência.

"
"
Deixar os doentes originários ("co-fundadores" e co-fundados ) irem embora, no
"

momento em que o anúncio da minha partida modificava radicalmente o regime da

temporalidade no grupo, significava para os membros da equipe abandonar aquela


parte de si mesmos que foi narcisada e alienada na origem grandiosa da sua
fundação. Era o mesmo que abandonar a instituição por vontade própria: essa foi a
fantasia que circulou durante alguns meses, retomada mais aguda de uma fantasia
mais antiga: a de ser absorvido ou sugado pela instituição, de não mais ter tempo
para si.

"

Nessas condições o trabalho dos últimos meses tratou da diferenciação dos tem-
,

pos subjetivos, das fantasias, identificáveis na transferência, de abandono, de


captação e de retenção sobre o vínculo originário fundador. O bisturi passou por
,

entre esses tempos confundidos e a sua rearticulação trouxe de volta na depressão,


,

o tempo imóvel do mito heróico do grupo originário: estar na vanguarda dos novos
tratamentos psiquiátricos A fantasia de cena originária na qual se fundavam (fusão
.

e fundação) mutuamente pôde ser formulada e em parte, analisada em relação aos


,

doentes e na transferência .

Esse trabalho de diferenciação das temporalidades suscita uma angústia


considerável em todos os grupos, e mais ainda em todas as instituições, inclusive na
família sobretudo nos momentos do nascimento, durante a adolescência, e na
,

morte dos pais. Na instituição, cada um é ameaçado pela equivalência fantasmática


entre a diferenciação temporal e o deslocamento do quadro. O espaço aqui ex-
prime regressivamente o tempo: tudo se passa como se conservar os pais - objetos
da origem fosse manter no espaço da Unidade-dia, o tempo narcísico da
-
18 A Instituição e as Instituições

fundação. Como o inconsciente, a instituição é imortal na fantasia dos seus


"
membros.

21
. .
O agrupamento como comunidade de realização do desejo e da defesa

Lembremos, inicialmente, o fundamento freudiano de um pensamento psica-


nalítico sobre a instituição: ele apresenta a identificação como sendo aquela
formação intermediária que mantém juntos os membros da instituição (Exército ,

Igreja, - falta a Empresa e a Universidade) e a própria instituição. Mostra com


uma clareza notável o que o sujeito perde e ganha nesse processo e o que se dá
com ele no conjunto que assim se forma.

Sublinhemos, em seguida o que o trabalho de D. Anzieu veio evidenciar, uma vez


superadas as resistências em reconhecer isso: o agrupamento é, a exemplo do
sonho, uma modalidade maior de realização do desejo inconsciente. Os vinte anos
que se seguiram a essa tese apenas confirmaram a sua legitimidade e esclareceram
retrospectivamente diversos textos de Freud. Dois anos antes de 1968, D. Anzieu
dizia que o grupo era um lugar para realizar desejos, para se defender contra a sua
realização. 1968 manifestava na escala da sociedade, das instituições, dos grupos e
,

dos grupinhos, as forças que operam no agrupamento. De um lado a celebração ,

pelo grupo que institui e se desinstitui continuamente, da função criadora do


imaginário social e da realização dos desejos "individuais" em instituições diferen-
tes, que conservariam apenas o seu poder instituinte; por outro lado a denúncia da
instituição instituída alienante e que pereniza a rigidificação do movimento social,
,

a permanência dos poderes coercitivos e a hierarquia dos valores oponíveis à


satisfação do desejo. Celebração e denúncia simultâneas, no momento em que as
modalidades grupais de realização do desejo individual revelam a estrutura mista
paradoxal das formações intermediárias, as lógicas cruzadas, ordens diferentes.
*

Desordem.

O agrupamento assegura a comunidade de realização do desejo e da defesa contra


o desejo, porque existe mais de uma analogia, mas não uma identidade, entre a
cena e os processos do sonho e a cena e os processos do agrupamento. D. Anzieu
ressaltou sobretudo os aspectos tópicos e dinâmicos dessas relações: encenação e
dramatização de desejos proibidos e recalcados funcionamento da censura. Quan-
,

to a mim ative-me aos mecanismos comuns de produção do sonho e do


agrupamento: condensação e formação das pessoas-conglomerado identificações
,

narcísicas e objetais deslocamento, difração e multiplicação do idêntico (R. Kaès,


,

1985d).

Na perspectiva da análise dos fundamentos psíquicos do agrupamento esses ,

trabalhos deram ocasião a uma reelaboração das análises freudianas sobre as


identificações histéricas e a comunidade dos sintomas, o contágio mental e a
transmissão psíquica; assim a transmissão intersubjetiva é uma modalidade de
,

realização do desejo, não apenas na medida em que o sujeito se identifica com o


19
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

desejo ou com o sintoma do outro, mas porque se trata de um desejo comparti-


lhado: o desejo do desejo do outro, ou o desejo de uma defesa comuin contra o
desejo.

No capítulo 7 de Psychologie des masses e analyse du Moi Freud desenvolve essa


análise: a identificação é o que há de comum entre dois ou mais indivíduos; é o
que se estabelece e o que se desloca de um para outro. Apóia-se na referência da
primeira edição de Totem et Tabou". Aquilo que os irmãos se transmitem após o
"

assassinato do pai originário é o que têm em comum; aquilo mesmo que trans-
mitem à sua geração pelo processo da identificação: a interdição de matar o animal
totêmico enquanto representante do pai. Depois ele retoma a análise da formação
do sintoma neurótico para mostrar como a comunidade dos sintomas entre Dora
e seu pai, e as identificações que a sustentam, exprimem a forma mais precoce e
mais original do vínculo afetivo. Nas condições próprias para a formação do sin-
toma e para a supremacia dos mecanismos do inconsciente, a escolha de objeto
torna-se identificação apropriando-se das qualidades do objeto. O sintoma per-
mite, por identificação, reencontrar o vínculo com a pessoa amada. Mas ele vai
mostrar também como a identificação faz abstração da relação objetal com a pes-
soa imitada. E ele dá este exemplo significativo que impõe a instituição como um
lugar de trabalho dos processos psíquicos fundamentais:
I
"

Uma das moças de um pensionato acaba de receber daquele a quem ama


em segredo uma carta que provoca o seu ciúme e à qual reage com uma crise
de histeria; algumas das suas amigas a par do acontecido, vão então passar
,

pela mesma crise, como dizemos, pela via do contágio psíquico. O mecanis-
mo é o de uma identificação fundada na capacidade ou na vontade de se
colocar numa situação idêntica As outras também gostariam de ter uma
.

relação amorosa secreta e por influência da consciência da culpa aceitam ,

também o sofrimento decorrente Não seria exato afirmar que elas se


.

apropriam do sintoma por compaixão Ao contrário, a compaixão nasce


.

unicamente da identificação e a prova é que um tal contágio ou imitação se


,

instaura igualmente nas circunstâncias em que se admite entre duas pessoas, ,

uma simpatia preexistente bem menor que aquela que se estabelece habitual-
mente entre amigas de um pensionato Um dos Eu percebeu no outro uma
.

analogia significativa num ponto no nosso exemplo, a mesma disponibilidade


,

afetiva; forma-se a partir daí uma identificação nesse ponto e, sob a


influência da situação patogênica essa identificação se desloca para o sin-
,

toma que um dos Egos produziu A identificação pelo sintoma se torna assim
.

um índice de um ponto de coincidência dos dois Egos, ponto que deve ser
mantido reprimido" (G W., 118; trad. fr. p. 170).
.

O agrupamento - como formação psíquica intermediária - é o que na instituição


une os membros da instituição entre si numa realização de tipo onírico e pela
,

comunidade dos sintomas


das
, fantasias e das identificações, de tal forma que
Possam investir aí os seus desejos recalcados e encontrar os meios deformados,
20 A Instituição e as Instituições

desviados, travestidos, de os realizar ou de se defender deles. Por aí eles se ligam à


instituição, ao seu ideal, ao seu projeto, ao seu espaço.

Fundar uma instituição, fazê-la funcionar, transmiti-la, tudo isso só pode ser sus-
tentado por organizadores inconscientes que trazem consigo desejos que a
instituição permite realizar. O exemplo clínico que propus nos orienta nesse ca-
" "

minho: o que a aproximação da saída dos doentes co-fundadores revela é a rede


das identificações solidárias na base do agrupamento na instituição. A saída deles
corresponde à perda das partes do Eu sacrificadas ao vínculo libidinal mantido
pela identificação.

2 .2 "A troca de uma parte de felicidade possível contra uma parte de


segurançarenúncia pulsional e advento da comunidade
civilizada

Em 1929, Freud prossegue a sua longa reflexão sobre a felicidade. Por que, ele se
pergunta, é tão difícil para os homens serem felizes? A essa questão complexa, ele
responde inicialmente pela consideração da vida psíquica. Se existe no homem
desconforto e mal-estar, isso está ligado antes à estrutura da psique: à oposição do
Ego hedônico primitivo ao objeto. Ele lembra como se forma o Ego-prazer. O
Senhor absoluto, o princípio de prazer, exige que se evite as sensações de dor e de
sofrimento e que se expulse do Ego tudo o que pode constituir uma fonte de
desprazer.

O advento do princípio de realidade assegura a distinção entre o interno e o exter-


no, ou seja, entre o que se refere ao Ego e o que provém do Mundo exterior.
Permite assim a defesa contra as sensações penosas ou ameaçadoras. Mas em
oposição ao princípio de realidade e a essa distinção salutar, o homem inventa
dispositivos de representação providencial. Reconstitui a sua posição frente a um
pai que conheceria todas as suas necessidades e proporcionaria às dificuldades da
vida satisfações substitutivas aliás, psiquicamente eficazes, graças ao papel da
,

imaginação. É pelo fato de que a ilusão se denomina religião, arte ou ciência que
ela tem um futuro. Saberemos ulteriormente que o grupo e a instituição podem
alimentá-la.

Em seguida Freud vai se interrogar sobre as fontes de onde promana o sofrimento


humano. Aponta três delas: a primeira é a força esmagadora da natureza; a segun-
da a decrepitude do nosso próprio corpo; a terceira, a insuficiência das medidas
destinadas a regular as relações dos homens entre si no seio da família, do Estado
ou da sociedade.

Ora, constata Freud, enquanto buscamos os meios para nos defender contra as
duas primeiras fontes do nosso sofrimento, adotamos uma atitude diferente em
relação à terceira, o sofrimento de origem social (die soziale Leidensquelle). Ele
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

escreve: "Nã o podemos compreender por que as instituições (die Einrichtungen)


que nós mesmos edificamos não nos dispensam a todos proteção e benefícios. Seja
como for, se refletimos sobre o deplorável fracasso, nesse campo precisamente, das
nossas medidas de preservação contra o sofrimento, começamos a suspeitar de que
aqui ainda se dissimula alguma lei da natureza invencível, e que dessa vez se trata
da nossa própria constituição psíquica (Malaise dans la Civilisation, trad. fr. p.
"

32-33). Entretanto, a opinião mais difundida é que a civilização é responsável pela


nossa miséria e que deveríamos abandoná-la para voltar ao estado primitivo que
nos garantiria maior felicidade; e Freud se pergunta por que se desenvolve esse
ponto de vista hostil à civilização e às suas instituições. Antes de responder a essa
questão ele caracteriza o que é uma civilização. Ela se forma, antes de mais nada,
na capacidade do homem de subjugar e de cultivar a terra em seu proveito, de
instaurar a limpeza, a higiene e a ordem. Uma civilização se reconhece, depois,
pelo fato de que valoriza as produções intelectuais, científicas e artísticas, inclusive
a religião enquanto constitui um conjunto de formações ideais. Uma civilização se
caracteriza, enfim, pela maneira como são reguladas as relações dos homens entre
si: essas relações são múltiplas e variadas e a questão é definir o que vem a ser uma
"
relação civilizada. Freud apresenta então a hipótese seguinte: O elemento
civilizado (das kulturelle Element) seria dado pela primeira tentativa de
regulamentação das relações sociais. Se não existisse uma tal tentativa, elas es-
tariam submetidas ao arbítrio do sujeito singular, por outras palavras, ao indivíduo
fisicamente mais forte que as regularia consoante ao seu próprio interesse e às suas
pulsões instintivas. Nada mudaria se, por sua vez, esse elemento mais forte en-
contrasse alguém mais forte ainda. A vida em comum dos homens só se torna
possível quando uma pluralidade consegue se reunir num conjunto mais forte que
cada indivíduo particular e se mantém coesa frente a todo indivíduo particular"
( Malaise dans la Civilisation G.W., XIV, 455, grifo nosso).
.

Como o faz muitas vezes em Malaise dans la Civilisation Freud retoma e desen-
,

volve uma questão já elaborada em outras obras Ele já se perguntou como uma
.

pluralidade consegue formar não um grupo, mas um agrupamento institucional e


uma instituição Totem et Tabou sustenta a hipótese de que o assassinato do pai
.

originário e a instauração consecutiva do contrato fraternal dão consistência e


limite ao agrupamento; pelo enunciado do tabu e pela ereção do totem, fundam as
instituições sociais Psychologie des masses e analyse du Moi traz uma outra
.

dimensão: sobre o modelo das instituições de base (dos grupos convencionais que
sao o Exército e a Igreja) o agrupamento pelo qual se efetua a passagem do um ao
múltiplo e da pluralidade ao conjunto, repousa na identificação de cada um ao
C efe e secundariamente
,
,de cada um dos membros do grupo entre si.

Em todas essas respostas se esboça a necessidade da renúncia (der Versicht) Aí .

esta um postulado anunciado já em 1908 na Morale sexuelle civilisée; nossa


civilização está construída sobre a repressão das pulsões e sobre a renúncia: "Cada
indivíduo cedeu uma parte da sua propriedade
do seu poder de soberano, das
,

faencias agressivas e vindicativas de sua personalidade É dessas contribuições


.
22 A Instituição e as Instituições

que deriva a propriedade cultural comum dos bens materiais e dos bens ideais.
Fora as exigências da vida, foram os sentimentos familiais provenientes do erotismo
"

que levaram os indivíduos tomados isoladamente à renúncia .

A obra Malaise dans la Civilisation põe em evidência uma segunda linha de


reflexão. Diz respeito às compensações e ao contrato obtidos em troca da
imposição e da renúncia. "O homem civilizado trocou uma parte de felicidade
"

possível por uma parte de segurança Nessa troca, a passagem da pluralidade para
.

o agrupamento é decisiva. Ela forma a base da vida em comum. Freud escreveu: A "

força dessa comunidade enquanto direito opõe-se à do indivíduo estigmatizada


pela designação de força bruta. Operando essa substituição da força coletiva pela
força individual, a civilização deu um passo decisivo. Seu caráter essencial reside
no fato de que os membros da comunidade limitam suas possibilidades de prazer
"

ao passo que o indivíduo isolado ignorava qualquer restrição desse género (p. 44).
Mais adiante ele escreve: "O resultado final deve ser a edificação de um direito ao
qual todos, ou pelo menos todos os membros capazes de aderir à comunidade
tenham contribuído sacrificando seu impulso instintivo pessoal, e que, por outro
lado, não deixe que nenhum dentre eles se torne vítima da força brutal com
"
exceção daqueles que não aderiram a ela .

Essa linha de reflexão sobre o contrato e sobre a comunidade enquanto direito


também é antiga em Freud; já está esboçada em Totem et Tabou, como é lembrado
em Malaise dans la Civilisation: Pela sua vitória sobre o pai, os irmãos aliados
"

entre si tinham feito a experiência de que uma federação pode ser mais forte que o
indivíduo isolado. A civilização totêmica está baseada nas restrições que foram
obrigados a se impor para manter esse novo estado de coisas. As regras do tabu
constituíram o primeiro código de direito; a vida em comum dos seres humanos
tinha, pois, por fundamento: primeiramente a imposição do trabalho (der Zwang
zur Arbeit) criada pela necessidade exterior e, secundariamente, a força do amor,
esse último exigindo que nem o homem fosse separado da mulher, seu objeto
sexual, nem a mulher daquela parte separada dela mesma que é o filho. Eros e
Anankeii tornaram-se assim os pais da civilização humana cujo primeiro sucesso
foi que um número maior de seres puderam permanecer e viver em comum".

Assim a comunidade enquanto direito protege contra a violência do indivíduo,


impõe a necessidade e torna possível o amor. O que Freud descreve é um biface:
renúncia pulsional e advento da comunidade de direito têm uma função e um
significado no espaço psíquico singular e no espaço psíquico do agrupamento ins-
titucional. Ele nos descreve ao mesmo tempo a base psíquica da fundação jurídica
da instituição e da filiação legítima dos seus membros. Todas as instituições são
dotadas de um sistema interpretativo da lei fundamental, através do qual são
apresentadas e resolvidas determinadas ligações entre as exigências pulsionais dos
indivíduos e a salvaguarda do interesse comum, entre a violência do abuso do
poder comunitário e a exigência da realização de determinados desejos incons-
12 Amor e Necessidade (N. do T.)
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições 23

cientes. A lei local da instituição é o conjunto de enunciados interpretativos da lei


fundamental de composição. A distância entre esses dois aspectos da lei põe em
conflito as relações do desejo e da interdição; ela remete, definitivamente, à lei
relativa ao homicídio e à exogamia que regulamenta as relações dos sexos e das
gerações e traça os limites da comunidade local na comunidade dos seres humanos
(e portanto, a relação com a terceira diferença: aquela manifestada pela presença
do estrangeiro).

Nessa perspectiva, poderíamos retomar a análise da situação do hospital-dia no


decorrer daquela sequência crítica no momento da saída dos primeiros doentes. A
equipe se vê confrontada com a lei fundamental: deve se separar dos doentes que
ela devolve ao mundo, e essa separação desperta o desejo impossível de continuar
na mãe-instituição imortal e de retornar à origem. A lei local que rege os critérios
da partida interpreta as condições de separação contra a lei fundamental:
"
Se eles
ainda não estão curados, e nossos critérios dão prova disso, então poderemos retê-
los e nos preservar da dor da nossa própria separação". E contra essa violência da
pulsão de dominação que a comunidade de direito exige renúncia.

2 . 3 A permanência, a filiação e a manutenção do sujeito singular no


ser-conjunto: o contrato narcísico.

A instituição deve ser permanente: com isso ela assegura funções estáveis e
necessárias à vida social e à vida psíquica Para o psiquismo, a instituição encontra-
.

se, como a mãe na base dos movimentos de descontinuidade instaurado pelo jogo
,

do ritmo pulsional e da satisfação Ela se confunde com a experiência mesma da


.

satisfação É uma das razões do valor ideal e - necessariamente - persecutório que


.

ela assume tão facilmente


~

Não somente a instituição deve ser estável mas o intercâmbio social e os movimen-
,

tos que a acompanham exigem de sua função que ela o estabilize É a funçáo do
.

instituído As duas formações psíquicas intermediárias mistas contribuem para essa


.

permanência; o direito sempre regulou as relações de violência inerentes aos riscos


pulsionais, aos movimentos do desejo e aos interesses dos grupos O imaginário
.

social e individual sempre procurou um fiador metassocial e metapsíquico ao


direito; não é sem razão que ele sustenta a origem divina da instituição. Para o
inconsciente, com efeito a instituição inscreve-se no espaço do sagrado. Esse
,

espaço do terror é o do começo da fundação: é o espaço do sacnim. A origem


,

divina da instituição lhe assegura poder legitimidade, permanência absoluta. A


,

ÿnstitui
ção é de direito divino. Encontrando-se na origem das sociedades, para os
Sfus membros, para o inconsciente a instituição é imortal. Todos participam,
,

assim,
da divindade que contra a morte e o seu trabalho de desligamento, assegura
,
°
vinculo narcísico de cada um com o conjunto e o emblematiza.
24 A Instituição e as Instituições

Ter-se-á notado a acuidade cruel da análise de Freud a respeito dos Limites da


proteção que pelo direito a comunidade concede a seus membros em troca de uma
parte de felicidade possível: ela só garante aos indivíduos a segurança da lei na
medida em que eles assumem o próprio lugar e que contribuem para a sua
manutenção e para o seu desenvolvimento. Quem lhe é estranho pode vir a ser
submetido pela força bruta: encontra-se, literalmente, fora da lei.

Descobrir-se-á o fundamento narcísico desse contrato nas premissas enunciadas


por Freud a respeito do narcisismo em 1914. Ele escreve que o reconhecimento .

das conquistas da civilização infelizmente é extorquido, e com que dificuldade, do


narcisismo. Não renunciamos nunca ao narcisismo e é isso que assegura a con-
tinuidade das gerações e dos grupos, funda a identidade de filiação e de afiliação.
Assim, frente ao filho, os pais carinhosos renovam a reivindicação de privilégios
"

há muito tempo abandonados. Nenhuma renúncia e nenhuma restrição


prevalecerão contra aquilo que significa a renovação desse próprio
"
narcisismo ,

uma parte de sua imortalidade, his Majesty the Baby .

É nesse mesmo texto, como lembrei, e nesse contexto, que Freud insiste na dupla
existência do indivíduo: enquanto persegue o seu próprio objetivo e enquanto
membro de uma cadeia à qual está submetido sem uma escolha da sua parte.
Notar-se-á, ainda, aqui, que esse duplo status narcísico não define inicialmente
uma relação (de concordância ou de oposição) entre o intrapsíquico e o grupai,
mas uma bipolaridade interna que esboça a possível divisão daquilo que em cada
um de nós é singularidade e grupalidade. A instituição se baseia no duplo status do
narcisismo e naquelas formações intermediárias que é preciso chamar de trans-
psíquicas na medida que sustentam a relação necessária entre o sujeito singular e
o conjunto: a identificação, a comunidade dos sintomas, das defesas e dos ideais, o
co-apoio, constituem uma parte dessas formações. Mas também o contrato
narcísico e o pacto denegativo.

O conceito de contrato narcísico (P. Castoriadis-Aulagnier, 1975) parece-me poder


se inscrever na continuidade das proposições formuladas por Freud no artigo de
1914 sobre o narcisismo.

Três idéias devem ser guardadas: a primeira é que o indivíduo é em si mesmo o seu
próprio fim e que é ao mesmo tempo membro de uma cadeia à qual está sub-
metido. A segunda idéia é que os pais constituem a criança como a portadora dos
seus sonhos de desejo não realizados e que o narcisismo primário dela apóia-se no
dos pais, assim como foi através deles que o desejo e o narcisismo das gerações
precedentes sustentaram, positiva ou negativamente, a sua vinda ao mundo. Em
outras palavras, cada recém-nascido é investido da missão de assegurar a con-
tinuidade narcísica da geração. Um ano antes, Freud insistia sobre a transmissão
da culpa através das gerações; ele sublinha agora a transmissão narcísica. A ter-
ceira idéia é que o Ideal do Ego é uma formação comum à psique singular e aos
conjuntos sociais (família, instituições, nações).
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

O conceito de contrato narcísico generaliza essas proposições e explica, sob esse


aspecto, as relações correlativas do indivíduo e do conjunto social: cada recém-nas-
cido deve investir o conjunto como portador da continuidade e reciprocamente,
com essa condição, o conjunto garante um lugar para o elemento novo. Tais são,
esquematicamente, os termos do contrato narcísico: ele exige que cada sujeito sin-
gular assuma um determinado lugar oferecido pelo grupo e expresso pelo conjunto
das vozes que, anteriormente a cada indivíduo, manteve um certo discurso con-
forme ao mito fundador do grupo. Esse discurso, de uma certa maneira, cada
sujeito deve reproduzi-lo. É através dele que cada um está ligado ao Ancestral
fundador.
.

O contrato narcísico, com efeito, está implicado na fundação, ou seja, na morte.


Gostaria de sublinhar esse aspecto que diz respeito ao imutável. O afastamento do
contrato faz a história, o herói em primeiro lugar, e a origem de qualquer outra
instituição, a partir daquela que nos funda. Toda fundação institucional encerra,
escondida, a continuidade de um mandato e sua ruptura - o assassinato e a filiação.
Poder-se-á colocar essa proposição à prova tanto a respeito da instituição das
cidades (cf. M. Serres e a sua meditação sobre a fundação de Roma), quanto a
respeito das instituições culturais (cf. M. Krul e a invenção da psicanálise através
da relação entre Sigmund e Jakob Freud).

As igrejas romanas mais importantes fundam-se sobre a relíquia de um santo O .

morto idealizado sustenta o edifício na sua permanência e na sua continuidade .

Mas reciprocamente o edifício sustenta o morto o torna presente através da


,

história ordena-a à sua altura. A instituição então se representa imortal, como o


,

morto. Mas inevitavelmente, como o edifício que a corporifica, ela é constituída de


,

materiais diversos crenças e representações que já tiveram uma utilização e que se


,

encontram integrados no novo conjunto com um valor diferente A fundação de


.

uma instituição não contém apenas a relíquia de um morto idealizado , o totem


erigido em memorial do assassinato originário e do Ancestral fundador mas ,

também os materiais de antigas construções abolidas A arquitetura e o cimento


.

psíquicos da instituição podem ser reconhecidos através dessa metáfora: o contrato


narcísico - o pacto denegativo - possibilita que as reutilizações desses elementos
díspares permaneçam lado a lado os naturaliza no seu espaço próprio. É o que
,

diz o mito O mito narra a origem fornece uma matriz identificadora, e um código,
.

por mais precário que seja para enfrentar a relação de desconhecido. Ele permite
,

curar - e começara pensar - o horror primordial e o caos de que a instituição -


desde que seja a nossa nos protege. O mito traz vestígios das cicatrizes e
-

predispõe a memória da posterioridade A função mitopoética está assim continua-


.

mente ordenada para a manutenção do contrato narcísico ou para a sua


inauguração numa nova linhagem. A fundação invariavelmente coloca o fundador
em posição de desfazer uma instituição para com isso fundar uma outra.
Essa representação é recorrente, no estado bruto, em todas as instituições ino-
vadoras no campo da saúde mental O fundador é um assassino e adquire o status
.
26
A Instituição e as Instituições

de fundador na medida que ele refreia e ordena o caos provocado pela sua
criação. O mito fixa a narrativa desse tempo das origens e define a relação de cada
um com o Ancestral fundador e com a genealogia afiliativa que daí decorre . No
caso do hospital-dia, nesse período de rompimento das aderências narcísicas à
fundação as fantasias de que a própria instituição estaria destruída puderam ser
,

comunicadas quando chegou o momento de se representar a origem e o


equivalente local do assassinato de fundação. A fixação do imaginário buscava
crédito na pré-história da instituição: separações violentas e suicídios eram
atribuídos àquele tempo.

Quando a instituição não sustenta mais o narcisismo dos seus membros - quando ,

por exemplo, o objetivo primário da instituição os expõe a ataques e a perigos


violentos - a instituição, então, é atacada. Numa dessas instituições inovadoras em ,
"
que todos eram mobilizados como cavaleiros heróicos da psiquiatria de amanhã" ,

o inevitável fracasso narcísico dos heróis não deixou de produzir duas espécies de
efeitos conjugados: um ataque contra a instituição e um ataque contra a função de
tratamento. A análise da crise e a consideração do sofrimento narcísico que a
acompanha revelou a solidariedade dessas duas vertentes do narcisismo: a que diz
respeito ao sujeito na sua singularidade e a que diz respeito ao conjunto do qual é
parte ativa. Nesse caso, como em muitos outros, a crise pode vir a assumir o sen-
tido de uma ameaça da vinculação com o conjunto, na medida que haveria um
certo risco de que o sujeito viesse a perder o lugar que nela ocupa e conse- ,

quentemente, questionar a ordem comum sobre a qual se fundou narcisicamente a


sua própria continuidade.

A aderência narcísica ao objeto institucional comum diz respeito à origem comum


dos sujeitos unidos na fantasia familiar13

O efeito dessa aderência é a suposição de que cada uma é capaz de pôr em perigo
o objeto comum compartilhado, a partir do momento em que se apropria de uma
parte dele, que por essa razão é subtraída da comunidade. O modelo psíquico
subjacente pode ser o da relação dos irmãos e irmãs no corpo da mãe; quando de ,

narcísico, o objeto comum se objetifica, a transformação ameaça a relação de cada


um no contrato narcísico. Conhecemos as peripécias cotidianas das instituições de
ensino ou de formação quando se trata de reformar os programas ou as técnicas ,

de tratamento nas instituições terapêuticas. O objeto narcísico comum, porque sela


o contrato de fundação do vínculo, corre o risco se se privatizar, de destruir a
comunidade. A distância que se manifesta perigosamente é a da relação com os
enunciados fundadores: reformar é refundar, e portanto, destruir, na fantasia, a
comunidade institucional. Nessa distância que a vida não pode evitar, os novos
significantes ainda não estão disponíveis e ainda não recebem o investimento
necessário para a investidura do novo contrato. Nessas situações indecisas duas
13 O leitor poderá encontrar um eco mais desenvolvido dessa ideia na presente contribuição de J. P.
Vidal e num estudo que consagrei à tensão entre filiação e afiliação nas famílias, nos grupos e nas
instituições (R. Kaês, 1985 a),
27
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

saídas são frequentemente utilizadas: o recurso ao agir psicossomático, ou ao agir


ideológico, sendo que um surge geralmente pela falta do outro.
Outras fontes de sofrimentos decorrem do contrato narcísico. Em determinada
escola de formação, um(a) aluno(a) ou toda uma turma pode assumir, para os
formadores, o status fantasmático do patinho feio com algumas consequências
" "

dolorosas no processo das identificações afiliativas, e na vida cotidiana: rejeição,


ataque contra os patos mancos desnarcisantes (e desnarcisados); o efeito Pigmalião
é um paradigma dessa situação. Em determinado serviço de psiquiatria, a tentativa
de suicídio de um dos membros da equipe é sentida pelos outros como um ataque
ao vínculo narcísico.

24
. . As armadilhas da instituição: pacto denegatório "não declarado" e
colmatagem do negativo

A incursão na arquitetura mental da instituição nos conduz para os espaços de


calabouço, de depósito ou de cerca que têm valor e função ao mesmo tempo no
espaço do sujeito e no do agrupamento. Parece que o agrupamento humano não
'
pode se formar senão mantendo zonas de obscuridade profunda, alguns no man s
land comuns negativos do espaço psíquico compartilhado, cuja fórmula cultural é
a utopia, o lugar de parte alguma e o não-lugar do vínculo. O agrupamento ad-
ministra, assim uma parte do recalque de cada sujeito e através disso algumas das
,

formações do inconsciente. Chamo de pacto denegatório14 a formação inter-


mediária genérica que em qualquer vínculo - que se trate de um casal, de um
,

grupo, de uma família ou de uma instituição -, conduz irremediavelmente ao


recalque à recusa, ou à reprovação, ou então, mantém no irrepresentado e no
,

imperceptível o que pudesse questionar a formação e a manutenção desse vínculo


,

e dos investimentos de que é objeto Pode-se, pois considerar o pacto denegatório


.
,

como um dos correlatos do contrato de renúncia da comunidade de realização do


,

desejo e do contrato narcísico É o seu reverso e o seu complemento. Trata-se de


.

um pacto inconsciente de um acordo entre os sujeitos implicados no es-


,

tabelecimento de um consenso que visa garantir a continuidade dos investimentos e


dos benefícios decorrentes da estrutura do vínculo (casal instituição,...), e conser-
,

var os espaços psíquicos comuns necessários à subsistência de determinadas


funções que se encontram ancoradas na intersubjetividade ou em formas de
agrupamento mais específicas: função do ideal organização coletiva de mecanis-
,

ros de defesa.

ssa busca da concórdia aparece portanto, como a negativização da violência, da


,

wsao e da diferença que todo vínculo comporta: o pacto faz calar aá diferenças; é
Por isso que se trata de um pacto cujo enunciado, como tal, jamais é formulado.
-
2Prdo tácito sobre um dizer que divide, ele é e deve permanecer inconsciente. O
Sobre a relação do pacto denegatório com o negativo e sobre a função na tópica a dinâmica e a
,

«onomia trans-subjeti"% ver R Kaês (1988).


.
28
A Instituição e as Instituições

próprio pacto é recalcado. Aumento do silêncio: o preço do vínculo é aquilo que é


inimaginável entre aqueles que ele une no interesse mútuo, para satisfazer à dupla
,

lógica cruzada do sujeito singular e da cadeia.

Essa noção pode ser confrontada com a da comunidade da recusa proposta por M .

Fain (1981). Ela explica uma modalidade da identificação do filho com a mãe
quando esta, não conseguindo se desvencilhar dele para situar, num outro ponto
que não no filho, um objeto de desejo, a recusa da existência do desejo do pai é, ao
mesmo tempo, característica do filho e da mãe. A comunidade da recusa entre a
mãe e o filho mantém dessa forma a sua não-separação. Um pacto denegatório
dessa espécie está na base dos vínculos que alguns auxiliares de tratamento
reproduzem com os primeiros pacientes de um hospital-dia: esses últimos ocupam
o lugar do objeto do desejo dos primeiros, na posição de co-fundador, ao invés da
instância instituinte.

A realização do pacto denegatório, como a do contrato narcísico, repousa sobre a


identificação dos elementos ligados entre si por um traço complementar comum .

Numa instituição de formação uma mulher que tardiamente dera a luz a um filho
,

único e que o tinha perdido não podia suportar a atenção e o cuidado que a
,

diretora dispensava à organização da tarefa da instituição, e ela atacava uma e


outra. Mas, entre elas esses ataques cujas consequências eram negadas, não
,

podiam sequer ser cogitados; ao contrário, a identificação cruzada de uma com o


silêncio da outra, era alimentada por esse pacto: ele resguardava a economia sin-
gular de suas posições ligadas e consignadas na fantasia do ataque-renascimento
do bebê-instituição. Uma e outra insistiam nesse vínculo cujo negativo aparecia em
efeitos de corredor (rumores) ou em atos.

As instituições se fundam assim, sobre organizadores inconscientes e sobre


,

formações mistas que asseguram para os sujeitos e para os seus vínculos, os inves-
,

timentos, as representações as satisfações de desejo e as defesas de que têm neces-


,

sidade nessa relação. Fundam-se sobre um pacto denegatório, e portanto sobre um ,


"
deixar de lado", sobre um resto que pode seguir diferentes destinos: o dos bolsões
de intoxicação, de depósitos ou de lixões .

Elas também se fundam sobre o irrepresentado e sobre o silêncio radical - que não
se confunde com o não-dito. Fundam-se em vácuo sobre os elos perdidos da cadeia
das representações e das posições que elas organizam e que formam o seu relevo.
O "não declarado", segundo a expressão de J.-C Rouchy, deriva de duas fontes:
uma emana do irrepresentado e do negativo de cada sujeito singular. Para ele a
instituição tem a função de conservar uma parte desse irrepresentado mascarando-
o pelos sistemas de significação e de sentido que ela produz e que impõe, colocan-
do à disposição de todos um corpo de representações conhecidas, compartilhadas
e compartilháveis propondo ou impondo a representação da causa única: é a
,

15 Neste livro, R. Roussillon desenvolve com precisão o destino desse resto; cf. também o estudo de P.
Fustier sobre a função contêincr na instituição.
29
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

função psíquica que o mito, a teoria, a ideologia realizam para a instituição e para
cada sujeito segundo modalidades específicas. A instituição não poderia privar-se
nem privar os seus membros de tudo isso.

Com efeito, a outra fonte do silêncio radical emana da impossibilidade que há na


instituição de se esgotar o irrepresentável de sua própria história, e sobretudo da
sua própria origem, por causa da instituição e da positividade que ela constitui: é o
que as narrativas da origem tais como o mito e o romance institucional tentam
saturar, e é o sentido que ela impõe ao real, se necessário pela função da "história
oficial "
. Mas ainda persiste um resto na não-representação e na não-percepção que
não tem acesso ao recalque e, no caso, à consciência.

Vê-se aqui que não se trata exatamente de um pacto denegatório, mas de uma
proteção contra o negativo. Essa proteção implica uma cooperação elementar: a
presença da instituição, pela positividade dos seus constituintes, da sua função
primária, dos seus dispositivos destinados a assegurar a permanência, o direito e a
ordem, é em si uma proteção contra o negativo para os seus membros e para si
mesma. Para si mesma: ela prova a si mesma ocupando-se com a vida dos seus
membros. É por isso que a exclusão da instituição ou a destruição da instituição
nos confronta com a morte.

25
. .
A estrutura psíquica inconsciente da instituição

A estrutura psíquica inconsciente da instituição é o resultado do agenciamento


daquelas formações bifaces que mantêm unidos os membros da instituição e deter-
minam , segundo o modo de causalidade próprio do inconsciente, os processos
psíquicos específicos que aí se desenvolvem.

De fato essa estrutura precede cada sujeito singular e cada instituição singular se
,

apóia sobre a estrutura inconsciente de uma outra instituição. Essa dupla


genealogia do inconsciente merecerá num trabalho ulterior, um desenvolvimento
,

mais aprofundado Com efeito ela comanda a organização cada vez mais par-
.
,

ticular do recalque, do recalcado e das suas ramificações no tópico intrapsíquico e


no tópico transubjetivo.

.
CQ"tra a emergência desse recalcado e contra o reconhecimento desse incons-
ciente,
que para o sentimento do Eu é exteriorizado no instituído de um modo
a ,e"ft1e
que se estabelecem as defesas próprias da existência institucional e que
,

se mantém o desconhecimento dos seus riscos


O sofrimento da e na instituição
.

tem origem aí.


30 A Instituição e as Instituições

3 . Sofrimento e psicopatologia nas instituições

Esses poucos conceitos nos foram necessários para pensar as formações psíquicas
da vinculação, bifaces que constituem, ao mesmo tempo, a realidade psíquica do
sujeito singular e o conjunto institucional de que ele participa: foi possível es-
tabelecer assim o que a instituição exige dos seus membros e o que lhes propõe em
troca, quais aspectos da realidade psíquica são investidos na instituição e como,
dessa maneira, se pode levar à criação de espaços novos.

31
. . Sofrimento das/nas instituições

É pelo sofrimento e pela psicopatologia que se desenvolvem nas instituições que


ficamos sabendo desses processos e dessas formações. Três fontes de sofrimento
podem ser distinguidas pela análise, ainda que apareçam intrincadas na queixa ou
na designação da causa: uma é inerente ao próprio fato institucional; a outra é
inerente a determinada instituição específica, à sua estrutura social e à sua
estrutura inconsciente própria; a terceira à configuração psíquica do sujeito sin-
gular.

Distingamos ainda o sofrimento ligado à própria vida: é consequência das


restrições, das imposições, das desilusões que acompanham o ser-conjunto; ela é
inerente à divisão do próprio sujeito, à distância entre o objeto e o desejo, à
angústia, à relação do sujeito com a verdade. A experiência do rompimento pela
qual ela se prova no órgão psíquico é a daquela distância que torna o sujeito
estranho a uma parte de si mesmo e ameaçado por aquilo que nele mesmo é outro,
e revela a sua integridade. Esse sofrimento conduz a um trabalho psíquico, prin-
cipalmente pelo desenvolvimento de mecanismos de defesa e pela busca de
realização de satisfações superiores: as obras do espírito apresentam essa dupla
origem. A falta de mecanismos de defesa e de sublimação leva, ao contrário, à
destruição do sujeito - no seu corpo ou na sua vida psíquica - e à destruição do
objeto e do vínculo. Esse sofrimento, fundado no desenvolvimento incontrolado da
angústia, é patológico: nas instituições, como por toda a parte, ele paralisa e
deteriora inicialmente o espaço psíquico interno, próprio ao sujeito singular, e os
espaços comuns e compartilhados dos sujeitos associados nas diferentes
configurações do vínculo.

Todavia, a expressão de um rompimento ou de uma divisão não encontra neces-


sariamente o seu caminho na expressão do sofrimento. Existem perturbações
graves que não se exprimem por nenhum sofrimento acessível ao sujeito. Os
mecanismos de defesa contra o sofrimento são tais que se mantêm o maior tempo
possível fora do campo de sua experiência. As instituições dispõem precisamente
de mecanismos de defesa que constituem um apoio às defesas dos sujeitos sin-
gulares para lhes evitar qualquer sofrimento, inclusive aquele que tem origem na
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições 31

própria instituição. Tais mecanismos estão associados com as funções do pacto


denegatório e com as disposições contratuais de proteção contra o negativo e cujo
efeito é a não-inscrição psíquica das experiências dolorosas. Tais modalidades têm
consequências opostas: umas sustentam em vácuo o trabalho do pensamento; as
outras o tornam impossível, esvaziando-o de qualquer objeto.

Esse intrincamento de várias fontes de sofrimento na instituição, essa interferência


entre os meios de se defender do sofrimento que obedecem a lógicas diferentes, se
não simplificam nem a nossa prática nem o nosso esforço de teorização pelo ,

menos, nos colocaram no caminho de uma pesquisa sobre- o que seria um


sofrimento institucional". Quando eu digo que esse sofrimento é institucional, não
"

pretendo me situar de um ponto de vista a partir do qual pudesse enunciar a sua


causa. Para o meu propósito, é mais importante explicar a emergência e o reconhe-
cimento de sofrimentos que se produzem durante a vida institucional. Alguns des-
ses sofrimentos estão ligados ao ser-conjunto, mas o espaço institucional também é
palco de sofrimentos próprios dos sujeitos na sua singularidade que a instituição
talvez revele ou subjugue. Na nossa prática, devemos ter essa distinção em mente,
porque a própria manifestação do sofrimento e do discurso sobre a sua origem e
sobre o significado que têm para os sujeitos que sofrem exigem do psicanalista que
suspenda qualquer pesquisa de determinação causal. Enquanto estamos obcecados
pela questão da causa, nos esquecemos de duas coisas importantes: que a
instituição é gestionária de sofrimentos diferentes daqueles que são inevitavel-
mente suscitados pelo próprio vínculo que ela organiza e pelos investimentos que
ela requer: para os seus sujeitos trata-se de uma das suas razões de ser; que todo
sofrimento psíquico que aí se manifesta não tem ipso facto, valor e sentido de
,

sintoma para o funcionamento institucional mesmo quando esse sofrimento possa


estar,no seu discurso, vinculado aos seus próprios fins e ser tratado no seu nível
próprio. Não podemos nos contentar com uma análise que tratasse sistematica-
mente o sofrimento institucional como se se cuidasse de uma causalidade fincada
unicamente na história pessoal: o sofrimento atual nem sempre se resolve na
história singular quando ele se finca na rede da vinculação. A questão da causa
,

deve pois, permanecer suficientemente em suspenso para que a diversidade das


,

suas versões aflua e para que a sua sobredeterminação se manifeste.

Quem é o sujeito do sofrimento institucional? Postular a instituição como sujeito


do sofrimento só pode ser entendido como a forma de um discurso no qual
operam nos termos
, da relação entre o elemento e o conjunto entre a parte e o
,

todo deslocamentos
,
condensações, reviravoltas: fato que pode ser percebido nas
,

figuras retóricas do discurso e na medida em que uma situação psicanalítica ade-


,

quada seja mantida nos movimentos da transferência. A instituição é um objeto


,

Psíquico comum: ela propriamente não sofre. Nós sofremos pela nossa relação
,

comjjjnstitmção, sofremos nessa relação; falar do sofrimento da instituição é uma _


maneira de designar essa relação esvaziando-nos dela como sujeito passivo ou
,

j tivo
*
ÿ .
Designamos assim por projeção, o que está sofrendo nos sujeitos cfa
,
~

mstifuição: é a instituição em nós o que em nós é instituição, que se encontra


,
32
A Instituição e as Instituições

sofrendo. É a esse sofrimento e a essa dificuldade específica para reconhecê-lo que


o psicanalista deve estar atento.

Nós sofremos pelo fato institucional em si mesmo, inevitavelmente: devido a con -

tratos, pactos, comunidade e acordos inconscientes ou não, que nos unem


reciprocamente numa relação assimétrica, desigual, na qual a violência necessa -

riamente é exercida, na qual se experimenta necessariamente a distância entre a


exigência (a restrição pulsional, o sacrifício dos interesses do Eu, os entraves para
o pensar) e os benefícios esperados. Sofremos com o excesso da instituição ,

sofremos também com a sua falha, com o seu fracasso para garantir os termos dos
contratos e dos pactos, para tornar possível a realização da tarerfa primária que
motiva o lugar dos sujeitos no seu seio.

\ Mas sofremos também na instituição, por não compreendermos a causa, o objeto,


,

o sentido e a própria razão do sofrimento que aí experimentamos. Talvez se en-


contre aí um traço específico do sofrimento institucional e eu o acredito tributário
daquele estado particular do vínculo que corresponde à indiferenciação fundamen-
tal dos espaços psíquicos comuns. Isso corresponde, em parte, ao que J. Blegerif
denomina de sociabilidade sincrética, ou seja, um tipo de relação que, paradoxal-
mente, é uma não-relação ou seja, uma não-individuação; a sociabilidade
,

sincrética se baseia numa imobilização das partes não diferenciadas do psiquismo.


Num procedimento diferente daquele de Bleger, eu havia descrito esse estado do
vínculo como aquele que sustenta a relação isomórfica entre o sujeito e o grupo. A
isomorfia é a consequência da indiferenciação entre o corpo e o espaço, entre eu e
outro. Tais estados tornam indiscerníveis os limites do sujeito e da instituição e o
que está sofrendo nessa vinculação é a tentativa, acompanhada de angústia, de
fazer emergir esses limites.

É sobre esse engajamento do indiferenciado, que funda uma parte do prazer de


estar junto sem o outro, que surge o motivo central do sofrimento institucional,
mesmo quando a queixa diz respeito aos excessos ou à falta de formações con-
tratuais intermediárias as quais implicam uma estrutura de relação e uma con-
flituosidade. O sofrimento radical nasce do esforço para se liberar do
indiferenciado e das angústias de dissolução. Sofrimentos mais elaborados, ligados
à relação de objeto parcial, aparecem no fundo com a angústia de ser destruído
pela máquina institucional, de ser esvaziado da sua própria substância. O exemplo
clínico que propus manifesta essas diferentes naturezas do sofrimento institucional.

32. .
Sofrimento do inextricável e patologia institucional

Encontramo-nos no inextricável em todas as situações onde prevalece a confusão


dos elementos ou a indiferenciação do elemento e do conjunto, a cada vez que se
constituem um espaço psíquico indiferenciado, uma confusão das formações dos ,

16 Cf. adiante, p. 41 c ss.


33
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

processos e dos efeitos de sentido, graças a uma abolição dos limites do Self, uma
evanescência do sujeito, uma transversalidade da subjetividade. Somos então con-
frontados com os nossos núcleos indiferenciados, com a angústia diante daquilo
identidade.
que representam para nós de perigosamente desconhecido, de não-
Esse nível dos espaços psíquicos comuns sincréticos ou isomorfos são inextricáveis

por necessidade de dessubjetivização; eles formam o fundo dos vínculos diferen-


ciados. Um dos problemas institucionais - que não é próprio da instituição - é
estabelecer um dispositivo capaz ao mesmo tempo de salvaguardar esse modo de
vínculo necessário ao vínculo e evitar que a sua prevalência provoque uma
formas diferenciadas do vínculo.
paralisia e um ataque contra as
Um outro aspecto da patologia institucional é o desenvolvimento dos estados pas-
sionais que aí se produzem, o que não deixa de ter relação com o inextricável. O
termo paixão descreve muito bem o intenso sofrimento psíquico, próximo de es-
tados psicóticos, que aí se experimenta, e o transbordamento da capacidade de
conter e de ser contido; a capacidade de formar pensamentos é paralisada e
atacada: a repetição, a obnubilação servem de cobertura para ódios devastadores,
contra os quais surgem defesas por fragmentação, descritas por Springmann como
o evitamento de criar ligações que só poderiam aumentar a violência destruidora e
a desintegração. O espaço psíquico, o jogo dos possíveis que ele permite, é ani-
quilado: não há mais alternativas, mas apenas o inelutável, única muralha
ideológica contra a angústia catastrófica. A paixão pode então dilacerar até o
ponto de unificar naquele arrebatamento indiferenciado. Há aí algo como que um
orgasmo institucional escudo do gozo terrível e pânico contra a angústia de ani-
,

quilamento. A instituição se torna multidão: a transmissão direta dos afetos se


propaga sem encontrar o contraforte (dique) das mediações e dos espaços
intermediários .

O que provoca tais estados de sofrimento patológico quase sempre pode ser
relacionado com uma mudança/ou com uma ameaça de mudança no alicerce ins-
titucional no seu quadro que recebe como depósito as partes não diferenciadas e
,

não integradas de psiquismo Todas as formações psíquicas intermediárias que for-


.

mam a estrutura inconsciente da instituição são então, simultaneamente amea-


,

çadas e elas afetam os sujeitos da instituição muito aquém dos seus vínculos atuais
no espaço psíquico institucional: elas lhes dizem respeito nos estratos fundamentais
do seu ser .

Naquilo que tem de genérico, o sofrimento institucional - o dos sujeitos da


instituição que sofre pela sua relação com a instituição e da instituição neles -
ancora-se normalmente em dois níveis psíquicos da vida institucional: o do
inextricável , do sincretismo e do indiferenciado; o do contratual que estrutura as
ormações bifaciais da vinculação .

Examinarei agora três aspectos particulares do sofrimento institucional relacionado


com deter
minadas disfunções da própria instituição Essa análise tem como base,
.

evidentemente as proposições mais gerais que acabo de fazer. Tratar-se-á do


,
34 A Instituição e as Instituições

sofrimento associado com uma perturbação da fundação e da função instituinte ,

com entraves para a realização da tarefa primária e com determinadas dificuldades


na manutenção do espaço psíquico.

33
. . O sofrimento associado a uma perturbação da fundação e da
função instituinte

A maior parte dessas perturbações podem ser relacionadas com as falhas das
formações contratuais implicadas na função instituinte. Os fracassos manifestam
por excesso ou por falta, ou por inadequação. As instituições ou são demasiadas ou
são insuficientes, quando não são inadequadas para a sua função. Em todos esses
casos, essas perturbações por excesso, por falha ou por inadequação entre a
estrutura da instituição e a estrutura da tarefa primária conduzem a um sofrimento
ligado à instituição na sua singularidade.

Uma fonte constante de sofrimento está associada às perturbações da constituição


da ilusão: a falha de ilusão institucional priva os sujeitos de uma satisfação impor-
tante e debilita o espaço psíquico comum dos investimentos imaginários que vão
sustentar a realização do projeto da instituição, dispor a identificação narcísica e o
sentimento de filiação a um conjunto suficientemente idealizado para enfrentar as
dificuldades internas e externas.

Uma instituição nova não pode dispensar a ilusão de ser inovadora e conquis-
tadora. As equipes de um novo centro de tratamento são recrutadas na esperança
de participar dessa aventura. A ilusão sustenta o risco e os sacrifícios aceitos para
poder participar dessa nova instituição; ela é produtora do próprio resultado.
Quando mantida na recusa, a despeito da experiência, ela provoca o fracasso. O
sofrimento vem a ser o da desilusão, da renúncia ao fetiche. Quando esse doloroso
trabalho não se efetua, a instituição é atacada ou ataca os seus sujeitos (incom-
petentes...) ou a sua própria tarefa (burocratização, desvio para outros investimen-
tos,...). Num hospital-dia o retorno autoritário à medicação exprimia o fracasso da
,

desilusão: num centro médico-psicológico, as sessões de trabalho institucional se


transformavam em discussão ideológica em favor de uma determinada escola
psicanalítica; numa outra instituição, os resultados foram uma série de depressões
graves e várias saídas dramáticas.

Todos os fracassos contratuais poderiam ser consideradas como sofrimento da


fundação e da função instituinte, por exemplo, a realização de determinados
desejos é impossível ou excessiva, a lei da instituição não existe ou se impõe como a
lei única dos seus sujeitos. O pacto denegatório é insuficiente ou paralisa o traba-
lho do pensamento, o contrato narcísico não sustenta suficientemente os seus su-
jeitos ou a distância que esses introduzem na relação com a instituição é
intolerável. Um quadro de combinações de todas as falhas faria aparecer a com-
plexidade e a variedade dessas estruturas geradoras de sofrimento. Entre elas,
35
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

limito-me a destacar a importância das formações identificadoras e repre-


sentacionais: o mito, a ideologia, a utopia são, ao mesmo tempo, formações
intermediárias estruturantes e defensivas cujo excesso tanto quanto a falha são
fontes de intenso sofrimento psíquico. As instituições devem formar para si uma ÿ

representação da própria origem. Devem também imaginar uma utopia, um não-


lugar da instituição, uma figura da sua negatividade. Se não a imaginarem, correm
o risco de inscrevê-la no seu funcionamento.

34
. . O sofrimento associado aos entraves para a realização da tarefa
primária

A tarefa primária da instituição alicerça a sua razão de ser, a sua finalidade, a


razão do vínculo que ela estabelece com os seus sujeitos: sem a sua realização ela
não pode sobreviver. Assim, a tarefa primária das instituições de tratamento é
tratar. Mas, analisando bem, todos perceberão que a tarefa primária não é nem
constantemente, nem de maneira preponderante aquela a que se dedicam os
membros da instituição. Não apenas tarefas complementares podem se tornar
dominantes como pode haver derivas. Há quase sempre outras tarefas que, a um
dado momento, entram em concorrência ou em contradição com a tarefa primária
da instituição, a ponto de a ocultar ou de inverter o seu sentido caso isso seja ,

tolerado pela lei institucional fundamental. Mas existem dispositivos institucionais


que mantêm uma relação de necessidade com a tarefa primária que acabam por
suplantá-la: é o que ocorre quando a preocupação da defesa da equipe de trata-
mento contra os perigos reais ou imaginários ligados à realização do tratamento
mobiliza toda a energia disponível e transforma a organização institucional A con- .

sequência de tais derivas é que a instituição protege os seus sujeitos contra a rea-
lização da tarefa deles .
Veremos situações opostas em que a proteção não existe17 .

A natureza dos investimentos psíquicos mobilizados na tarefa primária é uma


variável importante Retomarei aqui uma distinção feita por B Gibello entre as
.
.

instituições voltadas para tarefas de produção e de conservação de objetos não


humanos e as instituições cuja tarefa está ligada à formação ou ao tratamento
humano Gibello observa que a agressividade se orienta de maneira diferente
.

nesses dois tipos de instituições. Nas primeiras, ela se volta para a concorrência
exterior ou para as organizações da produção, para a direção, por exemplo. Nas
segundas ela se volta para o interior (estudantes
,
doentes, colegas) ou para as
,

instituições de tutela. Lançarei a idéia de que o risco narcísico não é o mesmo nos
ois casos
pois as identificações com os objetos da tarefa primária não mobilizam
,

mesmas partes de si Pode-se aliás, observar fenómenos defensivos em deter-


.
,

A consideração da tarefa primária desenvolveu-se mais na corrente da análise acionalista e


sistémica do
que na corrente psicanalítica. Algumas pesquisas procuraram estabelecer um vínculo
entre essa abordagem e aquela proposta pela perspectiva da Psicanálise Aplicada ao grupo: Cf a
tese de G Rouan (1979) sobre "L'animation socio-culturelle: une institution en action" Dá-se
.

"
ase aos processos reguladores da mícanica organizacional, entre os quais as funções psíquicas da
represe
ntação ideológica do objetivo da instituição
36 A Instituição e as Instituições

minadas instituições de tratamento onde os doentes são tratados como objetos


materiais quando se percebe que inconvenientes maiores surgirão se forem
tratados como seres humanos; num serviço de geriatria, os próprios doentes se
deixam vencer pela demência, com a permissão semi-consciente dos auxiliares de
tratamento para evitar manter uma vida psíquica que confrontaria uns e outros a
tanta impotência e agressividade. Trata-se, pois, realmente, de uma falha na
reciprocidade dos contratos inconscientes.

Certamente, é preciso questionar a falência da instituição para fornecer uma


contribuição narcísica suficientemente trófica para a realização da tarefa, ou para
manter as funções do quadro. No caso do serviço de geriatria, tratava-se desse
duplo fracasso, em outro, tratava-se apenas da usurpação da organização sobre o
processo terapêutico, e tudo se dava como Bleger descreve.

Os entraves à realização dá tarefa primária, na realidade, são ataques contra a


comunidade de realização do desejo sustentada pela representação-meta incons-
ciente, comum aos sujeitos da instituição. Esses entraves se manifestam de diferen-
tes maneiras, entre as quais farei uma menção especial aos mecanismos de defesa
institucionais.

3.5. O sofrimento associado à instauração e à manutenção do espaço


psíquico

O espaço psíquico na instituição diminui com a prevalência do instituído sobre o


instituinte, com o desenvolvimento burocrático da organização contra o processo,
com a supremacia das formações narcísicas, repressivas, denegadoras e defensivas
que sustentam a instituição contra um meio hostil, ou na estratégia de dominação
de alguns dos seus sujeitos, ou quando uma parte deles se vê ameaçada pela emer-
gência das formas elementares da vida psíquica. Num hospital-dia para crianças
psicóticas, a equipe médica sufocava qualquer expressão das emoções, principal-
mente dos afetos negativos da parte dos educadores e dos psicoterapeutas, como
prejudicial para a própria instituição.

A distância entre a cultura da instituição e o funcionamento psíquico induzido pela


tarefa está na base da dificuldade para instaurar ou manter um espaço psíquico de
contenção, de ligação e de transformação.

Já distinguimos entre a dificuldade ou a impossibilidade que a instituição tem para


levar em conta a realidade psíquica dos sujeitos e a grave dificuldade que resulta
da incapacidade dos sujeitos, nos períodos de mudança profunda, para res-
tabelecer em si mesmos um apoio suficiente sobre uma boa instituição confiável, ao
mesmo tempo em que aquela da qual são membros perturba a estrutura incons-
ciente de seus vínculos. O pensamento já naturalmente inibido nas instituições
altamente organizadas chega a perder até mesmo o seu objeto, enquanto a função
37
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

de continente não é restabelecida, apoiada numa instituição "interna" suficiente-


mente forte. Nesse momento, uma parte dos elementos psíquicos até então não
representáveis e não vinculáveis a uma atividade de pensar e de associação pode
ser transformada (die Bindung: vínculo dos pensamentos, das pulsões, dos
sujeitos). Novamente, nesse momento, os contratos narcísicos e jurídicos, o pacto
denegatório, as comunidades de realização de desejos podem ser restabelecidos.
São ao mesmo tempo sinal de que o espaço psíquico está restabelecido e con-
tribuem para mantê-lo.

A instituição protege assim os seus sujeitos contra a angústia ligada à mudança


catastrófica. O conceito de mudança catastrófica tem um sentido bem preciso na
teoria de Bion (1965), em relação à sua concepção da psicose. Aqui é preciso
entrar em pormenores dessa teoria à qual, na França, poderíamos ser sensíveis a
partir da teoria das catástrofes de R. Thom. Com efeito, um e outro designam por
catástrofe uma mutação decisiva na estrutura e na organização de um sistema. A
catástrofe é inerente a toda mudança que coloque em jogo a integridade e a con-
" "
tinuidade de um sistema. O conceito não é, portanto, pejorativo mas pode-se ,

admitir que suscita representações de destruição, de negatividade. É que uma tal


mudança se faz acompanhar de estados de angústia, de fantasias de aniquilamento,
de sofrimento e de ameaças em relação a si, em relação aos conjuntos de vínculos
intersubjetivos e das representações ordenadas que garantem a continuidade e a
estabilidade narcísica dos sistemas. Mecanismos de defesa garantem habitualmente
a defesa contra tais mudanças. Assim a ideologia é uma das defesas contra a
,

mudança catastrófica; no entanto ela não é inevitável, e acaba se produzindo um


,

desmoronamento que obriga a uma mudança vital: agora conhecemos melhor os


efeitos das rupturas ideológicas para os sujeitos singulares e para os grupos , a
ressurgência inicialmente impensável das angústias paranoides muito profundas, os
recursos delirantes ou psicossomáticos que constituem as suas saídas contra as ,

quais a ideologia até então havia protegido com o apoio da gestão grupai dos
,

mecanismos de defesa contra a mudança catastrófica. Há outros modos de gestão


grupai das defesas contra a mudança catastrófica: por exemplo aquilo que Bion
,

chama de "establishment" cujos mecanismos visam fazer com que pensamentos


novos numa instituição sejam controlados, dominados, limitados e banalizados pela
instituição para se pôr a serviço daquilo que Bion chama de mentira, enquanto, ao
mesmo tempo, a instituição transmite a ideia nova, deformando-a, transformando-a.

A instituição não é apenas o lugar de realização


imaginário, dos desejos recal-
,
cados
E também o lugar e a ocasião de organização de defesas contra esses
.

eSÇJos Ela produz além disso, defesas específicas contra o que viesse a pôr em
.

perigo a sua existência ou a relação dos seus sujeitos com a tarefa primária que os
eUniU
Ela assegura enfim, defesas contra angústias cuja origem ou a fonte não
-

arecem diretamente ligadas com o fato institucional


ÿ
.
Nesse sentido, participamos
gC 1fStjtuições que nos fornecem determinadas defesas contra as nossas angústias.
r
P?r "SS0 que podemos considerar após E. Jaques (1955, 1972) que a instituição
,

ta iza f
unções de defesa contra as angústias principalmente psicóticas, dos
,
38 A Instituição e as Instituições

membros da instituição, para cada indivíduo enquanto tal, para cada indivíduo
enquanto parte ativa na instituição, e para o espaço psíquico comum da instituição .

As pesquisas clássicas de E. Jaques foram realizadas na Tavistock clinic por I .

Menzies (1960). Seu trabalho efetuado em Londres no serviço de psiquiatria de


,

um hospital geral, mostra que os indivíduos se reúnem nas instituições para cons-
truir defesas comuns: essas defesas são elementos estruturais da instituição e fazem
parte da sua cultura e do seu modo de funcionamento. Isso significa que a
instituição assegura o sistema meta-defensivo para os sujeitos singulares e para os
grupos que a constituem. A articulação desses sistemas de defesa interligados é
objeto de uma atenção especial no trabalho com as instituições, pois aí se manifes-
tam os riscos das formações psíquicas bifaces contratuais que formam a estrutura
inconsciente da instituição. Fazem parte da cultura da instituição sua tarefa
primária, seu sistema de relação e de expressão quanto a seu espaço psíquico e os
seus objetos externos, seus mecanismos de defesa. A maneira pela qual cada um se
serve do espaço psíquico e pela qual a instituição torna possível essa utilização
qualifica a cultura e o modo de funcionamento da instituição.

A pesquisa de I. Menzies buscou observar como as enfermeiras tentam constante-


mente modificar a angústia interna, utilizando como mecanismos de defesa objetos
ou processos utilizáveis na instituição, e não somente mecanismos de defesa es-
tabelecidos pela instituição. Hoje, todos os auxiliares de tratamento sabem que a
utilização ou a valorização de determinadas técnicas de tratamento pode assumir o
valor de uma meta-defesa posta à disposição dos membros da instituição para
permitir que se defendam contra as suas próprias angústias. Todos sabem que
tratar a loucura, lidar com ela, é uma maneira de se defender da sua própria
loucura; mas todos sabem também que não se pode ser auxiliar de tratamento sem
se apoiar sobre as suas próprias partes reconhecidas doentes. Todavia, a abor-
dagem psicanalítica dos grupos e do vínculo do agrupamento colocou suficiente-
mente em evidência que os membros de um grupo - seja temporário ou
institucionalizado pequeno ou grande - colaboram, não apenas para estabelecer e
,

utilizar uma defesa contra situações que representam alguns dos problemas in-
dividuais dos membros do grupo, mas também para evitar de tomar consciência
deles.

Qualquer que seja a instituição, acontece dela expor os seus membros a


experiências muito angustiantes, sem lhes fornecer, em contrapartida, experiências
suficientemente satisfatórias e, antes de mais nada, mecanismos de defesa uti-
lizáveis pelos seus membros para se protegerem contra essas angústias. R. Roussil-
lon (1978, 1987) mostrou brilhantemente o nó paradoxal que une então defesas
individuais e defesas institucionais: incapazes de fornecer esse apoio meta-defen-
sivo, as instituições são então atacadas pelos seus membros cuja angústia aumenta
sem recurso possível, e os confronta com um sofrimento intenso, inextricável,
catastrófico.
ÿ 39
Realidade Psíquica e Sofrimento nas Instituições

Ao fim desse ensaio, talvez percebamos melhor o risco, o interesse, a dificuldade


de uma intervenção em uma instituição: o trabalho do psicanalista consiste, em
grande parte, em tornar possível a discriminação desses espaços comuns intrin-
cados e o reconhecimento dos seus níveis de organização para cada sujeito que
nele está implicado - por quanto possa ter acesso a ela - e para o conjunto ins-
titucional; e também, em tornar possível o reconhecimento desse inextricável, no
qual intervêm as estratégias e as astúcias do inconsciente, e aquela parte do psi-
quismo de cada um que é empenhada e trabalhada no espaço intersubjetivo.
É por isso que é importante deixar falar e ouvir o sofrimento e o mal, seja qual for
a sua procedência e a sua razão de ser: a condição primordial é permitir que a sua
representação aflore - pela palavra e pelo jogo. Então é possível confrontá-la com
as formações míticas e rituais de que as instituições se dotam necessariamente para
se defender contra o sofrimento e para representar a causa e o tratamento desse
sofrimento, ou mesmo para evitar de ter essa representação. Trata-se de criar um
dispositivo de trabalho e de jogo que restabeleça, numa área transicional comum, a
coexistência das conjunções e das disjunções, da continuidade e das rupturas, dos
ajustamentos reguladores e das irrupções criadoras, de um espaço suficientemente
subjetivizado e relativamente operatório.
II. O Grupo como Instituição e o Grupo
1
nas Instituições
A

José Bleger

O meu propósito é contribuir com uma determinada experiência, um determinado


conhecimento e uma boa dose de reflexão, para reconsiderar o conceito que em
geral utilizamos para pensar o que é um grupo e o que é um grupo numa
instituição. Por conceito habitualmente admitido de grupo, compreendo aquela
definição que o postula como "um conjunto de indivíduos que interagem partilhan-
do determinadas normas na realização de uma tarefa".

Ocupei-me com essa questão em outras ocasiões, tomando como ponto de partida
o problema da simbiose e do sincretismo: ou seja aqueles estratos da per- ,

sonalidade que permanecem num estado de não discriminação e que estão presen-
tes em toda constituição organização e funcionamento do grupo; eles existem
,

sobre a base de uma comunicação pré-verbal infraclínica (subclínica) difícil de se


,

detectar e conceitualmente difícil de se caracterizar em razão da necessidade na


,

qual nos encontramos de formular, com um determinado tipo de pensamento e de


categorização fenómenos muito distantes da estrutura desses últimos.
,

Minhas proposições nesse sentido me levam a considerar em qualquer grupo, um


tipo de relação que, paradoxalmente, é uma não-relação, ou seja, uma não-
mdividuação; esse tipo de relação impõe-se como matriz ou como estrutura de
base de todo o grupo e persiste de maneira variável durante toda a sua vida.
Chamarei esse tipo de relação de sociabilidade sincrética para diferenciá-lo da
,

sociabilidade por interação noção pela qual se estruturou o nosso conhecimento


,

atual da psicologia grupai.


1 Trad
uzido do espanhol por R Kaès. O texto original tem por título El grupo como institución y el
.

grupo en las instituciones Trata-se de uma conferência realizada na V Jornada sul-riograndense


.

de Psiquiatria dinâmica de Porto Alegre, 1-2 de maio de 1970 e publicada em Temas de Psicologia
(Entrevista y grupos) , 1971, Buenos Aires, Nueva Vision, p. 89-104. Agradeço o dr. A. Eiguer pela
$"a contribuição nessa tradução e o dr. L. Bleger por ter-rne permitido precisar alguns conceitos
empregados por seu pai.
42
A Instituição e as Instituições

A existência ou a identidade de uma pessoa ou de um grupo são determinadas na ,

ordem cotidiana e manifesta pela estrutura e pela integração atingidas, em cada


,

caso, pelo Eu individual e pelo Eu grupai. Considero o Eu grupai como o grau de


organização, de amplitude e de integração do conjunto das manifestações com-
preendidas naquilo que denominamos verbalização, motricidade, ação, julgamento
raciocínio, pensamento etc Mas essa individuação, essa personificação ou essa
..

identidade que um indivíduo ou um grupo, possui ou alcança, se funda necessaria-


,

mente sobre uma determinada imobilização dos estratos sincréticos ou não dis -

criminados da personalidade ou do grupo Descrevi em outros artigos como se


.

instala entre esses dois estratos da personalidade (ou da identidade) uma forte
clivagem que os impede de se relacionarem Através de uma imobilização dos .

aspectos sincréticos podem se efetuar a organização a mobilização, a dinâmica e o


,

trabalho terapêutico sobre os aspectos mais integrados da personalidade e do


grupo.

Poder-se-ia sustentar que mesmo que fosse realmente assim, isso não diminuiria
,

em nada o valor do trabalho terapêutico nem a compreensão das dinâmicas


grupais a que chegamos a partir dos estratos mais integrados da personalidade;
concordo, mas de qualquer maneira penso que é necessário aprofundar o co -

nhecimento da parte clivada da personalidade ou do grupo porque, na verdade, é ,

através da sua mobilização que podemos efetuar um trabalho terapêutico mais


aprofundado ,
ainda que muito mais delicado e difícil. As crises mais profundas que
um grupo atravessa são devidas à ruptura dessa clivagem e à aparição consecutiva
dos níveis sincréticos. A identidade - paradoxalmente - não é dada apenas pelo Eu,
|| mas também pelo Eu sincrético.
Gostaria agora de tratar desse problema tentando defini-lo e torná-lo mais evi -

dente através do exame dos aspectos institucionalizados do grupo ou seja, dos ,

modelos , normas e estruturas que se organizaram ou que já se encontram or-


ganizados de uma certa maneira. Para atingir esse objetivo, preciso descartar , por
razões metodológicas e didáticas os grupos em que a clivagem já desapareceu ou
,

aqueles nos quais ela não existe como acontece, por exemplo, em determinados
,

grupos de psicóticos ou de personalidades psicopatas. Uma vez realizada essa


primeira delimitação, gostaria, inicialmente, de considerar os aspectos ins-
titucionais d<ÿs grupos terapêuticos que funcionam fora da instituição , e em seguida
os grupos teÿnêuticos que funcionam em instituição .
Ainda que essa distinção
pareça útil por razões que estão ligadas às necessidades da exposição ou da
2 O conceito de "personification" de J Bleger é exposto numa palestra realizada em 1964 na
.

Asociación Psicoanalítica Argentina em colaboração com L. S. de Bleger, D. Garcia Reinoso e G.


,

Royer de Garcia de Reinoso Psicopatia como deficit de ia personificación O conceito é utilizado


.

em Synibiose et anibiguilé (trad fr. 1981) que a tradutora A. Morvan exprimiu de acordo com o
.
,

contexto
"
por formação da pessoa, formação da personalidade ou personificação. Segundo Bleger, a
,

personificación" designa a evolução da personalidade que vai desde a indiferenciação primitiva até
a discriminação total do Eu e do objeto No presente texto, trata-se da formação da personalidade
.

mais do que da representação de uni objeto ou de um traço sob a forma de uma pessoa (N . do T.
francês).
43
O Grupo como Instituição e o Griipo nas Instituições ,

is das
pesquisa, gostaria de fazer observar, numa outra ordem de coisas, que no ma
vezes n ão me ocuparei apenas com grupos terapêuticos como aqueles de que
temos experiência em psiquiatria, mas também de outros tipos de grupos, uns e
outros constituindo o campo da nossa competência em psiquiatria dinâmica.

Um grupo é um conjunto de pessoas que entram em relação entre si, mas além
disso e, fundamentalmente, um grupo é uma sociabilidade estabelecida sobre um
fundo de indiferenciação ou de sincretismo, no qual os indivíduos enquanto tais
não têm existência e entre os quais opera uma transitividade permanente. O grupo
terapêutico também se caracteriza por essas mesmas qualidades. Acrescentemos
que um dos um dos membros do grupo (o terapeuta) intervém com um papel
especializado e pré-determinado, mas que esse papel' (essa função) se realiza sobre
uma base na qual o terapeuta é incluído no mesmo fundo de sincretismo que o grupo.

Aparentemente, a lógica do senso comum nos mostra com evidência que um con -

junto de pessoas pode ser convocado a uma hora determinada e num lugar
definido por um terapeuta, e que o grup começa a funcionar quando essas pes-
soas distintas, até então separadas, se encontram a uma distância suficiente e
relativamente isoladas dos oiitros contextos para poder interagir.
>3

A esse respeito poderia lembrar a concepção de Sartre que sustenta que, até o
momento em que se estabelece a interação, o grupo, de fato, não é mais que uma
serialidade no sentido de que cada indivíduo é equivalente a um outro e que
" "

todos constituem um número de pessoas perfeitamente comparáveis e sem


diferença entre elas. Aparentemente, a concepção sartriana nega a tese que estou
sustentando nessa exposição, mas um exame mais aprofundado pode levar à
conclusão a que cheguei: que essa serialidade é justamente o fundo de solida-
riedade de não-discriminação ou de sincretismo que constitui o vínculo mais forte
,

entre os membros do grupo Sem esse fundo, a interação não seria possível.
.

Nessa descrição assim como em outras que se seguirão, gostaria que se levasse em
,

consideração os limites da linguagem e da organização do nosso pensamento con-


ceituai para compreender níveis muito diferentes de sociabilidade; dessa socia-
bilidade muito particular que se caracteriza por uma não-relação e por uma
indiferenciação na qual cada indivíduo não se diferencia de um outro ou não se vê
,

discriminado entre outros e na qual não existe discriminação estabelecida entre o


,

Eu e o não-Eu nem entre corpo e espaço, nem entre Eu e outro.


,

Um limite ao qual quero me referir, porque influencia muito a possibilidade de nos


entendermos, diz respeito às diferenças entre o ponto de vista naturalista e o ponto
de vista fenomenológico Por ponto de vista naturalista entendemos a descrição de
.

Um fenómeno feita "a partir do exterior" por um observador, ou seja, um fenómeno


ja natureza que existe independentemente do sujeito observador e, nesse sentido,
ÿ ' P Sartre 1960. Critique de la raison dialectique. Paris, Gallimard (N. doT. francês).
.

,
44
A Instituição e as Instituições

a definição do grupo como "conjunto de indivíduos que interagem com papéis,


status etc.
"
é tipicamente uma descrição naturalista/

Por descrição ou observação fenomenológica devemos entender aquela que se ,

realiza no interior dos fenómenos tais como são percebidos, experimentados


,
e ,

vividos ou organizados por aqueles que fazem parte integrante do fenómeno ou de


um dado acontecimento .
Nesse sentido, vejo-me frequentemente obrigado , por
limitação semântica e conceituai a descrever fenómenos de um ponto de vista
,

fenomenológico com uma linguagem que corresponde ao ponto de vista naturalis-


ta. Tenho essa tendência quando por exemplo, digo que, num certo nível um
,
,

grupo se caracteriza por uma não-relação ou por um fenómeno de não-


discriminação entre os indivíduos e entre o Eu e os objetos .

Essa última definição que tenta explicar o ponto de vista fenomenológico


,
, não
pode se sustentar senão negando a descrição do ponto de vista naturalista A . esse
respeito penso, por exemplo, que muitos fenómenos que descrevemos como
,

identificações projetivas e introjetivas correspondem a uma descrição naturalista


de algo que do ponto de vista fenomenológico, corresponde ao sincretismo
, .

Estudar as relações entre as observações realizadas de um ponto de vista feno-


menológico e aquelas realizadas de um ponto de vista naturalista estaria fora de
propósito e demandaria muito tempo. Além disso, essas relações ainda se situam
num terreno muito controvertido não existindo acordo sobre a sua natureza .

Assim , há aqueles que vêem nesses dois pontos de vista posições que se excluem ao
passo que outros as consideram como posições complementares e outros (entre os ,

quais me incluo) consideram-nas como descrições limitadas na expectativa de um


ponto de vista unitário que mantenha e ultrapasse a ambas (Aufhebung4) Farei .

brevemente alusão às implicações desse ponto de vista Um pequeno exemplo .

poderá servir para ilustrar o problema, não pretendendo nem demonstrar nem
englobar a sua totalidade Trata-se apenas de um exemplo
.
.

Numa sala encontra-se uma mãe lendo olhando para uma tela de televisão ou ,

costurando. Na mesma sala está o seu filho isolado e concentrado num jogo. Se ,

nos referirmos ao nível da interação não encontraremos comunicação entre essas


,

pessoas: elas não se falam, não se olham, cada uma age independentemente de ,

maneira isolada e podemos dizer que não há interação ou que elas não estão em
,

comunicação. Isso é verdade se considerarmos apenas o nível da interacão. J

Prossigamos com esse exemplo: a mãe num determinado momento, deixa o que ,

está fazendo e sai da sala; o filho larga imediatamente o jogo e sai correndo para
icar perto dela Podemos então compreender que quando a mãe e o filho estavam
.
f

ocupados cada um com um afazer diferente sem se falar nem se comunicar no ,

nível da interação havia entre eles, todavia, um laço profundo, pré-verbal que não
,
,

tinha sequer necessidade de palavras e que ao contrário, teria sido perturbado ,

4 Em alemão no texto (N. do T francês) .


45
O Grupo como Instituição e o Grupo nas Instituições

pelas palavras. Dito de outra forma, enquanto a interação não se produz e enquan -

to essas duas pessoas não se falam nem se olham, a sociabilidade sincrética está
presente: cadauma delas, que de um ponto de.vista naturalista acreditamos ser
uma pessoa isolada, se encontra num estado de fusão ou de não-discriminação.
Esse grupo pode servir de exemplo do que, muitas vezes, significa o silêncio no
grupo terapêutico, e do fato de que o modelo da comunicação verbal leva, às vezes,
a distorcer ou a ocultar a compreensão desse fenómeno. '

Para evitar todo mal-entendido, devo dizer que admito que uma mãe e um filho
que se comportam unicamente, exclusivamente e sempre dessa maneira provocam
uma série de perturbações no desenvolvimento da personalidade e da sua relação,
mas penso também que se falta esse nível de sociabilidade sincrética, também se
produz uma perturbação muito séria no grupo e no desenvolvimento da per-
sonalidade de cada um. A ausência de um quadro para essa sociabilidade
i
sincrética, encontro-a, por exemplo, nas personalidades psicopáticas, faafacías ,

ambíguas, as if, segundo H. Deutsch .


ÿ

Retomemos nosso exemplo: a criança que brinca isolada pode justamente estar
isolada e conseguir brincar (com tudo o que o jogo significa do ponto de vista
psicológico) enquanto está certa de manter clivada, em um depositário fiel, a
sociabilidade sincrética (simbiose).

Um dos exemplos apresentados por Sartre como tipo da serialidade é o de uma fila
de pessoas que esperam um ônibus. Ele supõe que a característica fundamental da
serialidade consiste no fato de que cada um dos membros dessa fila de espera é um
indivíduo totalmente isolado, intercambiável, como um número, um valendo o
outro. Para mim, mesmo no exemplo de uma fila" formada na espera de um
"

ônibus a sociabilidade sincrética está presente, ela está depositada nas regras e nas
,

normas que regem todos os indivíduos. E cada um dos membros da fila de espera
conta de tal forma com essa segurança, que nem sequer chega a ter consciência
dela e tanto que o próprio Sartre a negligenciou. Podemos nos comportar como
indivíduos em interação na medida que panicipamos de uma convenção de regras e
de normas que são mudas mas que estão presentes e graças às quais podemos
,

então desenvolver outras regras de comportamento. Para entrar em interação, é


preciso que haja um fundo comum de sociabilidade. A interação é a figura de uma
Gestalt sobre o fundo da sociabilidade sincrética. Pode-se dizer que esta constitui
o código daquela .

Quando um conjunto de pessoas que foram convocadas, enquanto pessoas, para


um grupo terapêutico se encontram pela primeira vez no consultório do terapeuta
ou num lugar desconhecido de todos até esse momento qualquer terapeuta ob-,

serva imediatamente fenómenos que catalogamos como reações paranoides;


acredito que concordaremos em considerar que essas reações paranoides se
ÿ Cf .
in J. Bleger 1967. Synibiose et Anibigiiite (ed. fr. 1981), p. 241 "Eu fálico" e a personalidade
psicopática. A personalidade factícia é uma polarização, uma cristalização do carácter factício do
Eu sincrético (N do T. francês).
.
46 A Instituição e as Instituições

produzem regularmente no começo de qualquer grupo e que se lhes pode atribuir


o significado de medo diante de uma experiência nova, medo do desconhecido ou
medo cujo objeto pode ser formulado diversamente, mas que podem todos ser
reduzidos à experiência que acabo de enunciar.

Não questiono a existência da reação paranoides O que questiono é que através


dessa formulação entendíamos realmente o que há de mais importante no que está
se passando nesse momento. Quando dizemos, nesse caso, que é pelo medo que o
grupo reage a uma experiência nova, ao que é indeterminado ou ao que é desco-
nhecido, enunciamos uma verdade muito mais ampla do que aquela que nós mes -

mos reconhecemos e, por conseguinte, o grupo também só consegue reconhecer


os aspectos superficiais dessa afirmação. Não é apenas a novidade que provoca o
medo, mas também o desconhecido que existe no interior daquilo que é conhecido
(lembremos que isso constitui a essência da inquietante familiaridade:fC//j/ja/?j//c/jJ.
Quando assinalamos as ansiedades paranoides, o medo do desconhecido ou da
situação nova, na realidade estamos dizendo ou assinalando (mesmo sem o com-
preender perfeitamente) que o medo se produz diante do desconhecido que cada
pessoa traz em si mesma sob forma de não-pessoa e de não-identidade (ou de Eu
sincrético). Em outras palavras e para tentar ser mais claro, se isso é possível, o
,

que estamos dizendo quando falamos das ansiedades paranoides, é o medo de não
continuar a reagir com as regras estabelecidas que se deve assimilar enquanto
pessoa; é o medo do encontro com uma sociabilidade que nos aniquila enquanto
pessoa e nos transforma num único meio homogéneo, sincrético, no qual cada um
não poderá emergir do fundo enquanto figura (como pessoa) mas ao contrário, ,

permanece submerso nesse fundo, o que implica uma dissolução da identidade


estruturada pelos níveis mais integrados do Eu do self ou da personalidade. O
,

medo é provado diante dessa organização e não apenas diante da desorganização;


de fora, e de um ponto de vista naturalista poderemos continuar a reconhecer os
,

indivíduos ou as pessoas mas de um ponto de vista fenomenológico isso significa a


,

perda da identidade (de uma identidade) e também a imersão numa identidade


grupai que, além e aquém da identidade convencional que reconhecemos como tal,
é constituída pelos níveis mais integrados da personalidade Em ou-tros termos,
.

colocamos em evidência o medo do grupo diante de uma regressão a níveis de


sociabilidade sincrética; esta não é constituída por uma inter-relação ou por uma
interação mas ela exige uma dissolução das individualidades e a recuperação dos
,

níveis da sociabilidade incontinente , de acordo com a denominação de Wallon7,


níveis que não aparecem nesses momentos mas que estiveram presentes pelos seus
6 Tradução proposta para Unheimlich em alemão no texto (N. do T. francês).
,

7 Para Wallon a noção de sincretismo designa um estado global e indiferenciado dos fenómenos
psíquicos e se aplica á afetividade, à sociabilidade, ao pensamento e ao comportamento. A
sociabilidade sincrética caracteriza o primeiro ano do desenvolvimento: para a criança a troca" se
,
"

efetua entre sujeitos não diferenciados e ela se modifica sob o efeito do ciúme e da simpatia A
,

sociabilidade é dita incontinente quando o medo do sexto mês em face dos estranhos desapareceu e
quando a criança estabelece contato com o primeiro que aparece" (H.Wallon, 1949. Les origines du
caractere echez 1,enfanL Paris, P.U.F.) (N. do T. francês).
47
O Grupo como Instituição e o Grupo nas Instituições

membros antes mesmo que parti, níveis que não aparecem nesses momentos mas
que estiveram presentes para seus membros antes mesmo que participassem do
grupo e desde o primeiro momento do encontro no grupo.

Gostaria de insistir em fazê-los observar que estou falando nesse momento de


grupos terapêuticos formados por pessoas neurotizadas, ou seja, por pessoas que
conservam ou a tingiram um bom nível de integração da personalidade, apesar das
dificuldades ou da sintomatologia neuróticas que apresentam. Essa observação
continua sendo pertinente e deve ser repetida nesse momento, considerando-se
que determinados grupos, formados por pessoas que não atingiram um certo grau
de individuação ou de identidade individual, procuram de imediato eatobelecer
uma situação simbiótica de dependência e de identidade grupai; essa últimíN tudo
o que podem realizar.
A identidade grupai comporta dois níveis em todos os grupos: o primeiro é aquele
da identidade dada por um trabalho efetuado em comum e que consegue instaurar
regras de interação e de comportamento que o grupo vai institucionalizar; essa
identidade é estabelecida pela tendência à integração e à interação dos indivíduos
ou das pessoas. Mas existe uma outra identidade em todos os grupos, e, às vezes, é
a única que existe (ou a única que se pode atingir num grupo); trata-se de uma
identidade particular que nós podemos chamar de identidade grupai sincrética e
que se apóia não sobre uma integração, sobre uma interação de regras de nível
evoluído, mas sobre uma socialização na qual esses limites não existem; cada um
daqueles que vemos de um ponto de vista naturalista como sujeitos ou indivíduos
ou pessoas não têm identidade enquanto tal mas sua identidade reside na sua
filiação grupo8.
Podemos estabelecer aqui uma comparação uma equivalência ou uma fórmula
,

dizendo que quanto maior é o grau de filiação a um grupo maior será a identidade
grupai sincrética (em oposição à identidade por integração). Quanto maior for a
identidade por integração menor será a filiação sincrética ao grupo.
,

Gostaria também de me referir sumariamente sem desenvolver muito, ao fato de


,

que a filiação, paradoxalmente, é sempre uma dependência ao nível de socia-


bilidade sincrética Há grupos terapêuticos que procuram tais fenómenos e outros
.

que reagem com pânico ou que se desintegram diante desses mesmos fenómenos.
Para introduzir uma maior clareza na exposição, gostaria de assinalar brevemente
tres tipos de grupos, ou melhor três tipos de indivíduos que podem ser membros de
grupos distintos ou de um mesmo grupo Um desses grupos é formado por
.

indivíduos dependentes ou simbióticos que vão utilizar imediatamente os grupos


como um grupo de dependência ou de filiação; tentarão estabelecer sua identidade
através da identidade grupai como sua identidade mais completa que atingirám no
® Cf.

para o desenvolvimento desse ponto de vista, J. Bleger, 1966, Psychanalyse du cadre


psychanalytiquc in R. Kaês, A. Missenard, e col: Crise, ruplure e dépassemenL Paris, Dunod
,

(1979), (N. do T .
francês)
48
A Instituição e as Instituições

curso do seu desenvolvimento .


Trata-se de indivíduos nos quais a organização
simbiótica persistiu mais do que o necessário ou em quem essa organização jamais
foi muito normal para poder se resolver e abrir o caminho a fenómenos de
individuação e de personificação Esses indivíduos vão tentar manifestamente
.

transformar o grupo numa organização estável: a interação será superficial , terá


tendência a impedir o processo grupai .

Um segundo tipo de indivíduos é formado por aqueles a quem me referi de


maneira mais detalhada até aqui e que chamamos de neuróticos ou normais .

Nesses nós reconhecemos a neurose como uma parte apenas da personalidade ao


passo que, numa proporção razoável, atingiram uma certa individuação e uma
determinada personificação: é o que chamamos normalmente de aspectos maduros
ou realistas da personalidade Esses indivíduos terão tendência a evoluir na
.

sociabilidade de interação e podem se apresentar como grupos muito


"
ativos ,
muito móveis "

mas num plano unicamente e consolidando a clivagem. Pode acon-


,

tecer muita coisa para que nada aconteça .

Um terceiro tipo é constituído pelos indivíduos que jamais tiveram uma relação
simbiótica e que não vão tampouco estabelecê-la no grupo senão após um longo e
,

difícil processo terapêutico: entre esses indivíduos encontramos personalidades


psicopáticas, perversas, as "as if personalities" descritas por H. Deutsch e todas as
personalidades ambíguas (nas quais incluo os tipos as if). Nessas personalidades o
grupo parece desempenhar um papel muito secundário e pouco importante Mas .

isso não é verdade Trata-se de pessoas que têm uma tendência para formar um
.

grupo de sociabilidade sincrética, não manifesta (mais pré-verbal) Como já disse e .

salvo indicação contrária farei referência unicamente ao segundo tipo de pessoas


,

ou de grupos.

Até aqui desenvolvi as características fundamentais do grupo. De fato, tudo isso


visa a que possamos nos entender quanto ao papel do grupo como instituição e
quanto ao papel do grupo na instituição. O conceito de instituição foi utilizado
com significados muito diferentes Vou recorrer a duas acepções entre todas
.

aquelas que são possíveis e gostaria de esclarecê-las: utilizarei a palavra instituição


quando me referir ao conjunto das normas, das regras e das atividades agrupadas
em torno dos valores e das funções sociais Ainda que a instituição tambeHÿ possa
.

se definir como uma organização no sentido de uma disposição hierárquica das


,

funções que se efetuam geralmente no interior de um edifício, de uma área ou de


um espaço delimitado utilizarei para essa segunda acepção exclusivamente a
,

palavra organização.

O grupo é sempre uma instituição muito complexa; melhor ainda ele é sempre um ,

conjunto de instituições mas ao mesmo tempo tem tendência a se esfabelecer


,

como uma organização com regras fixas e próprias O importante é o fato de que
.

quanto mais o grupo tende a se estabelecer como organização , mais ele visa existir
por si mesmo marginalizando o objetivo propriamente terapêutico do grupo ou ,

subordinando-o a esse objetivo A organização da interação atinge um grau tai que


.
49
O Grupo como Instituição e o Grupo nas Instituições
duas razões primordiais e em dois
node se tornar antiterapêutica. E isso se dá por
níveis: o nível da interação se organiza de uma maneirafixa e estável, mas a fixidez
baseiam também e, fundamental-
e a estereotipia da organização, por sua vez, se
mente, no estabelecimento do controle sobre a clivagem entre esse dois níveis, de
tal forma que a soc
iabilidade sincrética se torna imóvel.

Esse fenómeno corresponde ao que eu considero como a lei geral das orga-
nizações, ou seja, que em toda organização os o
bjetivos explícitos pelos quais
foram criadas sempre correm o risco de passar p o segundo plano, colocando
ara
em primeiro plano a perpetuação da organização enquanto tal. E isso acontece nãol
somente para pro teger a estereotipia dos níveis de interação mas, fundamenta -

mente, para salvaguardar e assegurar a clivagem, o depósito e a imobilização da


sociabilidade sincrética (ou a parte psicótica do grupo).

Nessa ordem de coisas, já assinalei que um grupo que deixou de ser um processo
para se estabelecer como organização se transformou de um grupo terapêutico
num grupo antiterapêutico9. Em outras palavras, poderia dizer que o grupo se
burocratizou: entendo por burocracia a organização na qual os meios se transfor-
mam em fins, e onde se deixa de lado o fato de haver recorrido a determinados
meios para atingir objetivos ou fins determinados.

A tendência à organização e à burocratização (ou em outras palavras a tendência


anti-processo) não é devida unicamente a uma preservação das interações ou a,
uma compulsão à sua repetição, mas como já observei também, essencialmente
para consolidar as clivagens e assim recobrir ou bloquear os níveis simbióticos ou
sincréticos.

Não é necessário chegar à burocratização extrema; um grupo pode "trabalhar bem"


e estar rompendo estereotipias: isso pode realmente acontecer, mas apenas no
nível da interação Se esse fenómeno persiste, é preciso que o grupo mude de
.

forma permanente para que se torne um grupo dotado de uma grande mobilidade, mas
trata-se na realidade de uma mudança para não mudar: no fundo "não acontece nada".

Há em tudo isso ainda um aspecto de uma importância considerável que não quero
deixar de lado; poderia começar dizendo que qualquer organização tem tendência
a manter a mesma estrutura do problema que ela tenta enfrentar e pelo qual foi
criada Assim
.
um hospital acaba tendo, enquanto organização, as mesmas carac-
,

terísticas que os próprios doentes (isolamento, privação sensorial, déficit das


comunicações etc ) . .

Nossas organizações psiquiátricas, nossas terapias, nossas teorias e nossas técnicas


também têm a mesma estrutura do fenómeno que tentamos enfrentar. Elas se tor-
naram e não são outra coisa senão organizações; por essa razão elas desempenham
j* mesma função de manutenção e de controle da clivagem: uma tendência à burocratização.
Estendi a compreensão desse fenómeno àquilo que se chama de reaçâo terapêutica negativa
50
A Instituição e as Instituições

A função iatrogênica e de confirmação das doenças desempenhada pelos nossos


hospitais psiquiátricos não precisa ser comentada aqui, já que é conhecida por
todos e já que constitui um aspecto sobre o qual se insiste muito hoje em dia; ma s
esquecemos outros aspectos também importantes ,
que têm o mesmo efeito
burocrático iatrogênico e a mesma função latente: a de manter a clivagem que
controla a sociabilidade sincrética .

A sociedade tende a instalar uma clivagem entre o que se considera como sadio e
como doente , como normal e como anormal. Assim se estabelece uma clivagem
muito profunda entre ela (a sociedade "sadia") e todos aqueles que, como os
loucos ,
os delinquentes e as prostitutas acabam produzindo desvios e doenças que ,
supõe-se, não têm nada a ver com a estrutura social A sociedade se autodefende .

não dos loucos ,

dos delinquentes e das prostitutas, mas de sua própria loucura de


,
,

sua própria delinquência de sua própria prostituição; dessa maneira ela os coloca
,
,
fora de si mesma
ela os ignora e os trata como se lhe fossem estranhos e não lhe
,

pertencessem. Isso se dá através de uma profunda clivagem Essa segregação e essa .

clivagem são transmitidas pelos nossos instrumentos e pelos nossos conhecimentos.


Assim ,
respeitar a clivagem de um grupo terapêutico e não examinar os níveis de
sociabilidade sincrética significa admitir essa segregação sancionada pela socie-
dade; significa admitir tanto os critérios normativos quanto os mecanismos pelos
quais determinados sujeitos ficam doentes e acabam sendo segregados; é també m
admitir o critério adaptativo de saúde e de doença e a sua segregação como "cura".

Aqui não é possível desenvolver as vicissitudes de cada um dos fenómenos que


acabo de delimitar no interior da dinâmica grupai; mas não seria difícil para o
leitor inferir as consequências e analisá las no seu próprio trabalho com grupos.
-

No que nos diz respeitoi° mais diretamente acrescentarei apenas que o staff ,

técnico ou a equipe administrativa de um hospital também têm tendência a se


estruturarem como organizações; as resistências à mudança não provêm
necessariamente sempre ou apenas, dos pacientes ou de suas famílias
,
, mas com
muito maior frequência de nós mesmos na medida que somos parte integrante das
,

organizações e na medida que as organizações fazem parte da nossa perso-


nalidade. Além do mais o que acontece é que em organizações os conflitos sus-
,

citados nos níveis superiores aparecem ou se revelam nos níveis inferiores:


acontece então que os conflitos do staff técnico não podem se manifestar no seu
seio
mas antes nos pacientes ou no pessoal subalterno; da mesma maneira que
,

com muita frequência as tensões e os conflitos entre os pais não aparecem no seu
próprio nível mas nos sintomas dos filhos E poderíamos continuar citando exem-
.

plos em todas as organizações civis governamentais, militares, religiosas etc.


,

No parágrafo precedente assinalei que as organizações constituem uma parte da


,
_

nossa personalidade e gostaria de voltar a essa afirmação, sumariamente porque ,

me parece que ela tem uma importância vital para o tema que estou desenvolvendo .

10 Lembremos que J Bleger dirige-se a psiquiatras reunidos em congresso (N. do T. francês).


.
O Grupo como Instituição e o Grupo nas Instituições

Nas nossas teorias e nas nossas categorias conceituais, opomos indivíduo a grupo e
indivíduos existem isolada-
organização a grupo, na medida que supomos que os
s e organizações. Nada disso é
mente e que eles se reúnem para formar grupo
correto, sendoapenas uma herança de concepções associacionistas e mecanicistas.
tido de perten-
O ser humano antes de ser uma pessoa é sempre um grupo, não no sen
lidade é um grupo. A esse
cer a um grupo mas no sentido de que a sua persona ÿ
homme orgaiúsation .
'

respeito, indico às pessoas interessadas a obra de Wliyte, L

Dessa maneira, pode-se considerar que a dissolução ou uma tentativa de mudança


de uma organização pode produzir diretamente uma desagregação da persona-
lidade; não por projeção mas em razão direta do fato de que o mino e a organi-
7irãnsãn a personalidade dos seus membros. Assim se explica a grande frequência
das doenças orgânicas graves entre os recém aposentados, e podemos com-
-

preender melhor como o ostracismo da Grécia antiga era mais desestruturador


para a personalidade do que a prisão e a execução.
Há então uma espécie de transbordamento nos problemas que estou estudando, já
que insisti anteriormente no fato de que todo grupo tende a ser uma organização, e
ituem
que agora, - quando me ocupo com organizações - afirmo que essas const
partes da personalidade dos indivíduos, e às vezes toda a sua personalidade.
E. Jaques afirmou que as instituições servem de defesa contra as angústias psicóti-
cas. Essa afirmação é limitada, e mais correto seria dizer que as instituições e as
organizações são depositárias da sociabilidade, sincrética ou da parte psicótica, e
'

que isso explica bem a tendência para a burocracia e pfara a resistência à mudança.

Quando falamos de organização e do trabalho dos psiquiatras, dos psicólogos e os


psicoterapeutas nas organizações, geralmente está subentendido que nos referimos
à terapia de grupo nas organizações psiquiátricas e hospitalares. Ainda não
tomamos claramente consciência, pelo menos na psicologia e na psicoterapia de
grupo, da necessidade da quarta revolução psiquiátrica e dos problemas que ela
apresenta; ela pode ser definida como a1 orientação para a prevenção primária e
para uma concentração de esforços na gestão dos meios. Porque sfe temos conhe-
cimentos e técnicas grupais bastante desenvolvidas, não é menos verdade que
carecemos de uma estratégia para utilizar essas técnicas e esses co-nhecimentos
quando devemos trabalhar com psicologiá institucional (nas organizações) nas
instituições que não são psiquiátricas nem hospitalares. E mesmo nessas últimas, é
possível que a melhor gestão dos nossos meios não seja a de organizar grupos
terapêuticos mas de dirigir os nossos esforços e os nossos conhecimentos para a
própria organização.

Quando trabalhamos em organizações com psicologia institucional, a dinâmica


grupai é uma técnica para enfrentar problemas organizacionais; mas para utilizar
Trata-se da obra de W H. Whyte Jr. The organization
. man. New York, Simon and Schuster, 1956,
Trad fr. Paris Plon 1959 (N. do T. francês).
.

,
52
A Instituição e as Instituições

essas técnicas devemos contar com uma estratégia geral da nossa intervenção bem
"
como com um diagnóstico" da situação da organização .

Nas organizações, um dos problemas básicos não é apenas a dinâmica intragrupal


mas a dinâmica intergrupal e o nosso objetivo pode não ser o grupo, mas o or-
,

ganograma.

Numa organização, o fato de se recorrer às técnicas grupais e a escolha do tipo de


técnica grupai que vamos utilizar são determinadas não apenas por um esforço
para reformar nosso furor curandis, mas também por um diagnóstico que permita
avaliar o grau de burocratização ou o grau de fissura que faz com que a clivagem
entre os níveis de integração e os níveis de sociabilidade sincrética não possa ser
mantida; esse diagnóstico esclarece também sobre a existência das estruturas do
grupo primário, das do grupo secundário e sobre as suas correlações etc.

Nossos objetivos de trabalho com a dinâmica grupai nas organizações vinculam se -

frequentemente à análise das implicações psicológicas das tarefas realizadas e à


análise do modo pelo qual os objetivos são ou não atingidos: acrescentamos a
dimensão humana ou psicológica ao trabalho efetuado e à maneira pela qual é
realizado.

Não conheço erro mais grosseiro do que transferir com as técnicas grupais, o
,

hospital psiquiátrico para o hospital geral e esses dois para as organizações


(indústrias, escolas etc.).

Resumindo , defini os grupos em dois níveis de sociabilidade: o primeiro é o que


chamam de sociabilidade por interação e o outro é o dk sociabilidade sincrética .

Assinalei que o grupo tem tendência a se burocratizar como organização e a se


tornar antiterapêutico não apenas para manter a repetição das normas no nível da
.

interação mas fundamentalmente, pela necessidade de manter a clivagem (ou a


,

separação) entre esses dois níveis .

A partir daí , fui levado a definir como as organizações dispõem dessa mesma
função de clivagem e como nossos conhecimentos e nossas técnicas grupais devem
ser precedidos se quisermos traba-lhar com a dinâmica grupai nas organizações,
,

por um estudo diagnóstico delas, e por uma estratégia no interior da qual as


técnicas grupais não constituem senão um instrumento .

Citei, sem desenvolver com profundidade determinadas leis das organizações,


,

assim como determinadas perspectivas para as quais deve tender nossa função no
campo da psiquiatria preventiva e da prevenção primária Mais do que um de- .

senvolvimento exaustivo essa exposição tem por função provocar, incitar ou es-
,

timular tanto uma mudança nas nossas estereotipias teóricas e técnicas quanto uma
mudança na gestão dos nossos meios.
III. O Trabalho da Morte nas Instituições

Eugène Enriquez

A análise das instituições revela o seu caráter paradoxal

VJ*
1. Por um lado, são lugares pacificados, expressivos de um mundo que funciona
sob a égide de normas interiorizadas e onde reina, se não um consenso perfeito,
pelo menos um acordo suficiente para empreender e levar adiante uma obra
coletiva. Diferentemente das organizações que visam a produção delimitada,
cifrada e datada, de bens ou de serviços e que se apresentam como contingentes
(exemplo: uma empresa pode nascer ou morrer sem que esse nascimento ou esse
desaparecimento tragam consequências importantes para a dinâmica social), as
instituições na medida em que iniciam uma modalidade específica de relação so-
,

cial
, na medida em que tendem a formar e socializar os indivíduos seguindo um

pattern específico, no qual pretendem perpetuar um determinado estado, desem-


penham um papel essencial na regulação social global. Com efeito, têm como alvo
primordial ajudar na manutenção ou na renovação das forças vivas de uma com-
unidade permitindo aos seres humanos serem capazes de viver, amar, trabalhar,
,

mudar e talvez, criar o mundo à sua imagem. O seu objetivo é de existência, não de
,

produção, de concentração sobre as relações humanas, sobre a trama simbólica e


imaginária nas quais se inscrevem e não sobre as relações eco- nômicas. A família,
,

a Igreja o Estado e os grupos educativos e terapêuticos podem, com toda razão,


,
" "

ser considerados como instituições porque todos colocam o problema da al-


,

tendade ou seja, da aceitação do outro enquanto sujeito pensante e autónomo por


,

Ci>da um dos atores sociais que mantêm com ele relações afetivas e vínculos in-
telectuais As instituições que facultam a entrada do homem num universo de
.

valores são criadoras de normas particulares e de sistemas de referência (mito ou


ideologia) que servem como lei organizadora tanto da vida física quanto da vida
mental e social dos indivíduos que delas participam. Assim sendo, toda instituição
tem vocação para encarnar o bem comum. Para isso, favorecerá a manifestação das
Pulsões sob a condição de que sejam metaforizadas e metabolizadas em desejos
54
A Instituição e as Instituições

socialmente aceitáveis e valorizados ,


o desdobramento de fantasias e de Pro-jeções
imaginárias na medida que "trabalhem" a favor do projeto mais ou menos ilusório
da instituição tendo a emergência de símbolos por função unificar a institui
,
ção e
garantir o trabalho desta sobre o consciente e o in- consciente dos seus membros

Sem instituições o mundo se constituiria apenas em relações de forças, e nenhuma


civilização seria possível Em toda instituição se revela o olhar do divino daquele
.

que permitiu a existência da harmonia no mundo, que nos dirigiu um discurso d e


amor e que pede em troca o nosso amor para com ele e o nosso amor para com os
outros. O significado último ,
manifesto e ao mesmo tempo velado, da mensagem
institucional é a presença total e trovejante de Eros que une os seres entre eles
"
( amai-vos uns aos outros" amai-vos tanto quanto eu vos amei") e que favorecen-
,
"

do o estabelecimento de "vastas unidades" (S Freud, 1929 p. 77), permite a cada .


,

um reconhecer no outro o seu "próximo" todos se movendo à sombra da lei e só ,

possuindo uma identidade enquanto portadores dessa lei, incontestada e incon-


testável. Esse clamor de Eros tem possibilidades de colocar os membros da
instituição em estado de sideracáo Isso ocorrendo não poderão se dar conta da .
,

intromissão silenciosa de Tânatos no processo de instauração da ligação. Eros,


com efeito pode, ao favorecer a identificação mútua, criar uma coesão ou uma
,

ÿalusão definitiva, fazendo a instituição funcionar como uma comunidade de


recusa (M. Fain , 1981). Essa coesão se apóia no movimento de sedução recíproca
entre os membros da instituição que frustra todo trabalho de questionamento do
,

estado de equilíbrio erigido quando não facilita o estabelecimento de mecanismo


,

de englobamento no grande Todo e a construção de um imaginário enganador .

Quando ocorre tal situação, a indiferenciação e a homogeneização cujas carac-


terísticas mortíferas são bastante conhecidas triunfam. A instituição "torna-se ,

assim um modelo de comunhão de calor, de intimidade e de fraternidade. As ,

relações entre os seres humanos são consideradas então como totalmente frater -

nas... Um modelo de trabalho de eficiência... é substituído por um modelo de


,

fusão de cooperação e de comunicação infalível. Ora, esses modelos refletem


,

ambos a obsessão da plenitude O njedo da perda do tempo no primeiro modelo o


.
,

medo do tempo "vazio" sem interesse sem comunicação, no segundo modelo,


,
" "

denunciam ambos o medo do tempo que passa o medo da morte... Fugindo da ,

morte nos precipitamos para ela" (E. Enriquez, 1967


,
p. 304). Podemos, pois, com ,

toda razão nos perguntar se a compulsão para a repetição já não está cm ação
,

nesse trabalho de uniformização Além disso a partir do momento em que uma


.
,

instituição vive sob o modelo comunial tende a evitar as tensões ou pelo menos a ,

mantê-las no nível mais baixo possível Ela funciona como um sistema então carac- .

terizado por uma auto-regulação simples que permite a preservação de estados


estáveis , (homeostasis) e pelo aumento contínuo da entropia (recusa a toda
criatividade) (E. Enriquez 1972 b, J. Laplanche, 1986), aumento tal, em deter-
,

minados casos , que o único caminho que resta é o retorno ao estado inorgânico (S.
Freud 1920). Poder-se-ia dizer, segundo A. Green, que ela promove um "narcisis-
,

mo de morte" (1Q83V Tânams ganha terreno exatamente onde Eros parecia levar a
melhor.
55
O Trabalho da Morte nas Instituições

2.
Por outro lado, as instituições são lugares que não podem impedir a emergência
daquilo que aconteceu no momento em que se originaram e contra o que desenvol-
passaram
a existir: a violência fundadora. Apesar dos esforços que as instituições
vem para mascarar as condições do seu nascimento, elas são e continuam sendo
herdeiras de um ou de vários crimes ("A sociedade repousa doravante sobre um
erro comum, um crime cometido em comum
"
. "(Foi) um ato memorável e
criminoso que serviu de ponto de partida para tantas coisas: organizações sociais,
restrições morais,religiões") (S. Freud, 1912, p. 163). Se renunciaram formalmente
à violência de todos contra todos, instauraram a violência legal. Esta, definindo a
esfera do sagrado e do profano, pronunciando as interdições, desenvolvendo o
sentido de culpa, enuncia-se, certamente, não como violência, mas como lei de
estrutura. Mas, ao fazer isso, ela mistifica os homens, pois exige deles sacrifícios
pelos quais não oferecem senão compensações derrisórias (S. Freud, 1927), ela
põe em situações de tensões intoleráveis, porque cria angústias e perigos
específicos. As instituições, além disso, indicam, vagamente, a possibilidade con-
stante do assassinato dos outros. Sabe-se, com efeito, que a interdição suscita o
desejo da transgressão, que o conflito e a rivalidade entre os irmãos, membros da
instituição, podem sempre romper a barreira instaurada pela necessidade do con-
senso. Frazer escrevia justamente: A lei proíbe apenas aquilo que os homens
"

seriam capazes de fazer sob a pressão de determinados instintos. O que a própria


natureza proíbe e pune não tem necessidade de ser proibido e punido pela lei"
(Frazer,//i S. Freud, 1912).

A violência parece ser assim substancial para a vida institucional, na medida em


que procede da legalidade que exige que os homens renunciem à satisfação das
suas pulsões e na medida em que, fazendo isso, é capaz de reacender os combates
entre os iguais e favorecer o desejo de transgressão das interdições; mas a violência
institucional não se reduz à violência legal Assim que um grupo é instituído, novos
.

mecanismos passam a funcionar: projeção ao exterior por parte dos indivíduos,


,

das pulsões e dos objetos internos "que em não sendo assim, se tornariam fonte
,

de ansiedade psicótica a qual colocam em comum na vida das instituições sociais


,

em que se associam" (E Jaques, 1955, tr. fr. 1964, p. 546); ataques contra os
.

vínculos (W R Bion, 1959), não apenas da parte de pacientes psicóticos, mas da


.
-

parte de qualquer indivíduo que utiliza eletivamente tipos primários de defesa


como a clivagem e a rejeição; proliferação de mentiras, de afirmações ditatoriais
ÿW. R. Bion , 1962a) ou "indiscutíveis" (na medida que marcam um discurso
echado sobre si mesmo que não permite a ninguém contradizê-lo ou corroborá-lo)
ainda mais frequentes na medida em que as instituições não favorecem a busca da
verdade mas as lutas pelo poder; certamente isso não quer dizer que as "

mstituições utilizadas dessa maneira se tornem psicóticas mas implica, efetiva-


" "

wente,
que devemos esperar encontrar nas relações de grupo manifestações de
realismo
ÿ anto às estrutura
clivagem, de hostilidade, de suspeita (R. Jaques, 1955, p. 547).
"
,

adotadas para que a instituição possa funcionar, elas se


apresentam como "defesas contra a ansiedade depressiva e a ansiedade de
Pe«"seguição (E Jaques 1955) ou ainda (num prolongamento heterodoxo do pen-
.
,
56
A Instituição e as Instituições

samento de Jaques) como defesas contra o informe as pulsões, os outros, o jes ,


'

conhecido, a palavra livre o pensamento (E. Enriquez, 1983).


,

Se se admite que a instituição apesar das suas estruturas, não estabelece um an-
,

teparo suficiente para impedir que os seus membros se sintam mutuamente in-
vadidos pelas projeções de ambas as partes e que experimentem então um
sentimento de invasão da sua psique e de enxugamento dos seus pensamentos e
das suas emoções; que só com dificuldade ela consegue fazer com que seus
membros admitam a necessidade de dominar e de simbolizar a separação (eles têm
a tendência seja a negá-la seja a fixá-la em luta de poder e em agressividade); que
,

ela é atravessada por movimentos de desinvestimento e de contra-investimento-


que, promulgando ideais, ela favorece o surgimento de comportamentos para-
nóicos e que tentando promover um espaço de sonho e de fantasia corre o risco ,

de abrir caminho para o desejo perverso o sonho mais louco e mais nocivo que
,

sempre pode se esconder sob a máscara da criatividade somos então levados a ,

admitir que Tanatos (ainda que não exista "destrudo"1 autónomo no pensamento
freudiano) desempenha um papel essencial na vida da instituição .

Portanto uma reflexão sobre o trabalho da morte nas instituições se mostra ur-
,

gente. Ela deverá tentar elucidar as metamorfoses, os processos de substituição de ,

deslocamento e de metaforização que fazem com que a instituição brinque sempre


de quem perde ganha uma vez que a morte pode estar presente fora do lugar que
,

tendencialmente se lhe designa e uma vez que a vida pode avançar pelo mesmo
caminho tomado pelo anjo da morte É para um jogo de máscara para um jogo de
.
,

vertigem (ilynx) que somos convidados É preciso pois, tentar organizar um pouco
.
,

isso para não se cair no desvario ainda que saibamos desde já que o impensado, o
,

inominável , o inefável, de uma forma ou de outra, terão, outro paradoxo a última


,

palavra.

1 .
As instituições: sistemas culturais simbólicos e imaginários
,

As instituições elementos da regulação social global e imagem do divino (toda


,

instituição se erige como instituição divina enquanto se apresenta como a única


que promete a salvação e a redenção àqueles que a frequentam) se apresentam
como conjuntos culturais simbólicos e imaginários.
,

1 1 Sistemas culturais
. .

111
. . . Eles oferecem uma cultura ou seja, um sistema de valores e de normas, um
,

sistema de pensamento e de ação que deve modelar o comportamento dos seus


1 O autor pode estar se referindo aqui à pulsâo de destruição (N. do R.) .
57
O Trabalho da Morte nas Instituições

agentes junto aos indivíduos que lhes são confiados ou que lhes pediram alguma
coisa.

112. Eles elaboram uma certa maneira de viver na instituição, uma armação
estrutura l (exemplo: reunião institucional, reunião sobre um problema específico,
reunião de pequenos grupos de especialistas, tipos de jogos com as crianças,
espaço concedido a cada um), que se cristaliza numa determinada cultura, ou seja,
em atribuições de postos, em expectativas de função, em comportamentos mais ou
menos estereotipados, em hábitos de pensamento e de ação, em rituais minuciosa-
mente observados, devendo facilitar a edificação de uma obra coletiva.

1.
13. Eles desenvolvem um processo de formação e de socialização dos diferentes
atores, a fim de que cada um dentre eles possa se definir em relação ao ideal
proposto.

Certamente, o modelo real de socialização, dito de outra forma, o que efetiva-


mente é empregado, pode ser muito diferente dos princípios teóricos aos quais se
refere e do arcabouço estrutural criado para lhes dar vida. O grau de contradição
ou de complementaridade entre esses diferentes momentos da cultura (assim
" "

como o grau de consistência e de coerência apresentado por cada um deles) cons-


titui um problema central. Seja qual for a solução que se lhe dê, os três momentos
culturais não apenas desempenham um papel fecundo na vida institucional mas são
indispensáveis ao estabelecimento e à permanência da instituição, pois são a garan-
tia da identidade à qual aspira todo conjunto social.

1 2 Sistemas simbólicos
. .

Uma instituição não pode viver sem elaborar um ou mais mitos unificadores, sem
instituir ritos de iniciação de passagem e de realização, sem se atribuir heróis
,

tutelares (tomados muitas vezes entre os fundadores reais ou entre os fundadores


imaginários da instituição) sem contar e/ou inventar uma história que
,

permanecerá na memória coletiva; mitos, ritos, heróis, sagas, cuja função é


sedimentar a ação dos membros da instituição servir-lhes de sistema de
,

legitimação e dar assim, sentido às suas práticas e às suas vidas. A instituição pode
,

então se oferecer como objeto ideal a ser interiorizado que dá vida, ao qual todos
,

devem manifestar a sua lealdade e até mesmo se sacrificar. Ela apresenta


,

exigências e obriga a todos a se moverem pelo orgulho do trabalho a realizar:


verdadeira missão de vocação salvadora.

Se nem todas as instituições podem ter um sistema simbólico tão fechado sobre si
mesmo e tão impositivo para os seus membros todas, inconsciente ou consciente-
,

mente
procuram edificá-lo. E isso, principalmente na medida em que se sentem
,

menos seguras de si mesmas e na medida em que desejam se reinstituir, reen-


contrar um fundamento sólido (e assim desenvolver um controle novo e mais
efetivo sobre os seus membros).
58 A Instituição e as Instituições

As instituições "sem histórias" têm, pois, os seus mitos, ritos e heróis, mas elas não
têm necessidade de os evocar constantemente. "Pai nosso que estais no céu/ ficai
"
por aí/ e nós, nós ficaremos na terra/ que às vezes é tão linda escrevia Prévert ,

Quando os pais ficam nos céus, quando o mito fica bem distante dos homens
quando ele não invade a vida cotidiana, desempenha o papel de fiador da viçja
psíquica e da vida social (E. Enriquez, 1986). Os homens podem cuidar dos seus
problemas e animar a instituição. Quando o mito começa a invadir (com o seu
cortejo de ritos, de sagas, de heróis), então ele envolve os seres num sentido pré-es-
tabelecido e lhes tira, no afã de lhes restituir a vida, qualquer possibilidade de
escapar ao desabamento que os espreita, mesmo que, temporariamente ele pareça ,

lhes oferecer um novo elemento de coesão.

13
. .
Sistemas imaginários

Imaginários no sentido de que a Instituição procura capturar os indivíduos na ar-


madilha dos seus próprios desejos de afirmação narcísica e de identificação nas ,

suas fantasias de onipotência ou na sua necessidade de amor declarando-se capaz


,

de responder aos seus desejos naquilo que apresentam de mais excessivo ou de


mais arcaico (afirmação narcísica que se manifesta sob os rostos do líder do ,

tirano, do organizador e do sedutor; identificação maciça que tem como objetivo a


comunhão e a fusão amorosa com o outro) e de transformar as suas fantasias em
,

realidade (ilusão propriamente mortífera já que a função da fantasia é permanecer


como aquilo que não deve ser realizado e fornecer a base e os elementos criativos
necessários à reflexão e à vontade transformadora). Imaginárias igualmente na
medida em que a Instituição vai tranquilizá-los quanto à sua capacidade para
protegê-los contra a possibilidade de abalamento da sua identidade, dos seus
temores de desmoronamento da angústia de fragmentação despertada e alimen-
,

tada por qualquer vida comunitária proporcionando-lhes as couraças sólidas do


,

estatuto, da função (constitutivas da identidade social) e da identidade maciça da


Instituição.

Prometendo-lhes tentar responder ao seu apelo (angústias desejos, fantasias,


,

pedidos), ela tende a substituir o seu próprio imaginário pelo deles. De um lado, a
instituição divina todo-poderosa única referência, que nega o tempo e a morte,
,

mãe que envolve e devora e igualmente mãe benévola e mãe nutriz, genitor,
,

castrador e simultaneamente pai simbólico; de outro lado a instituição sempre


,

ameaçada por perseguidores externos e internos desejosos de a impedir de realizar


da melhor forma a missão de que está investida tomada por medos específicos:
,

medo do retorno ao caos medo do indomável desconhecido externo e interno,


,

medo das pulsões destruidoras e das pulsões amorosas incontroláveis. Surgindo ao


mesmo tempo como poderosa e como extremamente frágil multiplicando as ima-
,

gens mais contraditórias ou mais contrastadas, mas sempre aquelas que provocam
temor e tremor, amor e alienação, ela visa ocupar a totalidade do espaço psíquico
dos indivíduos que não podem mais se "separar" dela e imaginar outros compor-
59
0 Trabalho da Morte nas Instituições

mentos possíveis. Ela os sufoca e os abraça, ela os mata e os faz viver. No dia em
nue esse esconde-esconde imaginário perde a sua força ou é desmistificado, então
cada mem bro se põe a criar a sua própria brincadeira (com ou contra a instituição)
esta, desmascarada, se transforma numa simples organização de trabalho com
suas regras e com seus códigos, ou seja, num lugar onde as paixões se acalmam e
onde o imaginário já não tem vocação para reinar.

As instituições, enquanto sistemas culturais, simbólicos e imaginários, apresentam-


distintiva
se, portanto, como conjuntos englobantes, visando imprimir a sua marca
sobre o corpo, o pensa mento e a psique de cada um dos seus membros. Elas vão
favorecer a construção de indivíduos para a sua devoção, na medida em que con-
seguiram se instaurar para eles como pólo ideal e a obcecá-los com o ideal.
Entretanto, raramente elas atingirão os seus objetivos de domínio total e, por con -

seguinte, de formação de estrutura enclausurante: acabarão engendrando um


universo conformista, repetitivo e destinado a se degradar irresistivelmente e a
morrer, a menos que, procurando a morte dos outros, consiga alguma trégua para
si. Mas o fato de não conseguirem desenvolver todas as consequências implicadas
na sua essência e no seu modo de existência, tal como está formalmente or-
"

ganizado, não significa que não procurem perseverar no seu ser e que não se
"

coloquem de imediato, pela sua vontade totalitária e pela sua recusa da variedade
,

e da aceitação de uma alteridade radical, num registro que, visando fazer surgir
algo de vivo, de fato corre o risco de estar sob a égide do triunfo da morte.

ÿ2. As características das instituições terapêuticas

Essas instituições a exemplo das suas similares, estão repletas de indivíduos que,
,

por natureza, ocupam posições assimétricas. Sabe-se que a instituição familiar, jus-
tamente pelo inacabamento da criança a coloca numa situação de dependência
,

total; que a escola institui uma separação entre um professor guardião do saber, e
,

um aluno em processo de aprendizagem; que o exército instaura uma diferença


fundamental entre o comandante e o soldado etc. A instituição terapêutica não
,

foge dessa assimetria Ela também coloca de um lado médicos, enfermeiros,


.

educadores analistas, formadores, detentores de técnicas mais ou menos sofis-


,

ticadas e "clientes" que podem ser definidos, numa primeira análise, como objetos
dessas técnicas Mas elas oferecem uma modalidade de existência particular: se,
.

nas outras instituições, as relações são assimétricas apenas por um certo tempo, se
a criança pode vir a ser pai, o aluno um professor, o soldado um comandante, se
todas as outras instituições pegam o individuo à força e lhe atribuem um lugar que
ele jamais pediu (a criança não escolhe a sua família, nem o aluno a sua escola,
nem o soldado o seu exército etc.) o mesmo não se dá com as instituições de
tratamento .
60
A Instituição e as Instituições

Nessas (instituições hospitalares de reeducação, de acolhida, de proteção ou de


,

salvaguarda) a relação assimétrica é permanente e os indivíduos tratados jamais se


tornarão membros ativos dessas instituições. Além do mais esses últimos expres- ,

sam todos, mais ou menos explicitamente, um pedido especial: um pedido de cura


São pacientes que se apresentam, para que lhes seja dada uma ajuda , uma
assistência, um conselho. Chegam cheios de esperança e preparados para a
submissão (quando não são os parentes que, enquanto porta-vozes adotam essa ,

atitude de espera), mas também com exigências desmedidas e com a possibilidade


de revolta e de violência.

2 1 Encontro com o arbitrário


. .

São seres que, na própria vida como observa P. Aulagnier (1975), se defrontaram
,

com o arbitrário e não com uma lei estruturante. Com efeito passaram pela ,

experiência de um excesso: num determinado caso excesso de contatos eróticos, de ,

amor invasor, de apego envolvente, e em outros casos excesso de pancadas, de ,

ódio destruidor, de votos de morte ou ainda mais simplesmente, expressão da


,

indiferença dos pais (dos primeiros educadores) que os fazem viver numa situação ,

de carência afetiva insuportável. Portanto não tiveram a possibilidade de se con-


,

frontar, nem com limites e interdições explicadas e aceitáveis e portanto, ,

estruturantes nem com o amor positivo (ainda que todo amor seja ambivalente)
,

que favorece a autonomia progressiva da personalidade. Não estavam preparados


para vivenciar um recalque necessário à constituição de qualquer pessoa, que vin-
culando-se à ordem da interdição e da linguagem é sempre o sinal de que a ,

instância recalcante marcou a sua presença a sua atenção e o seu interesse afetivo
,

em relação àquele sobre quem ela age Esse recalque, se tivesse acontecido teria
.
,

sido criador de cultura e de linguagem e teria pois, aberto a porta da sublimação.


,

Se não foi possível isso pode estar ligado ao fato de que o recalcado não foi posto
,

no seu devido lugar na casa dos próprios pais Não podem então se apresentar .

como sujeitos da cultura e não podem induzir senão a um recalque totalmente


,

arbitrário (uma violência por excesso e não uma violência construtiva) impedindo a
fantasmatização e o encaminhamento do sentido É o que ocorre na psicose, se nos .

referimos à teorização proposta por P Aulagnier. Essa autora escreve: "No registro
.

da psicose o recalque visa tornar impossível o desvelamento de um não-recalque


,

presente e ativo na psique materna. A mãe, enquanto instância recalcante, proibirá


à criança qualquer pensamento qualquer significado, qualquer interpretação que
,

traduzisse em palavras esse não-recalque É por isso que não pode haver, nesse
.

caso, uma aliança positiva estruturante, entre a ação recalcante operada pelo
,

genitor e a ação recalcante da qual o Eu deveria se apropriar" (P. Aulagnier, 1984,


p 259). Uma outra determinação pode estar em jogo: a ausência de qualquer
.

discurso de recalque da parte dos primeiros educadores. Os pacientes nessas ,

condições, só se defrontaram com o ódio e com a repressão. "Se o recalque é da


ordem da interdição e da linguagem, a repressão é da ordem da censura e da
violência... A violência, como G. Bataille já havia observado muito bem é um dis- ,
61
O Trabalho da Morte nas Instituições t :

curso sem voz .


A violência não pode ser falada; ela é vivida, ela se expressa, ela
trabalha no nível de uma impressão sem mediação (sem linguagem) sobre o corpo
sobre o espírito. O discurso da repressão é o do corpo a corpo e o ser da
repressão (o perseguidor) tem unicamente como objetivo transformar um sujeito
que poderia ser desejante num "corpo que precisa ser abatido (E. Enriquez, 1972
'
.

a p 90). Num caso desses, nenhuma estrutura significativa pode ser constituída, o
que é instituído, ao contrário, é uma falta de esperança, associada a um aumento
das angústias de morte (angústias de devoração, do vazio, do desmoronamento), é
uma ausência de forma (M. Enriquez, 1976), é uma impossibilidade de aceder ao
desejo e às vezes até mesmo um ódio mortal do desejo: a violência destruidora e
auto-destruidora, a tentação do apocalipse ou a do Nirvana são os seus frutos.

Num e noutro casos, com mais ou menos acuidade, os indivíduos viverão, portanto,
a perda do sentido e da possibilidade, para eles, da construção do sentido. Não
podem ver nos outros, no social, senão uma ameaça sempre pronta para agir. É
verdade que nem todos os pacientes passaram por essas situações extremas. Al-
guns dentre eles, de uma forma ou de outra, foram colocados na presença de
interdições estruturantes. O seu pedido de ajuda é então ocasionado seja por um
excesso, seja por um déficit de proibições, quando não é pela impossibilidade de se
reencontrar e de se definir no labirinto das múltiplas proibições que lhes são im-
postas sem uma hierarquia.

22
. . O excesso de proibições

Excessos de proibições: passaram por isso os pacientes que tiveram uma educação
rígida de tipo puritana, onde o que estava em jogo não era apenas não transgredir
,

a proibição mas considerar aquilo que ela designa com horror, como a expressão
do demoníaco que se encontra escondido em cada ser esperando apenas por um
,

descuido da ascese para se manifestar na sua virulência e como que contra a


natureza Quando isso ocorre, assiste-se a um tal desenvolvimento do sentimento
.

de culpa derivado da angústia diante da retração do amor da angústia diante do


,

Superego (indispensável para a criação e para a permanência da civilização) que


pela renúncia quase completa à satisfação das pulsões ele leva a níveis de "tensões
intoleráveis" Estaremos frente a indivíduos incapazes de seguir o programa do
.

princípio do prazer não mais sabendo amar (se, ao contrário, na maior parte do
,

tempo eles são aptos para o trabalho minucioso, prontos a se sacrificarem por um
,

ideal e felizes de se submeterem às obrigações morais) e, portanto, incapazes de


desejo já que o desejo não pode ser dissociado do prazer, da busca de um objeto
,

que proporcione o gozo e ao qual o sujeito deseja proporcionar o gozo Indivíduos .

socialmente instituídos que vivem no espaço social e que criaram um impasse no


,

seu espaço psíquico ou que o alimentaram exclusivamente com as proibições e as


.njunções dos valores societais e parentais estão mortos para si mesmos; porque
,

sao tão incapazes de se questionar e de duvidar quanto de questionar, de transfor-


m&r ° mundo no qual devem viver. São incapazes de criação. Como escreve J. Mac
62
A Instituição e as Instituições

Dougall: "O caracterial do tipo normal criou para si uma carapaça que o protege
de qualquer despertar dos seus conflitos neuróticos e psicóticos. Ele respeita as
idéias transmitidas como respeita as regras da sociedade; e não as transgride nem
mesmo em imaginação. Nele o sabor da "
madeleine
"
2 não provoca nenhuma rea
ção
e ele não perderá o seu tempo em busca do tempo perdido. E no entanto ele
perdeu alguma coisa. Essa normalidade é uma carência relativa à vida fantasmática
e que distancia o sujeito de si mesmo. (Mac Dougall, 1978, p. 220).
"

Quando não têm necessidade da instituição terapêutica ou formativa quando não ,

sentem falhas na sua carapaça contentam-se em viver como mortos-vivos e em


,

fazer com que os que o rodeiam , a sua família e os seus subordinados, paguem
pelo seu estado de renúncia pulsional erótica. De fato, não poderão senão exercer
a sua vontade de controle, fazer com que os outros verguem sob o peso das suas
exigências, derramar sobre eles a sua pulsão agressiva Muitas vezes, também eles .
,
"
se tornarão seres rancorosos" e perseguidores. Quando ocorrer uma guerra quan- ,

do imigrantes vierem "invadi-los" poderão, com toda a boa-fé, projetar sobre eles a
,

sua violência que pede satisfação. De uma forma ou de outra um bom número ,

desse tipo de pessoa encontra-se entre os diretores das empresas e dos partidos .

Mas basta que uma falha se instale (provocada particularmente por uma rejeição a
que não estavam preparados: o abandono, o divórcio, a rejeição por parte dos
f lhos, o desemprego a necessidade de se reconverter), e eles vão viver como per-
i ,

seguidos, não compreenderão mais o que lhes está acontecendo e poderão escor- ,

regar para a loucura ou ser invadidos pela idéia do suicídio Pedirão ajuda mas a .
,

pulsão de morte que os anima os impedirá de abrir os olhos, de ter "os olhos
férteis" (Eluard) de atingir a reflexividade e o desejo criador.
,

Podem igualmente viver níveis de tensão tão elevados que de uma única vez, a ,

energia tão longamente comprimida transbordará e eles farão o que jamais tinham
ousado sonhar e que sempre haviam imputado aos seus adversários: sentirão cres-
cer neles emoções das quais não se acreditavam capazes e virão pedir assistência .

Terapeutas e formadores conhecem bem esses indivíduos sem problemas cujo ,

problema, justamente, é não ter podido admitir e aceitar considerar o seu conflito
e o seu sofrimento e que funcionam sob a égide de uma ideologia protetora que os
impede de viver e de pensar Homens do conformismo, homens do social e não da
.

cultura, estão sempre à mercê de uma "ruptura" que não sabem enfrentar.

23 . .
O déficit de proibições

A civilização moderna favorece a eclosão de indivíduos abandonados a si mesmos ,

a quem os pais não puderam servir de referência pois foram incapazes de enunciar
,

2 Espécie de bolinho cujo sabor na obra Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, leva o
,

narrador a se lembrar do passado (N. do T.)


.
63
o Trabalho da Morte nas Instituições
ituação de
roibições estruturantes na medida em que eles próprios viveram numa s
oertur bação ou mesmo de desamparo psicológico. Esses indivíduos praticamente
ão desprovidos de Superego e de ideal do Ego (ainda que ninguém possa viver
quando há uma ausência radical de determinadas instâncias psíquicas). Ou mais
" "

exatamente, já não têm como pontos de apoio senão o grupo dos pares ou os ,

ideais que a mídia propõe à massa. "O que começou com o pai termina com a
massa. (S. Freud, 1929, p. 91). A massa inconstante, envolvida pelos discursos mais
grosseiros, pelas imagens mais violentas, imprópria à imaginação criadora, se
entrega aos ídolos mais efémeros, aos impulsos mais primários e vive sob a égide
do arcaico. Está povoada de seres que vivem no transitório, no encontro fortuito, e
que não têm a capacidade de se confrontar com a alteridade pelo fato de que a sua
jamais foi reconhecida. O outro só pode, pois, ser percebido enquanto objeto de
satisfação das suas necessidades mais diretas, menos metabolizadas. Se os in-
divíduos que sofreram um excesso de proibições são movidos por um sentimento
de culpa insuportável, estes, ao contrário, são inaptos para a culpa e para o remor-
so. Não tendo sofrido nenhum recalque (ainda quando tenham sofrido a re-
pressão), eles funcionam sob o registro da busca da satisfação imediata. Dão a
impressão de seres em estado de involução, procurando satisfazer as exigências do
Id, mas impotentes para as integrar num Eu voluntário, porque nada lhes permite
estabelecer uma diferença entre as exigência contraditórias do Id, posto que não
lhes foi proposta nenhuma consciência moral, nenhuma preocupação com um ideal "

a ser construído. Rebentos de indivíduos perdidos, lábeis, border-line, sem forma


"
,

vivenciam problemas de identidade e não podem se situar na tempo-ralidade que


permite filtrar os desejos. Transformar-se-ão naqueles delinquentes para quem a
linguagem é vazia de significado; naqueles toxicómanos que procuram a realização
do Eu-ideal (sendo que todo déficit do ideal do Eu reforça o Eu-ideal e a sua
necessidade de onipotência imediatamente realizada) na fuga da realidade; na-
queles caracteres inconstantes sobre os quais é difícil exercer influência, por jamais
terem sido investidos como pessoas autónomas por terem sentido a indiferença
,

dos pais e daqueles que os rodeavam: tornar-se-ão indiferentes a si próprios (in-


capazes de explicar as razões dos seus atos e de perseverar num projeto) e aos
outros .
Seres da fragmentação das intensidades, da dispersão instantânea,
,

cotidianamente vivenciam a própria morte de maneira passiva. Nada importa, tudo


é indiferente o amanhã não existe, ninguém é responsável por nada, são os
,

elementos constitutivos do seu credo Terapeutas, educadores e reedu-cadores se


.

perguntam como ajudá-los a construir uma identidade como torná-los capazes de


,

amor ,como despertar neles a vontade de trabalhar como fazê-los despontar en-
,

quanto sujeitos responsáveis pela própria vida e senhores do próprio tempo .


Com
efeito
parece que o único desejo que têm é o de voltar ao estado anorgânico.
,

Sofrem violentamente por jamais terem encontrado apoio ou proteção. Mas não
sabem disso Seria necessário que aprendessem a sofrer para passar da situação
.
,

e ser em sofrimento para a de seres de sofrimento (o sofrimento tem como ,

observou M Enriquez uma função identificante - 1980), ou seja, para seres


.
,

capazes de pensar e de agir Hegel dizia: "É preciso ser lacerado para pensar". E
.

a em do mais é preciso ter consciência disso.


,
64 A Instituição e as Instituições

24 . . O labirinto das proibições

Se em alguns dos seus aspectos a nossa civilização exprime, sob o signo de uma
falsa liberação, uma ausência de proibições estruturantes, em outros (J. Laplanche
1967), ela multiplica as proibições e as obrigações carregadas de arbitrariedade Os .

indivíduos se vêem presos numa série de normas (e não num sistema de normas
apto para garantir aos sujeitos a sua coerência), não hierarquizadas (normas
jurídicas, normas de vida historicamente instituídas, normas de grupo que são
diferentes de um grupo para outro), que impedem que os indivíduos tenham pon-
tos de apoio, que alicercem a própria vida sobre uma base sólida. Assim , são
jogados de uma norma a outra, das normas oficiais ("é preciso trabalhar para ter
"
sucesso ), às normas insidiosamente evocadas ("para ter sucesso
considerando que ,

o único sucesso que conta é o sucesso financeiro convém confiar na sorte: jogos de
,
"
azar, loto, turfe, loteria esportiva, e nepotismo ) de normas de solidariedade a
,

normas de individualismo. Como poderiam reconhecer-se em meio a essa con-


fusão? Portanto quanto mais a civilização se diferencia, mais ela promulga leis
,

unívocas; quanto mais o indivíduo perde os seus pontos de referência identifi-


catórios, mais a sua identidade é questionada esfacelada, mais ele se vê forçado a
,

trabalhos de luto e a processos de reorganização da personalidade... Assim sendo ,

podemos compreender o aumento das neuroses do nosso tempo ligado à impos-


sibilidade de referência a regras de comportamentos universais uma vez que cada ,

organização promulga regras que já não apresentam para os indivíduos, um ,

caráter sagrado (E. Enriquez 1980). As únicas soluções (além da neurose) que se
,

apresentam ao sujeito são então: seja o recolhimento sobre si a personalidade


"

narcísica assumida no delírio de grandeza (Eu eu)3 na incapacidade de reco-


"

nhecer os outros e na ilusão de se acreditar criador de normas afirmativas que


permitam que a pulsão de auto-conservação fique com a última palavra; seja a
escolha de uma norma temporária valorizada (que sirva de ideal e que regule a
vida), que leva à criação daquilo que podemos chamar de "personalidades oscilan-
tes". Tais exemplos seriam muito numerosos Citemos simplesmente os intelectuais
.

que passaram do stalinismo ao maoísmo e daí para o liberalismo e à defesa da


sociedade ocidental quando (em casos raros felizmente) não passaram da extrema
,

esquerda para a direita mais virulenta quando não à extrema direita nazista. A
,

característica essencial de tais personalidades é a compulsão ao engajamento e ao


desengajamento ao super-investimento e ao contra-investimento, sem questio-
,

namento radical e sem mudança interna Sua atitude é peremptória: destroem o


.

que adoraram, adoram aquilo que desprezavam, sem questionar essa necessidade
de referência a um pólo idealizado e sem se perguntar qual pode ser o significado
disso. Vão de ilusão em ilusão mas sempre muito seguras de caminhar na verdade.
,
"
Poderiam fazer sua a famosa frase: "Eu a verdade, falo , , mesmo que não se trate
sempre da mesma verdade.
3 Moi, je, no original, construção da língua oral que pela repetição do pronome põe em evidência a
pessoa do sujeito.
65
O Trabalho da Morte nas Instituições

Personalidades narcísicas e personalidades oscilantes não pedem ajuda, pois são


inaptas para a interrogação. Apenas quando a sua tranquilidade está ameaçada (o
de personalidades
que acontece raramente, pois a nossa sociedade é apreciadora
desse tipo) é que verão despertar a dúvida e que começarão a vacilar. Por outro
lado, aqueles que já não sabem a que santo apelar virão pedir aos formadores para
lhes indicar o bom caminho" (quantas vezes não ouvimos executivos nos pedirem:
"

Diga-nos como devemos nos comportar ), ou aos terapeutas para lhes permitir
"
"

nue se defrontem com os seus próprios conflitos neuróticos. Esses últimos são,
certamente, aqueles que menos são atravessados pela pulsão de morte, na medida
mesma que sentem aumentar em si a angústia da vida.

Qualquer que seja o tipo de sofrimento que opere na psique desses vários pa-
cientes, eles se apresentam como indivíduos desajustados, fragmentados (posto que
o princípio unificador tende a faltar), atravessados pela pulsão de morte dos outros
(e da sociedade) que interiorizaram e que fazem voltar contra si próprios e/ou
contra aqueles que estão ao seu redor, impelidos por um ódio de si e do outro (ou
pelo menos por uma interrogação dolorosa que questiona a possibilidade de estar
vivo, ou por outras palavras, de encontrar uma finalidade para si e de gostar de
realizar algo para si e para os outros) e às vezes pelo desaparecimento de todo
desejo. O seu estado de desamparo mais ou menos total, devido à situação de
cataclismo que vivenciaram, os conduz à beira do caos no qual podem cair (delírio)
ou naufragar lentamente. O seu psiquismo está em perigo de morte e sabemos que
a morte psíquica provoca inelutavelmente degradação lenta mas irreversível, ou a
morte física de si e dos outros. Aí estão eles, com o seu grito silencioso e esperam
que alguém os ouça, e faça ver, pela sua presença atenta, que pode acolher o
sentido (ou a ausência de sentido) de que são portadores, sem o saber.

3 .
A equipe de tratamento

Esses indivíduos mal consigo próprios, encontram operadores sociais (médicos,


,
" "

psicanalistas, educadores formadores, psicólogos...) que vão se responsabilizar por


,

eles no interior de uma instituição que funciona de acordo com os princípios


definidos acima Precisamos também nos perguntar, agora, o que é que motiva
.

esses operadores nas suas relações com os pacientes.

Os profissionais do "psíquico procuram se consagrar a esse trabalho por razões


"

tao diversas que poderia parecer inútil tentar recenseá-las e categorizá-las.


Entretanto essa variedade remete a constantes cujo levantamento pode ser interes-
,

sante ainda que elas sejam bastante conhecidas por todos aqueles que trabalham
,

nesse campo.
66 A Instituição e as Instituições

31 . . Seres marginais

Esses profissionais são seres marginais (R. Kaês, 1976). Se a sociedade


contemporânea ocidental é essencialmente uma sociedade de produção e um lugar
onde cada um é interpelado na sua capacidade de decidir por si mesmo de ,

dominar e de competir, essas pessoas atestam que não se interessam nem pela
produção, nem pela decisão ou pelo poder, portanto, por aquilo que é constitutivo
da existência dessa sociedade. Se um psicanalista, por exemplo, pode ter um poder
(e sabemos que ele pode ser exorbitante), o que o caracteriza como psicanalista é
o fato de não se utilizar desse poder; é também o fato de não decidir no lugar do
outro, de não querer adaptá-lo diretamente ao sistema social. Ser marginal sig-
nifica comportar-se de uma maneira não congruente com o sistema social e se
interessar por aquilo que quase não o preocupa: a verdade e a autonomia do
sujeito, pois o sistema social fundamentalmente é apenas um lugar de disfarce e de
hipocrisia que pede aos indivíduos que sejam apenas os produtores-consumidores
de que ele precisa para a sua própria perenidade.

Ora, uma tal posição marginal comporta sempre como possibilidade a negação ou
o esquecimento das exigências da sociedade e da realidade histórica na qual o
terapeuta e o paciente estão engajados. A relação terapêutica poderá ser
idealizada. A complacência para com a sua ação o interesse pela sua função
,

podem levar o terapeuta (e, consequentemente o seu paciente) à instauração de


um processo de desrealização. Nesse momento ele pode começar a acreditar que
,

o amor de transferência que se manifesta é um verdadeiro amor e que a análise


pode substituir a vida.

Sem dúvida, em geral, o terapeuta não cairá nessa armadilha. Mas a tentação é
grande, pois todo marginal aspira tornar-se central, fazendo prevalecer uma palav-
ra nova. Podemos até nos perguntar se não foi esse desejo que inicialmente o
constituiu como ser marginal. Se ele cai na tentação, tomará o paciente numa
relação de envolvimento na qual se tornará para ele pai mãe, amante real e na
,

qual o impedirá de se desprender dele e da relação assim criada. Ele o situará


numa relação de sedução de três facetas: sedução enquanto tentativa de exercer
,
" "
um poder sexual violentando (no sentido de que provoca no outro uma in-
capacidade de aceitar a separação, de simbolizá-la e uma espera constante de
gratificação); sedução enquanto proposição ao paciente de mensagens carregadas
"

de sentido e de desejo mas das quais ele não possui a chave (significantes
,

enigmáticos) (J. Laplanche, 1986, p. 18); sedução enquanto obstáculo que mantém
"

o paciente na idéia psicotizante de ter reencontrado o bom objeto perdido. Ele não
será, pois, capaz de cons-truir um objeto e de investi-lo. (A. Green, 1986).

A vida para um sujeito, sendo em primeiro lugar o ato de se libertar e se


,

autonomizar, a partir de então estará comprometida. Na medida em que o próprio


paciente é um marginal (a sociedade contemporânea tende a considerar como
" "
anormal qualquer pessoa doente, ansiosa ou em estado de abandono), o
67
O Trabalho da Morte nas Instituições

terapeuta corre o risco igualmente de ser fascinado pelo seu paciente, de se iden-
tificar com ele e com suas normas ou, pelo menos, de estabelecer com ele uma
conivência tal que acabará contribuindo para criar uma situação na qual a análise
se tornará impossível.

32
. .
Pessoas preocupadas com os seus próprios problemas psíquicos

Esses profissionais estão preocupados com os seus próprios problemas psíquicos


mal ou insuficientemente resolvidos. O próprio Freud não dizia ter sonhado com
uma vida sexual mais livre, sem no entanto ter a coragem e a vontade de enfrentá-
la? É comum constatar que o terapeuta continua o seu próprio trabalho de
exploração da sua psique na relação que estabelece com os seus pacientes. Alguns
afirmam até que a condição essencial para escutar uma outra pessoa se debater
com seus conflitos é que o terapeuta esteja próximo dos seus próprios conflitos
internos. Nietzsche não escreveu: É preciso ter o caos em si para dar à luz uma
"

estrela dançante ? O terapeuta deve também "ter o caos em si" para permitir ao
"

indivíduo a criação de novos laços simbólicos e a instituição de novas formas.

Essas idéias são pertinentes. Porém, são insuficientes enquanto não se põe o dedo
no problema essencial vivido pelo terapeuta: o do seu mito pessoal. Todo mito diz
respeito à origem, todo mito tem por objetivo a identificação de um mundo. A
questão que se coloca ao terapeuta é a questão central a partir da qual se constitui
"

todo sujeito humano e que Freud trouxe à luz nas "teorias sexuais infantis (1950):
De onde vêm as crianças? Como eu nasci?

Trata-se sempre de uma questão sobre o parentesco e sobre a filiação, sobre a


diferença de sexos e sobre a diferença de gerações. Essa questão é esquecida ou
redescoberta pela maioria dos homens Para os terapeutas ela continua presente de
.

maneira lancinante Ela se expõe da seguinte maneira: quem eram meu pai e minha
.

mãe; eu fui desejado; posso aceitar ter sido criado por eles; qual é a parte de
masculino e a parte de feminino em mim; em que medida eu sou meu próprio
criador; de que forma eu próprio sou capaz de engendrar outros seres humanos;
eu sou um "verdadeiro" pai ou uma "verdadeira" mãe (em outras palavras , posso
assumir o papel de fiador simbólico); sou o filho daqueles que engendrei?

O terapeuta portanto, jamais está seguro de ter sido desejado pelos pais, de ter
,

realmente nascido de ser capaz de propiciar o nascimento de outrem. Ele precisa


,

dos outros do seu olhar, do seu amor, do seu reconhecimento, mas também do seu
,

ódio , das suas questões para saber que existe. Ocupando uma posição de quase-
mágico como o Próspero da Tempestade 4 ou o Alcandro da Ilusão Cómica,5 já que
institui uma relação ilusória que deve favorecer a emergência de uma realidade
ClUe não afasta a fantasmatização, ele se pergunta se ele próprio não é objeto do
ÿ Obra de Willian Shakespeare (N. do T.).

ÿ Obra de Pierre Corneille. (N. do T.)


68 A Instituição e as Instituições

sonho que instaura. Como Tchouang-Tseu, ele pode se perguntar se está sonhando
com uma borboleta ou se ele é uma borboleta que está so-nhando com Tchouang -

Tseu. Por vezes, ele se manterá no interior dessa questão e se perderá na sua
posição ilusória. Mas, de qualquer maneira, está condenado a passar pelo encontro
com um outro, para ter uma chance de saber se ele existe, de quem é filho de ,

quem é pai. Não podendo tratar os seus próprios conflitos, o risco que corre e que
faz com que o seu cliente também corra é de se apresentar como referência o ,

único pai (estabelecendo uma ligação "delirante" entre pai real, pai imaginário pai ,

simbólico), tornando-se, consequentemente, um genitor castrador, que não suporta


senão a geração do mesmo: ou ainda, como mostrou Searles (1975), de provocar
um conflito afetivo no paciente e de tender a torná-lo doente, louco e sem desejo .

Todo desejo de formar, de gerar, encontra como plataforma o desejo inverso de


deformar, de destruir, de esfacelar o outro. Qualquer pai formula inconsciente-
mente votos de morte para os seus filhos. O profissional do social, obcecado pela
questão da iliação, tem mais chances que qualquer outro de efetivá-los.
f

33 . . Seres em mutação

Enfim, o terapeuta percebe o indivíduo como um ser em mutação (como uma


quase-essência que se descobre através da própria existência e do movimento e
que jamais chega a revestir uma forma substancial), vivendo dos seus conflitos, das
suas contradições e da tentativa de tratamento destes. É portanto, sensível ao
,

imprevisto ao maravilhoso, à surpresa; deseja propiciar no outro um processo de


,

descoberta da verdade que o constitui e o institui. O problema então, é poder


,

continuar a aceder nele à "perturbação de pensar" (Tocqueville) e, levando em


,

conta o seu próprio sucesso profissional não se deixar seduzir pela idéia da boa
,

forma a que deveria aceder seu cliente para que esse realize as suas possibilidades .

O ideal de Pigmalião obceca qualquer interveniente a tendência ao fechamento da


,

experiência é sempre uma tentação constante sobretudo porque o terapeuta pode


,

sempre temer que o cliente o arraste por caminhos não balizados, onde ambos
poderiam passar pela experiência "inominável", que nem um nem outro estaria
preparado para controlar.

Assim qualquer terapeuta, de uma forma ou de outra, está realizando, no palco da


,

relação com o outro projetos conscientes ou fantasias inconscientes (R. Kaês 1973,
,

1976b) que se referem ao modelo do formador atribuidor de boa forma, do


,

médico obcecado pela cura do parteiro "socrático", do militante transformador do


,

mundo, do reparador que impede que os traumatismos do cliente se tornem


"

irreparáveis". Outros modelos poderiam ser evocados. Eles não podem não con-
duzir a ação daquele que intervém. Mas o que precede mostra bem como esses
modelos e essas fantasias necessários à ação terapêutica não são inocentes. O
desejo de cura expresso profundamente e motor exclusivo da ação pode provocar
uma reação terapêutica negativa e levar o cliente a se fechar ainda mais nas suas
69
O Trabalho da Morte nas Instituições

dificuldades. O desejo de reparação desenvolve no terapeuta uma vontade


demiúrgica, de salvamento e uma visão do outro como uma máquina
"
da qual se
gonhece as engrenagens e cujo funcionamento é preciso melhorar, donde o perigo
de não ouvir a verdadeira queixa do cliente e de responder paralelamente ao seu
pedido. A vontade de formação pode desembocar na obrigação para o doente de
entrar nesse quadro pré-estabelecido da "boa forma" tal como concebida pela
terapeuta: o desejo de dar à luz o outro e, pois, de fazer surgir suas potencialidades
é susceptível de abrir as comportas de suas pulsões mais alo-destrutivas e auto-
destrutivas. Todos esses modelos positivos têm o seu reverso e a sua face mortífera,.
"

Mas por detrás deles, discretamente, pode se esboçar o esforço para tornar o
outro louco para contribuir com a sua dissociação, para o submeter a injunções
"
,

paradoxais que, no mínimo, aumentam a sua confusão, quando já não reina mais
um esforço para tornar o outro morto. Não é fácil engendrar filhos e mesmo se é
amor que quer ser dado, nunca é seguro que a morte não se esconda por trás do
seu rosto, que esse amor não esteja envenenado e não impeça o outro de se tornar
aquele ser autónomo, capaz de desejo e de segredo. Qualquer indivíduo e qualquer
terapeuta, ainda mais, encontra-se numa situãçao de poder e pode ceder à
inclinação de abusar dele, mesmo sabendo conscientemente que deve resistir a ela.
Torna-se assim não um pai que desempenha o papel de um referente mas um
perseguidor que recusa e que castra os outros como o chefe da horda descrito por
Freud, um ser que manifesta a sua vontade de dominação e de instauração do
outro numa filiação persecutória (P. Aulagnier, 1980).

4 O funcionamento institucional
.

As fantasias e os projetos dos terapeutas se inscrevem num funcionamento ins-


titucional que concorre ele mesmo, para o avanço do trabalho da morte. Assim
,

sendo precisamos tentar compreender por que


,
"
a morte ressoa
"
tão facilmente
"

nessa voz estranha" da instituição .

A instituição é um lugar onde se encontram diferentes tipos de auxiliares que


ocupam status e funções teoricamente estabilizadas e entre os quais se estabelecem
relações de poder Se, nas organizações industriais, os membros estão conscientes
.

tantt) da necessidade de cooperação quanto das relações de forças instituídas que


podem desembocar em momentos de ruptura o mesmo não se dá nas instituições.
,

41 - .
A ideologia igualitária

As instituições vivem sob a égide de uma ideologia igualitária. Cada um dos


operadores sociais" (o analista o educador, o professor) exerce no seu campo um
,

Papel terapêutico Trata-se de cuidar da criança, do adolescente, do adulto em


.

estado de desamparo, e cada membro deve concorrer para esse trabalho comum.
70
A Instituição e as Instituições

A cooperação dos iguais é pois apresentada como uma necessidade Mas assim qÿe .

é colocada, imediatamente é desmentida. Com efeito cada especialista pode ,

jsucumbir ao desejo de pensar que os progressos do paciente são devidos unica-


mente à técnica específica que utiliza, sendo que a ação dos outros apenas cons _

titui um entrave. Ciúme e rivalidade vão se manifestar no que diz respeito às


técnicas e no que diz respeito à questão seguinte: quem é o "proprietário" do
doente.

As instituições tendem a resolver essa questão criando sessões de trabalho em


comum sobre os casos-problema e sessões de regulação de equipe tendo por ob -

jetivo a resolução dos conflitos que poderiam surgir. É fazer pouco caso dos
diferentes poderes exercidos pelos diversos intervenientes: a palavra de alguns (por
exemplo: a dos psicanalistas) pode ter mais peso institucional do que a de outros
(por exemplo: a dos educadores); a palavra dos antigos (dos fundadores) mais que
a dos novos. Assim, num hospital psicoterapêutico evocar-se-á a oposição das
,
" "

pessoas do castelo (os psicanalistas e os psicólogos que trabalham nò edifício


"
central) e as pessoas do pátio (os educadores que cuidam das crianças psicóticas
"

em ateliês que se encontram no pátio). Essas relações de poder (que jamais podem
se exprimir tais como são - os psicanalistas escutam "formalmente" com muito in-
teresse o que dizem os educadores - os educadores escutam obrigados e forçados, ,

o discurso dos psicanalistas que muitas vezes não compreendem porque chega a ,

eles como um discurso de poder e um discurso teórico que despreza os problemas


concretos que encontram e nega o valor do seu trabalho) tornam difícil senão ,

impossível o tratamento dos casos evocados. Essas reuniões, que visam "falar dos
,
"
problemas caem no ritual vazio. Os membros da instituição estão ali para falar é"
,

falam. Mas as verdadeiras questões raramente são abordadas pois se o fossem, ,

poderiam surgir conflitos específicos que questionariam a segurança e a identidade


de cada um. > , '

42
. .
O fantasma dos primeiros fundadores

Em tais conjuntos ronda um fantasma: o dos primeiros fundadores e do invólucroÿ


,

mítico que eles forjaram permitindo assim a fundação da instituição .


Esse fantasma
desempenha uma função quádrupla:
42 1
. .
Exprimir que no tempo primordial o da origem, existia uma equipe coesiva,
.
,

sem problemas internos e que sabia o que queria já que era movida por um
,

projeto coerente; daí o aumento de um sentiment® de culpa entre os novatos que


não conseguem se mostrar dignos de tais ancestrais .

422. Manter o poder dos fundadores que estão sempre presentes na instituição, e
,

que continuam se apresentando e querendo ser tomados como pólos ideais e,


portanto, como pontos de referência identificatórios; mesmo que, considerando a
evolução da instituição o mito ou a ideologia que propõem tenham alguma pos-
,

sibilidade de ocultar a realidade da situação presente .


71
O Trabalho da Morte nas Instituições

423. Não questionar o projeto inicial que, se fosse examinado atentamente,


mostraria as falhas ou as inconseqiiências que apresentava desde o surgimento e
que estão na origem das dificuldades presentes. No caso do hospital evocado
anteriormente, os terapeutas se deram conta de que o projeto ao qual todos se
referiam havia sido proposto por dois indivíduos: o primeiro havia abandonado a
instituição porque ela não correspondia às suas expectativas (um dos pais fun-
dadores era, portanto, um pai rejeitador); quanto ao outro, sempre presente na
l nem mesmo era
instituição, de fato apenas fazia funcionar um projeto do qua
autor (o segundo verdadeiro autor era uma psicanalista que na verdade exercia um
poder extremamente grande mas que evitou dizer que participara na origem do
projeto). Um pai rejeitador, um "falso" pai, uma mãe oculta: algo que jamais
deveria ter sido declarado e que pesava sobre os membros da instituição.
424
. . .
Enfim, favorecer as histórias, as lendas, as contra-verdades, os rumores mais
loucos ("há cadáveres nos armários ) atestando, por um lado, a presença
"

subterrânea de uma cena primária insuportável reproduzida com acréscimos, de


caráter dramático, por outro, a perpetuação de uma série de "crimes" diversos
deixados no esquecimento que, quando evocados, parecem derrisórios enquanto
acontecimentos mas que serviram para dar um aspecto trágico ao conjunto da vida
institucional.

Todos esses elementos (culpabilidade, dificuldade de mudança, erro inconfessado,


poder) fazem da instituição uma grande máquina que sente as maiores dificuldades
para deixar o lugar da origem para se preocupar com problemas corriqueiros a
resolver.

43. .
A autonomização da vida fantasmática

Aquilo que de fato, é produto histórico das idéias, dos sentimentos, dos atos
,

realizados pelos membros da instituição não é reconhecido como tal e acaba viven-
do de uma vida fantasmática autónoma e para constituir um envelope ao mesmo
tempo protetor e angustiante que liberte das injunções às quais é impossível não
obedecer .

A instituição torna-se assim um verdadeiro "artifício" que guia o comportamento


dos ,seus membros Esses sentir-se-ão obrigados a dizer: "Aqui não se pode
.

empreender tal ação... o projeto da instituição é o seguinte... sem se dar conta de


"

que são os verdadeiros atores e que a instituição não é outra coisa senão o que
fazem dela Consequentemente os indivíduos sentem-se culpados a cada vez que
.
,

$a° criativos porque ficam com o sentimento de transgredir valores sagrados aos
,

quais aderem ou dos quais têm medo As duas soluções possíveis que se lhes
.

apresentam são simples: ou obedecem a essas injunções vividas como lhes sendo
exteriores (mesmo se às vezes as interiorizaram); ou contornam as regras e se
comportam diferentemente do previsto, mas sem ousar dizê-lo, com medo de
serem avaliados negativamente: o segredo se instalará então, um segredo pesado,
72
A Instituição e as Instituições

constantemente ameaçado de ser descoberto. E também, quando falarem do que


estão fazendo, não somente não dirão a verdade, mas terão tendência a exagerar
quanto aos valores da instituição para não serem suspeitos de desvio (sabemos
muito bem que nos partidos políticos, principalmente de esquerda, as pessoas que
fazem os discursos mais maximalistas são as que estão prontas a todo tipo de
compromisso. O caso de um homem como Guy Mollet ficou célebre, sob esse
aspecto, no Partido Socialista). Os discursos tornam-se então discursos de disfarce
que têm como efeito colocar o conjunto dos profissionais numa situação de
desconfiança uns em relação aos outros (cada um temendo que a verdade da sua
ação seja colocada às claras e que os outros se transformem em perseguidores) , e
sobretudo de colocar os pacientes em contradições insustentáveis, por perceberem
(consciente ou inconscientemente) as contradições entre as palavras e os atos e por
se sentirem envolvidos na mentira generalizada da qual, pouco ou muito , os
terapeutas sempre os fazem cúmplices.

44 . . Efeitos do fechamento do sistema

A instituição, além disso, enquanto estrutura fechada, produz todos os elementos


inerentes aos sistemas fechados: a repetição dos comportamentos, o aumento da
burocracia (a multiplicação das normas, dos procedimentos, das convenções, e as
suas consequências: a ausência de iniciativa, a necessidade de segurança e de fuga
das responsabilidades, assim como a habilidade para contornar as regras e para a
preservação do funcionamento) e, no fim das contas, a tendência radical ao
aumento da entropia, portanto à desorganização e à morte. A tendência à redução
,

de tensão é uma característica central desse tipo de instituição, na mesma medida


que a evocação e o tratamento dos problemas correriam o risco de criar níveis de
"

tensões intoleráveis". A tendência à redução de tensão ao estado zero se traduz


pela desagregação da instituição, pela impossibilidade da articulação do ideal e do
real pela dispersão dos esforços quando não pela sua anulação, pela proliferação
,

de atos desprovidos de sentido que condenam qualquer tentativa de construção de


lím mundo onde o imaginário possa se desenvolver, pela corrida para o apocalipse
feliz e para a catástrofe compartilhada. Se uma organização viva é aquela que pode
enfrentar os desafios internos e externos, acolher o sentido que circula nela e dar
sentido ao que ela faz a organização mortífera é aquela que, tornando todos os
,

comportamentos não hierarquizáveis totalmente conflituais mas não tratáveis, ou


,

ao contrário, a-conflituais e não significativos, conduz ao silêncio do desejo, ao


ódio de qualquer desejo e portanto, à instauração de um processo de decom-
,

posição ao qual todos concorrem, querendo ou não. O fato de que um tal processo
só chegue aos seus fins muito tempo depois da sua aparição, não desvia a
instituição da sua atração para um "fim interminável". Ela será invadida, durante
esse período em que acredita viver ou estar em estado de remissão, por metástases
que a levarão a deixar a situação de morta-viva por aquela de uma instituição
" "

completamente extinta. Uma instituição de tratamento apresenta uma vul-


nerabilidade particular a esse processo, pois não pode subtrair-se à questão da
73
O Trabalho da Morte nas Instituições

vida e da morte psíquica ou física dos seus pacientes. Assim sendo, para ela é mais
fácil sucumbir aos atrativos mortíferos que os constituem do que lutar contra a
fascinação do nada.

45
. .
A utilização dos pacientes pela equipe de tratamento

A relação que a equipe de tratamento (enquanto coletivo) mantém com os seus

clientes é naturalmente modelada pela reação que mantém com a sua instituição.
Já que podem ser aprisionados na repetição, o segredo opaco, na culpa e na
rivalidade, podem ser tentados a se servir dos seus pacientes para exprimir as suas
necessidades narcísicas e solidificar uma identidade continuamente ameaçada.
"
Duas "estratégias se lhes apresentam:

a- Não falar do próprio objeto do seu trabalho ou ainda fazê-lo falar à sua maneira
sem correr riscos.

b- Utilizar diretamente os pacientes para resolver os seus próprios problemas de


grupo. i

Em determinados casos, apenas uma dessas estratégias será posta em prática, em


outros, as duas serão empregadas, pois elas podem se ajudar mutuamente.

451 .
A equipe de tratamento pode esquecer os pacientes.
. . No decorrer de
intervenções que realizamos em hospitais psiquiátricos ou em centros de
reeducação pudemos assistir a muitas reuniões em que, se os
, participantes dis-
cutiam sobre teorias analíticas sobre práticas educativas, sobre , a necessidade da
referência à leipor outro lado, praticamente, jamais falavam dos doentes, do seu
,

sofrimento específico e da relação que a equipe terapêutica estabelecia ou devia


estabelecer com eles Se por acaso os mencionava, era para substituir o seu discur-
.

so pelo dos pacientes para se apresentarem como porta-vozes da demanda deles,


,

sem que esta com o seu cortejo de angústias e de violência jamais pudesse se
,

exprimir diretamente num espaço coletivo em que a sua palavra seria esperada e
,

ouvida .

Certamente o quadro não é assim tão negro. Em algumas instituições, as sessões


,

de análise e de regulação de equipe permitem analisar e tratar os problemas


vividos pelos doentes; espaços são construídos onde o intercâmbio de palavra
favorece o estabelecimento de um novo vínculo simbólico que abre para os pa-
cientes uma nova possibilidade de ancoragem no real e, por esse fato, um caminho
Para a cura Mas é preciso dizer que tais casos são pouco frequentes. Quando se
.

Produz uma tal ocorrência ela é o sinal da circulação de um fluxo vital na


,

instituição e de uma derrota temporária do trabalho de destruição da pulsão de


morte .
74 A Instituição e as Instituiçaes

A dificuldade da equipe de tratamento para falar dos doentes, ou para deixá-los


falar, está ligada não apenas ao fato de se querer defendê-los contra qualquer
ferida narcísica possível mas à presença insistente, já observada, da fantasia da
morte física e psíquica. Quando a loucura ou pelo menos a explosão arcaica cons -

"
titui a "normalidade o sistema cultural está falho, as interdições e as estruturas
,

tornam-se frágeis: as relações de força (colocando em jogo os corpos e psiques)


são susceptíveis de prevalecer sobre as relações onde a alteridade do outro é
respeitada. De fato, quando um grupo funciona sob a égide da relação de força a
morte física ou mental nunca está muito longe.

Todas as pessoas estão sujeitas à morte. A equipe de tratamento não está livre dela .

Pode ser agredida fisicamente e psiquicamente pelos seus pacientes cuja loucura
lhe causa medo, e isso sobretudo porque a diferença que esses últimos exprimem
lhes parece monstruosa e capaz de a abalar, pois ela se concretiza num ataque
contra os vínculos (W. R. Bion, 1959), (tentativas de suicídio, atos delinquentes ,

atuações), que os coloca numa situação em que se sentem destruídos na sua ação e
no seu ser. A violência pode igualmente se produzir no caso inverso, ou seja, quan-
do há relações de confiança entre os membros da equipe de tratamento e os pa-
cientes (Ph. Jeammet, 1985). I\ido acontece como se esses últimos, reagindo ao
risco de uma possível penetração da sua psique, provocada por uma proximidade
muito grande entre eles e os membros da equipe de tratamento, só pudessem
externar a sua angústia e o seu protesto sob uma forma explosiva. Essa violência
indica que um objeto externo (por melhor que seja) permanece uma ameaça para a
psique de qualquer sujeito. A equipe de tratamento pode igualmente ser fascinada
pela doença dos seus pacientes, e entrar em colusão com o seu delírio. Eles
podem, querendo ajudá-los, se deixar manipular por eles e empreender, por essa
razão, ações irrefletidas que podem colocar em risco o seu próprio equilíbrio (não
existe paciente, por mais delirante que seja que, de alguma forma, não compreenda
"

a sedução que pode exercer sobre o seu terapeuta). O anormal frequentemente


"

sabe muito bem que diz em voz alta aquilo que o terapeuta poderia querer dizer e
de que não ousa tomar consciência, que exprime uma capacidade para violar a
interdição que existe em cada ser humano, já que, como diz Freud, "todas as "

sublimações não são suficientes para suprimir a tensão pulsional existente (S.
Freud , 1920, p. 87) que exige ser satisfeita. Observamos que as pessoas que mais se
encontram em perigo são os doentes. Entretanto, a equipe de tratamento se sente,
com razão, em perigo e procura criar mecanismos protetores.

452 . A equipe de tratamento pode utilizar os pacientes para resolver os seus


. .

problemas. As relações instituídas de poder existentes na equipe podem ser


modificadas ou moduladas pelo poder exercido realmente ou ficticiamente por
alguns membros hierarquicamente colocados em posições subalternas, sobre al-
guns doentes. Num estabelecimento de tratamento, cada pessoa, do psicanalista ao
educador, desempenha um papel terapêutico. Todos podem, pois, funcionar como
máquinas de influenciar (Tausk) que tentarão modificar o comportamento dos
" "

"
assistidos de uma maneira diferente e contraditória. Alguns exercerão mais
"
75
O Trabalho da Morte nas Instituições

"
influência
"
que outros, ou ainda, fazendo falar os doentes, alegarão a preferência
expressa pelosdoentes a seu respeito. Assim, os doentes que vivem diretamente as
contradições na maneira com que cuidam deles, podem sofrer as consequências
dos conflitos de status, de referências teóricas, de perspectivas de ação, de per-
sonalidades. São tomados como testemunhas das divergências, tornam-se os
árbitros (manipulados, manipuladores) da situação. Vivendo uma situação
contraditória, colocados numa situação que os enlouquece e contra a qual nada
podem, correm o risco de serem arrastados num processo de fragmentação e não
de construção, não sendo sustentados na sua experiência por uma lei organizadora,
mas sentindo diretamente na sua psique e no seu corpo a violência da
fragmentação da instituição, encarnada pela rivalidade e a afirmação narcísica dos
seus membros.

46 . . A instituição submetida ao processo de contágio da loucura

Freud, Redl, Bion, e mais recentemente os analistas de grupo, descreveram e


analisaram os sentimentos coletivos e as emoções desse grupo. Retenhamos apenas
um aspecto dos seus trabalhos: um grupo não pode existir como tal se não es-
tiverem agindo fenómenos de identificação com uma ou várias pessoas centrais que
encarnam um ideal de projeção das pulsões amorosas (e agressivas) sobre o líder
ou os seus substitutos, de desvio da agressividade para bodes expiatórios. A
instituição está portanto sob a ameaça constante da aparição de um fanatismo de
grupo.

Ora, pode-se constatar a frequência da focalização da vida afetiva e inconsciente


da comunidade sobre o (ou os) indivíduo mais estranho mais perigoso, mais
,

delirante (quer provoque o amor ou a repulsão) O paranóico, ser dotado de uma


.

lucidez de dar medo porque ouve, sem querer, o discurso inconsciente (os afetos
,

recalcados as emoções proibidas, as palavras cochichadas), porque fornece falsas


,

respostas a verdadeiras questões (M Enriquez, 1974) e porque se sente portador


.

de uma missão salvadora; o perverso que convida cada um a seguir a lei do seu
desejo e a transgredir as leis estruturantes consideradas como regras arbitrárias
repressivas; o histérico que tende a erotizar o conjunto das relações sociais e que
abala pela capacidade de dramatização, o equilíbrio sexual-racional de cada um;
,

todo? podem pois, assegurar a função de líder e criar sentimentos coletivos dos
,

quais ninguém consegue se livrar: nem a equipe de tratamento que pode (como foi
observado anteriormente), ser envolvida por esses indivíduos excessivos e se iden-
tificar com eles, nem a fortiori o$ pacientes envolvidos ainda mais facilmente na
,

atmosfera mórbida por estarem menos protegidos contra ela do que a equipe de
tratamento e tão mais sensíveis à violência pulsional dos líderes quanto estes vêem
,

°eles um eco
privilegiado.

A escolha desse tipo de indivíduo como pessoa central se explica facilmente: são os
indivíduos mais desrealizantes portadores de uma mensagem do impossível, ini-
,
76
A Instituição e as Instituições

ciadores das transgressões , situando-se, pois, fora do comum, numa posição de


"
soberania"

(G. Bataille, 1957), de narcisismo desmedido e de indiferença se não


de desprezo pelos outros são os indivíduos que se apresentam como mitos encar
,
-

nados, como mágicos que sustentam as pulsões e as fantasias mais arcaicas e enun -

ciando a transmutação dos sonhos em realidade que sempre têm a maior


,

possibilidade de provocar a crença. Dirigem-se, com efeito, diretamente ao incon s


-

ciente de cada um e
portanto, à sua sede de imortalidade, de transgressão de
,

afirmação de um narcisismo que esvazia a questão do outro .

Uma instituição pode desde que treinada nesse caminho perigoso, "estabilizar-se"
,

sobre um funcionamento neurótico ou psicótico que se tornou a "cultura" à qual


cada um pertence e ideal comum. A loucura coletiva terá grandes possibilidades
,

não apenas de se manter mas de ser levada a seu paroxismo. Essa loucura - quer
,

seja gerada por uma pessoa central ou por um grupo e que pertençam ou não à
categoria da equipe de tratamento ou dos pacientes - atingirá os diversos
membros da instituição no mais íntimo de si mesmos e aumentará a coesão
mortífera e paradoxalmente "fragmentante" do conjunto Entretanto quando um
.
,

esforço de análise for empreendido algumas instituições poderão entrar num


,

trabalho de perlaboração e escapar a essa empresa totalizante Mas elas deverão .

tomar consciência de que o tratamento desse funcionamento "direto" implicará


remanejamentos profundos a operar na economia psíquica tanto dos sujeitos quan-
to da comunidade. É verossímil pensar que alguns membros não poderão suportar
o desaparecimento dos sintomas que os protegiam e a que estavam habituados As .

instituições podem pois, por esse trabalho de cura comum, colocar alguns dos seus
,

membros em perigo e fazê-los cair numa loucura individual irredutível, uma vez ,

que a loucura coletiva já não lhes serve de pára-vento e de pára-excitações. A


morte colocará o seu sinete exatamente onde parecia derrotada .

5 O rosto amável da morte


.

Entretanto , ao término desse estudo, é importante recolocar a questão que


apresentamos no início. E se o trabalho da morte não desembocasse unicamente na
redução da tensão ao estado zero no aumento da desorganização e da entropia, na
,

aparição de emoções disruptivas e de poder violador? E se a pulsão de vida


chamada em socorro não significasse necessariamente identidade invenção, ,

história comum? Uma resposta precisa para essas questões não pode ser dada
neste texto. Para propor uma resposta cuja pertinência fosse verossímil preci-
saríamos falar também dos avatares e dos efeitos da pulsão de vida o que teria ,

exigido um trabalho da mesma ordem que este No entanto, algumas perspectivas,


.

por mais alusivas que sejam, devem ser indicadas a fim de que essas páginas pos-
sam ser uma abertura para outras reflexões.
77
O Trabalho da Morte nas Instituições

51
.
. A pulsão de vida a serviço da morte

A pulsão de vida na sua atividade de ligação e de criação de unidades sempre


maiores (Freud) pode, ao favorecer as identificações mútuas, levar à edificação de
coesão defensiva, de processos fusionais, de comportamentos homogéneos, isto é,
contribuir para o aumento da entropia. A pulsão de vida, nas instituições, visa
favorecer (Freud enfatizou muito isso) a instauração de laços amorosos do tipo
homossexual ou pelo menos unissexual inibidos quanto ao fim (1921), que dá força
à instituição mas que impede de reconhecer no seu seio a função da diferença dos
sexos, dito por outras palavras, daquilo que constitui o índice mais radical da al-
teridade e da sexualidade direta. A instituição também não vive de amor (implican-
do o outro enquanto outro e podendo desempenhar um papel negativo na
construção de um vínculo social) mas apenas de amor canalizado e sublimado nas
atividades prescritas pela instituição que contribuem para a sua fixidez e para a
sua reprodução. A pulsão de vida (pelo menos nos aspectos mencionados) se em-
penharia, sem saber, a serviço da pulsão de morte.

52 . . O trabalho da pulsão de morte na origem de processos vivos

5 2 1 No nível individual
. . .

a. A acolhida na morte presente em nós, a consideração do caráter inelutável do


seu trabalho de destruição, a aceitação da temporalidade irreversível à qual não
podemos senão subscrever e que nos impede de nos acreditarmos imortais, seme-
lhantes aos deuses, ou de continuar na busca da imortalidade dos heróis, faz de
cada um de nós um indivíduo levado a ser inventivo e a deixar sua marca no
mundo , por menor e mais furtiva que seja. Se fôssemos imortais ou se não
aceitássemos ser mortais, tudo seria igual. Não haveria nenhuma razão para se
realizar um ato de preferência a outro, já que o tempo imóvel seria sempre
susceptível de levar isso em conta. É porque sabemos que o que passou está ir-
remediavelmente passado que o que está perdido, irremediavelmente perdido
,

(nenhuma madeleine jamais poderá nos proporcionar o gozo de que sentimos


" "

falta) que a origem dos nossos primeiros instantes permanecerá sempre um enig-
,

ma plantado como um espinho no nosso coração que podemos querer lutar contra
,

o teir$o que passa "dar um sentido mais puro às palavras da tribo (Mallarmé), ou
"

forjar palavras novas tecer relações que, ainda que sejam efémeras, esboçarão o
,

perfil do nosso ser. Perfil movediço, instável, muitas vezes incoerente, arrastado no
fluxo e no refluxo fim do
, perfil amado, admirado, detestado, rejeitado, mas no
nosso percurso , perfil único cujos mínimos aspectos os escoliastas futuros, se exis-
tirem, poderão descrever graças à ilusão retrospectiva. É pela familiaridade com a
rorte, pela meditação sobre a morte e sobre a finitude que o vivo pode aceder à
ordem do vivo: criador sem ser paranóico transgressor sem se tornar perverso,
,

aPaixonado sem impulso histérico animado por uma idéia fixa sem cair na neurose
,
"
obsessiva E acreditando naquilo que faz sem ser um "sequestrado da crença (C.
.
78
A Instituição e as Instituições

Roy, 1978), tendo um ideal sem ter necessidade de ídolo (R. Kaês, 1980 b) encan- ,

tado pelas ilusões mas não capturado por elas. Simplesmente homem, preso numa \
teia relacional na qual respira e que faz viver.
b . Hegel nos preveniu: viver implica sempre uma luta pelo reconhecimento Quem .

diz luta pelo reconhecimento (dos seus desejos, da sua identidade, da sua força) , ÿ
diz violência na qual se encontra presente a possibilidade da nossa morte e da do
outro. Que se pense no engajamento total de Freud na enunciação das idéias e dos
métodos que considerava pertinentes e teremos uma idéia suficientemente clara do
que pode significar luta pelo reconhecimento. Freud podia aí perder a vida, a razão
(como dizia Van Gogh: "Pelo meu trabalho arrisco a minha vida, minha razão, nele ,
"
quase se perdeu ) e os seus vínculos. E no entanto (como os outros "criadores de
histórias"), ele não hesitou. Nessa luta (qualificada por Kojève de luta de morte por
puro prestígio, 1947), os outros estão igualmente engajados. Podem sofrer uma
derrota irremediável. (As relações sociais não são idílicas, aliás, raramente são
cooperativas.) Mas podem se defender, se eles próprios têm uma causa (não
idolatrada) à qual se dedicar .
É bom que seja assim. Senão o social, que aí já se vê
por demais comprometido, não seria mais que o lugar dos comprometimentos, dos
mais ou menos, das negociatas. A luta arranca assim cada um do seu dia-a-dia da ,

sua monotonia, da sua mesquinharia. O fato de que todos podem perder tudo só
{ aumenta o sabor da vitória. "A guerra torna a vida interessante" (S. Freud 1915, ,

p 29). Fazemos nossa essa frase, danclo-lhe um sentido preciso: a guerra franca
.
,

direta, de rosto descoberto onde cada um sabe que está arriscando tudo. Já a
guerra das nações oferece apenas uma caricatura dessa luta pelo reconhecimento
que é a marca do advento da consciência de si, como mostrou Hegel.

c. Sem o trabalho da morte, enfim, seria pequena a eventualidade para o homem


de se questionar, para desfazer vínculos (às vezes essenciais) que levou tempo para
tecer, para provocar rupturas em si. Todo trabalho sobre si é um trabalho doloroso
em que o homem toma consciência daquilo que perde sem estar seguro de ganhar
algo em troca, sem poder compreender, se for esse o caso, o que está ganhando.
Mas, com efeito, "paradoxalmente é quando o indivíduo não tem medo de se
,

i| desfazer que tem maior chance de atingir realmente o que é" (M. de M'uzan 1977, ,

IX). É quando o homem aceita as suas inconsequências, incoerências , con-


tradições, conflitos, e mesmo os seus fracassos, é quando vive essa experiência,
tanto quanto possível, sem cair no "des-ser" mortífero, é quando há "caos nele" e
quando ele sabe reconhecê-lo e enfrentá-lo que talvez, segundo a frase já citaâa de
Nietzsche, poderá "dar à luz uma estrela dançante". Coisa para a qual o indivíduo I
dito normal, armado com as suas certezas, será definitivamente inapto.

522. No nível coletivo

A distinção nível individual-nível coletivo não é rígida. A tripla possibilidade enun-


ciada: aceitação da morte, lula pelo reconhecimento, novo questionamento, pode
se manifestar nas instituições. Certamente, essas tenderão (pois essa é a sua
natureza) a negar a morte a enquadrar a luta pelo reconhecimento em estruturas
,

i .j
O Trabalho da Morte nas Instituições 79

de poder, a minimizar os questionamentos fundamentais; no entanto, elas não


podem entravar totalmente a sua ação sem se condenar ao perecimento. Por nível
coletivo, queremos simplesmente indicar a presença de um processo diferente da-
queles mencionados acima e que é específico da instituição: o processo de des-
ligamento que a afeta desde a sua origem. Um tal processo contém em germe a
decomposição da instituição. Nós mostramos isso. Mas ele combate também o
caráter excessivo da ligação da pulsão de vida sob o vértice negador da alteridade
radical e criador de uma forma estável (N. Zaltzman, 1979). O trabalho da morte,
na medida em que desliga o que está fortemente ligado e que se tornou resistência
compacta, na medida em que quebra as identidades defensivas, que abala as
estruturas estabelecidas, que obriga a ver problemas onde só se percebia compor-
tamentos adaptados, condena a instituição a identificar seus problemas, a tentar
tratá-los, a exigir dos seus membros condutas novas, confrontos com o imprevisto
em si mesmos e nos outros. A morte se apresenta então sob a face da
desestruturação-reestruturação, da auto organização, da angústia compartilhada e
superada.

Toda vez que uma instituição passou por uma crise, foi atravessada pelo medo de
voltar a cair no informe, deixou livre curso (sem recalque) à agressividade dos
indivíduos, e cada vez que soube que podia morrer e que se preparou para essa
eventualidade, de fato ela deu a si os meios para continuar vivendo. Naturalmente,
muitas instituições não conseguiram ultrapassar esse estágio de deslocamento e
sucumbiram. Certamente, elas não mereciam continuar vivendo, sobretudo porque
nenhuma razão de querer manter a qualquer preço uma instituição que está se
desagregando pode ser alegada validamente (no caso de um ser humano ao ,

contrário a questão pode e deve ser colocada). Mas ao conseguirem fazer dessas
,

dificuldades o emblema do seu renascimento ao conseguirem se aproximar do


,

abismo e olhá-lo de frente sentiram o vento do largo castigá-las e conseguiram


,

continuar abrindo com mais humor e ironia, portanto com mais lucidez, o caminho
,

que traçaram para si ou encontrar novas vias pelas quais enveredar.


Então "Morte, onde está a vitória
,
"
? Ao fim desse périplo, a única conclusão
possível é a seguinte: o trabalho da morte se confunde com o trabalho do negativo,
mas o negativo tem duas faces: o da destruição signo do ódio pela forma viva, e o
,

da destruição da unidade-identidade signo do amor pela variedade. As instituições


,

(particularmente as instituições de tratamento) obcecadas pela morte psíquica,


querendo evitá-la, correm o risco de não ver em Tanatos senão a sua face
demoníaca bem real e de dar a esta todo o espaço para investir. Entretanto, se
aceitam não "se alarmar diante da morte" e "se manter nela" (Hegel), podem ter
ÿ "ma possibilidade de fazer surgir a vida ou de encontrá-la no "país devastado"f
(gastepays) onde nada podia fazer supor a sua presença .

6 Referência ao poema "Waste Land "


de T. S. Eliot.
jati
IV. Por uma Psicanálise das Instituições

1
Franco Fornari

Gostaria de precisar, desde já, que preferi dar ao título do artigo um caráter geral
porque, ainda que a minha intenção seja principalmente a de tratar o tema de uma
instituição específica, ou seja, a instituição familiar e, em relação a ela o problema
da formação das classes sociais, tenho a intenção de fundar esse estudo sobre bases
mais gerais. É por isso que julguei necessário começar por algumas considerações
sobre a Psicanálise das instituições.

Visando tal objetivo gostaria de me referir mais precisamente ao modelo que, no


,

que diz respeito à Psicanálise das instituições, se afirmou sobretudo no quadro da


escola kleiniana e para cujo desenvolvimento eu próprio contribuí com o estudo
do fenómeno guerra Quero pois referir-me ao modelo global segundo o qual as
.

instituições sociais podem ser consideradas e descritas como mecanismos de


defesa contra a angústia primária persecutória e depressiva Empregarei aqui o
.

termo angústia primária e não "angústia psicótica" porque ainda que o conteúdo da
angústia primária seja precisamente aquele que encontramos na angústia psicótica ,

falar no sentido estrito, de "natureza psicótica" para o vivido psíquico primário


,

leva a equívocos que talvez seja melhor evitar .

1. Reflexões sobre a contribuição de Freud

Freud descreve o Ego como sendo a parte organizada do Id razão pela qual o fato
,

de definir os aspectos organizados e estruturados da instituição social em termos


de mecanismos de defesa tem para mim um significado: a intenção precisa de ligar
as funções do Ego e as das instituições sociais De fato, sabe-se que a abordagem
.

psicanalítica do social foi julgada polemicamente já que se critica o fato de a


,

1 Traduzido do italiano por Claude Lingagne Esse estudo foi preliminarmente publicado em francês
.

pela revista Connexions 1973, 8, 91-122.


,
82
A Instituição e as Instituições

Psicanálise ter negligenciado a influência do social sobre a formação do indivíduo


.

Isso,como se sabe, levou os neo-freudianos e os chamados culturalistas americanos


a se esforçarem por privilegiar os fatores culturais na formação do indivíduo bem
mais do que Freud o havia feito Mas, por sua vez
.
, os fatores socioculturais não são
dados evidentes; precisam ser explicados Nesse sentido a escola culturalista em
.
,
,

vez de fornecer uma abordagem psicanalítica do social transformou-se em porta-


,

voz de uma exigência de valorização dos fatos culturais em relação aos conflitos
intrapsíquicos. Ao contrário definir as instituições sociais em termos de mecanis
,
-

mos de defesa contra a angústia primária que existe em todo indivíduo permite
construir uma abordagem do social que possibilita ver as relações entre os
indivíduos e a sociedade em termos dinâmicos numa relação recíproca. Em outras
,

palavras, do meu ponto de vista, em vez de fazer justiça tanto ao aspecto individual
quanto ao aspecto social, que sempre acompanham a experiência concreta ,

proponho uma visão especificamente psicanalítica.

A relação entre as instituições sociais e as suas funções com os modelos experien-


ciais do Ego, conhecidos sobre-tudo como mecanismos de defesa contra a
angústia não se encontra no pensamento freudiano. Entretanto em Totem et Tabou
,
,

encontramos algo que parece abrir implicitamente essa pesquisa: é quando Freud
fala do problema da coabitação entre sogra e genro Ele se detém no fato de que
.

entre os povos primitivos a interdição dessa coabitação é uma norma precisa da


instituição familiar arcaica Constatando a ausência de uma tal norma na nossa
.

cultura atual
Freud observa que a nossa instituição cultural deixa a sogra e o
,

genro, no caso da coabitação, entregues às pulsões e às angústias do tipo edipiano


que estão ligadas a essa situação. A distinção entre instituições sociais e vivência
fantasmática inconsciente aparece pois nesse contexto freudiano Através dela .

como poderemos precisar melhor falando da família fantasmática a instituição ,

social se apresenta como tendo uma função de defesa face ao aparecimento, no


contexto das relações intrafamiliares de perigosas e inquietantes situações incons-
,

cientes. Ainda que como disse, não se encontre nos escritos de Freud pelo menos
,
,

explicitamentereferência a uma concepção segundo a qual as instituições sociais


,

seriam um mecanismo de defesa contra as angústias depressivas e persecutórias, é


realmente significativo constatar que nas suas obras consagradas à psicologia so-
cial, particularmente em Psychologie collective et analyses du Moi , Freud liga o
problema do Ego precisamente ao da psicologia social.

.

Ora,
sabe-se que nessa obra Freud se refere à psicologia do Ego essencialmente
em relação aos processos de identificação Ainda que trate de um mecanismo de
.

defesa do Ego Freud se serve aqui do processo de identificação para explicar a


,

natureza dos laços libidinais que unem os membros de um grupo ao seu chefe ou
os laços libidinais que se criam entre esses mesmos membros do grupo, colocando
o Eros sublimado entre os fundamentos do social .

De qualquer maneira parece-me importante ressaltar que, - no que diz respeito


,

aos fundamentos da tese que vê nas instituições sociais mecanismos de defesa con-
83
por uma Psicanálise das Instituições

tra as angústias primárias - a abordagem freudiana da psicologia dos grupos (en-


encialmente centrada sobre o processo de identificação que leva a per-
quanto ess iar a
sonagem
do chefe a se construir como Ideal do Ego) parece tender a assoc
dinâmica social mais às instâncias do Ego e do Superego do que aoId,Id.que
Os aspectos
Freud vai
regressivos da vida do grupo que podem ser relacionados com o
buscar no estudo das multidões de Le Bon, serão então o apanágio dos grupos não
dos, portanto da multidão, e, por conseguinte, do grupo que, de alguma
estrutura
maneira, por não ter organização, é mais compreensível como expressão das
pulsões do Id do que do Ego ou do Superego. Veremos, mais adiante, o que sig-
nifica, na realidade, o social não estruturado. Ainda que, como já disse, não haja
em Freud nenhuma referência à possibilidade de considerar as instituições sociais
estudadas (ou seja, a Igreja e o Exército) como mecanismos de defesa contra as
angústias primárias, servir-me-ei precisamente de dois pontos do texto freudiano
para desenvolver minha tese sobre as instituições no sentido que mencionei.

O primeiro ponto do texto freudiano ao qual tenho a intenção de me referir é o

que trata da parábola dos porcos espinhos, extraída de Parerga und Paralipomena
-

de Schopenhauer. É dito, nesse conto, que se estava no inverno e que os porcos-


espinhos estavam com frio. Para se defender do frio os animais decidiram se aper-
tar uns contra os outros para se aquecerem com o seu próprio calor animal mas,
com a aproximação, espetaram-se e assim afastaram-se novamente uns dos outros.
Mas, afastando-se, ficaram com frio e se reaproximaram, então, para se esquentar,
mas se espetaram novamente e então se distanciaram mais uma vez uns dos outros
procurando alternativamente se proteger do frio e das espetadas. Assim foi até que
depois de muitas tentativas os porcos-espinhos conseguem encontrar a distância
adequada que lhes permitia, por um lado, não se espetar e, por outro, se esquen
-

tar, ou seja, se defender ao mesmo tempo do frio e das espetadas.

Freud utilizou a parábola dos porcos-espinhos para ilustrar a ambivalência que


encontramos nas relações coletivas como nas relações interindividuais. É por isso
que tenho a intenção de me servir dessa parábola para ilustrar a dinâmica das
relações entre as pessoas a relação interpessoal de grupo em termos de
,

mobilização das angústias a partir da constatação de que os indivíduos que inte-


ragem num grupo são como os porcos-espinhos do conto, reciprocamente por-
,

tadores do bem e do mal Então é possível, justamente a partir da ambivalência


.

desèrita por Freud como característica que podemos encontrar tanto no indivíduo
quanto nos grupos, fazer aparecer o tema das angústias primárias persecutórias e
depressivas Portanto servindo-nos da parábola dos porcos-espinhos e do que
.
,

acontece nas suas relações podemos utilizar as espetadas que dão e o calor que
,

causam como pontos de referência para compreender o movimento (nas suas


relações internas tais como são descritas na fábula) das emoções ligadas à
constituição recíproca dos outros como bons e maus objetos. Com efeito, é a partir
a sua constituição recíproca como portadores do bem e do mal que se torna
possível compreender a mobilização inconsciente das angústias depressiva e
persecutória , entendendo por angústia depressiva qualquer angústia que implique
84
A Instituição e as Instituições

o sofrimento pela perda de um bom objeto e por angústia persecutória qualquer


,

angústia que implique o sofrimento pela presença de um mau objeto (reservando o


meu julgamento sobre o seu caráter psicótico) A parábola dos porcos-espinhos
.

torna-se então o exemplo que permite ilustrar um contexto relacional no qual nos
encontramos frente a uma relação da qual emergem dois tipos de angústias: umas
são mobilizadas pelas espetadas recíprocas e estão ligadas com a possibilidade de
sofrer algum dano (angústia persecutória); as outras são mobilizadas
2
pela perda do
calor e a possibilidade de perder um bem (angústia depressiva) .

A essa altura nos perguntamos "qual a relação de tudo isso com o problema das
instituições?"

Permanecendo no quadro da parábola dos porcos-espinhos podemos responder ,

que a instituição ideal corresponde à distância escolhida pelos porcos-espinhos e


que lhes permite evitar as espetadas e, ao mesmo tempo, permite que se esquen-
tem, ou seja, a distância que lhes permite controlar tanto as angústias persecutórias
quanto as angústias depressivas.

Abandonando , agora, a parábola, podemos observar que o fato de encontrar a


distância ideal para evitar as espetadas e também o frio corresponde a uma função
espaço-temporal; a história da adaptação se define então como uma função do
Ego. Trata-se no entanto, de uma função do Ego cujo resultado torna-se válido
,

quando todos os membros do grupo utilizam uma mesma modalidade espaço-tem-


poral para realizar a função. Falar-se-á, então, de um 'Ego de grupo". Essa
solidariedade de todos os membros de um grupo que compartilham da mesma
modalidade de solução espaço-temporal (ou seja uma solução dada pelo Ego, e
,

portanto, histórica) às angústias relacionais básicas, que derivam do fato de que


todo membro do grupo se constitui como fonte de bem e de mal para os outros
membros do grupo constitui, na minha opinião, o processo de fundação das
,

instituições sociais e define as suas funções básicas .

Aqui procuraremos
, explicar a definição básica segundo a qual as instituições
sociais constituem com a sua fundação, um meio de se tranquilizar frente às
,

angústias primárias relacionais utilizando uma outra passagem de Psychologie col-


,

lective et analyses du Moi de Freud. Sempre nesse livro, Freud se serve do romance
,

When it was dark para descrever a função do Cristo como chefe invisível da Igaeja .

Nesse romance um grupo de infiéis simula uma descoberta arqueológica que per-
mite desmentir a ressurreição do Cristo e consequentemente todos os fundamen-
,

tos da civilização cristã Inventa-se pois a descoberta de um manuscrito no qual


.

José de Arimatéia declara que por piedade, retirou o corpo de Jesus Cristo do
,

sepulcro e o colocou em outro sepulcro. Resultaria, de uma descoberta dessas,


,

2 O fato de tais angústias serem realmente mobilizadas (frio e picada) não impede a constituição,
para o homem, de angústias como angústias primárias ligadas aos objetos fantasmáticos internos.
3 Ver Parin P. , Morgenthaler F., Parin-Mathey, "Considerations psychanalytiques sur le moi de
groupe", Psychopathologie nfricnine, 1967, III, 2.
85
Por uma Psicanálise das Instituições

que a ressurreição do Cristo foi uma crença errónea, fruto de uma mistificação. No
romance, uma descoberta desse tipo leva dramaticamente ao desmoronamento da
cultura ocidental quando, dada a demonstração da falsidade dos pressupostos
religiosos sobre os quais se alicerça a civilização cristã, um estado geral de anomia
liza e não
se instaura com o extravasamento de uma criminalidade que se genera
pode ser contida. Freud, como já observei, se serve da trama desseira
romance para
como cami-
ilustrar a importância do chefe na estruturação do grupo e a mane
nha para uma autodestruição quando ocorre a perda, (nesse caso moral)_do chefe.
Entretanto, na minha opinião, para além do problema do chefe, podemos utilizar a
situação deanomia citada por Freud para ilustrar a relação entre as instituições
(nesse caso, da instituição religiosa) e o controle das angústias primárias persecu-
tórias e depressivas. A impossibilidade de continuar a ter confiança na instituição
religiosa desencadearia então uma série de catástrofes cujo significado fundamen-
tal é a perda de todo valor civil (angústia depressiva) e o aparecimento dos com-
portamentos criminosos (angústias persecutórias). Com efeito, assim que se
percebe que a descoberta arqueológica é uma falsificação, a ordem se restabelece,
os valores perdidos são reencontrados e a lepra da dissolução social desaparece.

Convém observar que, ainda que sob uma forma menos dramática, as angústias
ligadas à dissolução social concebida como perda de todos os valores e à mani-
festação de acontecimentos, cada um mais nefasto que o outro, são mobilizadas a
cada vez que uma determinada instituição entra em crise e surge a necessidade de
se elaborar uma outra instituição. Basta lembrar a esse respeito todos os slogans
referentes ao salto no desconhecido 4 durante o referendo ins-titucional sobre a
" "

passagem da monarquia para a república nos primeiros anos do pós-guerra, na


Itália. Com tais slogans previa-se então toda uma série de desastres, cada um mais
,

grave que o outro, imaginados como consequências inevitáveis da crise de uma


instituição e isso apesar de a instituição monárquica pelos homens que a repre- ,

sentavam historicamente estar de fato e diretamente implicada na derrocada


,

militar em que o país estava mergulhado Ainda que, no plano da realidade, a


.

instituição monárquica tenha amplamente mostrado que ela não poderia constituir ,

em si e por si nenhuma garantia contra realidades trágicas, mas também que as


,

carregava , sua abolição foi fantasiada como algo que teria desencadeado uma série
de desgraças imaginárias interpretáveis como expressão de angústias básicas deter-
minadas angústias de fato meta-históricas, em relação às quais a instituição
,

moraárquica fazia o papel de mecanismo de defesa É por essa razão que valeria a
.

pena insistir no fato de que ainda que as angústias de base, em relação às quais
,

apenas as instituições sociais constituem mecanismos de defesa sejam meta-


históricas as instituições concretas que assumem o trabalho de mecanismos de
,

defesa ao contrário
, adquiriram um significado histórico como o do desenvol-
,

vimento das estruturas do Ego em relação às estruturas meta-históricas do Id. Com


efeito segundo Freud
, o Id tem um caráter meta-histórico posto que desprovido de
,

dimensão temporal. Essa precisão me parece importante para ressaltar, ainda uma
Vez,
a relação entre as funções das instituições sociais e as do Ego.
4 Salto nel buio
lit. Salto na noite (N. do T. Francês)
,
86 a Instituição e as Instituições

Nessa perspectiva, a psicanálise das instituições não pode se deter no aspecto de


redução ao inconsciente instaurado pela Psicanálise na exploração das pertur-
,

bações psíquicas na prática clínica, mas, tendo tido que efetuar tal procedimento
redutor como uma etapa obrigatória sem a qual não pode haver investigação
psicanalítica, é preciso que procure, depois da etapa redutora, o significado do
acontecimento social em termos de realidade, ou seja, em termos históricos Na .

minha opinião, isso cria uma diferença substancial entre a Psicanálise Aplicada ao
social e Psicanálise Clínica porque essa última pode deixar de lado o exame da
realidade que será integrado pelo sujeito depois que tiver sido posto frente ao seu
,

próprio inconsciente. A dimensão histórica das instituições nos leva, ainda ao ,

problema dos indivíduos concretos que, no quadro da estrutura social, assumem


funções definidas. No caso acima pode-se lançar a hipótese de que o papel his-
,

toricamente assumido por Victor-Emmanuel III na colusão com o fascismo


evocando no inconsciente individual o símbolo de uma imagem paterna inconsis -

tente, pode ter interferido negativamente na confiança histórica dos indivíduos


para com uma instituição determinada como defesa contra as angústias. A
problemática da relação entre o indivíduo ou o chefe e a instituição, que apresen-
tamos acima a respeito da crise na instituição religiosa imaginada no romance
When it was dark, se apresenta novamente. Não podemos discutir essa
problemática aqui.

2 .
Reflexões sobre a contribuição de Bion

Continuando a pesquisa sobre o significado das instituições como defesa contra as


angústias primárias que existem em todo indivíduo gostaria de me referir à ,

contribuição de dois autores de tendência kleiniana: W R. Bion e Elliott Jaques .


,

que parecem convergir, no estado atual dos seus trabalhos.

A contribuição de Bion parte da experiência clínica da psicoterapia de grupo 5Es .


-

tudando a dinâmica de grupo na experiência dos pequenos grupos Bion formulou ,

três supostos básicos: o suposto básico de grupo dependência o suposto básico de ,

grupo luta-fuga, o suposto básico de grupo acasalamento. Remetemos o leitor ao


próprio texto de Bion no que tange à definição de tais supostos básicos em relação
ao grupo de trabalho também chamado gnipo racional O que é preciso obsemar é
.

que Bion pensa que os três supostos básicos podem corresponder aos símbolos
típicos dos membros da família no sentido de que o grupo dependente poderia
corresponder ao símbolo materno o grupo luta-fuga ao grupo paterno e o grupo
,

acasalamento à criança enquanto produto da concepção .

Todavia Bion não se interessa tanto por essa redução quanto pelo fato de que os
,

três supostos básicos exprimem o aparecimento original de fenómenos típicos de


grupo e podem, por outro lado, corresponder à sociedade, ou melhor, a
5 W. R. Bion (1961) Rccherche sur les pclits groupes, Paris, P. U. F. (1965)
,
87
Por uma Psicanálise das Instituições

instituições sociais específicas: respectivamente a Igreja para o grupo dependente,


ao Exército para o grupo luta-fuga e à aristocracia (no sentido de instituição
eugênica) para o grupo acasalamento. Os supostos básicos levam a criar quer um
objeto de dependência total, quer um objeto inimigo contra o qual é preciso lutar
ou do qual é preciso fugir, ou ainda um objeto para viver numa espera messiânica.
Em todos os casos de objetos idealizados associados por Bion ao que Mélanie
Klein descreveu como angústia persecutória e depressiva no sentido de que, para o
indivíduo, a possibilidade de estabilizar as suas relações com o grupo o exporia a
todas as angústias primárias encontradas pela criança na estabilização das suas
relações com o seio. Particularmente, decorre da pesquisa de Bion que uma
instituição como a Igreja tende a controlar as angústias que se desenvolvem no

quadro do suposto grupo dependente que o exército serviria para controlar as


" "

angústias que se desenvolvem no quadro do suposto "grupo luta-fuga", e que a


aristocracia (enquanto classe que recusa as relações, porque acredita no produto
do acasalamento privilegiado) serviria para controlar as angústias que se desenvol-
vem no quadro do suposto de acasalamento. Entretanto, Bion não define o
conteúdo de tais angústias. Afirma a necessidade de que os diversos supostos
básicos sejam institucionalizados porque, se eles agissem livremente num grupo,
poderiam perturbar seriamente as funções de trabalho do grupo racional. Se,
então, os supostos básicos não estivessem estruturados nas instituições, se as
angústias de base que lhes são inerentes não estivessem controladas pelas
instituições, também entendidas como mecanismos de defesa, tenderiam a pertur-
bar, com os seus conteúdos desreais, todo o contexto social. Portanto, resulta
evidentemente disso que o modelo aplicado ao fenómeno guerra como compor-
tamento coletivo parece aplicável inclusive às instituições sociais em geral.

No romance When it was dark encontramos um exemplo da maneira pela qual a


,

desestruturação da instituição religiosa como institucionalização do grupo depen-


,

dente provoca uma desestruturação do grupo ao generalizar as angústias


,

persecutórias (e os desastres) que novamente são controlados quando a instituição


religiosa é restabelecida Com efeito, Freud observa, com uma certa ironia que a
.

leitura desse romance era recomendada como edificante pelo bispo de Londres .

Estudarei mais adiante a angústia subjacente ao suposto básico que Bion descreve
como grupo acasalamento com o tema da fundação das classes sociais .

No que diz respeito às modalidades pelas quais as instituições militares e o


fenómeno guerra, particularmente, se constituem como defesas contra a angústia
primária, remeto o leitor aos meus livros: Psychanalyse de la guerre e Psychanalyse
de la guerre atomique. No primeiro, estudei a mobilização das angústias depressivas
f persecutórias com delírios de destruição em consequência da abolição das
instituições militares. As tribos canacas descritas por Eliane Metais privadas de
,

Sierra, imaginam-se vítimas de ataques persecutórios pelos seus próprios


feiticeiros Nesse segundo plano que é problemático, situa-se a crise da instituição-
.
,

guerra preconizada pelos historiadores que trabalham com a situação atómica .


Se a
ss
A Instituição e as Instituições

instituição-guerra entra em crise na realização das suas funções (na medida que a
situação atómica tende a pôr em crise as funções vencer-perder enquanto acon -

tecimentos militares destinados à definição dos papéis de dominante e de


dominado), podemos esperar o aparecimento, de um lado de angústias depres- ,

sivas e persecutórias e, de outro, de uma instituição de reposição que permita uma


reestruturação dos papéis a partir do modo novo de todo o universo da dominação
A crise da instituição-guerra parece então conter em si as condições prévias para o
desenvolvimento do fenómeno do tipo comportamento coletivo no sentido da nova
síntese cultural pela elaboração do cisma amigo-ini-migo no sentido proposto por
,

Francesco Alberoni.f No Cuirassé Potemkine de Eisenstein o fenómeno coletivo ,

de grupo revolucionário aparece no quadro de uma instituição militar no momento


em que o chefe apresenta carne podre para se comer. O símbolo oral não deixa
nenhuma dúvida sobre a fantasia de perseguição evocada pela situação real O que .

parece inteiramente característico do movimento revolucionário no momento em


que ele derruba a velha instituição para ins-taurar uma nova, diferente, é a
constituição do fenómeno coletivo de grupo como portador de uma nova norma e
de um novo valor. Em termos simbólicos a revolução emergindo da angústia de
,

perseguição que se mistura com uma realidade que historicamente é de fato má


(carne podre) apresenta-se como uma reestruturação do inimigo definindo o
próprio chefe ou a velha norma como o mal graças ao qual o movimento coletivo
revolucionário torna-se o Superego. Isso se assemelha a um momento típico que
observei no tratamento psicanalítico particularmente numa perspectiva didática,
,

ou seja, o momento em que o sujeito em análise se apresenta como Superego do


analista-pai. Isso implica a descoberta de um novo valor em função do qual se
reestrutura a relação com a autoridade de um modo que apresenta uma analogia
com a reestruturação dos valores nos movimentos coletivos A relação entre o .

movimento coletivo como social no estado embrionário, e as instituições, se coloca


,

aqui. A distinção novamente enfatizada por Alberoni, entre essas duas formas de
,

social das quais uma é fluida e a outra estruturada, pode conduzir à tese fun-
,

damental das instituições como mecanismos de defesa De uma certa maneira as


.
,

instituições são para o comportamento coletivo aquilo que o Ego (definido por
Freud como a parte "organizada" do aparelho psíquico) é para o Id (definido por
Freud como a parte da personalidade na qual as energias se encontram no estado
fluido). O fenómeno que designei como "tornar-se o Superego do pai" como vimos, ,

está relacionado com o fato de que as instituições entram em crise e então aparece
o comportamento coletivo; esse último se apresenta como valor alternativo ainda ,

que aqui o papel de Superego se assemelhe mais com o Superego kleiniano pré-
genital por oposição ao Superego estruturado. Isso permite aderir à tese de Al-
beroni, segundo a qual o comportamento coletivo enquanto social no estado fluido

6 Francesco Alberoni Stalus Nascendi, II Mulino, 1968, no qual a dinâmica dos fenómenos coletivos
,

de grupo parece apresentar-se numa perspectiva que pelo menos em parte, poderíamos enquadrar
,

em determinadas características do suposto básico do pairing group de Bion Parec-me que o que
.

Bion descreve como suposto básico constitui fenómenos coletivos em estado embrionário e a sua
observação nos pequenos grupos me parece particularmente interessante para o estudo do compor-
tamento coletivo.
89
por unia Psicanálise das Instituições

não corresponderia à multidão no sentido de Le Bon, desprovida de qualquer


instância ética, força cega e ignara, mas constituiria o crisol da reestruturação dos
valores. Isso está ligado aos movimentos de protesto e de contestação dos jovens
nos quais podemos perceber a tendência a se colocar como Superego dos pais jou
seja, que os valores novos têm um caráter normativo em relação aos antigos). A
reestruturação dos valores que encontramos no comportamento coletivo como
sendo social no estado fluido conduz ao Id concebido por Freud como a instância
do aparelho psíquico onde a energia é livre, não ligada, podendo, portanto, ser
reduzido ao Superego arcaico que Melanie Klein teorizou como originário, pré-
edipiano, pertencendo ao Id, do mesmo modo que a pulsão instintiva. Seria desse
Superego originário que ainda não conhece a distinção entre o espírito e a letra,
entre o ideal e o real, entre o relativo e o absoluto, seria, pois, desse Superego
pré-genital que o comportamento coletivo tiraria a força prima para executar um
projeto ético que traz em si a própria força da pulsão: numa organização elementar
como a pulsão, o Superego e o Ego tendem a coincidir.f A fascinação e a repulsão
em relação a movimentos coletivos nascem talvez daí. Esse seria um movimento de
emergência da criatividade originária.

Essas reflexões situam o problema das instituições numa perspectiva mais com-
plexa do que aquela que não inclui a tese fundamental que desenvolvemos, segun-
do a qual as instituições são mecanismos de defesa contra as angústias primárias.
Com efeito, a instituição enquanto social estruturado que, como vimos, é
comparável às estruturas do Ego, teria uma relação profunda com o social no
estado fluido, comparável ao Id e portanto com o fundamento energia-dinamismo-
valor do social não estruturado. Da mesma maneira que uma concepção psica-
nalítica da personalidade vê no Id o fundamento originário da personalidade a
partir do qual as outras instâncias ter-se-iam diferenciado, e particularmente o
Ego as instituições, numa perspectiva sociodinâmica, estariam ligadas à expe-
,

riência originária do grupo como experiência que funda as diversas culturas de que
derivariam as instituições enquanto necessidades organizacionais secundárias ,

como o Ego é a parte organizada do Id Os supostos básicos descritos por Bion


.

seriam por assim dizer, o Id do social. O fato de que as instituições militares e as


,

instituições religiosas que presidem ambas à estratificação social, se encontram em


,

todas as culturas dá aos supostos básicos do grupo, descritos por Bion como
,

limites empíricos da dinâmica de grupo, o caráter de uma contribuição particular à


psiíanálise das instituições nas quais de acordo com a descrição desse autor, os
,

supostos básicos de grupo dependência, de grupo luta-fuga e de grupo acasalamen-


to podem constituir a reprodução quase experimental de momentos fundamentais
do social no estado embrionário A experiência de Bion me parece, além disso,
.

importante pelo fato de colocar o problema dialético não tanto no social no estado
fluido (suposto básico como comportamento coletivo tomado no estado embrio-
7 Ver Franco Fornari "Principie
, du plaisir et principie de réalité dans le mouvement beatnik
"

, in
Psychanalyse de la situation alomique.

® Ver a esse respeito a função das três instâncias no fenómeno guerra entendido como compor-
tamento coletivo (F. Fornari Psychanaiyse de la guerre, Feltinelli, 1966).
,
90 A Instituição e as Instituições

nário nos pequenos grupos) e no estado social estruturado, quanto nos supostos
básicos (sobretudo ligados a angústias específicas e portanto à necessidade das
instituições como mecanismos de defesa) e no grupo racional (sobretudo centrado
sobre as funções de manipulação da realidade e sobre a relação com o universo
externo em função da sua transformação). Num tal caso, podemos falar de aspec-
tos das instituições orientadas exclusivamente, ou principalmente, para a manipu-
lação das angústias como problema colocado pelo universo interno contrapondo-se
dialeticamente com os aspectos das instituições orientadas em direção à mani-
pulação do universo externo, das instituições de trabalho, ou seja, especificamente
submetidas ao princípio de realidade e às funções do pensamento como instância
de verificação do universo externo.

Mesmo essencialmente centrados sobre a manipulação da realidade operante no


grupo racional, as instituições de trabalho podem interferir com os supostos
básicos do grupo. Dois tipos de sócio-dinâmica podem, portanto, ser vislumbrados .

O primeiro diz respeito à relação entre os supostos básicos entendidos como


sociais no estado fluido e as instituições que representariam uma socialização
estruturada dele. O segundo tipo de sócio-dinâmica diz respeito à relação entre as
instituições centradas nos supostos básicos (enquanto supostos básicos que tendem
para a ilusão, e que exprimem a realidade do universo interno) e as instituições do
grupo racional centrado na realidade. Problemas específicos da Psicanálise vin-
culam-se a esses dois tipos de sócio-dinâmica naquilo que a referência ao incons-
ciente para a compreensão das instituições fundadas sobse os supostos básicos tem
de essencial e fundamental.

As instituições fundadas sobre o grupo racional parecem, ao contrário, implicar


uma problemática na qual a referência ao Ego parece essencial como se as
instituições de trabalho funcionassem como campos de atividade humana
neutralizada em relação às pulsões e ao Superego.

Utilizando uma fórmula de Hartmann, as instituições de trabalho ligadas ao grupo


racional tenderiam a se constituir como campos que melhor asseguram o seu fun-
"
cionamento na medida em que se constituíram livres de conflitos" mesmo quedos ,

conflitos possam aparecer em seguida. Desse ponto de vista a contribuição mais


,

importante para a psicanálise das instituições cuja origem se encontra justamente


,

nas angústias básicas que se mobilizam nos grupos de trabalho (que se desenvol-
'
vem nas instituições de trabalho) é a de Elliott Jaques .

9 Ver Elliott Jaques, Les institutions sociales conime mecanismos de defense conlre 1'angoisse
paranoide el depressive, op. cit
91
Por uma Psicanálise das Instituições

3 .
Reflexões sobre a contribuição de Jaques

A experiência de Jaques se refere a uma intervenção específica no campo in-


dustrial. Nos primeiros anos do pós-guerra, esse autor, psicanalista da escola
kleiniana, veio a ser consultado sobre conflitos do trabalho, no quadro de um
projeto de pesquisas do governo trabalhista inglês.
Definindo as instituições de um ponto de vista sócio-analítico, Jaques distingue as
estmtnras sociais dos mecanismos culturais das próprias instituições. Por estruturas
sociais, ele entende o conjunto das funções desempenhadas por pessoas e a
maneira pela qual as funções são distribuídas no interior da hierarquia executiva.
Por mecanismos culturais entende, ao contrário, as normas, os tabus, os hábitos
que estruturam uma determinada instituição. Jaques ressaltou, principalmente, a
relação entre as instituições e os mecanismos de defesa contra as angústias
persecutórias e depressivas pelo estudo das mudanças de mecanismos culturais
numa fábrica. Tratava-se então de instaurar uma mudança nas modalidades de
remuneração do trabalho passando da remuneração por peças para a remuneração
mensal. Ainda que tenha havido da parte de todos os interessados (operários,
dirigentes e sindicatos) acordo sobre o interesse da mudança, a tentativa que devia
levar à realização do projeto sofre a interferência de múltiplas angústias depres-
sivas e persecutórias da parte dos diversos indivíduos que pertencem aos diversos
grupos interessados pela mudança. Considerando que não existiam motivos reais
que justificassem o aparecimento de angústias persecutórias e depressivas, Jaques
pôde relacionar tais angústias precisamente com a mudança de um mecanismo
cultural da instituição de trabalho Mas se a mudança de um mecanismo cultural
.

determina angústias que não podemos relacionar com o contexto concreto da


própria mudança (nesse caso, a passagem do trabalho remunerado por unidade
produzida para a remuneração mensal) as angústias mobilizadas tornam-se
compreensíveis se forem relacionadas com o fato de que um mecanismo cultural ,

institucionalizado tem uma função de defesa contra as angústias inconscientes,


,

independentemente do seu significado sobre o plano real. Resultaria, pois, de uma


tal demonstração que mesmo as instituições de trabalho, consideradas por Bion
como pertencentes ao grupo racional, ainda que não se fundem sobre um suposto
básico centrado na emergência do universo interno assumem a função de defesa
,

contfii as angústias primárias. Além disso, estaria demonstrado que a mudança nos
mecanismos culturais de uma instituição mobiliza as angústias independentemente
do risco concreto da realidade implicado pela mudança Para além da relação geral
.

entre as instituições e mecanismos de defesa contra as angústias o problema da


,

mudança das instituições implica portanto, toda uma problemática particular que
,

embra que a dialética mudança-conservação é um suposto básico de grupo. Este,


com efeito,exige o surgimento de instituições que reassegurem contra as angústias
mobilizadas pela necessidade histórica da mudança Bion não fala de defesa de
.

grUPo face à mudança-conservação como suposto básico. Ele afirma de modo geral
lue o grupo se defende contra a mudança Entretanto o fato de que a mudança de
.
,
92
A Instituição e as Instituições

mecanismos culturais, na experiência de Elliott Jaques, tenha mobilizado as


angústias depressivas e persecutórias me autoriza a supor a existência de um novo
suposto básico que chamarei: grupo conservação-mudança. Esse suposto básico se
organiza nas instituições políticas

A título de exemplo de mecanismo cultural inteligível como defesa contra as


angústias primárias, Jaques cita uma norma das instituições navais a respeito da
"

qual é estipulado que: O primeiro oficial deve recolher toda a imundície do navio
e aceitar se transformar nela. Um mecanismo cultural desse tipo é compreensível
"

segundo Jaques, se tem como função manter as relações da tripulação e do seu


capitão livre de qualquer interferência hostil, fazendo-as se desviar sobre o
primeiro oficial como bode expiatório. Já que a vida no mar expõe a riscos e
perigos particulares e à angústia de não poder enfrentá-los, a manutenção de uma
relação desprovida de hostilidade com o capitão tem como objetivo evidente reas-
segurar contra a angústia de ser impotente frente aos perigos, no quadro do que
Bion chamou de suposto de dependência. A dependência total em relação ao
capitão, liberada de qualquer ambivalência pode, com efeito, garantir o amor do
,

capitão e, portanto, a salvação, exatamente como a salvação é garantida pela


dependência total numa instituição religiosa.

Jaques não apenas descreveu no sentido em que foi brevemente exposto, o sig-
,

nificado das estruturas sociais e dos mecanismos culturais mas ressaltou igual- ,

mente a importância particular que os indivíduos têm no interior das estruturas


sociais nas quais as instituições se traduzem. Essa idéia é posta em evidência pelo
fato de que as mudanças de mecanismos de defesa culturais mesmo sendo visíveis, ,

talvez, justamente na medida em que mobilizam as angústias elaboradas pelo


suposto básico conservação-mudança podem, praticamente, não mudar nada na
,

vida das instituições se os homens não mudam Um fenómeno desse género pode
.

ser ilustrado pela permanência de uma categoria burocrática que não é modificada
pelas mudanças estruturais das instituições. O fato de permanecerem os mesmos
indivíduos pode explicar por que determinadas mudanças estruturais podem não
apresentar efeito apreciável no plano da mudança efetiva Ao contrário, a mudan-.

ça, mesmo de um único indivíduo, pode determinar uma grande mudança nas
instituições mesmo que as estruturas sociais permaneçam sem mudança. As duas
,

situações que citamos acima podem ser descritas na pesquisa do significado para a
história recente da Igreja da presença do papa João XXIII (no que se refefe à
mudança do indivíduo quando as estruturas permanecem intocadas) ou então na
.
,

pesquisa de qual teria sido o significado da personalidade de Stalin para a


conservação do Estado autocrático a despeito do fato de que a revolução soviética
,

tenha radicalmente mudado as estruturas e os mecanismos culturais do Estado


russo,de autocrático em democrático. No momento em que surge João XXIII, os
mecanismos culturais e as estruturas sociais da Igreja católica continuavam os mes-
mos. Entretanto o fato de que o poder supremo da Igreja de Roma tenha passado
,

para um homem cuja personalidade era claramente diferente da do seu predeces-


10 Ver Franco Fornari , La crise des partis, Club Amati, abril, 1967.
93
por uma Psicanálise das Instituições

sor provocou, na instituição eclesiástica, uma mudança que devia se traduzir pelo
Concílio Vaticano II. Ainda que esse, por sua vez, tenha significado uma mudança
nos mecanismos culturais da instituição eclesiástica, a presença de Paulo VI en-
quanto personalidade diferente do seu predecessor, parece orientar a Igreja para a
conservação apesar da mudança nos mecanismos culturais da instituição
eclesiástica. Da mesma forma, no que diz respeito ao stalinismo, a posição
autocrática expressa pela posição monárquica dos czares da Rússia poderia
reaparecer (como uma espécie de retorno do recalque na renovação), no interior
das instituições socialistas ainda que os seus mecanismos culturais tenham
mostrado uma mudança radical e revolucionária em relação aos mecanismos cul-
turais da instituição monárquica. Portanto, apesar da transformação dos mecanis-
mos culturais, ocorrida na passagem do Estado capitalista ao Estado socialista, a
presença no topo do poder de uma personalidade de tipo autocrático constituiu
um grave obstáculo para a instauração de uma sociedade não autocrática. Tudo
isso pode ser aplicado à situação burocrática já citada. Portanto, o fato de que, no
interior de determinadas hierarquias executivas burocráticas de Estado existe uma
certa inércia levando à conservação dos papéis por parte das mesmas pessoas,
independentemente da mudança dos mecanismos culturais operados pelas mudan-
ças sócio-históricas obriga a voltar ao problema das relações entre as instituições e
os mecanismos de defesa contra as angústias primárias no quadro daquilo que
propus chamar de suposto básico de grupo conservação-mudança. A disposição
para a conservação ou para a mudança varia, pois, de indivíduo para indivíduo. Já
que as angústias básicas são vividas no plano emocional por homens reais, de carne
e osso, se não temos modificações da experiência de vida dos homens de carne e
osso, no sentido de que eles elaborem diferentemente suas próprias angústias, as
mudanças de estrutura social podem ficar sem efeito no plano da mudança efetiva.
Um fato desse género leva a refletir sobre o significado da superestrutura no sen-
tido marxista e nos seus vínculos eventuais com o inconsciente.

4 .
Psicanálise da família enquanto instituição social

Depois de ter estudado o problema geral das instituições sociais em relação à sua
,

função caracterizável como ação defensiva contra as angústias primárias gostaria


,

agora de examinar uma instituição particular a família, que pode ser considerada
,

como aquela que se presta de maneira privilegiada ao estudo pela Psicanálise .

Depois de algumas observações sobre a Psicanálise da família, gostaria de passar


ao esboço de uma análise dos fundamentos das classes sociais enquanto
instituições estreitamente ligadas à instituição familiar.

Já insisti sobre o suposto de acasalamento que Bion aproxima da aristocracia,


entendida como institucionalização do grupo acasalamento. Todavia, Bion não as-
socia a aristocracia, enquanto instituição social, nem com a divisão geral da
sociedade em classes nem com uma angústia básica específica cujo suposto básico
,
94 A Instituição e as Instituições

do grupo acasalamento seria uma elaboração defensiva. Ao contrário, tenho a


intenção de desenvolver justamente esses dois aspectos do problema. A descrição
que Bion faz dessa hipótese básica como fenómeno que aparece no interior do
grupo e que podemos, portanto, considerar como fenómeno coletivo de grupo é
muito interessante. Como já disse, Bion colocou em evidêncialo fato de que quan -

do existe uma certa relação amorosa entre dois membros do grupo, ou entre um
membro do grupo e o líder, aparece no grupo uma expectativa, a premonição de
alguma coisa que deverá aparecer e que ele define, simbolicamente, como a expec-
tativa de um messias. Já ressaltei que essa é uma situação particular que ilustra o
suposto básico de Bion e que pode ser considerada como um correlato muito
estreito, no nível do micro-grupo, daquilo que os sociólogos descreveram como
movimentos messiânicos no quadro do comportamento coletivo. O caráter
embrionário no qual Bion deixa a descrição dos supostos básicos presta-se na ,

minha opinião, para captar os fenómenos de grupo no estado embrionário A .

experiência de Bion poderia ainda ser particularmente preciosa para começar a


construir uma tipologia dos comportamentos coletivos, expressos pelos três supos-
tos básicos, sendo que outros são captados no estado embrionário, mesmo que ,

durante a experiência, os diversos supostos básicos possam se dispor diferente-


mente, sobressaindo-se um deles enquanto os outros continuam como fundo.

Bion não associa, pois, o suposto de grupo acasalamento à família mas antes à
,

aristocracia, dizendo que, originariamente, ela orienta os supostos básicos para o


social. Por outro lado, ele lança o suposto da fundação de uma classe social inde-
pendentemente do contexto social mais vasto que a constituição das classes sociais
em geral, esquecendo, portanto, que uma classe social não pode se constituir senão
em relação a outras. Bion declara de maneira explícita que estudando os
,

fenómenos de grupo desejaria evitar qualquer referência àquilo que já se sabia


,

pela psicanálise do indivíduo. Estou de acordo com essa maneira de colocar o


problema, mas numa certa medida. Eu também admito que o conhecimento da
família como instituição social não pode provir unicamente da exploração do com-
plexo de Édipo. O complexo de Édipo é na realidade um conjunto de fantasias
inconscientes, ao passo que a família é uma instituição social. Também, é total-
mente incontestável que ainda que o complexo de Édipo seja um conjunto de
,

fantasias inconscientes a sociologia da família sofreu uma grande influência da


,

parte da Psicanálise. Basta pensar em Talcott Parsons.

Que relação existe, portanto, entre o que chamarei de família fantasmática (ou
seja, como é que as relações do sujeito com a sua própria família se traduzem nas
fantasias inconscientes) e a família sociall Para responder a essa questão gostaria
,

de me referir ao problema deixado em aberto por Bion ou seja, o problema da


,

angústia que se encontra por detrás do suposto de grupo acasalamento suposto


,

que preside à expectativa-premonição do produto do acasalamento idealizado


como messias.
95
Por uma Psicanálise das Instituições

Analisando com F. Miraglia os sonhos das mulheres grávidas, pude constatar que a
expectativa-premonição da criança nas fantasias inconscientes, além de se cons-
tituir como expectativa da criança, objeto bom idealizado e superinvestido nar-
cisicamente, isto é, como salvador-messias, a criança que está para nascer aparece
também sob a forma de um objeto perseguidor. A fantasia da criança perseguidora
(que está ligada à fantasia do pênis perseguidor) se concentra na angústia do parto
sobretudo em relação à fase de dilatação. Entretanto, a angústia mais típica que
pode ser associada com a hostilidade para com a criança refere-se à elaboração
depressiva. Chamei de angústia genética a angústia da deterioração do produto da
concepção, traduzida, em cada mulher em trabalho de parto, pelo sonho que
dariam à luz uma criança defeituosa, doente, incapaz, monstruosa etc. Ainda que
essa angústia esteja ligada ao contexto dos sentimentos de culpa edipiana e às
simbolizações da criança como pênis e, portanto, ao complexo de castração, a
possibilidade de que o produto da concepção seja defeituoso é uma possibilidade
real. Isso está ligado à experiência da realidade do fato de que a escolha genética
escapa ao controle individual e pode facilmente estar exposta às leis do acaso, num
sentido negativo. Esse aspecto da realidade é, por assim dizer, o vértice social da
angústia genética, dado" com o qual é preciso contar. Esse aspecto social da
"

angústia genética, vamos encontrá-lo nos versos de Dante: Rade volte risurge ])er li
rami I umana probitade e questo mole quel che la dà, perché da lui si chiami . A
'

tese de Dante aparece como uma explicação em termos totêmicos do enigma da


hereditariedade negativa. Como é possível que da "humana probidade" raramente
nasçam crianças dotadas? A resposta de Dante é que isso depende de Deus. Deus,
portanto, não estabeleceria uma correlação positiva entre genitores e filhos para
"
mostrar que não são os pais mas ele mesmo que engendra a humana probidade".
E já que Deus é o pai idealizado já vemos se esboçar na teoria de Dante sobre a
,

hereditariedade negativa o tema incestuoso misturado com a angústia genética ,

tema sobre o qual voltaremos O que me interessa agora precisar é que o que Bion
.

descreve como "premonição da criança messias" no suposto de acasalamento seria ,

uma fantasia de idealização da criança que constituiria um mecanismo de defesa


contra a angústia genética tanto pelos seus aspectos persecutórios quanto pelos
,

seus aspectos depressivos através da fantasia: "não é verdade que o meu filho será
um objeto perseguidor que me destruirá ou um bom objeto que eu estraguei A .

criança que vai nascer será o messias no sentido de que ela me tranquilizará do
medo da criança perseguidora assim como do medo de que eu que o engendro o
ten!»a estragado com os meus ataques De fato, a criança normal provoca uma
"
.

reação de alegria porque o nascimento constitui um desmentido dessa angústia


básica .

O suposto de grupo acasalamento parece, portanto, exprimir sob forma de meca-


nismo de defesa e no nível do comportamento coletivo no estado embrionário, a
elaboração da angústia sob a forma de idealização do produto do acasalamento
Quase nunca o valor é trasladado às ramas como quer, na glória imensa, que o provê, por disso
,

ser lembrado "Dante Alighieri, A divina comédia


.
o purgatório, Canto VII.(Trad. bras. Cristiano
,

Martins São Paulo, Ed. Universidade de São Paulo, Ed. Itatiaia Ltda., 1979, p. 70).
,
96
A Instituição e as Instituições

como nova segurança contra as angústias persecutórias e depressivas centradas na


criança. Para poder ser conservada ,
observa Bion com justeza, o suposto básico de
que o nascituro é o messias jamais deve se realizar, ou seja, que a criança jamai s
deve nascer. Isso leva a estudar um aspecto particular que está implicado na
idealização da criança-messias o caráter sagrado entendido como suma esperan
,
ça
positiva acompanhada dc um mínimo de verificabilidade no plano da realidade
porque o teste de realidade impediria a manutenção da idealização.

Essa ênfase no sagrado parece-me importante para o tema que abordamos se nos
lembrarmos que L. Dumont (1966) considera a constituição das castas como fun-
damentalmente baseada na primazia do sagrado sobre a hierarquia no sentido de
primazia do ieros. Portanto, se aceitamos a definição do sagrado como o máximo
de presença positiva garantida por um mínimo de verificabilidade a constituição da ,

aristocracia implica que se considere como positivo o próprio produto da


concepção (idealização) opinião obtida por meios que impedem a verificação do
,

caráter ilusório de uma tal positividade já que a verificação fundada sobre o teste
,

de realidade impediria de manter a idealização O que Bion descreve como prer-


.

rogativa do messias ou seja, a ausência de possibilidade de verificação, torna-se


,

uma estrutura social precisa Notemos então que, entre o suposto básico de grupo
.

acasalamento e a aristocracia como instituição estabilizam-se ligações que


,

parecem típicas da relação entre o social no estado fluido e o social no estado


estrutural. O aspecto essencial do social no estado estruturado seria a
institucionalização de um mecanismo de defesa contra as angústias persecutórias e
depressivas: nesse caso particular graças à institucionalização da idealização do
,

produto da concepção veiificando-se aqui num determinado campo genético ex-


clusivo, a aristocracia se constituiria como mecanismo de defesa contra as
angústias persecutórias e depressivas ligadas ao produto da concepção. O que vem
a ser institucionalizado na aristocracia como classe é ilusório mas a socialização de
,

tais ilusões assim como a sua desmistificação, estão na história.


,

Voltemos agora ao problema que apresentamos da relação entre família fantas-


mática e família social A análise dos supostos básicos do grupo acasalamento
.

exposta por Bion ou melhor, a identificação das angústias que estão por trás de
,

um tal suposto básico nos coloca frente à angústia genética do qual o suposto de
,

grupo acasalamento é uma elaboração defensiva. Precisarei melhor mais adiante, ,

os diversos mecanismos que se estruturam nessa elaboração defensiva. Apre&nto


agora a tese de que a família fantasmática exprime essencialmente o conjunto das
angústias básicas do qual o social constitui uma elaboração defensiva tanto no ,

estágio fluido quanto no estágio estniturado Quero portanto aprofundar o sig-


.

nificado da família fantasmática .

Essa contribuição mais especificamente psicanalítica ao estudo da família como


instituição social situa-se sobretudo, em relação às angústias básicas nas quais se
,

traduz. A esse respeito convém lembrar de Winnicott que afirma que "a família
,

vive como se ela estivesse continuamente à beira do desastre" e que cada família "
Por uma Psicanálise das Instituições

tem um cadáver no seu armário"12. Esse autor cita, além disso, o ditado segundo o
issemos
qual i
f
"
lho é desgraça": af irmação que podemos aproximar daquilo que d
acima a respeito dos aspectos persecutórios da criança que está para nascer,
aspectos que vimos ligados com a idealização messiânica. Gostaria, pois, de
aprofundar o significado da família fantasmática em relação a essa maneira de
viver da família como se estivesse sempre à beira do desastre. Afinal de contas, que
desastre é esse? Qual é o cadáver do armário que em geral a família esconde em
" "

si mesma?

Em parte, já respondi a essa questão falando dos aspectos persecutórios da criança


que está para nascer. Os desastres que a família fantasia (imagina), ouitados
seja, os
no
desastres da família tal como ela se estrutura nos supostos básicos, depos
inconsciente humano, podem ser plenamente compreendidos se os relacionarmos,
justamente, com as descobertas fundamentais da psicanálise. Quero me referir à
situação edipiana, tanto nas suas relações com a história de Édipo quanto com a de
Orestes, como a duas histórias imortalizadas pela tragédia grega, que podem ser
consideradas como exemplares para explicar por que a família vive sempre como
se estivesse à beira do desastre.

Da história de Édipo sabemos que, tão logo nasceu, seus pais decidiram matá-lo
porque o oráculo de Édipo não era uma mensagem messiânica positiva mas um
funesto presságio: ele matará o pai e se casará com a mãe. Os pais, então, decidem
matar a criança. Portanto, desde o nascimento, a família pode ser destruída a
qualquer momento e já vimos como essa situação se reflete nas fantasias da criança
perseguidora cujos pais se sentem ameaçados por si mesmos e na sua união. Mas a
sua tentativa de se defender contra o filho perseguidor fracassou, conforme
sabemos. A criança sobreviveu, será ao contrário salva e adotada por pais ideais
que desmentem a existência dos pais infanticidas. Mas isso não resolverá o
problema. O parricídio e o incesto acontecerão realmente: Édipo matará real-
mente o pai e de fato, se casará com a mãe e tudo acabará com o desastre típico
,

da família inconsciente .

Quanto ao cadáver no armário a história de Orestes não é menos exemplar do que


,

a de*Édipo O sacrifício de Efigênia por Agamenon, com o objetivo de conseguir


.

os favores dos deuses para a guerra de Tróia traz a marca de uma civilização
,

guerreira que mata os próprios filhos. Se os pais de Édipo não conseguem fazer
com que matem o seu filho Agamenon, ao contrário, consegue traduzir em ato o
,

assassinato da filha Isso terá como consequência um princípio de ruptura entre


.

Agamenon e Clitemnestra Ao voltar de Tróia, Agamenon será morto pela mãe e


.

pelo amante dela que representa a imagem do filho; a solidariedade entre Orestes
,

e Eletra levará em seguida, ao matricídio. Assim, todos os membros da família, o


,

filho , o pai e a mãe, são mortos. O Areópago de Atenas encontra-se dividido em


12 D W. Winnicott Lo rnmille el le developpcmcnl individuei.
.
.
98 A Instituição e as Instituições

tendências iguais, sendo que o voto da deusa Atena é que salvará finalmente Ores -

tes: apenas um deus ex machina conserva, pois, in extremis, o único sobrevivente


condenado da família fantasmática: o filho.

As duas histórias de Édipo e de Orestes, histórias exemplares dos crimes silen -

ciosos que habitam a família fantasmática, tais como as encontramos reproduzidas


no inconsciente dos homens em geral, nos permite compreender como cada
membro da família existente se sente ameaçado por todos os outros membros e ao,

mesmo tempo como os ameaça. Portanto, encontramos no contexto relacional da


família fantasmática, tal como se rcflete nos mitos e fantasias inconscientes a ,

emergência dessas angústias persecutórias e depressivas, por força das quais


qualquer membro sente os outros como uma ameaça em si e se sente como uma
ameaça para os outros, numa espécie de universo destrutivo sem escapatória.

Minha tese é que, face a essa desconcertante constatação através da qual a psica-
nálise nos faz compreender o contexto da angústia da família fantasmática, a famí-
lia social, a família enquanto instituição social, constitui-se como uma estrutura
defensiva: ela nos faz compreender, precisamente, como o Ego assume o sig-
nificado de uma estrutura defensiva em relação às pulsões e à angústia. Já vimos
como no nível do social não estruturado, ou seja, no nível do social no estado
embrionário, tal como se manifesta no suposto de acasalamento, o social (que
aparece na dinâmica do grupo) constitui uma elaboração defensiva contra a fan-
tasia da criança perseguidora exprimindo a idealização do filho messias. Gostaria
agora de apresentar a ideia de que o suposto básico de grupo dependência, segun-
do o qual todo mal que existe no grupo pode ser eliminado graças à dependência
em relação a uma personalidade protetora, onipotente simbolizável como imagem
materna constitui a elaboração defensiva graças à idealização face à mãe per-
,

seguidora infanticida e morta pelo filho. Analogicamente, o suposto básico do


grupo luta-fuga constituiria na idealização da imagem paterna como elaboração
defensiva face às angústias tanto persecutórias quanto depressivas, provocadas
,

pelo fato de que o pai vive como assassino do filho ou como sua vítima.

O que Bion descreve como suposto básico de grupo seria, por essa razão, a respos-
ta reparadora coletiva aos desastres da família fantasmática. Assim, o que Bion
descreve como suposto básico de grupo que relacionei com o social no estado
,

fluido e que podemos relacionar com o comportamento coletivo constituirá os


,

modelos fundamentais através dos quais a família social oferece à família


fantasmática que se vive continuamente como se estivesse à beira do abismo, o
,

asseguramento de que não haverá desastre porque o filho não matará o pai nem a
mãe, mas será, ao contrário, o messias, o salvador; que a mãe não matará o pai
nem o filho mas ao contrário, os alimentará, fazendo com que vivam; e enfim, que
,

o pai não matará tampouco, nem o filho nem a mãe mas, ao contrário, lutará
contra as dificuldades e contra as instâncias inimigas (exteriores à família) que
ameaçam a sua existência e que sobre essas respostas reparadoras e reas-
seguradoras se concretizarão os papéis específicos do filho, da mãe e do pai.
Por uma Psicanálise das Instituições

Minha tese é que a família social autêntica enxerta-se sobre essas hipóteses fun -

damentais que contêm a primeira formulação idealizada do social como defesa con-
tra as angiístias básicas.

Portanto, é no nível das instituições que será elaborado o conjunto dos papéis e
dos mecanismos culturais específicos respectivamente do filho, da mãe e do pai.
Assim o papel do pai, que pode diferir de acordo com as diferentes culturas, de
uma maneira ou de outra, terá sempre a função de tornar manifesto a todos os
membros da família que o pai não é nem o assassino nem o assassinado, mas que,
ao contrário, desenvolve uma atividade que testemunha, num sentido reas-
segurador, o modo pelo qual ele "mantém a família". Um esquema análogo aplicar-
se-á aos papéis assumidos respectivamente pela mãe e pelo filho.

Percebemos, então, que a psicanálise das instituições baseia-se principalmente na


integração das descobertas dos conteúdos do inconsciente relativos às angústias
básicas, por um lado, e por outro, em relação aos supostos básicos, com os papéis
concretos e com os mecanismos culturais que correspondem a essas angústias e
que constituiriam os mecanismos defensivos. A possibilidade de uma síntese entre
o individual e o social aparece, portanto, nesse modelo porque apenas o indivíduo
encarna as angústias básicas ligadas à família fantasmática e apenas a sociedade é
o locus no qual são elaborados os mecanismos culturais. Vistos sob esse aspecto, o
social e as suas instituições se apresentam como instâncias reparadoras face aos
desafios lançados ao homem pelas angústias inconscientes. Entretanto, na medida
em que a reparação proposta pelo suposto básico (e portanto pelo comportamento
coletivo) se apresenta sob uma forma idealizada, ela se encontra facilmente expos-
ta aos riscos da verificação negativa. A tensão específica entre o ideal e o real,
presente nos avatares do social em estado embrionário, deriva daí.

5 .
A angústia genética em relação à formação de castas
(ou das classes sociais)

Depois dessa integração entre a família fantasmática e a família social que quer
oferÿper um modelo sinérgico entre o individual e o social, gostaria de voltar ao
suposto básico do grupo acasalamento e à sua relação com a aristocracia, apresen-
tada por Bion Expressa em termos de grupo racional a institucionalização do
.
,

suposto de grupo acasalamento seria, segundo Bion, uma instituição eugênica.

O comportamento diferente que uma instituição de tipo racional ou uma


1nstituição social pode ter frente a um mesmo suposto de base nos permite revisar
® 1e°ria psicanalítica sobre a divisão da sociedade em classes. Já que pertencemos
a uma classe social pelo nascimento a constituição das classes no nível empírico
,

independentemente portanto, do suposto básico de grupo acasalamento), está


,

%ada à instituição familiar enquanto instituição na qual se produzem os acasa-


100
A Instituição e as lnstituições

lamentos. E, já que o acasalamento é nesse caso, um acasalamento sexual qUe


,

procria, a constituição das classes sociais, para além dos mecanismos purament e
sócio-econômicos, tem um fundamento genético-sexual Vistos sob esse prisma os
.

mecanismos culturais socioeconómicos que presidem à organização da divisão em


classes sociais - a hereditariedade familiar dos bens económicos sendo o mais
importante - deverão ser entendidos como paralelos à fundação genético-sexual das
classes sociais. Falando da fundação genético-sexual das classes sociais quero ,

referir-me ao fato de que a angústia genética que relacionei com a constituição da


,

aristocracia como estrutura defensiva , implica uma angústia centrada no temor da


deterioração genética do produto da concepção.

A concepção sócio-econômica da constituição das classes tenta interpretar o


acasalamento endogâmico numa classe social determinada como tendo uma função
utilitária na acumulação dos bens económicos no interior de uma classe social
Gostaria de lançar aqui a hipótese de que a acumulação económica numa deter-
minada classe social é paralela à angústia genética e ao mecanismo de defesa con-
tra essa última, que descrevi anteriormente como idealização do filho-messias
numa área genética privilegiada (aristocracia ou classe dominante) A angústia .

genética, portanto, assumindo em si mesma, pela equação filho = pênis, tanto o


complexo de castração quanto o eventual prejuízo genético real que a criança
possa trazer consigo no momento da sua chegada ao mundo mantém a pos-
sibilidade de mobilizar uma quantidade enorme de angústia A equação simbólica
.

ulterior pênis = fezes = dinheiro parece constituir um pressuposto inconsciente pelo


qual a angústia genética pode ser controlada, graças a mecanismos de defesa de
natureza económica As equivalências simbólicas citadas acima representam pois,
.
,

o pressuposto peio qual o prejuízo temido pelo filho pode ser fantasiado como
reparável graças a uma acumulação económica garantida pela transmissão
hereditária do patrimônio Se face a uma deterioração genética o homem se
.

mostra impotente pode ao contrário dissimular essa impotência graças a uma


,

acumulação de força económica que nesse sentido, adquire o significado de um


,

fetiche genético-sexual .

A ação do suposto de grupo acasalamento como defesa ilusória contra a angústia


genética pode ser demonstrada pelo fato de que, no nível do grupo racional (ou
seja, no nível da instituição eugênica) o melhor produto é o do acasalamento
,

híbrido. Por que então, a aristocracia (a classe dirigente e, em geral, todas as


,

classes) privilegia o acasalamento endogâmico ou seja, os acasalamentos no inte-


,

rior do próprio grupo? Uma das respostas para essa questão pode ser dada toman-
do o exemplo da situação de casta em relação à qual já destacamos a referência ao
sagrado enquanto situação na qual se realiza o máximo de presença positiva com
um mínimo de verificação Portanto, na medida em que as castas dos brâmanes,
.

por exemplo, se fundamentam na hierarquia, no sentido do ieros de que falamos


acima elas devem constituir o produto da concepção no interior da casta como
,

absolutamente positivo; mas já que é problema de crença isso deve ao mesmo


,

tempo impedir a verificação do caso negativo que deriva do acasalamento no inte-


101
p0r uma Psicanálise das Instituições

rior da própria casta. Os mecanismos do acasalamento endogâmico assim como a


concentração económica e os mecanismos culturais clássicos favorecidos na casta
privilegiada servem a um tal objetivo. Mas existe um terceiro mecanismo especi-
ficamente destinado a impedir a verificação do caráter ilusório da posi-tividade
absoluta (idealizada!) do produto da concepção na casta privilegiada: o isolamento
e a separação rituais entre as diferentes castas. Na sociedade de castas hindu, com
efeito, o acasalamento exogâmico, ou seja, o acasalamento entre duas pessoas de
>

castas diferentes é punido pela exclusão da casta. A interdição do acasalamento


exogâmico sentido como impuro e contaminante teria, pois, como objetivo prin-
cipal, no plano do mágico e do ilusório, manter o impuro fora da própria casta e,
ao mesmo tempo, impedir que se verifique que o acasalamento exogâmico não é,
absolutamente, portador de deterioração do produto da concepção.

Entretanto, o mecanismo de separação e de isolamento intercastas, por sua vez, na


medida que se esforça por manter fora da casta privilegiada um fator negativo,
pressupõe um mecanismo progressivo de clivagem pelo qual o grupo privilegiado
pode se constituir como bom-puro-positivo, base da sua associação, por oposição e
clivagem com um outro grupo mau-impuro-negativo.

Os aspectos persecutórios e depressivos implícitos na angústia genética, incidindo


sobre o filho simultaneamente perseguidor e perseguido, não podem, portanto,
filho- a
encontrar sua solução com simples mecanismos de idealização ligados ao
messias especialmente porque a idealização do filho-messias está impregnada de O
,

elementos relativos ao universo sagrado, está sempre exposta ao perigo da


verificação que põe em crise o processo de idealização e de sacralidade, a partir do
tãJ
teste de realidade. Portanto, é necessária a existência de outros meios de defesa e,
em particular de mecanismos de clivagem que permitam conservar separados do
,

produto da concepção os aspectos maus e deteriorados. Além do mecanismo de


cisão, o mecanismo de identificação projetiva que implica que se coloque no
produto da concepção do outro grupo os aspectos maus e deteriorados dos
produtos da concepção do próprio grupo, constitui um dos mecanismos fundamen-
tais da constituição da classe inferior-impura. Os mecanismos de isolamento
seriam portanto, secundários em relação aos mecanismos de clivagem e de
,

identificação projetiva Mas a expulsão dos aspectos maus e impuros dos produtos
.

da concepção do grupo privilegiado nos produtos da concepção do grupo in-


feriofizado (que apresenta todos os aspectos de uma elaboração paranóica da luta
interna dos grupos que pertencem à mesma sociedade) de fato fazem do grupo
inferiorizado um bode expiatório caso aceite tornar-se receptáculo inerte do
negativo ou como inimigo pelo qual o grupo privilegiado se sente continuamente
ameaçado caso o grupo inferiorizado recuse o papel de receptáculo do negativo.
Nesse caso cria-se a tendência ao controle sádico onipotente (que, no plano
,

político transforma-se no problema do monopólio autoritário do poder pelo grupo


privilegiado) pelo qual o grupo inferiorizado sentido potencialmente como per-
,

seguidor pelo fato de que não aceita ser o receptáculo passivo do mal, vem a ser
controlado . A solução trazida pelo sistema de castas (que representa a situação
61085
102 A Instituição e as Instituições

limite da divisão em classes) para a angústia genética reproduziria consequente-


,

mente, todos os mecanismos fundamentais da posição esquizo-paranóide: podemos


assim compreender o mecanismo da idealização dos produtos da própria
concepção e o mecanismo da clivagem pelo qual qualquer divisão em classes
pressupõe uma estrutura da sociedade com os tipos de objetos parciais, bons e
maus, puros e impuros, e ainda o processo de identificação projetiva expulsão ,

sobre a outra casta (ou classe) dos aspectos maus da primeira e enfim o controle
,

sádico onipotente (o universo da dominação na situação em contraponto dominan -

tc-dominado) como mecanismos de defesa estruturados nas instituições de castas


(ou de classes) com objetivo de controlar as angústias persecutórias e depressivas
que estão ligadas ao que já descrevi como angústia genética.

Já que, como vimos os mecanismos de identificação projetiva levam à expulsão dos


,

aspectos maus ou deteriorados para a casta inferiorizada a maneira pela qual esta
,

reage historicamente determina a estabilidade ou a instabilidade do sistema Se .

eles são interiorizados - praticamente aceitos - pelos dois grupos , temos nm3
estabilização do sistema graças a uma sócio-dinâmica que se instaura e na qual o
grupo dominante efetua uma elaboração paranóide do conflito sobre o grupo
dominado e o grupo dominado interioriza um tal conflito cm si mesmo e se culpa
por um processo melancólico que leva à auto-agressividade e à negação de si. A
ruptura de uma tal estratificação sobrevêm no momento em que a casta (ou classe)
dominada (na qual foram colocados os aspectos maus e deteriorados dos produtos
da concepção da classe privilegiada) elimina mais uma vez tais aspectos maus e
deteriorados como a tripulação do Cuirassé Potemkine rejeita a carne podre Por .

essa nova expulsão os dominantes se constituem como que objetos persecutórios e


,

maus sobre os quais se volta a agressividade (primeira revolta contra si próprios)


que agora assume o significado de uma punição para os maus genitores e reveste
um significado ético. Nesse modelo interpretativo em que a constituição das classes
é elaborada como a estruturação dos mecanismos culturais que retomam os
mecanismos de defesa de uma posição esquizo-paranóide a maneira pela qual o
,

acasalamento endogâmico é inconscientemente simbolizado no sentido de sim-


,

bolização como acasalamento incestuoso adquire uma importância particular. Nos


,

sonhos indivíduos de condição social elevada simbolizam de fato os pais. Adotado


,

como mecanismo cultural que mantém no interior da mesma casta (ou da mesma
classe) o produto da concepção idealizada o acasalamento endogâmico (na casta)
,

fantasiado como o acasalamento incestuoso aumenta a angústia genética e porían- ,

to, os mecanismos de defesa correspondentes Quanto mais a angústia genética é


.

forte mais aumentam as tendências ao acasalamento endogâmico (sobre a base da


clivagem que distingue os "bons" dos "maus" acasalamentos) Mas já que o acasa-
.

lamento endogâmico é fantasiado como incestuoso quanto mais essas tendências


,

aumentam, mais aumenta a angústia genética. O impulso a favorecer a divisão em


classes associa-se ao fato de que mesmo a classe inferiorizada fantasia o acasala-
mento de um dos seus membros com um membro de uma classe privilegiada como
um acasalamento incestuoso que deve ser evitado. Deriva daí um círculo vicioso
que pode nos levar a compreender como a divisão em classes é um processo que se
Por uma Psicanálise das Instituições

auto mantém. Isso poderia nos levar a compreender como a tendência para a
constituição das classes pode persistir como defesa contra a angústia inconsciente
do acasalamento mesmo onde (como na União Soviética) os privilégios econó-
micos de classe foram abolidos pela mudança dos mecanismos político-culturais.

6. A angústia genética na análise de três sonhos de gravidez

Já falei a respeito da relação entre a angústia genética e o sentimento de culpa


incestuoso no sentido de que a angústia genética, por um lado, refere-se à
deterioração realmente possível do produto da concepção e tem, por outro lado, ao
contrário, um aspecto puramente fantasmático, que desemboca no sentimento de
culpa edipiano e na angústia de castração. Já que até aqui falei da relação entre a
angústia genética e a fundação das classes sociais partindo das experiências grupais
feitas por Bion, gostaria de me referir agora a um fragmento clínico que, na minha
opinião, ilustra bem a relação entre a angústia genética, os fenómenos coletivos e a
sócio-dinâmica esquizo-paranóide da clivagem de todo o contexto social que opera
nas instituições fragmentadas. Trata-se de três sonhos acontecidos sequencialmente
e comunicados por uma mulher durante o nono mês de gravidez.

Primeiro sonho: "Encontro-me numa paisagem de montanhas muito sugestiva, com


neve e cavernas. Além de mim, encontram-se ali inúmeros jovens - vivemos todos
juntos - e um homem alto, bonito, com muita autoridade, a quem todos seguem e
estimam e que nos serve de guia. Com ele, há uma espécie de governanta, porém
mais antipática O sonho começa quando vemos um passarinho caído no chão, e
.

que não sabe voar. Todos nós dizemos que ele está no nono mês e que seria
necessário salvá-lo para que ele tenha boas chances de viver. Ele está ferido apenas
no pescoço que está torcido e um pouco esfolado O cómico da história é que, no
.

sonho vejo um passarinho pretinho. Penso inclusive que o associo a um corvo; no


,

entanto,sei que se trata de um basse e proponho a meu marido - que durante todo
o sonho está ausente e aparece apenas durante esse pensamento (e não fisica-
mente) - que o pegue O pequeno bassê se mostra amável para com o meu cachor-
.

ro que é um cocker e ambos se entendem muito bem Há ainda outras simpatias


.

animais Um dia
.
somos traiçoeiramente atacados por um bando rival composto
,

por jovens cruéis comandados por um chefe sem escrúpulos. Descemos então a um
vale para puni-los formando um longo cortejo em duas filas, composto por nós
mesmos e pelos animais No meio, há uma espécie de guilhotina. Há combates
.

entre os grupos mas acabamos vencendo. Já estamos satisfeitos livres de angústia


quando nosso chefe é morto. Ficamos então sem guia e vamos nos dispersar pela
montanha pensando que será necessário encontrar um outro lugar para passar o
inverno .
"
104
A Instituição e as Instituições

Segando sonho: "Nesse sonho há duas tribos. Numa delas há alguns homens e
,

vemos dois deles escondidos no mato. Uma rainha comanda a outra tribo e há
muitos jovens que, com a rainha, vencem a primeira tribo. Depois disso levamos
,

todas as coisas da rainha para um castelo."

Terceiro sonho: "Um gato ameaça os passarinhos numa gaiola. Assim que é tirado
da gaiola, o gato (que dentro dela era pequeno) torna-se grande e colocando a
pata entre as barras da gaiola ainda machuca os passarinhos. Depois, esses últimos
se transformam em cachorrinhos. Acontece então uma outra coisa estranha: os
passarinhos e os cachorrinhos transformam-se numa galinha ferida e sanguinolenta."

Esses três sonhos podem ilustrar suficientemente bem o que denominei "família
fantasmática". Fazendo uma análise puramente simbólica dos sonhos ao invés de
uma análise que se refira à história pessoal da mulher, podemos perceber como no
primeiro sonho a criança-passarinho está ameaçada na sua sobrevivência e o chefe
(ou seja, simbolicamente, o pai) morre. No segundo sonho, há uma espécie de
família matriarcal, comandada pela rainha coligada com jovens que vencem a tribo
dos homens. Temos, portanto a coligação da figura materna e dos filhos contra a
,

figura paterna. O terceiro sonho exprime a ameaça do gato-pai simbolizando a


falta paterna, contra os filhos posto que os passarinhos-crianças são ameaçados do
,

exterior e no interior da mãe. O simbolismo fálico do gato é sugerido sobretudo


pela pata que penetra entre as barras da gaiola-mãe que contém os passarinhos-fi-
Ihos. Além da representação do pai perseguidor dos filhos vemos que o sonho
,

exprime a angústia da deterioração da mãe. Em outros sonhos dessa mulher os ,

f lhos já simbolizados por passarinhos ou por cachorrinhos são simbolizados por


i
pintinhos. A transferência do estrago do símbolo passarinhos para o símbolo gali-
nha parece, portanto indicar uma transferência da deterioração do símbolo filho
,

para o símbolo mãe. Encontramos, pois, nos três sonhos a ameaça de deterioração
de cada membro da família: os filhos o pai e a mãe, claramente representados. A
,

constituição de todos os membros da família como ameaça para a existência dos


outros está, portanto representada em cada sonho.
,

Entretanto é importante que eu examine aqui, particularmente, o primeiro sonho


,

no qual se desenvolvem fenómenos de grupo (no sentido de comportamento


coletivo) em relação com a angústia genética expressa pela deterioração do
,
produto da concepção, representado pelo passarinho ferido, esfolado e que não
sabe voar. Seus nove meses não deixam nenhuma dúvida quanto ao fato de sim-
bolizar a criança humana nascida com problemas. Face à deterioração do passari-
nho-criança atitudes reparadoras do grupo entram em ação ( Todos dizemos que
"

"
ela está no nono mês e que era preciso salvá-la ) No símbolo da criança-passari-
.

nho que mobiliza as tendências reparadoras uma angústia de destruição parece


,

despontar através da criança simbolizada como corvo. A aparição do corvo negro


implica portanto, o aparecimento de um significado sinistro, como se a criança
,

assim que nascesse fosse criticada por ser um Édipo recém-nascido pelo qual ,

segundo o oráculo, os pais se sentem ameaçados e que decidem matá-lo .


A
105
Por uma Psicanálise das Instituições

transformação do pássaro-corvo em pequeno bassê parece, pois, uma ocultação do


significado sinistro da criança. O fundo edipiano do sonho é, de resto, muito bem
representação do casal parental no chefe-pai cheio de autoridade,
"

expresso pela "

seguido por todos e que a todos serve de guia" e na "governanta antipática .

Entretanto, o aspecto mais importante do sonho é que o nascimento da criança


defeituosa (angústia genética) tem a sua origem num fenómeno coletivo de grupo.
Já ressaltei o aspecto reparação coletiva. Tais aspectos são paralelos à atitude
reparadora do casal parental ("propus ao meu marido que o recolhesse"). Essa
proposição me parece importante porque pode facilmente ser compreendida como
alternativa em relação a não recolher liquidar, portanto, ou, no mínimo, deixar a
" "

criança ferida morrer. No sonho, por conseguinte, temos os genitores sociais (o


bom chefe e a governanta antipática) e os genitores reais que decidem adotar a
criança comportando-se como os pais adotivos de Édipo. No sonho, paira, portan-
to, a sombra do infanticídio. Ao contrário, o que aparece no sonho como o ex-
ecutor da agressão traiçoeira contra os animais-crianças (passarinhos, pequenos
bassês e outros animais que nos são simpáticos) é o grupo estrangeiro, a tribo rival
composta por jovens cruéis comandados por um chefe sem escrúpulos". Por con-
"

seguinte, dessa maneira, a agressividade dos irmãos e dos pais para com o recém-
nascido (que inconscientemente é sentida como a causa da ferida do passarinho e
está ligada aos aspectos persecutórios e depressivos da angústia genética) é
"

atribuída à tribo má que ataca traiçoeiramente os animais simpáticos Vemos uma


"
.

ligação muito clara entre a angústia genética e aquilo que chamamos de elaboração
paranóide da luta contra o fenômeno-guerra. Isso aparece claramente no sonho
como se houvesse um saneamento de todas as relações no interior do grupo bom
onde reina solidariedade espírito de sacrifício, generosidade, operando num
,

processo sócio-dinâmico sob a ação do qual a deterioração do produto da


concepção c representada como provocada pelos jovens ferozes da tribo rival. A
guerra nessa tribo, como comportamento coletivo, aparece, então, absolutamente
ligada ao fato de viver a angústia genética rejeitada no modo depressivo e expressa
no modo paranóide . Além" disso, é interessante constatar que a família
fantasmática e as suas angústias encontram-se intimamente envolvidas , por um
lado , com a pertença ao grupo amigo, e de outro lado, com a clivagem que dá
origem ao grupo inimigo Uma tal sócio-dinâmica esquizo-paranóide não se limita,
.

entretanto numa clivagem entre os bons e os maus grupos mas também se manifes-
,

ta ni) grupo; ela é representada pela clivagem do grupo em dois sub-grupos: o


sub-grupo humano e o dos animais "longo cortejo de duas filas Pode-se formular
"
.

a hipótese de que os dois sub-grupos (considerando-se que o sub-grupo dos


animais é redutível no plano simbólico, ao grupo dos irmãos-filhos, dependente
,

sob todos os aspectos) têm por origem um processo de clivagem social num con-
texto sócio dinâmico no qual dominantes e dominados constituem um sistema
-

estável na medida em que a agressividade (que poderia levar os dominados à con-


testação) é deslocada para o exterior depois que a agressão intrafamiliar (de cada
membro da família em relação aos outros) foi projetada sobre o grupo antagonista,
0U seja sobre a tribo dos jovens cruéis que, naíverdade, representam o filho-per-
,
106 A Instituição e as Instituições

seguidor antagonista do filho-messias. Depois dessa projeção, a agressão poupará


os membros do bom grupo que se encontram numa área de identificação e de
amor recíprocos na medida em que os aspectos maus de cada membro do bom
grupo são atribuídos ao outro grupo. O que o sonho nos mostra, então, no nível da
fantasia dramatizada é um processo esquizo-paranóide que se forma em relação
com a angústia genética e que dá origem a um fenómeno coletivo de grupo que de ,

fato, é a guerra entre os dois grupos. O sonho, portanto, evidencia mais a sócio-
dinâmica da Instituição-guerra do que a sócio-dinâmica da constituição das classes .

Entretanto, no que diz respeito ao processo esquizo-paranóide centrado no con-


flito entre os grupos, deixa entrever que a constituição de classes (expressa sim-
bolicamente pela representação do grupo em dois sub-grupos que avançam em
duas filas) é um processo a meio caminho entre a instituição-guerra e a consti-
tuição das classes. O fenómeno guerra, particularmente, mascara o processo esqui-
zo-paranóide que preside à fundação das classes. No segundo sonho, a clivagem
em duas tribos, uma das quais é matriarcal e vitoriosa, retoma esse tema através
da guerra entre grupos que, por sua vez, contém implicitamente o problema da
atribuição dos papéis dominante-dominado. Se ele não nos mostra diretamente a
constituição das classes, o material clínico proposto parece-me, no entanto repre-
,

sentar, no fundo, a relação geral entre a angústia genética (ligada, por sua vez ao
,

universo das angústias persecutórias e depressivas da família fantasmática) e a


mobilização de movimentos coletivos de um grupo profundamente marcado por
uma sócio-dinâmica esquizo-paranóide.

A tese apresentada sobre a origem esquizo-paranóide da instituição da casta pode ,

penso eu, lançar uma luz insólita sobre a constituição das classes como instituições
sociais. As castas não são evidentemente as classes sociais que estamos habituados
a ver na civilização industrial. Dir-se-ia inclusive, que um dos aspectos mais sig-
,

nificativos da civilização industrial é ter provocado uma crise na constituição


esquizo-paranóide das classes. Como expressão do grupo racional as instituições
,

de trabalho que se exprimem na civilização industrial teriam como função histórica


preparar a prova da realidade que, historicamente, cria as condições prévias para a
tomada de consciência dos mecanismos esquizo-paranóides enquanto mecanismos
psicóticos, isto é, não racionais em relação ao grupo racional. As relações sociais
de produção teriam portanto, criado as condições prévias para o reconhecimento
,

dos mecanismos esquizo-paranóides da constituição das classes enquanto mecanis-


mos sócio-patológicos. t

7 Conclusões
.

A abordagem da psicanálise das instituições que propus não quer privilegiar ne-
nhuma função básica das instituições sociais em detrimento das outras disciplinas.
O relacionar as instituições com as angústias primárias que existem em todo
indivíduo revela-se importante para os problemas da mudança que se tornaram
Por uma Psicanálise das Instituições 107

urgentes em nossa época. A crise das instituições, que sob a pressão das mutações
das condições socioeconómicas históricas, torna-se sempre mais evidente e corre o
risco de provocar uma forte mobilização das angústias que, por sua vez, se oporão
às mudanças necessárias das estruturas sociais mesmo quando se supõe que essas
mudanças são racionalmente desejáveis. Deriva daí que o conhecimento das
ressonâncias inconscientes ligadas à história das instituições pode ser a contri-
buição da psicanálise para a compreensão daqueles aspectos dos prÿlemas sociais
que se revelam como sendo os mais inquietantes da nossa época.
Resumindo, a análise esboçada até aqui pode ser sintetizada da seguinte maneira:

1 .
As instituições sociais funcionam como defesas contra as angústias básicas
persecutórias e depressivas.

2 . Na medida em que elas desempenham funções defensivas e que implicam o


aspecto estruturado do social, as instituições sociais exercem as funções que, na
personalidade dos indivíduos, são as do Ego. As instituições sociais pertenceriam,
pois, ao Ego de grupo e teriam uma história pelo fato de estarem ligadas às
dimensões e aos aspectos sócio-temporais da experiência social.

3 Partindo da pesquisa nos pequenos grupos de Bion e, particularmente da


.
,

relação que Bion estabeleceu entre os supostos básicos e as instituições acreditei


,

poder revisar os supostos básicos, descritos por esse autor, do núcleo original do
social no estado embrionário. Como núcleo original os supostos de Bion já contêm
,

uma elaboração defensiva contra as angústias básicas Particularmente, a


.

idealização do objeto de dependência (pelo grupo dependente) a criação de uma


,

instância inimiga exterior ao grupo (grupo ataque-fuga) e a idealização do produto


da concepção (grupo acasalamento) constituiriam mecanismos de defesa elemen-
tares já no nível do comportamento coletivo .

4.
A possibilidade de considerar os supostos básicos de Bion como um contexto
fenomenológico no qual se exprimem os núcleos originários e dinâmicos do com-
portamento coletivo encontraria o seu contrapeso numa fenomeno-logia mais
profunda desse último como a de Smelser. O grupo dependente corresponderia à
tendência à satisfação entendida como um universo de poderes positivos e
protetores. O grupo luta-fuga corresponderia à tendência histérica (melhor definida
por Alberoni como tendência persecutória) e à crença hostil que implica que se
acredite na existência de um poder destruidor e na possibilidade de controlá-lo. O
grupo acasalamento enfim, cor-responderia à crença orientada para a mudança, o
,

nascimento e a espera messiânica. A crença orientada para a norma e as crenças


orientadas para os novos valores implicam, então, a eliminação (morte) de uma
norma ou de um valor e o nascimento de uma nova norma diferente, ou de um
,

novo valor O ponto de contato entre a idealização do filho e a nova norma se


.

encontra naquilo que descrevi como "tornar-se o Superego do pai".


108
A Instituição e as Instituições

5 Além dos supostos descritos por Bion, propus um outro suposto básico definido
.
,

como suposto básico conservação-mudança, porque a mudança na experiência dos


grupos está ligada à mobilização das angústias depressiva e persecutória e porque
se pode, a partir daí, compreender a institucionalização das instituições políticas
(burocracia, partidos).

6 .
A relação entre as angústias básicas e as instituições é constituída pela relação
entre o social no estado fluido e o social no estado estruturado.

7 .
A angústia genética constituiria a angústia específica do grupo acasalamento
que, por sua vez, seria a idealização do produto da concepção como segurança
contra a própria angústia genética.

8 A possibilidade de relacionar a classe social com o suposto básico do grupo


.

acasalamento (por sua vez diretamente ligado com a família enquanto instituição
social) permite encontrar um certo vínculo entre a constituição das classes e a
família. Isso constituiria a possibilidade de uma síntese entre Psicanálise e marxis-
mo no sentido de que a filiação à família e a filiação à classe (social) seriam a
,

fonte de condicionamentos paralelos que em última análise, coincidiriam. Na


,

medida em que a angústia genética está ligada à equivalência filho = pênis , e na


medida que essa equivalência estaria por sua vez, ligada às equivalências
,

pênis = filho = fezes = seio, convergindo para a angústia de castração, a angústia


genética teria cm si um máximo de motivações pelo fato de que totaliza as
angústias persecutórias e depressivas em todos os níveis de evolução .

9.
A constituição da casta (secundariamente da classe) realiza fundamentalmente
todos os mecanismos defensivos implicados na posição esquizo-paranóide
(clivagem, idealização, identificação projetiva, controle sádico, onipotente,
negação etc.). Os conflitos de classe, na medida em que remetem à constituição de
,

um universo social mais homogeneizado numa totalização implicariam fundamen-


talmente a passagem do objeto parcial ao objeto total e seriam então provocados
sobretudo pela posição depressiva Historicamente, observa-se uma oscilação entre
.

as duas posições.

10. A posição esquizo-paranóide e a elaboração paranóidc do conflito no nível


intra-sistemático definem por conseguinte, os aspectos desreais e regressivos da
,

constituição das castas (e das classes) Uma tal definição está, no entanto in-
.
,

tegrada nos aspectos realistas da hierarquização social. O encontro e o enfren-


tamento entre a hierarquização social e a constituição das castas (ou das classes)
sobre mecanismos esquizo-paranóides constituem o contexto da luta das classes
como contestação fundamental da elaboração paranóide do conflito na sua
modalidade intra-sistêmica visando uma sociedade na qual as instituições estariam
,

a serviço do homem em lugar da institucionalização de um controle sádico-


onipotente dos dominantes sobre os dominados.
109
Por unia Psicanálise das Instituições

11. Nesse ensaio, portanto, para além do fundamento económico (relativamente


racional já queé sustentado pelos interesses económicos), sustento a tese de um
fundamento irracional da divisão em classes, como elaboração paranóica do con-
flito intersistêmico.

12. Nesse ensaio, sustento, enfim, a tese de um fundamento metafuncional das


classes sociais. Roberto Guiducci, no seu ensaio De 1 imagination au projet
'

sociologique, refere-se, criticando-a, à posição dos funcionalistas-estruturalistas


parsonianos como Kinsley Davis e Wilbert E. Moore. Essa teoria, diz Guiducci,
sustenta que partindo da proposição de que não existe sociedade sem classe, nem
"

estratificação pode-se deduzir em termos funcionais a necessidade universal que


" "

determina uma estrutura de estratificação em cada sistema social de tal forma


"

que, prossegue Guiducci citando Davis e Moore, "a desigualdade social é um meio
inconsciente, para a sociedade, de estar certa de que as posições mais importantes
são ocupadas conscientemente pelas pessoas mais qualificadas". Contra essa
posição funcionalista na qual Guiducci mostra com elegância a validação
tautológica do sistema, sustento nesse ensaio, partindo da constatação de que todas
as sociedades são estratificadas, que uma tal estratificação se funda em processos
de clivagem que têm por origem a angiístia genética e que dependem da função de
nomear para os cargos mais importantes as pessoas mais qualificadas. A explo-
ração do inconsciente humano não permite encontrar nada de semelhante ao que
"

Davis e Moore qualificaram de "expediente inconsciente destinado a fazer ocupar


"
conscientemente posições importantes, com exceção da fantasia do filho de
"

ocupar o lugar do pai. Mas essa fantasia está presente em qualquer criança e isso
pode explicar melhor os conflitos sociais e os sentimentos de injustiça e de rebeldia
provocados pela auto-validação das classes dominantes do que a justificação dessa
auto-validação. E já que o desenvolvimento das capacidades é, no homem, função
dos recursos culturais ,
a função económica das classes sociais, entendida como
recurso cultural privilegiado vai mascarar a elaboração paranóide do conflito
,

intra-sistêmico sob capa de funcionalismo. Portanto se existe um funcionalismo na


,

sociedade estratificadaeste aparece depois da fundação económica da estrati-


,

ficação social Mas a fundação económica das classes sociais, por sua vez, mas-
.

cararia um processo de clivagem mais profundo e oculto, ou seja, sub estrutural, de


,

natureza psicótica pelo qual a espécie humana, em vez de se reco-nhecer em todos


,

os seus membros tende a clivar em homens e em não-hotnens, não apenas no nível


,

ÿintersistêmico mas também no nível intra-sistêmico.


,
V . A Infra-estrutura Imaginária das Instituições.
A Respeito da Infância Desajustada
Paul Fustier

1. A infra-estrutura imaginária das instituições

A instituição pode, na nossa opinião, ser considerada como uma estrutura de três
patamares cujo modelo descreveremos brevemente, para aplicá-lo em seguida ao
"
setor Infância desajustada".

A superestrutura é o patamar do funcionamento da instituição: pode ser delimi-


tada a partir das suas características formais da sua organização, dos gestos técni-
,

cos, do perfil e dos comportamentos profissionais dos seus membros. Ela é aquilo
que a instituição apresenta de si mesma quando se lhe descreve as modalidades.

No sentido oposto existe a infra-estrutura imaginária composta pelos organi-


,

zadores psíquicos (R Kaès,- 1976b e D. Anzieu, 1981). Um certo número de


.

produções inconscientes das quais convém lembrar que podem ser imagos ou fan-
tasias agem
,
"
por baixo na vida institucional. Elas abrandam as tarefas a serem
"

cumpridas determinando, aquém do racional do objetivo buscado, a maneira pela


,

qual essas funções se realizam; a infra-estrutura "organiza" o trabalho institucional


moHulando-o a partir de um jogo de afetos capaz tanto de favorecer esta ou aquela
forma de execução dos objetivos quanto de opor-se à sua execução.

Entre a infra-estrutura e a superestrutura, existe uma zona intermediária que cha-


maremos de "ideológico-teórica Ela contém as transcrições dos sistemas teóricos
"
.

e referentes ideológicos vindos de fora e que a instituição vai utilizar para fun-
cionar de acordo com um racional oriundo do sistema percepção-consciência. Em
suma essa zona intermediária o é no sentido de R. Kaês (1979, 1983), na medida
,

em que ela relaciona o interior institucional e os referentes, disponíveis no momen-


to no mercado social. Ela determina o "

em nome de que - em nome


"
de uma
112 A Instituição e as Instituições

X
ideologia militante como em nome de uma teoria espontânea ou erudita - a vida
institucional vai promover determinadas orientações e organizações e recusar outras.

Mas essa zona intermediária o é também porque repousa sobre a infra-estrutura


dos organizadores psíquicos. Ela não recolhe as informações vindas de fora de
maneira neutra; ela os aceita, os abranda em função das imagos ou das fantasias
"

predominantes num determinado período. A instituição enquanto grupo de traba-


lho" (Bion) ou "pólo técnico" (Anzieu) será construída a partir dessa zona inter-
mediária mista que reflete, simultaneamente, a pressão externa e as características
da infra-estrutura.
Superestrutura
da organização

\
\ Zona intermediária
Ideológico-teórica
Sistemas

sociais

ideológicos
e teóricos

Infra-estrutura
imaginária
dos organizadores

Propomos, portanto, uma leitura da instituição a partir de um sistema em três


níveis: uma superestrutura que permite observar um funcionamento do cotidiano, e
,

que se organiza em dois níveis diferentes. No nível da infra-estrutura, organizadores


psíquicos abrandam, dão cor e sentido à vida institucional. No nível intermediário,
uma zona ideológico-teórica" capta as correntes de pensamento, as teorias e as
"

" "

ideologias vindas de fora as transforma em argumentos e constitui as razões


,

pelas quais este ou aquele tipo de funcionamento foi escolhido. Mas a importância
desse nível ideológico-teórico para o nosso estudo provém do fato de que eleÿião
trabalha de maneira objetiva. "A montante", ele está infiltrado pelos organizadores
psíquicos que escolhem, recusam, modificam, e portanto organizam de maneira
original as informações externas. O que ele produz a jusante (um funcionamento " "

institucional) provém portanto, de uma combinação original entre um ao lado (o


,

que provém de um exterior social) e um a montante (o que prevalece como


" "

organizador psíquico).
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições... 113

2 .
Balizas para uma história imaginária da instituição-
infância desajustada

21
. .
A história das origens e a imago materna
"

Geralmente, faz-se remontar o nascimento da reeducação moderna à guerra de


"

1940/1945 e aos primeiros anos do pós- guerra. O clima era marcado pela
Ocupação: a ideologia de Vichy havia enfatizado a importância da Família como
valor social. A guerra deixava um grande número de jovens praticamente aban-
donados, em situação mais ou menos irregular. Alguns anos antes, depois das
"

pesquisas de Alexis Danan, surgia um movimento de indignação contra as prisões!L


de crianças.

Mostramos em outra parte (P. Fustier, 1972) que a reeducação de então constituiu-
se como uma ideologia da ordem, do clericato, privilegiando a não-separação da
vida privada e da vida profissional (presença 24 horas por dia), preconizando
" "
valores como a generosidade, o serviço a vocação (o que H. Joubrel, 1950b
" "

,
"
chama de apelo ao garoto ), a partilha, o viver com Esse clericato serve a
" " "
.

religião do familialismo. Os textos da época mostram que a reprodução de um


meio familiar, ou antes, a encarnação de um mito familiar de base exclusiva de
é considerada como a única "resposta" possível às neces-
"
amor e de calor afetivo "

sidades da criança.

Vemos pois constituir-se o que chamamos de zona intermediária ideológico-


teórica tendendo a organizar a "reeducação moderna" como um clericato que
,

recria um meio familiar de substituição e que assume as características de um mito


(F. Noel, 1985). Uma "teoria espontânea" do desajustamento é a justificativa disso:
essas crianças são desajustadas porque não tiveram amor e sobretudo amor ,

familiar Se lhes dermos uma família e pais que lhes sejam totalmente devotados
.

elas então se transformarão aceitando evoluir em troca do amor e do sacrifício da


,

própria vida privada que alguns adultos aceitam fazer.


*
A
A superestrutura da organização vai retomar essas características da zona
intermediária Para tanto será necessário inventar" um personagem novo, o
.
,
"

educador especializado encarregado de assumir essa função parental num am-


,

biente de vida totalmente determinado: "Apenas um sistema familiar permite que a


esposa se interesse pelo trabalho do marido educador e também que compreenda
que ele esteja completamente tomado porque apenas esse sistema permite uma
,

atividade comum no lar e porque, definitivamente, é o mais natural, aquele de que


.

os meninos que nos são confiados mais têm necessidade (P. Lelièvre, 1951). Ou"

ainda: "Estou convencido de que os meninos que continuamente procuram minha


mulher ou a mim não procuram tanto um serviço preciso quanto o sentimento de
114 A Instituição e as Instituições

estar em casa, de ter um pai e uma mãe... Nossa conversa conjugal, aliás, está cheia
de contínuos quiproquós, quando dizemos nossos (sublinhado pelo autor) filhos"
(G. Berland, 1953). "Não sei se o meu ponto de vista é muito científico mas parece-
me que se pode resolver um certo número de problemas de reeducação partindo
dessa idéia muito simples: essas crianças são os meus filhos" (G. Senet, 1952).

O internato de reeducação vai se constituir como uma organização de acolhida


para esse modelo ideológico. Nessa época, ele geralmente é formado por vários
pequenos grupos de umas doze crianças, (evocação da fratria), cada um colocado
sob a responsabilidade de um educador ou de um casal de educadores (evocação
do casal parental), dispondo de uma autonomia relativa e, no mais das vezes or- ,

ganizando-se de maneira independente. E nos momentos em que as crianças não


estão nem na escola, nem no ateliê (durante o tempo familiar) que o educador
"
assume a responsabilidade do grupo. O internato de reeducação exemplar" tal ,

como é inventado na época ou pelo menos tal como o descreveram posterior-


,

mente, interessa-se particularmente pelos jovens delinquentes que têm dificuldades


familiares ou problemas caracteriais. Trata-se de uma vasta organização que tende
a se constituir no espaço como uma estrutura totalitária à qual nada escapa e que
quer conter no seu ventre a totalidade dos elementos de que os jovens que aí se
encontram pudessem ter necessidade. No interior dos muros encontramos o grupo
educativo (grupo familiar) mas também a capela, a escola, o ateliê, os espaços
,

esportivos... tudo é colocado no interior dos muros como se a necessidade de um


,

alhures fosse negada.

O mesmo se dá no tempo. Rapidamente a instituição ideal originalmente um inter-


,

nato, aumenta completando-se pela adjunção de um lar de semiliberdade e depois


por um serviço de acompanhamento. Tildo ocorre como se fosse impossível ou
intolerável que o jovem fosse "entregue" ao exterior uma vez concluído o seu
,

tempo de permanência no internato. Era importante conservá-lo ainda no interior ,

fazendo-o voltar ao centro durante a noite de acordo com as normas do lar de


,

semiliberdade; depois numa terceira etapa, quando, então, já havia saído, era
,

necessário organizar para o jovem um serviço de acompanhamento que simbolica-


mente o mantivesse dentro dos muros .

A imago materna arcaica que trabalha na "invenção" do internato de reeducação


totalitária abrandando as
,
"
teorias espontâneas" da época, no nosso entender,
*
também vai permitir que se constitua o personagem-chave da instituição que é o
educador especializado. O "romance das origens" da reeducação o descreve como
devendo estar presente o tempo todo (24 horas por dia) praticando o dom total de
,

amor (vocação) respondendo a todas as necessidades da criança, tapando todos os


,

buracos, preenchendo todos os vazios numa responsabilização global da per-


,

sonalidade total.

Estamos longe das teorias mais recentes que insistem, ao contrário na necessidade
,

de uma relação estável, mas parcial e lacunar, de forma que seja deixado um
espaço para a elaboração simbólica e para a fa 11a (T. Hochmann et ai ,1983). Essa
115
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições.

imago arcaica funciona a partir daquilo que Winnicott qualificou de "devoção


materna ;
"
o educador deveria se comportar como uma mãe que sabe por
identificação quais são as necessidades do filho fazendo exatamente tudo o que é
necessário, no momento certo, ou seja, como uma mãe nas suas primeiras relações
com o bebê.

Não é de admirar. Winnicott (1956) mostra também que a criança carente busca o
objeto de amor do qual se sentiu desapossada e manifesta aos seus interlocutores a
esperança de o reencontrar. Com isso ela faz com que aqueles que lhe estão à volta
sintam a sua exigência e tende a colocar o adulto, a quem comove, numa posição
muito particular de mãe arcaica totalmente devotada. A criança busca a "ilusão de
que o mundo contém aquilo que ela imagina, a fim de poder colocar o que ela
evoca no exato lugar onde existe uma pessoa devotada na realidade exterior ou
compartilhada Apelo à devoção, retorno à ilusão, momento mágico de
"
.

recuperação absoluta e sem falha entre realidade e alucinação; "por pulsões in-
conscientes (a criança) obriga alguém a tomá-la pelamão (D. W. Winnicott, 1956)
"

à maneira da imago materna arcaica.

22. . A cientificidade e a defesa contra a sedução

Esse primeiro modelo institucional vai se revelar frágil. A onipotência desemboca


na impotência a total benevolência no ódio. Foi preciso um momento excepcional,
,

os tempos heróicos" do período de militância, para que o conjunto se mantivesse


"

sem entrar em crise.

Numa sociedade industrial e leiga o clericato do setor da Infância desajustada, a


,

sua concepção de uma ação reeducadora baseada no amor e no devotamento vão


se chocar com referências ideológicas diferentes que tendem a considerar que o
educador não é um clérigo mas um trabalhador como outro qualquer, e que a
,

ação reeducadora é uma questão de técnica e de competência e não - pelo menos


unicamente - de amor e generosidade .

Uma instituição de reeducação de um segundo tipo vai aparecer então com um


ceito descompasso histórico em relação à primeira Analisaremos as suas
.

características evocando aquelas do Centro de Observação que nos parece ser


exemplar dessa nova corrente e cuja originalidade apresentamos em outro texto (P.
Fustier 1983, pp. 109-139).
,

A zona intermediária ideológico-teórica, faz eco às concepções científicas do pós-


,

guerra, concepções muito objetivantes que, transplantadas para o interior do


Centro de Observação apresentam o trabalho institucional a partir de técnicas
,

muito minuciosas de observação que devem permitir uma classificado primorosa _


,

das crianças e com isso uma orientação pertinente.,


,
m
A Instituição e as lnstituições

A superestrutura da organização será definida como a implementação de um


laboratório do qual "educador-observador" será o técnico. Esse último deverá
"
se
comportar como a objetiva de um aparelho de fotografia ou de uma câmara" (m
Small, 1951); "no espírito científico do químico encarregado de analisar um
"

produto composto (G. Mazo, 1944); "trata-se do pesquisador que, pacientemente


durante longos dias, observa a evolução de um animal" (M. Vernet, 1955).

Essa definição "científica" revela, no nível da infra-estrutura imaginária , a


"
existência de um mecanismo intrusivo-persecutório: a criança não acha que está
"
sendo observada (M. Vernet, 1950), "o desenho livre: maravilhoso meio para obter
"
revelações (A. Chaurand, 1950); observação das menstruações das moças, "de
maneira a identificar as perturbações do comportamento ligadas a fatores ovaria -

"
nos (P. Le Moal et al., 1950); "dá-se ao guloso biscoitos para que divida com os

colegas, mas esses doces são em número ímpar: quem vai vencer a gulodice, a ,

equidade ou a generosidade (S. Rochebillard et al., 1945); "fotografar na escuridão


"

com flash ou com infravermelho (P. Gleye, 1972), "centro transparente onde tudo é
"

apenas jogo de espelhos (inquebráveis, sem aço...)".

Consideramos que esse mecanismo intrusivo-persecutório se constitui como uma


defesa contra a fantasia de sedução simbolicamente encenada a partir do per- ,

sonagem da criança perversa (no sentido pré-freudiano do termo) Em Krafft- .

Ebing em 1986, encontramos a seguinte definição: "garotinho delicado de rosto


,

pálido capaz de provocar uma excitação sexual nos homens perfeitamente heteros-
sexuais "
.
H. Joubrel (1950 b)' para qualificar o perverso falará de "anjo louro" , e no
mesmo ano P. Bize de "aspecto angélico" P. Dosda (1984), por outro lado mostrou .
,
" "

que a pulsão pedófila, que entra nesse mesmo movimento, deve ser considerada
"
como uma preocupação maior no mundo da reeducação (ver por exemplo,
"

sempre de H. Joubrel o texto intitulado A pederastia entre os educadores"


,
"

Rééducation nff 2, Dezembro, 1947, pp. 17-21).


,

A partir de então o diagnóstico de perverso aparece como um diagnóstico lixeira,


,

que se constitui como uma defesa contra a sedução. A criança perversa serão
atribuídos todos os defeitos: "fujão mentiroso, vicioso... carrasco familiar, mártir
,

dos animais
amigo da chantagem (R. Gautier, 1948); "sádicos precoces...
,
"

destruidores por prazer incendiários só para ver, caluniadores e facilmente assas-


,

sinos; desprovidos de qualquer remorso incapazes de qualquer emoção tejna, ,

cinicamente ingratos" (P. Bize 1950). ,

O Centro de Observação se constitui no imaginário da infra-estrutura insti- ,

tucional como a organização que se pode implementar para diagnosticar,


,

selecionar excluir os perversos, e assim se defender contra o fantasma da sedução.


,

Defesa pela realidade dos muros completando a defesa pela cientificidade do ,


" "

diagnóstico lixeira. O Centro de Observação permitirá identificar aqueles "que


1 Sabe-se que Henri Joubrel (1950) escreveu na mesma época um texto particularmente violento
sobre Jean Genet e a "perversão": "Jean Genet et qui s,en vante" cuja análise pode ser encontrada
em G. Soria (1983).
117
A Infra-Estnitiira Imaginária das Instituições.

devem ser marcados a ferro quente (H. e E Joubrel, 1950 b). Evitará assim os
"

"
contatos perniciosos", e "a mistura estarrecedora de crianças de todos os tipos...
juntas com perversos constitucionais (G. Mazo, 1944).
"

Lembremos todavia que essa segunda figura institucional da reeducação não faz
desaparecer o primeiro modelo que descrevemos. As duas instituições continuam
justapostas, recompensa de lutas a que se entregam os partidários de ambas. Com
efeito, mesmo entre aqueles que falam do Centro de Observação encontraremos
"

uma reivindicação do famílias e da "ligação afetiva" que se refere à instituição do


primeiro tipo que analisamos acima.
"

23 . . A corrente pós-68

"

As concepções ideológicas de maio de 68 por sua vez, penetraram na


"
,

reeducação. No nível da zona intermediária ideológico-teórica, reteremos o tema


da "liberação do desejo" que de uma certa forma exprime uma resposta à acusação
feita contra o trabalho social de ser este uma polícia branda. O segundo tema que
se torna preponderante é o de um modo de vida diferente daquele que é proposto
pela sociedade de consumo.
Como exemplos de organizações características dessa corrente ideológica
citaremos os "centros de vida que, no campo, recebem crianças que, no mais das
"

vezes, são psicóticas ou autistas. São instituições dirigidas por adultos que escol -

heram um modo de vida diferente, dedicando-se ao artesanato, à criação de


animais ou à agricultura, na presença próxima ou em "relação de contiguidade"
" "

com crianças que participam das tarefas da vida cotidiana, da fazenda ou da


empresa artesanal.
Para permitir a compreensão do que pode ser a infra-estrutura imaginária dessas
instituições ressaltaremos várias características definíveis por meio das
,

experiências mais "puras Primeiro, a dimensão utópica: trata-se de um retorno


"
.

rousseauniano" a uma vida boa porque natural longe de uma sociedade con-
" " "

siderada ruim retorno realizado por homens decididos a viver a própria paixão.
,

Depois a prática da desprofissionalização do trabalho social: nesse campo não há


,

tecnicidade que fundamente uma prática junto a crianças; são as atividades ar-
tes.inais ou agrícolas e portanto, as competências nesses campos que são reco-
,

nhecidas Enfim, e sobretudo, o ideal é autárquico, e a comunidade gostaria de


.

sobreviver por si mesma responder às suas próprias necessidades, dispensar as


,

contribuições vindas de fora .

De um certo ponto de vista reencontramos aqui uma recusa da dependência


,
da

superioridade técnica ou hierárquica mas também uma tendência para a ,

autogeração através da auto-suficiência, que evocaria uma defesa contra a fantasia


,

da cena primitiva Voltaremos a esse ponto, de maneira mais demonstrativa.


.

Estabeleçamos apenas a hipótese de uma recusa das diferenças exprimindo uma


118
A Instituição e as Instituições

problemática da geração, e passando por uma busca utópica que faz lembrar a
ilusão grupai.

3 .
0 composto fantasmátíco, cena primária deslocada, sedução

A nossa tentativa para determinar, a partir da história da reeducação as infra- ,

estruturas imaginárias do setor Infância desajustada nos permitiu lançar a hipótese


,

da predominância de três organizadores psíquicos: a imago materna arcaica a


fantasia originária de sedução e a da cena primária. Não é de espantar Por um .

lado, as relações adultos-crianças estão ao mesmo tempo no centro e na origem da


instituição; por outro lado aquilo que o jargão profissional chama de "ligação
,
"
afetiva e que evoca a sedução, é considerado pelos interessados seja como o
,

motor principal, seja como o perigo maior da ação reeducadora .

Nossas intervenções nas instituições "modernas" nos mostraram que aí se manifes-


ta, de maneira muito ativa a fantasia originária da cena primária mas, na maioria
,

dos casos, de acordo com uma modalidade original. Chamamo-la fantasia da cena
primária deslocada, no sentido em que se fala de um deslocamento de centro de
gravidade. No nível do cenário, com efeito, a ênfase não é colocada sobre o ter-
ceiro excluído e as suas tentativas de penetração na câmara fechada mas na "ver- ,
"
gonha dos personagens parentais que traduz a sua culpa em "assumir" essa
,

posição descrita como indigna ou como suja.

A instituição do privilégio diferenciador (ver P Fustier, 1983, pp. 98-106)


.

Trata-se de uma intervenção institucional envolvendo um lar de moças onde


alguns educadores procuram resolver o que consideram como uma
contradição. De um lado é necessário que haja diferenciadores institucionais
,

graças aos quais a diferença entre os adultos e os jovens possam ser mar-
cadas; por outro lado não se deve manter os privilégios indignos" ou "absur-
,
"

dos" pelos quais os educadores imporiam às adolescentes um poder abusivo .

Extraímos do protocolo um analisador significativo relativo ao telefone .

Trata-se de uma característica aparentemente muito corriqueira da vida ins-


titucional: os educadores têm o direito de usar o aparelho mesmo para as- ,

suntos pessoais e, naturalmente sem ser vigiados por detrás de uma porta
,

fechada. Em contrapartida as jovens não podem usar o telefone, sem antes


,

apresentar o motivo Na realidade, as conversas "sentimentais" é que são


.

proibidas: as conversas sobre trabalho ou problemas familiares não trazem


problemas. Na verdade, é no espaço de uma sala que tudo acontece. Trata-se
de saber se uma porta a da cabine, estará aberta ou fechada (diz-se que a
,

porta da sala onde se encontra o telefone deve permanecer aberta quando


119
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições ÿ

uma adolescente obtém autorização para telefonar). O problema são aquelas


"
coisas
"
que se fazem no telefone, por detrás de uma porta fechada. São
permitidas aos educadores, e proibidas às jovens. E no imaginário de uma
cena primitiva deslocada, a equipe educadora, num dado momento, não
aceitará que possa haver adolescentes assim constituídas em terceiro
excluído; preferindo a abolição do privilégio, ela renuncia ao diferenciador.
O conjunto da discussão mostrará claramente que a questão do telefone
remete a um problema mais geral e que se encontra no centro das
preocupações: a sexualidade é específica dos adultos em situação parental ou
é a mesma para todos, de maneira indiferenciada?

O que nos parece característico desse momento institucional é que o elemen-


to essencial não é o
"
barulho" ou os protestos das moças que foram
constituídas em terceiro excluído e que reclamam prerrogativas adultas, mas
antes a extrema sensibilidade dos educadores a ataques com os quais se iden-
tificam, colocando-se em posição de parentalidade vergonhosa ou de
renúncia.

Outro exemplo, esse relativo à formação dos educadores, durante o período


pós sessenta e oito Sob o nome de "mudança das linguagens", procuramos
" "
.

compreender (P. Fustier, 1976, p. 25-40) como uma equipe de formadores de


uma escola
"
moderna
"
de educadores se encontrava em situação de paren-
talidade culpada, a respeito de um projeto pedagógico. Na câmara fechada
da sala de reunião, os responsáveis por uma turma elaboram um projeto de
formação. Num segundo tempo, esse projeto é apresentado aos alunos que
dizem tratar-se de um abuso de poder, já que, excluídos do trabalho
preparatório, estiveram ausentes da elaboração. Num terceiro momento, o da
colocação em prática, constata-se que o projeto é desinvestido pelos for-
madores evacuado sub-repticiamente, como se tivesse acontecido algo de
,

inconfessável ou de imundo que deve ser calado. Se se pergunta aos for-


"

madores a respeito dessa indiferença repentina, eles respondem: não vemos


com que direito imporíamos o nosso desejo ou ainda, estamos lidando com
" "

,
"

adultos, o formador não tem o direito de impor a sua autoridade .

Em outras reuniões da equipe pedagógica, constata-se que a elaboração é


bloqueada por uma série de reflexões ("pergunto-me por que os estudantes
não estão aqui e se isso é normal ), que denunciam a mesma preocupação; a
"

equipe formadora envergonhada por deixar do lado de fora um terceiro


" "

excluído constitui-se como parentalidade culpada.


,

Agora é possível mostrarmos como trabalham os três organizadores identificados


nas instituições da Infância Desajustada .
120 A Instituição e as Instituições

1 Nas instituições de funcionamento tradicional, a imago materna arcaica parece


.

organizar, em grande parte, a vida e as características do estabelecimento.

2 Nas instituições "modernas", que buscam a inovação, marcadas por correntes


.

anti-autoritárias ou por ideologias mais recentes, encontramos como organizador


principal a fantasia da cena primária deslocada.

3 Nessas mesmas instituições, essa fantasia articula-se com a fantasia originária de


.

sedução que é preciso considerar como o segundo principal organizador da


instituição "moderna". Não podendo insistir mais, ressaltemos que na instituição do
privilégio diferenciador citada anteriormente, um dos temas mais frequentemente
evocados será o da sedução que os educandos exercem (ou não exercem) sobre os
" " " "
educadores ( elas vão dormir fora vão preferir os seus homens a nós vamos
"
, ,
" "

acabar sozi-nhos num lar que já não será atraente para elas será necessário nos ,
" " "
prostituirmos o vínculo afetivo é duradouro ) No exemplo que demos sobre a
, .

formação dos educadores, observar-se-á essa mesma combinação. D. Anzieu (1981 ,

p 77) propõe, relativamente à interpretação psicanalítica nos grupos, uma análise


.

em termos de fantasia de sedução e de defesa contra ela, que esclarece a situação


que descrevemos: a culpa dos formadores pode remeter ao processo pelo qual
teriam tentado seduzir os alunos-crianças exibindo um projeto pedagógico bri-
lhante.

4 O núcleo fantasmático, cena primária deslocada-sedução que descrevemos pode


.
,
" "
conduzir ao que chamamos de funcionamento entre tenazes (P. Fustier, 1976). Ou
o educador é bom (isso significa que ele não está na ordem parental), e então ele é
impotente; ou o educador aceita uma posição de poder e de autoridade (ele se
aceita numa referência parental) mas aí ele se sente insuportavelmente ruim, já
,

que é sedutor da criança (o que dará origem a cenários em que estará presente a
idéia de "forçar" evocando frequentemente uma situação de estupro).

4 . Os desorganizadores institucionais e seus tratamentos

41 . .
O quadro e as proibições edipianas

Defenderemos a seguinte proposição: os organizadores psíquicos não cumprem a


"
sua função de infra-estrutura para as trocas institucionais e tornam-se desor-
ganizadores institucionais" quando se produzem rupturas em determinados cons-
tituintes do quadro que remetem a uma problemática edipiana2.
2 R. Kaês propõe por sua vez, que se considere
, o complexo de Édipo como um metaorganizador, ou
seja, como um organizador de organizadores.
121
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições.,

Precisemos que definamos a troca institucional como constituída de relações que


se inscrevem num grupo de trabalho no sentido sugerido por Bion (práticas
" "

profissionais, modo de agir do cotidiano), mas trabalhadas por organizadores


psíquicos que lhes dão forma. O quadro institucional deve ser entendido como
uma invariante (J. Bleger, 1967), um conjunto de constantes que definem as
características institucionais (espaço e tempo, estrutura do estabelecimento, regras
de trabalho) no interior das quais se desenvolvem as trocas.

Diferentemente de Bleger que se interessa pelo quadro da cura analítica, con-


sideramos que determinados elementos do quadro, quando é institucional, são por-
tadores de uma problemática edipiana à qual aparecem referidos. Assim como D.
Anzieu (1981), pensamos que existe uma versão institucional das interdições
edipianas. Trata-se essencialmente da violência, na medida em que esta é
transposição social da interdição de matar o pai ou o seu substituto. Trata-se
" "

também da diferença paciente-médico ou educando-cducador que é a retomada


institucional da interdição do incesto; passa pela interdição das relações amorosas
e lembra a diferença das gerações.

Consideramos que essas interdições estão presentes no real no interior de cada


instituição através de significantes particulares que são depositados no quadro ,
.

Nesta ou naquela instituição, uma pequena diferença, perenizada pelo costume,


entre o cardápio servido na hora do almoço aos educandos e o dos educadores,
poderá ser um significante edipiano. Em outra instituição, pode ser uma sala reser-
vada à equipe de tratamento na qual os pacientes não terão o direito de entrar.

O quadro é "mudo", no entender de Bleger, quando sua existência é óbvia, quando


as práticas do cotidiano se realizam sem levá-lo em consideração, sem que isso seja
contestado ou criticado.

O quadro é atacado no seu componente edipiano quando determinadas regras ou


costumes da vida institucional são questionadas e quando a discussão que surge a
esse respeito revela que esses elementos são referidos ao complexo de Édipo , que
constituem uma representação significante3 dele. Os problemas da igualdade, da
diferença do poder, da "liberação do desejo..." serão então abordados em relação à
,

contestação de determinados constituintes do quadro Trocas e um trabalho .

psíquico dos membros da instituição efetuar-se-ão a esse respeito, trabalhados e


sustentados pelos organizadores psíquicos (cena primária ou sedução) .

O mesmo não ocorre no terceiro caso quando a título de acting institucional


,
" "
os
elementos do quadro de simbolização edipiana são destruídos no real , por uma
ação brutal ou uma modificação autoritária O agir é então supressão da diferença
.

ou recurso à violência Observa-se uma sideração e o desaparecimento das trocas.


.

3 Contaram nos, recentemente,


-

que num lar de adultos deficientes, apenas os educadores tinham o


direito de tomar vinho e café durante as refeições e que os pensionistas reivindicaram igualdade de
direitos por uma espécie de petição que sem humor aparente, vinha assinada pelos operários-
,

crianças" .
122
A Instituição e as Instituições

Todo trabalho psicológico é interrompido porque a destruição real substituiu bru-


talmente a expressão imaginária e a dinâmica própria do conflito.

Pode-se constatar que nos distanciamos do pensamento de Bleger no que diz


respeito ao quadro; ele precisa que ,
de alguma forma, existem dois quadros: "o qUe
é proposto e mantido pelo analista e conscientemente aceito pelo paciente e o do
"
"
mundo fantasma , sobre o qual o paciente projeta" (p. 262). No que diz respeito
ao quadro, que é encontrado ou apresentado pelo analista Bleger não lhe empres-
,

ta referente edipiano, ao passo que para nós essa dimensão é fundamental Com .

efeito, quando passamos do quadro psicanalítico para o quadro institucional ob- ,


"
servamos que a desorganização" dos organizadores se produz a partir da ruptura
dos significantes edipianos instalados no quadro institucional É através desse .

intermediário (imposto?) que são mobilizados os elementos primitivos de que fala


o nosso autor, os quais se manifestam então, diretamente" na vida do es-
,
"

tabelecimento.

42 . .
Os elementos beta de origem institucional e o processo da
""
irrupção bordélica"

Podemos agora completar a nossa proposição Pode acontecer que em .

consequência de ataques bem-sucedidos elementos do quadro que eram por-


,

tadores da simbólica edipiana sejam rompidos Então, os organizadores ins-


.

titucionais não são mais contidos; seus componentes irrompem "abertamente" na


vida institucional: essa então se desorganiza ao invés de se curvar .

De maneira mais precisa diremos que essa ruptura já não permite aos elementos
,

constitutivos das fantasias originárias de cena primária e de sedução fazer gestalt e


tomar sentido. Os organizadores tornam-se desorganizadores institucionais por- ,

que eles próprios são desorganizados, destruídos, reduzidos aos seus componentes
brutos que cessaram de ter sentido no interior dos processos de cena primária de
sedução.

O que surge então mas que não está nem contido (num quadro), nem é metabo-
,

lizado (no processo inconsciente de uma fantasia originária) , são os elementos Beta
de que fala Bion elementos incompreensíveis, constituídos de violência e de
,

esquisitice. Quando isso não destrói a instituição "intoxicada" mas apenas a desor- ,

ganiza, ela procura dar um nome a essa invasão construindo o que chamamos de
processo de "irrupção bordélica". O esquema é sempre o mesmo: a instituição vai
ser destruída porque ela se vê invadida por elementos que são violentos loucos,
"
,

bestialmente sexuais" .
Ilustraremos esse conjunto de proposições retomando os
exemplos citados anteriormente .
123
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições.

4 instituição do privilégio diferenciador.

A combinação cena primária-fantasia da sedução, nesse lar de moças,


deixará de "organizar" a instituição num momento preciso da sua história.
Incidentes violentos exigem uma intervenção externa; os educadores já não se
sentem em segurança. O problema da sexualidade que, conforme vimos
acima, marcava a diferença educando-educador, já não é nem discutido, nem
"

analisado. As moças conquistaram os privilégios dos adultos sendo que


"
,

esses não se incomodaram" renunciando à diferença para manter a pos-


"

sibilidade de relações privilegiadas com as adolescentes. Trocas em termos


" "

de agir-não-agir substituíram as trocas verbais que pretendiam dar um sen-


tido à problemática do semelhante-diferente.

O acting que identificamos como o provável desencadeador dessa situação foi


realizado por um educador que na equipe (de maioria feminina) tinha um
peso particular. Esse educador assume a responsabilidade de mostrar às
moças o que escreve no caderno de informações (caderno no qual, no fim
" "

do dia, cada educador escreve suas impressões, e assim, transmite aos


colegas seus sentimentos, sua percepção e suas reações espontâneas em
relação a esta ou àquela jovem). Com isso, ele abole a diferença educando-
educador, trai" a solidariedade de equipe, partilha com as adolescentes
"

aquilo que, institucionalmente, constitui algo que apenas os pais têm direito
de ficar sabendo. A renúncia ao privilégio do telefone ocorrerá logo depois
desse incidente.

Apagadas assim as diferenças, exprime-se fortemente a idéia de que a equipe


educadora está colocada em situação de rivalidade amorosa. Tudo se torna
uma questão de sedução, de concorrência amorosa entre os educadores e os
jovens da cidade para "ganhar" as moças. "Se elas tiverem relações sexuais,
"

nós teremos tido relações sexuais .

Posto que a transposição institucional das interdições edipianas foi


desconstruída nas suas características de realidade, a instituição se vê m-
. vadida pelos elementos beta que então já não são nem transformados, nem
reorganizados ,
nem tornados portadores de sentido pelas expressões ins-
titucionais das fantasias originárias. Essa nova situação será verbalizada
através do cenário da irrupção bordélica". Diz-se que o pensionato se trans-
"

forma num verdadeiro "bordel" onde tudo é permitido, onde já não existe
controle. Num dado momento, haverá um intercâmbio geral sobre o tema do
domínio de si (domínio da sexualidade, dominar-se), como que para exor-
cizar a evocação de uma situação de monstruosa anarquia. A respeito do
telefone: "a coisa vai ficar complicada se todas as meninas começarem a
telefonar"; "a central telefónica vai ficar congestionada
"
; vamos receber uma
"
124 A Instituição e as Instituições

"
conta muito alta... ; as meninas ficam penduradas no telefone com seus
"

"
namorados Sexualidade
.
liberada, violência em estado bruto ("devemos chamar
"

a polícia? ), situação louca: "já não se compreende mais nada; parece que es -

tamos vivendo num filme de terror, que demos liberdade a monstros..."

43 . .
O sistema de reciclagem em segundo grau

Observar-se-á, no que diz respeito à instituição do privilégio diferenciador , que a


situação descrita desembocará finalmente numa evolução institucional e numa
dinâmica de mudança. A razão dessa mobilidade reencontrada deve ser procurada ,

pelo menos parcialmente, na implementação de um seminário de análise ins-


titucional que funciona como uma aparelhagem de contenção em segundo grau
que, retomando o termo reciclagem proposto por R. Roussillon, chamaremos de
sistema de reciclagem. Esse sistema permite que os ataque e as manifestações da
"
irrupção bordélica", por outras palavras, os elementos beta institucionais se ,

desenvolvam no interior de uma nova organização contentora que permita a sua


metabolização.

Uma aparelhagem do segundo grau desse tipo (de que temos experiência a partir
dessa sua forma particular que é o seminário de análise institucional) poderia até
mesmo ser a garantia da mobilidade institucional. Enquanto invariante permite ,

que elementos do quadro, contingentes e particulares, possam ser destruídos sem


que tal ocorra com a simbólica edipiana da qual são o significante. Com efeito, o
sistema de reciclagem tem por função manter a persistência de uma referência
edipiana, mas por meio de outras manifestações possíveis de outras expressões ,

inventadas pela instituição Assim, ele possibilita o direito às mutações e às


.

transformações.

4 4 O "contêiner radioativo"
. .

Em outras instituições encontramos um caso totalmente diverso , que


denominamos "espaço contêiner de elementos radioativos" ou mais brevemente ,
" 4
contêiner radioativo"

A instituição instaura então, uma instância, mantida cuidadosamente isolada,*que


,

possa receber e conter os elementos oriundos da desorganização, não para


transformá-los mas apenas para evitar que se difundam em outra parte .
Esses
elementos brutos feitos de loucura de violência e de sexualidade, e que per-
,

manecem incompreensíveis fazem pensar em partículas radioativas capazes de


,

contaminar a instituição e que portanto, deveriam ser mantidas num recipiente


,

4 Preferimos essa expressão aos outros termos discutidos por R Roussillon neste livro, para frisar
.

que, para nós, uma função essencial desse "lugar" é proteger o conjunto institucional de uma
contaminação ativa por elementos beta mal isolados; ainda que possa fracassar na sua realização ,

esse é o objetivo que lhe é atribuído pelo menos.


,
125
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições..

asséptico, suficientemente fechado para que esses elementos percam o caráter de


periculosidade. Tal pode ser a função de determinadas reuniões institucionais. Tal
pode ser também a função de determinadas instituições para o conjunto mais vasto
de que fazem parte.

Estudando dois centros de formação de educadores especializados em cursos


para professores-estagiários surgidos da corrente de sessenta e oito, in-
dicamos em outra parte que a combinação das fantasias de cena primária e
de sedução encontrava-se nas relações que existem entre profissionais, for-
madores e alunos. De um lado, há o terceiro excluído, ou seja, os profis-
"

sionais que foram mandados embora, expulsos do centro de formação,


excluídos dele (não sabemos o que está acontecendo; já não temos um lugar
aqui) que sentem não mais ter o direito de entrar no centro e que se inter-
rogam, gostariam de poder olhar, imaginam, interpretam. Por outro lado, há
a câmara proibida, ou seja, a escola, com essa curiosa relação dita de
cumplicidade (de sedução) que se sente estabelecer entre os formadores e os
educadores em formação (P. Fustier, 1976, p. 75).
"

Mostramos que, em alguns casos, a contestação ideológica, tomada ao pé da


letra, havia sido, pura e simplesmente, objeto de um decalque no real, sem
elaboração de espécie alguma. Dessa forma, comportamentos anti-
autoritários geradores de violência e uma negação da diferença entre adultos ,
e crianças ou entre formadores e formandos foram brutalmente implantados.
No que diz respeito à relação existente entre o meio reeducador e o centro
de formação, vimos operar um analisador idêntico ao "caderno de
informações" que mencionamos ao falar da instituição do privilégio diferen-
ciador. A equipe de formadores trai" o meio profissional (o outro genitor)
"

dando a entender aos alunos que os estabelecimentos de reeducação "não


" "

conseguem resolver o problema que estão atrasados e não são um bom


"

, ,

suporte de formação. Os formadores tendem a criar com os alunos uma


relação de sedução negando a diferença de geração e provocando a exclusão
do meio reeducador.

Aparecem então no meio da Infância Desajustada e sob a forma de


,

*
"irrupção bordélica os elementos beta institucionais de que falávamos acima
,

e que provêm da destruição das características de significado edipiano do


quadro institucional. Mas, através da designação agressiva do centro de
formação tratar-se-á, então, de isolar essas partículas intoleráveis no interior
,

de um "contêiner radioativo" de "estabelecer claramente um corte, de ser o


,

julgamento que transforma a escola numa instituição específica excluída, en-


castelada na sua reputação tão diferente das outras instituições que em nada
,

poderia exercer sobre elas uma influência. Colocada fora da lei, ela já não
seria contagiosa" (P Fustier, 1976, p. 82). Como diz Foucault (1961) a
.

respeito dos hospícios do século XVIII: "Nos colocamos a sonhar com um


126
A Instituição e as Instituições

hospício... onde a loucura estaria inteiramente contida e onde seria oferecida


como espetáculo... onde teria todos os poderes do exemplo e nenhum dos
riscos de contágio. Em suma um hospício restituído à sua verdade de gaiola"
,

Dessa forma, são projetadas no interior do Centro de Formação , que serve


de continente, as partículas perigosas e intoleráveis (dos conteúdos); o con-
junto forma uma amálgama de sexualidade, de violência e de loucura
Durante uma sessão de análise institucional um profissional falando dos
,

comentários que correm nos meios da reeducação relativos ao Centro de


Formação vai compará-los aos rumores incontrolados que circulam na
cidade, segundo os quais seria imprudente que as mulheres entrassem em
determinada loja que supostamente se dedica ao tráfico de escravas brancas .

Da escola dir-se-á que é um mau lugar uma escola-bordel". A violência


,
"

também será evocada: "o que se pode pensar numa turma onde alguém está
bêbado como um gambá e pretende fazer a lei" mais ainda: que chega a ,
"

bater na cara de um efetivo". Vamos pensar em loucura: "o formando vive


coisas tão delirantes que o acabam desequilibrando"; "a coisa fica pirada"; "já
não se sabe do que é que se está falando" .

Se nos lembrarmos que esses documentos dizem respeito ao período pós


sessenta e oito,
não há de espantar que um dos dois termos utilizados para
descrever o Centro de Formação seja esquerdismo totalitário e o outro ,

perversão.

Esses mesmos qualificativos são empregados na mesma época, mas dessa vez
,

no interior do Centro de Formação para qualificar o suplente universitário"


,
"

"
que fala esquisito" que deve ser um grande sedutor que vive como um
,
"

boa-vida" que desnorteia aqueles com quem fala" os perverte ou os


,
"

,
" "
,

doutrina para um projeto revolucionário: "o seu projeto de pôr fogo no bar-
" " "
raco , ele quer quebrar o que existe (ver a esse respeito P. Fustier, 1976, pp.
41-53). Poderíamos fazer a mesma análise quanto à posição do suplente; ele
seria o "contêiner radioativo "

daquilo que é depositado na escola e que é


rejeitado pelos formadores-efetivos ...

Há algumas páginas analisamos as funções imaginárias do Centro de Observação e


,

do diagnóstico de perverso constitucional num período mais antigo da história da


reeducação. Dizíamos que o Centro de Observação podia ser considerado como
um lugar geográfico específico onde seriam depositadas as crianças perigosas (con-
tagiosas), ou seja as que fossem portadoras de elementos incontroláveis pela
,

razão pelo amor ou pela pedagogia. Crianças consideradas ineducáveis, que


,

atacam os adultos na sua segurança de adulto e na sua sexualidade são reunidas ,

num pseudodiagnóstico de perverso constitucional pseudodiagnóstico porque ,

defensivo unicamente remetendo a um julgamento sem apelação nem elaboração,


,

violência contra violência julgamento que qualificamos como "assassino". O Centro


,
127
A Infra-Estrutara Imaginária das Instituições ...
"

de Observação é o lugar de reclusão para essas crianças


"
más , que devem ser
de
identificadas e selecionadas porque trazem o risco, também, senão as isolar, ÿ

contagiar as outras crianças, ou mesmo destruir a ordem que orienta as relações


entre adultos e crianças.

Podemos agora completar o que dizíamos ressaltando um paralelismo possível. O


Centro de Observação dos anos 1955 exerce talvez uma função análoga à da escola
de educadores pós sessenta e oito: é implementado como um espaço contêiner de
"

elementos radioativos" isolando os perversos constitucionais no interior de uma


instituição "científica e asséptica, a fim de que não provoquem um contágio. Para-
"

lelo possível também entre o suplente esquerdista e o perverso constitucional,


" "

como se fosse preciso, por uma espécie de repetição do mecanismo, que as partí-
culas beta do conjunto institucional desorganizado pudessem, além do mais, ser
encerradas no interior de designações que são atribuídas a categorias de pessoas.

Parece-nos que aqui colocamos em evidência a função imaginária exercida, para o


conjunto do qual faz parte, por aquele que R. Lourau (1970) designa como des-
viante, quer se trate do desviante libidinal que perverte a juventude com algo de
imundo, quer do desviante ideológico que perturba o grupo com seus escritos e
com os seus discursos revolucionários. A descrição e a designação que deles são
feitas remetem para a idéia de que são "contêineres" de elementos ruins que são
devolvidos para as suas próprias casas para que não sejam encontrados em outro
lugar qualquer.

5 . As aparelhagens institucionais do segundo e do


primeiro graus

51 . .
Aparelhagens do segundo grau

Denominamos "elementos beta institucionais" (ou mais exatamente elementos beta


de origem institucional) os elementos beta liberados quando as transcrições cos-
tumeiras regulamentares ou organizacionais das proibições edipianas foram
,

destruídas pelos ataques no real (ataques sobre a parede externa do quadro), as-
sumindo a forma de "actings" Jamais se apresentam em estado puro, uma vez que
.

são infiltrados pelos elementos beta relacionais (aqueles que provêm da violência
ou da loucura das trocas entre educadores e educandos) .

Diremos que as aparelhagens institucionais do segundo grau dizem respeito a esses


"

elementos beta institucionais" .

Encontramos dois deles que agora podemos definir com maior precisão.
128 A Instituição e as Instituições

O contêiner radioativo (ou mais precisamente o espaço contêiner de elementos


radioativos): poderia ser descrito como uma expressão institucional do mecanismo
de identificação projetiva tal como entendido por M. Klein. Trata-se da evacuação ,

no interior de um objeto, de pedaços considerados como indesejáveis e que se


gostaria de dominar trancando-os em algum lugar sob controle. Essa definição está
ligada também aos trabalhos de E. Jaques que, na mesma linha teórica mostrava ,

em 1955, que existem nas instituições papéis sociais, lugares e momentos que ser-
vem de depósitos para os objetos internos perseguidores e para as más pulsões de
determinados membros da instituição.

Todavia, se utilizamos a expressão "contêiner radioativo", é para sublinhar uma


dimensão particular do mecanismo de que o texto de Jaques fala muito pouco. No
" "
nosso entender, é preciso insistir sobre o caráter reforçado ou "lacrado" das
" "

paredes dos elementos da organização que no dizer de Jaques servem de defesa


"
contra a ansiedade paranóide Trata-se não apenas de recolher, mas sobretudo
"
.

talvez, de isolar, a fim de tornar impossível qualquer contaminação em relação ao


" "
resto da instituição. A metáfora do contêiner caracterizada pela imper-
meabilidade das paredes, evidencia esse objetivo de isolamento.

A implementação desse espaço efetua-se todas as vezes que a instituição já não


pode nem conter nem tolerar; quer se desvencilhar das manifestações de uma crise
incompatíveis com a vida institucional enviando-as para um lugar de controle à
,

volta do qual se criou um vácuo ao qual é atribuído um único objetivo: o de


preservação. Veremos alguns exemplos na implantação de determinados grupos de
discussão cuja definição oficial é a de "regularizar um problema difícil", ao passo
que, na realidade, são criados para que o campo institucional seja preservado dos
constituintes de um problema em crise. Dizemos então que os elementos beta ins-
titucionais são trancados num lugar de reunião de onde não deveriam escapar.

O sistema de reciclagem: ali onde o "contêiner" fracassa na sua tarefa de isolamento


dos elementos "esquisitos" o sistema de reciclagem de segundo grau tenta contê-
,

los e convertê-los para que produzam mobilidade institucional Isso supõe que os
.

elementos da crise sejam tolerados pela instituição que os aceita e tenta utilizá-los .

A instituição do "privilégio diferenciador" forneceu nas páginas precedentes, um


,

exemplo disso; o trabalho de análise institucional parece ser uma das suas formas
mais habituais.
»

Diremos que esse sistema de reciclagem de segundo grau permite a evolução ou a


mutação da instituição na medida que propõe um neo-quadro (R. Kaès 1979, p. 38)
,

que mantém a diferenciação e a simbólica edipiana, mesmo quando os elementos


beta liberados o tenham sido porque os significantes do quadro institucional das
interdições edipianas foram destruídos. Portanto trata-se realmente de um sistema
,

de segundo grau de um novo continente que terá duas funções. Primeiramente,


,

substituirá provisoriamente o quadro institucional de primeiro grau que foi des-


truído; depois, criador de sentidos, permitirá que os elementos beta liberados
sejam metabolizados e transformados. Essa elaboração se efetua até onde ,
129
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições .

sabemos, a partir de um trabalho sobre as fantasias de "segunda geração", ligadas


principalmente ao que chamamos de cenário da "irrupção bordélica".
O sistema de reciclagem também é uma expressão institucional do mecanismo de
identificação projetiva, mas de acordo com uma definição mais próxima da de W.
R Bion do que da de M. Klein. Com efeito, deve-se insistir aqui na comunicação e
.

no vínculo que se constituem, de volta, quando a mãe (ou o terapeuta) retém, por
um lado, e transforma, por outro, os elementos ruins, graças à função alfa. No seu "

texto de 1959, W. R. Bion qualifica de tranquilidade de espírito ou de capacidade


"

de introjeção essa capacidade de conter sem rejeitar nem se desmoronar, ainda


que se sinta a violência dos sentimentos do outro. É essa posição também que se
exige do interveniente, já que ele recebe os elementos beta de origem institucional,
os contém e os recicla
"
a fim de que se constitua o novo quadro necessário para a
"

elaboração dos processos de mudança institucional.

Entretanto, precisamos constatar que a nossa experiência não nos permitiu obser-
var qualquer passagem entre uma aparelhagem institucional de segundo grau do
tipo do contêiner radioativo e uma aparelhagem do tipo "reciclagem". Tudo se dá
" "

como se esses dois casos correspondessem a duas situações institucionais muito


diferentes.

52. . Aparelhagens do primeiro grau

A problemática da crise institucional, na qual acabamos de nos situar, não deve


"

fazer esquecer que no cotidiano institucional


,
"
normal , o contato com o desajus-
tado supõe que o médico ou o educador esteja em condições de receber e de tratar
dos elementos beta de origem relacional, devidos à violência e à "loucura" daqueles
de quem se ocupa.

No nosso entender , ainda aqui trata-se de identificação projetiva e do triplo movi-


mento pelo qual ela opera (L Grinberg et al., 1972). Primeiramente há expulsão de
.

elementos ruins de que é preciso se desvencilhar depositando-os numa realidade


,

exterior à qual se misturam com a qual se combinam, na qual se incrustam.


,

Correlativamente essa nova realidade é então controlada pelo doente que dá um


,

jeit# para que esse receptáculo, que se tornou continente-conteúdo, se comporte


de acordo com a projeção desencadeando no "recebedor" reações conformes ao
,

que é projetado. Vê-se que esse recebedor, seja ele educador ou terapeuta, deve
aceitar ser num primeiro tempo, o continente no qual são expulsos os elementos
,

ruins e num segundo tempo, ser manipulado, sofrer então uma pressão para ser
,

transformado numa "nova entidade" continente-conteúdo conforme às projeções e


controlada pelo cliente .

Terceiro elemento do mecanismo: o retorno A mãe suficientemente boa, o


.

terapeuta ou qualquer "acompanhante" devem conter e devolver as "emoções"


,
130 A Instituição e as Instituições

(conteúdo) desintoxicadas ou menos violentas, porque combinadas com elementos


de um continente que as recebeu e transformou através da sua função alfa.

Pensamos, com H. Sztulman (1983), que o trabalho realizado na instituição pelo


médico e pelo educador, com isso, torna-se particularmente difícil. Esse autor ,

retomando as análises de Searles precisa, com efeito, que se pede aos membros da
,

instituição que suportem as fases de espera sem contato durante as quais nada
acontece e a fase de simbiose ambivalente durante a qual os pacientes são iden-
tificados com o núcleo psicótico das pessoas que com eles se ocupam.

O educador deveria, pois, conseguir aceitar e conter a indiferença e a violência ao ,

passo que o trabalho a dois, aquele que proporciona prazer compartilhado só


aparece mais tarde e é reservado àqueles cuja tarefa é analisar. Com efeito esse ,

prazer é dado pela atividade interpretativa da qual, em princípio, os educadores


estão excluídos. Esses últimos nos diz H. Sztulman, no entanto, devem receber
,
"
elementos ruins sem ser alterados estragados ou destruídos por isso e sem reagir
,

através da passagem ao ato uma atitude, quer mental (o ódio na contra-


transferência), quer verbal (a intervenção interpretante ou repressiva) e mesmo ,
"

em última análise, motor (a necessidade de realizar um ato) (1983, p. 187).

Nos textos que citamos trata-se de pacientes psicóticos, ao passo que a "clientela"
,

dos serviços de reeducação recobre uma população mais vasta. Não deixa de ser
"
verdade que o acompanhante cotidiano médico ou educador, por meio dessa
"

posição institucional, encontra-se na situação daquele que recebe os elementos


esquisitos e os elementos violentos provenientes dos componentes psicóticos ou
" "

caracteriais das crianças que estão sob seus cuidados. Pensamos que os efeitos de
grupo acentuam, por exemplo, entre os adolescentes delinquentes, o que existe
neles como possibilidades de identificação projetiva.

Todas as vezes que o educador recebe da parte dos seus "clientes" muitos elemen-
tos ruins para que possa contê-los e aceitá-los ele os devolve aos interessados,
,

diretamente como se esses elementos apenas ricocheteassem sobre uma superfície


,

plana. Então ele já não está em condições de realizar o seu trabalho. Se está
lidando com psicóticos corre o risco de lhes comunicar de volta algo da ordem do
,
"
terror sem nome". Se está lidando com jovens com distúrbios de caráter ,

transmitirá violência suplementar que vai aumentar ainda mais entre esses jovem*

O alvo da substituição. Para tratar dessa situação que não pode ser tolerada por
muito tempo aparelhagens que chamaremos de primeiro grau serão implemen-
,

tadas pela instituição de acordo com uma problemática paralela àquela que ressal-
tamos relativa aos elementos beta de origem institucional.
,

Não falaremos da implementação de "espaços contêineres de elementos radioativos


de primeiro grau". Querer se desvencilhar daquilo que é o essencial do trabalho
relacional e trancá-lo em algum lugar afastado tendo como único objetivo que ele
,
131
A Infra-Estrutura Imaginária das Instituições

não saia daí, é uma medida que faz com que a instituição comece a obstruir a
possibilidade de realizar qualquer projeto de reeducação ou de tratamento.
Em contrapartida, insistiremos mais longamente naquilo que chamamos de consti-
tuição de um alvo de substituição e que é o equivalente no primeiro grau, do
sistema de reciclagem do segundo grau. Quando os médicos e os educadores
recebem um excesso de elementos estranhos para poder contê-los e metabolizá-los,
eles os devolvem diretamente e sem transformação a quem os emite. A fim de se
evitar essa devolução agressiva do "pingue-pongue", esse "dente por dente, olho por
institui-se, com a ajuda de um "psiquista um espaço de reunião onde se fala das
"
"
olho ,

práticas relacionais, das dificuldades encontradas com os jovens. Essa apare-lhagem


receberá o nome de grupo de análise da prática, grupo de supervisão ou de controle...

Falamos de alvo de substituição porque esse espaço de análise nos parece ser um
mecanismo cuja função essencial é modificar a trajetória e o alvo dos elementos
ruins, recebidos e devolvidos pelos educadores. Perseguidos" pelos elementos
"

esquisitos provenientes das crianças, os educadores - se não querem se sentir instituídos


como alvo desses elementos que não conseguem conter - precisam ter um lugar de
"

desvio capaz de operar a contenção daquilo que farão "ricochetear nessa direção.

Num primeiro tempo, os educadores se liberam dos elementos ruins projetando-os


psiquista durante a reunião, "repetindo" com ele o que há de insuportável
" "
sobre o
no contato com os desajustados.

Enquanto receptáculo, o próprio "psiquista", no segundo tempo da identificação


projetiva, se sente manipulado, transformado em ruim ou em impotente, levado a
se comportar de maneira congruente à projeção". (J.-C. Rouchy, 1980).
"

Num terceiro tempo o psiquista pode, por sua vez, reproduzir a situação dos
" "
,

educadores e devolver os elementos ruins que recebe a quem os transmitiu, sem


retê-los , a fim de se livrar deles. Os elementos beta retornam então aos
educadores e, através deles, às crianças. O alvo de substituição comporta-se como
,

uma superfície plana que rejeita sem metabolizar, as produções violentas e estra-
,

nhas com as quais não sabe o que fazer .

Por outro lado o alvo de substituição cumprirá o seu papel na instituição se ela se
,

confportar como alvo "em espessura" capaz de conter os elementos recebidos.


,

Esses são então de acordo com o modelo do "continente-conteúdo", misturados


,

pelo "psiquista" com outros elementos que provêm dele mesmo. Ele os pega em si,
os experimenta (W R. Bion 1959) e os devolve metabolizados pela função alfa,
.
,

desintoxicados ligados a outros elementos saídos da sua personalidade. O que era


,

projetado em estado bruto na pessoa do "psiquista" toma sentido e então é rein-


tegrado pelos educadores após transformação. Esses poderão, por sua vez,
entregar às crianças, graças à mobilização de sua função alfa, outras mensagens
que não o retorno puro e simples dos elementos beta que delas recebem. Esses
elementos assumiram um sentido para eles graças ao trabalho das reuniões.
132
A Instituição e as Instituições

6 Resumo
.

Quisemos mostrar, através do estudo do setor da Infância Desajustada a existência ,

de uma infra-estrutura imaginária das instituições que lhes organiza o trabalho


,
" "

flexibiliza os seus funcionamentos e a realização dos seus objetivos modula aquilo ,

que chamamos de "superestrutura da organização". Essa ação do imaginário


efetua-se diretamente ou através da "zona intermediária ideológico-teórica"; essa
reflete os valores dominantes e as teorias espontâneas ou científicas em vigor na
sociedade num determinado momento porém, interpretando-as, "colorindo-as" a
,

partir da infra-estrutura imaginária dos organizadores.

Uma retomada da história nos permitiu evocar os três principais organizadores do


setor Infância Desajustada: a imago materna arcaica as fantasias originárias
,
,

frequentemente combinadas com sedução e cena primária .

Essas fantasias originárias , normalmente organizadoras, tornam-se desor-


ganizadores institucionais, quando se produzem "passagens ao ato" que destroem ,
no real
os elementos do quadro institucional que são os significantes de uma
,

problemática edipiana. Com efeito, as fantasias originárias são então


desconstruídas e reduzidas a seus componentes que são violência sexualidade e ,

loucura. Abertamente na vida institucional manifestam-se os elementos beta


,
,

liberados pela perda do sentido Frente a essa situação de crise vemos aparecer
.
,
"

aparelhagens institucionais de segundo grau".

Primeiramente o sistema de reciclagem: trata-se de criar um novo quadro (por


exemplo, sob a forma de um seminário de análise institucional) . Deverá conter os
elementos beta e devolver sentido a partir de um trabalho ligado às fantasias de
,

segunda geração que geralmente assumem a forma do processo da "irrupção


bordélica". Inversamente a essa tentativa
um segundo mecanismo de segundo grau
,
,

que chamamos de "contêiner de elementos radioativos": trata-se de uma tentativa


para se desvencilhar dos elementos beta de origem institucional guardando-os num
lugar fechado de onde não poderão escapar para contaminar a instituição.

Não se deve confundir esses mecanismos que remetem a uma crise , com as apare-
lhagens de primeiro grau que são implementadas na instituição para tratar dos
elementos beta - esses de origem relacional - provocados pelo contato com os
desajustados. Trata-se principalmente daquilo que chamamos de "alvo de
substituição que toma a forma de reuniões de análise de casos ou de supervisão
"

durante as quais os educadores desviam os elementos beta que recebem das ,

crianças com as quais trabalham sobre um psiquista encarregado de os conter e


,
" "

de os metabolizar Essas reuniões levam a um sentido permitem que o aparelho


.
,

pensante funcione novamente, e que os educadores, por sua vez devolvam às ,

crianças elementos desintoxicados que ganharam um significado .


VL Espaços e Práticas Institucionais. j\
Quarto de Despejo e o Interstício ÿ
René Roussillon

A dialética do processo e do seu resto

A psique se constitui e se torna complexa num movimento de retomada, numa


Aufliebuiig da experiência vivida, mas essa retomada, como lembra J. Guillaumin
(1979) jamais é total; ela deixa um resíduo que resulta de uma dupla limitação. Por
uma lado, a elaboração mental jamais pode simbolizar a totalidade da experiência
vivida. Por outro lado, num movimento de limitação nascido das próprias condi-
ções da elaboração , a simbolização recalca, por sua própria existência, os traços
originários da experiência vivida. Entretanto, uma vez constituído, o resto se
dialetiza com o processo do qual saiu, a psique extrai daí uma nova exigência de
trabalho. Em 1920 ,
em Au-delà da príncipe du plaisir S. Freud evoca, através da
metáfora dos protozoários às voltas com os dejetos do seu próprio funcionamento
biológico três destinos dessa dialética.
,

Primeiramente o dejeto o resto, pode operar um retorno destruidor no seio da


,

elaboração mental da qual saiu; ele a envenena, fato que os delírios paranóides
procuram representar. Desde então, o processo se vê atacado e destruído por
aqjilo que lhe escapa - e aparece então como dejeto tóxico. Assim se desenvolve
uma "verdadeira cultura de pulsão de morte" que M. Klein procurou teorizar na
noção de ataque invejoso primário .

O segundo destino evocado por S Freud é o da mudança de banho. Nesse modo


.

de "tratamento" o resto é sempre dejeto, potencialmente venenoso mas, por


,

clivagem exteriorização e localização num continente, o processo se vê protegido


,

dos retornos destruidores do resto purificando-se na medida do seu desenvol-


,
" "

vimento .

1 Essa lei do funcionamento psíquico deve ser relacionada com o teorema da prova
"
"
de K. Gõdel.
134 A Instituição e as Instituições

O terceiro destino evocado por S Freud é o da organização. As células podem se


.

reagrupar e se organizar de tal maneira que o que é dejeto de uma possa ser bom" "

para uma outra. Assim, as células são levadas a se solidarizar, a se especializar, a se


diferenciar. S. Freud formulará explicitamente essa saída em 1925 no "problema
económico do masoquismo No seio do aparelho psíquico individual, o que é
"
.

mau para uma das instâncias psíquicas pode ser "bom" para outra. O masoquismo
" "

assim evocado aparece então como o guardião da vida psíquica e da sua organiza-
ção, ele abre a possibilidade de uma conflituosidade verdadeira, é a primeira forma
da complexificação tal como se esboça no momento da organização anal da pulsão .

Mas já em 1921, passando da organização celular para a organização grupai e


institucional, S. Freud já havia mostrado como as instituições e os grupos en-
contrariam a mesma exigência de estruturação. Assim o tratamento do resto a ,

dialética daquilo que se organiza se estrutura, e daquilo que escapa a esse proces-
,

so, não se efetua apenas na intimidade da vida psíquica individual; ela é também
uma exigência da elaboração grupai da vida coletiva e institucional. Conforme
mostraremos, nem todas as instituições atingem um grau de consenso e de orga-
nização suficiente para estruturar o que seria o equivalente grupai de um maso-
quismo guardião da vida psíquica, os dois outros destinos descritos por S. Freud
também se encontram aí.

Os trabalhos ulteriores dos psicanalistas que se interessaram pela vida ins-


titucional e pelas suas regulações grupais desenvolveram e afinaram as análises
freudianas de 1921. Eles permitem reformular de maneira mais completa a questão
do tratamento institucional e grupai da dialética da simbolização e do seu resto.

De acordo com a hipótese formulada por E. Jaques (1955) ao retomar e desenvol-


ver determinados enunciados de S Freud (1921), os homens colocam em comum,
.

nas instituições mecanismos de defesa contra as angústias inerentes à vida in-


,

dividual e grupai. Esse procedimento psíquico encontra-se na origem do inves-


timento das estruturas sociais e institucionais. Assegura também um apoio externo
3
à identidade que aumenta, reforça ou problematiza o apoio interno Se os proces-
, .

sos de organização e de estruturação são assim colocados em comum o que acon- ,

tece, na instituição e nos processos daquilo que R. Kaés (1976 b) propôs que fosse
chamado de aparelho psíquico grupai com o que está em processo de estruturação
,

e de sentido, que permanece informe informulado, em "transição" na psiqut* o


,

que acontece também com os resíduos da estruturação que descrevíamos ante-


riormente?

O não-mentalizado, o informe também está à cata de lugares onde "depositar-se",


,

à cata de espaços onde "colocar-se de reserva" em latência. Aquilo que não pode
,

se oficializar na estrutura institucional fazer-se reconhecer, encontrar forma cole-


,

2 Sobre esses trabalhos, cf. R. Roussillon (1977).

3 Foi R. Kaés (1976 b) quem primeiro formulou de maneira sistematizada a hipótese de um duplo
apoio do psiquismo.
135
Espaços e Práticas Institucionais... ,

tivamente aceitável deve encontrar um modo de existência individual e grupai que,


ao mesmo tempo, deve ser suficientemente protegido para não ser destruído ou
obrigado a um enquistamento que tornaria difícil a sua elaboração posterior - e
destruiria o seu valor potencial - mas suficientemente expresso para que uma certa
retomada oficial ulterior continue sendo possível. Ao lado da instituição estru-
" "

turada organizam-se, portanto, funcionamentos institucionais atípicos (atópicos -


utópicos?) - intersticiais - nos quais se localiza aquilo que não pode se inscrever em
outra parte. Esses processos grupais podem intensificar processos estruturados,
apoiando-se ou contrapoiando-se sobre esses, ou ao contrário, insinuar-se entre os
espaços-tempos institucionais estruturados.
Dois destinos particulares do modo de tratamento grupai e institucional dos
resíduos do processo de estruturação, estimularam particularmente a nossa
" "

reflexão, porque estão muito próximos das práticas dos psicólogos clínicos nas
instituições de tratamento: o "quarto de despejo" e o "interstício".

4
1 . O "quarto de despejo" ou o "galpão"

Algumas instituições de tratamento ou de reeducação são capazes de organizar no


seu seio um espaço para tratar" ou "conter" aquilo que não pode ser elaborado
"

alhures na vida institucional.

Trata-se às vezes, de uma espaço definido como tal, de uma reunião dita "ins-
,

titucional" ou "de pavilhão" ou ainda de "equipe". Em outros casos, pode tratar-se


de uma reunião prevista para um uso particular diferente mas que na prática, de
fato funciona como tal. Assim, nos hospitais psiquiátricos, por exemplo, acon-
,

tecem reuniões ditas "de serviço" ou "de informação" e que reúnem todos os que
estão interessados para tratar dos "problemas materiais" do serviço. Rapidamente ,

a função atribuída à reunião é "extrapolada" internamente por processos psíquicos


grupais. Sob pretexto, por exemplo, de falar de uma melhora da cantina, pode
aparecer uma fantasia do envenenamento que a equipe de tratamento terá bas-
tante dificuldade para manter no âmbito da definição da reunião .

Em outros estabelecimentos de reeducação da Infância Desajustada são as ,

reuniões ditas "de síntese" ou "de casos" - que supostamente deveriam levar a
decisões ou a uma reflexão sobre uma criança ou um paciente - que acabam sendo ,

extrapoladas "internamente" por processos grupais inconscientes e assim "des-


viadas" do seu objetivo inicial .

4 Em francês [como também em português] é difícil encontrar um único termo para definir a
"

natureza e a função desse espaço: ora é "lixão" ora é lixeira ora despensa" ou "quarto de
"

, ,

despejo" ou enfim "galpão [N. do T.] Deve-se relacionar essas noções, por um lado, com o
,
"

"

vaste-disposal" de que fala D W. Winnicott em Jogo e realidade, e por outro, com o conceito de
.

"

seio-toalete" proposto por D .


Meltzer.
136
A Instituição e as Instituições

Estes são efeitos habituais da vida grupai e social: o encontro humano não pode ser
totalmente encerrado numa racionalidade programada Mas pode acontecer que
"
.

essas extrapolações" que esses desvios", assumam na vida institucional


,
"

uma
dimensão completamente diferente: é o caso da reunião "quarto de despejo" cujo
ciclo de vida descreveremos rapidamente .

Trata-se de uma reunião dita "de síntese" no seio de uma determinada


instituição educacional (I M P ) O objetivo oficial dessa reunião é colocar
. . . .

em comum as informações necessárias relativas às crianças (comportamentos


observados resultados escolares, encontro com os pais, quociente intelectual
,

etc.). Essa reunião tornou-se na linguagem dos membros da instituição a


,
,
"

"
reunião : ainda que existam outras
a participação de todos, que é desejada é ,
,

coisa frequente. Mas nessa reunião "não acontece absolutamente nada" as


"
,

pessoas se aborrecem" não chegam a dizer o que têm a dizer" a palavra


,
"

,
"

não serve para nada" A apatia sucede os períodos de tensão agressiva


.

durante os quais qualquer detalhe qualquer afirmação está sujeita a descon- ,

fiança, a controvérsias infindas Esse tipo de relação é relativamente raro no


.

seio de um estabelecimento que apesar de rígido, parece "funcionar bastante


,

bem" numa delimitação das funções .

Na medida em que a "reunião" se mostra improdutiva por mais de uma vez ,

acaba surgindo um consenso para suprimi-la Seu clima alternativamente .

agressivo e apático com efeito, pesava muito, sobretudo para os educadores


,

e para os pedagogos (grupos numericamente dominantes no estabelecimen-


to). Nos quinze dias subsequentes a essa supressão , o número de atos delin-
quentes e violentos aumenta brutalmente: as crianças quebram as vidraças ,

fogem em grupos colocam fogo na casa, se agridem mutuamente. Muitos


,

dentre os próprios educadores cometem atos violentos em relação às crianças


(socos, gestos ou palavras "sádicas" etc.)

A emoção se torna tão viva que uma "reunião" para falar do que está acon- ,
"

tecendo" acaba sendo marcada Essa reunião "não dá em nada" seu clima é.
,

muito agressivo e paranóide Entretanto, como essa reunião é transferida de


.

semana em semana os atos violentos e delituosos regridem e voltam ao ÿ


, u
número habitual Esse ciclo sob formas diferentes, reproduz-se por vários
.
,

anos, a ponto de se tornar um verdadeiro traço cultural da instituição em


questão.

Durante muitos anos pude acompanhar uma reunião "de pavilhão" num ser-
viço psiquiátrico de ciclo idêntico com a única diferença que os momentos ,

de suspensão da reunião provocavam atos auto-agressivos ou uma expe-


riência de "

morte psíquica" no serviço . Em outros casos " "


a reunião sem ser
,

suprimida ,
obedece a um ciclo de variação na porcentagem de presença cujo
137
Espaços e Práticas Institucionais..

efeito institucional é muito próximo ou idêntico. A estrutura existe sempre


mas é diferentemente investida de acordo com os momentos da vida insti-
tucional.

Encontramo-nos, nesse caso, frente a um funcionamento que diz respeito à


economia global do aparelho psíquico grupai e institucional e sua capacidade para
no seu seio e não mais "

organizar e para manter um espaço quarto de despejo


"

apenas frente a um s imples "efeito de grupo" regional. É essa particularidade que


precisa ser explicada teoricamente.
Na instituição educacional (I.M.P.) que descrevíamos anteriormente, o aparelho "

psíquico grupai e institucional oscila entre a delimitação no seu seio de um espaço


sacrificado
"
para conter os "resíduos" não simbolizados das relações interindividual
e intergrupais5 e a indiferenciação dos processos estruturados.

Enquanto os "resíduos" não simbolizados podem ser localizados" num "quarto de


"

despejo", o resto do funcionamento institucional é relativamente preservado. Mas


quando essa localização é muito problematizada, quando a rivalidade invejosa ex-
trapola as capacidades de negociações intra e intergrupais, é o conjunto da vida
institucional que se vê invadido por uma violência atuada e interpretada, envene-
nada internamente por resíduos não mentalizados do seu próprio funcionamento.
Para explicar o fracasso grupai em manter um galpão é preciso apelar para
" "

vários fatores.

A necessidade de um lugar para elaborar ou conter no seu próprio nível, os


problemas gerados pelo contato cotidiano com as crianças problemáticas, ou " "

aqueles que surgem do trabalho comum, não é reconhecida. A reunião de síntese


conserva uma definição imprecisa", sem garantia da sua função, sem consenso de
"

tratamento nem ideológico, nem elaborativo do que acontece . O conteúdo do


galpão não é "reciclado", não assume status institucional; sua função latente é
" "

desqualificada pelos seus membros que não chegam a captar o seu valor potencial,
nem a criar um sistema de sentido que tornaria aceitável a sua existência.
Além disso por mais imprecisa que seja, a função oficial da reunião
, de síntese é
úti"»em si mesma Numa instituição onde as relações com as crianças e
. com as suas
famílias são necessariamente fragmentárias devido ao porte do estabelecimento, se
,

5 Um tal espaço aparece então como um espaço-signo um pedaço de espaço-tempo, se mostra ser
" "

portador de um "pedaço de sentido", para formar um espaço-símbolo (ou signo), forma primeira de
um processo de simbolização O espaço sacrificado perde o seu valor próprio para se tornar por-
.

tador de uma função grupai que não se pode encontrar em outra parte, que é assim encontrada-
criada no aparelho psíquico grupai .

6 A problemática da reciclagem ou do novo tratamento dos resíduos através da ideologia deve,


ser relacionado com a função de significação operada pela mãe (o Outro); nos mel-
" "
certamente ,

hores casos , ela se assemelha com a função alfa (ou função de devaneio materno) descrita por W.
Bion , ou com a função mitopoética descrita por R. Kaès (1976 a e b).
138 A Instituição e as Instituições

faz necessário um lugar onde possam circular as informações que dizem respeito a
essas relações.

A reunião de síntese é, pois, "sacrificada" na sua função própria, para tornar-se o


lugar de um funcionamento "quarto de despejo" que não consegue fazer-se reco-
nhecer no seu próprio nível de necessidade psíquica. A constituição de um espaço
" "
galpão no seio da instituição traz para o "aparelho psíquico grupai e institucional"
dois problemas interligados, mas diferentes.

Há, de um lado, o problema da constituição de um consenso relativo à existência e


à escolha de um espaço-tempo e, de outro, o problema da constituição de um
consenso quanto ao modo de tratamento e de integração do que aí acontece. Em
cada um desses níveis, uma negociação inter e intragrupal deve ser realizada. Este
é o papel da ideologia, ou dos projetos pedagógicos ou terapêuticos7. Quando "
nenhuma ideologia comum (ou setor ideológico comum) ou nenhum projeto de
tratamento" pode se constituir o tratamento dos resíduos ou de uma parte deles se
,

vê bloqueado, eles permanecem não mentalizados; então é no real que produzem


,

os seus efeitos.

Assim sendo, a primeira tarefa do aparelho psíquico grupai é a de constituir um


sistema de articulação significante que permita o reconhecimento da necessidade
de um espaço de "tratamento" e de elaboração dos resíduos e efeitos do seu
próprio processo de constituição. Quando esse reconhecimento não se verifica, um
funcionamento institucional "protético" pode se constituir pelo "sacrifício" da
função de um dos espaços institucionais já estruturados. Precisaria ser feita uma
pesquisa sobre a esco-lha do espaço assim sacrificado: caráter mais ou menos
central desse espaço mais ou menos vital para a organização institucional, espaço
" "

fracamente estruturado ou fortemente estruturado? etc.

Uma segunda questão diz respeito à constituição de um funcionamento ins-


titucional ambivalente em relação ao resíduo. "Ruim" para localizar posto que não,

simbolizado conflituoso, "bom" para conservar, posto que potencialmente


,

simbolizável e criador de sentido . É a presença, num ou noutro nível, do aparelho


psíquico grupai de um elemento de "conservação" - ou seja, a retomada metafórica
do próprio funcionamento institucional sua representação - que regula o valÿr
,
8
atribuído ao resíduo .

Seguem dois exemplos rápidos de metáforas do resíduo que incluem um elemento


de conservação e contêm em germe um reconhecimento do seu valor intra-
psíquico. Esses dois exemplos são tirados da minha prática de intervenção
" "
analítica em instituição em "crise" (cf. R. Roussillon, 1978).
7 A esses é atribuída uma tripla função: - formação da ilusão ou do sonho da instituição; - "objeto"
comum das equipes e - ideal ao qual se referir.
8 Ao mesmo tempo que ela estabiliza e funda o papel de continente da própria reunião.
Espaços e Práticas Institucionais..,

Numa instituição os formandos se queixam de que os formadores excluíram


um deles da turma. Durante a primeira sessão de análise, essa exclusão trau-
mática é evocada pelos formandos numa metáfora. Há, dizem eles,"um cadá-
e acrescentam: ele está embalsamado A metáfora do "ca-
" "
"
ver no armário ,
.

dáver embalsamado" marca ao mesmo tempo a presença de um resíduo, de


um acontecimento insuficientemente elaborado, mas ao mesmo tempo que
esse resíduo foi conservado tal qual (ele está, simultaneamente, no armário e
"
embalsamado ) .

9
Numa outra instituição , o problema era constituído pela existência de uma
reunião institucional", mantida ao longo dos anos (diferentemente daquela
"

do I.M.P. que evocávamos antes), mas na qual "nos sentimos como um casal
de velhos que já não tem mais nada a se dizer". A intervenção, passada uma
"

primeira fase de transferência paradoxal que permitiu elaborar uma parte


"

da posição ideológica da equipe pedagógica, mobiliza uma série de represen-


tações metafóricas da oralidade no interior da qual é evocada a existência de
geladeira Essa "geladeira" representa o lugar psíquico onde os "restos"
" "
uma .

e reservas são "resfriados" durante as ausências, para serem "conservados"


" "

ou re-servidos ulteriormente, quando a ocasião se apresentar.


" "

Nos dois casos mencionados, baseando-se nas metáforas da conservação do


" "

resíduo a intervenção conseguiu relançar o processo elaborativo gelado .

Se o espaço de tratamento dos resíduos, como acabamos de descrever, é muitas


vezes uma reunião, pode ocorrer que se encarne numa determinada pessoa da
instituição. Nas suas formas primeiras esse mecanismo está presente no fenómeno
,

do "bode expiatório"10 ou da vítima sacrificial descrito por R. Girard (1972) e


,
" "

que, para esse autor, constitui o movimento fundador da institucionalização. E.


"
Jaques (1955) apresenta um exemplo institucionalizado disso o segundo da
"
,

Marinha inglesa que se encarna no princípio cultural seguinte: " O segundo deve
receber todo o lixo e deve estar preparado para ser lixo" .

H Scaglia (1976) num artigo consagrado ao papel do observador nos grupos


.
,
" "
analíticos mostra que ele é o lugar do depósito o seio-toalete conforme a ter- , ,

minologia de D Meltzer, daquilo que não pode ser simbolizado no seio do apare-
.

lho psíquico grupai num determinado momento. Esses mecanismos ultrapassam


amplamente os mecanismos regionais descritos por esses três autores Muitas são .

as instituições que possuem uma "pessoa quarto de despejo" ou uma "função quar-
9 Intervenção animada conjuntamente com P. Fustier no seio do C. R. I. (Centre de Recherche sur
PInadaptation - Centro de Pesquisa sobre o Desajustamento) Universidade de Lyon II .

10 Para que um fenómeno de bode expiatório se institucionalize e, portanto, se constitua como tal, é
necessário que os mecanismos projetivos do grupo se engrenem com os processos introjetivos do
próprio bode expiatório.
140 A Instituição e as Instituições

to de despejo": os "encarregados" dos ateliês da indústria, o "cabo" no exército" o ,


"
enfermeiro-chefe dos serviços de tratamento, o "bedel" dos colégios etc. Na
"

,
"
maior parte dos casos, trata-se de uma pessoa ou de uma função tapa buraco" ,

próxima das instâncias hierárquicas superiores, mas, no entanto, suficientemente


diferenciada - por critérios culturais ou institucionais - para que a relação com
"
essas instâncias hierárquicas não seja contaminada
"
.

Nas instituições de tratamento ou de reeducação, este "posto" é, às vezes, reservado


11
aos psicólogos ainda que a sua prática não se preste muito para isso. Um fator
,

que favorece essa escolha institucional" é, certamente, a posição "à margem da


"

hierarquia" que muitos psicólogos ocupam de fato (ao mesmo tempo que estão
" "
próximos culturalmente do pessoal hierárquico), mas também à sua presença em
determinados lugares institucionais que eles escolhem e que ao mesmo tempo em ,

muitos casos, lhes são impostos: propomos chamar esses lugares de espaços inter-
sticiais.

2 . Os espaços intersticiais

r Considerado em termos de espaço o interstício designa os lugares institucionais


,

que são comuns a todos, lugares de passagem (corredores, cantina, secretaria,


pátio, salas dos enfermeiros, dos professores, entradas de gabinetes, etc.). São
lugares de passagem ainda que aí se possa demorar, lugares de encontro, dos
,

momentos de folga entre duas atividades institucionais definidas estruturadas e ,

vividas como tais. Pode acontecer que esses lugares se encontrem fora dos muros
da instituição - "bar da esquina" restaurante onde se encontram todos ou parte dos
,
"
membros da instituição anexo como às vezes é chamado.
,
"

Definido em termos de tempo o interstício é o tempo que separa a duração do


,

trabalho considerado em termos jurídico-econômicos ("quarenta horas de traba-


lho" por exemplo), do tempo efetivamente gasto na realização de um trabalho
,

vivido subjetivamente como tal ocupado nas atividades estruturadas no seio da


,

instituição. Esse tempo pode ir de alguns minutos a algumas horas de acordo com ,

as instituições e o seu grau de rigidez organizacional .


#

O interstício se beneficia de uma espécie de status particular interno (ainda que


,

por vezes, situado no exterior como o "anexo"), é vivido como uma extra-ter-
ritorialidade; pertence a todos ainda que nem todos se sintam necessariamente
,

como em sua própria casa.


11 Um bom "analisador" dessa situação deve ser procurado junto à praça (gabinete sala de terapia
,

etc.) e da situação arquitetônica reservada aos psicólogos. Se muitas vezes, essa função não é muito
,

agradável para o psicólogo - podendo "erotizá-lo" masoquistamente - ela pode, todavia, quando as
,

projeções não são demasiadamente excessivas ou aniquiladoras para o seu funcionamento psíquico,
fornecer-llie a base de uma prática de escuta e de intervenção no seio da instituição .
141
Espaços e Práticas Institucionais..

"

Segundo um método que se assemelha com o estudo dos tipos ideais" de


M Weber, começaremos extraindo algumas funções do interstício, a partir
.

de uma situaçãp estabelecida e relativamente padronizada, a situação da


cura analítica.

Conforme observa D. Anzieu (1979), há sempre, na situação da cura psicanalítica


um espaço particular, um tempo particular que, ainda que anexo à cura propria-
mente dita e ainda que surja das condições materiais concretas do seu desenrolar
pode, num ou noutro momento do processo, ser o centro dos fenómenos psíquicos
essenciais para a própria compreensão do que aí se desenrola.

Esse espaço - sala de espera, trecho de corredor até a sala onde acontece a sessão,
parte dessa sala onde ocorre a sessão até o divã ou a poltrona hall diante da porta ,

ou da escada, etc. - é, com efeito, a sede de funcionamentos psíquicos particulares


mais ou menos presentes, mais ou menos essenciais conforme os tipos ou os tem-
pos do processo 3 psicanalítico.
Do ponto vista económico, o interstício, tal como a câmara de escape dos sub-
marinos, é o espaço-tempo no qual se realizam, de maneira espontânea, os
renivelamentos psíquicos e as regulações de tensões energéticas que supõem.

Do ponto de vista tópico, o interstício, assim como as interdermes celulares, está


voltado tanto para o exterior por uma das suas faces quanto para o mundo interior
pela outra. Como o espaço transicional, o interstício é o espaço-tempo que pos-
sibilita e regula as passagens do meio exterior e do "meio interior", possui a ri-
" "

queza de ambos mas também pode reproduzir os seus avatares.

As funções dinâmicas do interstício são certamente múltiplas e nem todas ainda


foram descritas; empregaremos aqui três dentre elas.

O interstício é um lugar de precipitação (no sentido químico do termo)


fantasmática; quer ela se produza durante o tempo de espera em que o analista já
se encontra presente (no lugar nos barulhos, nos objetos), se bem que ainda
,

ausente "em pessoa" ausente fisicamente (com um(a) outro(a) talvez...), ou


,

durante o tempo de passagem no qual um contato corporal pode ocorrer (aperto


de mão olhar, expressão do
, rosto) no qual a distância corporal se modifica; ou
enfitn imediatamente depois
, da ou das fórmulas rituais que pontuam a sessão: a "

precipitação fantasmática se faz então o "tarde demais para dizer ou fazer algo .

Essa capacidade de fomentação fantasmática própria do lugar é certamente o


efeito dos arranjos recíprocos das representações da ausência (e do modo da
12 A abertura do limite de audibilidade do analista em determinados processos preliminarmente
periféricos é uma constante dos "progressos" da análise.
13 A necessidade que os processos transicionais tém de se encarnar em lugares concretos ou em
objeto precisos (assim como o objeto transicional) pelo menos de maneira transitória, resulta do
próprio paradoxo da transicionalidade. A esse respeito, cf. G. Bateson (1977). Vers une écologie de
l'esprit. 1 pp. 24 e 59.
,
142
A Instituição e as Instituições

ausência) e das representações da presença (e do modo da presença), mas ela


surge também da ambiguidade do paradoxo próprio do interstício: a sessão iá
,

começou? Quando é que ela começa? Quando se está deitado no divã? Quando se
"
está em presença"?

Essa ambiguidade é amplamente utilizada na compreensão da própria


sessão, sobretudo no que sucede à ação do "tarde demais para dizer ou
fazer algo" ,
ou nos "comportamentos de fim de sessão" - pacientes que só
relatam algo de essencial no momento de partir na soleira da porta usan- ,

do o último cartucho para reter um objeto que está fugindo para apresen- ,

tar um "segredo" colocá-lo de reserva ou dizer tudo" a um analista que


,
" "

,
"

"
nada pode fazer" pego de surpresa, impossibilitado de qualquer
,

intervenção condenado a conter aquilo que se temia que ele viesse a


,

rejeitar. Os comportamentos e os funcionamentos psíquicos assim


atualizados são múltiplos: vinculam-se a três dimensões diferentes se bem
que coexistentes.

2 1 A retomada
. .

O que é dito ou feito no interstício está em latência explícita de sentido dito ou ,

feito para ser retomado ulteriormente e integrado nas cadeias associativas O agir .

ou a fantasia permitem que seja experimentado e vivido uma potencialidade


psíquica que servirá de experiência de apoio para o processo analítico durante a
retomada associativa no seio da própria sessão Trata-se de uma forma de .

atualização transferencial .

22 . .
O depósito

O que é dito ou feito no interstício é reservado depositado, a fim de ser conser-


,

vado, congelado ou imobilizado De acordo com o grau de angústia o interstício é


.
,

então o lugar do segredo ou do enquistamento .

23
. .
A cripta .

Isso supõe uma clivagem estrita entre o tempo da sessão propriamente dito e o
fora-do-tempo. O que é dito ou feito no interstício é encriptado posto de lado, ,

mas sem possibilidade de retomada forçado a residir no interstício e proibido de


,

aparecer nas cadeias associativas .

Essas diferentes funções de acordo com o tempo, podem se comutar umas às


,

outras. Tal elemento que havia sido deixado em depósito enquistar-se -


á se a
angústia aumentar ou poderá ser retomado e colocado na conta da cura se
,
, ao
143
Espaços e Práticas Institucionais..,

contrário, as clivagens diminuírem. Essas funções são as do espaço transicional,


cujas formas elaborativas e os avatares14 são reproduzidos pelo interstício.
Aquilo que não pode chegar a se inscrever no âmbito da sessão propriamente dita,
o que permanece potencial no aparelho psíquico, encontra, no interstício, um lugar
periférico onde se localizar, protegendo assim o analisando (e, às vezes, também o
analista) de passagem ao ato exterior no espaço analítico, dessa feita radicalmente
subtraído ao processo, ou encontra nesse anexo do quadro uma porta de entrada
para a análise.
A intervenção ou a interpretação do que é dito ou feito no interstício apresenta
problemas particulares que cada analista, mais cedo ou mais tarde, acaba en-
contrando. A interpretação, ainda que algumas vezes indispensável, muitas vezes é
sentida como persecutória pelo analisando, destransicionalizante, sobretudo quan-
do, pela sua forma ou pelo seu conteúdo, ela não consegue respeitar a ambi-
guidade organizadora dos funcionamentos psíquicos intersticiais, quando ela
desmascara muito cruamente um processo ou uma recusa que ainda era necessário
"
em segredo respeitar.
"
manter ,

3 . O interstício nas instituições de tratamento

As funções do interstício que acabamos de enumerar, devido às características


próprias das instituições de tratamento, assumem formas particulares que não
devem fazer esquecer o seu fundo comum. A ambiguidade do status dos processos
que nele se desenrolam também é fundamental.

O interstício é um lugar de trabalho ou um espaço privado?15 O valor regulador do


interstício institucional prende-se à impossibilidade de se resolver essa questão.
Com efeito é o modo de tratamento grupai e inter-individual desse paradoxo fun-
,

damental que regula a capacidade de utilização dos interstícios e o valor que eles
podem assumir na regulação psíquica das relações inter-individuais e inter-grupais.
A análise dos processos grupais intersticiais não se separa dos processos grupais
da instituição estruturada quer o interstício e instituição estruturada estejam numa
,

relação de co-apoio ou ao contrário numa relação de clivagem.


,

Quando predomina o funcionamento por co-apoio, aparece no interstício a função


do porta-voz ou seja, aquele ou aquela a quem é dito algo que não pode ser
,

"

14 Para ser mais rigoroso seria necessário falar de processos potencialmente transicionais mas a
"
,
,

verdadeira transicionalidade constitui apenas um dos seus destinos possíveis.


15 Essa ambiguidade fundamental permite compreender o fato de observação corrente que no seio do
interstício os membros da instituição podem passar sem percepção de ruptura, nem sentimento de
incongruência , da narração do que fizeram no fim de semana, por exemplo, à discussão dos
problemas do serviço.
144 A Instituição e as Instituições

repetido mais adiante, nos espaços oficiais a fim de que isso seja levado, trans-
,

mitido sem grande perigo, graças a uma distância que foi criada pela existência de
intermediários ou graças à ambiguidade do status do espaço intersticial a ,

ambiguidade do interstício permite, com efeito, arranjos da distância subjetiva ao


"

outro que tornam possível que se peça a este ou àquele para sondar o terreno" no
que diz respeito a um determinado problema. Assim, ela evita prejuízos narcísicos
reais ou fantasiados, de uma palavra que correria o risco de se fazer ouvir e de
sofrer rejeição ou recusa. Dessa forma, a palavra pode ser tentada", para se con-
"

seguir os sustentáculos necessários para uma eventual retomada no seio dos


espaços oficiais. Tais comportamentos asseguram uma função de vínculo es- ,

tabelecem pontes, confortam narcisicamente, permitem arranjos contrafóbicos ,

evitam um sentimento muito doloroso de solidão.

Certamente, é preciso incluir também no funcionamento em co-apoio em ,


" "
retomada as discussões que incidem diretamente sobre a "última reunião" ou "a
,

última consulta", que podem concomitantemente, fazer transbordar aquilo que não
,

conseguiu encontrar lugar e/ou elaborar o que foi vivido.

This funcionamentos supõem a presença de "receptores" de "escutadores", de "tapa


,

buracos" ou de "porta-vozes" supõem que cada um, num processo de apoio


,

recíproco ou que uma ou mais pessoas particulares aceitem ser utilizadas dessa
,

maneira. Se as angústias paranoides ou esquizóides aumentam demais - sob a


pressão de pacientes que ameaçam as defesas grupais ou a de uma conjuntura
social e/ou institucional difícil - o interstício recrudesce, aparece então uma
,

clivagem que provoca comportamentos também muito característicos. O interstício


transforma-se em cripta se privatiza, as capacidades de retomadas são então
,

ameaçadas ou desaparecem o porta-voz eventual transforma-se no delator", as


,
"

coisas são ditas para não serem repetidas. A cripta se aferrolha torna-se o espaço ,
16
do segredo guina inteiramente para o lado do privado Pode se tornar incon-
, .

"
veniente falar de trabalho" e de bom tom criticar este ou aquele ou excluir alguns ,

das conversas - sendo que isso varia de acordo com os hábitos culturais específicos
dos grupos sociais considerados17 .

O sentido do que acontece numa reunião ou em outro lugar da instituição


"
estruturada pode transparecer claramente sob garantia de que não será utilizado
,
"

em outra parte. O seu encriptamento torna-se uma garantia contra a loucura. A


cripta é também o espaço onde se constituem as estratégias grupais onde se fazem ,

e se desfazem as alianças onde se exercem as relações de poder muitas vezes


,
"
ocultas. A vida institucional é então dupla uma parte oficial uma parte oculta
" " "
.
, ,

16 Podem aparecer "passagens ao ato" sexuais ou agressivas.


17 Inversamente , o interstício pode deixar de existir enquanto tal pelo desaparecimento de todo
espaço privado.
Espaços e Práticas Institucionais... 145

O interstício é enfim o lugar onde os rumores - organizados geralmente pelas


angústias paranoides e esquizóides - surgem, tomam forma e amplitude e podem se
desenvolver encontrando o menor número de obstáculos possível.

Diferenciar, como fazemos aqui, as várias funções do interstício, seus diferentes


regimes de funcionamento, não significa que pensamos que, na prática, esses fun-
cionamentos se excluam mutuamente. As diferentes funções do interstício estão
todas sempre potencialmente presentes. A dominante colocada sobre uma ou
outra dessas funções depende, em parte, dos outros sistemas de regulação ins-
titucional com os quais são solidárias, do grau de angústia não elaborada, e de
particularidades relativas às condições mesmas do funcionamento do próprio
interstício.

Interrogando-se sobre o cimento fantasmático das instituições, S. Freud, em 1921,


acaba fazendo aparecer, para além do quadro formal e baseando-se nele, a
natureza identificadora da coesão grupai. Inversamente, ele atribui à inveja um
papel desorganizador. Quando o interstício perde a sua função transicional, pode-
se lançar a hipótese de uma ruptura da rede de identificação inter-individual - na
qual o outro é sempre também um mesmo. As vezes, os membros de um subgrupo
unidos numa comunidade de recusa (segundo a expressão de M. Fain) colocam em
comum um processo de exclusão; às vezes a inveja simplesmente não está mais
suficientemente contra-balançada por um processo de interidentificação aceita. A
partir de então, o postulado narcísico subjacente às inter-relações tende a tomar a
forma seguinte ou uma das suas derivadas: "Não sou (ou não sou mais) como os
A ruptura desse elemento de especularidade necessária para a aceitação
"
outros .

da conflituosidade interna transforma esta em conflito inter-individual, e até


mesmo em "crise" intergrupal, depois gera clivagem e efeitos paranoides.

4 . Sobre o jogo no interstício ou o problema da


intervenção "interna"

41
. .
Preliminar metodológica

Os funcionamentos institucionais repousam sobre importantes fatores sociais ,

ideológicos grupais, culturais. A conjuntura social, suas flutuações económicas e


,

ideológicas afetam profundamente a vida institucional da qual constitui o pano de


fundo Apreendida em termos da vida concreta da instituição a conjuntura social
.

aparece sempre mediatizada pelos/nos processos da vida grupai e intergrupal É .

também em termos de processos grupais que se manifestam as flutuações da con-


juntura institucional singular, ou seja, efeito grupai, num determinado momento,
das particularidades pessoais deste ou daquele instituinte ou instituído Na .
146 A Instituição e as Instituições

instituição, nem a conjuntura social, nem a conjuntura individual aparecem inde -

pendentemente dos seus efeitos sobre a vida grupai, sobre o aparelho psíquico
grupai e institucional. Esses determinantes macroscópicos e microscópicos con-
dicionam em parte as variações das redes de representações que circulam no
aparelho psíquico grupai, as flutuações da quantidade de excitações e de angústias
a elaborar, mas jamais são apreensíveis como tais; dão-se sempre a partir de sua
retomada - ou da carência dos processos de retomada - no seio do aparelho "

psíquico grupai e institucional Seja como for, trata-se do postulado de fundamen-


"
.

to de uma abordagem psicodinâmica da vida institucional. É também uma tal


hipótese que fundamenta as possibilidades de intervenções psicológicas no seio da
instituição. A causalidade externa não pode ser apreendida senão a partir do jogo
das contradições internas.

A partir daí, como pensar a questão dessa intervenção do seu "dispositivo"? Ainda ,

que deva se considerar como um demiurgo capaz de conter e de elaborar sozinho e


independentemente de qualquer quadro - muitas vezes opondo-se a todo e
qualquer quadro - o conjunto da vida institucional, o interveniente é condenado a
utilizar os sistemas de regulações já existentes pelo menos potencialmente, a fazer
,

com que a intervenção incida no centro dos lugares cujo funcionamento se dá no


sentido dos sistemas de regulações espontâneas do aparelho psíquico grupai e ins-
titucional. Precedentementeprocuramos descrever dois desses sistemas de
,

regulação: o galpão e o interstício .

42
. .
A prática intersticial

O primeiro desses sistemas evocado na metáfora do galpão ou na do quarto de


,

despejo, se atualiza no seio do dispositivo organizacional global na ordenação de


"

um espaço de tratamento dos resíduos", "de um espaço de reciclagem". Obser-


vamos, nesse percurso, o conjunto dos problemas implicados pela ordenação de
um tal espaço-tempo. O problema da prática c da condução de tais reuniões é de
natureza muito complexa; o seu campo ultrapassaria visivelmente os limites que
impusemos ao presente trabalho É certamente o modelo da intervenção analítica
.

em grupo amplo que deveria ser aqui mais fecundo ainda que a sua introdução no ,

seio de instituições de tratamento já constituídas que possuem uma historia, ,

ideologias estruturadas um quadro singular, exija arranjos especiaisi®


, .

O protótipo do "trabalho de reciclagem" deve certamente, ser procurado junto


,

àquilo que W. Bion e na sua esteira, R. Kaés (1976 a) denominaram de função alfa
,

(ou função de devaneio materno), tal como a análise transicional e suas regras (D.
Anzieu , 1979) aplicadas aos grupos permitem entrever.
"
18 A respeito de alguns desses pontos cf. ,
L'intervention analytique en institution". R. Roussillon
(1978).
147
Espaços e Práticas Institucionais...

O segundo dispositivo da intervenção reguladora extraído pela nossa análise prece-


dente é o interstício, que prenderá particularmente a nossa atenção. A questão de
uma prática intersticial
" "
é delicada.

Muitos psicólogos clínicos consideram que o seu trabalho de psicólogo se limita às


atividades estritamente definidas como tais, ou seja, as atividades daquilo que
denominei instituição estruturada. A partir de então, eles adotam no interstício um
estado de espírito não profissional O interstício, para eles, não poderia ser o lugar
.

de uma prática, mas apenas um tempo de pausa.


Outros, tornados prudentes por experiências anteriores nas quais se sentiram en-
curralados ou bloqueados depois na sua atividade, devido às relações que tinham
estabelecido durante os tempos intersticiais, adotam como atitude sistemática
deixar qualquer discussão que questione as relações de trabalho para as reuniões
institucionais formalmente instituídas. Ou evitam, a todo custo, estar presentes no
interstício.

Outros, enfim, fazem inversamente do interstício um dos lugares essenciais de sua


prática. Encontram aí pacientes ou colegas, oferecendo-se como escuta disponível
a quem deseje aproveitar.

Como se vê, as práticas intersticiais são muitas vezes decisivas no seio do paradoxo
que as constitui e para isso há motivos muito fortes. O interstício se dá como um
tempo de extra-territorialidade em que todos são tentados a diminuir a vigilância
profissional, a diminuir a vigilância": o caráter amigável, convivial, das atividades
"

que aí se desenrolam convidam a isso. A idéia de uma pausa, de um relaxamento,


aumenta a ilusão de poder deixar de lado a personalidade e a distância profis-
sional, para se mostrar despojado de qualquer status profissional. No
"
ao natural
"

interstício pode assim reinar uma impressão de troca mútua, fraterna, como que
liberada das tensões intertransferenciais ligadas ao trabalho em comum. Essa
mutualidade é certamente, muitas vezes útil ou utilizada para compensar as
,

tensões narcísicas ligadas às diferenças hierárquicas e de status, à maneira de uma


câmara de escape energética. Quando o interstício funciona como espaço ou
tempo transicional esses processos são até necessários para moderar os efeitos de
,

idealização (ou de fecalização) induzidos pelas posições de status, e assim recon-


duzir os efeitos de intertransferência graças a uma espécie de teste de realidade
,

extrafírofissional à sua fonte institucional. Assim se diferenciam função e pessoa.


,

Mas nessa conjuntura transicional as diferenças de status jamais desaparecem


,

completamente; elas são antes, colocadas de lado, deixadas na periferia da relação


,

que apoiam em silêncio. O conteúdo do interstício, aquilo que o define como


interstício é mudo, latente. O interstício está então numa relação de co-apoio com
,

a instituição estruturada: as diferenças institucionais são aceitas mas suas arestas


,

tornam-se mais toleráveis na medida da limitação que assim lhes é imposta. Em


outras palavras o interstício permite então que sejam restabelecidas identificações
,
"

personalizadas" que, ao contrário, permitem que se retome diferentemente as


150
A Instituição e as Instituições

A noção de uma implicação ou de um engajamento pessoal do terapeuta nos


momentos de crises intersticiais - noção que proponho como uma das maneiras
para respeitar o paradoxo do interstício - deve ser aproximada daquilo que D .

Anzieu (1979) chama de interpretação "em primeira pessoa" da qual faz um dos ,

principais instrumentos da análise transicional em psicanálise individual e grupai .

Quando os afetos são desqualificados ou degradados, quando os "double-binds"


invadem as trocas, a experiência mostra que a verbalização e a nominação dos
afetos sentidos pode fornecer um esteio e um continente para os processos
psíquicos, um apoio que pode ajudar a contrariar os processos de desvinculação.

As situações de crises intersticiais geralmente colocam o terapeuta frente a

situações que mobilizam grandes quantidades de excitações difíceis de se conter ,

numa palavra que será apenas tentativa de verbalização ou de desprendimento .

Muitas vezes é mais essencial que a intervenção possa contribuir para fazer sentir
um limite, uma representação-coisa do esteio refratante Muitas vezes é necessário
.

recorrer a um modo de intervenção psicodramática2i que, pela formalização


atuada, tente conduzir o ato ao seu ponto de simbolização Tais interações de .

forma psicodramática que supõem muitas vezes que haja vários terapeutas
,

decididos a tentar essaatualização para serem eficazes, devem ser efetuadas numa
,

interação onde a natureza lúdica da troca precisa permanecer sensível (ou vir a
sê-lo pouco a pouco) mas implícita, não demonstrável. Frequentemente, ainda é
,
,

por um ato que assume o valor de símbolo que opera exatamente no ponto em que
se concretiza aquilo que inibe ou bloqueia o jogo que o terapeuta é levado a
,

intervir. A título de indicação aqui está um exemplo de intervenção atuada que


,

assumiu valor simbólico reproblematizando um traço cultural de um grupo de


educadoras. Nesse exemplo a presença de instituintes no interstício previne contra
,

a ambiguidade dos processos identificatórios .

Trata-se de uma instituição que acolhe crianças psicóticas . As enfermeiras e


educadoras se habituaram a tomar café entre 12.30 e 14h, mantendo as
,

crianças na barra de sua saia" Instaurava-se um "double-bind" no qual as


"

crianças não podiam se afastar ao mesmo tempo que eram continuamente


rejeitadas e excluídas das relações entre os auxiliares de tratamento O grupo .

dos auxiliares vivia uma relação de simbiose com as crianças mas essa relação
era simultaneamente negada Instaurou-se assim um círculo vicioso: as
.

crianças agridem os auxiliares que as rejeitam ainda mais, e assim por diaftte.
,

Esse jogo se materializava corporalmente As enfermeiras e educadoras es-


.

tavam sentadas em roda fechada impossibilitando assim que as crianças


,

penetrassem no círculo. A psicóloga presente, cansada da constante agres-


sividade das crianças e sensível ao desamparo que assim se exprimia para
alguns aceitou um dia romper o círculo, acolheu uma criança junto a si e
,

22 P. Dubor (1979) elaborou o termo "gestão grupai" no tratamento dos psicóticos para definir esse
tipo de interação "continente" .

.I
151
Espaços e Práticas Institucionais...

cuidou dela, quebrando assim material e psiquicamente a isomorfia grupai.


Continuando a cuidar da criança, ela precisou assumir e explicar a sua
atitude aos outros membros da equipe que a interpelavam, não compreen-
dendo que ela "não tomasse tranquilamente o seu café
"
e que acolhesse uma
criança tão agressiva. Forçada a uma dupla identificação contraditória, ela foi
obrigada a tentar mostrar como o comportamento agressivo da criança, para
ela, tinha valor de apelo. Essa cena aconteceu por várias vezes, durante várias
semanas. Iniciou-se então uma discussão informal - que também se repetiu
semana após semana - sobre a maneira de se compreender o que se escondia
por detrás do comportamento manifesto das crianças, coisa que jamais foi
feito eficazmente no decorrer das reuniões oficiais de síntese da equipe.
Nessas, a palavra dos psicólogos, sempre aparentemente ouvida, de fato era
implicitamente desqualificada e considerada como uma mania profissional
intelectual e sem implicação prática concreta.

Uma análise detalhada dessa sequência de interação ultrapassaria os limites do


meu propósito atual. Assim sendo, limito-me a levantar um único ponto.
A meta-comunicação (isto é, a comunicação que toma como objeto o que é suben-
tendido pela comunicação, as primícias, as imagos e teorias do homem e do mundo
subjacentes à ação) só se tornou possível e eficaz após um ato efetivo cuja natureza
testemunhava que uma experiência subjetivamente excluída da cultura grupai "

podia ser reintegrada nela sem caos nem destruição. O ato simbólico instaura de
"

fato uma ruptura no aparelho psíquico grupai isomórfico e a comunidade de recusa


em torno da qual se construiu. Só secundariamente e a partir daquilo que se
problematizou por/nessa brecha é que uma retomada explicativa ou meta-comu-
nicativa pode ser imaginada sem ser, imediatamente, tomada na repetição da
recusa nem permanecer como letra morta". Se se pode pensar que a retomada
"

daquilo que acaba de se atualizar pode se realizar secundariamente nas reuniões


formais previstas para esse fim, parece-me que é preciso também estar pronto
como essa psicóloga a realizá-lo em meio à crise
" "

, no próprio momento em que


esses riscos intra-subjetivos se fazem sentir de maneira mais evidente.
Para concluir essas poucas reflexões sobre as práticas intersticiais, gostaria ainda
de enfatizar um dos seus paradoxos. O valor disruptivo da intervenção não pode se
manifestar senão a posteriori. Em outras pala-vras, são os seus efeitos que atestam
secundariamente a legitimidade da sua forma. O risco que se corre no momento da
discussão da intervenção é portanto, inevitável; aceitá-lo é aceitar a precariedade
,

do transicional , desse equilíbrio instável e relativamente imprevisível que é


responsável pelo acionamento das pulsões de vida.
VIL O Familialismo na Abordagem
"
Analítica" da Instituição. A Instituição
ou o Romance Familiar dos Analistas
Jean-Pierre Vidal

1 . A família como modelo ou origem na Psicanálise da


instituição

É absolutamente notável que o projeto de análise da instituição tope infalivelmente


com a família", que surge como referência constante, exemplo privilegiado e
"

mesmo justificação e legitimação do recurso analítico.

A Psicanálise da instituição se funda aqui sobre a da família que se presta, melhor


impossível à investigação analítica. Ora, se a família como instituição pode ser
,

considerada como a instituição original, de onde saíram todas as outras, ou ainda,


se ela pode aparecer como representativa (modelo reduzido ou duplicata) das
instituições em geral parece ser evidente que a psicanálise possa ser aplicada de
,

uma às outras.

Com efeito , ora a Psicanálise permite, como para Fornari (1971), explicar a origem
da instituição familiar que se constitui como defesa contra o surgimento ou a
ressurgência das angústias primárias e supõe-se que aquele que conhece a origem
coRhece todo o resto ora é a família que é dada como modelo e o conhecimento
,

particular que dela permite a psicanálise autoriza o desdobramento ou a expor-


tação desta de um lugar institucional para outro Supõe-se nesse caso que os
.

indivíduos transponham ao seio de cada instituição as relações e as defesas es-


tabelecidas inicialmente na família .

Seja como for esses diferentes projetos e as justificações que apresentam têm em
,

comum o fato de tomar a própria instituição como sujeito real É essa comunidade
.

de fins que pretende analisar a instituição e as aproximações que esta opera com
,
" "
154 A Instituição e as Instituições

a família - sendo que tudo, aliás, é desigual - que nos parece ser exemplar e mere-
cer um exame. Se num tal projeto, o que está em suspenso é a questão da aplicação
da psicanálise, o problema não deixa de ser deslocado da própria psicanálise para
a natureza do objeto ao qual se supõe que ela se aplique. De fato, o problema
subjacente e implícito em qualquer projeto desse tipo parece residir numa
preocupação inconfcssada de justificação epistemológica. De fato, parece claro, a
esse respeito, que sempre se responde a uma questão que ninguém se deu ao
trabalho de apresentar e que poderia ser formulada assim: "Sob que condição é
possível, ou mesmo legítimo, recorrer à psicanálise como prática teórica na in-
teligibilidade dos fenómenos sociais que são as instituições?" E a inevitável eterna
"
resposta: Sob a condição de poder reduzir qualquer instituição à instituição
familiar, que também pode ser ocasionalmente reduzida a um personagem familiar" .

"
1 1 "Contribuição
. .
à Psicanálise da escola como instituição

No texto de Peter Furstenaii (1964) que traz esse título é dito explicitamente que
,

existe um... parentesco(l) entre a escola e a família e que por essa razão, é per-
,

feitamente válido recorrer à psicanálise para examinar esclarecer, compreender


,

uma relação que não deixa de estar ligada com aquela que se estabelece na família .

A psicanálise a esse respeito, revelou-se um instrumento privilegiado na


,

évidenciação do sentido das relações específicas que se estabelecem entre os adul-


tos e as crianças. Ora justamente... "como os pais, os professores são adultos em
,

relação educativa com as crianças (p. 57). Por outro lado, o campo privilegiado da
"

psicanálise é o da regressão; ora, a escola cria e cultiva situações geradoras de


regressão (p. 58).

Assim o comportamento dos parceiros que se encontram na presença um do outro


,

e em relação encontra a sua explicação numa experiência familiar anterior O que .

acontece na escola é sobredeterminado pela história familiar O encontro que a


.

escola institui reativa sentimentos atitudes, posições, fantasias... mobilizados na


,

ocasião do conflito que opôs o professor na sua própria infância a seus pais .

Não acompanharemos P Furstanaii no pormenor da sua exposição que o leva a


.

desenvolver como esse sistema social visando obter a submissão e o controle das
pulsões, a formação do caráter, a regulação dos comportamentos, substitui os ÿais
no seu papel educativo e assim, define funções, cria papéis, induz a um estilo de
,

relações que fazem desse sistema uma instituição bem próxima da instituição
familiar. A esse respeito a instituição escolar se apresenta como uma instituição
,

específica. Ela pode até mesmo ser considerada no conjunto das instituições como
eminentemente marginal. Com efeito se ela se aproxima da família... (ela) se afas-
,
"

ta... das organizações cuja racionalidade se define em relação ao objetivo consig-


"
nado (p. 57). Se, no que concerne à família, estamos num nível dominado pelo
irracionalesse também é exatamente o caso da instituição escolar já que ela não
,

pode pressupor um comportamento que seja apenas um resultado: o efeito aca-


O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 155

bado do seu projeto. Ela, na verdade, não lida com alunos mas com crianças ainda.
Dessa forma, não pode esperar deles um comportamento perfeitamente conforme
às normas da organização adaptada ao objetivo que a orienta, já que o seu objetivo
é justamente o de conduzir a criança a esse comportamento pela educação. Ela
não pode pressupor no início aquilo que só pode ocorrer no fim.
Ora, desse ponto de vista, é justamente porque essa instituição não é como as
outras que se justifica plenamente a utilização da psicanálise para a compreensão
do que acontece na escola entre os diversos atores institucionais (aqueles que mi-
nistram o ensino, aqueles que o recebem, aqueles que o controlam).

Mas a natureza irracional daquilo que aqui legitima o recurso à psicanálise exclui a
validade da sua utilização para outras instituições consideradas e definidas
juridicamente como "organizações de pura racionalidade e por essa razão, fora do
"

alcance da psicanálise. O comportamento dos agentes em princípio conforme às


normas da organização - o que se supõe ser o caso das instituições de trabalho -
não dá lugar à investigação psicanalítica que não encontra aí o seu objeto. O ir-
racional não parece convocar a psicanálise senão para conjurar-lhe os efeitos.

Assim, na perspectiva de Furstenaii, o que nos autoriza a falar da instituição es-


colar em termos psicanalíticos é, pois, tanto o que a distingue das outras
instituições quanto o que a aproxima da instituição familiar, e quase poderíamos
dizer que o que a distingue vem a ser exatamente aquilo que a aproxima. O
processo que conduz à introdução da Psicanálise no campo institucional nasce do
reconhecimento de uma semelhança e do surgimento, poder-se-ia dizer, da
estrutura familiar nesse campo. É no mínimo singular que a lógica do recurso
"
analítico esteja subordinada à descoberta da família" num outro campo ins-
titucional, descoberta que parece constituir uma "condição de possibilidade", o
critério ou a medida pela qual se estabelece uma legitimidade.

Admitamos em hipótese, que não são tanto as aproximações efetivas que têm
,

sentido que essa própria representação afeta de tal maneira a abordagem dos
,

processos institucionais que não se pode reconhecê-los e falar sobre eles senão sob o
prisma da família. A esse respeito, parece-nos profícuo considerar o texto relativo a
essas questões não como a exposição de um dado objetivo (o da instituição como
quí*dro social), mas antes como a expressão de uma representação sintomática. O
grupo familiar como objeto apresenta-se como imagem própria para representar ou
apta a reproduzir a instituição na fantasia inclusive na dos analistas.
...

1 2 "Por
. .
uma Psicanálise das instituições
"

O objetivo totalizante de F Fornari, no artigo que leva esse título (1971)1, parece-
.

nos
a esse respeito, particularmente exemplar. O seu trabalho, aqui, pretende ser
,

1 Publicado no presente livro (N. do E. francês)


.
156 A Instituição e as Instituições

explicativo da organização social no seu conjunto e fornecer uma elucidação dos


próprios fundamentos da sociedade, a tal ponto que nesse campo nada parece
poder escapar à abrangência da sua interpretação. O caráter globalizante desse
trabalho e as fundações familialistas que assume constituem, na nossa opinião, um
indício particularmente flagrante da força da fantasia e da predominância dessa
representação familiar-grupal na tentativa de elaboração teórica pretensamente
psicanalítica da instituição.

Fornari pensa que as instituições podem ser consideradas independentemente dos


indivíduos que as animam, dos papéis que nela desempenham conforme às
circunstâncias e sobretudo da imagem que fazem tanto delas quanto deles. Pelo
"
menos é o que mostra a formulação pela qual as instituições sociais podem ser
consideradas e descritas como mecanismos de defesa contra a angústia primária
"

persecutória e depressiva formulação que parece retomar a de E. Jaques. Ora,


,

quanto a isso, esse último pretende justamente algo completamente diferente. Com
efeito, para E. Jaques não se poderia confundir a função social das instituições
com aquela que ela é capaz de realizar num determinado momento para os
indivíduos reais que garantem o seu funcionamento efetivo. Assim, ele distingue a
utilização psíquica que os indivíduos podem fazer de uma instituição da qual são
membros da sua utilidade social e objetiva.

Mas a mudança de perspectiva efetuada por Fornari não deixa de ser sintomática.
A sua demonstração se baseia no enunciado segundo o qual as instituições sociais
se constituíram e se organizaram como proteções naturais contra as angústias
primárias. Assim, a função essencial das instituições reside na ação defensiva que
realizam para os seus agentes ou os seus usuários. Nesse sentido Fornari pretende
,

enfatizar a família como instituição social particularmente importante.

Certamente, a família é representativa da sua tese, mas sobretudo diz ele, ela se
,
"
presta de maneira privilegiada ao estudo pela Psicanálise" (p. 104), estudo
específico que justamente vai permitir captar os processos por meio dos quais se
edificaram as diferentes organizações sociais básicas sobre as quais repousa a
sociedade no seu conjunto. Dessa forma ele pretende estabelecer como a
,
"
psicanálise aplicada à família torna inteligíveis os fundamentos das classes sociais
"

ou seja as próprias origens da sociedade.


,

Se Bion concebe a aristocracia (a respeito da hipótese de acasalamento) como


representativa e exemplar daquilo que poderia ser a institucionalização do modo
defensivo realizado pelo acasalamento no seio de um grupo Fornari pretende, por
,

sua vez, prolongar esse ponto de vista.

Enquanto o trabalho de Bion (1961) se apresenta como mais descritivo que ex-
"
plicativo, F. Fornari, por sua vez, pretende dar conta dos diferentes supostos
básicos" evidenciados por esse último e atribuir ao pressuposto do acasalamento
um lugar realmente fundamental É possível pensar que os "supostos básicos" se
.

definiriam como tantas reações defensivas e específicas contra as angústias de


O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 157

natureza psicótica reativadas ou mobilizadas em cada indivíduo pela situação de


grupo, o dilema causado por essa situação, a regressão que esse dilema suscita
nele.

Ora, em qualquer grupo onde todos são confrontados com a ansiedade e com o
medo, surge a ideia de que existe alguma coisa ou alguém capaz de acalmar a
ansiedade, de aplacar o medo. Esta é a função original do líder. Mas, quanto a
isso, o que caracteriza o grupo acasalamento, é que na circunstância o líder é
"
inexistente", ou em outras palavras: ainda não nasceu!

A esse respeito, é notável que a atmosfera que então reina no grupo de acasa-
lamento seja uma atmosfera de esperança e de expectativa confiante. Um acon-
tecimento vindouro ou um resultado próximo que se espera terão um efeito
" "

positivo salvador. Essa expectativa apresenta-se assim como a de um messias


reparador. E esse messias vindouro (homem, idéia ou utopia) é vivenciado como
" "

"
uma consequência dessa união engendrada por essa relação de acasalamento e
"

produto idealizado dela. Mas essa esperança necessária e confiante, essa crença na
vinda futura de um ser salvador aparece, certamente, como defesa reativa à
angústia e ao medo, para remediar sentimentos intoleráveis de ódio, de destruição,
de desespero.

Entretanto, uma questão se coloca: qual a natureza ou o componente dessa


angústia em relação à qual se falou de sentimentos de destruição e de desespero?
Qual é essa angústia que se encontraria no fundamento do "suposto de grupo
"
acasalamento ?

Se Bion deixou essa questão em suspenso Fornari por sua vez, pretende apresen-
,

tar uma resposta. Essa angústia seria segundo ele, apenas a expressão da angústia
,

genética que vai ocupar um lugar central na génese das organizações sociais
originalmente ligadas a essa estrutura social fundamental que é a família a qual
,

não parece ter-se originado senão das necessidades e das modalidades de sua
gestão.

A análise de sonhos de mulher durante a gravidez realizada por Fornari põe em


evidência que nas fantasias inconscientes da futura mãe, a criança que está para
,

nascer é vivida:

- Como objeto bom idealizado, superinvestido narcisicamente. O nascimento


desse salvador é esperado como indenização como reparação.
,

- Mas essa criança que está para nascer também aparece nas fantasias que estão
associadas ao parto como objeto perseguidor fonte de dor, de dilaceramento
,

moral e físico já que esse nascimento pode provocar a morte da própria mãe.
Nesse caso o que aparece é a angústia persecutória característica de um aspecto da
,

angústia genética Todavia, a característica mais manifesta dessa angústia reside na


.
158 A Instituição e as Instituições

apreensão ou no temor ansioso da deterioração do produto da concepção. Trata-se


aqui de uma angústia depressiva constitutiva do outro aspecto dessa angústia
genética. Essa se traduz ou se denuncia no sonho ou na fantasia de pôr no mundo
um ser defeituoso, doente, aleijado, disforme ou monstruoso. Se essa angústia tem
fundamentos fantasmáticos - ligados a sentimentos de culpa edipianos - em alguns
casos ela também seria fundamentada pelo real. Com efeito, que a criança nasça
"
defeituosa" é uma "possibilidade real", e constituiria dessa forma uma origem so-
cial real da angústia genética que vem se juntar ao seu aspecto puramente
fantasmático (p. 114). Essa simples observação já faz pressentir a importância que
Fornari atribuirá às organizações sociais na luta que podem travar contra as
angústias originárias tanto que, no seu entender, a realidade objetiva vai poder
conter uma realidade fantasmática estarrecedora e remediá-la.

Segundo Fornari, o suposto básico de acasalamento não seria senão o mecanismo


de defesa elaborado contra a angústia genética que se caracteriza tanto pelos seus
aspectos persecutórios quanto depressivos. Assim, a espera de um filho-messias
"
seria a expressão da fantasia defensiva seguinte: Não é verdade que o meu filho
será um objeto perseguidor que me destruirá ou um objeto que eu estraguei A .

criança que vai nascer será o messias no sentido de que me tranquilizará contra o
medo da criança perseguidora e também contra o medo de que eu que o engendrei
"
o tenha estragado com os meus ataques (p. 106).

Ora, o que vale para o grupo artificial vale para o comportamento coletivo no
estado embrionário: esse é um dos postulados epistemológicos de Fornari Em .

" "
outras palavras o grupo sobre o qual Bion trabalha reproduziria segundo For-
, ,

nari uma situação originalmente vivida no social no estado fluido, ou seja, antes da
,

estruturação. Mas para que esse reasseguramento contra as angústias perse-


,

cutórias e depressivas mobilizadas pela criança e obtida pela idealização do


produto da concepção funcione de maneira permanente, esta jamais deve nascer.
Revela-se necessário não se expor a um desmentido isto é, que o teste de reali-
,

dade não obrigue a abandonar a crença na excelência dessa criança comparando a


criança real com a criança sonhada .

É essa elaboração defensiva reacional a uma angústia genética que se veria ins-
titucionalizada no nível de determinadas organizações sociais Assim, essa
.

preocupação e essa precaução de não correr o risco de uma verificação negaíva


aparecem no sistema de castas e no sistema da aristocracia que são estruturas
sociais cuja natureza e funcionamento excluem justamente qualquer confronto com
a realidade decretando a priori como positivo e excelente o produto da
,

concepção. Certamente elas supõem que a criança só é excelente na medida em


,

que é reprodução do semelhante. O mesnto não podendo engendrar senão o


mesmo é preciso afastar qualquer tentativa de infração à ordem das coisas e
,

preservar a regra natural da endogamia, única capaz de conter o surgimento da


monstruosidade. O monstro nesse caso, não pode resultar senão do efeito nefasto
,

de uma infração à regra de segregação sexual específica .


O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 159

Assim, compreendemos que a angústia genética seja tão solicitada no contexto de


uma ordem que contradiz a regra natural de endogamia e, reciprocamente, que
quanto mais forte for a angústia genética mais aumentem as tendências ao
"

"

acasalamento endogâmico
"
(p. 114). Caímos então num "círculo vicioso a respeito
do qual podemos nos perguntar se sua causa não residiria no desconhecimento da
anterioridade lógica intransponível da angústia de castração da qual a angústia
genética não seria mais que um avatar.
Se de agora em diante estamos decididamente no campo do histórico fantasmado
não seria essa a consequência de um cegamento do imaginário edipiano? A
" "

exposição teórica sobre o controle da angústia genética funciona como recusa da


diferença dos sexos e efeito da castração como lei. ,
Falar de um acasalamento endogâmico fantasiado como incestuoso cujo produto
carregaria os estigmas da transgressão prova uma anterioridade da lei. E, a partir
daí, é possível pensar que é a exogamia como prescrição social e cultural que, no
imaginário, rompe a regra das semelhanças da ordem natural e faz fantasiar o
produto híbrido, antinatural, como fatalmente monstruoso testemunhando a
diferença e a castração. É nessa ordem, com efeito, que a criança é susceptível de
ser afetada por uma falta ou por uma deformidade.

Para Fornari, o que Bion descreve como a prerrogativa do messias, que consiste
em afastar qualquer desmentido excluindo a possibilidade de que a criança não
seja o que se espera, determinadas estruturas sociais o realizam prevenindo esse
risco. Assim, a aristocracia como organização eugênica se constitui pela e na
institucionalização da idealização do produto da concepção, declarado "aristos",
isto é, "bem-nascido", o "melhor".

Quanto à "família social autêntica (como primeira estrutura social elementar), (se
ela) se enxerta sobre essas hipóteses básicas que contêm a primeira formulação
idealizada do social como defesa contra as angústias básicas" (p. 110), ela conser-
varia a lembrança petrificada nas suas estruturas, na sua organização, mas também
nos seus mitos e no seu inconsciente angústias que originalmente aterrorizavam os
,

seus membros. Nesse sentido ,


a família fantasmática
" "
deveria ser considerada
como o inconsciente da família, em outras palavras como o inconsciente tal como é
mobilizado pela situação relacional suscitada pelo encontro familiar. Assim, a
"
fafnília fantasmática" está vinculada ao conteúdo das fantasias inconscientes que
dominam os membros desse grupo elementar de parentesco. "A família fantas-
mática é feita de crimes silenciosos, sonhados, cujos mitos e lendas (dos atridas ou
"

dos labdácidas) constituem um importante testemunho. Os mitos ou as fantasias


inconscientes que os animam refletem ou representam de que maneira, na família
fantasmática ,cada membro se sente ameaçado por todos os outros e vice-versa
" "

numa espécie de universo destrutivo sem escapatória (p. 109).

Segundo Fornari os supostos básicos identificados por Bion seriam outro tanto de
respostas (reparadoras e reasseguradoras) coletivas aos desastres fantasiados pela
160 A Instituição e as Instituições

família inconsciente. Esses supostos se apresentariam como sendo expressões


sociais originais que funcionam como mecanismos de defesa próprios para es-
tabelecer e manter a idealização do objeto contra as angústias relacionais básicas.
A institucionalização que se efetua pelo trabalho operado sobre os diferentes
supostos (como primeiras elaborações defensivas) se apresenta como a instalação
de um conjunto de funções e de mecanismos culturais" (convenções, normas, tabus,
hábitos...) específicos que dizem respeito respectivamente ao pai, à mãe e ao filho,
ou seja, a cada elemento constitutivo da estrutura familiar. Assim, naquilo que aqui
nos interessa diretamente, a família social oferece à família fantasmática, que é
"

continuamente vivida como se estivesse à beira do abismo, a certeza de que não


haverá desastre porque o filho não matará o pai ou a mãe, mas, ao contrário, será o
"
salvador... (pp. 109-110).

O que não deixa de surpreender no curso dessa exposição é, ora a dupla


anterioridade (lógica e cronológica) da angústia genética cujo suposto básico de
acasalamento ofereceria o primeiro elemento de reasseguramento, proclamando a
excelência do produto da concepção e os seus efeitos reparadores, ora a poste-
rioridade dessa angústia em relação ao fenómeno de acasalamento cujo produto
seria declarado ideal apenas na recusa.

Nessa hesitação, só podemos constatar o embaraço de Fornari que pretende ex-


plicar a origem da sociedade projetando um romance familiar sobre as instituições
sociais. Fazer dessa hipótese" o fundamento da família social (cf. p. 110) e
"

consequentemente a origem da história, significa querer fundar essa origem sobre


a economia de um começo imaginário que nada deveria à cena primária.

Portanto, verossimilmente é por razões diferentes daquelas evocadas por Fornari


,

que o casal - como o grupo, aliás - procederia à idealização da criança que está
para nascer. Essa criança maravilhosa que está por vir só o é na medida em que se
pode fantasiar o produto do mesmo como não castrado, ou seja, na medida em que
ele desmente a fantasia angustiante de uma cena primária sádica que atiça para a
luta o mesmo e o outro e que revela a diferença dos sexos (J. P. Vidal, 1978). De
forma que para nós, o suposto básico do acasalamento parece sobrevir como
,

defesa contra a fantasia de uma cena de penetração sádica do corpo da mãe.

A criança monstruosa é o efeito da intervenção do diferente. E na fantasia, o que


,

originalmente seria antinatural é exatamente a regra cultural de exogamia.


, *

2 .
A instituição como "problema de família"

Até aqui estivemos mais particularmente atentos às construções eruditas pelas


,

quais a instituição era referida à instituição familiar como origem, fundamento,


modelo , duplicata... A esse respeito, condenamos uma aproximação que dando a
O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 161

impressão de ser evidente, nos pareceu sintomática, e isso tanto mais manifesta-
mente quanto os motivos que supostamente deveriam justificar o recurso à
psicanálise como sistema explicativo se verificariam diferentes, até mesmo con-
traditórios. Assim, as razões de Furstenaii a priori invalidam as de Fornari e, vice-
versa, as razões deste último fazem as do primeiro parecer insignificantes ou
superficiais, simplesmente porque estabelecidas sobre analogias.
Tudo isso nos leva a encarar de uma maneira diferente o discurso dos analistas
sobre a instituição. Assim sendo, agora faremos abstração da exposição manifesta
para o considerar e tratar como um material clínico, da mesma forma que o discur-
so produzido sobre a instituição pelos próprios agentes desta... Isso quer dizer que
não se trata tanto de determinar a validade desta ou daquela hipótese relativa à
natureza e à função da instituição ou às modalidades do seu funcionamento quanto
de se deter sobre a realidade fantasmática produzida em filigrana no discurso que
ela suscita.

Doravante nos interessaremos pelo exame da instituição como representação ou


figuração, por outras palavras, pela instituição tal como aparece através de diferen-
tes maneiras de se falar dela.

Se os indivíduos utilizam as instituições concretas de que são membros desta ou


daquela maneira e de acordo com as exigências de sua economia psíquica, supor-
se-á que aquilo que os analistas podem dizer ou escrever sobre elas numa lin-
guagem especializada é susceptível de se inscrever igualmente no registro dessa
utilização.

A esse respeito determinadas maneiras de se representar a instituição nos


,

pareceram notáveis. Dessa forma, ela se torna um verdadeiro personagem familiar


no discurso que a descreve. As metáforas antropomórficas a que frequentemente
se recorre para explicar a instituição parecem merecer que nos detenhamos um
pouco mais sobre elas; certamente, aí está o efeito sintomático de uma fantasia que
infiltra e dinamiza essa representação a ponto de valer a pena que seja inter-
,

rogado.

21
. .
Da instituição "mãe má" à instituição "estilhaçada"

Dessa representação que substitui uma realidade material postulamos que ela
,

pode contribuir para nos fazer compreender a realidade psíquica inconsciente


trans-individual segundo a qual a instituição se organiza O discurso sobre a
.

instituição se revela aqui verbalização da fantasia organizadora , como correspon-


dente psíquico partilhado da instituição social
.

Algumas formulações de R Lefort (1973) são, a esse respeito, perfeitamente e-


.

xemplares e capazes de ilustrar essa abordagem da instituição Assim, ele coloca


.

de início que ao invés de ser simplesmente animado pelo desejo de a defender (ou
162 A Instituição e as Instituições

de a destruir), "a preocupação de situar de onde o Id fala 1na instituição', per-


mitiria colocar em evidência o que a instituição procura rejeitar como palavra (p.
"
.

183). Essa é uma estranha maneira de falar que deixa bem claro que a instituição ,

tornando-se alguém, usurpa o lugar desse Outro que não existe, mas de onde o Id
fala. A instituição se torna pessoa e doravante o Id não pode mais falar.
tf

Com efeito, "a instituição... como uma espécie de pessoa... se alimentaria das pes-
"
soas que lhe são confiadas Assim ela assume um lugar de todo-poderosa; ela se
.
,

comporta como uma mãe de psicótico e, em nenhum momento o sujeito pode se


desligar dela sem correr o risco de explodir" (id. 1976). A instituição personificada
aparece aqui sob os traços de uma mãe de psicótico que procedeu à anulação do
"
pai e de quem ela tomou o lugar. Ela espera dos sujeitos, seus filhos, que a colo-
quem no lugar de uma mãe poderosa e boa (e) que se mostrem masoquistamente
"
satisfeitos com ela... (p. 189).

Ela se apresenta a seus filhos como "boa e amorosa", querendo o bem deles e ,

também ela os coloca na "posição de responsáveis pela sua própria existência" e ,

isso até no discurso que eles podem manter sobre ela; eles podem dizer tudo ,
"
exceto falar contra (ela) e a rejeitar Mostrar-se agressivo em relação a ela é
"
.

correr o risco de a colocar em perigo, é mais ou menos como se se comportasse


"

então como alguém que vai matar a mãe, aquela que o ama e quer o seu bem (id). "

A instituição personificada vem a se encarnar num agente institucional que se


identifica narcisicamente com ela a ponto de se fundir completamente nela.
,

Doravante é impossível dissociá-los Assim, R. Lefort ainda pode escrever: "... a


.

instituição na pessoa da diretora estava em depressão" (p 195). Pela voz do seu


.

representante a instituição mantém um discurso, faz pedidos, exige comportamen-


,

tos ou atitudes distribui ou redistribui os postos de cada um, lança anátemas,


,

designa como objeto de ódio e de exclusão ou de degradação tudo o que pode


atacar a sua integridade narcísica .

No sentido oposto a instituição explodida que arruma e entretém a possibilidade


" "

de uma experiência transicional correndo o risco da morte ou da rejeição, as-


,

segura algo como aquilo que Bion denomina "a função alfa" ou seja, a função ,

materna do Outro. Nesse caso a instituição desempenha e assume o papel da boa


,

mãe!

Não contestamos que essas metáforas possam fazer sentido mas não podemos ,

evitar de nos espantar que até na prática das palavras (que se trate daquela da
linguagem banal ou daquela de uma linguagem especializada) seja tão natural não
se poder evocar a instituição sem se referir à família. Estabelece-se uma espécie
de correspondência necessária entre "o sistema do parentesco" e o sistema das
atitudes institucionais.
O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 163

22 . . Da proibição do incesto ao complexo de Édipo


organizador dos grupos de "familiares"
" "
como

O que parece surpreendente no fato de que a estrutura do parentesco possa se


transformar num modelo explicativo do que acontece nos diferentes níveis do fun-
cionamento institucional é a própria força da representação familialista que se
impõe sempre como uma evidência ou como um recurso necessário, mesmo quan-
do não se lhe reconhece senão um limitado valor científico.

"
Falar de uma interdição de incesto nos grupos, escreve D. Anzieu (1975), implica
uma aproximação analógica, não um uso científico do conceito (p. 279). E, segun-
"

do ele, atribuir a assexualidade considerável que existe nos grupos à interdição do


incesto, porque "os membros masculinos e femininos de uma equipe, de um
serviço, de um ateliê se consideram explicitamente como irmãos e irmãs (p. 278)
"

denota uma conclusão apressada, que tem a sua origem num deslocamento defen-
sivo contra a regressão pré-genital. Aqui, o complexo de Édipo asseguraria uma
função de pseudo-organizador destinada a esconder o vínculo inconsciente pré-
genital que organiza os grupos. Quanto ao clã ao qual S. Freud faz referência, ele
"

constitui um exemplo totalmente particular na medida cm que o clã é, ao mesmo


tempo, um grupo e uma família" (id). A partir daí, não se poderia estender uma
"
característica fundamental específica da família e unicamente da família ao grupo,
"
sem se expor a graves equívocos. Não se pode confundir o grupo e a família: O
complexo de Édipo é o organizador inconsciente da família, não é um organizador
do grupo".

Mas se o clã - real ou imaginário - tem um status intermediário, na medida em que


se encontrasse em situação de equilíbrio com o grupo e a família, mutatis mutandis,
"

acreditar-se-ia que o mesmo pudesse se dar com o grupo psicoterápico. Como a


família escreve ainda D. Anzieu, o grupo psicoterápico mobiliza o complexo de
,

Édipo nos participantes" (p. 280). Algumas observações, ainda que bastante excep-
cionais dão prova disso. Entretanto, feitas essas reservas, D. Anzieu termina o
,

exame dessas reações edipianas no quadro de um grupo terapêutico, concluindo


que mais do que com a família, o grupo psicoterápico tem parentesco com o
"

grupo pura e simplesmente..." (p. 281).


*
Ora num texto ligeiramente posterior (Oedipe supposé conquérir le groupe), D.
Anzieu (1976) escreve a respeito da equipe do C E F F R A P : "É forçoso reco-
. . . . . . .

nhecer que a proibição do incesto está e sempre esteve silenciosamente presente e


...

agindo entre nós fazendo de nós irmãos e irmãs... a interdição do incesto, no


,

estado puro ou na forma de um equivalente simbólico derivado alicerça, con- ,

comitantemente a vida do casal e a vida do grupo - de um casal capaz de fundar


,

uma família de um grupo capaz de realizar uma obra" (p. 41).


,

Não nos interrogaremos aqui sobre as razões que levam D .


Anzieu a retomar esse
ponto, porque a nossa atenção não se volta tanto para razões quanto para repre-
164 A Instituição e as Instituições

sentações a respeito das quais não nos preocupamos em saber se são teoricamente
fundamentadas ou não. Para nós é suficiente constatar que elas surgem efetiva-
mente, que se impõem e realmente determinam comportamentos, se infiltram nas
atitudes, informam discursos, definem, regem e justificam organizações que se
apresentam como consecutivas a essas representações e inteligíveis (analitica-
mente) graças a elas.

Certamente, pode-se supor, como D. Anzieu ou R. Kaés (1976 b, p. 83), que essas
organizações familiares que emergem assim nas representações (banais ou
" "
eruditas) do grupo institucional são apenas efeitos de superfície que dissimulam
"
"
organizações complexivas mais primitivas mas pretendemos reconhecer na sen-
,

" "
sibilidade desses efeitos de superfície um sintoma que nos inquieta, justamente .

Por que as "representações familiares" prevalecem de maneira tão clara e tão


espontânea na organização das representações do grupo institucional? Pensamos
que o grupo institucional (um conselho de administração, uma equipe esportiva,
"
uma classe escolar, uma equipe de tratamento...) é um grupo de familiares", e que
nesse ponto ele mobiliza de maneira privilegiada uma fantasmática familiar. "Ser
da Casa", "fazer parte da Casa" são expressões reveladoras das interações e das
"
relações de familiaridade" que se tecem entre os indivíduos que convivem per-
manentemente e cotidianamente no trabalho ou em outras atividades. É certa-
mente inevitável que as representações do grupo institucional se construam sobre o
modelo das fantasias propriamente familiares e se exprimam naturalmente nos ter-
mos e através do enredo desses protótipos... domésticos!

Poderíamos acrescentar a isso as hipóteses de W. Granoff (1975) e R. Kaés (1985


a), segundo as quais no tocante às afiliações institucionais, a pessoa sempre aplica
,

e retira alguma coisa das suas próprias relações de filiação. Daí resulta a
mobilização inevitável e renovada do seu próprio romance familiar.

Portanto, não é surpreendente encontrar, no nível das leis imperativas (implícitas


ou explícitas) que estruturam as relações internas em determinadas instituições de
tratamento, os interditos e proibições que funcionam no seio da família. Elas tes-
temunham que os membros de uma mesma instituição deixam-se viver ou são
vividos por aqueles que organizam as suas relações ou simplesmente os descrevem
como os membros de uma mesma família , ou seja, como tantos irmãos e irgiãs
simbólicas. Assim a interdição do incesto
, constitui uma lei fundamental para
Laborde e para Bonneuil .

Laborde

G Michaud (1958) no livro que dedica a Laborde, desenvolve a esse respeito


.
,

considerações que não deixam de ser interessantes. Ela precisa que "o grupo D (o
O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 165

grupo dos doentes) é necessariamente exógamo... Podemos afirmar que, na prática,


uma relação de tipo erótico com um dos membros de G.D é considerada como
.

nefasta e se opõe ao pedido terapêutico do grupo todo; pode ser compreendida


" "

como uma espécie de incesto cuja interdição é uma exigência "social" do grupo,
antes de ser uma prescrição médica noções que, nesse caso, são perfeitamente
" "

equivalentes (p. 88). E ela acrescenta numa nota: às vezes é difícil ajustar essa
"

interdição - simbólica - do incesto com um comportamento não repressivo da


"
sexualidade .

Podemos compreender esse equívoco que parece ser provocado pela confusão
entre as regras que provocam a situação analítica e as da instituição. Com efeito,
introduzir a interdição do incesto como regra no seio de uma instituição - mesmo
de "tratamento" - é pressupor e induzir ao mesmo tempo, é pressupor a fim de
induzir. Não é porque determinadas instituições têm por vocação tratar ou então
produzir, administrar, educar ou distrair... que elas são essencialmente diferentes.
Assim sendo, quando se pressupõe e enuncia que os indivíduos são irmãos" e
"

"
irmãs", ou os "filhos" simbólicos de "pais" e de "mães" simbólicas, induz-se uns e
outros a se considerarem como tais. Mas, nesse contexto, quando se falta com a
regra, contentamo-nos em interpretar e apenas em interpretar ou temos também os
meios materiais para sancionar?

Se podemos reconhecer na interdição representada pela regra de abstinência o


poder de contribuir para definir a situação analítica como efeito da palavra, essa
interdição poderia ser outra coisa que não uma repressão ideológica ("médica" ou
outra) numa situação que nem explicitamente, nem implicitamente é analítica,
"

posto que logicamepte também não o é? A interdição se apresenta como razão (a


"

do intercâmbio, por exemplo) para continuar a se dissimular como desejo insen-


"

sato, ou seja, como lei (desejo recalcado). A razão funciona aqui ainda para
"

manter o desconhecimento da função do desvario ou da desordem!

A "proibição do incesto" entre os membros de uma comunidade funciona, antes de


qualquer elaboração conceituai, como organizador inconsciente das repre-
sentações do grupo de familiares. E o saber teórico que pretende embasar
racionalmente essa interdição (terapêutico ou de outra natureza) tem por efeito
impedir qualquer possibilidade de se reconhecer a origem dessa interdição e o
registro em que ela age para cada um.
»

A Psicanálise não pode lidar unicamente com representações. E sobre tais repre-
sentações que ela pode ser exercida e é considerando as construções teóricas nesse
campo como construções ideológicas que metabolizam as fantasias que ela pode
continuar a ter um sentido como "ciência do inconsciente.
"

Esses modos de falar ou essas construções racionais que se julgam saber "analítico"
fora de qualquer situação propriamente analítica não emergem senão como
"

resistências epistemológicas que impedem a atenção de compreender a família


"

como representação. Trata-se menos de interrogar a realidade objetiva à luz de um


166 A Instituição e as Instituições

"
"
saber prévio do que de interrogar a própria representação. A Psicanálise não tem
por vocação determinar se os indivíduos têm ou não razão de acreditar nisto ou
naquilo, de agir deste ou daquele modo, conforme as exigências normativas oriun-
das do seu saber, mas, antes, examinar com indivíduos as suas representações e o
"
sentido que elas assumem para eles numa determinada situação. Assim sendo, ela
deixa a outros a preocupação de retomar o discurso analítico" (M. Mannoni, 1973 ,

p . 56).

Bonneuil

Sobre a questão da relação entre os sexos em Bonneuil, M. Mannoni (1973) enun-


cia uma posição mais coerente, na medida em que a interdição não procura se
legitimar. "Convencionamos de maneira arbitrária, diz ela, que as crianças do
,

lugarejo chamado Bonneuil não poderiam namorar na escola...; dizíamos aos


"

rapazes: namorem todas as moças que quiserem, mas não as da escola... (p. 82).

É interessante ver-se perfilar consecutivamente ao enunciado dessa restrição


sexual a sombra do complexo de Édipo. O que então se manifesta parece ser a
expressão de uma interdição reveladora de um outro lugar que imita, discreta-
mente, o lugar onde surge a regra que define um dentro e um fora. Dessa feita ,
"
surge alguém para dizer a esse respeito: Essa história é artificial, é como se todos
nos chamássemos Bonneuil e como se, por causa disso, fôssemos obrigados a
"
namorar fora daqui (p. 83).

Seja como for um rapaz não deixa de se fazer a pergunta que precisa o registro
,

imaginário no qual nos situamos: "Não haverá entre as moças uma que certamente
é minha mãe?". "Quem pode garantir que a moça com a qual dormimos não é sua
"
mãe? (p. 83). O regulamento que, de agora em diante, distingue as mulheres que
são possíveis daquelas que não o são lhe parece (?) inquietante na medida em que
,

é insuficiente. O fato de ele poder namorar todas as moças exceto as da escola,


,

reaviva um terror ao qual ele reage por um comportamento agressivo, preocupante


e por um discurso veemente no qual exprime a preocupação de exterminar todas
as mulheres. Não são apenas as mulheres de Bonneuil que deveriam ser proibWas
ou excluídas mas todas. Não sendo assim, ele acaba procurando para si uma
,

mutilação real que viria preservá-lo de qualquer tentação e que o colocaria ao


abrigo de qualquer transgressão de qualquer desregramento...
,

Se o discurso que ele usa a esse respeito tem a sua origem na problemática pessoal ,

não se pode nem por isso, dissociá-lo do lugar e das circunstâncias em que ele se
,

enuncia. Nesse sentido e em relação ao grupo, esse rapaz é também um porta-voz


,

que revela a dimensão edipiana como recurso e, ao mesmo tempo, a defesa frente
a esse recurso. A segregação homens-mulheres à qual pretende dá prova de uma
O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 167

regressão desejada a uma ordem de relações pré-genitais - monossexuais - numa


preocupação peremptória de se proteger contra a castração simbólica.
Mas descobre-se aí que o organizador inconsciente da família constitui o or-
ganizador originário em relação ao qual os outros organizadores podem ser
utilizados como defesa ou recurso. Falaremos, nesse caso, de uma anterioridade
lógica do complexo de Édipo como realidade psíquica inconsciente transindividual
predominante na organização dos grupos de familiares, de maneira que os outros
organizadores em torno dos quais esses grupos podem se reunir ou se construir
correm o risco de aparecer como o contrário daquilo que aparentam.

De fato, pretendemos que "as organizações complexas mais primitivas" que


evocamos acima, no mais das vezes, destinam-se a mascarar ou a ocultar exata-
mente aquilo contra o que estão mobilizadas. Com efeito, lançamos a hipótese de
que no caso dos grupos institucionais, habitualmente, é a respeito delas que con-
viria evocar o efeito de superfície com que se tem tendência a qualificar as repre-
" "

sentações edipianas.

Quanto ao complexo de Édipo como "pseudo-organizador", pressuporemos que


ele só se desvela aqui para melhor se dissimular numa resistência no segundo grau.
O que se sabe assim serve perfeitamente para me-lhor continuar a ignorar.

Mas, além disso, o discurso desse rapaz revela ainda outra coisa: o regulamento
não tem sentido em si mesmo; pode-se dizer que ele o recebe de outra parte. Isso
significa que as rarr.;<; que pretendem embasá-lo apagam-se por detrás do sentido
que lhe conferem aqueles a quem ele se aplica. E esse sentido não é unívoco: pode
variar ou se modificar de acordo com os momentos ou com as circunstâncias.
Assim começa a surgir um sentido para o regulamento que, dessa maneira, pode
,

assumir, para aqueles cuja coexistência ele administra, uma função correspondente
à "imagem" que formam do próprio grupo e dos seus lugares respectivos.

23 . . G. Mendel ou o "romance institucional" do "psicofamiliar"

Se a sociopsicanálise da qual G. Mendel aparece como o teórico não é de modo


algum - e ela defende-se vigorosamente disso - uma aplicação da Psicanálise à
sociedade pode-se dizer, no entanto, que a Psicanálise ainda aqui não se permite
,
"
teorizar" o funcionamento e nem mesmo a disfunção institucional.
,

Assim, segundo G. Mendel, numa instituição, quanto menos os produtores têm a


possibilidade de exercer poder sobre aquilo que fazem, mais se afundam em
modos de comportamento inatuais e propriamente regressivos. O não-poder
aparece como o motor de um encaminhamento ao inverso. Um indivíduo desapos-
sado do poder sobre os seus atos efetua um percurso ao contrário um retorno ao
,

já vivido, já fantasiado, já desejado, já temido... Regride do político ao psicoafetivo,


no caso, ao psicofamiliar, ou seja a um Eu mais arcaico, infantil. A partir daí, as
,
168 A Instituição e as Instituições

relações de poder no seio da instituição de trabalho por exemplo, são vividas de


,

acordo com o modo familiar: tornam-se do tipo filhos-pais. A lógica que então se
instala é a do inconsciente lógica que tende a substituir aquela originada nas
,

relações de produção e também nas forças de produção económicas. Para o


indivíduo, resulta daí uma regressão a atitudes, a comportamentos mantidos pela
predominância de sentimentos e de fantasias inatuais ou desreais em relação à
situação presente. Nesse caso, com efeito, os indivíduos, amputados da parte de si
mesmos que faz deles adultos, não têm outra escolha senão se tornar crianças face
a pseudos pais a quem presenteiam com o pedaço de destino que (sua) existência
"

"
e a (sua) atividade lhes dariam direito (1980, p. 264). Privada de um determinado
poder sobre seus atos, a pessoa não pode sair da infância, por não poder aceder a
um outro modo de existência mais conforme à situação real que deveria ser a sua .

"
Se, portanto, num grupo social predominam as representações familiares" e con-
,

juntamente modos relacionais e organizacionais referentes a essas representações,


seria em razão do peso das forças inatuais e infantilizantes que são exercidas sobre
os agentes institucionais sob o efeito regressivo produzido por uma quase ausência
de poder sobre os seus atos

Segue-se, sem que isso seja explicitamente enunciado que, para G. Mendel, a ,

disfunção institucional proviria da remanescência no seio da instituição de uma


lógica baseada em elementos obsoletos O funcionamento institucional com efeito,
.
,

não é perturbado pelo menos nas relações, nos intercâmbios, nas comunicações...,
,

senão porque prevalece um sistema relacional anacrónico e consequentemente, ,

uma organização inadequada das exigências relacionais da produção por exemplo. ,

Essa aberração pela qual a criança leva a melhor sobre a personalidade social
adulta constitui ao mesmo tempo, uma fonte de desordem e - sem que seja dito
,

claramente - o motivo da exigência de intervenção sociopsicanalítica A inter- .

venção se apresentaria então, como um meio de colocar um fim à regressão e, por


,

via de consequência de colocar as coisas nos seus devidos lugares. Para isso é
,
,

preciso se desvencilhar dos restos ou das sequelas de um modo relacional


anacrónico com o seu cortejo de angústias de fantasias e de desejos inatuais a fim
,

de inscrever o indivíduo num sistema de relações mais conforme às condições


objetivas da vida social atual Melhor situado num conjunto social onde encontrará
.

a sua razão de ser o seu lugar e o seu poder, o indivíduo poderá então descobrir-
,

se como membro de uma comunidade de cuja vida poderá doravante, participar ,

plenamente.

Quanto ao lugar privilegiado onde tudo o que o indivíduo pode fazer é aceder à
sua personalidade social conquistar o Eu do político" tornando-se verdadeira-
,
"

mente adulto , tal não pode ser senão na própria instituição como lugar de
produção micro-social.

Essa antropologia que tenta articular o fato social e o fato psíquico individual,
,

apóia-se na psicanálise pelo menos para teorizar as vicissitudes de uma génese,


,

para explicar uma pauperização e os seus efeitos pela regressão a um plano de


O Familialismo na Abordagem Analítica da Instituição 169

desenvolvimento inatual. A psicanálise como teoria explicativa permite esclarecer a


maneira pela qual os indivíduos mergulham em formas psicoafetivas ultrapassadas,
assim como a natureza e as modalidades assumidas por essas formas. Assim sendo,
supõe-se que compreendamos, através de um dado totalmente objetivo, como e
por que as representações familiares se impõem de maneira tão evidente e tão
" "

espontânea na representação do modo de organização e de funcionamento do


grupo institucional. O imaginário institucional teria uma base objetiva e, em última
análise, uma organização racional adequada poderia permitir pedir aos agentes da
instituição que estabeleçam a economia desse imaginário produzido pela sua
impotência. Sem isso, a sociopsicanálise seria susceptível de remediar a esses
abusos fornecendo os meios para se corrigir, eventualmente, os desvios do fun-
cionamento institucional!

Segundo G. Mendel, se as instituições sociais estão hoje doentes pela remanes-


cência ou pela ressurgência de um modo relacional anacrónico cujo esquema é o
esquema familiar e o modo de expressão o do psicofamiliar, isto está ligado a um
funcionamento geral da sociedade totalmente absurdo que consiste em ocultar a
dimensão do político com tanto cuidado quanto a da sexualidade.

Lançamos a hipótese de que o uso que os psicanalistas podem fazer dessas


construções teóricas" sobre a instituição em nada difere daquele que, de uma
"

maneira mais ingénua, os agentes institucionais podem fazer da instituição em que


vivem e trabalham. A sair assim do campo do analítico, podemos nos perguntar se
o romance institucional que os analistas elaboram não seria a expressão atual de
um romance familiar (cf. R. Kaês, 1985 a).

3 . Dos impasses do familialismo ao objeto da intervenção

Pudemos observar através desses diversos trabalhos que a psicanálise não se jus-
tificava ou não se legitimava para falar da instituição ou para intervir no campo
institucional junto aos seus agentes ou de uma parte deles, senão para delimitar em
alguma parte uma estrutura de tipo familiar, seja para explicar a origem, a
constituição ou a função da instituição, seja para explicar a sua organização, o
funcionamento ou a disfunção seja ainda para elucidar as relações de fato ou de
,

direito dos indivíduos entre si ou com a instituição em pessoa (!), o sistema das
" "

suas atitudes e das suas relações...

Segue daí que nenhum desses "teóricos" descobre a família onde o outro a enxerga
e não reconhece na natureza e na força dessa estrutura efeitos idênticos. Ora,
simultaneamente e por um estranho paradoxo a maioria dessas teses pretendem
,

menos revelar um mito e o seu duradouro poder de fascinação do que um dado


objetivo ou uma realidade que subsiste fora da cabeça dos sujeitos que a pensam.
170 A Instituição e as Instituições

O mito da família tende a desaparecer como tal, para se investir progressivamente


na realidade das coisas.

De fato, essas construções teóricas se apresentam como um sistema explicativo, um


"

saber objetivo impessoal e, às vezes, normativo, esquecendo que a família" como


um grupo institucional não tem outra realidade senão imaginária ou não existe
senão numa encenação fantasmática.

Se as formas de agrupamento e de relações, até mesmo o próprio processo grupai ,

não podem se reduzir exclusivamente a essas representações do objeto-instituição ,

no entanto, é apenas no registro do imaginário que a psicanálise pode ter algo a


dizer. A psicanálise enquanto tal não tem nada a dizer sobre a realidade externa
(social ou outra), a não ser ultrapassando o seu domínio e o seu campo de
aplicação e, a partir de então, quando muito, se transformar em simples ideologia.

Quanto ao analista, ele só é tal em estritas condições operatórias. Queremos dizer


com isso que a tomar suas construções teóricas por outra coisa que não a elabo-
ração da sua fantasia, ou seja, por outra coisa que não um mito, dá testemunho de
um recurso e de um uso defensivo a respeito do qual não podemos deixar de
reconhecer aqui o efeito remanescente do seu próprio romance familiar.

Parece-nos necessário apresentar como preliminar epistemológica que a Psica-


nálise não pode pensar senão aquilo que entra no seu campo de legibilidade o ,

qual está subordinado à problemática específica que sustenta a sua prática. Com
isso se vê definida a originalidade do seu "objeto" que por conseguinte, não pode
,

" "
se confundir com o objeto de nenhuma outra ciência ainda que vizinha ou
contígua. Segue daí que a "instituição" da psicanálise - entendamos aquela da qual
ela pode ter o direito de dizer alguma coisa de pertinente porque é susceptível de
entrar no seu campo de "legibilidade" - não pode ser senão a instituição como
objeto. Em relação a esse ponto fixo de referência qualquer mudança de perspec-
,

tiva não pode deixar de se denunciar como uma construção ideológica.

Ora, a respeito dessas construções parece-nos necessário distinguir o conteúdo


,

propriamente dito do mecanismo que o produz, lhe confere um sentido e uma


função.

Dessa forma, distinguiremos aqui "a família" de um lado, que não cessa de rea-
parecer - com ou sem razão - como o elemento aparentemente indispensável para
pensar a instituição, necessário para legitimar uma intervenção e, por outro lado, a
função e o uso desse modelo social Por falta de procurar se inscrever no único
.

campo de legibilidade aberto pela problemática psicanalítica o recurso sistemático


,

a esse modelo se revela um recurso ideológico O sentido desse recurso merece ser
.

questionado, tanto do lado dos analistas quanto do lado dos agentes institucionais:
supomos com efeito, que independentemente dos conteúdos, os mecanismos
,

operatórios e funcionais de que resultam constituem um tal poder de sedução que


estariam na origem daquilo que provoca o pedido de intervenção institucional (J P..
171
O Familialisnio na Abordagem Analítica da Instituição

Vidal, 1984). Não seria tanto o caso de se apropriar da ideologia do (ou dos)
eventual interveniente, quanto de se apropriar dos meios próprios para produzi-la
com o objetivo de dominar e de consertar o que se desregula nesse lugar onde se
dão os conflitos de filiações a respeito das afiliações institucionais (cf. R. Kaês,
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A Mulher Sem Qualidade - Annie Anzieu

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