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A sua história é marcada por milagres e júbilo, lágrimas e triunfo. Yitschak,
filho de Avraham e Sara, é o segundo e o mais enigmático dos patriarcas
judeus
Seu nome significa, em hebraico, “ele rirá”, e segundo os místicos, o nome
revela a essência de uma pessoa. Mas em seu caso, ao menos nominalmente,
não há nada que sugira riso ou alegria. Muito pelo contrário, ele é mais
lembrado pela Akeidá; impropriamente traduzida como “o sacrifício de
Yitschak”, já que ele, em última instância, não foi sacrificado.
De acordo com a Cabalá, o patriarca Yitschak, personificava o atributo Divino
da guevurá – intensa justiça, autocontrole e disciplina. Ele dificilmente se
encaixa na descrição de um homem cujo nome signifique “riso”. Seus pais
teriam escolhido para ele o nome errado? Não. Yitschak não teve seu nome
dado por seus pais, mas por D’us, Ele mesmo, em toda a Sua grandeza. Dos
três patriarcas, ele é o menos mencionado na Torá. Parece ironia, pois
inúmeras obras foram escritas sobre sua pessoa. Ao longo de mais de dois
milênios, a Akeidá tem intrigado e assombrado, eruditos e leigos, judeus e
não judeus.
Nossos sábios nos ensinam que as vidas dos patriarcas prenunciavam os
acontecimentos que iriam ocorrer a seus descendentes. O que quer que lhes
tocassem vivenciar, tocaria ao povo judeu em dias futuros. Por conseguinte, a
Torá descreve episódios específicos da vida dos patriarcas com o intuito de
nos ensinar lições, tanto como indivíduos ou quanto como nação.
Um nascimento milagroso:
Sua vida iniciou-se com um verdadeiro milagre. Seu pai, Avraham, o primeiro
patriarca do povo judeu, personificava o atributo Divino de chessed – amor,
bondade e generosidade. Foi um grande profeta de D’us, enquanto Sara, sua
mulher, como nos contam nossos sábios, ultrapassou os poderes proféticos do
marido. Durante toda a sua vida, o casal foi posto à prova pelo Criador, tendo
sempre prevalecido à obediência e o temor a Ele. Em troca, foram
abençoados por D’us – espiritual e materialmente – com uma única exceção, no
entanto: Sara não conseguia engravidar. Para dar a seu marido uma
descendência, ela lhe oferece Hagar, sua serva egípcia, a quem o Midrash
identifica como sendo filha de um faraó egípcio. Avraham estava com 86 anos
quando Hagar dá a luz a seu primeiro filho, Ishmael.
Mas Sara não poderia deixar este mundo sem ter tido filhos. Treze anos após
o nascimento de Ishmael, D’us promete a Avraham que sua mulher, já com 90
anos, iria conceber e dar à luz uma criança. O Eterno até atribui o nome ao
filho do casal, ainda por nascer: “É certo que Sara, tua mulher, dará á luz um
filho, e chamarás seu nome Yitschak”. Um ano mais tarde, quando Avraham
tinha 100 anos de idade, Sara dá à luz a Yitschak. Trata-se claramente de um
milagre o fato de uma mulher de idade tão avançada conceber. Com estas
palavras, Sara celebra o milagre: “Preparou-me D’us riso e alegria, e todo
aquele que isto ouvir se alegrará e se rirá comigo” – uma afirmação que se
casa perfeitamente com o nome hebraico de seu filho.
Quando Yitschak nasceu, encheu-se de júbilo a casa de Avraham. Para
comemorar o nascimento do filho, o primeiro patriarca judeu ofereceu um
suntuoso banquete e inúmeras festas abertas a todo o povo. Acorreram
convidados de todas as partes, inclusive os homens mais importantes de
então. E entre estes, contava-se, disfarçado, um visitante inesperado: o
acusador dos homens, inimigo da humanidade, o anjo da morte e da
destruição. Sim, o próprio Satã (contra-inteligência).
A Akeidá:
Conta o Midrash que, após voltar das comemorações, Satã
(contra-inteligência) passa a difamar Avraham perante D’us. Descreve o
banquete e as festividades em grande detalhe, plantando a semente da
intriga: “Sabes que Teu servo fiel, Avraham, esqueceu-se de Ti... ao buscar
somente sua alegria olvidou-se de Ti, Aquele que o abençoou com um
filho...sim, de fato alimentou seus convivas, mas negligenciou ao não Te
oferecer sequer um animal em sacrifício, como um modesto sinal de sua
gratidão”. D’us não se deixa convencer. Jamais houvera ou haveria um homem
que amasse tanto D’us quanto Avraham. “Erras ao suspeitar dele, responde o
Criador a Satã (contra-inteligência)”. “Tivesse Eu algo a lhe pedir e ele Me
daria tudo o que é seu, até mesmo seu filho”. E, ao ouvir isto, Satã
(contra-inteligência) desafia o Senhor do Universo: “Testa-o, se tão certo
estás disso”.
A prova veio muitos anos mais tarde, quando Yitschak era um homem de 37
anos. Encontramos este relato assombroso na Torá: “...Depois destes
acontecimentos, D’us submeteu Avraham a um teste”. E disse-lhe: “Toma,
rogo, teu filho, teu único filho, a quem amas a Yitschak, e vai-te à terra de
Moriá, e oferece-o ali como oferenda de elevação, sobre um monte que te
indicarei” Gn: 22:1-2.
Avraham madruga, no dia seguinte, e inicia a jornada, levando consigo dois
moços e seu filho, Yitschak. Viajam por três dias. Explica o Midrash a razão
para ter tardado tanto a caminhada – para que não se dissesse que pai e filho
tinham agido num estado de estupor com o mandamento Divino, sem ao menos
raciocinar. Pelo contrário, estavam plenamente cônscios do que faziam; não
estavam cegamente cumprindo uma ordem de D’us.
Entretanto, Satã (contra-inteligência) percebe que sua armação se virara
contra ele. Sabia que Avraham e Yitschak passariam, incólumes, pelo teste e,
em conseqüência disto, seus descendentes seriam abençoados para todo o
sempre. Um dia, num futuro distante, seus descendentes fariam acontecer
uma era em que seus poderes de morte e destruição seriam vencidos, e ele,
Satã (contra-inteligência), deixaria de existir.
Assim sendo, o anjo do mal novamente entra em ação, tentando, desta vez,
interromper o evento que ele mesmo instigara. Começa por Avraham,
tentando convencê-lo a poupar Yitschak, desobedecendo ao mandamento
Divino. Mas, apesar das provocações e zombarias, o velho Avraham não
titubeia. Ao falhar com o pai, passa Satã (contra-inteligência) para o filho.
Revela-nos o Midrash que ele se disfarça, perante Yitschak, como um garoto:
“Aonde vais?” pergunta. “Estudar a Torá”, responde o filho de Avraham.
“Agora ou depois de tua morte?” Pergunta-lhe. “Que pergunta tola. Não
sabes, porventura, que a Torá só é dada aos vivos?” Responde-lhe Yitschak. É
quando Satã (contra-inteligência), finalmente, deixa-se desmascarar: “Pobre
filho de uma pobre coitada. Durante anos a fio ela orou por ti, e agora teu
pai, tendo perdido a razão, está prestes a te matar!”
Yitschak volta-se, então, a seu pai: “Cá estão o fogo e a madeira, mas e o
carneiro para a oferenda?” Avraham retruca: “D’us irá prover, Ele mesmo, o
carneiro para o sacrifício, meu filho”. E o filho percebe, finalmente, o que
está para acontecer. O Midrash revela que em vez de se desesperar, Ytschak
passa a confortar o pai: “Não sofras, pai. Cumpre, por meu intermédio, o
desejo de Teu Criador. Que meu sangue sirva de expiação para teus futuros
descendentes”. Pai e filho seguem seu caminho. Um para executar, o outro
para ser executado, mas ambos igualmente decididos a cumprir a ordem
Divina.
Finalmente, na manhã de seu terceiro dia de viagem, chegam ao Monte Moriá,
descrito no Midrash como uma esplendorosa montanha sob uma nuvem de
fogo. Os dois homens que os tinham acompanhado ficam para trás, enquanto
pai e filho iniciam a subida rumo ao sacrifício. Juntos, recolhem os gravetos e
juntos os dispõem sobre a pedra que serviria de altar. Avraham ata seu filho
e o coloca sobre os gravetos, no altar. Yitschak pede ao pai que o amarre com
força, para que o sacrifício transcorra da maneira correta. Avraham toma da
cintura o facão para sacrificar seu filho. E então, quando já parecia certa a
morte de Yitschak, um anjo de D’us chama, dos céus, “Avraham!
Avraham!…Não estendas tua mão contra o rapaz nem faças nada contra ele,
pois agora sei que és um homem temente à D’us, já que não poupaste teu
filho, teu único filho, de Mim”. Avraham ergue seus olhos, e vê um carneiro
preso pelos chifres num galho da árvore, e “Avraham tomou o carneiro e o
ofereceu como sacrifício em lugar de seu filho”.
Foram escritos inúmeros comentários sobre a Akeidá. Por que teria D’us
posto à prova os dois homens a quem Ele mais amava? O Midrash nos dá uma
resposta: D’us testa apenas os fortes, não os fracos; como a cerâmica, a
fraca quebra quando atirada ao solo, enquanto a de alta resistência
permanece intacta. Outra explicação: D’us, que é Onisciente, conhece de
antemão o resultado e, portanto, o propósito de uma provação é permitir que
o homem descubra suas forças mais intrínsecas. D’us testa os fortes para
que, mais tarde, Ele os possa recompensar. E, de fato, Avraham e Yitschak
foram recompensados para todo o sempre. Após a Akeidá, enquanto ambos
estão ainda no Monte Moriá, o anjo lhes aparece pela segunda vez e anuncia:
“Por Mim, jurei, disse o Eterno! Porque fizeste esta coisa, e não Me negaste
teu filho, teu único filho, Eu te abençoarei, e multiplicarei tua semente, como
as estrelas dos céus, e como a areia que está à beira-mar; e... E, em tua
semente, se abençoarão todas as nações da terra; porque tu ouviste a Minha
voz”.
Por que teria um anjo – e não D’us, Ele próprio – revogado o decreto? O
Midrash oferece uma bonita explicação para isto: somente D’us pode
decretar uma morte, mas basta um anjo para salvar uma vida humana.
Muitas lições podem ser tiradas da Akeidá. Destaca-se particularmente uma:
um homem pode ficar passivo diante de um decreto quando este diz respeito
apenas a ele próprio, não quando se trata de outros. A Torá conta que antes
ainda de Yitschak nascer, D’us aparece a Avraham informando-lhe que Ele
estava prestes a destruir as cidades da perdição, Sodoma e Gomorra.
Avraham implora ao Criador que Este poupe a cidade se nelas houver, ao
menos, dez homens justos. Avraham ousa mesmo questionar a Justiça Divina
nesse decreto. No entanto, anos mais tarde, quando D’us ordena que Avraham
sacrifique seu próprio filho, ele atende, sem sequer e jamais questionar o
mandamento Divino. O primeiro patriarca dos judeus ensinou-nos que nunca
devemos permanecer passivos diante do sofrimento de outrem, ainda que tal
sofrimento tenha sido decretado por D’us. A pessoa pode mesmo aceitar seus
próprios infortúnios, enfrentando, em silêncio, o horror de uma Akeidá,
confiando em D’us que aquilo certamente será para o seu bem – gamzú
le-tová. Mas nunca poderá o indivíduo ousar fazer o mesmo quando se tratar
da desgraça e do sofrimento alheios.
No que toca a Yitschak, vemo-lo exibir semelhante comportamento ao de seu
pai. Ao perceber que estava para ser sacrificado, expressa preocupação por
seus pais, não por si próprio. Ouçamos, novamente, o que nos tem a dizer o
Midrash: “Pai, o que farão, você e minha mãe, quando eu tiver partido?”
“Aquele que nos consolou até agora continuará a nos consolar”, responde-lhe
Avraham. E, mais tarde, Yitschak pede a seu pai que tenha cuidado especial
ao levar a notícia de sua morte a Sara: “Pai, ao contar à minha mãe,
certifique-se que ela não esteja perto de um poço, nem no telhado, pois do
choque poderá cair e se ferir”.
Ainda mais reveladora é a reação de Yitschak após a Akeidá: o silêncio. Nem
um suspiro de alívio, nem uma palavra de graças por ter sido poupado. O
segundo patriarca judeu, que personificava o atributo Divino da guevurá,
tinha alcançado o absoluto autocontrole e disciplina no atendimento a D’us. A
ele não importava se viveria ou morreria, se seria ou não sacrificado, desde
que estivesse atendendo a vontade do Criador. Qualquer sentimento de
horror ou desespero que ele possa ter sentido, referia-se a seus pais e a seu
povo. Ele sabia que a vida dos patriarcas é um sinal para seus filhos e,
portanto, sua história assombrosa seria reencenada e revivida por vários de
seus descendentes. Muitos outros de nosso povo foram, de fato, levados ao
extermínio, optando pela morte e por não trair a seu D’us e a sua fé, mas
diferentemente de Yitschak, estes outros não foram poupados.
“Ele rirá”:
O tema da Akeidat Yitschak é central em nossas orações de Rosh Hashaná. O
trecho da leitura da Torá no segundo dia da festa é justamente este. O
Talmud nos ensina que D’us considera que nosso antepassado Yitschak
realmente foi sacrificado e que seus restos mortais foram queimados no
altar erguido por seu pai no Monte Moriá. E conta que a razão para isso seria
que o Eterno considera uma intenção sincera e honesta como equivalente a
uma ação. Em Rosh Hashaná, período em que D’us julga cada um de nós,
invocamos os méritos de Yitschak como fonte de bênção e proteção para nós,
seus descendentes. Esta é uma das razões pelas quais tocamos o shofar em
Rosh Hashaná. O shofar, feito do chifre de um carneiro, remete-nos a
Akeidá, quando um animal foi sacrificado em lugar de Yitschak.
O Templo Sagrado de Jerusalém foi erguido no Monte Moriá, no local exato
em que se realizou a Akeidá. Esta foi mais uma das dádivas de D’us a Yitschak
e a seus descendentes. O Templo era o centro da espiritualidade, de onde as
preces seguramente alcançavam o Firmamento. Era, então, muito apropriado
que o Templo fosse erguido no local em que Yitschak fora levado e poupado
do sacrifício, pois a Akeidá é uma reafirmação de que D’us valoriza a vida e a
misericórdia, e não a morte, mesmo se esta for em Seu Nome Sagrado.
Voltemos, pois, à nossa pergunta inicial: por que teria o segundo patriarca do
povo judeu recebido o nome de “aquele que rirá”? Pelo fato de que ele veio a
este mundo para nos ensinar que mesmo tendo sobrevivido a um evento
traumático, o propósito da vida é continuar vivendo e amando, rejubilando-se
e agradecendo a D’us e, acima de tudo, compartilhando todo esse amor e esse
júbilo com nossos semelhantes. Seguindo-se aos acontecimentos da Akeidá,
Yitschak casa-se com uma mulher linda e bondosa, chamada Rivka – Rebeca –
a quem ele muito amou. Ele instituiu o serviço de minchá, a reza do
entardecer. Ele também trabalhou muito, sempre cumprindo com a obrigação
do dízimo de seus rendimentos aos pobres, à viúva e ao órfão, sendo, em
troca, abençoado por D’us, tornando-se extremamente rico. O homem que
simbolizava o autocontrole soube ensinar a generosidade e as virtudes da
riqueza. Yitschak e Rivka tiveram um casal de gêmeos. Um destes, Yaacov,
terceiro e último dos patriarcas do povo judeu, foi o mais justo dentre todos
os seres humanos na face da Terra.
E, por isso, Yitschak recebeu o nome de “ele rirá”. Pois ele, como muitos de
seus descendentes, simboliza o sobrevivente que foi abençoado e prosperou.