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São Paulo, domingo, 21 de maio de 2000

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+ memória
Lançado em 1900, ensaio de Rodó provocou
até o surgimento de sociedades
alternativas
Entre Ariel e Caliban

O livro respondia às
inquietudes de seu tempo,
que continuam sendo em
grande parte as nossas
inquietudes -começava o
"século americano" e essa
conjuntura se reflete
inevitavelmente em "Ariel"

Moacyr Scliar
Colunista da Folha

Dificilmente um livro latino-americano alcançou


tanta repercussão quanto "Ariel", do uruguaio
José Enrique Rodó (1872-1917), classificado por
Roberto Echevarría como um "ensaio
fundador". Lançado em 1900, há exatamente
um século, teve várias reimpressões, ensejou
numerosas resenhas e críticas. Publicações
foram criadas especialmente para discuti-lo,
sociedades surgiram baseadas nas idéias que
expressava. E no entanto é um texto curto,
escrito num estilo pomposo que dificulta a
leitura.

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Mas não há dúvida de que respondia às


inquietudes de seu tempo, que continuam sendo
em grande parte as nossas inquietudes.
Começava o "século americano", o século no
qual os Estados Unidos imporiam sua
hegemonia, e começava sob o signo de vitórias
militares pelas quais os norte-americanos
arrebataram à Espanha, Cuba, Porto Rico e as
Filipinas. Essa conjuntura se reflete
inevitavelmente em "Ariel".
O título é claro, uma alusão a Shakespeare que,
em "A Tempestade" (inspirada no relato de um
naufrágio nas Bermudas), descreve uma mítica
ilha governada pelo sábio Próspero, que tem a
seu serviço Ariel, o gênio dos ares -um símbolo
de espiritualidade-, e o grotesco Caliban, cujo
nome é um anagrama de "canibal". Numerosas
obras, aliás, adotaram títulos parecidos: "O
Espelho de Próspero - Cultura e Idéias na
América", de Richard M. Morse, é uma;
"Caliban", do cubano Roberto Fernández
Retamar, é outra. Ariel é apresentado como se
fosse uma lição moral e espiritual dada por um
mestre, que fala junto a uma estátua de Ariel e
que lhe serve como "aura".
O mestre aborda vários temas. Um deles: o
imenso afluxo de emigrantes à América Latina.
Aquela era a época em que os políticos
adotavam o lema proposto pelo argentino Juan
Alberdi: "Gobernar es poblar". Italianos,
alemães, eslavos chegam em massa para ocupar
a imensa vastidão desértica de que falava
Domingos Faustino Sarmiento e também para
"branquear" a população. Coisa que deixa Rodó
temeroso: sim, diz ele, governar é povoar, mas
há que cuidar a "torrente humana": "A
multidão, a massa anônima, não é nada por si
mesma", são "hordas de vulgaridade". E
continua: "A civilização de um povo adquire seu
caráter não das manifestações de sua
prosperidade ou grandeza material, mas de
superiores maneiras de pensar e sentir".
Estamos falando, portanto, de aristocracia;
aristocracia intelectual, mas aristocracia. Ele o
diz: "Racionalmente concebida, a democracia
admite sempre um imprescritível elemento
aristocrático, que consiste em estabelecer a

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superioridade dos melhores".


Sob esta mesma ótica Rodó vê a ascensão dos
norte-americanos: é o triunfo de uma filosofia, a
filosofia utilitarista: "Os Estados Unidos podem
ser considerados a encarnação do discurso
utilitário". O que lhe causa apreensão: "A
admiração por sua grandeza e por sua força é
um sentimento que avança no espírito dos
nossos dirigentes e talvez mais ainda no das
multidões, fascinadas pela impressão de
vitória". Estamos, diz Rodó, diante de uma
verdadeira "nordomania", uma mania do Norte.
Reconhece méritos nos americanos, o apego à
liberdade, a valorização do trabalho e da
técnica. Trata-se de uma herança recebida dos
ingleses, desprovida, porém, de espiritualidade.
Isso porque "o povo inglês tem, na instituição
da aristocracia - por anacrônica e injusta que
seja politicamente-, um alto e inexpugnável
baluarte ao mercantilismo".
Rodó se opõe assim a Sarmiento, que, anos
antes, tinha viajado aos Estados Unidos e
chegado à conclusão de que a Argentina
deveria ser mais "americana" do que "latina",
mais progresso e menos retórica. Mas se opõe
também ao cubano José Martí, a quem quis
dedicar seu livro. Diz Retamar: "O repúdio de
Martí ao etnocídio europeu na América é total".
Martí é um defensor da identidade latino-
americana baseada inclusive na cultura
indígena. Sarmiento achava que a Martí faltava
cultura: "Gostaria que nos oferecesse menos
dos americanos do sul e mais dos ianques".
Martí, conclui Retamar, estava mais para
Caliban do que para Ariel. E Caliban, para
muitos intelectuais (como Aimé Césaire), é uma
metáfora mais apropriada para a América
Latina do que Ariel.
É fácil perceber que essa discussão permanece
tão atual como há um século. Mais que nunca,
as relações entre Estados Unidos e América
Latina estão na ordem do dia. Nessa discussão,
o texto de Rodó aparece como um curioso, mas
significativo anacronismo. O final de Ariel é
muito significativo. Deslumbrados com o que
acabaram de ouvir do mestre, os alunos saem.
Mas algo lhes perturba o êxtase: a multidão que

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enche as ruas. Um dos alunos, "ensimesmado


reflexivo", diz, à guisa de consolo: "A multidão
não olha o céu, mas o céu olha a multidão". Nas
alturas, Rodó sem dúvida se colocou. Mas lá se
pode contar com a companhia das estrelas, não
com a companhia de seres humanos.

Moacyr Scliar é escritor, autor, entre outros, de "A


Mulher que Escreveu a Bíblia" (Companhia das Letras).

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