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Resumo: O escopo deste trabalho é traçar uma abordagem sobre os principais assuntos
relacionados às limitações aos direitos autorais, partindo da ideia da função social do direito
autoral, passando pelas normas internacionais que regem a matéria, assim como pela forma
com que a legislação nacional trabalha o tema. Nessa perspectiva, faz-se uma análise de todo
o ordenamento jurídico interno, desde as normas constitucionais, a Lei nº 5.988/1973
revogada, a Lei nº 9.610/1998 vigente, até o Anteprojeto de Reforma da Lei de Direitos
Autorais de 2010, que ainda não foi colocado em pauta legislativa. Além disso, também se
propõe trabalhar com as licenças compulsórias, a comparação com os sistemas do fair use e
do fair dealing e a apresentação de alguns casos ilustrativos, tudo isso com o escopo de fazer
um diagnóstico da disciplina das limitações aos direitos autorais no Brasil.
Palavras-chave: limitações; direitos autorais; regra dos três passos; licenças compulsórias;
fair use
1
1 Introdução
O presente artigo tem como proposta analisar as limitações aos direitos autorais,
assunto de elevada complexidade e que envolve inúmeras discussões no campo doutrinário,
além de diversas interpretações no campo jurisprudencial.
O que é importante ter em mente, em primeiro plano, é que a ideia de se limitar os
direitos autorais pode ir muito além das hipóteses previstas expressamente na legislação que
rege o assunto. Isso acontece porque o direito autoral tem uma função social a cumprir, de
modo que as situações disciplinadas na Lei nº 9.610/1998 não são suficientes para atender aos
anseios dessa função social.
Baseado nessa premissa inicial, optamos por desenvolver uma noção ampla de
restrições a que os direitos autorais podem estar sujeitos. Nessa perspectiva, foi necessário
trabalhar, em um primeiro momento, a teoria que permeia a função social do direito de autor,
além de traçar diferenciações entre os termos “limitações”, “exceções” e “restrições”,
utilizados sob acepções distintas pela doutrina. Ainda de forma introdutória, analisamos o que
poderia ser considerado como uma restrição intrínseca e o que se enquadraria como extrínseco
ao direito de autor.
Finalizados esses tópicos básicos, foi abordado como as principais normas
internacionais que regem os direitos autorais (leia-se, direitos de autor e conexos) lidam com a
questão das limitações, dentre as quais foram estudados a Convenção de Berna, a Convenção
de Roma, o Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights) e os Tratados da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre
Direito de Autor e sobre Interpretação ou Execução e Fonogramas.
Em seguida, a legislação nacional foi o objeto de estudo da presente pesquisa, dentro
do qual foram incluídos comentários sobre a Constituição Federal, bem como sobre a
revogada Lei nº 5.988/1973 e sobre a Lei nº 9.610/1998, atualmente vigente.
Contrastando com o sistema de direitos autorais adotado pelo Brasil, qual seja, o droit
d’auteur, de origem francesa, foram tecidos breves comentários sobre a forma com que os
países que adotam o copyright abordam o tema das limitações aos direitos autorais. Para
tanto, foram estudados os institutos do fair use norte-americano e do fair dealing inglês.
Ademais, dedicou-se um tópico para tratar das licenças compulsórias, que são uma
espécie de limitação aplicável aos direitos autorais, e outro para falar das principais
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modificações propostas no Anteprojeto de Reforma da Lei de Direitos Autorais relacionadas
ao assunto em comento. Para finalizar o trabalho, foram apresentados dois casos envolvendo
limitações aos direitos autorais, com o intuito de ilustrar a base teórica apresentada
previamente, e não com a pretensão de colacionar uma análise jurisprudencial propriamente
dita.
1 Nas palavras de Ascensão (1997, p. 3), “a tutela da criação literária e artística faz-se basicamente pela
outorga de um exclusivo. A atividade de exploração econômica da obra, que de outro modo seria livre, passa
a ficar reservada para o titular”.
2 Ascensão (1997, p. 4) explica: “a liberdade de utilização de bens culturais, mesmo que não movida por fim
lucrativo, fica assim entravada, porque contende com o exclusivo de exploração. Compreende-se por isso
que semelhante exclusivo só possa ser transitório: passado o período calculado como necessário para
compensação do autor, prevalece o princípio da liberdade. Por outro lado, reforça-se a necessidade de não
admitir obras sem valia intrínseca como criação literária e artística, pois de outro modo vai-se restringir a
comunicação social sem que em contrapartida tenha havido um contributo criativo que haja que
recompensar”.
3
autor também não pode ser assim considerado, o que implica dizer que ele está sujeito a
limites e, consequentemente, adstrito à aplicação do princípio da função social. Fala-se,
portanto, na função social do direito de autor que, na acepção de Guilherme Carboni (2009, p.
204), tem como escopo
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formulários em branco, os textos de leis, tratados, convenções, dentre outros tantos casos
elencados no art. 8º da Lei nº 9.610/1998.
Por sua vez, as limitações recaem sobre obras protegidas pelo direito autoral e que
ainda estejam em domínio privado, configurando restrições ao exercício dos direitos
patrimoniais decorrentes delas, com o escopo de garantir um interesse social, pautado no
direito de acesso ao conhecimento (MORATO, 2016, p. 185-186). Estas são, basicamente, as
limitações delimitadas nos arts. 46, 47 e 48 da Lei nº 9.610/1998.
É interessante notar que ambos os róis, tanto das exceções, quanto das limitações,
preveem hipóteses taxativas, o que significa dizer, em conformidade com o que explica
Morato (2016, p. 186-187), que nenhuma delas admite interpretação analógica, no sentido de
estender as exceções e as limitações. Isso, por outro lado, não implica no afastamento da
interpretação extensiva que, diferentemente da analogia, não se propõe a preencher uma
lacuna legal, mas sim completar uma norma que já existe no ordenamento jurídico5.
Guilherme Carboni (2008, p. 97), por sua vez, trabalha com o termo “restrições”, no
lugar de separar “exceções” de “limitações” e, nesse sentido, ele busca traçar uma noção
ampla de função social do direito de autor, na qual devem estar presentes “não apenas as
limitações previstas em lei, mas também outras limitações relativas à estrutura do direito de
autor”, o que ele dá o nome de “restrições intrínsecas”, assim “como as que dizem respeito ao
seu exercício”, o que ele denomina de “restrições extrínsecas”. Explica Carboni (2008, p. 97):
Percebe-se que o autor parece situar o que Morato chama de “exceções” dentro da
ideia de “restrições intrínsecas”, quando ele coloca a noção do “objeto do direito de autor”,
5 “Ressalte-se que a taxatividade, (...), tem o condão de impedir a analogia, mas não o de inviabilizar a
interpretação extensiva e, por tal razão, com aquela não se confunde, dado que tal interpretação parte da
constatação de que inexiste lacuna a colmatar, mas que surge diante do intérprete a necessidade de completar
norma já existente no sistema. (...)
Logo, partindo da premissa que a analogia não se confunde com a interpretação extensiva é possível concluir
que as limitações aos direitos autorais previstas no art. 46 da Lei 9.610/98 (LDA), em face da existência de
regulação expressa, admitem a possibilidade de serem eventualmente completadas pelo julgador, mas não a
de terem sua essência distorcida por este de forma a criar hipóteses distintas jamais cogitadas pelo legislador,
uma vez que tais hipóteses só poderiam ser criadas pelo Poder Legislativo em nosso sistema” (MORATO,
2016, p. 188-192).
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isto é, os próprios requisitos necessários para que uma obra seja passível de proteção autoral
já se configuram um gargalo, uma restrição, na acepção de Carboni, fazendo parte do
conteúdo da função social do direito de autor, ao lado das limitações legais. No entanto,
restrições como o objeto do direito de autor6, e os prazos de proteção7 não fazem parte do
enfoque desta pesquisa, a despeito de merecerem a devida menção enquanto restrições ao
direito autoral, conforme apontado por Carboni.
Por outro lado, no que concerne às “restrições extrínsecas”, é interessante notar que
Carboni menciona a função social da propriedade como um dos elementos limitadores da
proteção autoral. Portanto, ainda que não se pretenda trazer maiores discussões acerca da
natureza jurídica do direito autoral no presente trabalho, algumas considerações sobre o
assunto em questão precisam ser feitas.
Isso porque, do ponto de vista da natureza jurídica desse direito, muitas foram as
discussões que permearam o assunto ao longo dos anos, principalmente no sentido de
aproximá-lo ou afastá-lo do direito de propriedade, em decorrência do seu aspecto
patrimonial. Há que se pontuar, desta feita, que ainda que a doutrina atualmente se direcione
no sentido de afastar a classificação do direito autoral como um direito de propriedade 8, nas
6 Nesse diapasão, Carboni (2008, p. 155-156) explica: “o direito de autor não protege o objeto da criação em
si (o livro, o quadro, a escultura), nem as ideias, os planos e os conceitos abstratos; apenas as formas de
expressão do autor é que recebem a proteção autoral. Para que haja proteção autoral, a obra deve apresentar
os seguintes componentes fundamentais: (a) esteticidade: as obras protegidas pelo direito de autor são as que
possuem valor estético autônomo, que encerra-se em si mesmo, independentemente da sua origem,
destinação ou utilidade prática – apesar da existência de exceções a esse componente, como o direito conexo
de autor das emissoras de radiodifusão, a proteção autoral do software e da base de dados; (b) o aporte
trazido pelo autor: a obra intelectual deve resultar de uma atividade intelectual própria, que acrescente algo
de novo à realidade do mundo; (c) a forma: para que haja proteção autoral, não se leva em conta o conteúdo
ou o valor estético da obra, que é um critério discutível, revestido de subjetividade, mas quaisquer formas de
expressão dotadas de caráter estético intrínseco; (d) a inserção em suporte: para que haja proteção autoral, a
ideia precisa ser materializada em um determinado suporte; em outras palavras: a obra deve passar do
corpus misticum para o corpus mechanicum, salvo nos casos em que a comunicação é oral, ou mediante
expressão corporal, quando a criação se exaure no mesmo ato; e (e) a originalidade: a obra deve ser original,
isto é, composta por elementos que a tornem única e inconfundível, revestindo-se de traços e caracteres
próprios. Essa originalidade deve ter caráter relativo, uma vez que é inevitável o aproveitamento, até
inconsciente, do acervo cultural comum. Não se exige, pois, originalidade absoluta, mesmo porque, uma
mesma ideia pode ser apresentada sob formas diversas”. Ainda sobre o tema do objeto do direito de autor,
Carboni faz uma crítica pertinente à sua crescente expansão: “essa crescente ampliação das obras protegidas
pelo direito de autor, impulsionada pelos interesses da indústria de bens intelectuais, e propiciada pelo rol
meramente exemplificativo da Convenção de Berna e das legislações internas dos países signatários, levou a
uma certa banalização do objeto da proteção autoral, já que o que importa, hoje, é proteger o chamado
‘conteúdo’ comercializável, seja ele obra ou não. Com isso, expande-se a proteção do direito de autor para
obras que, em princípio, não a justificariam. É o caso do software, que não é a expressão livre de uma
criação intelectual, mas a expressão vinculada de um processo” (CARBONI, 2008, p. 158).
7 Os prazos de proteção autoral, por sua vez, estão previstos nos arts. 41 a 45 da Lei nº 9.610/1998, bem como
no § 2º do art. 2º da Lei nº 9.609/1998, que trata do software.
8 Nesse sentido, vale conferir, dentre outros: ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 1997, p. 598-617. BRANCO, Sérgio. A natureza jurídica dos direitos autorais.
6
suas origens na concepção francesa (droit d’auteur) – sistema do qual o Brasil se afilia e que
difere do sistema anglo-americano do copyright –, sob influência da Revolução Francesa, no
século XVIII, o direito autoral era considerado a mais sagrada das propriedades9.
No entanto, ao longo dos anos, os direitos morais de autor foram sendo incluídos
dentro do escopo de proteção autoral, ao lado dos direitos patrimoniais, de modo que, a
despeito das inúmeras teorias que surgiram com o passar do tempo, ora aproximando-o dos
direitos reais, ora dos direitos da personalidade, atualmente, a doutrina tende a classificá-lo
como um direito sui generis, justamente por causa dessa dupla faceta que o caracteriza. Nesse
sentido se posicionam, por exemplo, Carlos Alberto Bittar (2015, p. 29-30), Eduardo Salles
Pimenta e Eduardo Salles Pimenta Filho (2007, p. 80-81). De outro lado, autores como José
de Oliveira Ascensão (1997, p. 612-616) e Sérgio Branco (2013, p. 25-26) preferem
denominá-lo como um direito de exclusivo.
Mas ainda que não se considerem os direitos autorais como direito de propriedade 10, a
ponderação de Guilherme Carboni acerca da aplicação da função social da propriedade como
uma restrição extrínseca ao direito de autor não é descabida. Isso porque, conforme explica
José de Oliveira Ascensão (2002, p. 141) “propriedade, no sentido constitucional, não é
apenas um direito real entre outros. Não é sequer o conjunto dos direitos reais. Quando se fala
em propriedade na Constituição abrangem-se todos os direitos patrimoniais privados” (grifos
do autor), dos quais fazem parte, inclusive, os direitos autorais, mesmo que abarcados também
por faculdades pessoais (direitos morais)11. Nessa perspectiva, coadunando-se com o
posicionamento dos autores mencionados, acredita-se que a função social da propriedade
pode e deve ser usada como parâmetro de restrição extrínseca aos direitos autorais, na medida
necessária para atender a interesses sociais.
7
Por outro lado, Carboni (2008, p. 186) justifica a inclusão do princípio da função
social dos contratos como uma restrição extrínseca ao direito autoral no fato de que este vem
sendo cada vez mais usado como uma poderosa ferramenta de proteção pela indústria cultural
e do entretenimento, distorcendo o real escopo desse direito. Nota-se que Carboni não nega,
nem se manifesta contrariamente ao caráter protecionista emanado pela regra de interpretação
restritiva dos contratos em favor dos autores, conforme determina o art. 4º da Lei nº
9.610/1998. Inclusive, ele ressalta que se trata de uma norma pensada, especialmente, no
autor pessoa física que negocia com empresas de grande poderio econômico e que, nessas
condições, merece uma proteção diferenciada dado seu caráter de hipossuficiente.
Porém, com o intuito de corrigir distorções, Carboni (2008, p. 186) entende que essa
interpretação restritiva dos contratos não exclui e, portanto, deve conviver com o princípio da
função social dos contratos, principalmente quando o equilíbrio de poder entre as partes é
colocado em jogo nas negociações, o que apontamos como um entendimento razoável.
Noutro passo, o autor admite também que a teoria do abuso de direito, consagrada no
art. 187 do Código Civil, que considera o exercício de um direito por seu titular, que exceda
“os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”12,
como ato ilícito, deva ser aplicada aos casos envolvendo direitos autorais, por se tratar de um
“princípio geral, norteador de todas as áreas do direito”. Além disso, ele se embasa na
previsão do art. 8º, item 213, do Acordo TRIPS, que permite aos Países-Membros adotarem
certas medidas voltadas a prevenir o abuso de direitos por parte dos titulares de direitos de
propriedade intelectual (CARBONI, 2008, p. 188).
Eliane Y. Abrão (2014, p. 512-513) dá exemplos de situações em que o abuso de
direito autoral pode ser identificado, dentre as quais: pleitear proteção para os casos em que a
Lei nº 9.610/1998 afasta da esfera do direito de autor, tais como as exceções do art. 8º;
restringir os usos livres decorrentes das limitações impostas pela legislação autoral, tais como
as hipóteses dos arts. 46, 47 e 48 da Lei nº 9.610/1998; o estabelecimento de contratos
leoninos de exploração econômica de obras autorais, por aqueles que se utilizem destas como
matéria-prima de sua atividade profissional; os ônus excessivos ou embaraços criados por
herdeiros de modo a impedir ou dificultar a circulação do bem cultural, isto é, o exercício
12 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
13 “ARTIGO 8 – Princípios – (…) 2. Desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão ser
necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus
titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem
adversamente a transferência internacional de tecnologia” (grifos nossos).
8
abusivo dos direitos pelos herdeiros; dentre tantas outras práticas que podem, inclusive,
configurar a concorrência desleal14 ou uma infração da ordem econômica15 (CARBONI, 2008,
p. 189).
Por fim, Carboni (2009, p. 213-214) aponta como restrição extrínseca a possibilidade
de desapropriação para reedição ou divulgação de obra protegida por direito autoral. Mas
sobre essa hipótese, o autor faz duas ressalvas importantes: (1) aludida desapropriação só
deveria ocorrer quando verificado o abuso de poder por parte do autor, sob pena de violação
dos direitos morais de inédito e de arrependimento, o que significa dizer que é dever do
Estado notificar o autor antes de efetivar a desapropriação, requerendo que este fundamente a
sua recusa para reedição ou divulgação e, só diante da verificação de caprichos pessoais por
parte do autor, não embasados no exercício dos direitos de inédito ou de arrependimento,
poderia o Estado, mediante interesse público, efetuar a desapropriação; (2) mais adequado e
pertinente com a natureza do direito autoral seria a aplicação do instituto da licença
compulsória no lugar da desapropriação, para os casos mencionados de reedição ou
divulgação, sendo que a primeira, inclusive, já se encontra prevista em tratados internacionais
e na legislação interna de alguns países, o que tornaria plausível a adoção pela legislação
autoral brasileira.
O que se pode concluir de todo o exposto até o momento é que, confluindo com o
posicionamento exarado por Guilherme Carboni, os direitos autorais estão sujeitos não só às
exceções e às limitações previstas, respectivamente, no art. 8º e nos arts. 46, 47 e 48 da Lei de
Direitos Autorais, como também a restrições extrínsecas à legislação autoral – como a função
social da propriedade e dos contratos, o abuso de direito etc. –, com o intuito de se fazer
atender aos interesses da sociedade de acesso ao conhecimento, à cultura, à informação, à
educação, em respeito à função social dos direitos autorais.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se a uma análise mais pormenorizada das
14 “No campo do direito autoral, os casos envolvendo abuso de direito caracterizadores da prática de
concorrência desleal ocorrem com maior frequência nas atividades empresariais de comercialização de bens
intelectuais protegidos por tais direitos. Podemos citar, como exemplo, uma empresa que comercializa
determinado bem intelectual que está em domínio público e que resolve pleitear direitos autorais sobre esse
bem, informando a clientela de empresa concorrente a respeito, de forma a angariá-la” (CARBONI, 2008, p.
191).
15 “(…) ocorre abuso de direito de autor com infração da ordem econômica, quando, por exemplo, uma
empresa, na qualidade de titular do direito autoral sobre determinada obra intelectual por ela comercializada,
vale-se de um falso plágio ou contrafação de sua obra, por parte de terceiro, para retirar a obra desse terceiro
do mercado, de forma a prejudicar a livre concorrência” (CARBONI, 2008, p. 190).
9
limitações aos direitos autorais, do ponto de vista internacional e interno, nos tópicos
subsequentes.
As limitações aos direitos autorais são, ainda que de forma ampla, tema de abordagem
das principais normas internacionais que regem o assunto, quais sejam: a Convenção de Berna
de 1886 (e subsequentes revisões), a Convenção de Roma de 1961, o Acordo TRIPS
(Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) de 1994 e os Tratados
da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre Direito de Autor e sobre
Interpretação ou Execução e Fonogramas, ambos de 1996, cuja abordagem será objeto dos
próximos subtópicos.
10
Além dessas hipóteses, a Convenção de Berna também estipula uma norma geral no
seu art. 9, item 220, conhecida como regra dos três passos (three-step test), que traça
parâmetros para que os países signatários estabeleçam limitações aos direitos de autor em suas
legislações nacionais, admitindo a reprodução de obras por terceiros sem a necessidade de
autorização por seu titular, desde que respeitados três requisitos: (1) em casos especiais; (2)
desde que não conflite com a exploração normal da obra; (3) nem prejudique
injustificadamente os legítimos interesse do autor.
É interessante notar, conforme acentua Maristela Basso (2007, p. 498-499), que essa
regra dos três passos só foi introduzida na Convenção de Berna com a revisão de Estocolmo
que ocorreu em 1967. Até aludida data, os Estados-partes adotavam inúmeras limitações, a
ponto, inclusive, de esvaziar os direitos patrimoniais dos titulares de direitos autorais, o que
motivou as negociações de 1967 e a culminação de uma regra geral que traçasse parâmetros
mínimos para que os países, dentro da sua discricionariedade, estabelecessem limitações,
respeitando aqueles requisitos da regra dos três passos. No entanto, não se pode deixar de
observar que aludida regra só faz menção às limitações aplicáveis ao direito de reprodução
das obras, sem abarcar a possibilidade de restrição de outras faculdades patrimoniais do autor
ou titular.
Por fim, quanto à Convenção de Berna, ela ainda estabelece algumas hipóteses de
licenças compulsórias, isto é, possibilita certas utilizações de obras por terceiros, desde que
sejam remunerados os titulares, sob determinadas condições. No entanto, reservamos as
considerações mais pormenorizadas sobre o assunto para um tópico específico deste trabalho,
a ser tratado oportunamente.
Já no que tange à Convenção de Roma, que trata dos direitos conexos aos direitos de
autor, ela admite, no seu art. 15, item 1 21, que os Estados contratantes adotem limitações (que
ela chama de “exceções”, mas, conforme terminologia trabalhada nesta pesquisa,
fotografia, cinematografia ou transmissão por fio ao público, as obras literárias ou artísticas vistas ou
ouvidas no decurso do acontecimento podem, na medida justificada pela finalidade de informação a atingir,
ser reproduzidas e tornadas acessíveis ao público”.
20 “ARTIGO 9. (…) 2) Às legislações dos países da União reserva-se a faculdade de permitir a reprodução das
referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reprodução não afete a exploração normal da obra
nem cause prejuízo injustificado aos interesses legítimos do autor”.
21 “Artigo 15. 1. Qualquer Estado contratante pode estabelecer na sua legislação nacional exceções à proteção
concedida pela presente Convenção no caso de:
a) utilização para uso privado;
b) curtos fragmentos em relatos de acontecimentos de atualidade;
c) fixação efêmera realizada por um organismo de radiodifusão, pelos seus próprios meios e para as suas
próprias emissões;
d) utilização destinada exclusivamente ao ensino ou à investigação científica”.
11
correspondem às limitações aos direitos conexos) para uso privado, para relatos de
acontecimentos da atualidade, para fixações efêmeras e para fins educacionais. Ademais, o
item 222 do referido dispositivo faculta aos Estados-partes a previsão de outras limitações aos
direitos dos intérpretes, executantes, produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão,
da mesma natureza daquelas previstas nas legislações nacionais para os autores de obras
literárias e artísticas, com a ressalva de que não sejam instituídas licenças compulsórias, a
menos que estas sejam compatíveis com as disposições da Convenção de Roma.
Assim sendo, fica evidenciado que a Convenção de Roma traz tanto balizamentos
específicos, como uma disciplina genérica, ao fazer remissão às limitações aos direitos de
autor, mas ela não se ocupou em prever uma regra parâmetro como o teste dos três passos,
como fez as demais normas internacionais que regem o assunto.
Conforme acentua Carboni (2008, p. 108), o Acordo TRIPS, vigente a partir de 1994,
diferentemente da Convenção de Berna, prevê expressamente no seu art. 7º 23 a função social
dos direitos de propriedade intelectual, gênero do qual os direitos autorais são espécie, ao
determinar que eles devem atuar na promoção da inovação tecnológica e no fomento à
transferência e à difusão de tecnologia, em benefício de produtores e usuários de
conhecimento, buscando manter um equilíbrio entre direitos e obrigações.
E não é só. O Acordo TRIPS também se ocupou em prever o teste dos três passos de
maneira ainda mais ampla do que a Convenção de Berna, pois não restringiu aqueles
parâmetros já comentados neste trabalho ao direito de reprodução, passando a sujeitar as
limitações a quaisquer direitos exclusivos dos titulares de direitos autorais ao crivo da regra
dos três passos (BASSO, 2007, p. 499). Nessa perspectiva, dispõe o art. 13 do Acordo TRIPS:
“os Membros restringirão as limitações ou exceções aos direitos exclusivos a determinados
22 “Artigo 15. (…) 2. Sem prejuízo das disposições do parágrafo 1o dêste artigo, qualquer Estado contratante
tem a faculdade de prever, na sua legislação nacional de proteção aos artistas intérpretes ou executantes, aos
produtores de fonogramas e aos organismos de radiodifusão, limitações da mesma natureza das que também
são previstas na sua legislação nacional de proteção ao direito do autor sôbre as obras literárias e artísticas.
No entanto, não podem instituir-se licenças ou autorizações obrigatórias, senão na medida em que forem
compatíveis com as disposições da presente Convenção”.
23 “ARTIGO 7. Objetivos. A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade
intelectual devem contribuir para a promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de
tecnologia, em benefício mútuo de produtores e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma
conducente ao bem-estar social econômico e a um equilíbrio entre direitos e obrigações”.
12
casos especiais, que não conflitem com a exploração normal da obra e não prejudiquem
injustificavelmente os interesses legítimos do titular do direito” (grifos nossos).
Portanto, quanto às limitações aos direitos autorais, o Acordo TRIPS se restringiu a
estabelecer balizamentos gerais, representados nas figuras da função social e da regra dos três
passos, sem se ocupar de previsões específicas, nem sobre licenças compulsórias, como fez a
Convenção de Berna.
4.3 Tratados da OMPI sobre Direito de Autor (WCT) e sobre Interpretação ou Execução e
Fonogramas (WPPT)
Para finalizar a análise do tratamento internacional sobre o assunto das limitações aos
direitos autorais, não se pode deixar de mencionar os Tratados firmados sob a égide da
Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em 1996, sendo um deles sobre
direito de autor (WCT) e o outro sobre direitos conexos (WPPT), e ambos abordando aludidos
direitos no contexto do cenário digital.
Desta feita, destaca-se que referidos tratados não representaram grandes inovações
quanto ao aspecto das limitações aos direitos autorais, pois se ocuparam de prever
basicamente a regra dos três passos. Contudo, é interessante notar que ambos os tratados
admitem que os Estados-partes apliquem, ampliem ou mesmo criem novas limitações e
exceções aos direitos de autor e aos que lhe são conexos para as obras, interpretações,
execuções e fonogramas inseridos no meio digital, desde que respeitadas as regras
estabelecidas na Convenção de Berna (CARBONI, 2008, p. 110). Essas previsões podem ser
13
encontradas no art. 1024 e nota de rodapé 925 do WCT, e no art. 1626 e notas de rodapé 1427 e
1528 do WPPT, sendo, inclusive, que este faz remissão àquele quanto ao assunto das
limitações.
Fica evidenciado, diante de todo o exposto, que os tratados e convenções
internacionais que disciplinam os direitos de autor e os direitos conexos só se ocuparam em
traçar parâmetros para que os países, dentro da sua discricionariedade, delimitassem as
limitações que entendessem mais pertinentes com o seu ordenamento jurídico interno. Essas
normas internacionais, portanto, não estipulam róis fechados de exceções e limitações a que
os países devem se sujeitar, mas apenas balizamentos mínimos que devem ser por eles
observados ao estabelecer suas legislações internas.
14
Primeiramente, antes de adentrar o estudo sobre as previsões da legislação ordinária
sobre o tema das limitações aos direitos autorais, algumas considerações merecem ser feitas
quanto à disciplina de aludidos direitos na Constituição Federal de 1988. Nessa perspectiva, o
art. 5º da Carta Magna reserva dois incisos específicos para tratar dos direitos autorais, quais
sejam, XXVII29 e XVIII30, que asseguram, basicamente, o exercício das faculdades
patrimoniais por seus titulares, garantindo, inclusive, a proteção às participações individuais
em obras coletivas.
Conforme observa Carboni (2009, p. 209-210), a partir da leitura de mencionados
incisos, é possível perceber que a Constituição Federal não se ocupou em prever
explicitamente a sujeição dos direitos autorais ao cumprimento de sua função social, como
fez, por exemplo, com a propriedade industrial. No caso desta, o inciso XXIX 31 do art. 5º
garante a proteção às criações industriais e aos sinais distintivos a partir de privilégios
temporários, desde que assegurados o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do país.
Nessa perspectiva, é necessário que se faça uma interpretação sistemática da
Constituição, a fim de que esse princípio da função social do direito autoral seja extraído da
leitura conjunta de seus artigos. Assim sendo, conforme já mencionado em tópico anterior, a
função social da propriedade, prevista no inciso XXIII, do art. 5º, da Constituição Federal, é
um instituto aplicável aos direitos autorais, no seu aspecto patrimonial 32, e, com base nisso,
explica Allan Rocha de Souza (2006, p. 141) que, “no caso dos direitos autorais, a extensão da
proteção patrimonial exclusiva deve ter em vista, principalmente, os interesses culturais e
educacionais da sociedade”.
Ademais, uma vez que a obra autoral seja disponibilizada ao público, pela via da
29 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; (…)”.
30 “Art. 5º (…) XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em
obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito
de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores,
aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; (…)”.
31 “Art. 5º (…) XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a
outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do País; (…)” (grifos nossos).
32 Nesse sentido, Allan Rocha de Souza, citando José Cretella Júnior (1992, v. 1, p. 300 apud SOUZA, 2006, p.
137) explica que “o alcance desta proteção alcança ‘o conjunto de toda patrimonialidade,’ pois o ‘direito de
propriedade é todo e qualquer direito patrimonial, sendo irrelevante o fato de incidir – ou não incidir – sobre
bem corpóreo, incorpóreo, direito real.’ Neste caso, não há como deixar de recepcionar este inciso
constitucional [inciso XXII do art. 5º] como incidente sobre os aspectos patrimoniais dos direitos autorais”.
15
comunicação ou da publicação, por exemplo, ela passa a integrar o acervo cultural da
sociedade em que está inserida, adquirindo um significado social que “ultrapassa os limites de
interesses particulares de seus titulares” (SOUZA, 2006, p. 143). Nesse sentido, não há que se
olvidar que a proteção autoral deve ser moldada também pelos interesses sociais garantidos
constitucionalmente, tais como os direitos à educação, à informação, à cultura.
A título ilustrativo, cabe mencionar alguns dispositivos constitucionais que delineiam
esses direitos. Desta feita, o art. 5º da Constituição, além de prever a função social da
propriedade, no inciso XXIII, também disciplina, enquanto direito fundamental, o direito à
informação, conforme se extrai da leitura do inciso XIV 33. O art. 6º, por sua vez, elenca entre
os direitos sociais o direito à educação, que é retomado no art. 205 e seguintes, dentro do
Título VIII, “Da Ordem Social”. Esse art. 20534 coloca a educação como direito de todos e
dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade, isto é, ele atribui a
responsabilidade por sua promoção a todos e, uma vez que “as obras autorais são
instrumentos de informação e cultura, sendo fundamental o seu uso em ambientes
educacionais” (SOUZA, 2006, p. 145), é necessário que se mantenha um equilíbrio entre a
proteção dos direitos autorais e as hipóteses em que usos livres sejam permitidos a fim de
viabilizar o acesso à educação.
Noutro passo, o art. 215 da Carta Magna estabelece como dever do Estado garantir “a
todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”, bem
como apoiar e incentivar “a valorização e a difusão das manifestações culturais”. Assim
sendo, tendo em vista que as obras artísticas, literárias ou científicas são caracterizadas como
manifestações culturais, isto é, abarcam “um conjunto de significados sociais, sendo, ao
mesmo tempo, veículos propagadores e criadores destes significados” (SOUZA, 2006, p.
145), não restam dúvidas de que os interesses particulares de autores e demais titulares devem
ser conciliados com os interesses da sociedade em acessar esses bens culturais35.
De todo o exposto, fica evidenciado que a função social do direito autoral, ainda que
33 “Art. 5º. (…) XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional; (…)”.
34 “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
35 Nessa perspectiva, o próprio art. 216 da Constituição Federal coloca as criações científicas, artísticas e
tecnológicas como pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro, in verbis: “Art. 216. Constituem
patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em
conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da
sociedade brasileira, nos quais se incluem: (...)
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; (…)” (grifos nossos).
16
não explícita literalmente no texto constitucional, está presente no conteúdo de muitos dos
seus dispositivos que, por sua vez, devem ser interpretados conjuntamente e de forma
equilibrada. Nesse sentido se manifesta José Carlos Costa Netto (2008, p. 173-174):
O que se pode extrair da leitura do texto constitucional é que a função social do direito
autoral encontra nele suas raízes, a partir da necessidade de ponderação entre interesses
particulares dos titulares das obras e interesses sociais de acesso ao conhecimento presente em
seus dispositivos, servindo como parâmetro para a instituição de limitações aos direitos
autorais, na medida necessária e suficiente para atender a esse equilíbrio de interesses. Com
base nisso, o legislador infraconstitucional estabeleceu algumas regras concernentes a
aludidas limitações, o que se passa a analisar em seguida.
José Carlos Costa Netto (2008, p. 177-179) reporta que desde a primeira legislação
autoral brasileira, datada de 1898, a opção legislativa foi por traçar um rol exaustivo de
limitações aos direitos autorais, o que, inclusive, persistiu no Código Civil de 1916, na Lei nº
5.988 de 1973 e na atual lei vigente, qual seja, a Lei nº 9.610 de 1998.
Neste tópico, a proposta é de apresentar o rol de limitações previsto na Lei nº
9.610/1998, buscando traçar algumas comparações com a disciplina estabelecida pela
revogada Lei nº 5.988/1973. Elisângela Dias Menezes (2007, p. 96) divide em três grupos os
17
motivos que justificam as limitações previstas nos arts. 46, 47 e 48 da Lei nº 9.610/1998,
quais sejam: o direito à informação; o direito à educação e “os usos técnicos e judiciais”.
Outrossim, por motivos didáticos, optamos por adotar a classificação feita por aludida
autora, em sua obra “Curso de direito autoral”, que utilizamos nas denominações dos
subtópicos a seguir.
As primeiras limitações previstas nas alíneas “a” e “b”36, do inciso I, do art. 46, da Lei
de Direitos Autorais estão relacionadas ao direito à informação pela sociedade que, na
acepção do legislador pátrio, sobrepõe-se aos interesses individuais do autor, quando uma
obra autoral esteja envolvida em notícia ou fato relevante. Assim sendo, a primeira alínea
cuida de uma espécie de citação jornalística, pois admite que a imprensa diária ou periódica
reproduza notícias ou artigos informativos já publicados também em diários ou periódicos
(inclusive de concorrentes), sem a necessidade de pedir autorização para os titulares dos
direitos autorais, mas desde que devidamente indicada a fonte, com a menção do nome do
autor, se assinados, e da publicação de origem (MENEZES, 2007, p. 96-97).
Quanto a esse dispositivo, Menezes (2007, p. 97) aponta que alguns autoralistas
criticam aludida previsão, sob o fundamento de que as notícias não possuem caráter literário
e, portanto, sequer mereceriam proteção autoral de qualquer espécie. No entanto, a autora
discorda de referida acepção, por acreditar que cada jornalista é dotado de uma forma e estilo
pessoais de escrita, capaz de conferir originalidade na maneira de comunicar a notícia e,
consequentemente, sendo passível de proteção autoral, ainda que os direitos patrimoniais
pertençam ao editor por força do que estabelece o art. 36 da Lei nº 9.610/1998.
Por sua vez, José de Oliveira Ascensão (1997, p. 261-262), ao comentar o art. 49,
inciso I, alínea “b”37 da Lei nº 5.988/1973, dispositivo correspondente do atual art. 46, inciso
18
I, alínea “a”, coadunava-se com o posicionamento de que as notícias e os relatos de
acontecimentos deveriam estar excluídos da proteção autoral. Mas é interessante notar que o
próprio dispositivo da Lei nº 5.988/1973 já mencionava a falta de caráter literário dessas
publicações, o que, de fato, parecia sem sentido manter uma limitação a um direito que a
própria legislação parecia excluir do âmago de proteção, uma vez que ela se referia a notícia
ou artigo informativo, “sem caráter literário”.
Na redação que está em vigor na Lei nº 9.610/1998, não há mais a expressão “sem
caráter literário”, e, conforme posicionamento exarado por Elisângela Menezes, é pertinente
considerar a proteção autoral aos escritos jornalísticos e a consequente limitação estipulada
pela alínea “a”, inciso I, do art. 46.
Já a alínea “b”, do inciso I, do art. 46, da Lei nº 9.610/1998, cuja redação é
praticamente idêntica ao texto do art. 49, inciso I, alínea “c”38, da Lei nº 5.988/1973,
estabelece a possibilidade de reprodução em diários ou periódicos, independentemente de
autorização, de pronunciamentos realizados em reuniões públicas, sob o fundamento do
interesse social nas informações neles veiculadas (MENEZES, 2007, p. 98).
Uma crítica feita por Carboni (2008, p. 166), da qual compartilhamos, em relação a
ambos os dispositivos é que, pela sua redação, eles parecem se referir apenas à imprensa
escrita, deixando de lado a imprensa televisionada e a difundida pelos meios digitais, o que
não se parece justificar, tendo em vista que o escopo da limitação é permitir a ampliação do
direito à informação, algo que é perfeitamente realizado por todos os meios de comunicação
utilizados pela imprensa, não fazendo sentido a restrição da regra apenas à imprensa escrita.
O art. 46, inciso I, alínea “c”39, da Lei nº 9.610/1998 – correspondente ao art. 49,
inciso I, alínea “f”40, da Lei nº 5.988/1973, sem alterações significativas – permite que o
19
proprietário de retratos ou de outras formas de representação da imagem feita sob encomenda
reproduza essas imagens, independentemente de autorização dos titulares dessas obras, desde
que haja concordância da pessoa representada ou de seus herdeiros.
Não há que se olvidar a necessidade de respeito ao direito de imagem das pessoas
retratadas em fotografias, contudo, não se trata de um tema a ser abordado na legislação
autoral, como foi feito na alínea mencionada. Parece um contrassenso a lei exigir autorização
para fazer cópias da pessoa retratada na imagem, mas não do fotógrafo, seu criador e titular de
direitos autorais, que é exatamente o que aludido dispositivo estabelece (MENEZES, 2007, p.
99).
Em decorrência da atipicidade da regra em discussão, Menezes (2007, p. 99) defende
que a limitação imposta pelo art. 46, inciso I, alínea “c”, da Lei nº 9.610/1998 aos direitos dos
fotógrafos deve se restringir às representações de figuras humanas, de modo que os interesses
sobre a reprodução da fotografia pelo encomendante digam respeito “ao uso privado, para fins
de registro e apreciação”, garantindo, nessa perspectiva, “os direitos do fotógrafo sobre suas
criações de uso publicitário, comercial ou meramente estético”, o que se entende como
pertinente, de acordo com a redação do dispositivo. Ademais, não se pode deixar de
mencionar que qualquer uso posterior de referidas imagens deve ser feito com autorização do
autor, bem como das pessoas representadas, que são titulares de direito de imagem.
O art. 46, inciso I, alínea “d”41, da Lei nº 9.610/1998 permite a adaptação de obras
literárias e artísticas para o sistema Braille ou outro procedimento, independentemente de
autorização do autor ou titular, com o intuito social e humanitário de garantir o acesso a
deficientes visuais, mas desde que a reprodução dessas obras seja feita sem fins comerciais
(MENEZES, 2007, p. 100).
Ao mesmo tempo que essa regra representou uma inovação se comparada com a
legislação de 1973, tendo em vista que esta não trazia nenhuma previsão assemelhada em seus
f) de retratos, ou de outra forma de representação da efígie, feitos sob encomenda, quando realizada pelo
proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus
herdeiros”.
41 “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I - a reprodução: (…)
d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a
reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer
suporte para esses destinatários; (…)”.
20
dispositivos, acredita-se que o legislador poderia ter ido além e garantido a acessibilidade às
diversas formas de deficiência – sem se restringir somente aos deficientes visuais –, na
medida justificada para este fim, sem finalidades lucrativas, o que, no entanto, não foi feito e
merece atenção em uma eventual reforma da lei.
O inciso II42, do art. 46, da Lei nº 9.610/1998 disciplina uma das limitações que causa
mais discussões na doutrina, dividindo opiniões, principalmente, tendo em vista a alteração
que ele representou em relação à previsão do art. 49, inciso II 43, da Lei nº 5.988/1973. Aludido
dispositivo estabelece que não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução de pequenos
trechos de uma obra, em um único exemplar, desde que feita sem o intuito de lucro pelo
copista.
Por sua vez, o dispositivo que disciplinava essa limitação na Lei de 1973 (art. 49,
inciso II) admitia a cópia integral em um só exemplar, também para uso do copista, sem
intuito de lucro, ou seja, não restringia a reprodução a “pequenos trechos” como faz a
legislação atualmente vigente. Comentando o dispositivo da legislação revogada, José de
Oliveira Ascensão (1997, p. 257) ressalta que a possibilidade de cópia privada por ele
admitida nada mais era do que “uma manifestação do princípio da liberdade do uso privado”,
que ficava, inclusive, “à margem da proteção do direito de autor”44, ainda mais considerando a
redação final do inciso, que se dirigia ao uso do copista sem intuito de lucro 45. O autor,
portanto, apresenta um posicionamento favorável à cópia privada integral.
Por outro lado, José Carlos Costa Netto (2008, p. 183) considera pertinente a alteração
realizada na Lei nº 9.610/1998, a fim de restringir a cópia privada a pequenos trechos, tendo
em vista o que o avanço das tecnologias proporcionou em termos de facilidade de cópia.
21
Fazendo referência à cópia integral prevista na Lei nº 5.988/1973, Costa Netto (2008, p. 183)
comenta:
(…) se essa permissão pudesse fazer algum sentido há três décadas, tal amplitude
não seria razoável no estágio tecnológico atual, com as facilidades trazidas e com o
desenvolvimento da reprografia (xerocópias), meios digitais de reprodução de texto
e imagens, reproduções e transmissões sonoras e audiovisuais e outras inovações
que, inegavelmente, provocaram uma verdadeira revolução nos meios de
comunicação em escala mundial (possibilitada principalmente com a expansão –
até no âmbito domiciliar – da rede de computadores – e outras facilidades
tecnológicas).
Consequentemente, o regime legal de 1998 inseriu condições mais restritivas à
extração da ‘cópia privada’, liberando apenas ‘a reprodução, em um só exemplar, de
pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito
de lucro’(inciso II do artigo 46 da Lei 9.610/98). (grifos do autor)
22
despeito de o entendimento de ambos divergirem quanto à solução do problema: a questão das
obras didáticas e das instituições de ensino.
De um lado, embora Menezes (2007, p. 101) reconheça que os altos preços dos livros
de educação configurem um obstáculo para o processo de aprendizagem, ela entende como
melhor solução o estabelecimento de uma lei que “obrigue os estabelecimentos de ensino a
manterem, em sua biblioteca, acervo de consulta adequado para atender a todos os alunos”, o
que nos parece inviável, principalmente quando se leva em consideração o orçamento
limitado de instituições públicas de ensino e a correspondente demanda pelos alunos.
De outra sorte, Carboni (2008, p. 168) sinaliza no sentido de que a lei deveria admitir
a “possibilidade de reprodução integral de obra intelectual protegida, para fins educacionais,
didáticos ou de pesquisa”, o que, no seu entendimento, “seria imprescindível para o
desenvolvimento cultural e científico do nosso país”, solução a qual nos filiamos, acrescida da
gestão coletiva, a partir da negociação de valores globais com as instituições de ensino,
apresentada por Ascensão. Esse parece ser um caminho mínimo que a legislação deveria
trilhar no sentido de garantir o acesso democrático à educação.
5.2.5 Citação
No que concerne à limitação que garante o direito de citação, a redação do inciso III,
do art. 4646, da Lei nº 9.610/1998 parece ter representado um avanço se comparada com o
inciso III do art. 4947 da Lei nº 5.988/1973. Isso porque, na lei revogada, o dispositivo em
questão só fazia referência à citação “em livros, jornais ou revistas”, isto é, em textos escritos,
diferentemente da redação atual que, além desses veículos, menciona também “qualquer outro
meio de comunicação”, admitindo uma interpretação mais clara e plausível acerca das
possibilidades de citações das diversas espécies de obras autorais (musicais, audiovisuais,
fotográficas etc.)48.
23
De outra sorte, além de manter a exigência de que a citação seja feita “para fins de
estudo, crítica ou polêmica”, requisito já presente na Lei de 1973, o dispositivo atualmente em
vigor explicitou que ela deverá ser feita na medida justificada para atingir o seu fim, o que,
conforme destaca Menezes (2007, p. 102), deve ser de caráter meramente ilustrativo, não
podendo se sobrepor, em termos de relevância, ao “objeto principal do texto no qual está
inserida”. Destaca-se que a legislação não impõe um dimensionamento máximo em termos de
tamanho da citação, devendo, contudo, ser respeitado esse requisito da acessoriedade.
Para finalizar os comentários a essa limitação, o art. 46, inciso III, da Lei nº
9.610/1998 corrigiu uma omissão importante verificada no art. 49, inciso III, da Lei nº
5.988/1973, ao explicitar a necessidade de indicação do autor e da origem da obra citada, com
o intuito de evitar a apropriação de trecho de obra alheia, isto é, o plágio, o que nos pareceu
pertinente.
Da mesma forma como previa o art. 49, inciso IV 49, da Lei nº 5.988/1973, o art. 46,
inciso IV50, da Lei nº 9.610/1998, também estabelece que não constitui ofensa aos direitos
autorais “o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se
dirigem”. Menezes (2007, p. 103) entende que esse dispositivo autorizaria “não só o registro
por meio da escrita, mas também por meio da gravação sonora ou audiovisual”, o que parece
pertinente. De outro lado, Ascensão (1997, p. 260) interpreta que o preceito não poderia se
referir também às gravações, porque, na sua acepção, estas não se caracterizam como um
“apanhado de lições”.
Sob outra perspectiva, os dispositivos em comento proíbem a publicação desses
música sem apropriações. Uma fotografia pode ser citada noutra. Um programa de televisão pode referir
brevemente obras de arte que possam ser vistas durante a emissão, e é o direito de citação que o justifica. O
texto legal não impede já hoje uma interpretação extensiva”. Menezes (2007, p. 103), por sua vez, comenta
que ainda existem dúvidas acerca da possibilidade de citação de obras musicais e audiovisuais. No entanto, a
redação do art. 46, inciso III, parece direcionar no sentido de ampliar as possibilidades de citação, uma vez
respeitados os requisitos nele elencados, quais sejam: que a citação seja realizada para fins de estudo, crítica
ou polêmica; que a citação seja feita na medida necessária para atingir o seu fim (caráter ilustrativo,
acessório) e desde que se indique o nome do autor e a origem da obra citada.
49 “Art. 49. Não constitui ofensa aos direitos do autor:
IV - O apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada,
porém, sua publicação, integral ou parcial, sem autorização expressa de quem as ministrou; (…)”.
50 “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua
publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou; (…)”.
24
apanhados, integral ou parcialmente, sem a autorização expressa – e prévia, no caso da
legislação em vigor – de quem as ministrou, admitindo apenas o uso privado e individual pelo
aluno na hipótese de ausência de autorização (MENEZES, 2007, p. 103-104).
Ascensão (1997, p. 260), por sua vez, traz uma interpretação interessante desse
dispositivo: na acepção do autor, estariam autorizadas publicações internas à instituição de
ensino desses apanhados, sob pena de inutilizar a redação do artigo em questão, pois, para ele
é tão óbvia a possibilidade de os alunos anotarem as lições de seus professores,
independentemente de autorização, que nem precisaria de uma regra nesse sentido 51. No
entanto, o restante da doutrina parece se restringir a uma interpretação mais literal do artigo
em questão.
O art. 46, inciso V52, da Lei nº 9.610/1998 trata de uma limitação que visa garantir a
demonstração do conteúdo de obras ao público, à clientela (MENEZES, 2007, p. 104),
autorizando a utilização de obras artísticas, literárias ou científicas e de fonogramas, bem
como a transmissão de rádio e televisão por estabelecimentos que comercializem os suportes
ou equipamentos que permitam aludidas utilizações.
Comparativamente em relação ao inciso V, do art. 4953, da Lei nº 5.988/1973, a lei
atual ampliou o rol de utilizações permitidas nesta limitação, sendo que na legislação anterior
só se admitia a execução de fonogramas e a transmissão de rádio ou televisão. Mas, por outro
lado, a Lei de 1973 não exigia que os estabelecimentos que gozavam dessa restrição
comercializassem os equipamentos ou suportes, como faz a Lei de 1998, demandando apenas
que eles fizessem aludidos usos com a finalidade de demonstração à clientela.
51 Nas palavras de Ascensão (1997, p. 260): “parece-nos, porém, que o preceito tem um sentido útil, que é o de
autorizar publicações internas (que é justamente o caso normal das postilas) que fixem o ensino oral. Estas
postilas, por se dirigem a um círculo coletivo de alunos, ultrapassam amplamente o conceito de uso privado
e representam uma verdadeira publicação. É essa publicação que o preceito vem admitir. Os professores não
poderão a ela se opor, pelo menos enquanto não fornecerem eles próprios aos alunos um texto das lições que
tenham a autoridade da chancela do mestre”.
52 “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em
estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses
estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização; (…)”.
53 “Art. 49. Não constitui ofensa aos direitos do autor: (…)
V - A execução de fonogramas e transmissões de rádio ou televisão em estabelecimentos comerciais, para
demonstração à clientela; (…)”.
25
5.2.8 Recesso familiar e fins educativos
Já o inciso VI, do art. 4654, da Lei nº 9.610/1998, com redação praticamente idêntica à
do inciso VI, do art. 4955, da Lei nº 5.988/1973, estabelece uma limitação aos direitos autorais,
com o objetivo de “tornar acessível o uso da música e do teatro para a apreciação privada, ou
ainda como forma de estímulo à educação”. Para tanto, ambos os dispositivos permitem a
representação teatral e a execução musical no recesso familiar, isto é, naquele ambiente
restrito de convivência privada do dia a dia do indivíduo, bem como nas instituições de
ensino, desde que não haja, em nenhuma das duas hipóteses, intuito de lucro. Isso significa
dizer que se houver cobrança de ingresso, por exemplo, o interessado não gozará da restrição
estabelecida neste dispositivo, necessitando da autorização do titular dos direitos autorais
envolvidos, bem como devendo remunerá-lo (MENEZES, 2007, p. 105).
Tanto o art. 49, inciso VII56, da Lei nº 5.988/1973, quanto o art. 46, inciso VII57, da Lei
nº 9.610/1998 tratam de uma situação em que o interesse público prevalece sobre o privado,
“como forma de contribuir para a adequada administração da Justiça” (MENEZES, 2007, p.
105), porque eles admitem a utilização de obras literárias e artísticas, sem necessidade de
autorização do autor e sem que constitua ofensa aos direitos deste, para produção de prova
judiciária ou administrativa. Conforme ressalta Ascensão (1997, p. 266), a autorização desses
dispositivos é ampla, uma vez que permitem “toda e qualquer forma de utilização de obras
intelectuais quando isso for indispensável à prova judiciária ou administrativa”.
26
É interessante observar que tanto a Lei nº 5.988/1973, quanto a Lei nº 9.610/1998,
previram a possibilidade de utilização de trechos de obras preexistentes em obras novas. No
entanto, a dimensão alcançada pela redação de cada uma dessas normas foi diferente, sendo
que a Lei de 1998 ampliou o escopo dessa limitação, incorporando, inclusive, os parâmetros
gerais da regra dos três passos.
Nessa perspectiva, enquanto o art. 49, inciso I, alínea “a” 58, da Lei nº 5.988/1973 só
admitia a reprodução de trechos de obras preexistentes em obras novas, desde que essa
reprodução cumprisse um caráter científico, didático ou religioso, o art. 46, inciso VIII59, da
Lei nº 9.610/1998 não impõe essa restrição, mas estabelece alguns requisitos gerais que
devem ser observados, quais sejam:
- que a reprodução (na obra nova) seja de pequenos trechos (de obras preexistentes
de qualquer natureza) ou de obra integral, quando de artes plásticas60;
- que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova;
- que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida, e
- que não cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
(COSTA NETTO, 2008, p. 185)
José Carlos Costa Netto (2008, p. 185) aplaude a redação assumida pela Lei de 1998,
porque ele considera que se trata de um dispositivo que foi capaz de absorver a orientação
internacional da regra dos três passos, ao mesmo tempo que conseguiu conciliar o direito
exclusivo de exploração do autor da obra preexistente “com o interesse público do acesso à
cultura e à liberdade de expressão da atividade intelectual e artística (em relação à obra
nova)” (grifos do autor), entendimento no qual nos filiamos.
De outro lado, Menezes (2007, p. 106) critica a generalidade que esse dispositivo
assumiu, causando uma certa insegurança ao autor da obra nova que, na sua acepção, fica
vulnerável ao acionamento judiciário pelo autor da obra originária, sob o fundamento de que
27
este se sentiu prejudicado em seus interesses ou na exploração normal de sua obra. A despeito
de pertinentes as observações de Menezes, acredita-se que a norma em questão trouxe mais
benefícios do que malefícios, principalmente se considerada em relação à Lei de 1973.
O art. 4862 da Lei nº 9.610/1998 admite a livre representação das obras situadas
permanentemente em logradouros públicos, através de pinturas, desenhos, fotografias e
procedimentos audiovisuais. Isso significa dizer que as obras situadas em espaços públicos,
isto é, aquelas que possam ser facilmente vistas por quem transita no local, seja uma rua,
praça, avenida, ou mesmo monumentos, fontes, fachadas etc., podem ser registradas, por
meios mecânicos ou manuais, no formato de fotografias, pinturas, imagens e ilustrações, o
que não implica a autorização para reprodução daquela obra no mesmo formato em que foi
concebida. Em outras palavras, “não é possível que se copie uma fachada, monumento ou
painel por meio da construção de outra fachada, outro monumento ou outro painel”
(MENEZES, 2007, p. 107-108).
61 “Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem
lhe implicarem descrédito”.
62 “Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente,
por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais”.
28
É interessante notar, contudo, que a Lei nº 5.988/1973, no seu art. 49, inciso I, alínea
“e”63 admitia a reprodução dessa obra situada em logradouro público, entende-se: inclusive,
no mesmo formato no qual ela fora constituída, pois, além de utilizar a expressão
“reprodução” em vez de “representação”, ela não fazia nenhuma consideração acerca dos
formatos, como faz a legislação atual. Portanto, a limitação admitida pela Lei de 1973 era
bem mais ampla do que aquela disciplinada na legislação vigente.
Ademais, é importante observar que nenhum dos dispositivos mencionados (art. 49,
inciso I, alínea “e” da Lei nº 5.988/1973 e art. 48 da Lei nº 9.610/1998) fazem ressalva com
relação à finalidade lucrativa, o que dá margens a interpretações doutrinárias distintas sobre o
assunto. Conforme acentua Menezes (2007, p. 108), alguns autoralistas consideram que
autorizar a representação, sem nenhuma observação específica, não implica na autorização
para seu subsequente aproveitamento. Por outro lado, na acepção de outros doutrinadores,
como é o caso de Ascensão (1997, p. 261), ao comentar a Lei nº 5.988/1973, e da própria
Elisângela Dias Menezes (2007, p. 108), ao analisar a Lei nº 9.610/1998, não faz sentido
autorizar a representação de obras localizadas em logradouros públicos, sem que essa
representação possa ser utilizada posteriormente, ainda que comercialmente, já que o uso
pessoal seria indiscutível, entendimento do qual compartilhamos.
O art. 48 comentado encerra o rol taxativo de limitações previsto na Lei nº
9.610/1998. Contudo, a Lei nº 5.988/1973 disciplinava mais uma hipótese de limitação aos
direitos autorais, a qual comentamos brevemente no tópico subsequente.
É interessante comentar sobre o art. 51 da Lei nº 5.988/1973, ainda que seu conteúdo
não tenha sido adotado pela Lei nº 9.610/1998, porque ele trazia a previsão de uma licença
legal, assunto que será melhor explanado em tópico pertinente deste trabalho. Nessa
perspectiva, o dispositivo em comento admitia a reprodução de fotografias em obras
científicas ou didáticas, mas estipulava a necessidade de pagamento de uma remuneração
equitativa ao fotógrafo, por quem fizesse aludida reprodução. Além disso, ele estabelecia a
29
necessidade de indicação do nome do autor da fotografia, bem como apontava para o extinto
Conselho Nacional de Direito Autoral o dever de fixação dessa remuneração.
Tratava-se de uma previsão que se refletia, em certa medida, o disposto no art. 46,
VIII, da Lei nº 9.610/1998 que, atualmente, permite a reprodução integral de obras plásticas
em obra nova, desde que essa reprodução não seja o objetivo principal da obra nova, não
prejudique a exploração normal da obra preexistente, nem cause prejuízos injustificados aos
legítimos interesses do autor desta, mas com as diferenças de que o art. 51 da Lei nº
5.988/1973 não trazia os requisitos apontados em aludido art. 46, inciso VIII, e, por outro
lado, ainda exigia que o autor da fotografia preexistente fosse remunerado por quem a
reproduzisse, o que não é um requisito na legislação vigente.
A despeito da proximidade entre os artigos comentados, a Lei nº 9.610/1998 não
instituiu nenhuma licença legal, da mesma forma como não manteve a previsão do Conselho
Nacional de Direito Autoral.
30
século XIX e, só posteriormente, passou a integrar o texto normativo regulador da matéria de
direito autoral.
O fair use, por conseguinte, constitui um teste, utilizado pelos magistrados norte-
americanos, que serve para determinar se o uso de material protegido por direitos autorais,
sem a autorização do seu titular, configura ou não violação aos direitos deste (BASSO, 2007,
p. 502). Em outras palavras, o fair use caracteriza-se como um princípio geral “a ser aplicado
sob determinadas circunstâncias descritas em lei” que, por sua vez, nada mais são do que
casos em que o interesse público prevalece sobre o interesse particular, a ponto de justificar a
não incidência da proteção autoral (CARBONI, 2008, p. 132).
Nessa esteira, o fair use propõe a análise de quatro passos a fim de identificar se o uso
feito sem autorização do titular pode ser considerado como justo ou como uma violação ao
direito autoral deste, quais sejam: (1) o propósito do uso; (2) a natureza do trabalho protegido;
(3) a dimensão da parte utilizada em comparação com o todo; e (4) o impacto econômico.
Para melhor esclarecer sobre o que compõe o fair use norte-americano, transcrevemos a
tradução feita por Carboni (2008, p. 132-133) de dois dispositivos extraídos do Copyright Act,
quais sejam, o § 107 do Capítulo 1 e o art. 189, que vão delinear a interpretação dos juízes na
análise do caso concreto, a fim de definir quando o uso é ou não é justo, in verbis:
O uso justificado de uma obra protegida pelo direito de autor, incluindo o seu uso
por meio de reprodução em cópias ou gravadoras ou por qualquer outro meio
especificado por este artigo, para fins de crítica, comentário, noticiário, ensino
(incluindo múltiplas cópias para utilização em salas de aula), educação ou
pesquisa, não constitui infração ao direito de autor. Na determinação de que o uso
da obra, em qualquer caso particular, constitui uso justificado, os fatores a serem
considerados incluem:
(1) o propósito e a forma do uso, incluindo se esse uso tem natureza comercial ou se
tem propósitos educacionais, sem fins lucrativos;
(2) a natureza da obra protegida pelo direito de autor;
(3) o tamanho e a substancialidade da parte utilizada, se considerada a totalidade
da obra protegida pelo direito de autor; e
(4) os efeitos do uso com relação ao mercado potencial ou ao valor da obra
protegida pelo direito de autor.
O fato de uma obra não ser publicada não deve, por si só, impedir a verificação do
uso justificado se essa verificação for feita com base na consideração de todos os
fatores acima.
Ainda sobre o fair use, o art. 189 do Copyright Act norte-americana dispõe o
seguinte:
31
(a) uso privado;
(b) trechos de performance, fonograma, videograma, ou programa transmitido por
radiodifusão, a menos que o uso desses trechos seja justificado por motivos de
informação ou crítica, ou outras razões autorizadas para cotações ou sumários
referidas no parágrafo (f) do art. 75;
(c) uso para fins exclusivamente científicos ou educacionais;
(d) fixação efêmera realizada por empresa de radiodifusão;
(e) fixação ou reprodução por entidades públicas ou agentes do serviço público por
razão de excepcional interesse documental ou para arquivo;
(f) outros casos nos quais o uso da obra sem a permissão do autor seja legal.
(2) a proteção à pessoa que realiza a performance, nos termos deste artigo, não
inclui performances decorrentes de funções oficiais ou sob contrato de trabalho.
(grifos do autor)
32
cujo valor poderá ser acordado pelas partes ou determinado pelo Copyright Tribunal64
(CARBONI, 2008, p. 129).
Logo, tanto o regime do fair use, como o do fair dealing vão estabelecer formas mais
flexíveis de limitações aos direitos autorais, quando comparados com as legislações de Civil
Law, como é o caso do Brasil.
7 Licenças compulsórias
Outro instituto pertinente ao assunto das limitações aos direitos autorais é o da licença
compulsória, a que se propõe tecer breves comentários neste tópico. Primeiramente, é
importante compreender no que consiste a licença compulsória e, para tanto, utilizamos as
lições de José de Oliveira Ascensão.
Nessa perspectiva, Ascensão (1997, p. 258) explica que uma licença pode ser legal ou
compulsória. No caso da licença legal, é admitido o uso livre da obra por terceiro, sem prévio
consentimento do autor, mas os direitos deste são mantidos, tanto no seu aspecto moral,
quanto no patrimonial. Isso significa dizer que, a despeito de preservar os seus direitos, o
autor não pode recusar a autorização para que terceiro utilize sua obra. É como se a lei
substituísse o autor nesse aspecto. Desta feita, Ascensão aponta como exemplo de licença
legal a hipótese de reprodução de fotografias em obras científicas ou didáticas, prevista no art.
51 da Lei nº 5.988/1973, comentado previamente.
No entendimento de Ascensão (1997, p. 258), portanto, a diferença da licença legal
com a licença compulsória é que, no caso desta última, além da possibilidade de utilização
livre, sem prévio consentimento do autor, e geralmente remunerada, ela depende também da
intervenção de um órgão administrativo ou judicial responsável por decidir a sua outorga.
Parece que a barreira que diferencia licença legal de licença compulsória no momento de
interpretar um artigo de lei ou de uma convenção internacional é tênue, tanto que José Carlos
Costa Netto (2008, p. 179) considera a previsão do art. 51 da Lei nº 5.988/1973 como uma
licença compulsória remunerada, e não como uma licença legal, até mesmo pela menção feita
ao Conselho Nacional do Direito Autoral.
Seja como for, é importante ter em mente que a Lei nº 9.610/1998 não previu nenhum
64 “Art. 66. (1) The Secretary of State may by order provide that in such cases as may be specified in the order
the lending to the public of copies of literary, dramatic, musical or artistic works, sound recordings or films
shall be treated as licensed by the copyright owner subject only to the payment of such reasonable royalty or
other payment as may be agreed or determined in default of agreement by the Copyright Tribunal”.
33
tipo de licença dessa ordem, independentemente da classificação feita por Ascensão. E, tendo
em vista essa divergência com relação à terminologia, optamos por utilizar apenas a
classificação como licença compulsória dos dispositivos que serão comentados em seguida.
Assim sendo, cumpre destacar que a Convenção de Berna estabeleceu quatro tipos de
licenças compulsórias no seu texto, sendo duas para os países signatários em geral, e duas
para os países em desenvolvimento.
Quanto às licenças dedicadas aos países em desenvolvimento, ressalta-se que o Estado
interessado nas prerrogativas estipuladas pela Convenção de Berna precisa se autodeclarar
formalmente um país em desenvolvimento interessado em fazer uso daquela faculdade.
Respeitada essa condição, aludidos países poderiam instituir licenças compulsórias para a
tradução de obras, em conformidade com os preceitos impostos pelo art. II do Anexo da
Convenção de Berna, inserido na revisão de Paris de 1971. A licença compulsória disciplinada
nesse artigo tem como finalidade atender às necessidades cultural e educacional dos países
mencionados (LEONARDI, 2014, p. 41-42).
Para tanto, aludido dispositivo estabelece uma série de requisitos que os países
interessados em implementar a licença compulsórias para tradução de obras devem respeitar.
Este, no entanto, não é o foco do presente trabalho, mas, ainda assim, dois comentários
merecem ser feitos para contextualizar a aplicação dessas licenças. O primeiro deles é que o
art. II do Anexo da Convenção de Berna limita as licenças compulsórias à tradução de obras
impressas ou em formato análogo, excluindo as obras cinematográficas e as gravações
sonoras do seu escopo. Isso acontece porque o objetivo dessa norma é garantir o acesso a
obras para fins escolares, universitários e de pesquisa (LEONARDI, 2014, p. 44). Ademais,
outro requisito importante para a implementação de aludida licença é a falta de tradução da
obra na língua de uso geral do país, após um determinado período de tempo da sua
publicação, ou o esgotamento de todas as edições da tradução publicada na língua em questão
naquele país65.
65 Segue, então, o dispositivo na íntegra para conferência de todos os requisitos exigidos: “ARTIGO II
1) Todo país que tenha declarado que invocará o beneficio da faculdade prevista pelo presente artigo será
habilitado, relativamente às obras publicadas sob forma impressa ou sob qualquer outra forma análoga de
reprodução, a substituir o direito exclusivo de tradução previsto no artigo 8 por um regime de licenças não-
exclusivas e intransferíveis, concedidas pela autoridade competente nas condições indicadas a seguir e de
acordo com o artigo IV.
2) a) Sem prejuízo do disposto no parágrafo 3), quando, ao expirar um período de três anos ou um período
mais longo determinado pela legislação nacional do referido país, contado da primeira publicação de uma
obra, a tradução não foi publicada numa língua de uso geral nesse país, pelo titular do direito de tradução ou
com sua autorização, qualquer nacional do referido país poderá obter uma licença para traduzir a obra na
referida língua e publicar essa tradução sob forma impressa ou sob qualquer outra forma análoga de
34
Outro dispositivo que também disciplina licenças compulsórias destinadas a países em
desenvolvimento é o art. III do Anexo da Convenção de Berna, que trata de licenças não
voluntárias para reprodução de obras. Assim como acontece nos casos de tradução, essa
norma também objetiva atender às necessidades cultural e educacional desses países e, para
tanto, “delimita os tipos de obras que podem ser reproduzidos sob esse sistema, quais sejam:
i) obras já publicadas de forma impressa (ou outra forma análoga de reprodução) e ii) obras
audiovisuais (que tenham sido concebidas e publicadas com fins educacionais)”. Mas
reprodução.
b) Uma licença também pode ser concedida em virtude do presente artigo se estiverem esgotadas todas as
edições da tradução publicada na língua em apreço.
3) a) No caso de traduções numa língua que não é de uso geral num ou em vários países desenvolvidos,
membros da União, um período de um ano substituirá o período de três anos mencionado no paragrafo 2) a).
b) Qualquer país mencionado no parágrafo 1) pode, com o acordo unânime dos países desenvolvidos,
membros da União, nos quais a mesma língua é de uso geral, substituir, no caso de traduções para a referida
língua, o período de três anos mencionados no parágrafo 2) a) por um período mais curto fixado de
conformidade com o referido acordo, não podendo, todavia, tal período ser inferior a um ano. Entretanto, as
disposições da frase precedente não são aplicáveis quando se trata de inglês, espanhol ou francês. Qualquer
acordo neste sentido será notificado ao Diretor-Geral pelos Governos que o tiverem concluído.
4) a) Nenhuma licença mencionada no presente artigo poderá ser concedida antes de expirado um prazo
suplementar de seis meses, no caso em que ela possa ser obtida ao expirar de um período de três anos, e de
nove meses, no caso em que possa ser obtida ao expirar de um período de um ano:
i) contados da data em que o requerente cumpre as formalidades previstas pelo artigo IV.1);
ii) ou então, se a identidade ou o endereço do titular do direito de tradução não for conhecido, contados da
data em que o requerente procede, como previsto no artigo IV.2), ao envio das cópias do requerimento
apresentado por ele à autoridade competente a fim de obter a licença.
b) Se, no decurso de um prazo de seis ou de nove meses, uma tradução na língua para a qual o requerimento
foi apresentado é publicada pelo titular do direito de tradução ou com a sua autorização nenhuma licença
será concedida por força do presente artigo.
5) Qualquer licença mencionada no presente artigo somente poderá se concedida para fins escolares,
universitários ou de pesquisa.
6) Se a tradução de uma obra for publicada pelo titular do direito de tradução ou com sua autorização por um
preço comparável àquele em uso no país em causa para obras análogas, qualquer licença concedida por força
do presente artigo cessará se tal tradução for na mesma língua e tiver, em essência, o mesmo conteúdo que a
tradução publicada por força da licença. Poder-se-á continuar a distribuição de todos os exemplares já
produzidos antes da expiração da licença, até o esgotamento dos mesmos.
7) Para as obras que são compostas principalmente de ilustrações, uma licença para realizar e publicar uma
tradução do texto e para reproduzir e publicar uma tradução do texto e para reproduzir e publicar ilustrações
somente poderá ser concedida se as condições do artigo III forem igualmente preenchidas.
8) Nenhuma licença poderá ser concedida por força do presente artigo quando o autor tiver retirado da
circulação todos os exemplares de sua obra.
9) a) Uma licença para traduzir uma obra que tenha sido publicada sob forma impressa ou sob qualquer
forma análoga de reprodução pode também ser concedida a qualquer órgão de radiodifusão que tenha sua
sede num país mencionado no parágrafo 1), em conseqüência de um pedido feito à autoridade competente do
país do referido organismo, contanto que tenham sido preenchidas todas as seguintes condições:
i) a tradução seja feita a partir de um exemplar produzido e adquirido de acordo com a legislação do referido
país;
ii) a tradução seja utilizável somente em emissões destinadas ao ensino ou à difusão de informações de
caráter cientifico ou técnico destinadas aos peritos de determinada profissão;
iii) a tradução seja utilizada exclusivamente para os fins enumerados no ponto ii) em emissões feitas
licitamente e destinadas aos beneficiários no território do referido país, inclusive as emissões feitas mediante
registros sonoros e visuais realizados licitamente e exclusivamente para tais emissões;
iv) os usos feitos da tradução não tenham caráter lucrativo.
35
diferentemente das licenças para tradução, existe um entendimento de que, para as licenças de
reprodução, o requisito da finalidade educacional deve ser interpretado de forma ampla, a
ponto de abarcar “todas as formas organizadas de educação, não apenas a escolar e
universitária” (LEONARDI, 2014, p. 59-60).
Ademais, da mesma forma como acontece com as licenças para tradução, é requisito
para a concessão de licenças para reprodução, a venda insuficiente de exemplares para atender
“às necessidades de educação do público em geral e por um preço comparável ao de outras
obras análogas”, além de outros critérios estipulados em aludido art. III do Anexo da
Convenção de Berna66. Vale comentar que o art. IV do mencionado Anexo também se ocupa
b) Registros sonoros ou visuais de uma tradução feita por um órgão de radiodifusão sob o regime de uma
licença concedida por força da presente alínea podem, para os fins e sem prejuízo das condições enumeradas
na alínea a) e com o acordo desse órgão, ser também utilizados por qualquer outro órgão de radiodifusão
com sede no país cuja autoridade competente concedeu a licença em questão.
c) Sempre que todos os critérios e condições enumerados na alínea a) sejam respeitados, uma licença pode
igualmente ser concedida a um órgão de radiodifusão para traduzir qualquer texto incorporado numa fixação
audiovisual feita e publicada unicamente para uso escolar e universitário.
d) Sem prejuízo das alíneas a e c, as disposições dos parágrafos precedentes são aplicáveis à concessão e ao
exercício de qualquer licença concedida por força do presente parágrafo”.
66 “ARTIGO III
1) Qualquer país que tenha declarado que invocará o benefício da faculdade prevista pelo presente artigo terá
direito para substituir o direito exclusivo de reprodução previsto no artigo 9 por um regime de licenças não
exclusivas e intransferíveis, concedidas pela autoridade competente nas condições indicadas a seguir e de
acordo com o artigo IV.
2) a) Com relação a uma obra à qual o presente artigo é aplicável por força do parágrafo 7 e quando, ao
expirar:
i) do período fixado no parágrafo 3) é contado a partir da primeira publicação de uma edição determinada de
uma tal obra ou
ii) de um período mais longo fixado pela legislação nacional do país mencionado no parágrafo 1) e contado a
partir da mesma data, exemplares dessa edição não foram postos à venda, no referido país, para atender às
necessidades, quer do público, quer do ensino escolar e universitário, pelo titular do direito de reprodução ou
com a sua autorização, por um preço comparável ao em uso em tal país para obras análogas, qualquer
nacional do referido país poderá obter uma licença para reproduzir e publicar essa edição, por esse preço ou
por preço inferior, a fim de atender às necessidades do ensino escolar e universitário.
b) Uma licença para reproduzir e publicar uma edição que foi posta em circulação como o descreve a alínea
a) pode também ser concedida por força das condições previstas pelo presente artigo se, depois de expirado
o período aplicável, exemplares autorizados dessa edição não estão mais à venda no país em questão,
durante um período de seis meses, para responder às necessidades, quer do público, quer do ensino escolar e
universitário, a um preço comparável àquele que é pedido no referido país para obras análogas.
3) O período a que se refere o parágrafo 2) a)i) é de cinco anos. Entretanto,
i) para as obras que tratem de ciências exatas e naturais e da tecnologia, será de três anos;
ii) para as obras que pertencem ao campo da imaginação, como romances, obras poéticas, dramáticas e
musicais e para os livros de arte, será de sete anos.
4) a) No caso em que possa ser obtido após um período de três anos, a licença não poderá ser concedida por
força do presente artigo antes da estipulação de um prazo de seis meses
i) a contar da data em que o requerente cumpre as formalidades previstas pelos artigo IV.1);
ii) ou então, se a identidade ou o endereço do titular do direito de reprodução não for conhecido, a contar da
data em que o requerente procede, como previsto no artigo IV.2, ao envio das cópias do requerimento
apresentado por ele à autoridade competente a fim de obter a licença.
b) Nos outros casos, e se o artigo IV.2) é aplicável, a licença não poderá ser concedida antes de expirado um
prazo de três meses contados do envio das cópias do requerimento.
36
de requisitos, mas no caso, aplicáveis tanto às licenças compulsórias para tradução, quanto
para aquelas destinadas à reprodução, que, no entanto, não serão objeto de análise nesta
pesquisa.
Já no que diz respeito às licenças compulsórias destinadas a todos os países
signatários, cumpre destacar que a Convenção de Berna não utiliza de forma expressa o termo
“licenças compulsórias”, mas, conforme observa Fernanda Stinchi Pascale Leonardi (2014, p.
71 e 81), ela dá indícios de que o texto normativo admite a adoção desse tipo de licenças, ao
utilizar expressões como “reservas e condições” ou só “condições”, ao garantir uma
remuneração equitativa aos autores nas hipóteses previstas, e ao definir que, caso não haja
acordo entre as partes, essa remuneração deverá ser fixada pela autoridade competente
(LEONARDI, 2014, p. 71 e 81).
Com base nesses direcionamentos, o art. 11 bis67, item 2 da Convenção de Berna,
c) Se durante o prazo de seis ou de três meses mencionado nas alíneas a) e b) houve uma distribuição, como
descrito no parágrafo 2)a), nenhuma licença poderá ser concedida por força do presente artigo.
d) Nenhuma licença poderá ser concedida quando o autor tiver retirado da circulação todos os exemplares da
edição para cuja reprodução e publicação a licença foi requerida.
5) Uma licença para reproduzir e publicar uma tradução de uma obra não será concedida, por força do
presente artigo, nos casos abaixo:
i) quando a tradução em causa não foi publicada pelo titular do direito da tradução ou com sua autorização;
ii) quando a tradução não é feita numa língua de uso geral no país onde a licença é requerida.
6) Caso sejam postos à venda exemplares de uma edição de uma obra no país mencionado no parágrafo 1)
para responder às necessidades, quer do público, quer do ensino secundário e universitário, pelo titular do
direito de reprodução ou com sua autorização, por um preço comparável àquele em uso no referido país para
obras análogas qualquer licença concedida por força do presente artigo caducará se essa edição for na
mesma língua e tiver essencialmente o mesmo conteúdo que a edição publicada por força da licença. Poder-
se-á continuar a distribuição de todos os exemplares já produzidos antes da expiração da licença até o
esgotamento dos mesmos.
7) a) Sem prejuízo da alínea b), as obras às quais o presente artigo é aplicável são apenas as obras publicadas
sob forma impressa ou sob qualquer outra forma análoga de reprodução.
b) O presente artigo é igualmente aplicável à reprodução audiovisual de fixações lícitas audiovisuais que
constituam ou incorporem obras protegidas, assim como à tradução do texto que as acompanha numa língua
de uso geral no país em que a licença é requerida, ficando bem entendido que as fixações audiovisuais em
questão foram concebidas e publicadas unicamente para fins escolares e universitários”.
67 “ARTIGO 11 bis
1) Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar: 1º a radiodifusão de
suas obras ou a comunicação pública das mesmas obras por qualquer outro meio que sirva para transmitir
sem fio os sinais, os sons ou as imagens; 2º qualquer comunicação pública, quer por fio, quer sem fio, da
obra radio difundida, quando a referida comunicação é feita por um outro organismo que não o da origem; 3º
a comunicação pública, por meio de alto-falante ou por qualquer outro instrumento análogo transmissor de
sinais, de sons ou de imagem, da obra radio difundida.
2) Compete às legislações dos Países da União regular as condições de exercício dos direitos constantes do
parágrafo 1) do presente Artigo, mas tais condições só terão um efeito estritamente limitado ao país que as
tiver estabelecido. Essas condições não poderão, em caso algum, afetar o direito moral do autor, ou o direito
que lhe pertence de receber remuneração eqüitativa, fixada na falta de acordo amigável, pela autoridade
competente.
3) Salvo estipulação em contrário, as autorizações concedidas nos termos do parágrafo 1) do presente Artigo
não implicam autorização de gravar, por meio de instrumentos que fixam os sons ou as imagens, as obras
radio difundidas. Entretanto, os países da União reservam-se a faculdade de determinar nas suas legislações
nacionais o regime das gravações efêmeras realizadas por um organismo de radiodifusão pelos seus próprios
37
permite que os países substituam os direitos exclusivos de autorizar a radiodifusão e de
comunicação pública, nas condições do item 1 de aludido dispositivo, por licenças
compulsórias, desde que respeitados os direitos morais dos autores e garantida a remuneração
equitativa destes. Por sua vez, o art. 1368 da Convenção admite a instituição de licenças
compulsórias para gravação sonora de obras musicais, que podem afetar, tanto os direitos do
autor da obra musical, quanto os do autor da letra que a acompanha. Ademais, é necessário
que uma gravação inicial já tenha sido autorizada por estes autores que, por sua vez, farão jus
a uma remuneração equitativa mediante essas licenças compulsórias (LEONARDI, 2014, p.
71 e 81).
Diferentemente das normas destinadas aos países em desenvolvimento, os arts. 11 bis
e 13 da Convenção de Berna não trazem muitos requisitos amparando a regulação dos
regimes de licenças compulsórias pelos países signatários, mas, ainda assim, autoriza que
aludidas licenças sejam por eles adotadas. Pela leitura dos dispositivos em comento,
depreende-se que se tratam de normas destinadas a evitar práticas monopolistas
(ASCENSÃO, 1997, p. 259) pelas empresas radiodifusoras e pelas gravadoras musicais.
Conforme demonstrado pelos artigos comentados neste tópico, as licenças
compulsórias nada mais são do que limitações aos direitos autorais, por inexigirem
autorização do autor ou do titular para as utilizações por elas estipuladas, desde que
respeitados determinados requisitos específicos, como atender a uma finalidade (por exemplo,
educacional) e garantir uma remuneração compensatória ao autor ou titular. No entanto, de
acordo com o que já foi mencionado anteriormente, a legislação autoral brasileira vigente não
adotou nenhuma espécie de licença compulsória em seus dispositivos.
38
Ao estudar o tema das limitações de direitos autorais, não se pode deixar de mencionar
a proposta de reforma da legislação autoral. As primeiras discussões sobre o assunto surgiram
em 2005, quando se cogita o retorno do Conselho Nacional do Direito Autoral. Entre os anos
de 2005 e 2010, foram realizados inúmeros encontros, reunindo acadêmicos e profissionais da
área para debater os aspectos a serem reformados, o que culminou, em 2010, com a
elaboração pelo Ministério da Cultura de um Anteprojeto de Lei. Este, por sua vez, foi
apresentado à sociedade civil e colocado em consulta pública para contribuição dos setores
interessados. Ao final da consulta, foi apresentado um texto modificado, ocasião em que
também terminou a gestão de Juca Ferreira enquanto Ministro da Cultura, em 2010
(WACHOWICZ, 2015, p. 544-546).
Ocorre que, em 2011, tem início o governo de Dilma Roussef que, por sua vez, indica
Ana de Hollanda para o cargo de Ministra da Cultura. Esta, então, submete o anteprojeto a
nova consulta, porém não em uma plataforma aberta como fora feito na primeira ocasião,
novas modificações são realizadas, mas o texto final não é apresentado à sociedade civil dessa
vez. Em 15 de julho de 2011, o Anteprojeto é enviado à Casa Civil da Presidência da
República, para ser encaminhado ao Congresso Nacional, onde permanece naufragado até a
presente data (WACHOWICZ, 2015, p. 546).
Mas o que é importante comentar no presente trabalho sobre o Anteprojeto é que um
dos eixos de maior preocupação nas reformas por ele propostas estava justamente em garantir
o equilíbrio entre a proteção aos direitos do autor e os interesses da sociedade de acesso à
cultura e ao conhecimento e, como consequência disso, muitas foram as alterações propostas
quanto ao art. 46, com o intuito de ampliar as limitações aos direitos autorais.
Dentre essas alterações, é possível citar algumas mais relevantes, quais sejam: (a) o
retorno da cópia privada integral, e não mais apenas de pequenos trechos, como prevê a
legislação atual (inciso I nas duas versões do APL, isto é, antes e após a primeira consulta
pública69); (b) a possibilidade de reprodução para garantir a portabilidade ou a
interoperabilidade da obra, para uso privado (inciso II em ambas as versões 70); (c) quanto ao
69 Primeira versão do APL: “I – a reprodução, por qualquer meio ou processo, de qualquer obra
legitimamente adquirida, desde que feita em um só exemplar e pelo próprio copista, para seu uso
privado e não comercial;” (grifos nossos).
Segunda versão do APL: “I - a reprodução, por qualquer meio ou processo, em uma só cópia e por pessoa
natural, para seu uso privado e não comercial, de obra legitimamente obtida, exceto por meio de
locação, desde que feita a partir de exemplar de obra publicada legalmente;” (grifos nossos).
70 Primeira versão do APL: “II – a reprodução, por qualquer meio ou processo, de qualquer obra
legitimamente adquirida, quando destinada a garantir a sua portabilidade ou interoperabilidade, para
uso privado e não comercial;” (grifos nossos).
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direito à informação, o Anteprojeto passa a falar em “imprensa” e não mais em “imprensa
diária ou periódica” (que dá a entender que só se refere à imprensa escrita no texto vigente)
(incisos III e IV nas duas versões71); (d) a reprodução, a tradução, a adaptação (sendo que a
tradução e a adaptação só foram previstos na última versão), a distribuição, a comunicação e a
colocação à disposição do público de obras para uso exclusivo de pessoas com deficiência,
não mais limitando aos deficientes visuais, como faz a lei vigente (inciso IX nas duas
versões72); (e) a reprodução e a colocação à disposição do público de obras para inclusão em
portfólio ou currículo profissional (inciso X em ambas as versões 73); (f) a reprodução
destinada à conservação, preservação e arquivamento de obras (inciso XIII nas duas
versões74); (g) a utilização de obras para fins didáticos, culturais, religiosos e terapêuticos,
Segunda versão do APL: “II - a reprodução, por qualquer meio ou processo, em uma só cópia para cada
suporte e por pessoa natural, para seu uso privado e não comercial, de obra legitimamente obtida,
exceto por meio de locação ou se o acesso à obra foi autorizado por um período de tempo limitado,
desde que feita a partir de original ou cópia de obra publicada legalmente, para o fim específico de
garantir a sua portabilidade ou interoperabilidade;” (grifos nossos).
71 Primeira versão do APL: “III – a reprodução na imprensa, de notícia ou de artigo informativo, publicado
em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram
transcritos;
IV – a utilização na imprensa, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza ou de
qualquer obra, quando for justificada e na extensão necessária para cumprir o dever de informar sobre fatos
noticiosos; ” (grifos nossos).
Segunda versão do APL: “III - a reprodução na imprensa, de notícias e relatos de acontecimentos que
tenham caráter meramente informativo, publicados em diários ou periódicos, com a menção do nome do
autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
IV - a utilização na imprensa, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;”
(grifos nossos).
72 Primeira versão do APL: “IX – a reprodução, a distribuição, a comunicação e a colocação à disposição
do público de obras para uso exclusivo de pessoas portadoras de deficiência, sempre que a deficiência
implicar, para o gozo da obra por aquelas pessoas, necessidade de utilização mediante qualquer processo
específico ou ainda de alguma adaptação da obra protegida, e desde que não haja fim comercial na
reprodução ou adaptação;” (grifos nossos).
Segunda versão do APL: “IX - a reprodução, a tradução, a adaptação, a distribuição, a comunicação e a
colocação à disposição do público de obras para uso exclusivo de pessoas com deficiência mediante
quaisquer formatos acessíveis, sempre que a deficiência gerar necessidade de alteração do formato com o
intuito de efetivar o pleno acesso à fruição da obra, e desde que não haja intuito de lucro direto ou
indireto;” (grifos nossos).
73 Primeira versão do APL: “X – reprodução e colocação à disposição do público para inclusão em portfólio
ou currículo profissional, na medida justificada para este fim, desde que aquele que pretenda divulgar as
obras por tal meio seja um dos autores ou pessoa retratada;” (grifos nossos).
Segunda versão do APL: “X – reprodução e colocação à disposição do público para inclusão em portfólio
ou currículo profissional, na medida justificada por este fim, desde que aquele que pretenda divulgar as
obras por tal meio seja um dos autores ou pessoa retratada, e após a publicação da obra por aquele
que a encomendou;” (grifos nossos).
74 Primeira versão do APL: “XIII – a reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de
qualquer obra, sem finalidade comercial, desde que realizada por bibliotecas, arquivos, centros de
documentação, museus, cinematecas e demais instituições museológicas, na medida justificada para atender
aos seus fins;” (grifos nossos).
Segunda versão do APL: “XIII – a reprodução necessária à conservação, preservação e arquivamento de
qualquer obra, sem intuito de lucro, desde que realizada para bibliotecas, arquivos, centros de
documentação, museus, cinematecas e demais instituições museológicas, na medida justificada pelo fim a se
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sendo que de uma versão para a outra, muitos aspectos foram modificados e o texto posterior
à consulta pública acabou sofrendo muitas amenizações se comparado com a primeira versão,
que propunha limitações mais amplas (inciso XV, alíneas “a”, “b”, “c” e “d” na primeira
versão, e incisos XV, XVII e XIX no segundo texto75); (h) a comunicação e a colocação à
disposição do público de obras por entidades museológicas para fins de estudo e pesquisa,
sendo que, na versão final, foram acrescidos uma série de requisitos, inexistentes no primeiro
texto, para que a limitação fosse aplicada no caso concreto (inciso XVI, na primeira versão, e
inciso XVI, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, bem como o §1º do segundo texto76); (i) a reprodução
de obra indisponível no mercado (previsão somente no inciso XVII do primeiro texto, sem
correspondência na versão final77); (j) a utilização de obras de artes visuais, para fins de
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publicidade destas, sendo que, na versão pré-consulta, falava-se em “reprodução e qualquer
outra utilização”, enquanto na última versão só se manteve o direito de reprodução (inciso
XVIII em ambos os textos78); (k) a execução e a exibição públicas em microempresas (com
previsão apenas no inciso XX do texto pós consulta, sem correspondente na primeira
versão79); (l) a reprodução, tradução e distribuição com finalidade educacional (com previsão
apenas no inciso XXI do texto pós consulta, sem correspondente na primeira versão80).
Não se pode deixar de mencionar também que, na versão pré-consulta, o próprio caput
do art. 46 foi alterado para explicitar a desnecessidade de autorização pelo titular e de
pagamento de direitos patrimoniais a este nas hipóteses elencadas no dispositivo. No entanto,
essa modificação não prevaleceu na última versão do Anteprojeto, que manteve a redação
atualmente vigente81.
Ademais, além dos dispositivos comentados, a alteração provavelmente mais
importante que o Anteprojeto estabelecia era a transformação do rol de limitações aos direitos
autorais em um rol exemplificativo, isto é, admitindo a existência de outras restrições,
diversas daquelas elencadas na lei, desde que respeitados os requisitos estipulados em seus
textos. Cabe ressaltar, no entanto, que as redações de cada versão do Anteprojeto ficaram
bastante diferentes, mas o que se pode extrair de ambos os textos foi a tentativa de incorporar
a regra dos três passos no dispositivo que trata das limitações aos direitos autorais,
flexibilizando as suas hipóteses. Na primeira versão, essa norma está prevista no parágrafo
por sua exploração econômica, em quantidade suficiente para atender à demanda de mercado, bem como
não tenha uma publicação mais recente disponível e, tampouco, não exista estoque disponível da obra ou
fonograma para venda; e” (grifos nossos).
78 Primeira versão do APL: “XVIII – a reprodução e qualquer outra utilização de obras de artes visuais
para fins de publicidade relacionada à exposição pública ou venda dessas obras, na medida em que seja
necessária para promover o acontecimento, desde que feita com autorização do proprietário do suporte
em que a obra se materializa, excluída qualquer outra utilização comercial.” (grifos nossos).
Segunda versão do APL: “XVIII – a reprodução de obras de artes visuais para fins de publicidade
relacionada à exposição pública dessas obras, na medida em que seja necessária para promover o
acontecimento, excluída qualquer utilização comercial;” (grifos nossos).
79 Segunda versão do APL: “XX – a execução e a exibição públicas realizadas por micro empresas, quando
feitas a partir de recepção de uma transmissão em um único aparelho de rádio ou televisão do tipo doméstico
para cujo uso não haja cobrança e que essa transmissão não seja um meio para a atração de clientela; e”
(grifos nossos).
80 Segunda versão do APL: “XXI - A reprodução, a tradução e a distribuição de trechos de obras
preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes visuais ou pequenas
composições, como recurso didático-pedagógico por docentes, a título de ilustração, em atividades
educativas ou de pesquisa, no âmbito da educação formal e na extensão necessária para o fim a se atingir,
desde que esse uso não tenha finalidade comercial, nem intuito de lucro direto ou indireto e que sejam
citados o autor e a fonte, vedada a publicação em forma de apostilas” (grifos nossos).
81 Primeira versão do APL: “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais a utilização de obras protegidas,
dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração
por parte de quem as utiliza, nos seguintes casos:” (grifos nossos).
Segunda versão do APL: “Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:” (grifos nossos).
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único82, enquanto na última versão, o legislador a colocou no § 2º83.
Ademais e para finalizar os comentários ao Anteprojeto, não se pode deixar de
mencionar que ambos os textos passaram a prever licenças compulsórias. Na primeira versão
do Anteprojeto, as hipóteses de licenças compulsórias eram deveras amplas e buscavam
atender aos interesses da ciência, da cultura, da educação ou do acesso à informação. Além
disso, poderiam ser concedidas diante da insuficiência de obras no mercado; quando os
titulares criassem obstáculos injustificados à exploração da obra, ou exercessem de forma
abusiva os seus direitos; quando não fosse possível localizar ou identificar o autor ou o titular
de obras em domínio privado (as chamadas obras órfãs); ou quando o autor ou titular criasse
obstáculos ao licenciamento para reprografia (previsto no art. 88-A desse texto). Acrescenta-
se ainda que esse texto pré-consulta pública estabelecia todos os requisitos e condições para
que essas licenças fossem outorgadas nos arts. 52-B, 52-C e 52-D84.
82 “Parágrafo único. Além dos casos previstos expressamente neste artigo, também não constitui ofensa
aos direitos autorais a reprodução, distribuição e comunicação ao público de obras protegidas,
dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por
parte de quem as utiliza, quando essa utilização for:
I - para fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo; e
II - feita na medida justificada para o fim a se atingir, sem prejudicar a exploração normal da obra
utilizada e nem causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores” (grifos nossos).
83 “§ 2º. O Poder Judiciário poderá autorizar a utilização de obras em casos análogos aos incisos desse
artigo, desde que atendidas cumulativamente as seguintes condições:
I – não tenha finalidade comercial nem intuito de lucro direto ou indireto;
II – não concorra com a exploração comercial da obra; e
III – que sejam citados o autor e a fonte, sempre que possível” (grifos nossos).
84 “Art. 52-B. O Presidente da República poderá, mediante requerimento de interessado legitimado nos termos
do § 3º, conceder licença não voluntária e não exclusiva para tradução, reprodução, distribuição, edição e
exposição de obras literárias, artísticas ou científicas, desde que a licença atenda necessariamente aos
interesses da ciência, da cultura, da educação ou do direito fundamental de acesso à informação, nos
seguintes casos:
I – Quando, já dada a obra ao conhecimento do público há mais de cinco anos, não estiver mais disponível
para comercialização em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades do público;
II – Quando os titulares, ou algum deles, de forma não razoável, recusarem ou criarem obstáculos à
exploração da obra, ou ainda exercerem de forma abusiva os direitos sobre ela;
III – Quando não for possível obter a autorização para a exploração de obra que presumivelmente não tenha
ingressado em domínio público, pela impossibilidade de se identificar ou localizar o seu autor ou titular; ou
IV - Quando o autor ou titular do direito de reprodução, de forma não razoável, recusar ou criar obstáculos
ao licenciamento previsto no art. 88-A.
§ 1º No caso das artes visuais, aplicam-se unicamente as hipóteses previstas nos incisos II e III.
§ 2º Todas as hipóteses de licenças não voluntárias previstas neste artigo estarão sujeitas ao pagamento de
remuneração ao autor ou titular da obra, arbitrada pelo Poder Público em procedimento regular que atenda
os imperativos do devido processo legal, na forma do regulamento, e segundo termos e condições que
assegurem adequadamente os interesses morais e patrimoniais que esta Lei tutela, ponderando-se o interesse
público em questão.
§ 3º A licença de que trata este artigo só poderá ser requerida por pessoa com legítimo interesse e que tenha
capacidade técnica e econômica para realizar a exploração eficiente da obra, que deverá destinar-se ao
mercado interno.
§ 4º Sempre que o titular dos direitos possa ser determinado, o requerente deverá comprovar que solicitou
previamente ao titular a licença voluntária para exploração da obra, mas que esta lhe foi recusada ou lhe
foram criados obstáculos para sua obtenção, de forma não razoável, especialmente quando o preço da
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No entanto, a maioria dessas previsões não foram mantidas na versão pós consulta
pública, prevalecendo apenas a licença compulsória para obras órfãs no art. 52-D 85 desse
texto, demonstrando um certo receio da sociedade civil quanto à ampliação excessiva das
limitações.
De qualquer sorte, ainda que sejam diferentes as redações das duas versões do
Anteprojeto de Lei, e mesmo que os textos pudessem ser aprimorados, do ponto de vista da
melhor técnica, o que se pode extrair dessa breve análise dos dispositivos relacionados às
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limitações aos direitos autorais é uma genuína preocupação do Ministério da Cultura com a
atualização da legislação autoral no que concerne ao tema em pauta. No entanto, conforme já
comentado, não foi dado seguimento à aludida reforma, restando naufragada na Casa Civil.
9 Casos
Para finalizar o trabalho, propõe-se comentar duas decisões judiciais que analisam a
questão da reprodução de pequenos trechos em obras novas, prevista no art. 46, inciso VIII,
da Lei nº 9.610/1998, apenas para ilustrar como o assunto é controverso nos tribunais.
O primeiro caso versa sobre a reprodução do trecho “Abra suas asas, Solte sua fera,
Entre nesta festa” da obra musical “Dancin Days”, em um ensaio fotográfico erótico
promovido pela Playboy. Trata-se de ação movida por Sigem Sistema Globo de Edições
Musicais Ltda., na condição de titular dos direitos patrimoniais sobre a música (escrita e
composta por Nelson Motta e Rubens de Queiroz Barra (Ruban)), em face da Editora Abril
S/A, aduzindo que a ré não havia pedido autorização para efetuar aludida reprodução, nem
sequer havia mencionado o nome dos autores.
Por sua vez, a Editora Abril S/A se defendeu alegando que referida reprodução
constituía uma limitação aos direitos autorais, nos termos do que estabelece o art. 46, inciso
VIII, da Lei nº 9.610/1998, por se tratar de uma reprodução de um pequeno trecho, que não
era o objetivo central da matéria editorial (obra nova), nem prejudicava a exploração normal
da obra preexistente.
O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, cujo acórdão decidiu pela condenação
da ré/recorrente, sob o argumento de que o trecho reproduzido tinha caráter de completude, e
não meramente de acessoriedade em relação à obra nova, além de prejudicar a exploração
normal da obra preexistente, qual seja, a música e, nesses termos, não poderia ser enquadrado
§ 2º A licença a ser concedida sujeita-se ao pagamento de remuneração arbitrada pelo Poder Público,
observado os usos e costumes.
§ 3º O licenciado será depositário do valor referente à remuneração prevista no § 2º e deverá repassá-lo:
I - ao autor ou titular, quando da sua identificação e localização; e
II – ao Fundo Nacional de Cultura, após decorridos 10 anos da concessão da licença.
§ 4º É vedada a cessão, a transferência ou o substabelecimento da licença prevista neste artigo.
§ 5º O licenciado ficará investido de todos os poderes para agir em defesa da obra.
§ 6º Durante o período de sua vigência, a licença poderá ser revogada quando:
I – o licenciado deixar de cumprir com as condições que o qualificaram;
II – o autor ou titular for identificado e localizado;
III - houver descontinuidade do pagamento da remuneração prevista no § 2º; ou
IV – a obra cair em domínio público.
§ 7º As disposições deste capítulo não se aplicam a programas de computador”.
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na limitação prevista no art. 46, inciso VIII, da Lei nº 9.610/1998. Nessa perspectiva, destaca-
se a ementa do acórdão em comento:
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representar prejuízo à exploração normal da obra musical, tendo, inclusive, aumentado a sua
divulgação, na acepção da relatora. Transcreve-se, então, a ementa:
Resta evidenciado dos casos ilustrados neste tópico que o assunto das limitações aos
direitos autorais é complexo e pode suscitar diversas interpretações a depender da situação
concreta. No entanto, parece haver um certo despreparo do Poder Judiciário para lidar com as
questões autorais, provavelmente, como decorrência da escassez do ensino da disciplina de
“Direitos Autorais” nas Universidades, o que acaba por ocasionar imprecisões, confusões de
institutos e conceitos e até mesmo desconhecimento dos regimes aplicáveis, como foi a
hipótese de alusão ao fair use norte-americano comentada.
10 Conclusão
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ressalta-se que o direito autoral necessita cumprir sua função social, devendo manter um
equilíbrio com os direitos de acesso ao conhecimento, à educação, à cultura e à informação.
Pensando sob essa perspectiva, as limitações taxativas impostas pela Lei nº
9.610/1998, nos seus arts. 46, 47 e 48, parecem insuficientes para garantir que aludidos
direitos sociais sejam atendidos, o que leva à reflexão de que os direitos autorais também
estão submetidos a restrições extrínsecas, concernentes ao seu exercício. Nesse sentido,
adotando os ensinamentos de Guilherme Carboni, institutos como a função social da
propriedade, a função social dos contratos e a teoria do abuso de direito podem e devem ser
aplicados aos direitos autorais, inclusive, limitando-os quando necessário, isto é, quando um
interesse público prevalecer sobre o privado.
E não é só: muitos debates permeiam a doutrina no que concerne às próprias
limitações previstas expressamente na legislação autoral: se de um lado há quem defenda a
ampliação do rol, tornando-o, inclusive, exemplificativo, como o faz Guilherme Carboni; para
outros, o rol precisa ser taxativo, sob pena de se esvaziar a proteção autoral, conforme postura
adotada por José Carlos Costa Netto.
São tantas as discussões envolvendo o assunto em comento que, em 2010, foi
elaborado um Anteprojeto de Reforma da Lei de Direitos Autorais, onde um dos escopos de
preocupação do legislador era ampliar as limitações aos direitos autorais, para melhor atender
aos interesses sociais, transformando, inclusive, as regras previstas nos arts. 46, 47 e 48 como
hipóteses exemplificativas, prevendo situações em que possam ser aplicáveis licenças
compulsórias e aproximando, em certa medida, o nosso regime de limitações com o regime
norte-americano aberto do fair use. No entanto, cumpre registrar que aludido Anteprojeto não
foi levado adiante, restando sua iniciativa naufragada nos confins da Casa Civil.
Assim sendo, mesmo que apeteça a ideia da ampliação do rol de limitações da
legislação autoral vigente, tornando-o exemplificativo, é necessário cautela, porque isso
implica conferir maior poder de discricionariedade a um Judiciário que não é especializado no
assunto. E a consequência disso é a possibilidade de surgir decisões mais controversas e
díspares, com aplicação incorreta de conceitos e institutos.
Mesmo assim, acredita-se que as normas disciplinadas expressamente na legislação
autoral não são capazes de atender a todos os casos em que os interesses sociais devem
prevalecer sobre os interesses privados do autor, principalmente considerando o contexto
informacional em que se vive atualmente. Portanto, não há que se olvidar que o tema em
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questão merece ser mais debatido, com o intuito de que seja efetivada uma reforma no âmbito
da legislação pátria, para melhor cumprir os anseios da função social dos direitos autorais.
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