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CRiATURA

raysner de paula
O interior dessa peça é um espaço asfixiante e mal iluminado.

Nele, há uma jovem.

Daremos conta do que se passa ali dentro peça como quem espia pelas frestas.

A jovem confinada no interior dessa peça – ela

nunca estará sozinha.


Com diferentes restos, ela inventa um teatro com objetos. Os primeiros personagens
que aparecem nessa confabulação são: uma jovem, o homem e a vizinha.

A JOVEM

A JOVEM – (...) ELE DEVOROU A MINHA MÃE! ELE DEVOROU A MINHA MÃE! ELE, NA
BOCA DELE, O SANGUE DELA! O que você está dizendo, menina? O SANGUE DA
MINHA MÃE, EU VI. Cadê a sua mãe? ALGUÉM PRECISA ME AJUDAR! Onde você
mora?! É LÁ! É LÁ! O SENHOR PRECISA IR LÁ COMIGO. Eu preciso que você se acalme.
SOCORRO! Na boca de quem? Que gritaria é essa? EU PRECISO QUE VOCÊ ME AJUDE!
O que está acontecendo? Você conhece essa menina? Sim, como não?! É praticamente
minha filha. SOCORRO! Peça para ela parar de gritar absurdos! VOCÊ PRECISA VIR
COMIGO! EU PRECISO DE AJUDA. A MINHA MÃE, ELA PRECISA. Mas que gritaria é
essa? Você é sempre uma menina tão educada. UM PEDAÇO DE PAU, UM REVÓLVER –
VOCÊ TEM UM REVOLVER? UM PEDAÇO DE PAU? UMA PEDRA?! A MINHA MÃE/

Estranhos ruídos.

A JOVEM

O que é isso?

A jovem anima um objeto tosco: a criatura.

A JOVEM

Você ouviu isso? Ouvi!/ É ELE! É ELE!/ Meu Deus do céu: o que é aquilo ali? Eu não
sei... Eu realmente...Você pode nos explicar o que é aquilo ali, garota? AGORA O
SENHOR ESTÁ COM MEDO TAMBÉM, NÃO É? Isso só pode ser uma peça de mau
gosto. Que horror! Que horror! Que horror!

No teatro da jovem, a criatura avança sobre a “vizinha”. Devora-a.

A JOVEM (repreendendo)

Olha só o que você fez, seu estúpido! Não era nem para você ter aparecido ainda.
Instante.

A JOVEM (o personagem do homem suplica no teatro da jovem)

Misericórdia, senhor! Tem de piedade! Eu sou só um homem de bem...

A criatura ataca novamente no teatro de objetos da jovem: devora o homem de


bem.

A JOVEM

Eu já disse que ainda não era hora. Olha só quem você fez surgir na história...

Instante.

A JOVEM (como se apresentasse uma figura muito importante)

O salvador da pátria! O destemido! O glorioso! O senhor capitão!

Agora, os estranhos ruídos imitados pela jovem são mais ferozes.

A JOVEM

Mas o que é que está acontecendo aqui? santo deus, o que é isso?! VOCÊ PRECISA
ACABAR COM ELE! ELE VAI MATAR A GENTE, IGUAL FEZ/.

Grunhidos! Grunhidos! Grunhidos!

A JOVEM

Para trás! Para trás! Se não eu/ ISSO! ACABA COM ELE, SENHOR CAPITÃO. O SENHOR
PRECISA ACABAR COM ELE/ De onde isso saiu?/ UM DIA ELE APARECEU/ EU ABRI A
PORTA/A MINHA MÃE PEDIU PARA ELE ENTRAR/ O SENHOR PRECISA PARÁ-LO!/ matá-
lo?/ SIM/não!/ não posso!

Instante.

A JOVEM

Essa coisa, ela, é terrivelmente fascinante.

Instante.
A JOVEM

Fascinante?

A jovem desiste de brincar.

Silêncio.

A JOVEM (numa brincadeira, um dos objetos conversa com a jovem)

O SENHOR CAPITÃO DISSE QUE VOCÊ PRECISA VOLTAR PARA CASA/Eu estou com
medo/ É UMA ORDEM/Não!/ PRECISA VOLTAR E LEVAR ESSA CRIATURA COM VOCÊ/ O
que?/ E CUIDAR DELE/(...)/ PORQUE ELE SERÁ MUITO ÚTIL NA GUERRA./ Do que você
está falando? Que guerra?/ A QUE ESTÁ A NOSSA PORTA/ Eu não posso! Eu não vou!/
O SENHOR CAPITÃO DISSE QUE TE RECOMPENSARÁ/ ELE DISSE QUE SE CASARÁ COM
VOCÊ.

Instante.

A JOVEM

Casa comigo? O senhor capitão? Logo comigo?

Instante.

A jovem se entrega a uma gargalhada. Aperta com ódio o objeto que antes servira de
Sr. Capitão.

A JOVEM

Eu não quero me casar com você, seu capitão de merda. Eu quero sair daqui!

Longo silêncio.

Um ruído.

A JOVEM

Quem está aí?

Instante.

A JOVEM

São vocês!?
A JOVEM (doce, como se falasse com seu bichinho de estimação)

Por que, assim, tão escondidos? (...) Estão em quantos?! Dez? Quinze? Dezoito? Vinte?
Trinta?!

Instante.

A JOVEM

Por onde vocês entraram, hem?

Instante.

A JOVEM

Estão fugindo do que? De alguma coisa lá de fora?

Instante.

A JOVEM (interessada)

O que lá fora assusta tanto vocês?

Instante.

A JOVEM

Vocês estão com medo de mim?

Instante.

A JOVEM

Logo de mim?

Instante.

A JOVEM

Outros de vocês já vieram nas outras noites! Um bando de atrevidos que me fuçaram,
ameaçaram com os seus dentes, comeram da minha comida/tomaram o leite/HOJE
AINDA TEM UM RESTO DE LEITE! Vocês querem?

Lentamente ela arrasta uma tigela com leite para o escuro. Silêncio.

A JOVEM

Escuto o medo berrando no coração de vocês.


Instante. Ela escuta.

A JOVEM

O que está acontecendo lá fora?

Instante.

A JOVEM

Por que vocês não me contam? Eu estou ansiosa para saber. Eu queria estar lá fora!
(instante) Estou ansiosa para saber por onde vocês entraram aqui. Vocês poderiam me
mostrar! Por qual greta, por qual fresta, por qual porta, por qual janela – eu não vejo
nenhuma janela – por que vocês não contam? Eu posso acompanhar vocês quando
forem embora, eu prometo/não incomodar.

Um estranho ruído vindo do escuro.

A JOVEM (fala entre os dentes até explodir)

Por que vocês não dizem nada? Por que vocês não querem me ajudar? Eu estou
falando com vocês! Com vocês! Com vocês! Ratos! Ratos! Por toda parte, ratos! Eu
estou falando com os ratos. Eu estou falando com os ratos!

Instante.

A JOVEM (brincando de imitar sons de ratos)

Talvez, nessa língua vocês entendam: Finifinfinfinfin... Não é essa a língua de vocês?
Um finfinfin infindável? Vocês poderiam me ensinar essa língua/imagina.

Instante.

A JOVEM

Já sonhei um dia que saía daqui com a ajuda de vocês.

Instante.

A JOVEM

Sem combinar muito, era tudo muito simples/ eu estava deitada, de olhos fechados/eu
não estava conseguindo dormir/ansiosa. Eu escutava vocês aproximarem/vocês nem
percebiam que eu estava acordada/de tão famintos /aos montes/ vocês estavam aos
montes/me farejando/ me fuçando/eu tremia/finfinfinfinfifinfinfinfinfinfifin
finfinfinfinfifin/ até que o mais atrevido me deu a primeira dentada!
Instante. Suspensão.

A JOVEM

E depois ganhei outra/e mais outra/ outra/ outra/milhares de dentadas/eu tentava


gritar de dor, de desespero/ mas não conseguia/ eu não escutava o meu grito/não!/
porque em segundos vocês destroçaram as minhas orelhas/o meu nariz/ as minhas
cordas vocais/o meu cabelo/eu tentava abrir os olhos/mas já não há mais olhos/eu me
esforçava ainda mais para gritar e vocês aproveitam da minha boca aberta para
entrarem desesperados em mim/e eu sentia que já não tinha mais tripa, coração,
estômago porque agora vocês roíam os meus ossos/emporcalhados de sangue/
corriam toda a minha pele – pareciam até iriam explodir/ de tanta comida –

Satisfeitos?

Silêncio.

A JOVEM

Vocês estão satisfeitos?

Instante. A jovem respira, em silêncio.

A JOVEM

Vocês foram embora e levaram pra fora daqui! Eu sentia cada partezinha de mim
muito feliz dentro de vocês: eu estava lá fora! Eu estava fora daqui! Fora daqui! Fora
daqui!
Do escuro, surge uma mão

Uma mão muito parecida com essa minha, e tampa a boca da jovem.

Espantada, ela esperneia, ela tenta se desvencilhar, continuar falando, gritar.

A mão que segura a jovem pertence a um corpo, revelado na sombra apenas pela
suas silhuetas.

Que poderiam ser as minhas silhuetas. Os meus contornos.

Mas há neles algo de disforme, as formas parecem exageradamente humanas, fora


do lugar: uma espécie de humanidade desorientada.

Antes de o breu devorar essa cena, monstruosas sombras são projetadas por todas
as partes.

Os ratos se vão.

Depois de tudo, um profundo silêncio.


A jovem cantarola, como se cantasse uma canção de ninar, “Mi Lord”, de Edith Piaf. É
um cantar tímido, assustado.

Pouca luz.

O que vemos é a sombra da criatura, projetada em todos os cantos, se movendo,


lentamente, de um lado para o outro, em torno da jovem. Sua forma de caminhar se
assemelha a de um lobo, ou a de um cão, ou de um gato, ou a de uma hiena, bichos
famintos, a espreita.

Mas se houver tempo para olharmos bem, se realmente repararmos com atenção, a
forma de caminhar da criatura em tudo se parece com a nossa.

A JOVEM (interrompe seu cantarolado somente agora)

Hoje eu não tenho nenhuma história pra te contar. Ontem contei a última que eu
conhecia... E agora?
A criatura e a jovem se aninham em um silêncio profundo.

A JOVEM

Eu já deveria ter te dado um nome/ Ajeitado você todo numa palavra só! Já pensou?/
Eu ainda não pensei, mas consigo imaginar/UM BATISMO!/ Eu poderia batizar você!/
Você precisa confiar em mim/ Sei bem como fazer: eu me lembro perfeitamente dos
gestos, das palavras!/ (...)/ EU TE BATIZO/

A jovem cria ali um gesto batismal.

A JOVEM

Só não sei em nome de qual deus/ agora que todos eles estão meio mortos.

Instante. A jovem ri de si mesma.

A JOVEM

EU INVENTO UM DEUS/ tanto faz/ UM DEUS/ que seja a sua imagem e semelhança/
que não sendo ele misericordioso nem com a sua própria desgraça, fez dela a fôrma
que moldou você.

Instante: o que acontece?

A JOVEM

Você será batizado em nome dele.

Instante.

A JOVEM

Vou precisar pensar num nome pra esse seu deus também.

Instante: o que acontece?

A JOVEM

Você não parece muito animado. Vamos lá! Será mais divertido do que parece.
Cantaremos uma música. Seu deus ficará alegre. Ele dançará! Você também! Os dois,
juntos: uma coreografia bizarra. Eu estou empolgada! Eu posso me juntar a vocês,
criador e criatura. Uma festa!

Uma festa.
A JOVEM (cantando)

Allez, venez, Milord!/ Vous asseoir à ma table;/ Il fait si froid, dehors,/ Ici c'est
confortable/Laissez-vous faire, Milord/ Et prenez bien vos aises,/ Vos peines sur mon
coeur/Et vos pieds sur une chaise/Je vous connais, Milord/Vous n'm'avez jamais vue/Je
ne suis qu'une fille du port/Qu'une ombre de la rue...

Instante.

A JOVEM (como um sacerdote)

Em nome desse deus que não existe, em nome desse deus tão morto quanto os
outros, tão pouco misericordioso como os outros, em nome desse deus, esse que
dança/ veja só! você poderá se gabar! Tenho um deus que sabe dançar/ em nome
desse deus ainda sem nome, sem rosto, em nome do seu deus, inventado por mim –
eu te batizo, criatura/

Numa bizarra coreografia dos gestos inventados pela jovem, a criatura é batizada.

A JOVEM (cantarola)

Eh ben, voyons, Milord/!Souriez-moi, Milord!/ Mieux qu' ça! Un petit effort./Voilà, c'est
ça!/ Allez, riez, Milord!/ Allez, chantez, Milord!/ La-la-la/ La-la-la/ La-la-la/Mais oui,
dansez, Milord!/ La-la-la/ La-la-la/ La-la-la.

Ela interrompe a canção bruscamente.

A JOVEM

Você ficará assim? Parado?

Instante.

A JOVEM

Pode dançar! Não tem problema você não souber dançar. Só tem eu aqui.

Instante.

A JOVEM

E os ratos.

Instante.
A JOVEM

No escuro.

Instante.

A JOVEM

Se você ficar parado assim, eles vão devorar você!

Ela canta.

A JOVEM (cantando)

Allez, venez, Milord!/Vous asseoir à ma table;/Il fait si froid, dehors,/Ici c'est


confortable./Laissez-vous faire, Milord,/

Instante.

A criatura lentamente se movimenta para algum canto onde a luz ilumine


principalmente os seus olhos. Eles se movimentam freneticamente, para todas as
direções, assustados e atentos.

A jovem se atenta com curiosidade a essa movimentação, em silêncio.

Instante.

A JOVEM

O que você vê?

Silêncio.

A JOVEM

Como você vê tudo?

Silêncio.

A JOVEM (chamando atenção para si)

Psiu! Aqui! Olha pra mim.

Instante.
Agora, a jovem também está em algum canto da cena que nos permite ver, ainda
que com algumas sombras, o seu rosto.

A JOVEM

O que você vê?

Os olhos da criatura, antes frenéticos, agora param. Contemplam silenciosamente a


jovem.

A JOVEM

Você – olha pra mim, aqui. – vê uma menina ou...

Silêncio.

A JOVEM

Eu agora sou outra coisa?

A criatura contempla, silenciosamente, uma jovem.

A jovem inventa diferentes gestos e expressões com o seu corpo: todos eles filhos de
alguma angústia, certa tristeza e um tanto de tédio.

Faz isso por uma;

Duas;

Três vezes.

A JOVEM

Eu pareço a minha mãe? Eu nunca me pareci muito com ela. Eu queria saber se você
ainda se lembra dela! Na verdade/

Instante.

A JOVEM

Será que eu tenho alguma coisa de bonito como aquelas atrizes de cinema?

Instante.

A JOVEM
Eu sempre quis me parecer com elas. Com as grandes atrizes. Você já viu uma grande
atriz de cinema chorando?

Instante. Silêncio.

A JOVEM (chora convincentemente)

Eu não quero continuar aqui, eu não quero! Eu não sei por que o senhor capitão fez
isso comigo... Eu tenho tanto medo! Tanto. Se ao menos a minha mãe estivesse aqui...

Os olhos da criatura não entendem o que vêem. Ela fica afoita, escapa da luz,
retorna, volta ao escuro mais uma vez, olha novamente para a jovem que continua
chorando.

A jovem soluça. Ela esconde o rosto com as mãos.

A criatura está cada vez mais inquieta: se pudesse ela diria alguma coisa, mas ela não
sabe nem por onde começar a falar essa nossa língua.

Ela tenta de todas as formas. Acaba por conseguir um uivo.

Uiva: uma. Duas. Três vezes.

Silêncio.

O choro da jovem se transforma numa gargalhada debochada.

A JOVEM

Viu só: é assim que as grandes atrizes fazem.

A gargalhada deixa a criatura mais atordoada do que o choro. Com um movimento


abrupto, a criatura desaparece no escuro.

A JOVEM (séria)

Aonde você vai?

Instante.
A JOVEM

Você não pode sair. Você não pode me deixar aqui sozinha.

Instante. Um silêncio curto.

A JOVEM

Se o senhor capitão não te encontrar aqui.../

Nenhuma resposta.

A JOVEM (indignada)

As pessoas lá fora vão acabar com você! Acabar! Entendeu? Destruir, matar! É isso que
elas fazem quando encaram uma coisa assim. Como você – você! Entendeu? - Elas não
entendem. Seu estúpido! Ainda não é hora de você aparecer!

Um silêncio mais curto.

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