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Resumo: Discute particularidades da questão urbana no Brasil, objetivando abordar dinâmicas sociais
do atual tempo histórico que reconfiguram o espaço urbano, dimensão incontornável da reflexão so-
bre as cidades. Resulta de sucessivas aproximações com a totalidade social, constituindo objeto de
análise crítica pesquisas empíricas e elaborações teóricas sobre a temática em estudo. Conclui que a
dinâmica de (re) produção do espaço não pode ser pensada excetuada de sua intrínseca relação com
os processos de acumulação capitalista e de exploração da força de trabalho.
Palavras-chave: Questão Urbana. Espaço. Cidades.
Abstract: Discusses peculiarities of the urban question in Brazil, aiming to address social dynamics of
the current historical time that reconfigure urban space, inescapable dimension of the reflexion about
the cities. It results from successive approximations to the social totality, constituting object of critical
analysis empirical researches and theoretical elaborations about the topic in study. It is concluded that
the dynamics of (re) production of the space should not be considered excepted from its intrinsic rela-
tionship to the processes of capitalist accumulation and exploitation of the workforce.
Keywords: Urban Question. Space. Cities.
1Assistente Social. Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (U-
FRN), Brasil. E-mail: < clarica.ribeiro@gmail.com >.
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A questão urbana na dinâmica de reprodução capitalista
O
s fundamentos que explicam
as contradições particulariza- 1 A lógica do capital na produção do
das nos espaços urbanos de- espaço
vem ser buscados na análise rigorosa
do processo de produção do capital. O O espaço como produto da atividade
desenvolvimento das forças produti- humana e da relação homem-natureza
vas, que conduz à gênese e desenvol- faz parte do processo de reprodução
vimento do modo capitalista de pro- geral da sociedade e, tendo sua produ-
dução, apresenta como características ção assentada nas necessidades impos-
imanentes a exploração, a apropriação tas pelo desenvolvimento da acumula-
de espaços e a destruição de recursos ção capitalista, e também mercadori-
naturais e da força humana de traba- zado, tal como a cidade e a própria
lho, com vistas a assegurar taxas cres- moradia que passam a serem concebi-
centes de lucro. dos como mercadorias necessárias à
viabilização da produção, circulação,
Nesse sentido, o método da economia distribuição e troca, condição para a
política revela grande valor para apre- realização do ciclo de acumulação de
endermos a dinâmica atual da socie- capital. Afinal, sendo o espaço urbano
dade capitalista, com o agravamento moldado essencialmente para potenci-
das desigualdades sociais geradoras de alizar a acumulação do capital, sua
fenômenos como a pobreza urbana e formatação articula as diferentes esfe-
rural, de situações de pauperismo tan- ras do modo capitalista de produzir.
to no campo quanto na cidade, o uso Exatamente por isso há, na produção
predatório dos recursos ambientais, do espaço no capitalismo, a vitória do
mas também as formas de resistência valor de troca sobre o valor de uso,
frente às expressões da questão social e haja vista que o núcleo urbano torna-se
às lutas em defesas de direitos das objeto de um duplo papel: lugar de
classes trabalhadoras, no campo e na consumo e consumo do lugar (LEFEB-
cidade. VRE, 2001), em um processo no qual o
Com esse horizonte, no presente ensai- valor de troca prevalece a tal ponto
o, nos esforçamos para adentrar os sobre o valor de uso que praticamente
meandros da questão urbana, partindo suprime este último. Com isso, ‚ [...] o
de uma análise da lógica capitalista de valor de troca e a generalização da
produção do espaço, objetivando com- mercadoria pela industrialização ten-
preender como os mecanismos de re- dem a destruir, a subordiná-las a si, a
produção do capital configuram e de- cidade e a realidade urbana, refúgios
lineiam expressões da questão urbana. do valor de uso *...+‛ (LEFEBVRE, 2001,
Para apreender como se materializa p. 14).
essa lógica, discutiremos as desigual-
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podem ser entendidos descolados da concreto de sua atuação, pois isto traz
teoria acerca do imperialismo. e evidencia particularidades para o
processo. Ao fazermos alusão ao terri-
Define-se o subimperialismo, de acor- tório de atuação do capital, pondera-
do com Marini (1974, p. 7), alicerçado mos que, com base em Santos (2006),
fundamentalmente em duas caracterís- estamos entendendo o território como
ticas: muito mais do que apenas o conjunto
de sistemas naturais e de sistemas de
a) a partir de la reestructuración del sis- coisas superpostos. Território é empre-
tema capitalista mundial que se deriva gado, nesta acepção, como o funda-
de la nueva división internacional del
mento do trabalho, o lugar de residên-
trabajo, y
b) a partir de las leyes propias de la eco- cia, das trocas materiais e espirituais e
nomía dependiente, esencialmente: la do exercício da vida, daí a denomina-
superexplotación del trabajo, el divorcio ção de ‚território usado‛, atribuída
entre las fases del ciclo del capital, la pelo autor.
monopolización extremada en favor de
la industria suntuaria, la integración del
capital nacional al capital extranjero o, lo Neste sentido tal debate teórico nos
que es lo mismo, la integración de los parece fundamental para apreender as
sistemas de producción (y no simple- novas dinâmicas urbanas em tempos
mente la internacionalización del mer- de mundialização financeira, com suas
cado interno) [...].
incidências sobre as cidades e, em par-
ticular, sobre as condições de moradia
Isto reforça nosso entendimento do
e de vida da classe trabalhadora. Ora,
subimperialismo não como uma condi-
considerando que as expropriações –
ção estrutural do capitalismo depen-
primárias e secundárias – são inerentes
dente, mas como uma dinâmica de-
à dinâmica de reprodução do capital,
terminada pela conjuntura e correlação
em sua busca incessante de enfrentar
de forças na luta de classes nacional e
suas crises de acumulação, o espaço,
internacional. Acredita-se desse modo,
constitui na fase atual de acumulação
que permanece em vigor a capacidade
um fator essencial; nele ocorrem as
explicativa dos conceitos de superex-
expropriações e re-apropriação de par-
ploração e subimperialismo para a rea-
celas a serem ‚re-funcionalizadas‛ pelo
lidade brasileira, considerando que o
capital.
atual período histórico parece susten-
tar, em novas bases, as características
Faz-se necessário, portanto, estabele-
subimperialistas apontadas original-
cermos mediações que saiam do mo-
mente por Marini.
vimento geral do capital (e do desen-
volvimento do capitalismo no espaço)
Está, assim, evidente para nós que a
para se atingir formas concretas de
referência à dinâmica de reprodução
organização sócio-espacial que têm,
do capital necessariamente deve ser
feita referindo-se também ao território
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duzindo o dito princípio da função campo dos direitos e das políticas soci-
social da propriedade urbana. ais, exaltando o individualismo e a li-
berdade econômica. Nesse processo, o
Embora a Emenda Popular de Reforma projeto neoliberal se expande no Brasil,
Urbana não tenha sido, dada a correla- fortemente, ainda, ao impor orienta-
ção de forças estabelecida no processo ções para uma contrarreforma do Es-
constituinte, incorporada à Constitui- tado 6, dada a sua direção numa pers-
ção em sua totalidade, não podemos pectiva antipopular e de adaptação
negar a importância histórica do fato passiva à lógica do capital, possibilita-
de pela primeira vez se constar na da no país por diversos fatores e ele-
Constituição brasileira um capítulo mentos da realidade concreta.
específico sobre a Política Urbana. Do
mesmo modo, o Estatuto da Cidade – Este cenário tem sido determinante
projeto de lei que tinha como principal para o uso espacial do território urba-
objetivo regulamentar o capítulo de no, na mesma medida em que acirra as
Política Urbana contido na Constitui- expressões da questão social e limita
ção – é um instrumento significativo avanços em relação ao direito à cidade.
para o desenrolar das lutas urbanas Isto não somente por incidir na forma
por indicar que as cidades cumpram como as cidades se organizam, mas
sua função social e promovam o bem- também porque, em total coerência
estar de seus habitantes. com os postulados neoliberais para a
área social, a própria condição da polí-
Todavia, no Brasil contemporâneo, a tica pública pensada para as cidades,
questão urbana se entrelaça e necessa- neste contexto, e da legislação que a
riamente se relaciona com a tendência instrumentaliza é uma ilustração parti-
histórica que vem se apresentado des- cular da contrarreforma do Estado bra-
de os anos 1990, quando o Brasil aden- sileiro.
trou num período marcado por uma
nova ofensiva burguesa, em resposta à
crise do capital iniciada nos anos 1970.
Apesar do reconhecido avanço que ca já que eles incidem nos preços das lo-
representou a inscrição da Política Ur- calizações e, portanto, na valorização ou
desvalorização de terrenos. Mas as em-
bana na Constituição Federal de 1988,
presas de construção pesada também
os desdobramentos que se seguiram no exercem forte influência nas decisões
plano econômico e político obstacula- sobre as obras de infraestrutura urbana.
rizaram a sua real efetivação, explici- A relação entre empreiteiras de constru-
tando assim uma verdadeira tensão ção, a visibilidade de grandes obras viá-
rias (cujo prazo deve manter uma lógica
entre o marco legal e a decorrente aber-
em relação aos prazos eleitorais) e as
tura de um campo importante para a doações para o financiamento de cam-
luta política em prol do direito à cida- panhas eleitorais parece ser uma chave
de e as condições postas à política pú- que explica muito do investimento pú-
blica pelo ideário neoliberal. Condições blico nas cidades (MARICATO, 2011, p.
81).
estas nas quais o que vem prevalecen-
do é a restrição e redução de direitos,
Este é um dos impasses postos à políti-
com base no trinômio estruturante da
ca urbana face às questões conjunturais
ofensiva neoliberal: a privatização, a
e estruturais do capitalismo brasileiro,
focalização/seletividade e a descentra-
impactando fortemente campo e cida-
lização, face o processo de desrespon-
de, muito embora não se restrinja a
sabilização do Estado para com a área
este aspecto. Para além do poder das
social (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).
empreiteiras como orientadoras e defi-
nidoras dos investimentos públicos nas
No caso das políticas urbanas, é ilus-
cidades, vale atentar para a tendência
trativo da lógica de privilegiamento do
em curso no âmbito do Estado brasilei-
capital e do mercado o expressivo po-
ro no tocante à própria condição da
der das empreiteiras como orientado-
política pública pensada para as cida-
ras dos investimentos públicos urba-
des. A lógica do ‚empreendedorismo
nos. Além da visibilidade das obras ser
urbano‛ tem predominado na atuali-
um critério extremamente forte para as
dade e, mais do que em qualquer tem-
decisões de investimento, tais decisões
po histórico, tem dado a linha na for-
sobre investimentos públicos (ou pri-
ma oficial de pensar e planejar a cidade
vados) nas cidades brasileiras e ainda
como sendo um grande negócio capita-
mais quando se trata das metrópoles, é
lista.
sintomático também do quanto o que
prevalece é a lógica do uso dos fundos
Até porque, como tem discutido Rol-
públicos como subsídio para a produ-
nik (2002), é inegável a relação entre a
ção de novas localizações que possam
estrutura profundamente desigual da
contribuir e atender a finalidade de
cidade brasileira com a política urbana
expansão do mercado imobiliário.
vinculada a ela, ao mesmo instante em
que, dialeticamente, a compreensão do
O capital imobiliário mantém profissio-
nais para o acompanhamento do orça- funcionamento de nossas cidades, a
mento público e da legislação urbanísti- despeito de sua complexidade, é pres-
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suposto para que uma política urbana dades, embora caiba reconhecer que o
possa dar respostas de real incidência governo Lula retomou investimentos
às nossas tão amplamente conhecidas em habitação e saneamento após, a-
injustiças sociais. Aliás, alerta a urba- proximadamente, 25 (vinte e cinco)
nista, parte importante do funciona- anos de descaminhos da administração
mento das cidades é a própria política federal em relação a essas áreas, a
urbana que, no Brasil – não destoante questão urbana ou metropolitana não
da tendência geral – foi intensamente está entre os avanços do governo Lula,
utilizada como instrumento de perpe- inclusive porque a questão da terra,
tuação de privilégios e desigualdades. verdadeiro nó social no Brasil, perma-
neceu intocada, tanto no campo quanto
Em 2003, com a criação do Ministério na cidade.
das Cidades, em ocasião do primeiro
mandato do presidente Lula, a expec- Na realidade, seguindo seu caráter
tativa por parte de muitos movimentos ambíguo, ‚*...+ o Governo Lula respon-
sociais progressistas, lideranças sociais deu, de certo modo, com o FNHIS 7 pa-
e profissionais de diversas áreas e ori- ra os movimentos sociais e com o
gens era a da efetivação de um órgão PMCMV8 para os empresários *...+‛
de caráter estatal que retomasse para a (MARICATO, 2011, p.56). Uma avalia-
agenda política nacional a social e ins- ção geral do Programa Minha Casa
titucionalmente ignorada questão ur- Minha Vida tecida por Maricato (Op.
bana, em uma conjuntura na qual até Cit) indica: um impacto negativo sobre
mesmo as políticas setoriais de habita- as cidades devido a localização inade-
ção, saneamento e transporte haviam quada de grandes conjuntos habitacio-
sido abandonadas de um modo geral. nais e ao aumento do preço da terra e
dos imóveis; a maior parte da localiza-
A expectativa era adensada pelo fato da ção das novas moradias é definida por
primeira equipe chamada a estar a fren- agentes do mercado imobiliário, sem
te do Ministério das Cidades representar
obedecer a uma orientação pública e
uma convergência de militantes sindica-
listas, profissionais e acadêmicos com sim à lógica do mercado; ao atender as
participação anterior em experiências de demandas dos empresários do setor,
administração pública e muito prestigi- incluindo as faixas de renda entre 07
ada no meio técnico e acadêmico, além (sete) e 10 (dez) salários mínimos, o
de forte inserção nos movimentos soci-
ais urbanos. Mais tarde, porém, o Minis-
tério das Cidades foi um dos que teve 7 Fundo Nacional de Habitação de Interesse
sua composição sacrificada em nome da Social. Sendo gerido por um conselho que tem
ampliação do apoio ao governo no Con- a participação de representantes da sociedade,
gresso Nacional (MARICATO, 2011). maneja recursos bem menos significativos que
o PMCMV.
8 Programa Minha Casa Minha Vida, lançado
Para Ermínia Maricato, urbanista e
em 2009, desenhado por uma parceria entre o
responsável pela formulação da pro- governo federal e as 11 (onze) maiores
posta de criação do Ministério das Ci- empresas construtoras de moradia.
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