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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO

A CONSTRUÇÃO DE UM PROFETA:
A PRÁTICA DISCURSIVA ENQUANTO DISTINÇÃO DE
AUTORIA NO GÊNERO DA PORNOCHANCHADA

LUIZ P. GOMES

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em Comunicação da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do Grau
de Mestre. Área de concentração: Análise
da imagem e do som.

ORIENTADORA: PROFA. DRA. MARIANA BALTAR

Niterói, 2012
Luiz Paulo Gomes Neves

A CONSTRUÇÃO DE UM PROFETA:
A PRÁTICA DISCURSIVA ENQUANTO DISTINÇÃO DE AUTORIA
NO GÊNERO DA PORNOCHANCHADA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em Comunicação da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do Grau
de Mestre. Área de concentração: Análise
da imagem e do som.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Mariana Baltar Freire


Universidade Federal Fluminense

Prof. Dr. João Luiz Vieira


Universidade Federal Fluminense

Dr. Rafael de Luna Freire


Universidade Federal Fluminense

Prof. Dr. Lúcio De Franciscis dos Reis Piedade


Universidade Anhembi Morumbi / FAPESP

Niterói, 2012

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AGRADECIMENTOS

Nestes momentos é sempre difícil lembrar de todos, saber a quem realmente


agradecer por estes dois anos de conhecimento, alegrias, trocas, mas também de
dúvidas e isolamento. Um período difícil, o qual tenho muitos a agradecer.

Um primeiro agradecimento vai à minha família, Cássia Rosália Gomes e Rita


Isadora Pessoa. Cada uma com o seu lugar especial. Este trabalho acaba sendo
também uma homenagem à minha avó, Dilma Padilha Gomes, que se foi bem no
início do processo e nem pôde comemorar o meu ingresso na pós-graduação.

Em segundo lugar, ao Claudio Mac Dowell, o qual me resgatou, quando eu


quase caía, instável que sou. O primeiro a me dar os parabéns, quando, em um
rompante, deixei meu emprego de professor de história e, ainda perdido, decidi que
viveria apenas de Cinema.

Em seguida, quero agradecer muito, o máximo possível, mesmo que seja


impossível chegar onde eu quero, a minha orientadora, Mariana Baltar. Por me
amparar academicamente, moralmente e emocionalmente nesses dois anos de trabalho
juntos. Memorável!

À minha banca de qualificação, Fernando Morais, Maurício Bragança e Rafael


de Luna, pelas questões levantadas e pela ajuda em um momento onde estabeleci o
marco zero, formei bases e segui para o trabalho ainda mais árduo. Ao Fernando,
quero agradecer em especial, por uma orientação que vem desde a graduação, em
Cinema e Audiovisual, passando pelas disciplinas, pelas conversas durante a feitura
do primeiro projeto, ainda utópico, mas que já me direcionava neste resultado que
vocês poderão ler.

Em antecipação, agradeço à minha banca de defesa, Mariana Baltar, João Luiz


Vieira, Rafael de Luna Freire e Lúcio De Franciscis dos Reis Piedade.

No processo, ainda de graduando, também não posso deixar de mencionar


João Luiz Vieira, Rafael de Luna, Simplício Neto, Tunico Amâncio e André
Carvalheira, os quais os ensinamentos ultrapassaram a sala de aula.

Às disciplinas e orientações específicas do percurso de pós-graduação de João


Luiz Vieira, Adalberto Müller, Paula Sibilia, Tunico Amâncio e Christopher Dunn.
De modo direto ou indireto, leituras, debates, embates e esforço estão presentes aqui
nesta dissertação.

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Vale mencionar, então, o quanto João e Tunico são importantes para o meu
processo, não apenas pela graduação e a pós-graduação, mas também pela orientação
e desorientação (no seu sentido mais positivo) para a vida.

No que diz respeito à pós, não posso deixar de mencionar, Silvinha Campos,
sem ela, ninguém chegaria em lugar algum. E os amigos feitos. Seja de turma, Ana
Beatriz Paes, Ana Claudia Peres, Isaac Pipano, Rodrigo Capistrano, Rafael Dupim,
Gabriela Miranda e Beto Robalinho. Sejam os queridos agregados, Luiz Garcia,
Rúbia Mércia, Lia Bahia, Hadija Chalupe, Nina Tedesco, Giu Jorge, Pedro Curi e
Simplício Neto – este ex-professor e atual mentor intervencionista.

Para a pesquisa, agradeço enormemente Hernani Heffner e o pessoal do


acervo da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, assim como da
Cinemateca Brasileira. E também às conversas de corredores, informais, mas de
tamanha importância, com Pedro Carlos Rovai e o pessoal da Sincro Filmes, Luís
Alberto Rocha Melo (vulgo Morris), Roberto Moura, Rafael de Luna, Ana Enne,
Daniel Caetano, André Dias e Samuel Paiva.

À Mariana Duarte que me aguentou em História até que tivesse que me


aguentar em Cinema. Aos meus amigos de velha guarda, Cléber e Paulo Renato pelo
apoio incondicional e material.

Ao meu alter ego. Responsável e irresponsável por muito.

À Rita Isadora Pessoa, representante do afeto e amor presentes nesta


dissertação. Companheira de percalços, perdas e ganhos, alegrias e tristezas, e que
dedicou uma intensa leitura ao texto, dando opiniões avaliadas pelo seu conhecimento
extenso sobre o mundo, físico e metafísico e quiçá sensorial.

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SUMÁRIO

Resumo

Introdução.....................................................................................................................8

Capítulo 1 – A pornochanchada: um histórico e seus possíveis diálogos...................14

1.1. O gênero cinematográfico enquanto prática discursiva........................................14


1.2. As pornochanchadas..............................................................................................25
1.3. A construção do estigma da pornochanchada.......................................................37

Capítulo 2 – Autoria e gênero nas pornochanchadas..................................................52

2.1. Autoria enquanto distinção....................................................................................52


2.2. A pornochanchada enquanto gênero.....................................................................61
2.3. As pornochanchadas de autor................................................................................76

Capítulo 3 – Pedro Carlos Rovai e a construção de um profeta..................................85

3.1. Os jogos de força...................................................................................................85


3.2. Pequena digressão sobre Paulo Emílio Salles Gomes e José Carlos Avellar
enquanto agentes da pornochanchada..........................................................................89
3.3. As práticas e agentes que possibilitam observar Pedro Carlos Rovai enquanto
profeta da pornochanchada...........................................................................................98

Considerações finais.................................................................................................130

Bibliografia...............................................................................................................135

Filmografia................................................................................................................143

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Resumo

O presente trabalho, A construção de um profeta: a prática discursiva


enquanto distinção de autoria no gênero da pornochanchada, tem como objetivo
tratar da pornochanchada enquanto gênero. Utilizando o arcabouço teórico de
abordagens provenientes da teoria genérica, observar as práticas discursivas que
contribuem para a constituição do gênero, incluindo a possível distinção vista através
da figura do autor cinematográfico. A pesquisa enfoca a trajetória de Pedro Carlos
Rovai e como este cineasta se apropriou da prática discursiva para construir uma aura
profética em torno do seu nome. Para tal, alguns agentes do campo cinematográfico
brasileiro da década de 1970 se tornam primordiais, como Paulo Emílio Salles
Gomes, Jean-Claude Bernardet, José Carlos Avellar e Jairo Ferreira.

Palavras-chave: Pornochanchada – Gênero – Autorismo – Pedro Carlos Rovai

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Por que você faz cinema?

Para chatear os imbecis / Para não ser aplaudido


depois de sequências dó-de-peito / Para viver à
beira do abismo / Para correr o risco de ser
desmascarado pelo grande público / Para que
conhecidos e desconhecidos se deliciem / Para que
os justos e os bons ganhem dinheiro, sobretudo eu
mesmo / Porque, de outro jeito, a vida não vale a
pena / Para ver e mostrar o nunca visto, o bem e o
mal, o feio e o bonito / Porque vi Simão no
Deserto / Para insultar os arrogantes e poderosos,
quando ficam como cachorros dentro d’água no
escuro do cinema / Para ser lesado em meus
direitos autorais.

Joaquim Pedro de Andrade (1987)

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Introdução

A inspiração para a realização deste trabalho iniciou-se a partir de conversas


informais com o diretor e roteirista, Claudio Mac Dowell, nas quais entre diversos
assuntos a respeito do cinema brasileiro como um todo, sempre chegávamos à
pornochanchada. A partir destas conversas e de algumas leituras, fui aos poucos
aprofundando meu conhecimento sobre o universo das pornochanchadas – também
chamadas de comédias de costumes, chanchadas eróticas ou neochanchadas –, quando
passei a interrogar o porquê de tamanho tratamento pejorativo em relação ao gênero.
Claudio dirigiu pelo menos três pornochanchadas e o próprio por muito tempo
renegou essa faceta do seu passado, não revendo os seus filmes da década de 1970 por
muitos anos.
Um nome que passou a ser constante tanto nas conversas quanto nas leituras
foi o de Pedro Carlos Rovai. Recorrentemente citado e considerado muito importante
para o gênero, passei a refletir se Rovai poderia representar a autoria na
pornochanchada e para isso me questionava também quanto às implicações de se
pensar a própria condição de autor cinematográfico. Contudo, observando as
propostas de autorismo baseadas na política dos autores da Cahiers du Cinéma, na
teoria do autor de Andrew Sarris e os seus desdobramentos na crítica e teoria
cinematográfica brasileira, passei a questionar se os elementos narrativos e estéticos,
que muitas vezes caem em termos valorativos, eram realmente o melhor parâmetro
para a observação de uma marca autoral.
Um pressuposto importante para observar a autoria enquanto método de
distinção é o conceito de campo artístico. Formulado por Pierre Bourdieu (2008),
consiste na arena onde os indivíduos e instituições competem pelo monopólio sobre a
autoridade artística. Um dos pontos mais interessantes levantados por Bourdieu e
servindo como premissa para a aplicação no campo de estudos cinematográficos – no
caso do presente trabalho, a pornochanchada – é o fato de não se poder separar a
ordem estética das instituições que a mantém, nem das lutas pelo poder que as
atravessam.
A pornochanchada é uma produção brasileira geralmente dividida em duas
fases. A primeira, entre 1969 e o final da década de 1970, estruturadas, em sua
maioria, como comédias de costumes ou comédias eróticas, com produção centrada
no Rio de Janeiro, e a segunda fase, a partir da década de 1980, em São Paulo,

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especificamente produzidas na região da Boca do Lixo, com menos ênfase no diálogo
com a comédia e uma aproximação com os códigos do hard core. É importante
ressaltar que neste trabalho a pornochanchada é considerada um gênero. Assim,
utilizo-me do pressuposto apontado por Janet Staiger (2010), onde não há um gênero
“puro” e que considera o processo de hibridização como algo inerente aos códigos
genéricos. Mesmo que etimologicamente a pornochanchada seja proveniente da
junção entre pornografia e chanchada (no sentido de comédia popular, vulgar), houve
o diálogo com os mais diversos gêneros os quais também devem ser considerados.
Assim, entra-se no questionamento dos motivos pelos quais um gênero, que
contemplou uma gama diversa de filmes, apresentarem uma nomenclatura que por si
só reflete um diálogo bastante específico entre a comédia e a pornografia – a qual,
tanto na década de 1970 quanto nos dias atuais, carrega ainda um enorme teor
pejorativo. Devo lembrar que a produção de comédias, focando temas ligados ao
relacionamento e com uma progressiva exploração dos corpos, em geral femininos,
deu-se durante boa parte dos anos 1960, embora estes filmes não carreguem o rótulo.
A pornochanchada possui enquanto marco o paradigmático ano de 1969 a partir de
dois filmes: Os Paqueras, de Reginaldo Faria, e Adultério à brasileira, de Pedro
Carlos Rovai. Cria-se uma data e inicia-se o gênero. Deixando qualquer produção
anterior livre do peso proveniente dessa classificação.
Considerando as duas fases da pornochanchada, houve muitas produções, que
como já dito flertaram com diversos gêneros, não só a comédia ou a pornografia.
Contudo, diversos filmes brasileiros das duas décadas em questão (1970 e 1980)
trabalharam com uma temática muito próxima à observada nas pornochanchadas, mas
não são assim denominados. Ou seja, trata-se de uma distinção, que é fruto de
embates tanto dos estudos contemporâneos voltados para o cinema brasileiro, quanto
dos próprios agentes que compuseram o campo cinematográfico nas décadas de 1970
e 1980. Agentes contemporâneos ou históricos que, da mesma forma que se tornam
legítimos para a definição genérica, são legitimados também para a distinção de
autoria.
As questões, então, foram ficando mais específicas. Como pensar a autoria no
gênero? Quem define os autores cinematográficos? Qual o lugar do autor na crítica?
Qual o lugar do crítico para o autor e para o gênero? O arcabouço teórico-
metodológico da teoria genérica foi, então, primordial para a busca de respostas. Um
primeiro autor de extrema importância é Rick Altman (2009), com a proposta de uma

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tripla abordagem, semântico/sintática/pragmática. Altman procura analisar os
elementos semânticos e sintáticos que formam o gênero, mas também a natureza
discursiva através dos múltiplos grupos que possuem legitimidade para definir e
compor os códigos genéricos. Em uma perspectiva semelhante, outro importante
arcabouço metodológico é a abordagem culturalista, proposta por Jason Mittell
(2001), que considera os gêneros enquanto categorias culturais, os quais devem ser
analisados como práticas discursivas.
A partir dessas duas abordagens se tornou possível trabalhar a
pornochanchada enquanto gênero e também observar que tanto a constituição das
características genéricas ou mesmo da distinção autoral se baseiam principalmente
nas práticas discursivas, onde determinados agentes têm papel fundamental. No caso
da pornochanchada, a autoria é construída de diferentes formas em nomes como
Pedro Carlos Rovai, Antônio Calmon e Joaquim Pedro de Andrade. Cada um deles se
mostra também muito consciente do seu papel no campo cinematográfico durante a
década de 1970. Contudo, o processo de distinção não é construído apenas por
cineastas, o que incitou à análise das práticas discursivas de agentes como Paulo
Emílio Salles Gomes, José Carlos Avellar, Jean-Claude Bernardet e Jairo Ferreira.
Influentes e polêmicos na sua teorização e constituição sobre o cinema brasileiro da
década de 1970.
Como seria impraticável deter-me na pornochanchada e nas práticas
discursivas que volteiam o gênero em tamanha extensão de tempo, tratarei apenas dos
anos 1970. Primeiro, pela produtividade de Rovai neste período, com diversos filmes
que dialogam principalmente com a comédia. Segundo, por ser também a década em
que a presença discursiva do diretor/produtor foi mais forte. Em entrevistas e críticas,
Rovai é recorrentemente citado, tamanha era a sua ligação e de seus filmes com o
gênero, sendo inclusive chamado de profeta por Jairo Ferreira.
Tomando Rovai como parâmetro principalmente para a construção de autoria
através da prática discursiva, cabe uma breve digressão na sua trajetória. O cineasta
iniciou a sua carreira durante final da década de 1960 filmando documentários
institucionais, inicialmente como assistente de câmera e em seguida como diretor. Em
depoimento para Plácido de Campos Junior e Carmelita Moraes (1986), Rovai revela
que foi durante um desses filmes que ele conhece Luís Sérgio Person. Este propõe
que ambos pegassem pontas de negativo e fizessem um documentário político sobre a
realidade do nordeste. Contudo, o projeto não foi adiante. É já nesta época que Person

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mostra o embrião de roteiro do que viria a ser São Paulo S.A. e convida Rovai para
ser assistente de direção. O que parecia ser mais um dos projetos pensados como
contraposição aos institucionais encomendados, finalmente se realiza em 1965, com o
lançamento de São Paulo S.A.
O primeiro longa-metragem de Pedro Carlos Rovai como diretor foi Adultério
a Brasileira, que como já mencionado é considerado um dos precursores do gênero
brasileiro chamado a posteriori de pornochanchada pelos críticos dor jornais
(RAMOS, 1990). Com o sucesso de bilheteria de Adultério à brasileira, mais de 1,5
milhões de espectadores, Rovai se muda para o Rio de Janeiro, onde funda a Sincro
Filmes, e dá início a uma vasta filmografia, entre curtas-metragens, filmes
institucionais e longas-metragens, como diretor e como produtor, trabalhando com
nomes como Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho, Hélio Silva e Antônio Calmon.
Com o esgotamento do gênero da pornochanchada a partir de finais da década
de 1980, Rovai permanece um bom tempo sem nenhuma produção mais destacada,
voltando a atuar na área de cinema apenas a partir de 2001, já com a Tietê Filmes,
produtora localizada em Botafogo, no mesmo local da antiga Sincro Filmes1. Sua
produção mais recente é a trilogia infantil situada na floresta amazônica brasileira,
Tainá – Uma aventura na Amazônia (2001), Tainá 2 – A aventura continua (2004) e
Tainá 3, ainda não lançado, e a comédia Qualquer Gato Vira-Lata (2011). O último
filme em que Pedro Carlos Rovai atua como diretor2 foi As Tranças de Maria, de
2003, drama protagonizado por José Dumont e Patrícia França.
Contudo, mesmo destacando uma preocupação narrativa e estética das
pornochanchadas de Rovai, principalmente quando comparadas a outras produções
cariocas da época, com menos recursos, à exemplo do Beco da Fome, não é objetivo
do presente trabalho mostrar o apuro estético como principal parâmetro de análise.
Dessa forma – e também não sendo objetivo uma revalorização da pornochanchada
ou de Pedro Carlos Rovai enquanto realizador – as produções da Sincro Filmes serão

                                                                                                               
1
Atualmente as duas produtoras estão em atividade e funcionam ainda em Botafogo, no mesmo espaço
físico.
2
Sobre As tranças de Maria, conta-se que na verdade o filme teria sido dirigido por Ozualdo Candeias,
mas que Rovai não teria gostado da forma como foi feita a direção e assumiu o corte final. Há histórias
também de que a única versão com o corte feito por Candeias existe apenas em uma fita VHS, a qual
atualmente pertence a um crítico cinematográfico brasileiro ainda em atividade.
23
Sobre
Aqui adoto
As tranças
o termo
de Maria,
autorismo,
conta-se
em contraposição
que na verdade
à política
o filme dos
teriaautores
sido dirigido
ou teoria
porde
Ozualdo
autor, que
Candeias,
como
mas que Rovai não teria gostado da forma como foi feita a direção e assumiu o corte final. Há histórias
também de que a única versão com o corte feito por Candeias existe apenas em uma fita VHS, a qual
atualmente pertence a um crítico cinematográfico brasileiro ainda em atividade.

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analisadas através da forma como a autoria foi construída por Rovai, além da
contribuição de outros agentes, como referencial de diferenciação. Acima de tudo,
estou tratando de um personagem que, dentro da história do cinema brasileiro se
afirmou e se afirma enquanto diretor/produtor da pornochanchada, problematizando-
a, mas também se utilizando dessa prática discursiva para compor o material
necessário para divulgação de seus filmes e de sua produtora, até hoje em atividade.
Com este intuito dividi meus esforços em três capítulos. O primeiro, A
pornochanchada: um histórico e seus possíveis diálogos, objetiva de início adentrar
na teoria dos gêneros cinematográficos e a partir de autores como Rick Altman e
Jason Mittell observar o gênero como prática discursiva. É feito também um histórico
das pornochanchadas e suas implicações na historiografia do cinema brasileiro.
Encerrando-se com o porquê do estigma construído em torno do gênero. Para tal fim,
é importante a análise do ensaio Teoria da Relatividade, de José Carlos Avellar que
tanto contribui para os parâmetros da pornochanchada, quanto para uma teorização de
uma linguagem inventada pela Censura, contextualizando o gênero no momento da
ditadura militar brasileira.
O segundo capítulo, Autoria e gênero nas pornochanchadas, inicia abordando
o autorismo cinematográfico, em seu histórico, mas defendendo-o como método de
distinção. Um segundo esforço para este capítulo é a defesa da pornochanchada
enquanto gênero, buscando uma abordagem a partir de algumas teorias genéricas. Tal
discussão está inserida dentro da dificuldade comum de atribuir à produção brasileira
o rótulo genérico. Primeiro, pela influência do autorismo. Segundo, pela divergência
encontrada pela própria historiografia. Para tal fim, é importante destacar análises de
autores como José Mário Ortiz Ramos, Rafael de Luna Freire, João Luiz Vieira,
Lúcio De Franciscis dos Reis Piedade e Gelson Santana, para citar alguns exemplos
de esforços na observação genérica em casos brasileiros. O capítulo se encerra com a
observação das pornochanchadas de autor, onde faço um estudo de caso de Joaquim
Pedro de Andrade e Antônio Calmon, diretores que ao trabalharem o gênero tiveram
uma aura autoral construída, em termos de texto fílmico, mas também no que toca à
prática discursiva de distinção.
Já o terceiro capítulo, Pedro Carlos Rovai e a construção de um profeta,
primeiramente há a busca pela análise de alguns dos jogos de força, ou seja, os
embates entre agentes do campo cinematográfico que de alguma forma se tornam
legítimos para a distinção genérica. Contextualizando essa questão, observo também

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as propostas estéticas que guiaram o cinema brasileiro da década de 1970, focando
principalmente as falas de Paulo Emílio Salles Gomes e José Carlos Avellar, pela
contribuição que ambos tiveram para o tratamento da pornochanchada durante o
período. Finalizo o capítulo através da observação de Pedro Carlos Rovai como um
profeta, como um possível autor no gênero, consciente da importância da prática
discursiva. Com o intuito de arregimentar esforços para tal análise, Jean-Claude
Bernardet e Jairo Ferreira são também observados enquanto agentes inseridos no
campo cinematográfico.
Dessa forma, espero poder contribuir para um estudo menos valorativo da
pornochanchada, analisando o gênero através das práticas discursivas inseridas no
campo cinematográfico brasileiro da década de 1970. No qual, Pedro Carlos Rovai
apresenta-se como uma referência, dentre os diversos diretores e produtores ligados à
vinte anos de produção do gênero da pornochanchada.

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Capítulo 1. A pornochanchada: um histórico e seus possíveis diálogos.

1.1. O gênero cinematográfico enquanto prática discursiva

A pornochanchada é um gênero brasileiro reconhecido mais claramente nas


produções de final da década de 1960 até meados dos anos 1980. Com uma extensa
filmografia, passando principalmente pelas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo,
há a necessidade de uma definição e classificação, contudo sem deixar de levar em
conta a diversidade de filmes que duas décadas minimamente representam. As
produções do gênero eram, em geral, comédias de costumes, com um maior ou menor
apelo ao erotismo, inclusive com cenas de sexo explícito, dependendo do período de
análise.
Dessa forma, opta-se por utilizar o termo pornochanchada enquanto
nomenclatura de um gênero, com suas características específicas, características essas
desenvolvidas através da contribuição dos diversos agentes envolvidos (classe
cinematográfica, exibidores, distribuidores, público, crítica, etc.). Entretanto, quando
se fala em pornochanchada, deve ficar claro que houve várias pornochanchadas, com
repercussões diferentes dentro da historiografia do cinema brasileiro e as quais
possuem um diálogo maior ou menor com outros gêneros cinematográficos.
É importante, portanto, uma pequena digressão teórica para explicitar de que
conceito de gênero está se tratando na presente dissertação. Não pretendo aqui esgotar
as discussões acerca dos gêneros cinematográficos e a sua aproximação, ou
distanciamento, com um cinema de caráter mais popular, mas sim abordar alguns
autores e teorias que contribuem como fundamentação teórica para se estudar a
pornochanchada.
Desde a década de 1940, havia um estudo dos gêneros nos Estados Unidos e
na Europa. Contudo, tal estudo se estabeleceu como campo teórico de modo mais
consolidado na Inglaterra e nos Estados Unidos somente nas décadas de 1960 e 1970,
a medida em que o estudo de filmes (film studies) se firmou como uma disciplina
acadêmica formal. Steve Neale (2009, p. 10), em Genre and Hollywood, aponta que o
período em questão, com o estabelecimento de uma teoria de gênero propriamente

  14  
dita, teve dois objetivos diferentes. Primeiro, engajar de modo sério e positivo o
cinema popular, geralmente considerado inferior em relação ao cinema de arte. Em
segundo lugar, complementar e também confrontar a abordagem crítica do autorismo.
Havia uma carência de estudos que discutissem de modo mais aprofundado a
produção ligada ao cinema de gênero. As críticas anteriores eram, de grosso modo,
paternalistas ou simplesmente hostis aos filmes produzidos em Hollywood. A rejeição
provinha de uma abordagem tradicional do campo da teoria genérica, a qual identifica
uma produção voltada para as massas como algo conservador em termos estéticos ou
ideológicos, buscando o simples entretenimento. Em contraposição, o autorismo3,
herdeiro dessa mesma tradição, significava uma maior ligação do cinema com a arte,
além de uma estilização estética considerada mais séria. Assim, a simples oposição de
um cinema dito comercial e um cinema dito de arte separava, por um lado, elementos
como entretenimento, conservadorismo e a figura do artesão, ligados aos filmes de
gênero, e por outro, realismo, vanguarda e a figura do artista, relacionados ao cinema
de autor.
Influenciado pela crítica literária, Edward Buscombe (2005), em A ideia de
gênero no cinema americano, publicado em 1970, busca uma abordagem para o
estudo de gêneros focando o on-screen, ou seja, majoritariamente os elementos
visuais. Apesar do autor deixar de incorporar o som enquanto elemento também
presente no on-screen e, assim, essencial para uma análise genérica, uma breve
análise do seu artigo continua sendo importante por alguns motivos. Primeiro aqui se
nota a releitura de René Wellek e Austin Warren (apud BUSCOMBE, 2005, p. 305;
apud ALTMAN, 2009, p.7-8), em Theory of Literature, onde os gêneros literários
poderiam ser observados tanto a partir das suas formas interiores quanto exteriores.
Buscombe ressalta então que as convenções visuais forneceriam o suporte para se
narrar a história. No cinema, a forma exterior contemplaria os elementos visuais, a
convenção visual para cada gênero, já a forma interior funcionaria como o meio pelo
qual esses mesmos elementos são empregados. Durante o processo fílmico, o diretor
utiliza os recursos oferecidos pela iconografia comum, recombinando-a com formas
que conciliem a familiaridade e a inovação, repetição e variação.
Em segundo lugar, é possível estabelecer uma relação entre a proposta de
Buscombe e um texto clássico de Rick Altman (2009) no campo da teoria genérica, A
                                                                                                               
3
Aqui adoto o termo autorismo, em contraposição à política dos autores ou teoria de autor, que como
será visto têm conotações diferentes e específicas.

  15  
semantic/syntactic approach to film genre, publicado em 1984, onde o autor propõe
uma abordagem semântico/sintática dos gêneros. Da mesma forma em que Tzvetan
Todorov4 vai opor gêneros históricos aos gêneros teóricos, – ambos elementares para
a complexidade genérica, mesmo em sua oposição – Altman, inserido no contexto do
pós-estruturalismo, vai distinguir entre as abordagens semânticas e sintáticas do
gênero. Contudo, a inovação da proposta de Altman é a aplicação em conjunto de
ambas abordagens, não podendo ser dissociadas na análise genérica. Dessa forma, as
definições do gênero dependem tanto de uma lista de traços ou conteúdos narrativos
comuns, como atitudes, cenas, locações e sets, que salientariam os elementos
semânticos que formam o gênero, quanto das relações estruturais por onde esses
traços comuns estariam organizados, representando o viés sintático (ALTMAN, Ibid.,
p. 219).
Com o intuito de reforçar a sua dupla abordagem, semântico/sintática, Altman
retoma então duas correntes opostas da teoria de gênero da década de 1970. A
primeira, influenciada por Lévi-Strauss, estudava a relação ritualística entre o público
e os filmes. Dentro dessa teoria, os estúdios produziam o que refletia os desejos do
espectador, considerado aqui um autor. Já a segunda corrente, ideológica, dava mais
atenção às preocupações discursivas, mostrando que o público estava na verdade
sendo manipulado pelos interesses políticos e ideológicos da indústria de Hollywood.
Contudo, o que Altman (Ibid., p. 223) ressalta é o fato dessas relações
ritualísticas/ideológicas resultarem de um diálogo entre os desejos do público e as
prioridades dos estúdios. Assim, o desenvolvimento de determinado gênero passa a
ser percebido como o resultado de um encontro, o qual apenas se estabelece após
passar por um período de acomodação entre os interesses de quem o assiste e os
interesses da indústria, não sendo passível de uma simplificação.
O que se percebe, ao tentar buscar um ponto de aproximação entre as análises
genéricas propostas por Buscombe e Altman, retomando também Wellek e Warren, é
a relação existente entre o que seria a forma exterior e os elementos visuais (e cabe
lembrar novamente os sonoros) de um filme. Dessa forma, a forma interior estaria
relacionada com a estrutura onde esses elementos, visuais e sonoros, se inserem.

                                                                                                               
4
Ainda na década de 1950, Todorov vai estabelecer uma diferenciação entre os gêneros teóricos,
oriundos da teoria literária, e os gêneros históricos, resultado da observação de um fenômeno literário,
resumidamente, por um lado, seriam os distinguidos pela nossa cultura e, por outro, aqueles sugeridos
pela crítica.

  16  
Entretanto, qualquer uma das relações acima descritas só pode ser analisada em
termos comparativos, relacionando um filme a outro.
Buscando uma maior compreensão da análise dos elementos visuais de
determinada produção, deve-se abordar minimamente também o conceito de
iconografia. De acordo com Neale (2009, p.13-14), o termo é derivado da História da
Arte, o qual foi utilizado por Lawrence Alloway para os estudos de gênero. A
proposta de Alloway é que o significado de um filme específico não pode ser
separado do padrão de análise de conteúdo de outros filmes. Dessa forma, a
iconografia tende a significar objetos, eventos e personagens nos filmes, tal como sua
identificação e descrição.
A iconografia foi um dos elementos centrais para o campo teórico do gênero
durante a década de 1970. Primeiro, pois essa formulação era devotada ao filme
popular5. Segundo, era a possibilidade de usar o conceito para enfatizar o aspecto
visual dos filmes populares. Assim, havia uma aproximação com a ênfase dada pelos
teóricos do autorismo ao estilo e a mise-en-scène, além de um contraste com a ênfase
no personagem, plot e tema por teóricos de gênero ligados às teorias literárias (Ibid.,
p. 15).
Aqui cabe ressaltar, rapidamente, que a teoria dos gêneros sempre foi muito
influenciada pela teoria literária, desde a Poética de Aristóteles, principalmente nos
trabalhos da década de 1950 em autores como Benedetto Croce, René Wellek e
Austin Warren, Northrop Frye e Tzetan Todorov. O que fez com que uma abordagem
mais ligada aos elementos visuais, iconografia, ou seja, com a imagem em si,
acabasse por se tornar uma forte ferramenta para a análise dos gêneros
cinematográficos.
Como mostra Tom Ryall (1998, p. 328), – e essa concepção é deveras
importante para a maneira análise pela qual analisarei a pornochanchada – o principal
pressuposto da teoria de gênero é que uma obra de arte e comunicação surge e é

                                                                                                               
5
Com o objetivo de entender melhor o que seria um filme ou uma obra popular, cabe um breve
parêntese sobre o conceito de estética da repetição desenvolvido por Omar Calabrese em A idade
neobarroca. O termo é relacionado aos produtos desenvolvidos em série – onde posso me centrar,
levando em conta o meu campo de estudo, apenas no meio audiovisual –, nos quais a mecânica da
repetição produz quase que involuntariamente o surgimento de uma estética própria. Em contraposição,
teríamos a obra de arte. Assim, se o status de artístico é alcançado através da originalidade e da
impossibilidade de cópia, do lado oposto, e levando em conta os preconceitos imbuídos em tal
afirmação, temos uma obra feita em série, que necessita de uma iconografia reconhecível (e onde o
prazer do público está justamente nesse reconhecimento) como algo primordial para garantir a eficácia
do seu consumo popular. (CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Edições 70: Lisboa, 1987.)

  17  
inserida em um contexto social específico. E o sentido e significado dessa obra são
restritos e limitados por esse contexto. Assim, o autor ressalta que os códigos
genéricos, suas repetições e inovações, estão diretamente ligados aos vínculos ou
contratos estabelecidos entre produtores (diretores e estúdio) e o público, e por
consequência restringidos e limitados dentro dessa tensão. Uma vez que esse acordo
entre agentes não é estabelecido de maneira formal ou explícita, mas sim de forma
processual, os sinais e significados relativos aos gêneros não podem ser analisados, ou
mesmo trabalhados, deixando de fora o contexto em que os códigos foram
estabelecidos. Para Ryall, de modo geral, gêneros constituem sistemas para a
regulação e circulação de significado que têm um público e uma existência histórica,
com os quais o cinema popular dos EUA é firmado, ou formado (RYALL, Ibid., p.
329). Neale (Ibid., p. 9), por exemplo, cita Barry Keith Grant ao tratar os gêneros
como fundamentais para consolidar o cinema como uma instituição cultural e
econômica, especificamente a indústria de Hollywood, que conta histórias através da
fórmula da repetição e variação.
Ao vincular a análise genérica ao contexto social em que os filmes são
produzidos, distribuídos e exibidos, Ryall instiga uma análise da pornochanchada
onde o seu âmbito histórico pode e deve ser levado em conta, seja tomando como
parâmetro o campo de estudos do cinema brasileiro, seja observando o gênero
enquanto manifestação cultural contextualizada na ditadura militar. Dessa forma,
pode-se chegar a alguns questionamentos, os quais tentarei responder mais adiante,
como o porquê do uso de uma nomenclatura claramente pejorativa; as relações do
gênero com a classe cinematográfica, por um lado, e censores, por outro (o que não
significa necessariamente uma simples divisão de lado, apoio versus oposição). Para
Ryall (Ibid., p. 328), há duas amplas dimensões para o estudo do campo genérico. A
primeira envolve a história do gênero e é preocupada com a maneira que o gênero
surge, se desenvolve e muda. A segunda foca sobre a função social e cultural do
gênero cinematográfico. Resumidamente, gêneros podem ser estudados tanto em
termos de uma história interna das formas, temas e iconografia, quanto em termos da
sua relação mais ampla para mudanças culturais e sociais e, é importante para a
presente dissertação não deixar de lado nenhuma das duas dimensões para o estudo da
pornochanchada.
Aprofundando um pouco na questão da espectatorialidade, é necessário
observar que alguns gêneros podem ser definidos a partir da maneira em que realçam

  18  
seus efeitos esperados pelo público, como o filme de terror, o thriller e a comédia, os
quais buscam o medo, suspense e a risada, respectivamente. Assim, mesmo que a
abordagem iconográfica de Buscombe (Ibid.) não sirva para qualquer tipo de gênero
ou mesmo seja defasada frente ao desenvolvimento dos estudos de som, ela acaba
sendo útil ao colocar em primeiro plano conceitos como “convenções” e “expectativa
do público”, que são pontos importantes para determinado estudo dos gêneros,
encaixando-se também como ferramenta de análise para a pornochanchada (RYALL,
Ibid., p. 330-332).
De acordo com Altman (2009, p. 195), em Film/Genre, o estudo de gênero
arregimenta ambos os processos de reprodução e recepção, sendo os gêneros sistemas
e processos, e não padrões formais ou cânones textuais. Cada sistema de gênero é
composto por uma rede de grupos interconectados e suas instituições, cada qual
utilizando o gênero para satisfazer suas próprias necessidades e desejos. O gênero
pode sempre ser contestado, pois representa o conflito entre múltiplos agentes,
servindo a múltiplos propósitos. E é justamente essa contestação por diferentes grupos
que mantém os gêneros sempre em processo, constantemente sujeitos a
reconfiguração, recombinação e reformulação.
É nesta mesma obra que o teórico propõe um avanço em relação à já citada
abordagem semântico/sintática. Altman (Ibid., p. 207) reconhece que ao estabelecer
um estável reconhecimento semântico e sintático através de uma população instável,
ele deixa de lado o fato de que os gêneros são diferentes para públicos diferentes, e
essas pessoas podem perceber diferentes elementos semânticos e sintáticos em um
mesmo filme. Altman, então, admite não ter percebido que o gênero tem múltiplas
audiências conflitantes, que Hollywood tem múltiplos interesses e que esses múltiplos
profissionais do gênero usam os códigos genéricos e sua terminologia em vias
diferentes e potencialmente contraditórias.
De acordo com Altman (Ibid., p. 208), a falha de uma abordagem somente
semântico/sintática estaria em não reconhecer a amplitude da natureza discursiva dos
gêneros, os quais, ao coordenarem diversos usuários, seriam mecanismos
multidiscursivos. Cada gênero é definido por múltiplos códigos, correspondentes aos
múltiplos grupos que, ao ajudarem a definir os gêneros, são convidados a “falar”
sobre os gêneros, ou seja, possuem certa legitimidade na sua definição. Desse modo, a
abordagem semântico/sintática não se torna suficiente para a explicação da descrição
dos efeitos da discursividade dos gêneros, levando Altman a acrescentar na dupla

  19  
equação também a abordagem pragmática. Utilizando-se de um arcabouço linguístico
para sua explicação, o autor ressalta que a pragmática está diretamente ligada com o
que chama de “fator uso”, pensando o discurso enquanto ato, enquanto performance.
Deve-se observar tanto sobre o que se está falando, quanto a maneira como se fala.
Para Altman (Ibid., p. 211), as abordagens mais tradicionais trabalhavam com
o pressuposto de que os gêneros preexistem em relação aos espectadores e que guiam
a recepção do público. Aplicando a abordagem semântico/sintática/pragmática pode-
se negar ambas as afirmações, pois o campo genérico é tratado como local de embate
e cooperação entre seus múltiplos agentes. Contudo, não é possível deixar de notar
que há sim um sistema de expectativas gerado pelos códigos genéricos. De acordo
com Neale (2009, p. 25-26), o que seria um consenso entre diversos teóricos é que o
gênero é um fenômeno multidimensional e, que essas dimensões abarcam um sistema
de expectativas, categorias, etiquetas e nomes, discursos, textos e corpos de textos, e
as convenções que os governam todos. As expectativas geradas pelo nome do diretor
ou do(a) protagonista (star system) são tão “genéricas” como as geradas pelos termos
“western”, “thriller” ou “filme de terror”.
Em suas conclusões, Altman (2009, p. 214) observa que o público tem
diferentes interpretações do mesmo texto e que cada texto tem múltiplos usuários.
Assim, seria possível pensar tanto no motivo pelo qual diferentes usuários têm
diferentes leituras, quanto pensar na relação entre os usuários. No caso dos gêneros
cinematográficos, focando estritamente o caso brasileiro, é importante observar os
agentes do discurso definindo através da distinção o que é ou não pornochanchada.
Analisando, por exemplo, público, realizadores e crítica durante a época em que o
gênero perdurou, veem-se discursos distintos, com limites e preconceitos diferentes.
Avançando um pouco em relação a Altman, pode-se também problematizar o motivo
de um mesmo filme ser visto de forma diferente no decorrer dos anos, seja por um
mesmo público, ou por públicos diferentes. No caso da pornochanchada, pensando a
percepção do gênero através da formação de discurso no decorrer dos anos, essa
distinção se torna ainda mais patente. Algumas comédias brasileiras da década de
1960 e 1970 são atualmente disponibilizadas em sites não oficiais de download, sendo
a classificação “pornochanchada” atribuída sem o uso da distinção da crítica da época
ou mesmo da historiografia. Também são disponibilizados desde as adaptações
baseadas na obra de Nelson Rodrigues ou mesmo filmes estrangeiros como O Último
Tango em Paris (Bernardo Bertolucci, 1972) ou Império dos Sentidos (Nagisa

  20  
Oshima, 1976), mais pelo seu conteúdo erótico do que por algum tipo de definição
com o gênero brasileiro.
É interessante observar também o programa da disciplina Nelson Rodrigues no
cinema, ministrado pela professora Jade Gandra Dutra Martins em 2011. Oferecido
para os alunos do curso de cinema e artes cênicas da Universidade Federal de Santa
Catarina, um dos objetivos do curso foi avaliar as adaptações da dramaturgia
rodrigueana para o cinema brasileiro, contemplando Cinema Novo e a
pornochanchada. Contudo, o programa de duas das aulas me chamou bastante a
atenção: “A pornochanchada filma Nelson Rodrigues: Bonitinha, mas ordinária
(1963, J.P. Carvalho)” e “A pornochanchada filma o trágico: Os sete gatinhos (1980,
Neville D’Almeida)”. A mesma relação entre o gênero e Nelson Rodrigues pode ser
vista na tese de doutorado de Martins (2008), intitulada Nelson Rodrigues e sua cena:
teatro da dupla tensão, cinema da síntese. O interessante neste caso é observar
primeiramente um estudo de Nelson Rodrigues que assume determinadas adaptações
fílmicas de suas peças enquanto pornochanchadas. Em segundo lugar, importa
também perceber que um diretor como Neville D’Almeida é tratado como cineasta
ligado ao gênero através da maneira como Martins analisa as suas adaptações.
Percebe-se, dessa forma, que além das diferentes leituras, é possível pensar nos
diversos usos que um filme ou gênero podem ter em diferentes contextos históricos e
culturais e, nas expectativas geradas por cada um desses usos.
Retomando o arcabouço teórico oferecido pelos estudos de gênero, cabe neste
momento uma análise na abordagem culturalista proposta por Jason Mittell (2001),
em A cultural approach to television genre theory. O autor, ao propor uma abordagem
mais específica do gênero televisivo, parte do pressuposto de que os gêneros são
categorias culturais que ultrapassam as fronteiras dos textos midiáticos e operam com
a indústria, público, tal como as práticas culturais. De acordo com Mittell (Ibid., p. 8),
a melhor forma de análise dos gêneros é observá-los como práticas discursivas.
Embora se perceba uma aproximação com a abordagem pragmática incorporada por
Altman, este é criticado por Mittell por sua ênfase no aspecto textual.
A abordagem discursiva provém das teorias contemporâneas pós-
estruturalistas e Mittell se baseia na maneira como a formação de discurso é vista por
Michel Foucault. As formações discursivas são sistemas de pensamento
historicamente específicos, categorias conceituais que trabalham para definir
experiências culturais dentro de sistemas de poder mais amplos. As formações

  21  
discursivas não emergem de uma estrutura centralizada ou de um único local de
poder, mas são constituídas de baixo para cima a partir de diferentes micro-instâncias.
(MITTELL, Ibid., p. 8)
Para Mittell (Ibid., p. 9), a aplicação de uma abordagem discursiva para o
gênero necessita que o texto seja descentrado enquanto um local primário de análise,
mas não ao ponto de ignorá-lo completamente. É primordial reconhecer o papel do
texto como um lugar de operação discursiva do gênero. Textos midiáticos continuam
funcionando como pontos importantes do discurso de gênero e devem ser examinados
de modo igual à análise do público e das práticas industriais, por exemplo. Contudo,
cabe ressaltar que um texto isolado não define o gênero por si só, necessitando ou da
sua comparação com outros textos ou da sua análise através dos agentes que nomeiam
esses gêneros. Mesmo reconhecendo que as práticas discursivas podem ser analisadas
através de sua definição/classificação, interpretação e avaliação (no sentido de bom
ou ruim, ou melhor ou pior), Mittell não objetiva com a sua abordagem alcançar a
terminologia mais adequada. O que o autor pretende é explorar a maneira com as
quais essas definições, interpretações e avaliações são constituídas culturalmente.
Tomando a abordagem culturalista de Mittell para o estudo da
pornochanchada, considero importante então observar o papel dos agentes que
contribuíram para a formação do gênero, mas também analisar a maneira pela qual
cada um dos agentes escolhidos entende e atua no campo genérico. A nomeação da
pornochanchada foi resultante de um processo e não se deu de forma consensual
dentre os que atuavam no campo cinematográfico brasileiro da década de 1970. Ou
seja, o uso do termo não significa que a classificação genérica, utilizada para
determinados filmes nacionais dos anos 1970 e 1980, não gerou embates e discussões.
O objetivo de analisar e esmiuçar algumas abordagens da teoria genérica é
arregimentar ferramentas para um olhar sobre a pornochanchada. Dentro dos atuais
estudos cinematográficos no Brasil, percebe-se que alguns pesquisadores têm
direcionado esforços para contribuir para o campo de estudos de gênero. Contudo,
historicamente, a própria valorização do cinema de autor feita por alguns setores da
crítica e da própria academia ou mesmo a falta de costume em se utilizar um
vocabulário genérico quando se trata do filme brasileiro, contribuiu para que um
cinema de gênero, em termos de abordagem acadêmica e de prática cinematográfica
fosse visto como algo menor.

  22  
Robert Stam (2009, p. 150), em Introdução à teoria do cinema, expõe alguns
problemas enfrentados pela análise genérica e aqui ressalto dois pontos onde posso
estabelecer uma relação teórica para a pornochanchada. Um primeiro problema é o
fato dos gêneros não serem “monolíticos”. Mesmo os filmes hollywoodianos clássicos
promoveram a hibridização de diversas tendências genéricas, ainda que
principalmente por razões comerciais. O segundo problema levantado por Stam é o
chamado “Hollywood-centrismo”. Para autor, esse foco exagerado dos estudos em
relação ao cinema de gênero dos EUA faz com que, por exemplo, durante a análise
dos musicais hollywoodianos, sejam deixados de lado outros possíveis estudos de
caso, tal como a chanchada “brasileira”6.
Assim, para ampliar as possibilidades da análise sobre a pornochanchada
enquanto gênero é importante levar em conta também questões como o hibridismo e o
multiculturalismo. Segundo Raphaëlle Moine (apud FREIRE, 2011, p. 30) ao tomar
os gêneros de Hollywood como parâmetros universais, deixa-se de lado
singularidades nacionais, culturais e históricas, estas fundamentais para o processo de
compreensão de diferentes fórmulas genéricas, sempre originárias de contextos
específicos. Consequentemente, mesmo os chamados gêneros transnacionais sempre
se manifestaram de forma distinta em diferentes regimes genéricos.
Janet Staiger (2010), em Hybrid or inbred: the purity hypothesis and
Hollywood genre history, questiona a “pureza”, ou seja, a tentativa de se estabelecer
uma relação estável no gêneros hollywoodianos. Resumidamente, não haveria uma
época em que os gêneros eram “puros”, ou mais “estáveis” mesmo na fase anterior à
década de 1960 7 . Entretanto, Staiger (Ibid., p. 186), ao sugerir que os filmes
hollywoodianos, em ambas as fases, nunca representaram um atestado de pureza, não
quer dizer que não houve padrões de categorização. O agrupamento de filmes, mesmo
levando em conta que este é feito de forma eclética, continua sendo um importante ato
acadêmico/metodológico, pois permite elucidar a percepção dos gêneros por
produtores e consumidores. O ato de ver filmes é feito através de um padrão
hipotético baseado no conhecimento de outros filmes em um repertório prévio.

                                                                                                               
6
Opto pelo uso de aspas em relação ao termo “brasileira”, pois durante o terceiro capítulo, tratarei
tanto a chanchada quanto a pornochanchada como gêneros considerados reconhecidamente nacionais.
7
Em termos metodológicos, Staiger evita a divisão do cinema estadunidense através da Segunda
Guerra Mundial, distinguindo a produção da “velha Hollywood” ou “Hollywood fordiana”, que vai de
1917 até a década de 1960, do que foi produzido a partir da década de 1970 com a “nova Hollywood”
ou “Hollywood pós-fordiana”.

  23  
Portanto, o processo de hibridização genérica, a ausência da pureza, a meu
ver, não deve ser restrito ao cinema de Hollywood. O que se nota no caso brasileiro
da pornochanchada é que o gênero que sofreu diversas influências no decorrer dos
anos, independente da relação mais forte dos primeiros filmes com a comédia ou
mesmo com outros gêneros.
Raphaëlle Moine (2008, p. 169-170), em Cinema genre, busca uma análise
onde as influências culturais sejam tomadas como forças fundamentais para o
surgimento e evolução de um gênero. De acordo com a autora, não há uma
constituição estável tanto na função social e cultural de um gênero, quanto na
organização de suas características semânticas e sintáticas, as quais dão sua forma.
Moine utiliza o exemplo da comédia como categoria genérica que, além de dialogar
com outras gêneros, tem características que podem ser aceitas apenas regionalmente
por serem específicas a determinado período cultural ou histórico. Para a autora, o
rótulo de “comédia” sugere mais o tom de determinados filmes, os quais se espera
uma reação de riso pelo público, do que as características recorrentes
semântico/sintáticas que fazem um grupo de filmes um gênero, ou a explicação do
significado cultural ou social do gênero (MOINE, Ibid., p. 170).
De acordo com Moine (Ibid., p. 188), um ponto importante para o campo de
estudos dos gêneros é a observação dos chamados “regimes genéricos”.
Culturalmente, os gêneros são definidos de uma maneira diferencial e são organizados
em sistemas e hierarquias, nas quais cada um encontra seu lugar, sua forma e seus
limites através das relações com outros gêneros. A história dos gêneros é, portanto,
também a história dos regimes genéricos específicos estabelecidos para cada contexto
cinematográfico. Assim, é possível constatar que os gêneros nacionais, sendo
observados como regimes genéricos específicos, não podem ser observados
buscando-se um sentido universal, pois sua percepção deve localizar seu significado e
valor operativo e cada contexto particular (Ibid., p. 191-192).
Já Rafael de Luna Freire (2010b; 2011) defende uma perspectiva de
abordagem genérica onde todo o filme é transgenérico ou polivalente. Em Entre o
gênero e a nação: o gênero cinematográfico e o cinema nacional (FREIRE, 2010b, p.
24), o autor cita James Naremore, ao ressaltar a necessidade de se evitar o
essencialismo dentro do campo de estudos genéricos mais tradicional que aponta a
característica transgenérica como algo ligado somente a alguns gêneros, como por
exemplo, o filme noir.

  24  
Tentando ampliar a perspectiva de Freire, posso afirmar que mesmo o western,
não pode ser considerado um exemplo de gênero estável ou mesmo “puro”. Aqui cabe
lembrar o caso de alguns filmes como Duelo ao sol, de King Vidor (1946) - que
incorpora ao gênero elementos do melodrama - ou Pistoleiros do entardecer, de Sam
Peckinpah (1962) - onde expectativa gerada pelo western é destronada logo nos
primeiros minutos quando vemos um policial, um carro e um camelo.
No caso brasileiro, o estudo genérico da pornochanchada não pode deixar de
lado o contexto de valorização do cinema de autor frente ao cinema de gênero,
principalmente quando o movimento do Cinema Novo ganha força ou mesmo a
condição “subdesenvolvida” do aparato cinematográfico brasileiro se comparado ao
dos Estados Unidos. Além disso, aplicando o caráter discursivo, mesmo considerando
alguma produção chamada de pornochanchada como pornochanchada ou mesmo
negando o rótulo para determinadas produções que dialogavam com o gênero,
independente de uma problematização do fator texto, devo levar em conta também
que, em termos de características semântico/sintáticas, houve diversas
pornochanchadas. As quais não dialogavam apenas com a comédia.

1.2. As pornochanchadas

De acordo com alguns historiadores (ABREU, 1996; FREIRE, 2010a;


SIMÕES, 2007; SELIGMAN, 2000b), a pornochanchada é geralmente dividida em
duas fases: a primeira, entre os anos de 1969 e o final da década de 1970, com a
produção estruturada em comédias de costumes ou, como eram chamadas, comédias
eróticas, concentrada no Rio de Janeiro; e a segunda fase, a partir de início da década
de 1980, com a produção mais focada na região da Boca do Lixo, em São Paulo, onde
se percebe uma menor ênfase na comédia e um diálogo mais denso com os códigos do
hard core, especialmente no uso de cenas explícitas e do money shot8.
Deve-se destacar que as fases citadas acima não podem ser simplificadas em
divisões geográficas ou temporais. Por uma questão de contexto político, tendo em
vista a ditadura militar que governava o Brasil desde primeiro de abril de 1964, um
                                                                                                               
8
O termo money shot é uma convenção narrativa para o gênero da pornografia citado no manual
escrito por Stephen Ziplow, em 1977, The Film Maker Guide to Pornography. Refere-se diretamente
ao enquadramento da ejaculação peniana masculina. O gozo para a câmera que possui a função
narrativa de garantir ao espectador que realmente houve o clímax da relação sexual.

  25  
diálogo mais direto com o hard core só pôde ser feito em finais da década de 1970,
com o processo de abertura política e através dos diversos mandatos judiciais, como
será visto mais adiante. Contudo, a diversificação da produção sempre existiu. Desde
o início dos anos 1970, tanto o Rio de Janeiro quanto São Paulo produziram as
chamadas comédias eróticas, ou neochanchadas. O que se viu, no decorrer dos anos, é
que enquanto a pornochanchada foi perdendo interesse enquanto fórmula e opção para
os produtores cariocas, para a zona da Boca do Lixo, região que misturava produtoras
cinematográficas e casas de prostituição, o sexo explícito foi uma opção barata de
continuar produzindo e sobrevivendo enquanto cinema distante do apoio estatal.
Contudo, mesmo na Boca não se deve cair no reducionismo de uma produção
unicamente “pornográfica”, apesar de ser comum o uso com tal sentido.
A produção do Rio de Janeiro, foco da minha pesquisa através do exemplo de
Pedro Carlos Rovai, também não deve ser rotulada como sinônimo de uma produção
mais “requintada”, que poderia se sobrepor aos filmes de menor rigor técnico da
Boca. Em terras cariocas, se de um lado temos um produtor de médio porte como
Rovai, que mantinha suas bilheterias acima de um milhão de espectadores, por outro
lado, temos a produção do chamado Beco da Fome9, região situada na Cinelândia que
se aproximava bem mais do modo de produção, de certa forma mambembe, da Boca
do Lixo em São Paulo.
Segundo José Mário Ortiz Ramos (1990, p. 401-402), em fins da década de
1960, sob a vigência do AI-5 e da violência do governo Médici, vivenciando os
impactos estéticos do Cinema Novo, Cinema Marginal, teatros de Arena e Oficina e
do Tropicalismo, é que o Brasil alcançará uma fase de forte modernização. Essas
alterações na cultura, com a esfera do mercado atingindo altos patamares (música,
televisão, mercado editorial e cinema), fizeram com que a produção cinematográfica
brasileira se deparasse com o tenso vínculo entre um cinema de pretensões autorais e
as pressões políticas e mercadológicas.

No momento em que os primeiros sinais de estruturação de


produção e mercado começam a ser detectados, decorrentes dos
mecanismos criados pela ação estatal e do próprio processo de
modernização do país, surge uma nova vertente no campo
cinematográfico. Na passagem da década, um cinema calcado no
erotismo começa a ocupar espaço, e a despeito das críticas e
                                                                                                               
9
Para maiores informações sobre o Beco da Fome, é válido citar o artigo A Boca e o Beco, de Luís
Alberto Rocha Melo (2009a).

  26  
antipatias terá vida bem mais longa do que a inicialmente prevista.
(RAMOS, 1990, p. 405)

O termo pornochanchada, o acréscimo do prefixo “pornô” ao gênero brasileiro


das chanchadas (comédias populares produzidas em sua maioria durante as décadas
de 1940 e 1950), foi uma nomenclatura surgida a posteriori, popularizando-se através
das críticas de jornal que viam as características das comédias de costumes somadas
às temáticas sexuais. Se em início da década de 1970, certos filmes eram chamados de
comédias eróticas, comédias de costumes ou neochanchadas, somente a partir de
1973/1974 é que o termo pornochanchada ganhou forte disseminação nas críticas de
jornais, influenciando o meio cinematográfico e o público no seu uso. É importante
ressaltar que tanto a chanchada quanto a pornochanchada foram maneiras para
desqualificar determinada produção, rotulando filmes geralmente voltados para as
camadas populares, apresentando estereótipos de temáticas e personagens, e, seguindo
essa linha de raciocínio, consideradas de menor valor cultural para a produção
brasileira nos seus diferentes períodos.
De acordo com Nuno Cesar Abreu (1996, p. 75), em O olhar pornô, o prefixo
“pornô” não significa a presença de pornografia no seu sentido mais “transgressor”,
mostrando, por exemplo, sexo explícito. Apesar de não deixar claro o que seria uma
pornografia “transgressora”, pode-se supor que Abreu diz respeito mais a toda uma
produção feita em outros países, como Estados Unidos ou mesmo Japão, onde se vê
ou um início da constituição de uma futura indústria pornô (como os casos de
Garganta Profunda, 1972, ou O Diabo na Carne de Miss Jones, 1973, ambos de
Gerard Damiano) ou mesmo um cinema de arte que se permite o diálogo com o sexo
explícito (por exemplo, Império dos Sentidos, 1976, de Nagisa Oshima).
Durante boa parte da chamada primeira fase, o que se vê nas telas é muito mais
a tônica de uma comédia de costumes, onde o sexo é retratado com pudor e tons, em
sua maioria, moralistas. Endereçadas às classes populares, essas comédias narram o
estilo de vida do seu próprio público, contudo, com a moral burguesa como tônica.
Dessa forma, menos do que um diálogo dessas produções iniciais com a pornografia
stricto sensu, o que se percebe é uma nomenclatura que objetiva distinguir, e
estigmatizar, as pornochanchadas das demais produções da época.
Seguindo um discurso histórico mais tradicional, a exemplo de José Mário
Ortiz Ramos (1990, p. 406), em O cinema brasileiro contemporâneo, o ano de 1969 é
apontado como o marco inicial da pornochanchada. Essa data se deve ao lançamento

  27  
de dois filmes: Os Paqueras, de Reginaldo Farias, e Adultério à brasileira, de Pedro
Carlos Rovai. Também não se pode deixar de mencionar Memórias de um gigolô de
Alberto Pieralisi, lançado apenas um ano depois. São filmes que, segundo Abreu
(Ibid., p. 77), revelam a influência de filmes italianos em episódios, a retomada dos
títulos chamativos e do erotismo presente em filmes paulistas de finais da década de
1960 e um retorno da tradição carioca da comédia de costumes, que objetivava um
bom diálogo com o público. É válido ressaltar que cada um dos três filmes atingiu
mais de um milhão de espectadores.
Se o ano de 1969 foi estabelecido a posteriori como marco inicial para as
produções das pornochanchadas, livrando a produção anterior de comédia de
costumes do estigma a que o gênero seria submetido, essa data não é consenso entre
pesquisadores e realizadores, servindo mais como recorte temporal útil para uma
metodologia de estudo sobre o tema.
Jairo Ferreira, em Dez anos de pornochanchada, publicado em 1978 na revista
Fiesta Cinema, chama a atenção (para o fato) de que há filmes anteriores à Os
Paqueras e Adultério à brasileira que como A virgem prometida (1968), de Iberê
Cavalcanti, As três mulheres de Casanova (1968), de Victor Lima, O levante das
saias (1967), de Ismar Porto, Enfim sós... com o outro (1968), de Wilson Lima, Doce
mulher amada (1968), de Rui Santos e As Libertinas (1968), de Carlos Oscar
Reichenbach Filho, que também apresentam características significativas para o
gênero.
Procurando traçar um panorama sobre o que se viu do gênero até então,
Ferreira chama atenção para o fato do cinema brasileiro, entre os anos de 1967 e
1969, ter experimentado “todos os gêneros” [palavras do autor], gerando, por um
lado, o Cinema Marginal, e por outro, a pornochanchada, que “conseguiu vingar
graças aos apelos que trazia” (FERREIRA, Ibid., p. 5). Apesar de não seguir com
maiores explicações, há um questionamento interessante surgido da afirmação de
Ferreira citada acima: quais seriam os apelos comentados pelo autor e que permitem
contra-argumentar 1969 como marco inicial da pornochanchada?
Nos filmes citados por Ferreira, observa-se já nos títulos um chamariz para a
temática sexual – talvez o grande apelo realmente comum em todas as fases e em toda
a trajetória da pornochanchada. Através de consulta ao site da Cinemateca

  28  
Brasileira10, percebe-se nas sinopses que os assuntos transitam entre as conquistas
amorosas, o adultério e a virgindade. Em A virgem prometida, por exemplo, a
personagem Luísa é convidada para viver um filme dentro do filme, encarnando a
história de Leninha, cuja vida é idêntica à sua, mas marcada por um acidente que a
transforma em uma viúva virgem. As três mulheres de Casanova trata de um
professor de Egiptologia que mantém uma amante em São Paulo, outra em Belo
Horizonte, e a história se desenrola quando ambas se dirigem para o Rio de Janeiro,
onde se encontra a esposa do mulherengo. Talvez a referência temática mais direta à
tendência vista por quase toda a pornochanchada seja a sinopse do filme As libertinas,
extremamente concisa, mas eficaz em dar ao espectador a história que se pretende
contar: “Três histórias em torno do casamento, do adultério e da busca de uma
aventura sexual”11.
Ao se discorrer sobre os filmes acima, não pretendo estabelecer aqui uma nova
data para o início do gênero. Mais crucial do que o ano em si, é importante perguntar
o porquê da escolha desse ano, que rompe com toda uma produção anterior e define
que “a partir de 1969, esses filmes são pornochanchadas”. Deve-se atentar para o fato
de que o mercado de pornografia estava gradualmente se expandindo durante toda a
década de 1960, especialmente ao levar em conta as mudanças comportamentais por
todo o mundo, incluindo as revoluções sexuais e feministas. No Brasil, há também o
histórico de uma cultura erótica em quadrinhos, como por exemplo, as produções de
Carlos Zéfiro, que circulavam clandestinamente desde os anos 1940/50. Além disso,
dentro do próprio contexto do cinema nacional, Ruy Guerra, cineasta ligado ao
movimento do Cinema Novo, em Os Cafajestes, de 1962, exibiu o primeiro nu frontal
do cinema brasileiro, na famosa cena de Norma Bengell na praia.
Nuno Cesar Abreu (2006, p. 139-140), em Boca do Lixo: cinema e classes
populares, aponta que desde meados da década de 1960, a produção cinematográfica
brasileira passou a realizar uma linha de comédias que possuíam temas que tratavam
do sexo e das relações amorosas. Eram filmes com um bom acabamento e bem
recebidos pela crítica e, que estavam antenados com as demandas surgidas no campo
do comportamento e dos costumes. Produções que alcançavam um público que agora
incluía uma nova faixa de consumidores surgidos na onda dos movimentos jovens que
                                                                                                               
10
Disponível em: < http://www.cinemateca.gov.br/>. Acesso em 28/01/2012.
11
É válido argumentar que As libertinas tem um de seus episódios dirigido por Carlos Reichenbach,
um diretor ligado à produção marginal da Boca do Lixo, a qual Jairo Ferreira detinha profundo
interesse, como será visto mais claramente no terceiro capítulo.

  29  
explodiram durante a década de 1950: rock, pop, movimento hippie, movimentos
contestatórios ao establishment, etc.
Garota de Ipanema, a título de exemplo, é um filme dirigido por Leon
Hirszman em 1967, em cores, com argumento do próprio Vinicius de Morais. O filme
conta a trajetória de Márcia, representada pela atriz Márcia Rodrigues, uma garota de
17 anos que vive os dilemas de uma juventude de classe média alta da zona sul do Rio
de Janeiro. A história se inicia através da narração em off de Márcia em paralelo com
imagens iniciais da praia de Ipanema. Ainda não é visto uma relação de escopofilia
tão forte quanto as demais pornochanchadas. Há um certo recato na câmera, um
receio de se aproximar. Quando Márcia joga frescobol com Pedro Paulo, personagem
de Arduíno Colasanti, seu noivo no início do filme, uma equipe estadunidense se
aproxima e pede a permissão dele para que sejam feitas imagens de Márcia, que está
em trajes de praia. Pedro Paulo nega o pedido e o diálogo que se segue com o
produtor mimetiza uma espécie de pudor na própria maneira de filmar os corpos no
cinema brasileiro. Pedro Paulo diz, “Ela não quer aparecer em trajes de banho”, e o
produtor responde, “Isso é ridículo, ela é linda”.
Com números musicais de Chico Buarque e Nara Leão, música de Roberto
Carlos, além da própria abertura ter ao fundo a famosa composição homônima ao
título do filme, Garota de Ipanema, é focado estritamente no público jovem. Márcia
logo de início rompe seu noivado com Pedro Paulo e diz para uma amiga: “Que tal a
gente caçar em vez de ser caçada?”. Em uma cena, na casa da família da protagonista,
amigos e o próprio pai pedem para ver o novo biquíni ganho na noite de Natal. Em
um desfile para os convidados, no meio da sala, há uma aprovação geral, exceto pela
avó bêbada, ultrapassada, representante de uma época “fora de moda”, que brada que
aquilo era uma indecência.
Filmes como: Toda donzela tem um pai que é uma fera (Roberto Farias,
1966), As cariocas (Fernando de Barros, Roberto Santos e Walter Hugo Khouri,
1966), Todas as mulheres do mundo (Domingos de Oliveira, 1967) ou A penúltima
donzela (Fernando Amaral, 1969) são bons exemplos e que fazem com que Os
Paqueras e Adultério à brasileira, apesar de marcos, se tornem apenas o resultado da
observação de uma fórmula de repetição e variação pertinente ao desenvolvimento
dos gêneros cinematográficos. Retomando Omar Calabrese (1987), em A Idade
Neobarroca, lembro que a busca por uma iconografia reconhecível, gera um prazer na

  30  
sua identificação, mecanismo importante para garantir a eficácia do produto de
consumo popular.
Mesmo que os filmes acima não sejam considerados pornochanchada, é
notório que desde a década de 1960, o cinema brasileiro passou a manter um diálogo
mais próximo com a temática sexual e com o erotismo. Independente de ser uma
proposta mais comercial ou experiência de algum diretor ligado ao Cinema Novo, a
nudez e a insinuação passaram a fazer parte da narrativa. Cabe ressaltar também que
tais filmes, à exemplo de Garota de Ipanema ou Todas as mulheres do mundo, em
termos de personagens e histórias, pareciam ser direcionados a um público mais
jovem. A pornochanchada apresentou em geral personagens mais velhos, às vezes
com trinta anos de idade, mas representados por atores que beiravam os quarenta, com
conflitos e situações pertinentes à essa faixa etária. O gênero apenas se voltará
novamente para os jovens em finais da década de 1970, com os filmes de Antônio
Calmon, por exemplo.
O diferencial sentido a partir de 1969 é o contexto político vivido pelo Brasil
durante a ditadura militar. Inimá Simões (2000, p. 70), em O retrato do Brasil na
pornochanchada, lembra que a década de 1970, principalmente em seus primeiros
anos, foi um dos períodos mais agressivos do regime militar. Tanto a figura do
general Emílio Garrastazu Médici quanto o Ato Institucional nº5, decretado em 13 de
dezembro de 1968 (ainda no governo do general Costa e Silva) representavam o
aumento da repressão e a censura aos meios de comunicação e artísticos. Mesmo com
o foco dos censores voltado para os assuntos políticos, a temática sexual não deixava
de ter sua atenção, principalmente devido ao lema defendido pela ditadura militar
como um todo: “tradição, família e propriedade”.
Um interessante paralelo, o qual ressalta a importância tomada pelo ano de
1968 e o AI-5, pode ser observado através da comparação de dois filmes que
envolvem Roberto Farias. Em 1965, Farias dirige Toda donzela tem um pai que é uma
fera, comédia de costumes, filmada em 28 dias, com grande parte da sua narrativa
realizada dentro de um apartamento na zona sul do Rio de Janeiro. Com forte
influência nos filmes de Richard Lester, a comédia é protagonizada por Reginaldo
Faria e John Herbert, contando a história de Joãozinho (Reginaldo), que é colocado
contra a parede por um militar ao obrigá-lo a casar com sua filha, moça a qual teria
tirado a virgindade. Neste caso, os valores do casamento são colocados como
inegáveis, mesmo para dois conquistadores.

  31  
Após ter desvirginado também a empregada, em cena também não mostrada,
mas insinuada através do diálogo, Joãozinho entra em forte conflito pessoal e se vê na
obrigação de casar com ambas. A preocupação do protagonista com a questão é tão
grande, que mesmo morando junto com sua namorada, sem serem casados, os dois
dormem em camas separadas. O militar é visto como “inimigo” apenas por ser o pai
indignado que defende os valores da filha. O exército brasileiro, inclusive, cede
tanques para uma cena de devaneio do personagem de Reginaldo Faria. No final, há
um ambiente reconciliador, onde Joãozinho se casa, é feliz ao lado da esposa e do
sogro, e Porfírio, personagem de John Herbert, termina sozinho, trabalhando como
mordomo para os três.
Toda donzela tem um pai que é uma fera é um filme lançado apenas um ano
após o golpe militar de 1964. Quando Roberto Farias produz o primeiro longa-
metragem dirigido por seu irmão, o intervalo de quatro anos representa outros tempos,
políticos e morais. Os Paqueras apresenta novamente o protagonismo de Reginaldo
Faria, agora em dupla com Walter Foster. Ambos são conquistadores da zona sul
carioca. Não se fala mais sobre política ou segurança nacional. Não há espaço para
galhofas com militares, sendo inclusive os contestadores criticados. A moça (Irene
Stefânia) por quem o personagem de Reginaldo Farias se apaixona vai em passeatas,
mas não sabe exatamente o porquê. Por outro lado, nota-se uma preocupação maior na
incorporação da cultura pop e dos novos valores morais. Os Paqueras tem Os
Mutantes como carro-chefe para a sua trilha sonora. A temática sexual é tratada de
forma mais livre, com espaço para uma relativa nudez feminina e inclusive um
ménage a trois que envolve uma mulher e os dois protagonistas. A liberdade,
entretanto, é acompanhada da responsabilidade. Em ambos os filmes, um dos solteiros
é redimido através do amor e o outro, que opta por permanecer conquistador, encontra
a solidão. A cena final de Os Paqueras, mostra Reginaldo Farias caminhando na praia
de mãos dadas com a mocinha, o amor encontrado no decorrer de várias conquistas, e
Walter Foster, mais atrás, andando sozinho. Mesmo sem casamento, o final não deixa
de apresentar uma moral.
Em ambas as fases da pornochanchada, observam-se uma maioria de filmes
pautados em histórias moralizantes que exploravam o corpo feminino, centrando suas
narrativas em personagens caricatos como o marido traído, o vizinho tarado, a viúva
ninfomaníaca, o machão, a virgem, o homossexual afetado. O que se via nas telas, de
uma forma geral, era uma espécie de punição para cada um desses “desvios” de

  32  
conduta moral. O machão termina redimido, casado ou apaixonado, o corneador vira
um marido traído, e por aí vai. Contudo, ao fazer um apanhado geral dos filmes,
incluindo algumas produções de Pedro Carlos Rovai, não é difícil encontrar “desvios”
da moral defendida pelos militares. Definitivamente não se trata de um gênero
preocupado em conseguir uma forte crítica política ou social. Entretanto, a boa
repercussão do gênero para um público popular deve-se em parte ao fato do que está
na tela ser a representação estereotipada da sociedade e, quase via de regra,
ridicularizada através da mise-en-scène.
José Carlos Avellar (1979-80), em Teoria da relatividade, chama a atenção
que é a sensação de boa ordem, unidade e esforço comum que a pornochanchada
combate. Em seu texto, compara os cinejornais, os quais serviam como divulgação
dos valores defendidos pelos militares, com os filmes exibidos em seguida, onde se
demonstra a negação desses valores. Para Avellar, a pornochanchada expunha:

(...) a má educação, o individualismo, o total descompromisso com


o trabalho e a mais pura e franca estupidez (a estupidez dos
personagens filmados e a estupidez da câmara que filma), a
grosseria enfim, e só a grosseria, é que pode levar alguém a vencer
na vida, e a vencer sem fazer força. (AVELLAR, Ibid., p. 70)

O primeiro episódio de Lua de Mel & Amendoim, de título homônimo, é um


bom exemplo dessa negação de valores que não se encerra em um desfecho
moralizante. Dirigido por Fernando de Barros e lançado em 1971, uma coprodução
entre a Sincro Filmes de Rovai e a Cinedistri de Aníbal Massaini Neto, o filme narra a
história de Alberto, interpretado por Newton Prado, um machão inveterado que, ao
chegar aos trinta anos, se vê obrigado a casar com Marcinha, personagem de Rossana
Ghessa, pois esta é a única forma de leva-la para a cama. Alberto vem de uma família
tradicional de São Paulo, porém decadente em termos financeiros. A oportunidade de
casar com Marcinha, cujos pais italianos vieram para o Brasil e montaram uma
fábrica de fogões, serve tanto para aplacar o desejo sexual de Alberto, quanto para
garantir que ele “monte na grana”.
Newton Prado inicia o filme com uma espécie de solilóquio, olhando para a
câmera de forma extremamente canastrona, justificada através de uma conversa
consigo mesmo diante do espelho, onde deixa claro que mesmo casando, mesmo
“amarrado como um cachorro”, não será fiel, pois “cachorro preso também come”.
Durante a lua de mel, o protagonista falha na hora H. Isso o leva a diversas tentativas

  33  
de resolução da situação, inclusive um flerte com uma atriz italiana, interpretada por
Zuzima, que o faz descobrir que o problema não é com ele, mas sim com o fato de
estar casado. Uma “alergia ao casamento”. Por fim, durante uma reunião entre as duas
famílias que buscam resolver a lua de mel não concretizada entre Alberto e Márcia, o
personagem de Newton Prado finalmente possui a esposa. Chega inclusive a
conversar sem roupas com seu sogro, Otelo Zeloni, que, ao ver o problema
solucionado, pede desculpas para o genro.
Alberto, no desenlace da história, não é punido por sua traição e, mesmo
representando a figura estereotipada do machão das pornochanchadas, se dá bem no
final. Conquista sua esposa e consegue o acesso à fortuna dos pais dela. Em uma
cena, onde são discutidos os prós e os contras do casamento, Silvia, a irmã de Alberto
vivida pela atriz Maria Alice, chama a atenção para os pilares que a família emergente
de Márcia representa, rotulando-os com a sigla TFP. À princípio, o que significaria
“tradição, família e propriedade”, se torna “tradição, fogão e pilantragem”. O que
importa é se dar bem, acima de tudo.
Para Pedro Carlos Rovai (2000, p. 87), no início da década de 1970, as
comédias eróticas ou pornochanchadas começaram a ser consideradas pelos militares
como uma espécie de plano subversivo com o intuito de minar a moral e os bons
costumes, destruindo os valores benéficos para a sociedade. Rovai chama a atenção
de que de um lado havia a elite intelectual, de esquerda, que analisava a
pornochanchada como sinônimo de alienação, e de outro, a direita, representada pela
ditadura, o que representava uma dupla censura.
Em fins da década de 1970, com o processo de abertura política do regime
militar e a diminuição da censura, há o início da entrada de filmes eróticos
estrangeiros em território nacional (ABREU, 1996, p. 79). No mesmo período, inicia-
se a segunda fase da pornochanchada, quando as produções pouco a pouco vão
incorporando as convenções narrativas características do gênero do hard core12. O
que se segue é uma progressiva diminuição da produção carioca e o aumento da
produção concentrada na Boca do Lixo. Segundo Ramos (Ibid., p. 439), a produção
paulista de sexo explícito vai se proliferar rapidamente, em paralelo com a entrada de
filmes pornôs, que chegavam no Brasil através de mandatos judiciais. Essa produção

                                                                                                               
12
Tal como o money shot, há também outras particularidades do gênero da pornografia hard core que
serão incorporadas pela pornochanchada a partir da década de 1980. Aprofundarei tais questões no
segundo capítulo ao tratar dos diálogos da pornochanchada com outros gêneros.

  34  
nacional realiza filmes ainda mais baratos do que a pornochanchada vista na primeira
fase, ocupando uma vasta fatia do mercado.
Inicialmente uma região rica da cidade de São Paulo, o termo “Boca do Lixo”
é um depreciativo cunhado pela polícia, pois com a mudança da elite paulista para a
zona sul, frequentadores “indesejados” foram pouco a pouco adentrando a região,
transformando-a numa zona de meretrício e tráfico de drogas. Desde o início do
século XX, a região foi passou a ser habitada por profissionais do cinema, como
produtores estrangeiros, distribuidores e exibidores, pela sua proximidade com a
malha ferroviária, facilitando a distribuição de cópias.
Enquanto Rovai e outros realizadores cariocas puderam usufruir da
Embrafilme durante a década de 1970, as políticas públicas para o setor
cinematográfico pouco chegaram à Boca do Lixo. O único artifício, comum a toda
produção brasileira, foi a questão da cota de tela. Evoluindo desde o final da década
de 1930, com o governo de Getúlio Vargas, essa legislação protecionista que consistia
na obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros teve a seguinte progressão:

‐ 1939: um longa metragem ao ano;


‐ 1946: três longas metragens por ano;
‐ 1951: um longa metragem para cada oito estrangeiros;
‐ 1959: 42 dias por ano;
‐ 1963: 56 dias por ano;
‐ 1969: 63 dias por ano;
‐ 1970: 77 dias por ano;
‐ 1971: 84 dias por ano;
‐ 1975: 112 dias por ano;
‐ 1978: 133 dias por ano. (Johnson apud Autran, 2010, p. 21)

Assim, a exibição compulsória obrigava a presença do filme brasileiro no


circuito exibidor nacional. Desde o início da produção paulista de pornochanchadas, o
seu modus operandi sempre teve sua produção apoiada no capital privado e, dessa
forma, dependendo das oscilações do mercado e apostando em fórmulas com o
sucesso já testado. Por ter grande preocupação com o retorno de público, não foi
possível pautar o cinema em geral da Boca através de uma perspectiva autoral e
mesmo os diretores/produtores/autores que ali trabalhavam, deviam se guiar pela
conquista de mercado. A exceção pode ser notada através dos realizadores do Cinema
Marginal, que possuíam uma outra proposta estética/política/narrativa e buscavam um
cinema autoral se tornando menos dependentes da resposta positiva do público.

  35  
Marcel de Almeida Freitas (2004, p. 74) demonstra que, enquanto a
Embrafilme financiava apenas a elite audiovisual, a pornochanchada da Boca atraiu
um investidor incomum: o pequeno comerciante, o dono de bar ou de posto de
gasolina que apreciava filmes B, mas ao mesmo tempo tinha condições de se associar
aos produtores, já que os custos dos filmes não eram tão altos se comparados ao
cinema carioca. Além disso, a cota de tela permitiu a associação dos produtores com
os exibidores, que formavam parcerias ou mesmo produziam os filmes.
O primeiro filme que inaugura a segunda fase da pornochanchada,
considerado o primeiro “pornô” nacional, é Coisas Eróticas, de Rafaelle Rossi, em
1981, que chega ao cinema através de mandado judicial, obtendo mais de 4,5 milhões
de espectadores. Segundo Ramos (Ibid., p. 438), dois filmes ainda antecederiam
Coisas Eróticas no que diz respeito a um crescente de diálogo com a pornografia: A
Noite das Taras (1980, produção de David Cardoso) e Fome de sexo (1981, Ody
Fraga). Embora o filme de Rafaelle Rossi tenha sido “o primeiro pornográfico
concebido conforme as regras do gênero, e também um campeão de bilheteria”
(RAMOS, Ibid., p. 439).
Mesmo fazendo uso mais direto da linguagem hard core, a pornochanchada da
segunda fase não se limitou a filmes de comédia, dialogando, por exemplo, com o
western, o policial e o horror. Essa hibridização de gêneros na produção da Boca do
Lixo já era vista desde a década de 1970 com, por exemplo, os filmes de ação de
David Cardoso. Este foi diretor, ator e produtor de vários filmes, buscando a criação
de um star system através de sua própria figura. Devido ao estigma sofrido pela
pornografia dentro do meio cinematográfico, diversos diretores, ao adentrarem na
seara do sexo explícito, passaram a utilizar pseudônimos. David Cardoso assinava
como Roberto Fedegoso, José Mojica Marins como J. Avellar, Antônio Meliande
como Tony Mel (ABREU, 1996, p. 85).
Desde início da década de 1980, a agonia da Boca do Lixo já pode ser sentida
com a crise na Embrafilme, que, perdendo sua força política, perde também sua
capacidade de fiscalização da lei de obrigatoriedade. Somado ao esgotamento da
fórmula do gênero, que não se renovou ao utilizar da linguagem hard core, mas sim
tentou competir cada vez mais com o sexo explícito importado, e à entrada do home
video em território nacional, as fitas beta e VHS, o cinema brasileiro como um todo
entrou em crise no final dos anos 1980, culminando com o fim da Embrafilme.

  36  
Abreu (Ibid., p. 80) destaca que, com o processo de abertura política em fins
da década de 1970, e o progressivo relaxamento da censura oficial, houve uma
intensificação da busca pela conquista de mercado, o que acabou mobilizando uma
produção mais “bem acabada” no tratamento dos temas eróticos. Utilizando-se de
investimentos acima da média, conseguidos através de coprodução com a
Embrafilme, esses filmes produzidos no Rio de Janeiro utilizaram de um star system
tanto de diretores quanto de atores e atrizes. Cito a título de exemplo: Contos
Eróticos, filme em episódios de Roberto Palmari, Roberto Santos, Eduardo Escorel e
Joaquim Pedro de Andrade, de 1977; Luz del Fuego, de David Neves, em 1981, Eu te
Amo, de Arnaldo Jabor, em 1981; e Rio Babilônia, de Neville de Almeida, de 1983.
Mesmo com a presença do erotismo em suas narrativas, não é comum que
esses filmes sejam vistos como pornochanchadas, o que possibilita observar uma
distinção clara neste momento entre um cinema oficial, respaldado pela Embrafilme e
composto por cineastas de prestígio cultural, e, por outro lado, o cinema da Boca do
Lixo, sem apoio direto estatal e carregando os estigmas do gênero. Não objetivo aqui
utilizar da prática discursiva para fazer um revisionismo da pornochanchada que
permita somar à classificação genérica filmes como Luz del Fuego ou Rio Babilônia.
Entretanto, uma das propostas é justamente observar como se consolidou o gênero,
inclusive pela exclusão de determinados títulos.

1.3. A construção do estigma da pornochanchada.

A pornochanchada por muito tempo foi um tema mal visto dentro da


historiografia de uma forma geral e também a do cinema brasileiro. Durante as
décadas de 1970 e 1980, entre seus críticos estavam tanto a ditadura militar,
representando uma censura oficial, quanto a esquerda intelectualizada, representando
uma espécie de censura ideológica. Talvez uma linha de raciocínio mais consciente,
que leve em conta os limites encontrados na produção artística em um Estado
ditatorial, seja considerar o gênero uma “revolução sexual à brasileira”13.
Para analisar o contexto em que se situou a pornochanchada,
independentemente das opiniões ou preconceitos, deve-se observar que o campo

                                                                                                               
13
Tomo a expressão a partir da leitura do artigo de Inimá Simões, Sexo à brasileira, de 2007, que será
melhor discutido mais adiante.

  37  
cultural nada mais é que um campo de disputas políticas/ideológicas entre os diversos
agentes que o compõem. Pierre Bourdieu (2009, p. 272), em A economia das trocas
simbólicas, demonstra que a história do gosto, individual ou coletivo, serve para
desmentir a ilusão segundo a qual objetos tão complexos como as obras de arte,
produzido conforme leis de construção que foram elaboradas no curso de uma história
relativamente autônoma, sejam capazes de suscitar preferências naturais apenas pela
força de suas propriedades formais. Ao designar e ao consagrar certos objetos como
dignos de serem admirados e degustados, algumas instâncias como a família e a
escola são investidas do poder delegado de impor um arbitrário cultural. Isto é, no
caso particular em discussão, o arbitrário das admirações, e por esta via, estão em
condições de impor uma aprendizagem ao fim da qual tais obras poderão surgir como
como naturalmente dignas de serem admiradas ou degustadas.
De acordo com Bourdieu (Ibid., p. 285), cada época organiza o conjunto das
representações artísticas segundo um sistema de classificação dominante que lhe é
peculiar, aproximando obras que outras épocas separavam e separando obras que
outros períodos aproximavam, de modo que os indivíduos têm dificuldades em
discernir outras diferenças além daquelas que o sistema de classificação disponível
lhes permite pensar.
Um conceito importante aplicado por Bourdieu (2008), em A distinção: crítica
social do julgamento, é o habitus, um sistema de disposições que funciona como uma
matriz de percepções, apreciações, julgamentos e ações, que, reproduzido entre
gerações, produz esquemas por meio dos quais os objetos são diferenciados e
classificados. Moldado desde a infância, o habitus opera abaixo do nível de
consciência do indivíduo, levando-o a acreditar que suas escolhas não sofrem
qualquer tipo de influência cultural. De acordo com Loïc Wacquant (2005, p. 117),
em Mapear o campo artístico, o principal objetivo de Bourdieu, ao desenvolver o
conceito de campo artístico (champ artistique) é revogar as eternas oposições que
fragmentam a compreensão das práticas e da produção artística, buscando fundar uma
“ciência histórica das obras culturais”, capaz de reconciliar a necessidade social que
estas incorporam com o potencial que possuem para expressar verdades e valores
trans-históricos. O campo artístico seria a arena por onde indivíduos e instituições
competem pelo monopólio sobre a autoridade artística à medida que esta se
autonomiza dos poderes econômicos, políticos e burocráticos. Wacquant chama a
atenção de que o campo artístico é, em primeiro lugar, um “campo de forças”, uma

  38  
rede de determinações objetivas que pesam sobre todos os que agem no seu interior.
Em segundo, é um “campo de batalha”, terreno de luta em que os participantes
procuram preservar ou ultrapassar critérios de avaliação ou alterar o peso relativo dos
diferentes tipos de capital artístico. O conflito se daria entre os que atuariam em
estratégias de conservação do status desse capital, e os que ocupam posições à
margem, buscando assim a subversão dessas posições.
Um dos pontos mais interessantes levantados por Bourdieu e servindo como
premissa para a aplicação no campo de estudos cinematográficos, é o fato de não
podermos separar a ordem estética das instituições que a mantém, nem das lutas pelo
poder que as atravessam (WACQUANT, Ibid., p. 119). Dessa forma, toda a rotulação
feita em relação à pornochanchada, desde sua distinção em relação à produção da
época, até mesmo na atual revalorização do gênero, deve ser feita levando em conta o
posicionamento dos diversos agentes envolvidos e o local que eles se encontram nos
campos de forças e batalha.
Não descartando a importância da comédia contida na própria etimologia da
pornochanchada, o prefixo pornô terá prioridade de análise, pois foi um dos grandes
pilares para o estigma sofrido pelo gênero. Além disso, boa parte das cinematografias
passaram a dedicar sua atenção às temáticas sexuais a partir da década de 1960,
embora com diferentes repercussões e contextos. É interessante expor a dimensão que
a pornografia foi tomando a partir de meados do século XX, a partir de uma
declaração feita em 1954 e atribuída ao juiz da Suprema Corte estadunidense, Potter
Stewart: “Eu não sei o que ela é, mas reconheço quando vejo uma” (WILLIAMS,
1999, p. 4). Tal afirmação leva a um primeiro raciocínio importante: o alto grau de
preconceito sobre o gênero da pornografia visto já na década de 1950, mas que
perdura até hoje e que estabelece uma censura, inclusive moral, na sua simples
visualização. Além disso, o reconhecimento admitido pelo juiz pode também ser
relacionado à reação corpórea de excitação sentida ao se ver alguma imagem/vídeo
pornográfico e que faz parte dos body genres, que serão melhor descritos no segundo
capítulo.
Para dar conta do contexto em que se encontrava o campo artístico brasileiro
de fins da década de 1960, onde a ditadura militar se intensificava em termos de
repressão e diversos segmentos culturais cada vez mais se posicionavam contestando
o regime, cabe uma pequena digressão sobre a definição de contracultura. De acordo
com Ken Goffman e Dan Joy (2001), em Contracultura através dos tempos, e bem

  39  
semelhante à afirmação acima dita pelo juiz, poucos têm uma definição adequada e
prática da contracultura, porém têm a certeza de que a reconhecem quando a veem. O
termo contracultura foi popularizado no livro de Theodore Roszak, A Contracultura,
de 1969. Durante os anos 1960, o autor podia enxergar visualmente quais pessoas se
encaixavam em sua concepção: homens de cabelos e barba compridos, mulheres de
cabelos longos e vestido de camponesa, ou em alguns casos com roupas muito
semelhantes a dos homens anteriormente descritos. Eram pessoas que representavam
uma síntese do movimento hippie, dedicados a experiências com drogas que
expandiam a consciência e ligados ao movimento da nova esquerda/pacifista, tendo
como pano de fundo o conflito entre os Estados Unidos e o Vietnã no período.
Com o passar dos anos, fica mais difícil estabelecer uma definição tão
imagética do que é contracultura, embora o termo ainda possa ser usado. Goffman e
Joy, pensando no que chamam de “subculturas contraculturalmente afetadas”,
rejeitam a definição que a indica como simplesmente um estilo de vida diferente da
cultura dominante. Para os autores (GOFFMAN e JOY, Ibid., p. 48-49), a essência da
contracultura como um fenômeno histórico é caracterizado pela afirmação do poder
individual de criar sua própria vida, mais do que aceitar a moral e as convenções da
sociedade, sejam elas dominantes ou subculturais. Existiriam, então, três
características fundamentais da contracultura: as contraculturas afirmam a
precedência da individualidade acima de convenções sociais e restrições
governamentais; as contraculturas desafiam o autoritarismo de forma óbvia, mas
também de forma sutil; as contraculturas defendem mudanças individuais e sociais.
Segundo Christopher Dunn (2008, p. 146), em Nós somos os propositores, a
contracultura no Brasil não foi um movimento uníssono e coerente, mas um conjunto
de atitudes, ideias e práticas que surgiram com a esquerda, posicionando-se contra a
ditadura militar, mas que também apresentaram uma crítica às formas mais
convencionais de ativismo político, como os disseminados pelo Partido Comunista
Brasileiro. De acordo com o autor, com a imposição do AI-5 e seus reflexos na
sociedade brasileira: fechamento do Congresso, suspensão do habeas corpus, censura
institucionalizada aos meios de comunicação; só havia três opções possíveis para os
jovens que se opunham ao regime: aderir à luta armada, o exílio, ou “desbundar” e
viver às margens da sociedade.
Tradicionalmente associada a artistas como Caetano, Tom Zé, Gilberto Gil,
Waly Salomão, Lígia Clark e o Cinema Novo de Glauber Rocha, a contracultura

  40  
brasileira tem seu gesto inicial através da instalação de Hélio Oiticica, “Tropicália”,
em 1967, para a exposição Nova Objetividade Brasileira. O nome, que se estendeu
para a música homônima de Caetano Veloso, significou um movimento que reuniu
vários artistas que privilegiavam as experiências sensoriais e participativas (DUNN,
Ibid., p. 152). Como mostra Dunn (2009, p. 147), em Brutalidade jardim: a
Tropicália e o surgimento da contracultura brasileira, a Tropicália ao utilizar
elementos kitsch e contestar os padrões de “bom gosto” e seriedade da MPB da
década de 1960, praticava um gesto de “populismo estético”, pois reconhecia que o
público em geral consumia e via significado em produtos culturais criticados e
menosprezados como datados ou alienados. Além disso, os tropicalistas incorporaram
o kitsch como uma maneira de satirizar os valores sociais e políticos retrógrados
retomados pelo regime militar.
Não é meu objetivo estabelecer uma comparação direta da pornochanchada
com a contracultura brasileira, comumente reconhecida através dos nomes citados
acima, tentando agregar um maior grau de politização ao gênero ou objetivando
diminuir o seu caráter em geral moralista. Contudo, as defesas feitas da
pornochanchada por Paulo Emílio Salles Gomes e Jean-Claude Bernardet durante a
década de 1970, que serão melhor discutidas no terceiro capítulo, possibilitam mostrar
que o gênero não se desliga de um contexto de politização da cultura brasileira. O
próprio Pedro Carlos Rovai, em uma entrevista para a revista Sinopse que também
será melhor esmiuçada adiante, ao tratar da sua carreira em retrospecto busca notar
que mesmo buscando bilheteria, não poderia fugir da “formação” de sua juventude,
composta por um idealismo que seria notado através da “visão crítica” de seus filmes.
Dessa forma, do mesmo modo que a Tropicália, enquanto movimento musical,
em suas letras e performances não apresentava soluções, mas sim trabalhava
politicamente através da exposição das contradições da sociedade brasileira, a
pornochanchada através da sátira, da paródia, representava uma classe média
conservadora e hipócrita. É interessante notar que Antônio Risério (2005, p. 26)
chama a atenção de que “a contracultura se expandiu no Brasil não por causa da
ditadura, mas apesar da ditadura”. Já a pornochanchada também não pode ser
reduzida como fruto da repressão. Muitas vezes foi dito que o fato de não se poder
falar de política, nos mais variados meios de comunicação e nas artes, inclua-se o
cinema, levou a colocar-se o sexo como temática principal. Entretanto, esquece-se
todo o contexto de revolução de costumes que se desenvolveu durante toda a década

  41  
de 1960, explodindo em vários países durante o ano de 1968. A temática sexual
estava presente nas narrativas cinematográficas de uma forma geral.
Inimá Simões (2007, p. 186), em Sexo à brasileira, mostra que a
pornochanchada reflete toda uma onda de permissividade e liberação dos costumes,
com temas que de início se prendiam à paquera, às conquistas amorosas, à virgindade,
ao adultério, à viúva disponível e fogosa. O gênero resgata as velhas anedotas
picantes vistas desde a chanchada como inspiração para seus roteiros, que mesmo
previsíveis, geram uma grande atração para o público. A reação da plateia é percebida
diferentemente, dependendo da classe social que assistia ao filme. De acordo com
Simões, Paulo Emílio Salles Gomes, professor da USP, aconselhava seus alunos a
verem um mesmo filme em regiões diferentes da cidade. No centro, nas salas de
frequência popular, as expressões de duplo sentido, são percebidas de imediato e
ovacionadas. Nas salas elegantes da Avenida Paulista, ou nos bairros de classe média
alta, as mesmas situações são recebidas com grande constrangimento.
Dessa forma, quando argumento a pornochanchada como uma “revolução
sexual à brasileira”, estou defendendo que esta foi a revolução de costumes que se
podia mostrar na tela. A única que, mesmo com cortes e perseguições, chegava para a
maioria da população através do Cinema. A pornochanchada Os Paqueras, de
Reginaldo Farias, serve como ótimo exemplo. É basicamente a narrativa das
aventuras de dois conquistadores. Em determinado momento do filme, um deles é
apanhado no flagra na cama pelo marido ciumento que está acompanhado da polícia.
Ao saírem todos para a delegacia, na porta do edifício, o marido é eloquentemente
vaiado, já o conquistador, envolto em lençóis, é recebido com aplausos pela multidão
que o carrega até o camburão.
Já uma revista promocional para a divulgação de Adultério à brasileira14,
continha as informações técnicas, mas também valorizava a temática do filme Pedro
Carlos Rovai. O material exibe várias frases de publicidade ligadas à temática das
relações amorosas: “Só os homens têm o direito de trair? As mulheres gostam de ser
traídas? Quando a mulher sonha com outro homem estará cometendo adultério? No
homem, será o adultério uma necessidade de afirmação? Na mulher, será o adultério
uma procura de amor ou um ato de vingança? Vejam o adultério ao alcance de todos!”
O filme, dividido em três episódios, trata o adultério em diferentes camadas sociais:
                                                                                                               
14
Disponível em: <http://www.memoriacinebr.com.br/arquivo/0750398I01001.html>. Acesso em
12/02/2012.

  42  
na alta burguesia, na classe média e no operariado. A própria revista admite que o
filme não se pretende como uma espécie de “compêndio sociológico”, levando a uma
discussão maior sobre a traição em si, mas, por outro lado, garante “que sua projeção
na tela vai divertir um bocado”.
Embora moralizante, se comparada à produção de outros países, a
pornochanchada aboliu alguma possível complicação relacionada ao sexo ou o toque
pesado que se abate sobre a produção de alguns países na época. O conquistador,
através do amor, obtinha a salvação. Como mostra Simões (2007, p. 190), na
Argentina as atrizes geralmente representavam deusas impuras, com unhas
transformadas em garras vermelhas. Personagens que geravam tragédias familiares,
fazendo a ligação da mulher sensual com o fogo do inferno. Na produção brasileira, e
isso nota-se além do gênero da pornochanchada, o pecado é o fracasso social, a
solidão do feio, a incompetência em ganhar dinheiro, ou seja, temáticas mais ligadas à
modernização por que passava a nossa sociedade. Ainda de acordo com o autor, um
crítico de São Paulo, em tons de provocação obviamente, disse que na época da
pornochanchada, no caso de um triângulo sexual brasileiro, os dois homens que
disputam a mulher terminam por estabelecer um acordo para poderem partilhar a
moça. Na mesma situação no cinema argentino, os dois homens acabariam na sarjeta
e sem a mulher. Já no cinema hollywoodiano, os homens optariam pela amizade
masculina e, conjuntamente, se afastariam da mulher.
A provocação acima feita por Simões, apesar do tom de galhofa ao comparar a
produção do Brasil com a argentina e a estadunidense, revela que o ponto de vista
masculino se sobressaía na maioria dos filmes. A disputa sobre o sexo feminino é
feita a partir da iniciativa do homem. É válido destacar que mesmo em torno de toda
uma revolução de costumes que se viu durante a década de 1960, no que toca à
questão sexual, o falar sobre o sexo nos cinemas não necessariamente significa uma
liberalização dos costumes ou uma quebra de paradigmas que buscassem questionar
os lugares masculinos e femininos na sociedade.
A institucionalização do discurso sexual é apresentada por Michel Foucault,
(1988, p. 61), em História da sexualidade 1: a vontade de saber, onde dentro da
sociedade ocidental, a ampliação do discurso sobre o sexo, enfim, de um estudo mais
sério e fundamental sobre o mesmo, aumentou mais ainda a questão da proibição
sobre o tema. Para Foucault (Ibid., p. 158) o sexo faz parte, por um lado, das
disciplinas do corpo (adestramento, intensificação e distribuição das forças), por

  43  
outro, faz parte da regulação das populações por todos os efeitos globais que induz. A
disciplina criada em torno da temática sexual aumenta a possibilidade de um estudo
sobre a sexualidade, mas faz com que a análise de relações sexuais consideradas fora
dos padrões seja vista como o estudo de alguma doença. Essa regulamentação
afirmada por Foucault permitiu que as instituições que detêm o poder pudessem,
então, disciplinarizar e moralizar o sexo, controlando-o. (MANTEGA, 1979, p. 24) Já
Susan Sontag (2004, p. 4), em A imaginação pornográfica, publicado em 1967,
aponta que a avaliação e o exame racional especificamente da pornografia na arte são
efetuados através de discursos de psicólogos, historiadores, juristas, etc., assim,
qualquer desvio pode ser visto como uma doença passível de ser diagnosticada e
julgada moralmente.
Por mais que tenha gradativamente ocorrido uma revolução sexual, a partir da
década de 1960 e com ênfase no ano de 1968, e uma consequente liberalização dos
costumes, a temática da sexualidade continua sendo vista como tabu e também não
necessariamente deixa de ser exposta de maneira moralizante. A pornochanchada, por
exemplo, desagradou tanto por tratar o sexo de maneira conservadora, quanto pelo
simples fato de narrar/exibir esse sexo dentro de um contexto político-social que
pregava a defesa da moral e dos bons costumes e que, dessa maneira, pouco distinguia
erotismo de pornografia. Nuno César Abreu (1996) e Carlos Gerbase (2006) apontam
as dificuldades de se traçar limites precisos entre o erótico e o pornográfico
historicamente e em tempos mais atuais. Para Gerbase (Ibid., p. 44), a indústria
cinematográfica é a grande especialista na chamada “coagulação do sexo”, ou seja,
transformar uma atividade inerente aos seres humanos em mercadoria. E essa
distinção depende muito da prática discursiva a que determinada obra é submetida15.
André Bazin (1983, p. 136) ressalta que o erotismo não seria algo que
aparecera no cinema de maneira meramente acidental, pois os produtores, em busca
de atrair público, teriam naturalmente recorrido à exploração do sexo nas telas. De
acordo com Laura Mulvey (1983, p.440), em Prazer visual e cinema narrativo, o
cinema tradicional, bastante desenvolvido em Hollywood, através de seus códigos,
permitiu ao sujeito alienado sexualmente alcançar uma ponta de satisfação através da
beleza formal desse cinema e do jogo com as suas próprias obsessões formativas. Um
                                                                                                               
15
Ao tomar como exemplo a exibição de Destricted.br, uma produção de Lula Buarque de Holanda e
lançado no Festival do Rio de 2010, que reúne artistas plásticos e diretores/autores para dialogar com a
pornografia, considerado filme de arte, mas exibindo o money shot e outros códigos pertinentes ao
gênero, esses limites se tornam ainda mais complicados de serem observados.

  44  
dos prazeres que o cinema poderia fornecer ao espectador é a escopofilia, ou seja, ato
de tomar as outras pessoas como objetos, sujeitando-as a um olhar fixo, curioso e
controlador. A relação social onde o homem é o sujeito ativo e a mulher é passiva se
reflete no cinema. A presença da mulher, segundo Mulvey (Ibid., p. 444), é um
elemento indispensável para o espetáculo em um filme narrativo comum, porém, sua
presença tende a congelar a narrativa em momentos de pura contemplação visual e
erótica. No caso da pornochanchada, Inimá Simões (2007, p. 185) ressalta que a
suspensão da trama em decorrência da exploração do corpo é vista, pelo espectador,
como algo já esperado e pertinente ao gênero.
Principalmente com o hiato que se instaurou no cinema brasileiro no final da
década de 1980 a partir do fim da Embrafilme, é comum a associação da
pornochanchada como um dos motivos para tal crise de produção, o que aumentou
mais ainda o estigma sofrido desde os anos 1970, além de resultar em algumas
distorções historiográficas. O que apresentava uma produção diversificada virou
sinônimo de um cinema de sexo explícito. É válido relembrar que a produção da Boca
do Lixo, que durante a década de 1980 vai sim realizar filmes cada vez mais hard
core, não se limitou aos filmes de comédia com cenas explícitas, dialogando também
com vários outros gêneros. Marcel de Almeida Freitas (2004), em Pornochanchada:
capítulo estilizado e estigmatizado da história do cinema nacional, chama a atenção
para o fato de tudo o que fugisse da aura intelectual/cultural exigida para o patrocínio
da Embrafilme ser identificado como pornochanchada, independente de ser comédia
erótica e levando em conta mais o seu local de produção, no caso a rua do Triunfo
(FREITAS, 2004, p. 73).
Também é comum, dentro do estigma sofrido pelo gênero, rotular a
pornochanchada como fruto da ditadura militar. Durante anos, o senso comum entre
críticos e mesmo pesquisadores mostrava que se no período pós AI-5, com o
endurecimento do regime, não se podia falar de temas políticos, a temática sexual foi
vista como único escape temático para o cinema brasileiro, funcionando como uma
espécie de pão e circo. Bourdieu (2009, p. 293) lembra que a inércia característica das
competências artísticas (ou melhor, do habitus cultivado) faz com que, nos períodos
de ruptura, as obras produzidas segundo um novo modo de produção estejam fadadas
a serem percebidas, durante muito tempo, através dos instrumentos antigos de
percepção, justamente, aqueles contra os quais elas se constituíram.

  45  
Um bom exemplo é o artigo de Francisco Alexandrino de Oliveira Neto
(2007), intitulado Pornochanchada e censura: legítimas filhas da ditadura, pois o
autor traça exatamente a linha de raciocínio por onde se atribui a pornochanchada
como um cinema resultante da censura aos temas políticos e como um reflexo da
ditadura militar. Já no resumo, há a afirmação que o governo militar brasileiro,
durante as décadas de 1970 e 1980, encontrava-se em um estágio de negociações com
os segmentos político-ideológicos. Dessa forma, as comédias eróticas “eram
permitidas pelo regime militar, objetivando desviar a atenção pública para o cinema,
tornando-a assim menos crítica ao regime”. A meu ver é complicado pensar nas
“negociações” acima afirmadas, sem a citação da(s) fonte(s) utilizada(s). É notório
que os militares, para se manterem no poder por vinte e quatro anos, concederam e
pressionaram diversos setores da sociedade. Porém, não se pode acusar a
pornochanchada de peleguismo, no sentido político, sem a apresentação de provas ou
justificativas mais sólidas ou mesmo relativizar a repressão, tal como é feito em
vários momentos do texto de Oliveira Neto.

Por várias vezes encontraremos artistas, diretores e produtores


citando, já em tempos fora do regime militar, que na verdade existia
uma negociação contínua entre a censura e a pornochanchada, na
qual estas mantinham um vínculo de ajuda mútua, mesmo que para
a grande maioria das pessoas na época isso não fosse perceptível.
(OLIVEIRA NETO, 2007, p. 9)

De acordo com o autor (2007, p. 8-10), a pornochanchada atendia os interesses


do governo ao mudar o foco do povo, da mesma forma que o futebol, em detrimento
das medidas ditatoriais tomadas. Seria uma espécie de placebo contra as medidas
autoritárias. A mise-en-scène da comédia erótica, ao “não ultrapassar os limites”,
impedia que os censores agissem, resultando também em um fenômeno de catarse que
evitava a animosidade do povo. Então, mesmo deixando passar a pornochanchada
pelo crivo da Censura, Oliveira Neto também expõe que, por outro lado, era uma das
metas do governo militar se afirmar enquanto defensor da moral e dos bons costumes,
fato que proporcionaria ao povo brasileiro “uma verdadeira educação militar e
direcionada a ordem e o progresso da nação”. A contradição está no fato do próprio
Oliveira Neto ressaltar que o zelo pela moral e os bons costumes era uma das metas
dos militares. A pornochanchada, minimamente por sua temática sexual, já era um

  46  
contrassenso ao ideário do regime militar, e é no mínimo estranho que tenha tido
alguma função estratégica, mesmo para camuflar a censura à temática política.
O artigo, mencionado a título de exemplo, em suas diversas inconsistências,
serve como parâmetro para observar e questionar a abordagem pela qual a
pornochanchada foi tratada em sua contextualização dentro do regime militar. Como
mostra Carlos Fico (1997, p. 121), em Reinventando o Otimismo, nas principais
campanhas da Aerp/ARP 16 , agências de propaganda política da ditadura militar
brasileira, há a recorrência das noções de construção e transformação nas temáticas
das campanhas. Ambas as ideias estavam associadas à ideia de ruína, estabelecendo
um contraponto com o momento anterior ao golpe de 1964, onde a situação de
completa decadência moral e material tomou conta do país. A “reconstrução”
proposta pelos militares passava pela criação do ideal do bom cidadão, membro de
uma família bem estruturada e cristã. Analisando os filmes veiculados na televisão
brasileira, Fico comenta que se tratou de uma campanha supostamente
“despolitizada”, que evitava a explicitação do seu teor político para evitar a rejeição
de uma abordagem mais direta. Contudo, ao camuflar as suas intenções, essas
propagandas não deixavam de impor os padrões necessários para a construção de um
caráter nacional e de um ideal de família como almejados pela ditadura militar. Fica
claro que este ideário foi possível em muito a partir do clima de exaltação conseguido
tanto pela conquista do tricampeonato da seleção brasileira de futebol quanto pelo
milagre econômico (FICO, 1997, p. 137).
José Carlos Avellar (1979-80), em A Teoria da Relatividade, ressalta que a
criação da Aerp estava ligada ao clima de contestação aos militares vivido em 1967-
68. A estratégia de propaganda adota e posta em prática de modo mais sistemático
após o AI-5, é fortalecer temas como higiene, saúde, técnicas de trabalho, patriotismo
e esperança. Segundo Avellar (1979-80, p. 75), a pornochanchada nasce justamente
neste contexto. A partir do momento em que há uma campanha pública que começa a
afirmar que o “Brasil é feito por nós”, em tom de deboche, as pornochanchadas
questionam “nós quem?”.
Aqui cabe uma observação da Censura no cinema brasileiro, pensando-a
dentro do governo militar. Essa análise vai permitir a refutação da pornochanchada
enquanto colaboradora do regime militar, além de um avanço na observação dos
                                                                                                               
16
Respectivamente, Assessoria Especial de Relações Públicas, criada em 1968, e Assessoria de
Relações Públicas, criada 1976.

  47  
limites narrativos e estéticos que eram impostos sobre as temáticas sexuais nesse
período. Para tal, utilizo como base o livro de Inimá Simões, Roteiro da Intolerância,
de 1999. Mesmo tratando da censura cinematográfica como um todo, dando conta do
início da produção brasileira desde o primeiro cinema, o ponto de partida que
interessa para a presente análise é a Censura submetida ao filme Os Cafajestes de Ruy
Guerra.
Inserido no contexto do Cinema Novo e influenciado pela Nouvelle Vague,
não se trata de fazer uma ligação direta de Os Cafajestes com a pornochanchada,
fazendo com que o filme de Ruy Guerra seja considerado o novo precursor do gênero.
Sua importância para o presente estudo, deve-se ao fato dele ter sido lançado em 1962
e apresentar o primeiro nu frontal do cinema brasileiro, a já citada cena em que
Norma Bengel está despida em uma praia. Há aqui o diálogo mais explícito da
produção nacional com o erotismo até então, o que gera repercussão também para os
demais setores da sociedade. Segundo Leonor Souza Pinto (2007, p. 3), em O cinema
brasileiro face à censura imposta pelo regime militar no Brasil, até o golpe militar a
censura apenas classifica os filmes pela faixa etária e os cortes não existiriam. No
caso de Os Cafajestes, após pressão de setores da Igreja Católica, o filme é liberado
somente para maiores de 18 anos, sem cortes. De acordo com Simões (1999, p. 62-
63), o Chefe de Polícia do Rio de Janeiro mandou recolher as cópias com a seguinte
justificativa: “O filme mostra o lado delicioso de práticas imorais e viciosas, sem
evidenciar os aspectos condenáveis”.
Uma das linhas de raciocínio daqueles que defenderam a Censura ao Os
Cafajestes, reside no fato dos personagens praticarem sexo (mesmo que narrada
através de uma elipse), ingerirem drogas e beberem, mas não serem punidos no final
de sua trajetória, o que representava uma apologia aos temas acima (Simões, 1999, p.
67). O que se percebe analisando a perseguição ao filme de Ruy Guerra é que, em
1962, o sexo é visto como tabu e, assim, sendo necessária uma punição para o ato.
Mesmo que no decorrer da década de 1960 e a partir dos anos 1970 se desenvolva
uma revolução de costumes, incluindo a revolução sexual, isso não quer dizer que o
tema deixava de ser tratado como anomalia e de forma preconceituosa. Como já
mencionado, a partir de dois filmes, Os Paqueras, de Reginaldo Farias, e Adultério à
brasileira, de Pedro Carlos Rovai, dá-se o início histórico do gênero. Para Simões

  48  
(1999, p. 165), o ‘ciclo erótico’17 não surge de forma espontânea. Acompanha uma
onda cinematográfica internacional e se beneficia do fechamento do regime político
que desestimula o tratamento de temas “sérios” [aspas do autor]. Entretanto, como
visto através da fundamentação teórica de Bourdieu e Wacquant, a definição do que
seria um filme sério ou um filme pertinente para o contexto político da época é muito
tênue e condicionada historicamente.
É interessante a colocação de Leonor Souza Pinto (2007, p. 3) onde a Censura
praticada no Brasil, durante o período da ditadura militar, não pode ser vista apenas
como mecanismo de repressão, pois servia também para a estruturação e legitimação
do regime, tal como para a difusão de sua ideologia. Fato que ajuda a negar qualquer
possibilidade de ligação institucional da pornochanchada, frente à defesa da moral e
dos bons costumes, com os militares. Dividindo a Censura em quatro fases, interessa
particularmente aquela que vai de 1969 a 1974 onde:

(...) a censura assume abertamente seu caráter político-ideológico de


pilar de sustentação do regime. Este período, iniciado com a edição
do Ato Institucional nº. 5 (AI-5), é caracterizado pelo enfrentamento
e pela repressão direta. No cinema, a resistência inaugura a fase da
metáfora e da alegoria. (PINTO, Ibid., p. 5)

De acordo com a autora (Ibid., p. 12), nesse período há menos espaço para
uma resistência aberta, no caso, política, fazendo com que produtores e diretores
procurem novas formas de se expressar. Assim, Pinto ressalta o uso de metáforas e
alegorias presentes em filmes como Azyllo muito louco (1971) e Como era gostoso o
meu francês (1972), de Nelson Pereira dos Santos, além das adaptações de clássicos
da literatura, como Dona Flor e seus dois maridos (1976), de Bruno Barreto.
Contudo, o que parece explicitado pela autora é que o uso de metáforas em forma de
títulos ou mesmo inserido nas narrativas permitiria um facilitador para que o filme
passasse pelos censores o que, entretanto, não se percebe na prática. De acordo com
Simões (1999, p. 168), Como era gostoso o meu francês, por exemplo, mesmo
baseado no caso histórico de Hans Staden no Brasil, em agosto de 1971 foi interditado
em todo o território nacional por conta da nudez dos seus personagens.

                                                                                                               
17
Aqui Simões não faz distinção entre ciclo ou gênero, levando à opção de manter a forma original
escrita pelo autor, mas utilizando-me de aspas simples.

  49  
Se a temática erótica cresce em detrimento da proibição de assuntos políticos
nos filmes, setores da sociedade, incluindo entidades religiosas, cada vez mais se
organizam para pressionar os órgãos de Censura, buscando a defesa moral.

Em junho de 1973, vários deputados se alternam no plenário da


Câmara em Brasília para reiterar a preocupação com o efeito
avassalador da pornografia, conclamando invariavelmente a
interferência dos órgãos competentes para por um fim a tal estado
de coisas. Nos pronunciamentos há em comum o relato de vivências
constrangidas dentro de cinemas, em que os deputados,
acompanhados de suas esposas, passam por momentos de enorme
desconforto. (SIMÕES, Ibid., p. 171-172)

Para Simões (Ibid., p. 184), em uma primeira fase da Censura à


pornochanchada, até 1974-75, os filmes eram mutilados de maneira indiscriminada,
onde, tirando os excessos mais óbvios (excesso de nudez ou presença de órgãos
genitais, por exemplo), as fórmulas “consagradas do gênero” eram permitidas: a bicha
sôfrega, a viúva carente de sexo, o garanhão, o baixinho que se dá mal, a boazuda, o
corno. Os Mansos, por exemplo, filme produzido e com um dos episódios dirigido por
Pedro Carlos Rovai, ao ser submetido ao seu primeiro exame, em fevereiro de 1973,
sofreu quase cinquenta cortes de imagem e som (Ibid., p. 167). Com o tempo,
estabelecem-se práticas entre produtores e censores que padronizam o que pode ou
não a pornochanchada. Alguns produtores – não apenas aqueles ligados ao gênero,
deve-se ressaltar – passaram a ter representantes em Brasília que realizavam sessões
informais dirigidas aos censores, em que se discutiam cortes preventivos ou alterações
na montagem.
Para José Carlos Avellar (1979-80, p. 65-66), o que ele chama de “grosseria”
da pornochanchada - em termos narrativos, de linguagem e também de temática - é
uma linguagem inventada pela Censura18. Avellar trata da inclusão de bolas pretas
escondendo a nudez em Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, quando este filme
finalmente teve sua exibição liberada no Brasil, uma solução simplória, que resultou
em mais risadas da plateia do que contribuiu para esconder o erotismo. Essa solução
foi comparada com a feita pela pornochanchada que precisou “encontrar um meio de
cobrir o sexo das pessoas com a grosseria e a mais evidente de todas as manchas
possíveis”.
                                                                                                               
18
Para um aprofundamento dessa questão levantada por José Carlos Avellar da linguagem da
pornochanchada como algo inventado pela Censura, ver o terceiro capítulo da presente dissertação.

  50  
Mesmo observando o momento em que há o encaminhamento para uma
abertura política e a distensão da Censura, em fins das décadas de 1970, quando parte
dos agentes que atuavam no campo artístico da pornochanchada passam a dialogar
mais abertamente com o sexo explícito, percebe-se que para esse diálogo, foi feito um
novo embate entre Estado e produtores. De acordo com Simões (1999, p. 231-232),
lançado em 1976, Império dos Sentidos, de Nagisa Oshima, só foi apresentado à
Censura em 1980 e os censores foram unânimes ao proibir sua exibição. O temor era
que, com a liberação do filme, houvesse um precedente aberto para a entrada da
produção de sexo explícito em território nacional (o que realmente aconteceu, a partir
de 1981, com liminares judiciais).
Ao procurar traçar um panorama do estigma sofrido pela pornochanchada, seja
da sua suposta ligação com a ditadura/censura, seja pelo seu uso da temática sexual,
moralizante ou não, busca-se um arcabouço teórico para contextualizar os agentes do
campo artístico do cinema brasileiro da década de 1970. Nesse contexto, a questão da
autoria é um bastante complexa e em si outra esfera importante em relação ao debate
da distinção, especialmente no campo do cinema brasileiro, ou mesmo de um cinema
brasileiro de gênero, em que o signo da autoria historicamente determinou as
hierarquias e os lugares de fala de cineastas e filmes. No capítulo que se segue,
refletirei sobre essas questões e suas correlações com o universo da pornochanchada.

  51  
Capítulo 2: Autoria e gênero nas pornochanchadas

2.1. Autoria enquanto distinção

Com o objetivo de possibilitar uma posterior análise de Pedro Carlos Rovai


enquanto autor na pornochanchada, focando principalmente na sua prática discursiva,
cabe situar o campo de estudos de gênero em meio a uma das mais fortes vias de
abordagem cinematográfica encontradas a partir da segunda metade do século XX: a
autoria. Retomando Pierre Bourdieu (2009), em A economia das trocas simbólicas, é
válido relembrar que o campo da cultura se dá através das disputas político-
ideológicas entre os diversos agentes que o compõe e que, dependendo do seu papel,
tem maior ou menor peso na afirmação do que vale ou não ser admirado e elevado à
categoria de arte. Assim, refletindo sobre essa tradição que contrapõe o cinema de
autor ao cinema de gênero, busco dar conta do papel da autoria na crítica
cinematográfica brasileira, a qual terá papel fundamental na análise a ser feita sobre a
pornochanchada de Rovai. Além disso, ao pensar a autoria, também objetivo refletir
sobre as possibilidades autorais dentro do gênero, especificamente na formação do
autor através da prática discursiva, conforme as abordagens genéricas culturalista e
pragmática já debatidas.
É válido ressaltar que a diferenciação entre o cinema de autor e o cinema de
gênero também acompanha uma discussão sobre a valoração da obra de arte. De
acordo com Pam Cook (1985, p. 115-116), em The Cinema Book, dentro de um
contexto de produção de mercadorias, a prática de se atribuir a determinados produtos
o vínculo a um artista individual objetiva diferenciar o que seria arte e o que seria a
produção em massa, possibilitando que cada um seja consumido por um público
específico. A distinção estaria mais relacionada com as leis de mercado do que com
valores estéticos. Com graus variados de legitimação entre os diversos agentes (por
exemplo, realizadores e público), pode-se observar que a crítica especializada,
programas de televisão, retrospectivas (no caso brasileiro também devem ser
ressaltadas as mostras exibidas em centros culturais e cinematecas) informam ao
público os códigos de autoria e arte. Dessa maneira, Cook demonstra que a distinção
do cinema de arte pode ser feita justamente através de sua comparação, ou mesmo
diferenciação, com outros modos de produção cinematográfica. Como mostra
François Jost (2009, p. 13), em O autor nas suas obras, dentro de uma concepção de

  52  
arte moderna, o valor artístico estaria na sua ruptura com o banal. Contudo, ao ter
suas origens datadas já na era da reprodutibilidade, o cinema nasce da banalidade,
sendo a primeira luta de críticos e teóricos justamente dar ao filme o valor de artefato,
de obra.
Dentro do contexto da autoria cinematográfica, deve-se destacar o papel da
crítica francesa, em especial a revista Cahiers du Cinéma, a qual formulou a política
dos autores (politique des auteurs), e onde pouco a pouco foi fortalecendo a figura do
diretor como elemento essencial de criação dentro do cinema. Assim, a abordagem
autoral conferiu certa respeitabilidade a filmes populares, permitindo que seus
“criadores” – os autores, - fossem discutidos enquanto artistas, tal como já eram vistos
os poetas, pintores, compositores e escritores (RYALL, 1998, p. 328).
A valorização da figura do diretor como autor, e também do próprio Cinema, é
pensada antes mesmo da Cahiers e seus críticos. Alexandre Astruc, em seu ensaio de
1948, Nascimento de uma nova vanguarda: a câmera-caneta, publicado na revista
Écran Français, aponta a possibilidade de autoria no cinema, o qual estaria
desenvolvendo-se como forma de expressão, comparando-o à poesia e ao romance.
Astruc sustenta que a fórmula “câmera-caneta” valoriza o ato de filmar, permitindo ao
diretor ser um artista criativo de pleno direito. O contexto do manifesto se relaciona
com o momento da percepção do cinema e sua crescente divisão e especialização de
tarefas – âmbito de uma indústria cinematográfica em desenvolvimento
(principalmente com o avanço do cinema de Hollywood), buscando, assim, a defesa
do cinema enquanto arte (STAM, 2003, p. 103).
Segundo Edward Buscombe (2005, p. 281-282), em Ideias de autoria, a
Cahiers du Cinéma propunha, em inícios da década de 1950, justamente uma intenção
de se olhar o cinema enquanto forma artística, tal como a pintura e a poesia. O que
diferenciava a Cahiers de outras revistas francesas de crítica cinematográfica de sua
época, quanto à questão da autoria, era o fato dos primeiros acharem que as
oportunidades de expressão pessoal podiam ser encontradas não apenas no cinema
europeu de “arte”, mas também na produção de Hollywood, elevando alguns
diretores, como Orson Welles, Fritz Lang e John Ford, à categoria de artistas. A
noção de uma assinatura, um estilo deixado pelo diretor ao realizar sua obra, advém
do pós-guerra, quando o discurso cinematográfico, da mesma forma que o literário,
apropriou-se de termos como escritura, escrita e textualidade (apropriação notada
através do termo “câmera-caneta” de Astruc). Os críticos da Cahiers absorviam em

  53  
seus filmes e em seus artigos a metáfora textual, o que pode ser percebido nas
primeiras realizações da Nouvelle Vague, vendo no Cinema e na crítica duas possíveis
formas de expressão pessoal (STAM, Ibid., p. 105).
François Truffaut, em seu ensaio Uma certa tendência do cinema francês,
publicado na Cahiers em 1954, chamaria atenção justamente para a questão do
“estilo” de determinados diretores, que se sobressairia mesmo em terrenos minados,
como a crescente indústria hollywoodiana. Para Truffaut, o verdadeiro talento, a
marca pessoal, sobressair-se-ia não importando as circunstâncias de produção. Cabe
ressaltar que um dos objetivos da política dos autores é de certa forma responder aos
estudos da época de cultura de massa, os quais tratavam o cinema como forma de
alienação política. Assim, o que Truffaut e outros críticos buscariam seria a defesa da
produção cinematográfica na figura do autor, como combate ao modo de produção
dominante, glorificando os que estabeleciam uma autoria, mesmo onde a indústria
estaria melhor implantada (Ibid., p. 103-104; 106).
Embora a política dos autores tenha tido como objetivo, segundo Cook (1985,
p. 115), “quebrar as fronteiras entre o cinema de arte e o cinema comercial”, o
pensamento dos críticos da Cahiers possui coerência interna, mas não uma unidade.
Da mesma maneira, a recepção da política por críticos e cineastas de outros países não
se deu de forma uníssona. No Brasil, por exemplo, como será visto mais adiante, o
pensamento da Cahiers – e sua interpretação feita por Andrew Sarris – representou
inicialmente forte arma intelectual de uma classe em formação contra a possibilidade
de qualquer tipo de indústria, e consequentemente contra o cinema de gênero
brasileiro, mesmo que esta não fosse de longe comparável ao modo de produção
hollywoodiano.
Mesmo sem a possibilidade de se estabelecer uma orientação comum do que
seria a autoria pelos críticos da Cahiers, o que se nota é o predomínio de uma
concepção “romântica” onde o diretor é visto como o único progenitor de um filme. O
romantismo, presente nos textos de Truffaut, André Bazin e Jacques Rivette, fazia a
distinção entre o auteur (“autor”) e o metteur en scène (“artesão”), entre o cinéaste e
o confectionneur, caracterizando-se pela diferença da capacidade do autor para fazer
um filme próprio e a incapacidade do artesão de esconder que a origem do seu filme
está em outra parte. O diretor seria então o responsável, em última instância, pela
estética e a mise-en-scène de um filme. Outros críticos, tais como Eric Rohmer ou
mesmo André Bazin em textos posteriores, tentaram problematizar o enaltecimento da

  54  
figura do diretor, levando em conta também fatores como a circunstância histórica em
que os filmes foram produzidos e o embasamento técnico (BUSCOMBE, Ibid., p.
284-285).
Cabe destacar que a Cahiers e seus críticos ao debater a autoria não tinham
um objetivo metodológico, mas sim firmar uma posição política que os distinguia do
restante da crítica francesa (e também do próprio cinema francês). Foi através de uma
tradução errônea do crítico estadunidense Andrew Sarris, na tentativa de passar
politique para a língua inglesa, que se iniciou uma auteur theory (teoria do autor).
Stam (Ibid., p. 108-109) ressalta que ao aplicar a teoria adotando um posicionamento
nacionalista e etnocêntrico, Sarris buscou tratar o cinema estadunidense como
superior ao cinema do “resto do mundo”. Independente de objetivar criar ou não uma
teoria na tradução do termo, suas teses geraram uma abordagem para o campo de
estudos cinematográficos, onde o modo de se ver o autor representava a ideia de que
tanto a crítica quanto a teoria voltada para as análises de filmes deveriam ser
valorativas, comparando filmes e diretores e estabelecendo uma hierarquia.
Segundo Buscombe (Ibid., p. 284), Sarris, para tal valoração, assume a noção
de “unidade da obra” que permitiria revelar a integridade da arte e do artista. Nessa
perspectiva, tanto os filmes quanto o diretor deveriam ser analisados como um todo
orgânico. A busca por uma unidade resultaria no culto à personalidade do autor, sem
levar em conta qualquer tipo de determinismo social que pudesse influenciar na obra.
Por consequência, Sarris criou uma abordagem teórica onde era possível se
estabelecer um valor para os diretores que conseguiam manter sua visão pessoal e seu
estilo, independente do sistema de hierarquias por onde trabalhava. De acordo com
Cook (Ibid., p. 137), o método estabelecido pela teoria de autor era avaliar os filmes a
posteriori, de acordo com a competência técnica dos diretores, a presença de um
estilo visual distinto e uma marca que permanece precisamente nas relações
resultantes entre as tensões entre o diretor/autor e a indústria. Assim sendo, a
problemática da abordagem de Sarris estaria justamente em valorizar o autor em
termos comparativos, sem levar em conta as condições de produção, estabelecendo-se
classificações simplistas como “bom” ou “ruim”, contudo esquecendo que ambas são
subjetivas e especificamente culturais.
Stephen Crofts (1998, p. 315), em Authorship and Hollywood, ressalta que no
final da década de 1960 se estabeleceu o estruturalismo autoral. Este era diretamente
influenciado tanto pela política da Cahiers quanto pela teoria de autor de Sarris, mas

  55  
que aplicava na análise e crítica fílmicas também a metodologia estruturalista de
Lévi-Strauss19. Dessa forma, com a ênfase na análise sistemática de um corpo de
textos, o estruturalismo autoral concebia a autoria como um conjunto de estruturas
identificáveis, códigos transindividuais (mitos, iconografias, lugares) em filmes de um
diretor, buscando um tema ou estilo comum para se observar uma marca particular.
Durante a década de 1970, o estruturalismo autoral influenciou também a
análise genérica. Como mostra Stam (Ibid., p. 147-148), foi nesse período que se
buscou uma análise do western através de estruturas binárias, traçando dicotomias
como deserto/jardim (na obra de John Ford), em conjuntos de oposições mais amplas
como indivíduo/comunidade, natureza/cultura e lei/armas, ou mesmo em divisões dos
gêneros (atuando como ritual cultural) entre aqueles que operariam para restabelecer a
ordem social (westerns e policiais) e os que funcionariam para promover a integração
social (musical, comédia e melodrama).
Tanto Crofts (1998, p. 316), que também utiliza o western como estudo de
caso, quanto Stam (Ibid., p. 145) vão concordar que a principal deficiência do
estruturalismo autoral é aplicar motivos e estruturas binárias de modo forçado nos
estudos cinematográficos. Desse modo, determinadas estruturas só seriam aplicáveis a
determinados autores e em um corpo de filme restrito, elencando a filmografia e o
código autoral que melhor se encaixem na fórmula buscada. Consequentemente, o
grande trunfo do estruturalismo autoral é ser uma espécie de transição do conceito
pré-estruturalista, onde o autor é o criador de sentido, para o conceito pós-
estruturalista, onde o autor é um construto do leitor. Utilizando-se de leituras de
Roland Barthes e Michel Foucault, o autor cinematográfico passa a ser visto como
instância, um simples termo no processo de leitura e espectatorialidade, valorizando a
recepção do espectador (Ibid., p. 145-146).
Seguindo uma perspectiva pós-estruturalista, no já citado Ideias de autoria,
Edward Buscombe (2005, p. 293-294) salienta que a vontade consciente e o talento
são produtos das forças que agem sobre o artista. No fim do seu artigo, ele propõe
três abordagens para o estudo do autorismo no cinema com o objetivo de tirar a
posição proeminente do autor. Primeiro, é o uso de pesquisa sobre a sociologia dos
meios de comunicação em massa para o exame do cinema sobre a sociedade.

                                                                                                               
19
Resumidamente, o estruturalismo proposto por Lévi-Strauss “se caracteriza (...) como um método de
análise de relações de significação através da investigação das regras e princípios que constituem uma
estrutura ou um sistema.” (MARCONDES, 2001, p. 272)

  56  
Segundo, a análise da operação da ideologia, da economia e da tecnologia também
para se observar o efeito do cinema sobre a sociedade. E em terceiro lugar, o efeito
dos filmes sobre outros filmes, envolvendo questões de gênero. Já Stephen Heath
(2005, p. 298), em Comentários sobre “Ideias de autoria”, objetiva pensar a
articulação do texto do filme com relação à ideologia. Dessa maneira, busca-se uma
teoria do sujeito que reconheça “a heterogeneidade de estruturas, códigos e
linguagens em ação no filme e de posições particulares do sujeito imposto” (Ibid.)
No Brasil, apesar da influência da crítica francesa, o que parece ter chegado
com mais força foi justamente a perspectiva valorativa apresentada na teoria de autor
de Sarris. O que se estabeleceu no Brasil já nos anos 1960 e 1970 foi uma perspectiva
que enfatizava o diretor como autor, mesmo sem a presença de um studio system à
altura de Hollywood. O resultado foi uma espécie de apartheid (seguindo aqui as
palavras de Buscombe) entre os diretores autores e os diretores artesãos, sendo estes
quaisquer diretores que trabalhavam com gênero ou com alguma suposta intenção
mercadológica20.
Para uma análise da inserção da autoria no cinema brasileiro, mesmo
reconhecendo que o Cinema Marginal transitou mais abertamente entre gêneros,
sendo considerado de uma forma geral pelo campo teórico também um cinema de
autor, o destaque aqui será focado no Cinema Novo. Primeiro, pelo fato de poder
considerar o movimento como uma proposta de ruptura com um cinema anterior, tal
como ocorreu com outros cinemas novos, sendo inclusive contemporâneo à Nouvelle
Vague, a qual possui estreita ligação com a Cahiers du Cinéma da década de 1950.
Glauber Rocha e outros cinemanovistas tiveram forte voz ativa em seu período,
atuando não só na prática cinematográfica, mas também na crítica, onde propunham,
em termos gerais, a defesa de um cinema autoral no Brasil. E segundo, pelo fato dos
quadros cinemanovistas, durante a década de 1970 – período no qual a
pornochanchada se desenvolveu – ocuparem grande força política e ideológica no
cinema brasileiro, principalmente durante a gestão Roberto Farias na Embrafilme.
Ismail Xavier (2001), em O cinema brasileiro moderno, publicado em 1995,
ao tentar analisar o Moderno na cinematografia brasileira, período que compreende o
final dos anos 1950 e a década de 1980, estabelece uma interessante comparação entre
                                                                                                               
20
Cabe aqui destacar as críticas de Glauber Rocha a Roberto Farias, rotulando-o de “artesão” mesmo
quando este realizou filmes, a exemplo de Assalto ao trem pagador (1962), influenciados pelo neo-
realismo italiano e que dialogavam com alguns elementos estéticos do Cinema Novo. (Rocha, 2003, p.
136)

  57  
dois textos importantes de Glauber Rocha e Paulo Emílio Salles, os quais servem para
contextualizar o embate político/ideológico do cinema brasileiro da época. Em
Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, publicado originalmente em 1963, Rocha
demonstrava uma vontade de ruptura, um balanço histórico com o objetivo de dar o
arcabouço político e estético a fim de chegar na sua proposta de cinema. Já em
Cinema: trajetória no subdesenvolvimento 21 , publicado em 1973, Salles Gomes
objetivava “um princípio de continuidade englobante, a par do reconhecimento das
oposições conflitantes”. O autor cita como exemplos de criação na adversidade tanto
o Cinema Novo quanto o Cinema Marginal, apesar das divergências estéticas e
ideológicas entre ambos, incluindo também a chanchada, a comédia popular de 1940
e 1950, como gênero que soube lidar com o atraso econômico, encontrando uma
fórmula que proporcionava a comunicação com seu público, mesmo na precariedade.
De acordo com Xavier (2001, p. 14) entre o final da década de 1950 e meados dos
anos 1970, há um processo que indica os traços significativos do cinema moderno.
Caracterizado pela oposição ao clássico e mais plenamente industrial, o que se
percebe é um movimento plural de estilos e ideias, que produziu a convergência entre
a política dos autores, os filmes de baixo orçamento e a renovação da linguagem.
Vale ressaltar que mesmo com a iniciativa da Vera Cruz, não podemos
comparar o relativo acabamento industrial recebido pelos seus filmes, com o grau de
industrialização alcançado pelos estúdios de Hollywood. Contudo, foi a atualização
tecnológica e técnica impulsionada pelo estúdio paulista que permitiu a modernização
do cinema brasileiro.
Segundo Cyntia Araújo Nogueira (2006, p. 22-23), a década de 1960 no Brasil
representa o momento de rompimento radical com a ideologia estética atrelada ao
modo de produção industrial, onde o Cinema Novo, em seus textos fílmicos e
escritos, constituem uma vanguarda cinematográfica de elite [grifos meus], que pela
primeira vez vai conferir prestígio artístico e intelectual ao diretor de cinema
brasileiro. Nogueira (2006, p. 30) sublinha que Gustavo Dahl teria sido o primeiro
crítico de sua geração a se deter sobre a questão da autoria. Influenciado inicialmente
pela Cahiers, Dahl contudo vai pouco a pouco se afastando da política ao articular seu
pensamento de autoria à realidade brasileira. Assim, não se verá a possibilidade da
ligação brasileira entre autor e indústria, tal como foi feito pelos Cahiers em relação a
                                                                                                               
21
O artigo em questão de Paulo Emílio Salles Gomes e suas implicações para o gênero da
pornochanchada será debatido mais detalhadamente no terceiro capítulo desta dissertação.

  58  
Hollywood. Jean-Claude Bernardet (1994, p. 139), em O autor no cinema, ressalta
que a noção de autor em Dahl 22 também incluía preocupações ideológicas,
responsabilidade histórica e utopia social – mais próximo da proposta de autoria dos
membros do Cinema Novo e cada vez mais independente da influência da Nouvelle
Vague.
Entretanto, é Glauber Rocha, no já citado Revisão Crítica do Cinema
Brasileiro, que vai buscar construir uma tradição de rebeldia, de ruptura, negando a
condição oficial de índole pacífica do povo e trabalhando as relações entre fome,
religião e violência, justamente para legitimar a resposta do oprimido (Xavier, Ibid.,
p. 19). Rocha leva ao extremo a distinção entre artesão e autor, “o único a estar
realmente em contraposição ao cinema comercial”. Para Bernardet (Ibid., p. 139-140),
o autor proposto por Glauber Rocha é um revolucionário, um agente que recusa a
indústria, os estúdios e a linguagem tradicional, elementos que afastariam o cinema da
realidade. Em Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, percebe-se a tentativa de ruptura
através do elencar de novas tradições (a exemplo de Humberto Mauro), construindo
uma história cinematográfica nacional que estivesse mais afinada com as novas
concepções de produção implementadas pelo Cinema Novo.
Se na década de 1960, estabelecer-se enquanto autor tinha um objetivo de
ruptura em relação ao cinema anterior, além do enaltecimento da própria produção
cinematográfica enquanto arte, podemos notar que mesmo em dias atuais o autorismo
ainda persiste, seja dentro do campo de estudos ou mesmo na autoafirmação por
alguns cineastas. De acordo com Crofts (Ibid., p. 322), o autor enquanto nome ou
marca se tornou um dos principais meios de marketing e de se estabelecer uma
produção diferenciada, caracterizando o que seria um status cultural ou “cult” do
cinema. Em termos de abordagem, Crofts defende que além da análise da figura do
próprio autor e do texto fílmico, devemos observar também a leitura feita sobre essas
instâncias, sempre tendo em vista que são moldadas histórica e culturalmente.
Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Bruno Carmelo (2009), em
Para pensar o autor no cinema, chama a atenção que a autoria se dá tanto na
promoção da figura do artista, quanto no contexto sociopolítico em que determinado
diretor ou obra são apreciados.

                                                                                                               
22
É importante destacar que essa concepção de autoria na crítica de Gustavo Dahl se refere a um
período bem anterior do seu emblemático artigo, Cultura é mercado, publicado originalmente na
Revista Cultura em 1977, o qual será abordado no terceiro capítulo.

  59  
Seria impossível para uma ciência humana como a sociologia
discutir a autoria a partir da afirmação de noções imprecisas como a
qualidade e a beleza, que ficam principalmente a cargo da estética e
da filosofia (...) Pouco importa se Hitchcock foi um gênio ou não: o
importante é ele ter sido considerado gênio pela comunidade
formadora de poder simbólico em sua época. (CARMELO, 2009, p.
1)

A citação acima permite perceber que Carmelo entende a autoria também


enquanto prática discursiva, possibilitando uma aproximação com as já citadas
abordagens semântico/sintática/pragmática de Rick Altman e discursiva de Jason
Mittell, as quais valorizam não só os textos, mas também os agentes que atuam no
campo cinematográfico. Tomando como exemplo análises mais contemporâneas,
como as de Steve Neale (1982), em Authors and genres, e de Janet Staiger (2004), em
Authorship studies and Gus Van Sant, conclui-se que o autorismo pode ser útil como
análise cinematográfica. Contudo, a abordagem não deve cair na tentação de uma
distinção valorativa, buscando-se uma unidade a posteriori, mas sim observar a
importância da figura do autor enquanto prática discursiva e o que está em jogo
quando se usa a terminologia autoral seja pelo próprio diretor/produtor, ou mesmo por
outros agentes dentro da crítica, indústria ou academia.
Steve Neale (1982) inicia sua discussão sobre autoria a partir de um livro de
Stephen Jenkins sobre Fritz Lang, o qual se propõe, entre outras coisas, a analisar as
maneiras pelas quais a extensa filmografia do diretor foi discutida a partir de
diferentes tradições críticas. De acordo com Neale (1982, p. 2), a questão da autoria é
o foco maior do livro de Jenkins, partindo de uma abordagem sobre o lugar e a função
do feminino nos filmes de Fritz Lang. No entanto, Jenkins cairia em uma contradição
dentro da qual está consciente. Por um lado, o autorismo tradicional é criticado no
livro pela maneira em que inscreve e prescreve coerência e unidade à determinada
obra. Por outro, Lang é reconhecido enquanto instância, onde o seu nome representa
uma marca, um espaço onde uma multiplicidade de discursos se cruzam, embora
condicionados pela interação de determinado grupo de filmes com leituras em
contextos específicos.
Analisando a proposta de Janet Staiger (2004), noto que a autora se encontra
em uma posição semelhante a apontada por Neale em relação a Jenkins. Staiger
(op.cit., p.2) propõe uma abordagem de autoria que analise as práticas que permitem
aos grupos minoritários, especificamente os homossexuais através da figura de Gus

  60  
Van Sant, afirmarem-se enquanto sujeitos. Assim, evitando-se o essencialismo, busca-
se uma abordagem que reconheça a prática discursiva enquanto formuladora de
características as quais são reconhecidas como autorais. A autora (Ibid., p. 6)
reconhece que o autorismo padrão assume que determinado diretor tem a intenção de
uma coerência em sua obra, a qual pode ser vista mediante uma unidade. No entanto,
os autores relacionados aos grupos minoritários utilizam outras táticas de autoria, tal
como o discurso enquanto performance, considerada neste caso uma maneira pela
qual eles podem se expressar.
Mesmo reconhecendo o valor da proposta de Staiger, penso que ao propor
uma abordagem de autoria para grupos minoritários, distinguindo-os dos demais
“autores”, pode-se cair na mesma valoração ou tentativa de distinção em geral
atribuída a determinado diretor ou produtor quando tratado como autor. Ao que
parece, tratam-se de novos parâmetros para se estabelecer uma aura autoral, a qual
possibilita observar em separado determinada obra. E quando assumo o
estabelecimento de uma autoria na pornochanchada, mesmo que ressaltando a sua
formulação através da prática discursiva, inevitavelmente caio na mesma contradição
ao me posicionar também como agente do campo cinematográfico.

2.2. A pornochanchada enquanto gênero

Já que um dos meus objetivos na presente dissertação é distinguir a autoria


dentro do gênero, priorizando essa distinção através das práticas discursivas, devo
primeiramente analisar a pornochanchada enquanto gênero, tratando também da
relação mais direta que o próprio termo se refere com a chanchada/comédia e com a
pornografia. Para tal, é preciso utilizar algumas das abordagens genéricas expostas no
primeiro capítulo para esmiuçar as características da pornochanchada, além de trazer
uma discussão acadêmica mais recente, a qual interessa na medida em que
problematiza a própria existência de um gênero nacional dentro da produção
brasileira.
Muito se questiona sobre a possibilidade de se falar em cinema de gênero em
cinematografias onde não há uma produção contínua e, especificamente no caso do
Brasil, se o próprio termo cinema nacional não é por si só a classificação possível e
necessária. Esse embate se deu em diversas searas do campo cinematográfico

  61  
brasileiro, passando por cineastas, academia e críticos. Recentemente, alguns autores
se detiveram nessa questão e cabe, portanto, uma observação em alguns pontos para
situar a pornochanchada nessa discussão.
José Mário Ortiz Ramos (1993), em A questão de gênero no cinema
brasileiro, busca principalmente analisar a dicotomia entre um cinema de gênero e um
cinema de autor, ambos baseados em repetições, as quais se processam culturalmente
de formas diferentes. Ramos aponta que dois gêneros, o melodrama e a comédia,
obtiveram êxito na história cultural recente da “paisagem audiovisual brasileira”. O
primeiro explorado através das telenovelas a partir da década de 1950 e o segundo
através das chanchadas e pornochanchadas. No entanto, o próprio autor questiona no
fim do seu pequeno artigo se é possível observar um cinema de gênero em países com
uma indústria cinematográfica instável (RAMOS, op. cit., p. 113).
É importante então retomar Rafael de Luna Freire (2010b) em Entre o Gênero
e a Nação: o Gênero Cinematográfico e o Cinema Nacional, o qual objetiva tratar do
gênero policial no Brasil. Após uma rápida revisão sobre a teoria genérica, o autor
critica uma visão universalista dos gêneros, a qual deixa de levar em conta os regimes
genéricos definidos de forma diferenciada em cada cultura. De acordo com Freire:

(...) o procedimento até hoje padrão dos críticos e pesquisadores que


se debruçam sobre os gêneros no cinema brasileiro é o de tentar
defini-los através da análise de um conjunto de características já
descritas e definidas por uma bibliografia internacional sobre “o”
gênero (cuja matriz quase sempre se supõe norte-americana) a partir
de seus filmes mais expressivos e significativos. Ou seja, se
queremos saber efetivamente o que é o policial brasileiro, devemos
supostamente assistir a certos filmes policiais estrangeiros (norte-
americanos) e consultar certos livros sobre a definição do gênero
para, somente depois, procurarmos filmes brasileiros que se
enquadrem de alguma forma nas características (temáticas,
estéticas, políticas etc.) do gênero-matriz. Entretanto, (...) como
podemos saber o que vem a ser o policial brasileiro antes de
sabermos o que significa o gênero policial para os produtores,
críticos e espectadores brasileiros? (FREIRE, Ibid., p. 25-26)

Ampliando ainda mais essa discussão, Freire (2011), em Carnaval, mistério e


gangsters: o filme policial no Brasil, questiona se o seu objeto de estudo é o filme
brasileiro policial ou o filme policial brasileiro, argumentando, para tal, se a ideia de
gênero está à frente da ideia de nação. De acordo com o autor, até inícios da década
de 1950, a cinematografia brasileira era duramente criticada seja por aspectos

  62  
artísticos, seja por aspectos técnicos. Dentro da dicotomia arte versus indústria, a
produção nacional não era considerada nem uma nem outra, principalmente quando
comparada ao modelo hollywoodiano. Essa situação mudaria principalmente a partir
do Cinema Novo, dentre outras coisas a partir do seu reconhecimento em esfera
internacional. Mas tal fato contribuiu ainda mais para a observação de uma “a-
genericidade”, ou seja, da impossibilidade de se observar um cinema de gênero no
contexto nacional.

Podemos concluir que a inegável vitória do “cinema culto


brasileiro” a partir da primeira metade dos anos 1960 colaboraria
para a impressão de a-genericidade do cinema brasileiro na visão da
crítica. Se o cinema brasileiro até o final da década de 1950,
sobretudo em comparação com o cinema norte-americano, seria
considerado a-genérico por suposta incompetência intelectual-
artística ou atraso estético-industrial – ou um justificado pelo outro,
se entendermos com Paulo Emílio a mediocridade como inevitável
consequência do subdesenvolvimento –, na sequência ele seria a-
genérico por oposição ideológica e estética, inserindo-se na
“constelação do moderno” (...) (Id., 2011, p. 45)

A opção a-genérica apontada pelo autor se insere, como já visto, no que Ismail
Xavier vai chamar de cinema brasileiro moderno, o qual representou a vitória de um
“cinema culto” defensor de um projeto específico de cinema autoral23. Como já visto
no embate apontado por Xavier (2001), na década de 1960, Glauber Rocha foi um dos
principais agentes desencadeadores dessa postura oposicionista ao gênero na medida
em que propõe, em Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, uma ruptura e a criação de
uma nova tradição.
Dentro desse contexto, no que toca aos estudos de cinema brasileiro, Freire
(Ibid., p. 50-51) chama a atenção para a presença de dois discursos hierarquizantes, os
quais contribuíram para uma perspectiva a-genérica. Primeiramente, seria o discurso
de caráter estético, onde predominariam os filmes cultos em detrimento dos produtos
da cultura de massa, nos quais os filmes de gênero podem ser incluídos. O segundo
discurso se relaciona com a relação valorativa estabelecida entre uma produção de
“arte” e uma postura “social e politicamente consciente”. Em oposição, o cinema de

                                                                                                               
23
A proposta cultural apresentada pelo Cinema Novo para o contexto cinematográfico nacional não
pode ser vista como a única ou mesmo ser tomada como consensual dentro dos quadros
cinemanovistas. Além disso, como será demonstrado mais detalhadamente no terceiro capítulo, na
década de 1960/1970, houve uma série de propostas político-estéticas para o cinema brasileiro, as quais
representaram diferentes interesses, possuindo diferentes perspectivas em relação ao cinema de gênero,
e variando conforme o contexto e o lugar de onde se falava.

  63  
gênero visto como “alienado” e “conformista” ou mesmo – e isso se vê claramente no
caso da pornochanchada – como “imoral” ou “pornográfico”.
Entretanto, mesmo com os discursos acima apontados por Freire, pouco a
pouco, na academia, crítica e entre o próprio meio cinematográfico, foi-se assumindo
a produção de gênero como também integrante e importante para o cinema brasileiro,
para o qual o estudo da chanchada teve papel fundamental24. E aqui, novamente
resgatando o embate proposto por Ismail Xavier (2001), percebe-se o papel
importante de Paulo Emílio Salles Gomes, em Cinema: trajetória no
subdesenvolvimento, que politiza a chanchada enquanto “expressão nacional”,
impondo uma produção de quase vinte anos que contrariava o gosto do “ocupante” e
os interesses estrangeiros.
Bernadette Lyra (2007), em A emergência de gêneros no cinema brasileiro:
do primeiro cinema às chanchadas e pornochanchadas, demonstra que uma das
características básicas dos gêneros, inovação e repetição, foi uma das maneiras pelas
quais a própria indústria cinematográfica se consolidou em inícios do século XX. De
acordo com a autora (op. cit., p. 150), No Brasil, durante o mesmo período, foram as
comédias e os policiais que possibilitaram ao público um reconhecimento na tela,
através de histórias as quais de certa maneira incitavam o voyeurismo ao expor parte
do seu cotidiano. A partir da década de 1940, iniciou-se a chanchada, onde seus
filmes “se constituíram sobre uma coletânea de gêneros já conhecidos sem maiores
dificuldades pelos espectadores brasileiros, mesclando melodrama, drama romântico,
aventura, policial e, sobretudo, musicais e comédia” (LYRA, Ibid., p. 154).
Um dos agentes que mais se deteve sobre a chanchada, dedicando-se ao
gênero desde a década de 1970, é o pesquisador João Luiz Vieira. Ao analisar um de
seus últimos artigos, O Corpo Popular, a Chanchada Revisitada, ou a Comédia
Carioca por Excelência, publicado em 2003, é possível observar um revisionismo
sobre a o gênero que me permitirá mais adiante estabelecer uma comparação com a
própria pornochanchada e sua relação no mínimo terminológica com a comédia
brasileira das décadas de 1940 e 1950. De acordo com Vieira (op. cit., p. 46), em um
contexto onde o circuito exibidor brasileiro estava dominado pela produção

                                                                                                               
24
Não tenho a intenção de me alongar na revisão histórico-acadêmica sobre a chanchada, mas sim
observá-la enquanto o primeiro gênero reconhecidamente brasileiro e suas repercussões para o estudo
da pornochanchada. Cabe citar que tal revisão pode ser encontrada em A ideia de gênero nacional no
cinema brasileiro: a chanchada e a pornochanchada (2010a) e em Carnaval, mistério e gangsters
(2011), ambos de Rafael de Luna Freire.

  64  
estadunidense, o advento do cinema sonoro possibilitou a conquista de mercado por
uma comédia nacional, que possuía, por sua vez, uma estreita relação com a música
popular, em geral carnavalesca. O termo chanchada tem sua origem etimológica no
italiano cianciata, que significava um discurso sem sentido, “uma espécie de
arremedo vulgar”, e que procurou dar um tom pejorativo a esses filmes que pouco a
pouco conquistavam uma grande bilheteria.
Utilizando-se de estrelas já conhecidas através do rádio e que passaram a atuar
também no cinema, a chanchada estabeleceu um forte vínculo com o público mais
popular. Como mostra Vieira:

(...) a chanchada – e o gênero musical, em sua maioria –


potencializava os dois tipos de identificação, primária e secundária,
entre o espectador e o universo narrativo do filme. Primeiramente
materializando na projeção fílmica a identificação que o espectador
tem com o próprio olhar da câmera, ao lhe proporcionar uma visão
totalitária e transparente do que está sendo encenado em sua frente.
Simultaneamente, dispara-se a identificação secundária, ou seja,
aquela que o espectador tem com uma determinada personagem na
narrativa, seja ela uma cantora ou um ator, e que responde pelo seu
coeficiente afetivo, o grau de simpatia (ou rejeição) do espectador
em relação a essa personagem, situação, momento narrativo. (Ibid.,
p. 49)

É interessante também ressaltar o quanto essa dupla identificação –


principalmente no que tange à relação espectador e personagem – trabalha com tipos
populares com cores caricaturais como o malandro, o nordestino migrante ou a
dicotomia patroa e empregada, os quais recusam-se “a ocupar uma posição fixa na
hierarquia social, espécie de instância subversiva, corpo popular que parecia reagir à
possibilidade de integração à modernidade desenvolvimentista” (Ibid., p. 54).
A partir da análise da chanchada podem ser estabelecidos alguns paralelos
interessantes com a pornochanchada. Cabe destacar que aqui não objetivo construir
uma espécie de progressão natural das comédias desde o início do século XX,
passando pelas chanchadas das décadas de 1940 e 1950 e as pornochanchadas das
décadas de 1970 e 1980. Retomando Raphaëlle Moine (2008, p. 170), a comédia é
uma categoria genérica que tem características que podem ser aceitas apenas em
determinado período cultural ou histórico. Um gênero que sugere o tom de
determinados filmes, dos quais se espera uma reação de riso pelo público.

  65  
Um primeiro paralelo se insere na questão etimológica. Se o significado do
termo chanchada tem sentido pejorativo, pornochanchada trabalha na mesma direção,
sofrendo ainda o acréscimo do pornô enquanto adjetivação ainda mais depreciativa.
Etimologicamente ambos os gêneros dialogam com o “vulgar”, fugindo de uma
“cultura culta” e no caso da pornochanchada, essa vulgaridade ou “grosseria” é tônica
de diversas críticas, a exemplo do célebre ensaio A Teoria da Relatividade, de José
Carlos Avellar.
Jean-Claude Bernardet (1974) apresenta um interessante contraponto, o qual
está em sintonia com a maneira como trata a pornochanchada em seus ensaios,
críticas e artigos, ao demonstrar que de acordo com a etimologia latina, vulgos
significa multidão ou povo. Assim, ao se declarar a vulgaridade de um filme, está
apenas confirmando um status social e cultural e se diferenciando do restante da
população, que aprecia esta pretensa vulgaridade. João Luiz Vieira de certa forma
complementa o raciocínio de Bernardet:

Para um olhar de “primeiro mundo” a chanchada sempre foi pobre,


baixa e vulgar nos seus títulos e narrativas, segundo uma crítica que
também condenava a picardia sexual, em geral sustentada por
diálogos e comportamentos que revelavam preconceitos raciais e de
classe. (VIEIRA, op. cit., p. 58-59)

Um segundo paralelo é a “coletânea de gêneros”, termo utilizado por


Bernardette Lyra (op. cit.), na qual a chanchada se insere. Como já mencionado, a
pornochanchada teve duas fases reconhecíveis pela academia. A primeira geralmente
vinculada à produção carioca e com uma ligação com a comédia de costumes, e a
segunda, atribuída à produção paulista, a qual estabeleceu um vínculo estreito com o
hard core. Independentemente da divisão de fases ou mesmo da possível visualização
de uma presença genérica mais forte, a comédia, retomando aqui Janet Staiger (2010)
em Hybrid or inbred: the purity hypothesis and Hollywood genre history, a
pornochanchada pode ser considerada um gênero híbrido por essência, estabelecendo
diferentes diálogos em suas duas décadas de produção25.
O terceiro paralelo a ser estabelecido reside no que João Luiz Vieira (2003)
chama reação dos personagens característicos da chanchada à possibilidade de

                                                                                                               
25
Como o caso, por exemplo, da análise de Laura Cánepa (2009), em Pornochanchada do avesso: o
caso das mulheres monstruosas em filmes de horror da Boca do Lixo, a qual será melhor abordada
mais adiante.

  66  
integração à modernidade desenvolvimentista. Se o herói da chanchada é subversivo
ao não conseguir se inserir em uma proposta de desenvolvimento urbano pleiteada
pelo Estado, os personagens da pornochanchada podem ser considerados ainda mais
“marginais”. Mesmo com o tom geralmente moralista das comédias eróticas da
década de 1970 e 1980, a vontade de não trabalhar e de vencer na vida sem fazer
esforço confrontava com o ideal político-social da ditadura militar.
Objetivando também uma abordagem genérica que permita a análise da
chanchada e da pornochanchada, Rafael de Luna Freire (2010a), em A ideia de gênero
nacional no cinema brasileiro: a chanchada e a pornochanchada, aproxima ambos
no sentido do seu reconhecimento enquanto gêneros nacionais por público, imprensa
e estudiosos, ressaltando também o fato de serem passíveis de distinção como
produtos específicos do cinema nacional. Chanchada e pornochanchada seriam
gêneros de forte aceitação popular (avaliada através da bilheteria dos filmes),
caracterizados por estruturas econômicas que garantem sua inserção no mercado e
pela rejeição da crítica de sua época (FREIRE, Ibid., p. 556-557).
Além disso, outro ponto comum entre chanchada e pornochanchada é a
relativa dificuldade em tratá-los através da nomenclatura genérica.

Apesar de seus inegáveis e diversos méritos, outra característica


frequente nos estudos sobre a chanchada e a pornochanchada é a
reticência e a incerteza que cerca o uso da própria expressão gênero,
literalmente refletida pelo apelo frequente às aspas ou por sua
substituição claudicante e, por vezes, arbitrária, pelo que seriam
termos sinônimos como estilo, linha, tipo, modalidade etc. Ainda
mais corriqueira é a substituição da expressão gênero por ciclo e
vice-versa, produto talvez da difundida concepção cíclica da história
do cinema brasileiro, que, grosso modo, compreende toda a
trajetória do cinema em nosso país, incluindo a gênese, o
desenvolvimento e a decadência de determinados gêneros, como
encerrada numa sucessão de ciclos que seria uma das características
primordiais da filmografia brasileira. (Ibid., p. 557)

Um bom exemplo de tal dificuldade em tratar a pornochanchada enquanto


gênero é o título da tese de doutorado de Flávia Seligman (2000b), O “Brasil é feito
pornôs” o ciclo da pornochanchada no país dos governos militares. Em outro artigo,
A Tradição Cultural da Comédia Popular Brasileira na Pornochanchada dos anos
70, Seligman (2004) define a pornochanchada como um “subgênero da comédia”.
Talvez por apresentar uma outra perspectiva teórica, realmente não há qualquer
problematização pela autora para o uso ou não do termo “gênero” para designar a

  67  
pornochanchada, tratando-a enquanto ciclo ou subgênero, mas chamando a atenção de
que para sua análise se deve observar essencialmente o gênero da comédia.
Buscando adensar a discussão genérica, Gelson Santana (2005), em A
pornochanchada como gênero no cinema brasileiro, ressalta que a pornochanchada se
insere em um contexto de progressiva naturalização da exibição dos corpos. Um
corpo que passa a ter uma suposta harmonia ao ser exposto a partir de um novo olhar
midiático.

Um corpo que se compões na mídia e passa a ocupar um espaço


social imaginário. Este corpo midiático é o principal elemento
figurativo no cinema brasileiro a partir de então, e ele é a essência
da pornochanchada. Mas a substância que lhe dá forma na
pornochanchada é o precário; mais propriamente a precariedade
[grifos do autor] (...) E é exatamente esta espécie de subnutrição que
inventa ou conforma o gênero no cinema brasileiro. (SANTANA,
op. cit., p. 326)

Essa subnutrição ou “subdesenvolvimento”, apontado por Santana como


condição intrínseca à qual o gênero brasileiro está submetido, aproxima a sua hipótese
do ensaio de Paulo Emílio Salles Gomes, Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento,
onde o subdesenvolvimento é visto como um estado nas produções de países como o
Brasil. Para Santana, uma das bases da construção do gênero da pornochanchada é a
construção de uma cultura de consumo, contudo, de um consumo imediato, sem uma
espessura reflexiva, inserida no contexto de cooptação de vários segmentos culturais
pela indústria de massa na década de 1970 (SANTANA, Ibid., p. 328).
Observa-se que, dependendo do recorte cronológico e do objetivo da análise,
cada autor vai estabelecer uma relação mais forte da pornochanchada com um gênero
específico. No entanto, independentemente das diferenças metodológicas e de
abordagens, a exemplo dos trabalhos de Gelson Santana, Flávia Seligman e Rafael de
Luna Freire, penso ser primordial realmente adentrar um mínimo tanto no gênero da
comédia, quanto no gênero da pornografia para uma compreensão do que a
pornochanchada colocava em jogo em sua base etimológica.
Por se propor a tratar principalmente da primeira fase do gênero, tanto em sua
tese quanto no artigo anteriormente citado, Seligman prioriza sua atenção na comédia,
onde

  68  
Estes filmes se constituíam de histórias curtas, de fácil compreensão
com personagens que beiravam o ridículo sendo este ridículo
componente do cotidiano social da época. A apresentação do
ridículo e os personagens cômicos faziam coisas consideradas moral
e socialmente erradas, mostrando falhas e defeitos. O riso que nasce
da constatação destas falhas e defeitos é chamado de “riso de
zombaria” (SELIGMAN, 2004, p. 4)

Antes do surgimento do termo pornochanchada, os filmes foram chamados de


chanchadas ou comédias eróticas, neochanchadas e comédias de costumes, os quais
teriam em comum uma possível visão satírica da sociedade, permitindo sua fácil
assimilação pelo público devido à própria apreciação histórica da comédia dentro de
uma tradição dramatúrgica brasileira (Ibid., p. 5). Dentro dessa mesma tradição, a
autora ressalta que haveria também a presença da farsa enquanto gênero dramatúrgico
presente no “ciclo” da pornochanchada, priorizando situações cômicas exageradas em
detrimento da caracterização dos personagens ou qualquer outro tipo de “apelo
intelectual”. Assim, buscando retratar os costumes e o cotidiano através da sua
representação enquanto um microcosmo, a pornochanchada conseguiria denunciar e
criticar a situação do país.
Embora Seligman não deixe totalmente claro qual “situação” brasileira está
sendo falada dentro de um contexto político-econômico-social, passível de enormes
problematizações, há aqui ao menos dois questionamentos que me permito fazer neste
momento a respeito da possibilidade crítica da pornochanchada. Primeiro, reconheço
que dentre as duas décadas de produção do gênero, houve filmes que buscaram um
maior tom crítico ao regime e à própria sociedade moralista como um todo, ou mesmo
procuraram pensar a pornochanchada por si só de uma forma mais consciente. Para
citar alguns cineastas que serão utilizados nesta dissertação, dou os exemplos de
Antônio Calmon, Joaquim Pedro de Andrade e Pedro Carlos Rovai. Contudo, esses
três agentes, comparados à própria amplitude da pornochanchada, não permitem
tornar o gênero por si só como uma cinematografia crítica ao regime, à sociedade, ou
ao próprio tipo de cinema que fazia.
Em segundo lugar, devido à dificuldade de observar de forma totalizante a
pornochanchada enquanto possibilidade de crítica, torna-se mais crível ressaltar que a
sua ligação com o gênero da comédia potencializa a identificação do espectador com
o universo narrativo do filme, tal como o faz João Luiz Vieira (op. cit., p. 49) no caso
da chanchada. Gelson Santana (2003, p. 305), em Lugar, estratégias e função da

  69  
pornochanchada, chama a atenção de que enquanto os números musicais na
chanchada pareciam se dirigir a um auditório, as conotações sexuais mais fortes
presentes na pornochanchada deixam o sentido de coletividade de uma plateia e
assumem a individualidade do espectador. De qualquer forma, é preciso ter a
consciência de que a relação entre pornochanchada e público variou conforme épocas
distintas e, mesmo na década de 1970, a recepção dos filmes diferia observando salas
com público oriundos de classes sociais diferentes. Novamente retomando Moine
(2008), vale destacar que os regimes genéricos são culturalmente definidos e
organizados em sistemas e hierarquias, nos quais os gêneros nacionais não podem ser
observados buscando-se um sentido universal. Assim, o que se pode tomar como
benefício comum à chanchada e à pornochanchada é o fato de ambos os gêneros
permitirem que o público de suas épocas fosse “devolvido ao seu processo cultural” –
este envolto em contradições e, que não pode ser analisado de forma uníssona26.
Para dar conta da relação da pornochanchada com a pornografia, tomo como
análise dois trabalhos de Linda Williams. No primeiro, Hard Core – Power Pleasure
and the “frenzy of the visible” (1999), são estabelecidos um conjunto de códigos
narrativos da pornografia pautados no princípio de máxima visibilidade que vincula o
explícito e o real. Williams retoma as convenções estabelecidas por Stephen Ziplow
(apud ABREU, 1996, p. 96-98), o qual compõe uma espécie de manual, contendo a
tipologia de atos sexuais que permitem identificar um filme pornô. Entre eles estão: a
masturbação; o sexo convencional, entre um homem e uma mulher; o lesbianismo; o
sexo oral, que se torna um facilitador do money shot; o ménage à trois; orgias e sexo
anal. Já em Film Bodies: Gender, Genre and Excess, Williams (2004) trata dos
gêneros que têm em sua matriz o excesso. Dessa forma, a pornografia, o horror e o
melodrama têm como objetivo gerar reações corpóreas nos seus espectadores,
atingindo, através da manipulação das emoções, o êxtase de diferentes formas:
pornografia através do orgasmo, horror através da violência/terror e o melodrama
através do choro. O sucesso desses gêneros se verifica através de uma resposta física
do espectador, que mimetiza a reação/emoção vista na tela. O comum também nesses
gêneros é o fato do corpo feminino ser o melhor facilitador da visualização desse
êxtase (WILLIAMS, 2004, p. 730).

                                                                                                               
26 Um aprofundamento dessa questão será feito no terceiro capítulo, quando exponho algumas ideias
contidas no ensaio de Paulo Emílio Salles Gomes, Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, e suas
repercussões dentro do campo cinematográfico, especialmente na crítica e na academia.

  70  
É válido notar que algumas dessas convenções soam obsoletas em tempos
atuais, tanto por conta das variações que a linguagem hard core incorporou no
decorrer dos anos, quanto pela cada vez mais limítrofe distinção entre arte/erotismo e
pornografia. Contudo, aplicando a abordagem de Linda Williams na pornochanchada
se torna possível observar de maneira mais fácil a mudança de fases ocorrida no
gênero, principalmente a partir da utilização do money shot, essencial para a
identificação do filme de sexo explícito. Na segunda fase da pornochanchada, o que
se nota é uma liberdade maior de aproximação da câmera em relação aos corpos e
uma liberdade maior para explorar a nudez. O ato sexual passa a ser mostrado em sua
totalidade, ao contrário da primeira fase que em geral utilizava elipses ou outros
artifícios alegóricos para deixar claro que determinados personagens fizeram sexo.
Devo ressaltar que mesmo a pornochanchada ligando-se etimologicamente
com os gêneros da comédia e da pornografia, não deixou estabelecer diálogos com
outros gêneros, os quais são muito importantes para observar a diversidade e a
extensa possibilidade de abordagens para a pornochanchada.
José Mario Ortiz Ramos (2004), em Cinema, televisão e publicidade, trata do
filme policial, analisando-o enquanto um gênero com repercussões de massa, ao
procurar “construir ficcionalmente a realidade”. Um dos filmes abordados é Amadas e
Violentadas (1976), dirigido por Jean Garret e com David Cardoso como produtor e
protagonista, utilizado também enquanto star system. Ramos (op. cit., p. 185) atenta
que uma das tônicas utilizadas nos filmes policiais é o arquétipo do good-bad-boy
(surgido após os anos 1940), tal como atentando por Edgar Morin, onde o
protagonista geralmente é uma espécie de justiceiro que cativa em sua dualidade entre
o bom e o mau. No entanto, tal modelo, ao inserir-se no contexto de produção da
Boca do Lixo da década de 1970, tem a sua erotização exacerbada. Da mesma forma
que o personagem de David Cardoso é utilizado como desencadeador de um ponto de
vista para a visualização do corpo feminino, a câmera também percorre o seu corpo,
denunciando um certo narcisismo 27 que vai percebido também em outros filmes
dirigidos pelo ator e onde o mesmo assumia o papel principal. No entanto, a
predominância do olhar escopofílico se mantém na visualização da mulher, ainda

                                                                                                               
27
Na capa de Amadas e Violentadas, o chamariz de nudez não é apenas em relação ao corpo feminino,
mas também ao corpo do próprio David Cardoso, onde homem e mulher estão ambos nus, ajoelhados,
olhando para a câmera.

  71  
objetificada e, no caso de Amadas e Violentadas, vítimas do serial killer vivido pelo
personagem de David Cardoso.
Laura Cánepa (2009), no artigo Pornochanchada do avesso, avança nessa
discussão ao observar nas pornochanchadas de horror da Boca uma recorrência de
personagens femininas tratadas como indefesas vítimas à mercê de personagens
masculinos descontrolados, que as viam como “meros objetos de desejo sexual e
sádico”. A partir da influência do sexploitation28, a autora (CÁNEPA, op. cit., p. 2-3)
observou que a região da rua do Triunfo repetia diversas estratégias do cinema de
exploração, como os títulos sensacionalistas; os baixos orçamentos; a ligação das
histórias aos clichês dos gêneros clássico-narrativos; o consumo majoritariamente
masculino; a misoginia e a objetificação das mulheres. De acordo com Lúcio Piedade
(2002, p. 197), uma prática bastante comum no filme de horror era a expiação da
violência ou morte de uma conduta sexualmente permissiva, normalmente
relacionado ao sexo feminino, refletindo um conservadorismo por parte de diretores e
produtores da Boca. Contudo, Cánepa (Ibid., p. 5) atenta que determinados filmes lá
produzidos possibilitaram que as personagens femininas “dessem o troco” em relação
aos abusos sofridos dos homens. Uma inversão da relação entre homens e mulheres,
onde costumeiramente eles eram mostrados como mais fortes e ameaçadores. Foram
filmes que colocaram as mulheres em papeis geralmente reservados aos homens:
predadoras sexuais, dominadoras ou mesmo assassinas do sexo oposto.
Mesmo com as variações apontadas acima, a criação de uma fórmula, de uma
redundância, de um parâmetro “clássico-narrativo”, foi essencial para que o gênero da
pornochanchada, incluindo suas variações, se evidenciasse para os seus diversos
agentes e dentre eles, principalmente, o público. Seguindo esse raciocínio, é válido
citar uma declaração de Marcos Rey, um importante roteirista do gênero, o qual
reconhecia a importância de se trabalhar com a fórmula de reconhecimento e
variação.

                                                                                                               
28
Exploitation, também chamado de cinema de exploração, é um gênero baseado na produção de
filmes que exploram temas considerados polêmicos ou tabus, e que possuem três importantes vértices:
o horror, o sexo e a violência. Lúcio Piedade (2002), em A cultura do Lixo: horror, sexo e exploração
no cinema, procura observar o exploitation segundo um sistema de códigos, convenções e estilos
visuais que possibilitam ao público o seu reconhecimento. Um derivado importante para o meu estudo
é o sexploitation que aumentava o tom sexual dentro dos vértices expostos logo acima. Ao abordar o
que chama de “exploitation à brasileira”, Piedade estuda a produção paulista desde sua relação com o
cinema marginal, com sua representação do abjeto e do grotesco, somado à crescente exploração do
erotismo.

  72  
Já tinha a fórmula do sucesso na gaveta: o cenário natural do mar,
uma ou mais mulheres bonitas, relações sexuais em lugares
imprevistos ou insólitos, piadas já conhecidas do público, um galã
pobre mais favorecido pela sorte, um vilão full time e um velho ou
velha descobrindo as delícias do sexo. As variantes dependiam
daquilo que no momento estava resultando bem nas telas. (REY
apud RAMOS, 2004, p. 24)

A partir da leitura do dossiê sobre a pornochanchada organizado por Newton


Cannito, publicado na revista Sinopse em 2000, percebe-se uma tentativa de dar conta
do gênero, mapeamento também algumas das características mais gerais. Para tal
observação utilizarei dois artigos como ponto de partida para algumas reflexões, o
primeiro de Inimá Simões, O retrato do Brasil na pornochanchada, e o segundo de
Flávia Seligman, Risos, sarros e maiô de duas peças – a história do ciclo da
pornochanchada.
É importante contextualizar a discussão ressaltando que Cannito (2000a, p.
68) em uma espécie de introdução ou editorial ao dossiê, A pornochanchada:
blockbusters nacionais dos anos 70, ressalta o quanto o desprezo pela própria
pornochanchada oculta um desinteresse pelo cinema de gênero onde boa parte dos
pesquisadores estariam “contaminados pelo clichê da autoria”. Seu objetivo é
observar o cinema como objeto que possibilita estudos sobre determinada cultura.
Entretanto, ao elevar a pornochanchada ao padrão blockbuster, termo geralmente
relacionado aos filmes hollywoodianos com grande bilheteria, mesmo que em termos
de provocação, constrói-se um discurso sobre o gênero que acaba por retomar a
valoração tão criticada dentro do “clichê” do autorismo. Cannito (2000b;c) também
escreve para o conjunto de textos os artigos Pornochanchada de autor e Por um
cinema brasileiro de gênero, os quais assina como editor da revista Sinopse. No caso
de Por um cinema brasileiro de gênero, mais do que qualquer revisão teórica
profunda sobre as abordagens genéricas, percebe-se no próprio título e no seu
conteúdo uma espécie de manifesto que propõe o cinema de gênero como uma
necessidade para o contexto brasileiro da época.
O primeiro artigo do dossiê a ser analisado, O retrato do Brasil na
pornochanchada, de Inimá Simões (2000), expõe que uma das maneiras de
identificação do gênero com o público reside na observação através de um olhar
escopofílico, da suspensão da narrativa em detrimento dos corpos, em geral
femininos. É interessante estabelecer um paralelo com Gelson Santana (2003, p. 308-

  73  
309), em Lugar, estratégias e função da pornochanchada, o qual reflete que o gênero
possui dois pontos de vista. Inicialmente o masculino, a partir de filmes como Os
Paqueras (1969) e Pra quem fica, tchau! (1971), ambos dirigidos por Reginaldo
Faria. Em um segundo momento, a partir do final da década de 1970, onde haveria
uma transformação interna do gênero, intensificando-se o que o autor chama de ponto
de vista feminino, onde a mulher é objetificada de forma ainda mais explícita.
Já em Risos, sarros e maiô de duas peças – a história do ciclo da
pornochanchada, Flávia Seligman (2000c) chama a atenção que para o moralismo
presente nas pornochanchadas, onde os elementos e personagens apresentados
aparentemente de forma leve e satírica têm, em geral, um final certo e esperado
enquanto fórmula29. A virgindade, motivo de disputa, é resguardada até o casamento
com o mocinho, os adúlteros eram punidos e os malandros se redimiam
(SELIGMAN, 2000c, p. 75).
Um dos agentes que já na década de 1970 procurou mapear alguns dos
códigos da pornochanchada foi José Carlos Avellar. Na crítica de jornal Como vencer
na vida sem fazer força30, Avellar aborda o filme A Virgem e o Machão (1974),
dirigido por José Mojica Marins31. Mais do que sobre o conteúdo da produção, o
título do artigo se refere à pornochanchada de uma forma geral. A uma produção que
Avellar considera beneficiada pelo contexto político brasileiro, em que os filmes
passavam pela censura prévia antes de sua exibição. Com o risco de ter o filme
mutilado e impossibilitando uma coerência narrativa para sua exibição, os produtores
buscavam minimizar os gastos dos filmes, incluindo anúncios no meio de cenas,
garantindo antes mesmo do lançamento uma renda prévia. É o que Avellar chama de
favorecimento a “um estilo de produção oportunista, isolado, sem método e sem
qualidade artesanal”. Contudo, o fato desses filmes serem consumidos, independente
de terem ou não qualidade, revelaria o que o autor considera uma desordem no quadro
cultural brasileiro como um todo, cuja distorção permitira “soluções simplórias” e
“doentes” como o herói supermacho.

                                                                                                               
29
Flávia Seligman (2000a), em As meninas daquela hora, detalha uma série de estereótipos para as
personagens femininas, as virgens, as prostitutas, as liberadas, as tias e as ingênuas, e traça uma espécie
de progressão comum a cada um desses arquétipos apresentados nos filmes.
30
Artigo encontrado na pasta de número 20656 (pornochanchada) do acervo da Cinemateca do Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Apesar de não haver referência ou data, pode-se concluir pela
formatação que se refere a publicação no Caderno B do Jornal do Brasil.
31
Quando dirigia pornochanchadas, José Mojica Marins utilizava a alcunha de J. Avellar, em uma clara
referência ao próprio crítico.

  74  
O supermacho é ao mesmo tempo o herói do produtor, do realizador
e de uma considerável parte do público. Ele resolve uma
necessidade comum de alcançar o bem-estar sem grandes
dificuldades, numa sociedade que exige um esforço muito grande de
cada indivíduo e acena com a compensadora possibilidade de
enriquecer com um cartão de dois cruzeiros na loteria. (AVELLAR,
[197a-])

Uma das questões que se percebe na crítica de Avellar à pornochanchada


como um todo reside no fato desse oportunismo inerente ao gênero. Esse herói que
pretende “vencer na vida sem fazer força” seria uma característica encontrada na
classe cinematográfica, mas também na própria sociedade brasileira que, no contexto
do Milagre Econômico via uma parcela da classe média ascender consideravelmente o
seu padrão de vida, enquanto a maior parte da população continuava estagnada e sem
possiblidade de melhora.
Essa possibilidade do público encontrar na pornochanchada uma finalidade
catártica também é apontada em Cartões Postais32, onde Avellar aborda o filme Com
um Grilo na Cama (1975), de Gilvan Pereira. Procurando se ocupar menos da
produção em questão e mais da pornochanchada em si, o autor descreve uma
encenação comum ao gênero que usa o palavrão lido nos lábios sem ser dito, os closes
na nudez parcial feminina, os diálogos de duplo sentido, como uma mise-en-scène
grosseira que não é sobre sexo, mas usa a temática sexual como uma alegoria para
compor um herói que se impõe pela violência e não questiona os preconceitos sociais.
De acordo com Avellar, o interesse do público se dá menos pela visão de mundo
apresentada pelas pornochanchadas e mais pela grosseria do seu modo
cinematográfico:

O que ele procura é uma liberação da violência de seu cotidiano em


alguns deboches isolados dentro do filme: o paquera que olha a
mulher nua de binóculo, a anedota com a mulher gorda na piscina
ou na sauna, a palmada na tia puritana. (Id., [197b-)

Avellar ressalta que, ao aceitar uma narrativa tão grosseira, o público se atrai
por uma espécie de ritual, onde se dispensa qualquer obstáculo, através de uma
narrativa coerente ou mais requintada, para se chegar ao lugar almejado. Mais uma
vez, observa-se a máxima “como vencer na vida sem fazer força” como mote central
                                                                                                               
32
Artigo sem referência de local de publicação ou data, encontrado na pasta de número 20656
(Pornochanchada) do acervo da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

  75  
das pornochanchadas. Dessa forma, sem alguma proposta estética mais elaborada a
não ser oriunda dos resultados de bilheteria, o público e as comédias eróticas
estabeleceriam uma relação harmoniosa com a linguagem “cifrada”, “incompleta” e
“indireta” dos filmes. Aqui uso aspas para reforçar as palavras de Avellar,
possibilitando notar um dos códigos de reconhecimento da mise-en-scène da
pornochanchada. Para o crítico:

A incapacidade de narrar corretamente passou como um dado


estilístico natural num meio cultural tão fragmentado pela censura, e
as grosserias que furavam o bloqueio passaram como uma
compensação para as pressões sofridas fora do cinema. E ao mesmo
tempo, para os produtores, uma solução para sobreviver num
mercado tão fechado para o produto nacional. (Ibid.)

Avellar ressalta que a pornochanchada, dentro do contexto cultural brasileiro,


demonstra um “desejo natural de agredir um mundo que não se pode entender nem
mudar”. Não há menção direta, e deve-se levar em conta que a Censura prévia atingia
também a imprensa escrita brasileira, mas o mundo imutável e ininteligível que
Avellar se refere é a ditadura militar brasileira. A qual, pela ótica do autor, a partir da
própria aplicação da censura ao Cinema e à repressão à sociedade como um todo,
forçava como única alternativa para o mercado cinematográfico nacional a
“grosseria” da pornochanchada.

2.3. As pornochanchadas de autor

A partir dos códigos genéricos apresentados acima a respeito da


pornochanchada, é possível então tentar visualizar como se constroem as
possibilidades de autoria no gênero. Entretanto, não posso deixar de refletir sobre
uma certa dualidade em que me encontro ao almejar essa observação. Não pretendo
estabelecer a valoração de determinado cineasta em detrimento de outros, separando-o
do restante da produção do gênero. Um primeiro objetivo é observar como os diversos
agentes, em diferentes contextos culturais e históricos, utilizaram-se das práticas
discursivas para definir um autor no gênero. Porém, estou ciente de que ao elencar
determinado diretor ou produtor, recaio na mesma contradição do já mencionado
texto de Janet Staiger (op. cit.), em Authorship studies and Gus Van Sant, por

  76  
minimamente propor um tipo de abordagem autoral para o campo cinematográfico da
pornochanchada. Em segundo lugar, também tenho como objeto de análise a
apropriação desse discurso pelos próprios cineastas tomados como autores, o que
permite analisar a apropriação da prática discursiva não apenas a posteriori, mas
enquanto construção por determinados agentes que atuaram no campo
cinematográfico da década de 1970.
Retomando Stephen Crofts (1998, p. 322), lembro que a figura de um autor é
um dos principais meios de marketing dentro do campo cinematográfico atual, onde
se possibilita definir o parâmetro de um diferencial cultural através da criação de uma
“grife” em torno de determinado nome. Dessa maneira, Crofts propõe uma abordagem
que não só se detenha na figura do autor e do seu texto fílmico, mas também a leitura
feita sobre essas instâncias, moldadas histórica e culturalmente.
Se no capítulo seguinte tratarei Pedro Carlos Rovai enquanto autor na
pornochanchada – o qual constrói essa autoria através da prática discursiva,
principalmente em suas entrevistas e na maneira como ele foi tratado por Jean-Claude
Bernardet e por Jairo Ferreira – neste momento cabe pensar a prática autoral inserida
no gênero em questão a partir de dois diretores: Joaquim Pedro de Andrade e Antônio
Calmon, nos quais a aura autoral é construída em uma abordagem mais voltada para
os seus elementos textuais, focando na análise fílmica e acompanhada das respectivas
trajetórias.
Iniciando uma abordagem em torno de Joaquim Pedro de Andrade, e aqui
novamente arrisco me trair pelo autorismo “clássico”, é necessário observar um certo
diferencial deste diretor em relação a Calmon. Um primeiro ponto é o reconhecimento
de Joaquim Pedro, por diversos agentes do campo cinematográfico, enquanto autor
ligado ao Cinema Novo e reconhecido internacionalmente33. A sua ligação com um
movimento brasileiro de inegável renome, o qual, na já citada voz de Glauber Rocha,
encontrou sua base teórico-política de ligação à “política dos autores” da Cahiers,
contribui para essa impressão autoral, mesmo para os que não conhecem a obra de
Joaquim Pedro.
A partir do momento em que a aura autoral está construída em bases “sólidas”
dentro do campo cinematográfico, o segundo ponto é a maior facilidade em atribuir
                                                                                                               
33 No jornal online Senses of Cinema, por exemplo, Joaquim Pedro de Andrade, em artigo escrito por
Michael Talbott, encontra-se na categoria Great Directors, em meio a diversos cineastas estrangeiros e
ao lado apenas de dois brasileiros, Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, ambos também ligados
ao Cinema Novo.

  77  
um significado, uma proposta de “unidade” ou “coerência” à toda obra de Joaquim
Pedro. Antônio Calmon é um cineasta que após a partir da década de 1980 migrou
para a televisão onde é roteirista de telenovelas até os dias atuais. Embora o
profissional de roteiro no campo televisivo seja comumente chamado de autor, trata-
se de uma atribuição autoral de peso diferente tendo em vista o rótulo pejorativo que a
televisão carrega em favor do cinema, principalmente para a crítica cinematográfica
de uma forma geral.
Nesse sentido, estabelece-se um facilitador para os agentes que compõem o
campo cinematográfico, para a visualização de um estilo e uma proposta autoral em
Joaquim Pedro, em sua obra como um todo e nas suas experiências nos dois gêneros
reconhecidamente brasileiros, a chanchada e a pornochanchada.
Newton Cannito (2000b, p. 80), ressalta que, desde Macunaíma (1969), o
diretor já teria objetivado trabalhar com o gênero da chanchada, mas distorcendo os
códigos genéricos tradicionais a partir de uma dupla leitura, ou seja, quando o
cineasta deixa chaves para que determinados públicos compreendam um segundo
sentido no filme, o qual em uma primeira leitura está oculto na obra.
No que diz respeito às pornochanchadas, Joaquim Pedro trabalhou o gênero
através de Guerra Conjugal (1976) e do seu episódio no filme Coisas Eróticas34
(1977), chamado Vereda Tropical. Estevão Garcia (2009), em As aventuras de
Joaquim Pedro de Andrade no Fabuloso Mundo das Pornochanchadas, expõe que a
incursão do cineasta na pornochanchada revela uma consciência de Joaquim Pedro em
relação a comédia erótica brasileira enquanto um fenômeno cultural de massa.
Comédia a qual, independente do seu moralismo, foi importante para a conquista de
mercado e por manter um diálogo com o público. Assim, para alcançar o que Garcia
chama de “espectador comum”, consumidor da pornochanchada, Joaquim Pedro teria
trabalhado inicialmente com as regras do gênero para aos poucos modifica-las.

A pornochanchada, como qualquer outro gênero, apresenta a sua


lógica interna, o seu sistema, as suas linhas e os seus trunfos. O
jogador Joaquim Pedro para seduzir o espectador deverá utilizar
esses trunfos a seu favor. E quais são os trunfos ou elementos de
atração da pornochanchada? O sexo e a nudez feminina. (...)
Joaquim Pedro então se muni de todos esses clichês: o habitat

                                                                                                               
34
Coisas eróticas é um filme dividido em quatro episódios, dirigidos por Joaquim Pedro de Andrade,
Eduardo Escorel, Roberto Palmari e Roberto Santos. Ao ser submetido à Censura, Vereda Tropical foi
integralmente vetado e os quatro diretores decidiram só lançar o filme quando os quatro episódios
pudessem ser exibidos na íntegra.

  78  
natural da pornochanchada, a sua curiosa fauna, as suas cores, o seu
linguajar, o seu gestual e a sua atmosfera. (...) Tal operação de
mergulhar de cabeça na pornochanchada automaticamente implica
no contato direto com a sua ideologia e é justamente aí que o
“autor” irá aparecer. (GARCIA, 2009)

A citação acima permite observar a maneira como Estevão Garcia, neste


momento escrevendo para a revista eletrônica de crítica, Contracampo, faz a distinção
de uma possibilidade autoral no gênero. Mesmo com o uso de aspas na palavra
“autor”, ela é utilizada, destacando-se desse modo a experiência de Joaquim Pedro de
Andrade em comparação a outros diretores de pornochanchadas.
Talvez a experiência mais interessante de Joaquim Pedro com as
pornochanchadas seja realmente Vereda Tropical. O filme conta a história de um
professor universitário, protagonizado por Flávio Cavalcanti, que tem relações sexuais
com uma melancia. Principalmente na primeira cena, é feita toda uma coreografia
sexual, com um grande tempo dedicado às preliminares, representando a relação do
professor com a fruta em questão. Essa preferência sexual não é questionada ou
mesmo estigmatizada por Joaquim Pedro. Há um tom libertário que permite qualquer
tipo de escolha em relação ao sexo, inclusive quando na segunda cena há uma
“inversão de papeis” e a melancia de certa forma comanda o ato sexual.
Jean-Claude Bernardet (1979), em O escândalo da melancia, reflete a partir de
uma análise sobre o filme de Joaquim Pedro que a “pornochanchada não tem que ser
necessariamente burra, mal feita” ou que “a malícia pode não ser grosseira e
repetitiva”, tratando Vereda tropical como um “filme erótico livre do que julgamos
ser a vulgaridade” (BERNARDET, 1979b, p. 99). Cabe ressaltar que é a primeira vez,
dentre os vários artigos de Bernardet que serão citados nesta dissertação, que o autor
utiliza os termos “grosseria” e “vulgaridade” sem problematizá-los enquanto uma
adjetivação proveniente de um olhar “culto” que estereotipava a pornochanchada. Ou
seja, minimamente Bernardet perde um pouco o tom crítico presente no restante dos
seus textos, por realmente parecer gostar do que vê finalmente na pornochanchada
Vereda Tropical.

(...) Joaquim apresenta um sexo desinibido, uma prática de prazer


sem culpa e sem justificativa. Que não tem nem a justificativa de
apelar para um erotismo mais nobre, de comunicação
interindividual. É até um erotismo solitário (com a melancia). O
prazer é desejável em si, cada um o obtém a seu modo, é válida a
obtenção do prazer no imediato, e não há conceito moral,

  79  
psicológico, político que permita julgar isto. O filme de Joaquim é
escandaloso porque não encaixa o sexo num padrão vigente, quer
seja comercial ou político. O que só pode chocar todas as correntes
políticas. E, nesse sentido, Vereda Tropical é escandaloso e político.
E, felizmente, é uma piada. (Ibid., p. 101)

Garcia (2009) reflete que ao contrário de Guerra Conjugal, que utiliza códigos
da pornochanchada tal como a nudez feminina ou os palavrões, Vereda Tropical sem
utilizar dos recursos atrativos do gênero consegue ser político ao defender a liberdade
sexual e a liberdade de escolha do personagem de Flávio Cavalcanti. Observa-se,
então, tanto pelas observações de Estevão Garcia quanto de Jean-Claude Bernardet,
que dentre um dos parâmetros utilizados pelo autorismo para ressaltar determinado
cineasta em relação à pornochanchada é a reflexão ao próprio tom moralista do
gênero. No caso, o fato do cineasta não enquadrar a questão sexual dentro do “padrão
vigente, quer seja comercial ou político”, possibilitando-se assim a percepção da
marca autoral.
Diferente da maior facilidade encontrada pelos agentes do campo em apontar a
autoria nas experiências de Joaquim Pedro, Antônio Calmon não carrega tamanha
unanimidade. Não há vínculo mais direto do cineasta com nenhum movimento
cinematográfico em que a autoria seja destacada. O único registro encontrado, no qual
Calmon é tratado enquanto “autor” é o artigo de Newton Cannito (2000a),
Pornochanchada de autor, onde inclusive é analisado ao lado de Joaquim Pedro.
Para observar a autoria de Antônio Calmon dentro das pornochanchadas,
especificamente nos três filmes que dirigiu para Pedro Carlos Rovai, Gente Fina é
Outra Coisa (1977), O Bom Marido (1978) e Nos Embalos de Ipanema (1979), é
necessário contextualizar minimamente a sua atuação dentro do campo
cinematográfico. Calmon iniciou sua carreira trabalhando como assistente de direção
para nomes como Júlio Bressane, Gustavo Dahl, Arnaldo Jabor e Glauber Rocha e
dirigiu seu primeiro filme em 1971, uma comédia, O Capitão Bandeira Contra o Dr.
Moura Brasil. Os seus dois filmes seguintes, Paranoia (1976) e Revólver de
Brinquedo (1977), dialogam com o gênero policial a partir de uma perspectiva de
drama existencial.
É válido notar também o quanto o trabalho de Calmon em relação ao gênero
policial é reconhecido. José Mário Ortiz Ramos (2004, p. 179), em Cinema, televisão
e publicidade, aborda o filme Eu matei Lúcio Flávio (1979), o qual seria um exemplo
de policial que usa o erotismo consciente da escopofilia em busca de público,

  80  
objetivando “transmitir sensações através da utilização do grotesco e das imagens sem
véus”. Esta direção de Calmon, diferente do filme de Hector Babenco que retrata o
mesmo universo, Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977), tem a intenção de
impactar e de se aproximar de uma plateia que se supõe popular. Calmon utiliza
elementos icônicos como Jece Valadão, como protagonista, além de músicas
populares de Roberto Carlos em meio a cenas de assassinato.
Tentando dar conta do universo de Calmon nas pornochanchadas, é
interessante me deter sobre uma crítica de José Carlos Avellar, Nós quem, cara
pálida?, publicada no Jornal do Brasil de 30 de setembro de 1977. O foco de Avellar
é em Gente Fina é Outra Coisa, o qual considera uma clara tentativa de dar sentido à
rebeldia desajeitada e inconsequente pregada pela pornochanchada, onde Calmon
busca uma “cultura de oposição”. Uma “comédia que propõe uma versão simplificada
de antropofagia”. Em Teoria da Relatividade, Avellar (1979-80, p. 89) descreve uma
cena do filme que pode explicar esse local de oposição.

Em Gente Fina É Outra Coisa, por exemplo, o diretor Antônio


Calmon abre e fecha um dos três episódios com o comentário de um
grupo de desempregados, que sujos e mal vestidos se deixam ficar
num banco de praça. Na cena inicial eles riem do herói
uniformizado de copeiro, colete, camisa branca, calça listrada, com
o cachorrinho da madame. [Parágrafo] Depois disto a câmera
esquece os desempregados e acompanha só as relações do copeiro
com os patrões milionários e mais a empregadinha, que debochava
de sua subserviência à patroa. E as cenas que se seguem colocam o
espectador mais e mais ao lado da empregada, e especialmente dos
malandros que observam do banco da praça, sem entrar na história.
A patroa fica nua na frente do copeiro, e explica que isto não tem a
menor importância, porque ele, empregado, não existia como gente,
não tinha sexo. No momento em que tem relações sexuais com o
copeiro, a patroa (mesmo sem deixar de ser patroa) perde a sua
autoridade. Ou melhor, é ainda a autoridade, mas já não é mais
respeitada. O copeiro sai triunfante, e no caminho ainda derruba o
patrão com um tabefe na porta do edifício. Os malandros estão
sempre lá, olhando, sem participar, se aproximam e aplaudem o
herói, pelo desrespeito. (AVELLAR, Ibid., p. 89)

É através da descrição acima que se entende o porquê de Calmon de certa


forma “conquistar” Avellar, servindo inclusive de parâmetro do que seria uma
pornochanchada não-grosseira ou não-vulgar. Em Gente Fina é Outra Coisa, através
dos códigos genéricos já discutidos, Calmon consegue tratar de uma luta de classes,
onde as divisões entre ricos e pobres existem, mas não são mais respeitadas.

  81  
Novamente, tal como percebido através da abordagem feita sobre Joaquim Pedro de
Andrade, a autoria em relação a Calmon ganha seus contornos a partir de análise do
texto fílmico. Porém, esta é formulada pela prática discursiva feita por agentes
legitimados dentro do campo cinematográfico e que consideram um “autor” aquele
que está em certa sintonia com o projeto de cinema defendido por esses agentes.
Jairo Ferreira35 (1977b), em Uma pornochanchada de bom gosto, publicado
na Folha de São Paulo, em 25 de agosto de 1977, tratando do lançamento de Gente
Fina é Outra Coisa, mesmo sem mencionar o termo “autor”, permite uma percepção
de Calmon enquanto um cineasta que subverte o gênero, o que dentro da concepção
de cinema de Ferreira é visto como algo digno de elogios. Na matéria, há uma foto do
diretor e do produtor do filme, Pedro Carlos Rovai, com a seguinte legenda: “Rovai e
Calmon: aéticos e amorais”. Segundo depoimento de Calmon,

Meus filmes sempre dispensaram maniqueísmos, não são nem


críticos nem moralistas. Embora não faça filmes com proposições
muito ambiciosas, acho que estou captando comportamentos
urbanos modernos, sem ter nenhuma visão prévia. O meu cinema é,
a rigor, um cinema amoral, aético, totalmente pragmático. E
considero o contato com Rovai a última etapa da minha formação
de cineasta. É um contato com a visão de mercado pura e
simplesmente. (CALMON apud FERREIRA, 1977b, p. 33)

Já O Bom Marido, segundo filme da parceria Calmon e Rovai, tem como


primeira sequência imagens de alguma praia carioca, onde a voz over trata do hábito
dos índios brasileiros de oferecerem a mulher ao estrangeiro buscando algum
privilégio. Mais adiante, descobre-se que a voz pertence a Afraninho (Paulo Cesar
Peréio), protagonista ao lado de Malu (Maria Lucia Dahl), e que o seu personagem
teria o mesmo hábito dos índios, representando a figura do “bom marido”. Embora
esta abertura seja uma citação da piada inicial de O Pecado Mora ao Lado (1955), de
Billy Wilder, o que mais me chamou a atenção no filme de Calmon é o que parece ser
o enteado do personagem de Paulo Cesar Peréio e filho do personagem de Maria
Lucia Dahl. Não se sabe exatamente se Afraninho é pai ou não do garoto, mas fica
claro que este é rejeitado (inclusive em nenhum momento sendo chamado de filho, a
não ser por Malu), por não querer estudar e por ser homossexual. No entanto, trata-se

                                                                                                               
35
Cabe ressaltar que Jairo Ferreira é um crítico e cineasta muito importante dentro do campo
cinematográfico brasileiro da década de 1970, o qual será analisado mais detalhadamente no terceiro
capítulo enquanto agente formulador de discursos os quais possibilitaram a distinção de uma autoria.

  82  
de um personagem que foge do estereótipo geralmente apresentado na
pornochanchada e já descrito anteriormente. É um jovem, com referências musicais
tal como David Bowie, que faz o cabelo da mãe na hora em que ela vai ser oferecida
para algum estrangeiro, mas que luta karatê para se defender. Quando em uma
discussão o personagem de Peréio parte para cima do enteado, chamando-o de bicha,
este revida com um soco, não deixando-se intimidar. A masculinidade do protagonista
é colocada em prova tanto ao ofertar a sua mulher em troca de favores econômicos,
quanto por ser subjugado por seu enteado homossexual.
Essa “nova juventude”, por assim dizer, será a tônica de alguns filmes de
Antônio Calmon, incluindo a produção seguinte de Rovai. Em uma referência
explícita a Nos Embalos de Sábado à Noite (1977), de John Badham, Nos Embalos de
Ipanema conta a história de um surfista de subúrbio, Toquinho, personagem de André
de Biase, que acaba se prostituindo, com mulheres e homens, para poder conseguir
uma renda e frequentar a roda jovem da zona sul carioca. Aqui não há qualquer
estigmatização do bissexualismo do protagonista ou mesmo do seu envolvimento com
as drogas como maneira de socializar com uma faixa social em que ele se encontra
excluído. É interessante notar que o personagem vivido por André Biase iria perdurar
no audiovisual por quase dez anos. Primeiro, em Menino do Rio (1982), filme
seguinte de Calmon que aprofunda a sua incursão no que poderia ser chamado de
gênero surf e depois no seriado televisivo veiculado na Rede Globo durante a segunda
metade da década de 1980, Armação Ilimitada. Vale ressaltar que essa juventude,
inicialmente transgressora em sua relação com as drogas ou com a própria
sexualidade, foi ficando cada vez mais “careta” ao ser incorporada pela mídia e se
tornar uma fórmula dentro da cultura de massa.
Retomando Nos Embalos de Ipanema, de acordo com Calmon,

Apesar de não ser um projeto meu, incialmente, mesmo assim


sugeri que o garoto fosse um surfista de subúrbio. Porque eu achava
que um surfista da zona sul não dava um bom filme, o surfe é uma
coisa muito alienada. (...) Quando eu assumi, achei o roteiro muito
fraco, muito Disneylândia – a Disneylândia do surfe; não tinha o
lado mais maldito. Então chamei o Silvan Paezzo, e eu mesmo
escrevi algumas sequências (...) (CALMON apud RAMOS, 2004, p.
210)

Utilizando-me da teoria genérica para tratar do autorismo, primeiramente


destaco Rick Altman (2009, p. 208) e a abordagem pragmática, a qual aponta que

  83  
cada gênero é definido por múltiplos códigos, correspondentes aos múltiplos grupos
que possuem legitimidade na definição genérica. Esses agentes, da mesma forma que
estabelecem os limites e definições para determinados gêneros, podem também eleger
diretores, ou produtores, através de diferentes classificações, que operam como
“autores”. Além disso, retomo também a abordagem culturalista de Jason Mittell
(2001) que objetiva uma análise de como as definições, interpretações e avaliações
genéricas são constituídas culturalmente. Abordagem a qual também permite o estudo
dessa distinção, construída, entre aqueles que seriam autores dentro do gênero da
pornochanchada.
Aproximando as abordagens feitas tanto para Joaquim Pedro de Andrade
quanto para Antônio Calmon, percebe-se que o que mais chamou a atenção dos
críticos e da academia, no nível do texto fílmico, relaciona-se muito com uma espécie
de transgressão às regras do gênero. A ausência de culpa na relação sexual, no caso de
Vereda Tropical. Os personagens homossexuais que fogem do estereótipo de afetado
e frágil, nos casos de O Bom Marido e Nos Embalos de Ipanema. Ou seja, de acordo
com esta perspectiva, Joaquim Pedro e Calmon trabalharam com os códigos genéricos
impondo um estilo reconhecível. Contudo, é importante lembrar que os agentes do
campo da academia ou da crítica também atuam enquanto formuladores de discurso,
junto com os próprios cineastas, ao visualizarem e atentarem para um estilo passível
de ser reconhecido no caso de Joaquim Pedro e Calmon.

  84  
Capítulo 3: Pedro Carlos Rovai e a construção de um profeta

3.1. Os jogos de força

Pedro Carlos Rovai é um realizador que, acima de tudo, soube lidar com as
cartas oferecidas durante a década de 1970. Se seus filmes atingiram uma excelente
bilheteria36, o sucesso comercial da Sincro Filmes se deve em parte ao fato do
realizador se mostrar atento e atuante no jogo de forças do contexto cinematográfico
brasileiro do período. Não é o caso de menosprezar seu papel enquanto diretor e/ou
produtor na escolha do elenco ou da equipe técnica, mas a atenção deve ser voltada
também para cada fala, cada entrevista dada na época de lançamento dos filmes.
Não que a prática discursiva de Rovai tenha criado uma aura em torno dos
seus filmes. Se críticas, positivas e principalmente negativas, foram feitas em relação
à pornochanchada, Rovai não escapou de nenhuma delas. O que me interessa é a
maneira como ele se utilizou do espaço destinado às críticas, em seus dois polos, para
alçar um diferencial que, dentre outros privilégios, permitiu-o fazer parte de uma
espécie de elite dentro do gênero. Ou seja, galgar uma legitimidade dentre os que
realizaram pornochanchadas, o que talvez justifique, inclusive, parte da atual
revalorização do gênero e da própria figura de Rovai.
Analogamente ao que ocorreu com a chanchada, é possível observar nos
últimos anos um movimento de rediscussão das pornochanchadas que envolve
diversos agentes. O impulso resulta não apenas na sua simples revalorização, mas
também em um debate, seja enquanto gênero cinematográfico, ou mesmo na busca
por uma nova abordagem dos seus valores e uso da linguagem e estética
cinematográfica.
Mesmo não sendo o objetivo da presente dissertação advogar pela valorização
do gênero com bases em argumentos estéticos, narrativos ou técnicos, alguns
                                                                                                               
36
Aqui considero tanto os filmes produzidos quanto os dirigidos por Rovai, porém restringindo-me à
década de 1970. A única exceção perceptível em relação à bilheteria é o filme Crueldade Mortal,
dirigido por Luiz Paulino dos Santos, em 1977, e em coprodução com a Embrafilme, de proposta mais
“autoral” e claramente voltado para festivais. Os números de bilheteria, fornecidos pela própria Sincro
Filmes, são: Adultério à Brasileira, 1,5 milhão de espectadores; Lua de Mel e Amendoim, 1 milhão de
espectadores; A Viúva Virgem, 5 milhões de espectadores; Os Mansos, 2,8 milhões de espectadores;
Ainda Agarro Esta Vizinha, 3 milhões de espectadores; Salve-se quem puder, 800 mil espectadores;
Banana Mecânica, 1 milhão de espectadores; Luz, Cama, Ação!, 1,5 milhões de espectadores;
Crueldade Mortal, 300 mil espectadores; Ibraim do Subúrbio, 700 mil espectadores; Gente fina é outra
coisa, 2 milhões de espectadores; O bom marido, 1,5 milhão de espectadores; Nos Embalos de
Ipanema, 2 milhões de espectadores; Ariella, 2,5 milhões de espectadores.

  85  
tratamentos recentes dados à pornochanchada são interessantes para uma breve
análise. Um primeiro exemplo é o esforço do cineasta Carlo Mossy em produzir os
DVDs dos filmes por ele dirigidos e atuados, vendidos em sua própria produtora,
onde há os seguintes dizeres, em uma cartela colocada no início de cada filme:
“pornochanchada não é pornografia”. Nota-se a proposta de Mossy de marcar a
distinção entre os dois gêneros, obtendo, dessa maneira, um diferencial também para
os seus próprios filmes. Um segundo exemplo, é a mostra cinematográfica, 20x
pornochanchada. Realizada na Caixa Cultural do Rio de Janeiro no ano de 2011,
foram exibidos vinte filmes do gênero, além da promoção de um debate intitulado
Pornochanchada – Paixão Nacional mediado por Eduardo Souza Lima e com nomes
como Carlo Mossy, Nicole Puzzi, Andrea Ormond e Beatriz Kushnir.
Por fim, um dos maiores exemplos da revalorização da pornochanchada é a
faixa de filmes do Canal Brasil chamada Como era gostoso, a qual exibe produções
brasileiras que priorizam a temática sexual. Mesmo limitado a um público restrito,
tanto pelo horário de exibição dos filmes, a partir da meia-noite, quanto pelo fato da
televisão por assinatura não atingir nem mesmo metade dos lares brasileiros, essa
programação é bastante representativa. Trata-se da exibição de filmes brasileiros,
incluindo a pornochanchada, em um canal voltado apenas para a produção
cinematográfica nacional e, com o objetivo de valorizar tal produção.
No que diz respeito à crítica cinematográfica mais atual, chamo a atenção para
alguns artigos publicados na revista eletrônica Contracampo. Cabe situar que na
época de divulgação desses textos, a revista possuía forte influência na crítica
cinematográfica, a partir de agentes que atuavam no campo não só como críticos, mas
também como cineastas. Embora, sua recepção, por uma questão de proposta ou
mesmo pelo seu molde virtual, tenha sido voltada para um público mais específico.
O primeiro artigo, chamado O negócio foi assim..., é uma entrevista feita em
2004 por Luís Alberto Rocha Melo (2009b) com Remier Lion, então curador da
mostra Cinema brasileiro: A Vergonha de uma nação e também organizador do
cineclube Malditos Filmes Brasileiros. De acordo com Lion, a mostra procurava dar
conta de uma visão “pop” do cinema brasileiro que fugisse da visão de cultura
proveniente do “ranço da ditadura”. O que chama a atenção no depoimento, que se
soma ao tom provocador das palavras de Lion, é o nome dado tanto para a mostra
quanto para o cineclube. A provocação consiste em se exibir filmes nacionais, muitos
deles ligados à pornochanchada, que não deveriam ser mostrados ou mesmo

  86  
lembrados devido ao seu caráter cultural ser considerado menor. Lion também
escreve, para a revista Contracampo, Cinema? É a maior sacanagem: sobre
pornografia e a obra de Nilo Machado (2009). O artigo é sobre o cineasta, oriundo da
Boca da Fome, que já em finais dos anos 1950 começou a enxertar em filmes
estrangeiros pequenos números de strip-tease e, que trabalhou durante a década de
1980 com os filmes de sexo explícito.
Ainda na Contracampo, Ruy Gardnier em A rica fauna da pornochanchada
(2009), ao tratar a pornochanchada enquanto gênero, busca discorrer rapidamente
sobre os códigos genéricos perceptíveis através dos personagens clichês. Citando os
exemplos do melodrama, com a “mãe mexicana” ou o western, com o “cavaleiro
solitário”, a pornochanchada teria apostado em personagens reconhecíveis por uma
sociedade tão moralista quanto os filmes, tal como: o garanhão cafajeste, a virgem
profissional, o velho tarado, a frígida gostosa, a moça liberada, o marido
inadimplente, a esposa em erupção, a titia malandrona ou o safado engravatado.
Por último, cito Daniel Caetano (2009), em Por dentro e por fora das
pornochanchadas, publicado na Contracampo em 2002. Em seu artigo, Caetano
problematiza o porquê de determinados filmes – citando diretores como Joaquim
Pedro de Andrade, Luís Sérgio Person, Bruno Barreto ou Arnaldo Jabor – não serem
considerados pornochanchadas e outros sim. Independente dos argumentos
apresentados, interessa a proposta de uma revisão histórica sobre os filmes da época,
questionando quais os interesses em determinada produção ao se afastar do gênero,
porém aproveitando todo um público já receptivo a um cinema nacional que,
independente de sua qualidade técnica ou estética, flertava com o erotismo.
Dentro da área acadêmica, como já comentado, além de publicações de Laura
Cánepa e Gelson Santana, um importante impulso para a discussão da
pornochanchada foi o dossiê publicado na revista Sinopse (2000) com textos de
Newton Cannito, Inimá Simões, Flavia Seligman, além de um depoimento de Pedro
Carlos Rovai.
Em entrevista para o pesquisador Júlio Bezerra em Revista de Cinema
publicada em 2005, intitulada Pedro Carlos Rovai: Mais importante que Bergman,
pode-se notar a importância, seja em termos factuais ou mesmo para uma provocação,
alcançada pelo nome de Rovai dentro da historiografia do cinema brasileiro. A
matéria, a respeito do lançamento do filme Tainá 2, cita em seu título uma

  87  
provocação de Paulo Emílio Salles Gomes37, que dizia que o cinema de Rovai era
mais importante do que o de Bergman.

(...) Paulo Emílio Salles Gomes dizia que para o Brasil Rovai era
mais importante que Ingmar Bergman. Jean-Claude Bernardet via
em seus filmes um excelente modelo de comunicação popular.
Newton Cannito fala não em diretor de cinema, mas em realizador,
coordenando a equipe de artistas que realiza o filme, e sempre
preocupado em promover uma relação prazerosa e lucrativa entre o
longa e seu público. (BEZERRA, 2005)

Não entrando nos pormenores estéticos entre o cinema de Rovai e de


Bergman, o que importa é contextualizar a provocação de Salles Gomes, que legitima
o cinema de Rovai, ou seja, o cinema brasileiro, frente a um cinema estrangeiro. Essa
legitimação que parece datada, se observarmos apenas a citação de Salles Gomes,
torna-se contemporânea através de sua reutilização por Bezerra, servindo,
minimamente, para dar força à figura do produtor durante o lançamento de Tainá 2.
Cabe ressaltar o papel de destaque que Rovai tem recebido nesse momento de
revalorização da pornochanchada. O seu reconhecimento enquanto cineasta
importante para o gênero, mas também como um produtor nacional ainda em
atividade e com uma carreira de filmes bem sucedidos economicamente, gerou
algumas reportagens e depoimentos no decorrer dos anos. Em suas falas, é possível
observar como Rovai utiliza a prática discursiva para estabelecer um diferencial para
suas produções e, ao mesmo tempo torna esse referencial reconhecível por crítica e
público, estabelecendo uma aura autoral e aumentando também as possibilidades de
um bom retorno financeiro pra seus filmes.
Para observar as estratégias de Rovai para se estabelecer e se diferenciar
enquanto um autor dentro da pornochanchada, abordarei algumas críticas e
reportagens de jornais e revistas, contudo evitando as resenhas mais valorativas e que,
para esta dissertação, geram menos discussão. Como principais fontes discursivas,
usarei algumas críticas de Jean-Claude Bernardet e Jairo Ferreira sobre a
pornochanchada. A escolha desses nomes se deve ao fato de serem críticos, mas
também pensadores de cinema, a partir dos quais podem ser observadas linhas do que
seria um ideal cinematográfico, uma proposta estética para a produção brasileira do
                                                                                                               
37
Cabe ressaltar que os filmes de Ingmar Bergman eram vistos por parte da crítica oriunda da década
de 1960 e ligada ao Cinema Novo como parte de um cinema alienado e não comprometido com a
realidade social (NOGUEIRA, 2006, p. 25).

  88  
período. Em suas críticas, não há apenas análises fílmicas. Há também uma tentativa
mais ampla, buscando a percepção do contexto fílmico brasileiro como um todo.
Ainda que existam contradições e diferenças nos argumentos de Bernardet e Ferreira,
ambos partem de uma reflexão menos depreciativa da pornochanchada como gênero,
encarando-a como integrante da cinematografia nacional do período e, portanto,
passível de teorização e reconhecimento.
Assim, ao colocar as reflexões dos dois teóricos lado a lado com as falas de
um agente do campo tal como Rovai, fica ainda mais perceptível as práticas
discursivas do cineasta não apenas para se afirmar dentro da produção
cinematográfica brasileira, mas também para posicionar a pornochanchada como
esfera importante dentro do campo nacional.

3.2 – Pequena digressão sobre Paulo Emílio Salles Gomes e José Carlos Avellar
enquanto agentes da pornochanchada

Para entender melhor a conjuntura onde o cinema da pornochanchada se


insere, recorro a uma breve análise de um texto clássico de Paulo Emílio Salles
Gomes (1980), Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, publicado originalmente
na revista Argumento, de 1973, bem como a algumas considerações sobre as
argumentações de José Carlos Avellar, buscando compreender o que vai culminar no
texto Teoria da Relatividade, publicado em 1979-80.
De maneira fortemente ensaísta, Salles Gomes (Ibid.) em Cinema: Trajetória
no subdesenvolvimento aborda o cinema brasileiro através da dinâmica desenvolvido
versus subdesenvolvido, ocupante versus ocupado. Um ensaio onde se delineava
como o circuito nacional de distribuição e exibição sofreram, e ainda sofriam na
década de 1970, a invasão pelas produções estadunidenses. Uma ocupação tão forte
que mal se notava a presença de algo “estrangeiro”, de uma cultura que não é a
brasileira.

O cinema norte-americano, o japonês e, em geral, o europeu


nunca foram subdesenvolvidos, ao passo que o hindu, o árabe ou
o brasileiro nunca deixaram de ser. Em cinema o
subdesenvolvimento não é uma etapa, um estágio, mas um
estado: os filmes dos países desenvolvidos nunca passaram por
essa situação, enquanto os outros tendem a se instalar nela. O

  89  
cinema é incapaz de encontrar dentro de si próprio energias que
lhe permitam escapar à condenação do subdesenvolvimento,
mesmo quando uma conjuntura particularmente favorável suscita
uma expansão na fabricação de filmes. (Ibid., p. 75)

Em uma fala extremamente política, na qual o contexto econômico brasileiro


da época servia como espelho para o estado cultural cinematográfico, Salles Gomes
mostra uma espécie de situação inalienável à nossa produção, no caso, o
subdesenvolvimento.
Aqui cabe um aprofundamento para entender melhor o contexto anterior ao
texto de Salles Gomes, principalmente sobre o que deveria ser um cinema popular.
Cyntia Araújo Nogueira (2006, p. 22) mostra que, desde a segunda metade da década
de 50, observa-se o fortalecimento de um sentimento nacionalista – de direita e de
esquerda – em todos os campos da arte e nos debates políticos e econômicos. A ideia
corrente era expulsar o estrangeiro para se obter uma cultura nacional autêntica. Dessa
forma, a noção de “nacional por subtração” se destacou em diversos campos da
cultura brasileira, resultando em uma tendência de relacionar o nacional ao popular –
traduzida pela expressão “nacional-popular”. Considerando o cinema de Hollywood
como símbolo máximo do imperialismo, a década de 60 foi o momento de
rompimento radical com a ideologia estética atrelada ao modo de produção industrial
e, também do aprofundamento de discussões em torno de quais parâmetros temáticos
e estéticos poderiam constituir uma escola cinematográfica autenticamente brasileira.
De acordo com Pedro Simonard (2012), as esquerdas da década de 1950,
baseando-se em ideias desenvolvimentistas, situavam-se em um ideário onde a luta
pela afirmação de uma cultura nacional tinha como um dos principais objetivos fazer
com que o cinema brasileiro ocupasse os mesmos espaços do cinema estrangeiro.
Desenvolvidas principalmente pelo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros),
essas teorias de teor fortemente anti-imperialista chegam também aos quadros do
Cinema Novo, que pensando no que deveria ser um cinema nacional-popular, tomam
a chanchada também como inimiga. O gênero brasileiro das décadas de 1940 e 1950
era tachado como “populista” e considerado tão alienante e prejudicial quanto o
cinema hollywoodiano, pois não se enquadrava no projeto que as esquerdas
brasileiras haviam elaborado para o Brasil e para o povo brasileiro.
Entretanto, como ressalta Simonard, a chanchada possuía grande receptividade
com o público e, através da comédia, pôde satirizar o próprio cinema estadunidense,

  90  
além de apresentar elementos próprios da cultura brasileira, como por exemplo o
carnaval.

No entanto (...) o reconhecimento da manifestação popular, não


estava na ordem do dia das esquerdas de então. O povo tinha que
ser submetido a um projeto específico de tomada de poder feito para
ele pelas elites intelectuais de esquerda. Desta forma, muitos
elementos importantes da cultura popular foram relegados a um
segundo plano. (Ibid.)

Já nas décadas de 1970 e 1980, alguns dos próprios realizadores ligados ao


Cinema Novo repensariam o seu posicionamento sobre a chanchada, praticando uma
espécie de revisionismo, inclusive em alguns filmes. Pode-se tomar como exemplo
Macunaíma, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade em 1969, que além de
incorporar elementos do gênero, teve como protagonista um dos principais atores da
chanchada, Grande Otelo.
Ao abordar a chanchada em Cinema: trajetória do subdesenvolvimento, Salles
Gomes (Ibid., p. 79-80) expõe que se tratou de um cinema desvinculado do gosto do
ocupante e contrário aos interesses estrangeiros, produzindo ininterruptamente por
duas décadas. Ao cair no gosto do ocupado e, mesmo com um relativo
descompromisso político em suas narrativas, o gênero se tornava então algo positivo
dentro da proposta do autor. A identificação do espectador com os personagens da
chanchada, em geral malandros, pilantras, desocupados, polemizava a discrepância
entre ocupantes, que se identificavam com os valores apresentados no cinema
hollywoodiano, e ocupados.
A chanchada tinha como público o trabalhador, o qual passou a ser
representado e a virar protagonista das produções do Cinema Novo. Contudo, quando
o ocupado passou a se encontrar na tela dos cinemas, este deixou de frequentar as
salas. Para Salles Gomes (Ibid., p. 84-85), não se pode saber exatamente qual seria a
progressão do Cinema Novo, em termos narrativos, estéticos e também na sua relação
com o público brasileiro, pois o golpe de 1964 interrompeu qualquer possibilidade de
maturação. O que viria em seguida, a comédia erótica, segue o que o autor vai chamar
de “pão e sexo”, uma fórmula que, independente das falhas, cumpre sua missão de
tentar substituir o cinema estrangeiro.
Devo destacar que mesmo interrompidos de certa forma pelo golpe de 1964,
os cineastas ligados ao Cinema Novo continuaram filmando e sendo reconhecidos em

  91  
festivais internacionais. Além disso, embora produzindo em menor escala do que no
início da década, os cinemanovistas não deixaram de exercer sua influência estética,
ideológica e também política dentro do campo cinematográfico, principalmente em
relação às políticas públicas. Em 1974, por exemplo, Roberto Farias e Gustavo Dahl,
dois nomes ligados ao grupo, tornaram-se respectivamente diretor geral e diretor do
setor de distribuição da Embrafilme38.
Salles Gomes faleceu em 1977 e seu ensaio influenciou muitos críticos e
pensadores de Cinema, incluindo Jean-Claude Bernardet o qual irei tratar mais
adiante. Interessa-me, principalmente, o modo como a oposição existente entre um
cinema dominante e um cinema dominado acabaria por servir como defesa para uma
produção nacional de caráter mais popular, considerada muitas vezes “grosseira” ou
com “maus modos”, mas que atendia aos anseios ao competir com o cinema
estrangeiro.
Como já comentado em capítulo anterior, Avellar (1979-80), em A Teoria da
Relatividade, define a linguagem da pornochanchada como predominantemente
grosseira, onde essa grosseria se relaciona com a Censura oficial, que retalha os
filmes e impõe uma cinematografia onde pouco se mostra e muito se insinua. Neste
texto extremamente crítico em relação à pornochanchada, o autor define a relação que
esta tem com o próprio Estado, onde o mesmo princípio que leva o censor a cobrir os
nus com bolas pretas, no caso já citado de Laranja Mecânica, leva também um
produtor de filme a cobrir as relações sexuais das pornochanchadas com eufemismos.
Uma das bases da teoria de Avellar sobre a pornochanchada reside no fato do gênero
ter surgido em finais da década de 1960, coincidindo com o momento em que a
repressão estava mais forte na ditadura militar brasileira. Em 13 de dezembro de
1968, durante o governo do presidente Costa e Silva, foi decretado o já mencionado
AI-5. Avellar estabelece, então, a relação entre Censura e pornochanchada, onde a
primeira, através dos cortes às cenas e temáticas, influencia a forma narrativa da
segunda.

                                                                                                               
38
Segundo Arthur Autran (2010, p. 25), em O pensamento industrial brasileiro, com a criação do
Instituto Nacional de Cinema (INC), em 1966, e a Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilme), em
1969, o Estado passou a financiar e a proteger o cinema brasileiro, garantindo parte do mercado via
“cota de tela”. Foi a política estatal que possibilitou a produção de mais de cem longas metragens por
ano, em finais da década de 1970, como também a ocupação de cerca de trinta por cento do mercado de
exibição. Inicialmente voltada apenas para a produção, em 1974 a Embrafilme teve a sua esfera de
atuação ampliada, podendo também distribuir e coproduzir os filmes brasileiros.

  92  
Baseando sua teoria na relação ditatorial que o governo militar exercia sobre a
sociedade, Avellar expõe:

Os eufemismos usados pelo governo para cobrir a realidade que


saltava aos olhos, nua e crua, eram de fácil decifração pela classe
dominante e incompreensíveis para a classe dominada. Os
eufemismos usados pela pornochanchada para encobrir esta mesma
realidade eram de fácil decifração pela classe dominada e
incompreensivelmente bárbaros e grosseiros para a classe
dominante. (Ibid., p. 68)

No trecho acima, nota-se que Avellar utiliza de um vocabulário semelhante ao


de Salles Gomes ao observar uma divisão de classes dentro da sociedade brasileira, as
quais teriam uma receptividade diferente à linguagem da pornochanchada. Dessa
forma, Avellar chama a atenção para o fato de que, quando o gênero recebe críticas da
imprensa ou sofre alguma ação pelos censores, isto se dá mais pela maneira pela qual
as coisas eram ditas, do que propriamente pelo que era dito. O moralismo e o sucesso
apenas para os mais fortes – presentes nas narrativas do gênero – não representavam o
problema para a ditadura. O porém estava no “mau gosto” dos filmes, que acabam
sim por apresentar uma sociedade que não deveria ser mostrada, ou mesmo
reconhecida frente a um projeto de Brasil objetivado pelo regime militar (AVELLAR,
Ibid., p. 69).
Dessa forma, Avellar reforça sua proposta de ligação da linguagem da
pornochanchada como algo inventado pela Censura, onde se cria uma “estética da
Censura”, que, através da deformação, dos cortes, resulta no que chama de uma
“grosseria cíclica”.

A censura, a linguagem violenta do poder, não podia nada contra


quem usava das mesmas armas. Os cortes não alteravam uma
linguagem que em sua própria concepção era cortada e
desarticulada. As ameaças e pressões econômicas não surtiam efeito
para quem tinha um apoio numa prática de trabalho feita de um
investimento mínimo e uma resposta rápida e farta. Mas a Censura
se valia da pornochanchada para reafirmar a necessidade de sua
existência. (Ibid., p. 67)

Conspiração e golpe de estado, publicado no Jornal do Brasil de 10 de agosto


de 1974, serve como exemplo da questão acima levantada. Centrando seu texto sobre
o filme de Roberto Mauro, As Cangaceiras Eróticas de 1974, Avellar relata que
apesar desta produção ter sofrido inúmeros cortes quando apresentado para os

  93  
censores, foi um dos filmes mais beneficiados pela própria existência da Censura.
Para contextualizar o porquê tanto dos cortes quanto da ajuda que esses cortes
representou para o filme, Avellar cita uma fala de Pier Paolo Pasolini durante o
Festival de Cannes de 1974, a propósito da exibição do seu As Mil e Uma Noites:

Na escala dos interesses humanos o interesse pelo sexo é


considerado inferior aos outros, uma demonstração de fraqueza ou
coisa pior. Ninguém acusará o espectador de O encouraçado
Potemkim de estar motivado por um simples interesse político,
numa tentativa de diminuir o valor real do filme. Mas todos
concordam em acusar o espectador de um filme onde o sexo é
representado em sua nudez total de estar movido por um mísero
interesse sexual. (PASOLINI apud AVELLAR, 1974)

Através de Pasolini, Avellar busca questionar a hierarquização que valorizava


os filmes com temáticas políticas, onde o próprio cineasta italiano, cita O
encouraçado Potemkim dirigido por Sergei Eisenstein em 1925, como exemplo de um
filme sério, por abordar um tema predominantemente político, em oposição às
produções que tematizavam o sexo e, portanto, estariam motivadas por um “interesse
inferior”.
Avellar analisa os cortes das cenas de nudez ou com intenções eróticas como
resultantes da hierarquização dos interesses humanos. Assim, ao proibir a abordagem
do sexo nos filmes, houve a possibilidade do surgimento do que o autor considera
“deformações pornográficas”, onde a interdição estimula a produção. Ao mesmo
tempo em que se tem consciência de que há uma produção no resto do mundo que
flerta com o erotismo e a pornografia, para Avellar seria o hábito de cortar que
moldou uma linguagem cinematográfica baseada na grosseria. E As Cangaceiras
Eróticas encontraria sua forma justamente nesta distorção. Avellar então
complementa:

Uma vez que as conversas sobre fatos naturais como o sexo são
proibidas ou veladas, todas as proibições ganham a mesma escala de
interesses, e provocam um idêntico grau de prazer. Que outra razão
pode explicar o interesse por espetáculos tão grosseiros em uma
plateia habitualmente reticente diante de um filme brasileiro? (Ibid.)

Mesmo problematizando a recepção a qual tacha os filmes da


pornochanchada como “bárbaros” ou “grosseiros”, Avellar, em diversos artigos,
recorrentemente utiliza o mesmo vocabulário. O que leva a conclusão de que mesmo

  94  
a pornochanchada narrando de uma forma que chocava dominantes e entretinha
dominados – para resgatar a terminologia utilizada pelo próprio autor – essa
característica não era suficiente para reduzir o teor crítico de Avellar. Tanto em
relação à linguagem utilizada nos filmes, fosse ela imposta pela Censura ou não,
quanto aos valores que a pornochanchada expunha e que dificilmente problematizava
ou questionava.
Um exemplo de exceção se dá no artigo Nem tudo que reluz é ouro39, de 11 de
março de 1976. A respeito do filme O Homem da Cabeça de Ouro, de Alberto
Pieralisi, Avellar dá indícios do que consideraria um tratamento mais intelectualizado
para o gênero. Mesmo contendo os códigos das pornochanchadas no que diz respeito
à linguagem cinematográfica, o filme é considerado pelo autor como sofisticado e o
exemplo se dá por uma cena de masturbação onde, através do efeito de montagem, é
estabelecido um relacionamento entre um dos personagens e uma revista masculina.
A transgressão na utilização da linguagem para a construção de uma cena romântica
não entre um homem e uma mulher, mas entre um homem e uma revista, é vista de
forma positiva por Avellar40.
Além disso, em Nem tudo que reluz é ouro, Avellar menciona a recepção do
público e o uso do gênero como catarse para o mesmo.

Parece fora de dúvida que o espectador destes filmes entra no


cinema para agredir: os mais fracos, os velhos, os incapazes de
conquistar muitas mulheres que se cuidem. Na pornochanchada a
plateia não vai buscar resposta a uma repressão sexual, mas um
alívio para uma pressão social. O sexo é apenas uma linguagem em
que as coisas podem ser ditas abertamente, uma gíria de domínio
geral. É uma linguagem que liberta como um palavrão.
(AVELLAR, 1976a)

Já em A pornochanchada: uma solução típica e natural, publicado na Revista


de Cultura Vozes, de maio de 1976, Avellar discorre sobre o lançamento de O
estranho vício do Dr. Cornélio, de Alberto Pieralisi, focando no cinejornal, Notícias
da Semana, que abria as sessões nos cinemas do Rio de Janeiro. O filme em cores
fazia parte da propaganda oficial para incentivar o turismo interno. De acordo com o
crítico, esse uso dos cinejornais surgiu na mesma época em que os exibidores,

                                                                                                               
39
Artigo sem referência e com data escrita à mão, encontrado no Acervo da Cinemateca do Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, pasta 20656 (Pornochanchada).
40
É válido citar novamente o exemplo de Vereda Tropical de Joaquim Pedro de Andrade, que, mesmo
utilizando os códigos genéricos da pornochanchada, consegue a transgressão dentro da fórmula.

  95  
geralmente precavidos quanto à exibição de filmes brasileiros, cederam espaço para
as pornochanchadas.

Sem dúvida, não passa pela cabeça de ninguém colocar as


pornochanchadas entre as nossas belezas, mas não há dúvidas
também de que elas são um produto típico e natural da paisagem
brasileira, de um mercado que reserva as sobras para o filme
brasileiro, de uma produção cultural estrangulada pelas pressões da
censura, e sobretudo de um hábito de falar numa linguagem
figurada, indireta, de duplo sentido. (...) De um lado, na
pornochanchada, um sem número de eufemismos para substituir
com grosserias o sexo masculino: vara de pescar, linguiças,
pauzinho de sorvete, bananas mecânicas. De outro, uma boa
quantidade de eufemismos para substituir, com delicadezas,
realidades contundentes. Para citar apenas exemplos recente:
carência de chuva em lugar de seca, desaquecimento econômico, em
lugar de esfriamento da economia (...) (Id., 1976b, p. 25)

O fato de Avellar observar a pornochanchada um produto típico do mercado


cinematográfico brasileiro, possibilita observar certa influência de Paulo Emílio
Salles Gomes, onde a condição de país subdesenvolvido gera consequências nos mais
diversos setores. Contudo, Avellar é consciente de que, se os cinejornais, enquanto
propaganda oficial, repetem a necessidade de um esforço coletivo para levar o Brasil
para frente, essa demanda é negada ao público pela pornochanchada, principalmente
através do caráter individualista dos seus personagens de uma forma geral e
especificamente de seus protagonistas.

No mundo das comédias eróticas só existe lugar para os fortes, e o


sexo tem disso simplesmente a linguagem usada para levar até a
plateia o apelo a uma luta individual, descomprometida com tudo.
(Ibid., p. 27)

Ainda em A pornochanchada: uma solução típica e natural, Avellar trata de


um novo momento das pornochanchadas, as quais, a exemplo de Luz, Cama, Ação!,
direção de Claudio Mac Dowell, estariam se reinventando. O crítico vê como positivo
a iniciativa desta produção de Pedro Carlos Rovai, de características metalinguísticas
– uma pornochanchada sobre a filmagem de uma pornochanchada. Entretanto, sem se
deter no exemplo específico de Luz, Cama, Ação!, mas no próprio fato do gênero
estar buscando uma autorreflexão, Avellar pondera se a partir do aprimoramento na
linguagem e da busca por “bons modos sociais” a pornochanchada não correria o
risco de se transformar na simples imitação do cinema estrangeiro ou mesmo, fazendo

  96  
uma provocação no fator econômico, transformar-se em um “filme brasileiro, coisa
que não que não interessa a ninguém e mal chega a ser exibido” (AVELLAR, Ibid., p.
32).
Em setembro de 1985, foi realizado um seminário durante o Festival de
Cinema Brasileiro de Brasília, promovido pela Universidade de Brasília e a Fundação
Cultural do Distrito Federal. Em uma mesa formada por Silvio Tendler, Werner
Schunemann e Inimá Simões, interessou-me bastante a transcrição de uma colocação
de José Carlos Avellar, que se encontrava neste dia na plateia, a respeito da fala de
Simões sobre a pornochanchada.

(...) a oposição em parte das pessoas, entre as quais eu me incluo,


não está no fato de eles falarem de sexo, não. Pelo contrário, é pelo
fato de eles não falarem de sexo e de carregarem nos seus filmes
uma série de preconceitos com relação à sociedade brasileira.
Preconceitos contra o negro, contra o mulato, contra a mulata, que
eram tidos como objetos sexuais de segunda categoria; quanto não à
filmagem da mulher nua ou seminua, não, mas à deformação do
corpo da mulher nua, uma deformação agressiva mesmo (...) os
filmes não falavam propriamente de erotismo, mas deformavam o
comportamento erótico e utilizavam o sexo como uma
representação de poder, quer dizer, que se tratava de uma coisa do
homem: mais interessante ou mais poderoso era aquele que
conseguia ter o maior número de mulheres, e que isso não tinha
nada a ver com uma relação erótica e sim com uma relação de
poder, que era igual à relação de poder exatamente, montada no país
, que criou público para esses filmes e que encontravam traduzidos
numa forma de narração extremamente simplória o que o poder
naquele momento anunciava como uma coisa erudita. (AVELLAR
apud MORAES, 1986, p. 130).

Avellar e Salles Gomes, cada um a sua maneira, tornam-se importantes em


termos de contextualização do campo cinematográfico da década de 1970, pela
influência exercida sobre os diversos agentes, entre crítica e academia. Ambos
influenciaram todo um vocabulário que se tornou recorrente nas discussões sobre
cinema nacional e apresentaram perspectivas estético-políticas bastante específicas
para a observação da produção cinematográfica, os quais podem ser aplicados na
análise da pornochanchada.

  97  
3.3. As práticas e agentes que possibilitam observar Pedro Carlos Rovai
enquanto profeta da pornochanchada

Dentre os vários artigos publicados em jornais e revistas sobre o cinema


brasileiro durante as décadas de 1970 e 1980, e que se detiveram minimamente sobre
a pornochanchada, a maior atenção que será dada aos nomes de Jean-Claude
Bernardet e Jairo Ferreira não surge ao acaso. Em seus textos, ambos buscaram uma
observação do campo cinematográfico brasileiro que permite, através da exposição e
análise de algumas de suas críticas, esmiuçar algumas das perspectivas estéticas
vigentes durante o período e como a pornochanchada se encaixa e, de certa maneira se
aproveita, dessas propostas. É válido ressaltar que tanto Bernardet quanto Ferreira
tomaram Pedro Carlos Rovai como um importante agente do campo da
pornochanchada, entrevistando-o durante a segunda metade dos anos 1970.
Em uma mesa redonda sobre Paulo Emílio Salles Gomes, pouco mais de um
mês após sua morte, há um amplo debate sobre Cinema: trajetória no
subdesenvolvimento. Na mesa composta por Maria Rita Galvão, Antonio Candido,
Ismail Xavier, Jean-Claude Bernardet e Maurício Segall, e cuja transcrição foi
publicada na revista Filme Cultura de número 35/36, pode-se aprofundar um pouco a
extensão do ensaio. É perceptível em todas as falas que a interpretação literal da
discrepância entre ocupante e ocupado, principalmente por estudantes, fez com que
houvesse uma espécie de negação ao cinema estrangeiro em contraposição a uma
valorização da produção nacional, independente esta qual fosse. Todos os
participantes da mesa que tiveram um contato mais direto com Salles Gomes deixam
claro o teor provocador das ideias contidas no ensaio e a consciência do próprio autor
do tom de certa forma panfletário, no sentido de não ser seguido ao pé da letra, de
suas palavras no texto em questão.
Mesmo filtrando a leitura para o contexto da época, me interessa realmente a
interpretação de Bernardet sobre as ideias contidas em Cinema: trajetória no
subdesenvolvimento. O pensamento de Salles Gomes, a respeito do cinema brasileiro,
de certa forma norteia algumas perspectivas do autor, influenciando no
posicionamento de suas críticas sobre a pornochanchada. Para Bernardet (1980), essa
negação do cinema do “ocupante” frente ao cinema do “ocupado” gera um
movimento positivo.

  98  
O que há de criador nessa atitude (que eu acho precisa inclusive
discutir mais do que está aqui) é que o cinema que nós
consideramos medíocre na sua forma e conteúdo, mesmo medíocre,
mesmo altamente conservador ou reacionário é um cinema que nos
devolve sempre à realidade social a qual pertencemos. Mesmo
quando pichamos as pornochanchadas ou os filmes do Jece Valadão
ou sei lá o que, somos de certo modo corresponsáveis pela
existência desses filmes. Então o problema não é tanto saber se o
filme do Jece Valadão é ou não é progressista, é ou não é bem feito,
mas sim que através de um filme dele nós somos devolvidos ao
processo cultural. Essa que é fundamentalmente a possibilidade
criadora de nos voltarmos ao cinema brasileiro. (BERNARDET
apud BERNARDET; GALVÃO et. al, 1980, p. 5-6)

Para Bernardet (Ibid., p. 14), o confronto com um processo cultural que não se
quer ver é um aspecto positivo das pornochanchadas. Torna-se benéfico para uma
discussão a exposição desse processo, justamente por gerar um choque entre a visão
da elite do que deveria ser a representação da cultura brasileira e o que é visualizado
na tela nos filmes do gênero. A mácula de um ideal de cultura pode ser observado
através de uma espécie de campanha contra a pornochanchada que se forma já na
primeira metade da década de 1970. Bernardet cita as cartas recebidas e publicadas
pelo O Jornal do Brasil, onde leitores indignados deixavam suas opiniões negativas
sobre o gênero. Contudo, a mesma campanha não houve em relação às chamadas
“pornochanchadas italianas”41. Assim, para o autor a pornochanchada maculava a
projeção de imagem de cultura ou de Brasil que se quer construir, estabelecendo-se
uma relação de rejeição.
De certa forma, corroborando o raciocínio de Bernardet no qual a
pornochanchada devolve o espectador ao seu processo cultural, Maria Rita Galvão,
durante os anos 1970, pedia que seus alunos uma vez por semana vissem um filme
brasileiro, que por conta da ocupação das salas era geralmente uma pornochanchada,
para depois discutir em sua disciplina.

(...) Embora todas as discussões comecem sempre dizendo que eles


odiaram o filme – nunca ninguém gosta de nada porque o filme é

                                                                                                               
41
Aqui opto pelo uso de aspas, pois não concordo totalmente com a terminologia empregada por
Bernardet. Mesmo reconhecendo a necessidade e o objetivo de sua problematização, cabendo sim uma
comparação entre a produção de comédia de costumes brasileira, chamada de pornochanchada, e a
produção de comédia de costumes italiana, de mesmo teor, porém sem tal rótulo, reflito ser importante
distinguir a nossa produção de comédias da produção estrangeira. Reconheço também a forte influência
que as comédias italianas exerceram nas pornochanchadas, principalmente no início da década de
1970. Por outro lado, é interessante observar o fato de Bernardet inverter o discurso, atribuindo a uma
produção internacional, uma terminologia genérica utilizada exclusivamente a filmes brasileiros.

  99  
sempre vulgar, é sempre de péssima qualidade, malfeito, imitação
frustrada de filme estrangeiro, etc. – à medida em que a discussão
progride vai havendo um envolvimento cada vez maior dos alunos
com o filme em questão; por exemplo, os alunos que vão contar um
filme para os outros que não o viram se divertem de tal modo,
demonstrando o quanto no fundo eles curtiram o que viram, o
quanto aquilo – independentemente de ser um tema de estudo –
efetivamente lhes diz respeito de algum modo, que eu me pergunto
se há atuação desses filmes junto a um determinado público que se
pretende mais intelectualizado (de qualquer modo é um público
universitário) não seria um sintoma muito mais drástico daquilo que
é efetivamente a cultura nacional do que a gente costuma
normalmente supor”. (GALVÃO apud BERNARDET; GALVÃO
et. al, Ibid., p. 15)

Tanto Bernardet quanto Galvão acabam por mostrar que havia um preconceito
contra a pornochanchada, independente de sua visualização, apenas pela sua
existência que fugia de determinado ideal cultural/cinematográfico. Quando mais
acima Bernardet fala que através da pornochanchada ou algum filme do Jece Valadão,
mesmo sendo reacionários, permitem “nos devolver à realidade social a qual
pertencemos”, dar conta do processo cultural brasileiro, entende-se um dos porquês
do autor ter sido um dos principais defensores do gênero da pornochanchada em sua
própria época, antes de qualquer revisionismo ou retomada histórica.
Em Cinema brasileiro: propostas para uma história, originalmente publicado
em 1979, Bernardet ensaia uma perspectiva sobre a cinematografia nacional e, de
certa forma, amarra alguns dos raciocínios expostos em suas críticas no decorrer dos
anos. Dentre as diversas temáticas abordadas pelo autor, me interessa principalmente
quando este trata das disputas entre as propostas culturais vigentes na década de 1970
e as pressões feitas em relação ao Estado, principalmente no papel da Embrafilme,
para que essas perspectivas entrassem em vigor.
Para dar conta do que Bernardet chama de “dirigismo cultural”, há a exposição
da dinâmica em que a cultura brasileira se encontrava no contexto pós-golpe de 1964.
Buscando dar um aporte do campo de forças em que a cultura encontrava-se no início
da década de 1970, o autor afirma que:

Devido à vinculação da produção cultural, não só cinematográfica,


ao Estado, os entraves que esta lhe opuser podem ser decisivos, já
que, de modo geral, os produtores culturais não têm como recuar. É
a isso que se terá chamado de “vazio cultural”. Os entraves estatais
contra a produção cultural podem realmente gerar um estancamento,
já que as formas de produção e circulação das obras estão muito

  100  
vinculadas ao Estado. Diante disso, os próprios produtores passam a
atribuir o arrefecimento ou o esvaziamento da produção tão somente
ao Estado, no caso à censura. Não se pode fazer porque a censura
impede. (...) É o reconhecimento implícito de que para produzir eles
precisam de uma espécie de autorização. Esse raciocínio leva a um
deslocamento da responsabilidade: enquanto for a censura
responsável pelo esvaziamento da produção, essa responsabilidade
não recairá sobre os produtores. (BERNARDET, 2009, p. 69)

Pode-se notar que o Estado, nas palavras de Bernardet, ganha um papel


fundamental para a cultura cinematográfica brasileira da década de 1970. Seja para
incentivar ou impedir determinados tipos de produção42.
É interessante contextualizar essa discussão através de um artigo de Zuenir
Ventura intitulado Vazio Cultural, publicado na revista Visão, em 1971. O ponto
central é justamente uma crise da cultura brasileira ocasionada principalmente pelo
AI-5 e pela Censura – imposições do governo militar que acabaram por cercear
setores da intelectualidade e da criação artística que pudessem se tornar focos de
agitação e insubordinação. Há uma comparação com a efervescência criativa nos
primeiros anos da década de 1960, interrompida abruptamente pela ditadura militar,
com a emergência do que Ventura chama de uma “cultura industrializada”, cada vez
mais condicionada pelas leis de produção e pelo consumo, do que por um impulso
criativo, fabricando, assim, produtos em série e não objetos únicos. Segundo Ventura,
o cinema “erraria perdido nos descaminhos do comercialismo a qualquer preço ou
marginalismo solitário”. E não é difícil compreender que um desses cinemas
apontados, não explicitamente, seja o cinema popular seguido pela pornochanchada.
Cabe ressaltar que são dois conceitos de “vazio cultural” diferentes. Enquanto
Ventura aponta que a ação cerceadora do Estado geraria ou um cinema isolacionista
ou uma busca irrestrita de bilheteria, em tempos onde a política não poderia ser
temática de reflexão, Bernardet aponta a responsabilidade dos próprios produtores,
invertendo a situação. Discursando em retrospectiva, diferente do texto de Ventura,
mais perto do calor dos acontecimentos, Bernardet está ciente de que dentro do jogo,
entre as múltiplas forças cinematográficas e o Estado houve concessões de ambos os
lados.
                                                                                                               
42
Há, historicamente, uma ligação muito forte entre Estado e produção cinematográfica no Brasil, onde
em 1939 há a primeira lei protecionista do filme de longa-metragem. Devido ao recorte temporal
proposto por esta dissertação, onde em 1964 se dá o golpe militar e em 1968 a implementação do AI-5,
chamo também a atenção para a criação do INC, em 1966, e da Embrafilme, em 1969. Para um
histórico sobre a presença do Estado na produção cinematográfica brasileira, ver Tunico Amâncio, em
Artes e manhas da Embrafilme: cinema estatal brasileiro em sua época de ouro (1977-1981).

  101  
Em A Pornochanchada contra a Cultura “Culta”43, publicado em Opinião, de
27 de setembro de 1974, encontro um dos posicionamentos mais claros de Bernardet,
quando este toma partido em favor das pornochanchadas que agiriam contra a
imposição de uma cultura de elite.

Depois deste artigo, vou passar por inimigo da cultura e defensor


roxo da pornochanchada. Ainda Agarro esta Vizinha é um filme
sobre a favela classe média: nas caixas de morar, amontoam-se os
puritanismos, as libertinagens e as frustrações de gente que, embora
mantendo um certo status e lutando por ele, constitui uma espécie
de lumpem-classe média. O filme pertence ao gênero dramático
conhecido como comédia de costumes e leva a rir de si próprio
grande parte de seu público: é mais ou menos nesta faixa da classe
média que se recruta a maior parte do público de cinema, e
indiscutivelmente é nela que se recruta a quase totalidade de público
disposto a gostar de cinema brasileiro. (BERNARDET, 1974)

Nesta referência de Bernardet em relação ao termo lumpemproletariado,


observa-se que o público que assistia a esse tipo de filmes estava abaixo
economicamente da considerada classe média e se via retratado em situações que
demonstravam tanto sua situação geográfica, vivendo amontoado em pequenos
apartamentos, quanto financeira. Com direção de Pedro Carlos Rovai e roteiro de
Armando Costa e Oduvaldo Vianna Filho, ambos provenientes do Centro Popular de
Cultura da União Nacional dos Estudantes, Ainda agarro esta vizinha não deixa de
ser considerada por Bernardet uma comédia de costumes trabalhada de forma
moralista e conservadora, tanto em sua temática quanto na própria dramaturgia
herdada do vaudeville e do teatro de revista. Há pouco espaço para críticas dos
valores da classe média representada, já que se trata de um “empreendimento
comercial (que) não deixa muita folga para o experimentalismo” (Ibid.). Mesmo não
utilizando explicitamente o vocabulário de gênero, Bernardet permite concluir que há
um acordo implícito estabelecido com o público, construído através de uma
linguagem de repetição e variação, comum para a identificação dos códigos genéricos
e com pouco espaço para mudança de fórmula.
Dentro de um código genérico que permita o reconhecimento do gênero,
Bernardet utiliza também a terminologia recorrente de Avellar: a vulgaridade.

                                                                                                               
43
O texto é assinado por um dos pseudônimos de Bernardet, Carlos Murao, talvez mais por estratégias
de um jornal da imprensa alternativa frente à ditadura do que a alguma possível vergonha do autor em
relação aos seus escritos. Além disso, era comum também o uso de pseudônimos nos jornais menores
para que os poucos colunistas não assinassem vários textos em uma mesma edição.

  102  
Contudo, há uma inversão em relação ao seu uso comum. Para estabelecer uma
comparação com Ainda Agarro Esta Vizinha, Bernardet cita As Moças Daquela Hora
(1973), de Paulo Porto, onde haveria justamente uma tentativa de sofisticação da
pornochanchada, contudo sem alterar a sua essência moralista. E através desse
“invólucro artístico” é que o moralismo do gênero se daria de forma ainda mais
conservador.

Se vulgaridade há (o que não acredito), ela se encontra antes em As


Moças Daquela Hora, do que em Ainda Agarro Esta Vizinha (...).
Porque a vulgaridade de As Moças é uma vulgaridade encoberta,
que não se reconhece como tal. (...) Não esquecer que a palavra
“vulgaridade” ainda não perdeu seus vínculos com a etimologia
latina: vulgus significa multidão, povo. Quando alguém declara a
vulgaridade de um filme, geralmente não tenta fazer nada mais do
que confirmar o seu status social e cultural e se diferenciar da
“massa” que aprecia esta pretensa vulgaridade. (Ibid.)

Bernardet se utiliza de Ainda Agarro Esta Vizinha e A Viúva Virgem, outra


produção da Sincro Filmes, para exemplificar a capacidade da pornochanchada em
estabelecer um vínculo com o público através da sua representação na tela. Essa
possibilidade se relaciona com a interpretação do autor sobre o já comentado texto de
Salles Gomes, Cinema: trajetória no subdesenvolvimento, onde o gênero, através do
riso, permite ao espectador a visualização do seu processo cultural. Este aspecto,
entretanto, não é comum a todos os filmes da pornochanchada. Ao comparar Um
Marido sem... é como um Jardim sem Flores, de Alberto Pieralisi (1972), com Ainda
Agarro Esta Vizinha, Bernardet mostra que enquanto o longa de Pieralisi busca riso e
bilheteria através de situações desconexas em que os personagens se encontram, sem
relação mais direta com o cotidiano da classe média, Rovai parte de uma situação
concreta para o público e através dela busca o riso.

Ainda Agarro esta Vizinha, com sua grande quantidade de


personagens, multiplica situações e seu ritmo praticamente não cai.
A montagem faz as gags funcionarem: o montador intui quando a
gag está se esgotando, quando ela precisa ser fortalecida por um
elemento novo. Basta verificar a reação do público para sentir que
as situações estão bem construídas e bem desenvolvidas. Nisso
também, nem todas as pornochanchadas são iguais. Os roteiristas e
o montador de um filme como A Banana Mecânica, de Carlos
Imperial, têm também como objetivo provocar o riso, mas não
sabem construir as situações. A imaginação é pouca para elaborar as
gags. O espectador prevê conclusões e piadas (que então deixam de

  103  
ser piadas) e o montador nada faz para se antecipar ao espectador:
quando o montador chega ao desenlace da piada, o espectador já
está noutra. Quase que só as comédias da Sincro e da RFF (Roberto
Farias Filmes) apresentam esta segurança de situações e na
montagem. Quer dizer: um certo know-how industrial. (Ibid.)

Aqui se explicita a linha de comédia de costumes, dentre elas a


pornochanchada, a qual Bernardet apoiava e entendia como benéfica para o campo
cinematográfico brasileiro. O autor elogia as produções de Roberto Farias e Pedro
Carlos Rovai justamente pela tentativa de ambos em realizar filmes em que houvesse
a busca de público, porém com um certo requinte em termos narrativos e estéticos.
Um outro apontamento presente em A Pornochanchada contra a Cultura
“Culta” é a crítica de Bernardet frente aos filmes ufanistas incentivados pelo regime
militar. A comparação se dá entre Ainda Agarro Esta Vizinha e o filme Os
Condenados (1973), de Zelito Viana. O último, uma adaptação da obra de Oswald de
Andrade, com um “bom nível de produção”, com “ótimos movimentos de câmera” e
“belíssimas fotografias”, coloca-se como um filme de arte; que, contudo, segundo o
autor não passaria do “nível ornamental”, de uma “cultura meramente decorativa”. Ao
não apresentar nenhuma espécie de questionamento, Os Condenados conseguiria ser
mais conservador do que a própria pornochanchada, a qual, com filmes como Ainda
Agarro Esta Vizinha, ao menos estabelece uma relação com um grande público já que
não tenta se portar de acordo com os ditames estabelecidos por uma cultura “culta”.
Bernardet, ao periclitar passar de “inimigo da cultura” para “defensor roxo da
pornochanchada”, não se refere a qualquer filme do gênero44, mas se detém ao
exemplo de Rovai. Além disso, o posicionamento do autor é contra um projeto
“oficial” de cultura, incentivado pela ditadura militar, que rejeitava a pornochanchada
enquanto cinema brasileiro.

                                                                                                               
44
Um bom exemplo para estabelecer uma comparação é o artigo de Bernardet intitulado Nós,
invasores, publicado no jornal Movimento de 22 de dezembro de 1975. Com o subtítulo, É fácil
reconhecer que o cinema estrangeiro invade as telas brasileiras. O duro é ver a gente mesmo como um
estranho na própria casa, nota-se que a relação do autor em relação à pornochanchada, onde se adota
uma postura política de preferi-la em relação ao filme estrangeiro obedece certos limites. A crítica trata
do filme Com as calças na mão (1975), dirigido por Carlo Mossy, e sua relação com uma cena de Sexo
Louco (1973), de Dino Risi. Em ambos, há uma cena onde um dos personagens masculinos sai com
uma moça, mas quando ela vai no banheiro ele percebe que se trata de um travesti. Na versão de Sexo
Louco que passou na Itália, o rapaz fica com o travesti no final do filme. Porém, na versão “brasileira”,
editada pelos cortes da Censura, o travesti é largado. Devido ao estado de dependência do filme
nacional em relação ao modelo estrangeiro, o mesmo final moralizante é repetido por Mossy em Com
as calças na mão. E a crítica de Bernardet reside justamente na invasão cultural sofrida pelo mercado
brasileiro, onde colonizados atuam como colonizadores em seu próprio país.

  104  
Dentro do campo cinematográfico brasileiro, Pedro Carlos Rovai se impôs não
só com seus filmes, mas também através da maneira como se posicionou
publicamente, neste caso específico nas suas falas à imprensa. Retomando a
abordagem pragmática de Rick Altman (2009), ressalto que o gênero é definido por
múltiplos códigos, os quais correspondem aos múltiplos grupos considerados
legítimos na definição genérica, mas que também, e isso é importante para o estudo
da pornochanchada, estão legitimados para estabelecerem uma distinção, elegendo
também as práticas autorais e as obras consideradas melhores ou piores.
No depoimento de Rovai a Bernardet, em A Chanchada É Nossa: E sem a
pornochanchada, o cinema brasileiro teria 112 dias?, publicado no Movimento de 26
de janeiro de 1976, o cineasta ressaltando que dentro do cinema de gênero no
contexto nacional, na deficiência de se fazer western, ou policial, o “know-how” do
cinema brasileiro é a comédia urbana carioca. E seriam esses filmes que
possibilitariam o cumprimento da cota de tela de exibição de 112 dias. Do outro lado
da produção nacional, haveria duas opções: ou superproduções realizadas com o
intuito de competir com a produção estrangeira, ou adaptações de romances,
desvinculados da realidade e que, além de serem omissos na busca por valores
brasileiros, também cometeriam o “crime” de não levar público ao cinema.

Muitos dos preconceitos contra a pornochanchada provém do seu


sucesso, por parte tanto dos distribuidores estrangeiros, como do
cinema oficial. Atacam um cinema que tem um mercado
assegurado. (...) A pornochanchada pode levar o cinema brasileiro
ao esgotamento, se toda a produção de bilheteria estiver baseada só
nela. É necessário aprofundar. Eu quero fazer comédia, mas quero
me aprofundar em direção à comédia de costume, com uma
linguagem simples que o público entenda. Linguagem simples não
quer dizer medíocre, pode ser uma linguagem apropriada, exata,
sóbria. (ROVAI apud BERNARDET, 1976b)

Os argumentos acima coincidem com a proposta estética de Bernardet para o


cinema brasileiro. Há tanto a crítica em relação aos filmes histórico-ufanistas, que não
atingem o público e agradam o regime militar na medida em que não apresentam
crítica social. Mas também, Rovai e Bernardet parecem concordar que a
pornochanchada era criticada mais pelo fato dos seus números de bilheteria, que
desagradavam tanto o cinema “oficial” quanto os distribuidores estrangeiros.

  105  
A herança da pornochanchada? A própria chanchada, o teatro de
revista, o vodevil. Mas também a maneira de ser do brasileiro. Pelo
menos seu comportamento exterior é próximo do que se vê na
pornochanchada. Seu machismo, as piadas, a atração pelas mulheres
boazudas, o sexo como afirmação. A pornochanchada utiliza
elementos do caráter brasileiro. Nisto o grande público, o de menor
poder aquisitivo, se encontra. (...) Na chanchada dos anos 50, já
havia tudo o que tem na pornochanchada. A malícia, a frase de
duplo sentido, já havia. Numa chanchada dessa época que vi
recentemente, tem uma cena que poderia ser de pornochanchada.
Ivon Curi, ciumento, ouve a mulher que está num quarto a dizer:
tira, ponha, aperta; quando ele abra a porta, trata-se de uma agulha.
Tudo isso vem do teatro de revista, até do entrudo do Brasil
colonial. A pornochanchada, numa sociedade mais permissiva,
introduziu a cor, a nudez das mulheres.” (Ibid.)

Confirmando o moralismo da pornochanchada, o cineasta ressalta essa


característica como uma herança da própria chanchada45 e também do caráter do povo
brasileiro. Se por um lado, há a coincidência com o pensamento de Bernardet onde a
pornochanchada devolve o espectador ao seu processo cultural, no caso, o moralismo
inerente à sociedade, por outro lado, expor essa particularidade diminui um pouco a
responsabilidade do próprio Rovai sobre o conteúdo dos seus filmes.
Além disso, ao citar diversas vezes que o seu objetivo é a “comédia de
costumes” em meio a um artigo sobre a pornochanchada, possibilita concluir que se o
cineasta não rejeita a nomenclatura dada ao gênero, ao mesmo tempo quer distinguir
os seus filmes enquanto comédia mais ligadas ao cotidiano.

A comédia de costumes. Aprofundar o cotidiano, o dia a dia. Levar


a comédia brasileira novamente ao subúrbio. Retomar o caminho do
Grande Momento (filme paulista de Roberto Santos, 1958), de Rio
Zona Norte (filme carioca de Nelson Pereira dos Santos, 1957) que
foram esquecidos em favor da grandiloquência, de filmes voltados
para fora, os festivais, as revistas. Um cinema afastado do público.
Este foi o pecado capital do cinema brasileiro da última década. Tão
capital que deixou uma brecha para um cinema menor, a
pornochanchada. (...) (Ibid.)

Independentemente das possíveis semelhanças e diferenças encontradas em


uma análise fílmica comparando O Grande Momento e Rio Zona Norte com os filmes

                                                                                                               
45
Reforçando a fala de Rovai, retomo aqui João Luiz Vieira (2003, p. 58-59), quando este sustenta que,
de acordo com um olhar de “primeiro mundo”, a chanchada era criticada pela sua pobreza, vulgaridade
e também por uma certa “picardia sexual”. Contudo, ressalto também a diferença do tratamento da
questão sexual na chanchada e na pornochanchada, a qual deve ser observada mediante cada contexto.

  106  
de Rovai, interessa-me a citação de Roberto Santos e Nelson Pereira dos Santos como
uma maneira de estabelecer um diferencial das produções Sincro Filmes das demais
pornochanchadas. Sem aprofundar em uma análise mais demorada, os dois filmes
citados têm em comum uma estrutura narrativa mais clássica dentro de uma proposta
neorrealista, traçando as agruras de um jovem trabalhador que quer se casar, mas não
tem dinheiro (O Grande Momento) e a trajetória de um sambista que, ao cair no trilho
do trem do subúrbio do Rio de Janeiro, revê sua vida em flashback (Rio Zona Norte).
E é justamente na busca de um retrato do povo o ponto onde Rovai pretende uma
ligação com os dois diretores.

Acho que todos os meus filmes, desde Adultério à brasileira até


Ainda agarro esta vizinha, nunca foram totalmente gratuitos,
mecânicos, puro exercício com situações de vodevile. Há sempre
um ponto de partida válido que não aprofundei. Por exemplo, o
episódio do operário no Adultério: a impotência dele diante do
adultério da mulher, é a impotência diante da própria vida dele.
Revi o filme. Acho que ficou claro. A opressão da fábrica, repetindo
sempre o mesmo gesto. É um dado social importante. No episódio
do funcionário que luta pelo status social, a mesma coisa. Ele tem a
febre do automóvel. O desejo de comprar um carro pontua o filme,
e por causa desse desejo, ele não consegue enxergar nada, nem se
relacionar com a mulher. O meu episódio dos Mansos é o problema
da especulação. O marido acaba alugando a mulher para o Lewgoy.
E esse é o tema também da Viúva Virgem. O filme é dispersivo,
lúdico, mas é ligado à especulação, à bolsa. As pessoas não
possuem nada, mas há a corrida pelo status. O filme usa uma chave
de grande apelo popular, a virgindade, e faz a análise da
especulação, da tentativa de morder um quinhão do lado bom da
vida. Isto do jeito brasileiro, sem planejamento, ao acaso, com
contradições, com o oportunismo da viração, o que faz parte do
universo brasileiro. Ainda agarro esta vizinha é o lumpen da classe
média. Todos os personagens são desempregados, mas todos têm
grandes sonhos. É a luta para sobreviver, para comer. A sequência
da comilância, com seus arrotos. Tem a dialética, talvez meio
moralista da minha parte, da tia que usa a virgindade da sobrinha
para manter o status, donde um choque entre corrupção e
generosidade. Esta nunca vence, mas no filme vence. E todos se
solidarizam para que vença, se solidarizam contra a miséria, contra
a corrupção. Talvez seja um sonho essa solidariedade dos humildes
para sobreviver. Um conto de fada numa pornochanchada (...) O
último que produzi Luz, cama, ação: a história é a filmagem de uma
pornochanchada. O cara está fazendo um filme com cinco maridos
traídos. Mas outro está fazendo com sete, então ele precisa botar
mais e pode chegar a pornochanchada. Tantos metros de mulher
pelada, tantos metros disso ou daquilo. Só imbecil acredita que esse
cinema vai durar a vida toda. (Ibid.)

  107  
Este depoimento de Rovai, tal como os demais que serão analisados, é datado
da segunda metade da década de 1970. Neste momento, cabe adentrar um pouco mais,
em termos político-culturais, no contexto cinematográfico brasileiro dos anos 1970.
Mesmo objetivando uma análise das perspectivas estéticas que incidiram sobre a
pornochanchada através das críticas e do discurso de Rovai, é válida a ampliação
também para alguns dos agentes ligados às políticas públicas, pois suas ações foram
determinantes para o cinema nacional como um todo.
Para tal, permito-me primeiramente uma breve análise do conhecido artigo de
Gustavo Dahl (2010), Mercado é Cultura, publicado originalmente na Revista
Cultura em 1977. Dahl, mesmo tratando o Cinema como um meio de amplas
possibilidades culturais, lembra que a distribuição – em geral um setor da cadeia
produtiva que os produtores não dão a devida atenção – é algo fundamental para o
cinema brasileiro. É o posicionamento de um cineasta ligado ao antigo grupo
cinemanovista e que passava a considerar o filme de mercado também como objeto
cultural.

(...) é importante compreender que, em termos de cinema, a


ambição primeira de um país é ter um cinema que fale a sua língua,
independentemente de um critério de maior ou menor qualidade
comercial ou cultural. O espectador quer ver-se na tela de seus
cinemas, reencontrar-se, decifrar-se. A imagem que surge é a
imagem do mito de Narciso, que, vendo seu reflexo nas águas,
descobre sua identidade. A ligação entre uma tela de cinema – na
qual é projetada uma luz, que se reflete sobre o rosto do espectador
– à ideia de espelho, espelho das águas, espelho de uma
nacionalidade, é uma ideia que está implícita num conceito de
cinema nacional. (DAHL, 2010, p. 66-68)

Neste trecho, percebe-se uma aproximação entre Dahl e as considerações de


Bernardet a partir de Salles Gomes. Entende-se então o cinema comercial também
como uma possibilidade de expressão e de tomada de espaço pela produção brasileira.
É novamente a questão da possibilidade de representação proporcionada ao público
por um filme nacional. Contudo, a noção de cinema popular ou cinema comercial não
é algo livre de embates e discussões. A afirmação de Dahl, “Mercado é Cultura”, é
posterior a Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), filme dirigido por Bruno Barreto e
produzido por Luiz Carlos Barreto que atingiu mais de 10 milhões de espectadores.
Um contexto onde alguns cineastas anteriormente ligados ao Cinema Novo passaram

  108  
a buscar produções que conquistassem a bilheteria, com filmes de forte apelo de
público e pouco desafiadores em relação à linguagem e estética.
A gestão Roberto Farias na Embrafilme a partir de 1974 pode representar um
bom exemplo desse jogo de forças em que se situava o campo cinematográfico no que
diz respeito às políticas públicas. É válido retroceder um pouco temporalmente dentro
da trajetória de Farias enquanto cineasta. Depois de dois primeiros filmes como
diretor ligados ao gênero da chanchada, Rico ri à toa (1957) e No mundo da lua
(1958), seu terceiro filme, influenciado pelo movimento neorrealista italiano, Cidade
Ameaçada (1960), foi indicado para o Festival de Cannes do mesmo ano. O que
poderia significar uma espécie de “progressão cultural”, onde Farias inicia sua
carreira em filmes menos “sérios” até atingir a consagração de participar de um
festival de renome, não impediu que cineasta filmasse já no ano seguinte uma outra
chanchada, Um candango na Belacap (1961). Não aprofundando o mérito do porquê
desta última filmagem, vale destacar apenas que Cidade Ameaçada, apesar do
destaque em festivais e de crítica, não recebeu a mesma acolhida positiva do grande
público. A necessidade, então, de um filme leve, que seguia uma fórmula genérica já
conhecida, para minimamente reestabelecer financeiramente sua produtora 46 , foi
durante criticada.
Um exemplo desse questionamento é feito por Glauber Rocha (2003), amigo e
sócio de Roberto Farias na Difilm (primeira distribuidora formada por quadros
ligados ao Cinema Novo). Influenciado pela “política dos autores”, da Nouvelle
Vague, Rocha defende em Revisão crítica do cinema brasileiro, de 1963, que,
diferentemente de um verdadeiro “autor”, o qual traria uma marca pessoal e um estilo
a seus filmes, Farias no máximo seria um “artesão”, um realizador que domina os
aspectos da linguagem cinematográfica, porém sem alcançar status de artista.
Contudo, se Farias apresentou uma trajetória enquanto diretor que oscilava
entre os filmes considerados “sérios” e considerados “populares”, enquanto diretor da
Embrafilme, o seu posicionamento sobre as pornochanchadas, dentro do contexto de
disputa cultural mencionada anteriormente, foi mais taxativo. O artigo do jornal O
Globo, de 29 de agosto de 1975, Por enquanto, quase só pornochanchadas. E planos.,
trata da divergência ideológica do que deveria ser o papel do Estado para as políticas
cinematográficas. De um lado, o Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica,
                                                                                                               
46 Roberto Farias lança em seguida Assalto ao trem pagador (1962), um dos seus filmes de maior
reconhecimento e que não se insere no gênero da pornochanchada.

  109  
liderado pelo já mencionado Luiz Carlos Barreto, e a Embrafilme, do outro lado, a
Associação dos Produtores Cinematográficos, que contava com nomes como Jece
Valadão, Vitor Di Mello, Oswaldo Massaini, Pedro Carlos Rovai e Carlos Manga.

Esta preocupação “culturalista” liquidará a indústria


cinematográfica nacional, antes dela nascer) – São os filmes
comerciais, por gerarem capitais e mão-de-obra que possibilitam a
existência do cinema. Os filmes educativos e artísticos dependem
dos comerciais. Em todos os países é assim. Para cada Antonioni, a
Itália produz mil western-spaghetti. (MELLO apud POR enquanto,
1975)

Contando a Associação dos Produtores Cinematográficos com vários nomes


ligados à pornochanchada, nota-se através de suas falas e da própria divergência
existente, que não havia consenso em um projeto político-cultural para o cinema
brasileiro, mesmo aquele de teor mais comercial. Ainda no mesmo artigo, de acordo
com Oswaldo Massaini:

O Sindicato e a Embrafilme estão adotando uma postura culturalista


incompreensível. Eles estão favorecendo um grupo de pessoas que
só fazem cinema pensando na Palma de Ouro, esquecendo-se do
público. Só o pessoal do antigo cinema-novo recebe financiamento.
(MASSAINI apud POR enquanto, Ibid.)

O posicionamento de Roberto Farias sobre as pornochanchadas pode ser


observado em mais dois artigos. O primeiro, da Revista Veja, de 7 de janeiro de 1976,
intitulado E depois da pornochanchada?, que se propõe a fazer uma espécie de
balanço do gênero, enfatizando o seu papel na ocupação do mercado brasileiro. É
abordado o aumento da verba repassada pelo Estado para a Embrafilme, de 6 milhões
de cruzeiros para 80 milhões de cruzeiros. Contudo, Farias declara que “nenhum
desses milhões será aplicado em filmezinhos supostamente eróticos”. O então diretor
da Embrafilme complementa:

Quero deixar claro que não sou contra a existência das comédias
eróticas, pois sou a favor da mais irrestrita liberdade de se fazer
qualquer gênero de filme. Entretanto, o cinema brasileiro não pode
dar-se ao luxo de fornecer argumentos ao “adversário”. O que seria
necessário – e nesse ponto todos que fazem cinema concordam – é
evitar uma generalizada confusão entre pornografia e um erotismo
feito de simples insinuações (...) (FARIAS apud E DEPOIS, 1976)

  110  
As aspas na palavra adversário utilizada por Farias não fornece maiores
explicações de quem este seria. Os militares? Os setores conservadores da sociedade?
As distribuidoras estrangeiras? Ou os próprios produtores das pornochanchadas?
Neste artigo, a palavra “pornografia” serve como distinção entre uma produção
nacional que cada vez mais carregava um apelo erótico e as pornochanchadas. O
segundo artigo, da Folha de São Paulo, de 16 de janeiro de 1976, mesmo que de
menor tamanho, contém um título que já representa por si só uma escolha de posição:
Pornochanchada é um mal passageiro, diz Farias:

Para Farias, a pornochanchada é um gênero, uma moda passageira,


um aspecto comum do consumo cinematográfico como já foram os
filmes históricos e os “westerns” italianos, os policiais americanos,
a chanchada brasileira e o próprio cinema novo. “É uma tendência
internacional que tende a desaparecer”, afirma (...) O número
excessivo deste tipo de produção tem implicações variadas, segundo
o diretor da EMBRAFILME. Elas vão desde o oportunismo
comercial, à existência de mercado e ao caráter cultural do
consumidor brasileiro, condicionado fortemente pela produção
internacional. Farias diz que o cinema brasileiro tem 70 anos de
glórias e problemas, mas não são as pornochanchadas as mais
difíceis de resolver. (PORNOCHANCHADA, 1976)

Apesar de um artigo onde o título tem uma frase mais contundente do que o
próprio conteúdo, trata-se do posicionamento do diretor de uma empresa estatal, que
financiava, coproduzia e distribuía filmes brasileiros, a respeito da pornochanchada.
Onde a ocupação do gênero no mercado tornava a tirar a oportunidade de exibição de
filmes considerados mais “respeitáveis”, tornando-se, assim, problema de Estado.
Jean-Claude Bernardet no já citado Cinema brasileiro: propostas para uma
história, entre outras coisas, aborda um processo pelo qual o cinema brasileiro passou
durante a década de 1970, chamado de “dirigismo cultural”. De acordo com o autor,
em 1972 o Ministério da Educação instituiu um prêmio anual para os filmes que
tratassem de adaptações literárias de autores mortos. A restrição seria benéfica ao
Estado ditatorial, pois dessa forma as temáticas só podiam se ambientar no passado e,
quando no presente, ocorreriam através de alegorias ou metáforas, diminuindo as
possibilidades de alguma crítica mais contundente ao governo militar. Mesmo
lembrando que Nelson Pereira dos Santos havia filmado Vidas Secas, em 1963,
baseado no romance de Graciliano Ramos, ou mesmo o fato de grande parte da obra
de Joaquim Pedro de Andrade ser baseada na literatura, a problemática estaria no fato

  111  
de nesses dois casos a produção ser medida pelo interesses dos dois realizadores e não
por conta da pressão de uma lei (BERNARDET, 2009, p. 78).
Por um lado, estimulavam-se filmes históricos que tratassem do Brasil, através
de uma linguagem mais “cultural”, mas com menor chances de crítica política ou
social. Por outro lado, o governo militar conseguia o incentivo a um cinema diferente
da “vulgaridade” da pornochanchada e que passava uma imagem considerada
negativa da sociedade brasileira.
A partir da segunda metade da década de 1970, percebe-se uma ênfase maior
do Estado, através da Embrafilme, em barrar o avanço da pornochanchada. De acordo
com Bernardet (Ibid., p. 80-81), após o gênero ter aberto o mercado brasileiro para as
nossas próprias produções, as pressões para o seu afastamento das telas aumentou
mais ainda dentro dos “meios cultos”, a quem pertenceriam também a maioria dos
críticos de cinema. Filmes que buscavam uma maior receptividade de público, como
A Estrela Sobe (1974) e Dona Flor e seus Dois Maridos (1976) ambos de Bruno
Barreto, e Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues, seriam os principais beneficiados.
Vale lembrar, que tanto Luiz Carlos Barreto, pai de Bruno Barreto, quanto Cacá
Diegues são fortemente ligados ao Cinema Novo, pressionando a Embrafilme de
Roberto Farias para um novo tipo de cinema popular, mas de caráter mais cultural47.
O espaço da pornochanchada dentro do mercado cinematográfico brasileiro
também é discutido no artigo de Alberto Silva, Os cineastas debatem: A
Pornochanchada: Saída ou túmulo do cinema brasileiro, publicado no jornal O
Globo de 15 de março de 1976. Rovai é o primeiro a dar o depoimento, novamente
tratando a pornochanchada em sua generalidade como moralista, castradora, machista
e que trata a mulher como objeto e o sexo como pecado. Porém, conclui que o sucesso
desses filmes se deve à repressão do sexo nas camadas populares, que assistem o
gênero como uma espécie de libertação.

                                                                                                               
47
Dona Flor e seus Dois Maridos, por exemplo, foi por mais de trinta anos a maior bilheteria do
cinema nacional com mais de 10 milhões de espectadores. Além de um elenco global, protagonizado
pela beleza de Sônia Braga, era uma adaptação do romance homônimo de Jorge Amado. Mesmo
contando com elementos como a nudez e a comédia, pouco se questionou se havia ou não uma ligação
do filme com a pornochanchada. Mas a própria postura dos envolvidos com a produção rejeitava o
rótulo minimamente como estratégia de marketing para se conseguir um filme popular e que somasse
forte status cultural. Como exemplo, vale destacar o comentário de Luiz Carlos Barreto feito no mesmo
ano do lançamento do filme, e o qual será citado adiante, onde o rótulo da pornochanchada “seria um
depreciativo que atingiria toda a classe cinematográfica”. Ou seja, uma boa estratégia para diminuir
qualquer possibilidade de ligação de Dona Flor com tão mal falado gênero.

  112  
No mesmo artigo, Joaquim Pedro de Andrade e Luiz Carlos Barreto também
seguem em defesa da pornochanchada. Segundo Joaquim Pedro, e é válido relembrar
a incursão do cineasta no gênero através de Guerra Conjugal e Vereda Tropical,
“pornô” é o nome dado a um cinema feito pela classe média urbana para ela própria,
onde as qualidades e defeitos da pornochanchada estão no próprio material a que
retrata, ou seja, a própria classe média que é autora e consumidora desses filmes. Ao
se posicionar contra o gênero, considerado por Joaquim Pedro uma “legítima
manifestação da cultura brasileira”, posiciona-se contra o estado de coisas que molda
essa classe média, que os filmes apenas retratam. Já Luiz Carlos Barreto defende o
gênero como comédia de costumes, onde o termo pornochanchada seria um
depreciativo que atingiria toda a classe cinematográfica, dando a impressão que o
cinema brasileiro é feito apenas de “pornôs”. Para ele, algumas das pornochanchadas
são verdadeiras obras-primas, incluindo Ainda agarro esta vizinha, de Rovai, como
exemplo. O problema estaria no próprio estereótipo que acompanha o gênero, pois,
segundo Barreto, se o filme de Rovai tivesse sido realizado por Fellini “todos diriam
ser genial”.
Citado por Bernardet (2009, p. 81), um documento do Conselho Federal de
Cultura, publicado no Jornal do Brasil, de 4 de agosto de 1976, tinha como premissa
o “apoio à produção cinematográfica nacional genuinamente artística,
desestimulando-se a ‘pornochanchada’ que, ou deseduca o gosto do público, ou
afasta-o da produção nacional em benefício da estrangeira”. A preocupação de
Bernardet ao citar este documento reside no fato de, independente do conteúdo
moralista da pornochanchada, existir um direcionamento estatal do que deve ou não
ser produzido, do que é ou não cultura.

Ao apoiar a atitude da Embrafilme contra a pornochanchada,


apoiava-se algo muito mais importante: a intervenção clara e direta
do Estado na orientação ideológica, estilística, temática da produção
cinematográfica. (...) E o problema maior era a legitimação ou não
através da imprensa, órgãos de classe etc., de um projeto cultural
baixado pelo Estado. (Ibid., p. 81)

Como já visto, havia uma preocupação dos produtores e diretores ligados ao


cinema da pornochanchada com a imposição de um projeto cultural que os desligasse
das políticas públicas estatais. No jornal Movimento, de 19 de julho de 1976, Rovai

  113  
afirma que a Embrafilme não deveria financiar projetos de filmes, mas sim as
empresas, tal como ocorre na lavoura e na indústria. Para o cineasta,

É preciso fazer cinema competitivo com o cinema estrangeiro. Não


dá para ficar na curtição. A Embrafilme é aparentemente benéfica,
mas, mal organizada como está, prejudicial [...] Antigamente, sim,
faziam-se poemas. Como competir hoje com Zeppelin, Tubarão,
filmes que dão 50 bilhões no Brasil? Eles, os estrangeiros, são os
otários. Nós somos os espertos, os bons de bola, cinema e samba.
Filmes que não dão um tostão em nome da cultura? Isso é cultura?
É cultura de elite, burguesa. Temos que fazer mais filmes de
espetáculo, no Brasil tudo é udigrudi, até as superproduções [...]
Não adianta o filme ser elogiado pela Academia de Belas-Artes,
pelo Cahiers du Cinéma. Ou será que não é cultura botar gente no
cinema? Não há diferença entre cinema comercial e não comercial.
A fita não passou nas salas exibidoras? Não se pagou ingresso para
vê-la? (ROVAI, 1976 apud BERNARDET, 2009, p. 84)

Na disputa de projetos cinematográficos na Embrafilme, que a partir de


meados da década de 1970 pretende cortar o financiamento para as pornochanchadas,
a proposta de Rovai é sintomática. Ao mesmo tempo que problematiza a
diferenciação entre cinema de arte e cinema comercial, além dos limites de uma
cultura de “elite”, também marca um posicionamento que busca nivelar as produções
brasileiras em uma mesma faixa de subdesenvolvimento e, portanto, passível de ajuda
estatal. O nome Pedro Carlos Rovai sempre esteve fortemente ligado à sua produtora,
a Sincro Filmes. Na maioria dos seus filmes, mesmo enquanto produtor, os cartazes
tratavam de modo equivalente ou até mais importante do que o nome do diretor os
dizeres no estilo “dos mesmos produtores de...” ou “Sincro Filmes apresenta...”.
Assim, é necessário incluir no discurso do cineasta também uma estratégia de
permanência de sua produtora no mercado frente à concorrência estrangeira e à
campanha dos meios “cultos” contra a pornochanchada. Arnaldo Jabor, no jornal
Opinião de 3 de outubro de 1975, complementa o pensamento ligado ao grupo da
Embrafilme e acaba por representar o que Rovai queria dizer quando se referia a uma
“cultura burguesa”.

É fundamental, então, a noção de que o cinema, de que a cultura


brasileira têm que ser preservados, porque nós, os intelectuais e os
criadores de cinema, formamos a consciência nacional, nós somos a
nação [grifos meus]. Uma nação é o que ela pensa, o que seu povo
pensa. E a Embrafilme deverá aprofundar este processo vital de um
povo pensando” (JABOR apud BERNARDET, Ibid., p. 85-86)

  114  
A luta em nome do que deveria ser cultura, de sua amplitude frente ao
financiamento estatal revelava-se também uma luta sobre o cinema que melhor
definia/representava/importava para a sociedade como um todo. Em Chanchada,
Erotismo e Cinema Empresa, publicado no jornal Opinião de 23 de abril de 1973,
Bernardet, ainda sem utilizar a denominação pornochanchada, chamando-a de “neo-
chanchada” ou “nova chanchada”, trata justamente do projeto que os produtores
seguiram no início da década de 1970, buscando uma fórmula que agradasse o
público.

O produtor cinematográfico brasileiro luta para substituir o filme


estrangeiro no mercado interno. Em termos empresariais, só há dois
caminhos: ou o produtor oferece ao público filmes com elementos
que os estrangeiros não podem apresentar, a diferenciação
funcionando como atrativo; ou então ele tenta fazer um produto
parecido com o estrangeiro e que possa satisfazer no público
brasileiro uma expectativa e hábitos criados pelo filme estrangeiro.
É claramente pela segunda tendência que optaram os produtores,
escolhendo como modelo a comédia erótica italiana. Em Os
Mansos, esta situação leva ao pastiche: o segundo episódio é quase
falado em italiano; ambienta-se num meio indefinido e abstrato, que
pode ser algum bairro carioca como de uma cidade italiana; a trama
está baseada nos chavões de um suposto código de ética italiano: os
maridos ‘desonrados’ têm que salvar sua honra no sangue.
(BERNARDET, 1973)

Bernardet nota a estratégia utilizada por Rovai, comentada anteriormente,


onde Os Mansos seria um filme de produtor, onde a produtora em si surge como fator
determinante para assegurar a continuidade de sucesso de um filme a outro. Como
mostra o autor, o trailer, além de incluir “Dos mesmo realizadores de A Viúva
Virgem...”, afirma que “o público nunca erra”. A mesma frase utilizada por Adolph
Zukor, fundador da Paramount, como título para o seu livro de memórias: The public
is never wrong. Esse aportuguesamento de Zukor, representante de uma das grandes
majors de Hollywood, é menos pretensão e mais ironia. Os Mansos é uma produção
que não procura esconder a mediocridade de seus recursos e uma certa “avacalhação”
que, segundo Bernardet, pode ser uma das fórmulas de seu sucesso.
Para Bernardet, a taxação da linguagem da pornochanchada como
“avacalhada”, ou retomando Avellar, de “grossa”, no fundo é uma questão de estilo.
Em Ela (a pornochanchada) dá o que eles gostam, publicado no jornal Movimento de
19 de janeiro de 1976, é feita uma comparação entre O supereficiente, uma comédia
erótica italiana de 1976 estrelada por Lando Buzzanca, e Confissões Amorosas

  115  
(também conhecido como Lilian M: Relatório Confidencial), dirigido por Carlos
Reichenbach em 1975. Bernardet questiona o porquê do filme italiano não ser
considerado pornochanchada e, por isso, possuir um status cultural mais elevado.
Citando alguns filmes de Bernardo Bertolucci, Luis Buñuel, Bruno Barreto e Joaquim
Pedro de Andrade, os quais flertam com a temática do erotismo, porém sem carregar
o pejorativo do gênero, o autor complementa:

A safadice de alto luxo não choca. No fundo é uma questão de


estilo. A chamada vulgaridade é, basicamente, o que se ataca nestes
filmes. Com exceção de alguns críticos (J.C. Avellar, M.R. Kehl e
poucos outros) os ataques não foram dirigidos contra os aspectos
ideológicos reacionários destas comédias, valorização do
machismo, submissão da mulher, etc., mas dirigidos contra o “mau
gosto” (...) A luta é contra uma imagem cinematográfica que
revelaria um aspecto inconveniente da sociedade brasileira. Uma
imagem de “grossura”, de “obsessão por sexo”. Essa a imagem que
se precisa destruir e substituir por outra. (Id., 1976a)

Para Bernardet, o tema principal da pornochanchada é o grande temor em


relação à impotência e à castração. Não se pode esquecer que é o Brasil do milagre
econômico, o Brasil tricampeão mundial de futebol em 1970, uma sociedade onde,
mal ou bem, a pornochanchada reflete os ditames comuns da vida urbana. Nessa
mesma linha de raciocínio é que Bernardet menciona Avellar:

Mas, mais revelador do que isto é a tese sugerida por J.C. Avellar
no Jornal do Brasil, que afirma não ser o sexo o elemento relevante
da pornochanchada. O sexo seria basicamente uma metáfora
involuntária que expressa a sociedade global em que vivem os
espectadores da pornochanchada. Essa guerra, esse sexo técnico e
quantitativo, esse desprezo pelo outro, essa valorização do capaz
contra o incapaz e ineficiente são traços da vida social. (Ibid.)

Na mesma página do jornal Movimento, há também uma entrevista com Paulo


Emílio Salles Gomes concedida à Maria Rita Kehl sobre a pornochanchada. Fica claro
que para ele as críticas contra a pornochanchada são mais relacionadas com a própria
publicidade de que esses filmes se aproveitam do que em relação às próprias cenas.
Salles Gomes dá o exemplo de produções como Eu dou o que elas gostam e O roubo
das calcinhas, ambas de 1975 e de Braz Chediak, sendo a última também dirigida por
Sindoval Aguiar, onde tanto os títulos quanto os cartazes dos filmes geram mais

  116  
expectativas do que o próprio conteúdo. 48 Além disso, a pornochanchada seria
moralizante e conservadora, reafirmando as figuras do machão/conquistador como
alguém que quer viver a vida sem fazer esforço e se dá bem no final. Apesar disso, tal
como visto no já citado Cinema: trajetória do subdesenvolvimento, Salles Gomes vê
como pertinente a imitação dentro da pornochanchada, que consegue criar e espelhar
a sociedade brasileira, mesmo baseando-se nas comédias italianas.

Na pornochanchada está havendo evolução e criação mesmo dentro


dessa imitação do cinema italiano. Veja por exemplo, Os Mansos,
um filme que tentou imitar a comédia italiana e se passa até numa
colônia italiana: examinando de perto Os Mansos, você nota todo
um elenco de tradições do nosso mambembe, do nosso circo, do
nosso teatro de revista. As frases de duplo sentido que aparecem
muito na pornochanchada são constantes nas nossas tradições de
teatro popular. (SALLES GOMES apud BERNARDET, 1976a)

Apesar dos textos de Bernardet terem sido publicados em São Paulo, um dos
críticos que mais se deteve sobre o ambiente paulista, focando suas atenções na Boca
do Lixo – a qual, dentre outras produções, dedicou-se bastante às pornochanchadas –
é Jairo Ferreira. Nos dois depoimentos seguintes de Rovai, um primeiro dado à revista
Cinema em Close Up49, de estreita ligação com o cinema feito na Boca do Lixo, e o
segundo ao próprio Ferreira, o cineasta é convidado a falar em nome do gênero.
Entretanto, Rovai é considerado ligado ao cinema carioca tanto em termos de
residência de sua produtora, a Sincro Filmes, e ambientação da maioria das suas
produções. Dessa forma, faz-se necessário uma contextualização de Jairo Ferreira.

                                                                                                               
48
Era comum à maioria dos filmes brasileiros do período capas ilustradas – a exemplo do trabalho do
ilustrador José Luiz Benício – ao invés das fotomontagens. Um fato interessante sobre o fato das capas
mostrarem realmente mais do que os próprios filmes é a polêmica que se deu em torno do filme Lua de
Mel e Amendoim, dirigido por Fernando de Barros e Pedro Carlos Rovai, produzido por Aníbal
Massaíni Neto e em coprodução com a Sincro Filmes. Em 25 de junho de 1971, o jornal Correio da
Manhã publicou uma matéria com o título A briga: ela quer outro cartaz. Enquanto a capa do filme
mostrava uma foto da atriz Renata Sorrah de biquíni e com um grande decote, em nenhum momento do
filme se mostra a atriz vestida dessa maneira. Não há cena de sexo ou nada mais explícito. A atriz na
época declarou que não era uma questão de puritanismo, mas de ludibriar o público que não veria nada
do gênero durante o filme. É interessante ver que também na capa estava o protagonista masculino do
episódio em que Renata Sorrah atua, Carlo Mossy, o qual além de defender Massaíni, criticando a atriz
como moralista, diz que o ator brasileiro “tem que ser disciplinado, não pode insurgir contra os
produtores”. Uma ótima “metodologia de trabalho” para quem viria a ser um dos maiores produtores
do gênero da pornochanchada.
49
Editada por Minami Keizi, Cinema em Close Up procurou dar conta da produção cinematográfica da
Boca do Lixo, mesclando a discussão e divulgação de filmes com a criação de um studio e star system,
exibindo também ensaios sensuais das atrizes. Para mais informações sobre a revista, vale assistir o
documentário de Thiago Mendonça, Minami em Close-Up – A Boca em Revista, de 2008 e também
consultar o artigo de Alessandro Gamo de 2009, Uma voz para a boca: a experiência da Cinema em
Close Up.

  117  
Primeiro, para aprofundar no porquê da escolha deste como agente importante para o
estudo da pornochanchada. Segundo, para entender o porquê da legitimidade
oferecida a Rovai não ter sido dada a algum outro cineasta mais ligado à produção do
gênero em São Paulo.
Tal como Bernardet, Jairo Ferreira pode ser analisado como um importante
articulador de discursos dentro do campo cinematográfico. Com escritos de tom
altamente provocador, em Criticanarquica anozero de conduta, publicado na revista
Cinegrafia50 de julho de 1974, Ferreira estabelece uma espécie de herança na sua
forma de fazer crítica, ligando-se a nomes como Paulo Emílio Salles Gomes, Rubens
Biáfora e ao próprio Bernardet.

Como se nota, só há meia dúzia de críticos de cinema consideráveis


em SP: eu, discípulo libertário e autônomo do Biáfora, e o Paulo
Emílio Salles Gomes, que na década de 40 foi mestre do Biáfora e,
nos anos loucos de 60, mestre do admirável Jean-Claude Bernardet
(...) (FERREIRA, 1974 In COELHO, 2012)

Iniciando o seu trabalho como crítico no jornal São Paulo Shimbum, a partir
de 1968, é importante ressaltar que Ferreira acompanhou de perto desde o movimento
marginal da Boca do Lixo até a progressiva produção de pornochanchadas na região
paulista. A sua coluna foi um espaço que tanto relatou a produção dos membros da
Boca, quanto deu espaço para os mesmos escreverem. Em sua ausência, geralmente
momentos em que Ferreira trabalhava em filmes na região da rua do Triunfo, nomes
como Carlos Reichenbach, Marcio Souza (com o pseudônimo de Machado
Penumbra), João Batista de Andrade, Jean-Claude Bernardet e Inácio Araújo
escreviam eu seu lugar. (COELHO, 2012, p. 17; GAMO, 2006, p. 18-19)
Mesmo quando Ferreira deixou o São Paulo Shimbum e passou a trabalhar na
Folha de São Paulo (ou mesmo outros jornais), o crítico não deixou atentar para o
cinema ligado à Boca do Lixo em toda a sua multiplicidade, porém, com preferência a
uma estética marginal, ligada a diretores como Rogério Sganzerla ou Luís Rozemberg
Filho. Em Udigrudi: os marginais do cinemão brasileiro, publicado no jornal
Lampião da Esquina de julho/agosto de 1978, por exemplo, Ferreira faz críticas a
Neville D’Almeida justamente por ter deixado de ser marginal para conseguir
financiamento da Embrafilme.
                                                                                                               
50
A revista Cinegrafia teve um único número, em julho de 1974, o qual foi editado por Carlos
Reichenbach e Inácio Araújo, nomes ligados ao cinema da Boca, com a colaboração de Jairo Ferreira.

  118  
Atualmente, como se sabe, a Embrafilme está oferecendo grandes
facilidades a quem quer filmar. Basta apresentar um roteiro de
pornochanchada de luxo disfarçada de filme histórico e sair
montado no tutu. Um cineasta que era marginal como Neville
D’Almeida sai da lona de um dia para o outro com o bem sucedido
A Dama do Lotação, exemplar do que ganhou o nome de
movimento Cinemão, ou seja, o cinema repressivo porém comercial
da Embrafilme. (FERREIRA, 1978a apud COELHO, 2012, p. 137)

Uma entrevista de Rovai a Jairo Ferreira, intitulada Pornochanchada: a


autocrítica de seu profeta, para o jornal Folha de São Paulo, de 22 de junho de 1977
gera algumas considerações interessantes. Em primeiro lugar, mesmo sendo nascido
em São Paulo, onde realiza o seu primeiro filme, Adultério à brasileira, Rovai se
estabeleceu como diretor e produtor no Rio de Janeiro, onde a Sincro Filmes se situa
nos dias atuais. Contudo, dos diversos cineastas ligados à pornochanchada que
transitavam pela Boca do Lixo e que, portanto, estariam mais próximos de Ferreira,
na hora de eleger um “profeta” e buscar uma autocrítica sobre o gênero, o crítico dá
voz a um cineasta relacionado com a produção carioca do gênero. Em segundo lugar,
a denominação “profeta”, demonstra que o lugar ocupado dentro do campo por Rovai
é distinto dos demais. De acordo com Ferreira, este seria um momento em que Rovai
estaria repensando a existência da pornochanchada enquanto gênero e a sua
permanência no mercado.
A oportunidade da entrevista com o cineasta é concomitante ao lançamento de
O Ibraim do Subúrbio, filme de 1977 em episódios dirigido por Astolfo Araújo e
Cecil Thiré e produzido por Rovai, através de uma parceria entre a Sincro Filmes e a
Embrafilme. Se o primeiro episódio, Roy, o gargalhador profissional, dirigido por
Araújo, possui elementos que remetem ao gênero da chanchada, inclusive a própria
presença de Wilson Grey como parceiro cômico de Paulo Hesse, no segundo
episódio, O Ibraim do Subúrbio, dirigido por Thiré, há presença de nomes mais
ligados à televisão, como José Lewgoy, Heloísa Mafalda e Lucélia Santos. Em ambos
os episódios não há nudez, buscando-se uma comédia com crítica social.
Ao exibir menos corpos e buscar uma reflexão sobre o próprio gênero,
realmente Rovai se afasta do padrão das pornochanchadas que cada vez mais
adicionam a nudez feminina como fórmula genérica, com cada vez menos
preocupação com elementos estéticos ou narrativos. Desde a produção anterior, Luz,

  119  
Cama, Ação!, com a direção de Claudio Mac Dowell, Rovai já estaria buscando uma
espécie de autocrítica para o gênero em que transita. Segundo Ferreira:

(...) uma comédia que coloca em discussão esse tipo de cinema e


denuncia a utilização inescrupulosa da fórmula que se reduzia a
muitas mulheres nuas e algumas piadas de mau gosto (FERREIRA,
1977a).

O Ibraim do Subúrbio representa, então, uma espécie de progressão dessa


consciência sobre o gênero. De acordo com o relato dado a Ferreira, Rovai não estaria
mais interessado na pornochanchada enquanto fórmula e seu objetivo agora seria
desenvolver o lado burlesco, porém crítico, desse tipo de comédia.

O que eu pretendo agora é desenvolver o lado caricato da


pornochanchada, porque ela não interessa mais como fórmula. O
filme é uma tentativa ao mesmo tempo de espetáculo e dramaturgia,
partindo do riso para chegar quase a um cinema de reflexão. Os
personagens já não são ‘figuras’ da sociedade, mas outros bem
diferentes: a fome é o personagem do episódio ‘Roy, o
Gargalhador’, dirigido pelo Astolfo Araújo e, no outro episódio, que
dá titulo ao filme, o personagem é a alienação. (ROVAI apud
FERREIRA, 1977a)

É interessante perceber que esse tipo de consciência por parte de Rovai não cai
no que Bernardet, no já citado A Pornochanchada contra a Cultura “Culta”, chama
de “invólucro artístico” para buscar uma pornochanchada de maior valor cultural. O
Ibraim do Subúrbio não tenta o rebuscamento estético ou alguma artimanha narrativa
para camuflar algum possível moralismo. Ambientado no subúrbio, sua questão é
mais temática do que estética. No episódio de Araújo, por exemplo, uma frase é dita
para o protagonista vivido por Paulo Hesse quando este é contratado para trabalhar na
televisão como “gargalhador” profissional: “Você rindo aqui, o babaca que tá em casa
vai rir por qualquer coisa”.
Dando prosseguimento ao depoimento de Rovai para Jairo Ferreira, em
Pornochanchada: a autocrítica de seu profeta, o cineasta afirma o motivo que o
levou a priorizar a carreira de produtor em detrimento da de diretor.

Eu me tornei produtor para não sair do cinema. Depois dos sucessos


que foram "A Viúva Virgem", e "Ainda Agarro Esta Vizinha", fui
me tornando cada vez mais inquieto e critico em relação a mim
mesmo. Não sou de me embasbacar diante do sucesso e não quis
justificar posições. Fiquei em pânico quando percebi que todos
esperavam que eu fosse me acomodar na fórmula e continuar na

  120  
repetição. Esses dois filmes eram lances pessoais, com um lado
lúdico, trabalhando em cima do deboche com raiva de não poder
fazer melhor. Eu me recusei a trair o popularesco e percebi que
poderia usar essa dramaturgia do caricato e do grotesco como uma
espécie de carpintaria para lazer um filme de reflexão. E "O Ibrahim
do Subúrbio" é um primeiro passo nesse sentido. (Ibid.)

A entrevista é finalizada com a menção do folclórico corte de cenas feito pelo


próprio Rovai durante umas das primeiras exibições do seu filme de estreia, Adultério
à brasileira, realizado não na moviola, mas no próprio projetor51. Resgatando seus
filmes de melhor resultado, tanto em termos de bilheteria quanto de crítica, e
realçando o vínculo existente entre essas produções e O Ibraim do Subúrbio, Rovai se
utiliza do espaço dado por Ferreira para estabelecer uma marca autoral sobre seu
nome e garantir que essa aura paire também sobre o filme que estava para ser lançado.
Talvez um dos depoimentos mais importantes dados por Rovai seja o
publicado na revista Cinema em Close Up, em 1976. Em uma publicação voltada
quase que especificamente para a propaganda dos filmes de pornochanchada e sediada
na própria rua do Triunfo, a fala de Rovai se torna essencial, pois como já visto era o
momento em que se refletia se o Estado, através da Embrafilme, deveria continuar a
financiar o gênero. A revista questiona quem é a entidade chamada “cultura”, quem a
legitima, quem está autorizado a falar em seu nome e o porquê das “fitas populares
não fazerem parte da cultura brasileira”.
É interessante observar que, em busca de legitimidade, o periódico que
abordava principalmente a pornochanchada produzida em São Paulo convida para o
depoimento um cineasta ligado ao cinema realizado no Rio de Janeiro. Uma primeira
hipótese para tal convite reside na legitimidade buscada através de um diretor e
produtor de pornochanchadas de grande repercussão, seja em números de bilheteria,
seja através do espaço nos jornais para suas falas. Em segundo lugar, pelo fato de

                                                                                                               
51
A citação do episódio, na íntegra: “Eu ia em vários cinemas por dia onde meu filme estava em cartaz.
Ficava na porta do cinema, depois entrava e ia observar o público. Não esqueço a reação de alguns
operários, em Santo Amaro, quando eles pararam em frente ao cartaz de "Adultério a Brasileira", um
cartaz enganador como qualquer outro, anunciando sexo e vendendo o produto. Eles olharam durante
bom tempo as fotos expostas e depois começaram a contar o dinheiro que tinham no bolso. Eu fiquei
com terrível sentimento de culpa e subi até a cabine de projeção. Havia uma cena em que a Jaqueline
Myrna ficava um tempão em frente ao espelho, expondo uma espécie de ‘tédio pequeno burguês’. Eu
não tive dúvida: dei uma gorjeta ao projecionista e comecei a cortar essa cena no próprio projetor,
como se fosse uma moviola, porque aqueles operários certamente queriam ver um filme alegre,
enquanto não havia nenhuma alegria naquela e em outras cenas. No total, cortei uns 12 minutos do
filme. Eu estava tão preocupado com esses espectadores que, de certa forma, era como se eu quisesse
fazer na hora o filme que eles queriam ver”. (ROVAI apud FERREIRA, 1977a)

  121  
alguns filmes de Rovai terem sido feitos em parceria com a Embrafilme e um corte de
verbas afetar diretamente a Sincro Filmes.
Em defesa da pornochanchada, Rovai coloca como primeiro problema para o
cinema brasileiro, um “cinema colonizado”, a falta de mercado. Sem ter como
concorrer de igual para igual com o filme estrangeiro, para o produtor brasileiro só
haveria duas saídas: ou um cinema popular ou um cinema subsidiado. E “popular”
seria aquele cinema feito para conquistar uma faixa de público que acha o filme
estrangeiro “empolado”, “que ganha pouco mais que o salário mínimo”, que se
distraia e se identifique com o filme brasileiro.

Por isso a esquerda acusa a pornochanchada de alienante, de ponta


de lança do imperialismo cultural, como disse há pouco um ex-
cineasta exilado. A direita já diz que a comédia erótica, ou
pornochanchada, como queiram, é nociva. Então, a pornochanchada
talvez seja o elemento político importante deste país: é atacada de
todos os lados, pela esquerda e pela direita (...) a pornochanchada é
a oportunidade de sobrevivência do produtor médio brasileiro,
minha gente. Do produtor que encara o filme como um artigo
industrial. Essa é a única maneira, no momento, do cinema
brasileiro entrar em seu próprio mercado de uma maneira
competitiva. (ROVAI, 1976, p. 24)

Se não era possível elevar a pornochanchada, enquanto gênero, à categoria de


arte, o apelo de Rovai residia na importância política do cinema popular dentro do
contexto brasileiro da década de 1970. Para o cineasta, o chamado cinema subsidiado
– leia-se com apoio estatal – não representava a realidade brasileira, pois se tratava de
um filme que o público não entende e, até o crítico dorme nas sessões.

A chanchada está dentro da nossa realidade. A arquitetura brasileira,


por exemplo, é uma chanchada, a especulação imobiliária é uma
chanchada. Em todos os setores da vida brasileira, esplendem a
mediocridade, o oportunismo. Mas no cinema, não, não pode. O
cinema tem que ser a vitrine do pais, os cineastas brasileiros tem
que fazer O GRANDE FILME. Acho essa uma posição reacionária.
O nosso filme underground é importante, é importante também o
filme do p... louca. Porque tudo isso junto dá uma visão do país. Por
que toda essa restrição? Por isso é que no Brasil as coisas acabam
não acontecendo. Pega-se um talento, e tanto aperta daqui e dali que
ele acaba morrendo. (Ibid., p. 25)

O clamor pela defesa da diversificação da produção é inserido no contexto de


uma política cinematográfica que passava, publicamente, a não mais considerar a
pornochanchada como uma opção para os recursos públicos. Assim, combatendo o

  122  
possível fato do cinema brasileiro passar a seguir uma espécie de padrão, no qual o
gênero estaria excluído no que toca à Embrafilme, Rovai defendia que a produção
deveria ir desde o “underground” até a pornochanchada. E nesse aspecto, o cineasta é
um pouco mais específico, ao menos em relação a quais pornochanchadas ele estava
falando.

Em minhas fitas, em um ou outro momento faço um ensaio, faço-


me mais criativo. Temos que nos empenhar por esse caminho, que é
o que temos. Temos que nos tornarmos (sic) mais consistentes.
Minhas fitas nunca giram em torno de algo artificial. Elas tem
sempre uma constante, é sempre um tema ligado a uma realidade
brasileira. Por exemplo, em “Ainda Agarro Esta Vizinha”, no fundo
é uma fita sobre os marginais da classe média. Essa classe média
marginalizada: o cara que não entrou na faculdade, o artista
fracassado, o mágico que come as pombas para matar a fome.
Ninguém consegue fazer nada. Então aquilo cria uma psicologia de
quebra galho, de dar um geitinho (sic), e ao mesmo tempo cria uma
solidariedade entre eles. Quer dizer, pelo menos um mínimo de
realidade social. A fita se perdeu um pouco na filmagem, tem
alguns elementos que são só espetáculo, o que sufoca um pouco a
sua sinceridade, mas tem embrionariamente nesse filme uma
interpretação correta da realidade brasileira. “Os Mansos”, a mesma
coisa. Tem lá um marido de classe média que joga na bolsa.
Aparece um cara que quer a sua mulher, em troca lhe dá
compensações. Estamos em plana alta da bolsa. O marido, a
princípio, fica com uma barreira na consciência. Mas as transações
na bolsa são tão violentas e a atração do dinheiro tão forte, que ele
acaba transigindo. Tudo isso é dito numa linguagem bem popular,
mas em nada anula a verdade da corrupção, do poder do dinheiro
sobre a consciência e a moral. É um filme violento. Em São Paulo,
um dos críticos percebeu isso. Mas no geral a reação foi fraca. Acho
que não fui entendido. Porque usei a linguagem da pornochanchada
(...) Agora, é diferente a avacalhação. Por exemplo, por comodismo,
tem gente aí avacalhando com a pornochanchada, e pioraram a
produção. Esse deveria inclusive ser um trabalho disciplinador da
Embrafilmes (sic). (Ibid.)

Dentro de um contexto onde era importante a utilização da prática discursiva


com o objetivo de seguir em defesa do gênero, os principais exemplos utilizados eram
seus próprios filmes. Uma produção, que seja pelo lado “ensaístico” ou “criativo”,
distingue-se daquelas ligadas à “avacalhação”, que deveriam inclusive ser
disciplinadas pela Embrafilme. Ainda utilizando-se do espaço dado pela revista para a
prática discursiva que possibilita um diferencial autoral para suas obras, Rovai
complementa:

  123  
Meu filme “A Viúva Virgem”, revitalizou o cinema brasileiro.
Naquela época, estava todo mundo de crista baixa, de repente “A
Viúva Virgem” dá o maior estouro de bilheteria dos últimos anos,
inclusive englobando até rendas de fitas estrangeiras. Foi uma
sensação. Naquela época, tínhamos cinquenta e oito dias para
exibição dos nossos filmes. Comparando-os com os 112 dias que
temos hoje, podemos ver que um processo de conquistas foi
detonado. (...) Fazem dois anos que não dirijo. Estou cansado.
Penso em fazer uma fita que seja o aprofundamento da comédia.
Toda boa comédia põe a nu os vícios da sociedade. A
pornochanchada é, por enquanto, meia dúzia de pernas, alguns
bustos bonitos. Mas já tem uma linguagem apropriada. O “podes
crer”, creiam é uma frase demonstrativa dos raciocínios brasileiros.
Bem como o carro e o apartamento se colocam como
representativos dos seus anseios. O machão que transa com mil
garotas muito boas e no fim acaba com a donzela, também é típico.
A chanchada existe (grifo do autor) na realidade brasileira. Então,
posso não dirigir. Mas incentivo”. (Ibid., p. 26)

Um dossiê mais recente sobre a pornochanchada publicado na revista Sinopse,


organizado por Newton Cannito, além de propor uma rediscussão do gênero a partir
das observações de alguns acadêmicos, traz um depoimento de Rovai intitulado O
realizador Pedro Rovai. A utilização do termo “realizador”, bastante em voga em
determinado setor atual da crítica cinematográfica brasileira e, que se estabelece como
opção em contraposição ao termo “cineasta”52, tem como objetivo incrementar a
figura de Rovai enquanto autor.

Pedro Carlos Rovai é mais que um diretor de cinema: é um


realizador. Mesmo quando produtor, Rovai se encaixa mais no
perfil do produtor criativo, aquele que coordena uma equipe de
artistas que realiza o filme. Além disso, para Rovai, a conclusão do
filme é apenas a primeira etapa da realização cinematográfica. A
partir daí ele se preocupa em promover a chegada do filme ao seu
público e conseguir o retorno do capital investido. O realizador
cinematográfico é aquele que se preocupa com todas as etapas do
filme, da escolha do argumento à comercialização; é aquele que, ao
promover o contato do filme com seu público, concretiza seu
projeto inicial. (CANNITO, 2000, p. 84)

A inegável revalorização da figura de Rovai presente na citação acima, é de


certa forma corroborada pelo próprio cineasta ao analisar em retrospecto sua

                                                                                                               
52 Não pretendo aqui adentrar na discussão das diferenças resultantes da utilização política dos termos
realizador ou cineasta no campo cinematográfico brasileiro contemporâneo, mas sim ressaltar que há
essa distinção e, acentuar o quanto, ao tratar Rovai como realizador, Cannito almeja ressaltá-lo entre os
demais agentes da pornochanchada.

  124  
trajetória, bem como a trajetória da própria pornochanchada. O cineasta não rejeita ter
sido um dos precursores 53 e sua forte atuação como diretor e produtor de
pornochanchadas – embora realizando-as de forma distinta, mesmo quando seu
objetivo seria dar um tom de comédias de costumes às chanchadas. Além disso,
confirmando um moralismo inerente ao gênero, a possibilidade do diferencial nas
suas obras é acentuada pelo próprio Rovai na medida em que este afirma a qualidade
técnica e também a “função social” de seus filmes.

Por mais que eu me propusesse a realizar filmes de bilheteria, não


poderia fugir da minha formação de juventude. Minha geração tinha
uma atitude idealista de querer mudar o mundo, mudar o País e
acabar com as injustiças sociais. Isso inspirava uma visão mais
crítica (mais afetiva do que política) da sociedade. (...) Acredito que
isto diferenciava nossos filmes das pornochanchadas mecânicas,
onde o importante era exclusivamente o erotismo, a piada pela
piada. (...) em Ainda Agarro esta Vizinha (...) tive a intenção de
centralizar a ação num edifício de apartamentos tipo treme-treme,
“balança-mas-não-cai”, como se essa locação representasse o
microcosmo de Copacabana e, por extensão, do Rio de Janeiro e do
próprio Brasil. (...) em síntese, é um filme sobre a solidariedade dos
have-nots. (ROVAI, 2000, p. 86)

A observação de uma clara “politização” em seus filmes, exemplificados por


Ainda Agarro esta Vizinha no que toca à sua crítica social, é mais facilmente
percebida no discurso atual do próprio cineasta do que nos depoimentos, artigos e
entrevistas dos diversos agentes, incluindo Rovai, expostos e analisados durante o
presente capítulo. Há também, na citação acima, a busca de diferenciação no gênero
quando se busca estar ligado a uma geração que pensaria criticamente a sociedade.
Para corroborar tal fato, ainda de acordo com Rovai (Ibid., p. 87), a pornochanchada
teria sido vista como parte de um plano subversivo para minar a moral e os bons
costumes, destruindo os valores sociais. Já a elite intelectual, em sua maioria,

                                                                                                               
53 É interessante comparar a postura de Rovai, precursor da pornochanchada com Adultério à
brasileira, e de Reginaldo Faria, precursor com Os Paqueras. Em A cultura brasileira está indo pro
bueiro, Reginaldo Faria rejeita o seu filme enquanto pertencente ao gênero, distinguindo-o enquanto
comédia de costumes. É válido notar que Faria dirigiu ainda outras dois filmes durante o início da
década de 1970, Pra quem fica, tchau (1971) e Os Machões (1972), também comédias e com uma
relação cada vez mais estreita, em termos textuais com a pornochanchada. Segundo o realizador, “Todo
mundo que viu a gente ganhar dinheiro à beça começou a querer se aproveitar, daí veio ‘A Ilha dos
Paqueras’, ‘Paqueras sei lá o que’… Escracharam tudo. Aí me denominaram pai da pornochanchada.
Muito obrigado, mas eu não sou. Nossas cenas eram ingênuas, puras, até infantis. ‘Os Paqueras’
funcionava como uma comédia de costumes.” (FARIA, 2012)

  125  
considerava os filmes como alienadores e que anestesiavam as massas. Era um
caminho de dupla censura: a censura oficial e a censura ideológica.
Analisando um artigo de Ferreira, Dez anos de pornochanchada, publicado na
revista Fiesta Cinema de 1978, observa-se um retrospecto mais no calor dos
acontecimentos e que também utiliza Rovai como diferencial para o gênero. Para
Ferreira o que, segundo o próprio, era chamada de “chanchada erótica”, só desenvolve
o termo pornochanchada a partir do filme A Viúva Virgem, de Rovai. O primeiro
ponto levantado pelo autor é o fato de Adultério à brasileira e Os Paqueras não serem
os primeiros filmes com características do gênero que estaria por se desenvolver54.
Essa busca por um novo marco inicial faz parte do foco da atenção do autor em boa
parte de sua trajetória enquanto crítico e realizador, defendendo um cinema ligado ao
grupo reunido na região da Boca do Lixo, em São Paulo.

Entre 1967 e 1969 – é bom esclarecer – o cinema nacional


experimentou todos os gêneros e daí nasceram dois movimentos
notórios: o chamado Cinema Marginal, que terminou se
autodestruindo, e a pornochanchada, que conseguiu vingar graças as
apelos que trazia. (FERREIRA, 1978b, p. 6)

Ferreira entende que dentre esses apelos está o moralismo. O que seria um
facilitador para que a pornochanchada passasse pela Censura, já que seus personagens
sempre cumprem um papel moralizante dentro da estrutura narrativa: os adúlteros são
punidos, os homossexuais são retratados como “ratos da noite” ou “bobos da corte”,
mulheres e homens são apresentados como objetos, etc. Dessa maneira, quando o
filme consegue fazer uma comédia de costumes junto com a pornochanchada, ou seja,
apresentar um papel de crítica à sociedade frente às necessidades do gênero, essa
produção é louvada por Ferreira:

A melhor de todas as pornochanchadas, ao menos no meu ponto de


vista, continua sendo “Ainda agarro esta vizinha”, de Pedro Carlos
Rovai, que estourou nas bilheterias em 1974. Esse filme está para a
pornochanchada como “Nem Sansão nem Dalila” (1954), de Carlos
Manga, está para a velha chanchada. O próprio Rovai nunca o
superou e tomou até alguns porres para entender por que a crítica
também gostou do filme. Foi baseado em argumento de Marcos
Rey, roteirizado por Oduvaldo Vianna Filho e Armando Costa e é
                                                                                                               
54
São citados os seguintes filmes A virgem prometida, de Iberê Cavalcanti (1967); O levante das saias,
de Ismar Porto (1967); As três mulheres de Casanova, de Victor Lima (1968); Enfim sós... com o outro,
de Wilson Lima (1968); Doce mulher amada, de Rui Santos (1968); e As libertinas, de Carlos
Reichenbach, João Callegaro e Antônio Lima (1968). (Ferreira, 1978b, p.5)

  126  
uma comédia erótica ao mesmo tempo em que é pornochanchada,
síntese raramente conseguida. Consegue fazer um painel crítico da
pequena burguesia brasileira a partir dos dramas simultâneos que
ocorrem num grande edifício carioca. (Ibid., p. 7)

Para Ferreira, Rovai consegue estabelecer um diferencial das demais


produções, o que pode ser tomado como um viés autoral, embora esta terminologia
específica não seja mencionada. Contudo, já que seus filmes estão inseridos dentro do
gênero da pornochanchada, este também problematizado por Ferreira, Rovai não
escapa ileso de algumas críticas. Utilizando uma nomenclatura semelhante a de
Avellar, Ferreira não deixa de pontuar diversas produções as quais chama de
“equívocos”, “apelações”, “grossuras”, “ruindade’. Luz, Cama, Ação!, é considerado
uma tentativa de metalinguagem mal sucedida, onde “o diretor entende tanto de
metacinema quando minha avó de cibernética”. (FERREIRA, Ibid., p. 8)
Se as variações de gênero baseadas na pornochanchada seriam interessantes
para Ferreira, o pornô-suspense, a pornô-aventura, o pornô-terror, em Uma
pornochanchada de bom gosto, publicado na Folha de São Paulo de 25 de agosto de
1977, o objetivo de Ferreira é ressaltar, de forma positiva, a parceria “aética e
amoral” 55 de Antônio Calmon 56 e Rovai em Gente Fina É Outra Coisa, onde o
produtor, representando uma fase “industrial” do cinema brasileiro, consegue impor
sua parcela de autoria tal como os fazem os produtores de Hollywood.
Em um depoimento dado por Jean-Claude Bernardet57 [197-], especificamente
sobre a pornochanchada, pode-se ter a dimensão do porquê do autor se posicionar
criticamente em relação ao gênero, problematizando-o e colocando-o em discussão
tão avidamente durante a década de 1970. Bernardet na verdade não está defendendo
a pornochanchada, mas sim questionando os argumentos utilizados contra o gênero,
tendo em vista o contexto político do Brasil no período. Novamente comparando
títulos com o objetivo de estabelecer a sua argumentação, Bernardet comenta que o
então recém-lançado O Rei da Noite, dirigido por Hector Babenco em 1975 e com
                                                                                                               
55
Na reportagem é publicada uma foto do diretor e do produtor com a seguinte legenda: Rovai e
Calmon: aéticos e amorais.
56 Sobre Calmon e uma relação de autor dentro da pornochanchada, pode-se consultar o segundo
capítulo da presente dissertação.
57
A transcrição datilografada do depoimento pode ser encontrada na pasta de número 20656
(Pornochanchada) do acervo da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Mesmo
sem conter data ou fonte mais precisa, o depoimento em questão é utilizado como fonte primária,
devido à sua importância. Para uma confirmação mínima de sua autenticidade, o conteúdo do
depoimento foi apresentado ao próprio Bernardet e reconhecidas as suas ideias pelo autor através da
troca de e-mails durante o mês de agosto de 2009.

  127  
Paulo José e Marília Pêra como protagonistas, apresenta-se através da crítica
cinematográfica como uma possibilidade de filme nacional em contraposição à
pornochanchada. O que era vendido enquanto uma cinematografia brasileira que
poderia competir com o filme estrangeiro, porém sem ser apelativo ou de “mau gosto”
não é algo bem visto por Bernardet. Para o autor, a problemática reside no “vazio” em
que determinados filmes, a exemplo de O Rei da Noite, inserem-se a partir do
momento em que não estabelecem nenhuma postura crítica ao regime militar. Tratam-
se de produções com uma maior preocupação com a escrita cinematográfica através
de luzes mais cuidadas ou elenco de maior atração para o público, apresentando
inclusive sequências de sexo, revestidas do que o autor chama de mensagens do tipo
“sociológico, psicológico, metafísico”. Ou seja, uma preocupação maior em se fazer
um filme inserido na definição de cultura exposta por determinada elite, mas que não
deixe de atentar também para a bilheteria. Contudo, na visão de Bernardet, estes
filmes, ao deixarem de confrontar os valores impostos pelo regime militar cairiam no
vazio apontado acima.
Em oposição, a pornochanchada também pouco questiona a realidade política
ou cultural em que seus filmes se inserem. Entretanto, o gênero é claro no que tange à
sua funcionalidade, aos seus objetivos de conquistar público sem nenhuma
preocupação cultural ou ideológica em sua essência. Para Bernardet:

Porque no momento em que o Estado desfecha aquela campanha


contra a pornochanchada que todos os críticos vão atrás, então eu
vejo... perigoso. Primeiro, os críticos estão apoiando um governo
altamente reacionário. Então através de um mecanismo ético
(estamos contra o vulgar, etc.) há possibilidade de o governo
mobilizar intelectuais que o apoiam. Então já cria um mecanismo
que é mais pernicioso do que o objeto da luta. Segundo, estamos
contra (quer dizer o governo está contra) a pornochanchada, está
legal, mas estão também contra o cinema político e não o dizem.
Então vamos colocar bem claramente quais são os tipos de cinema
que não se deve fazer, porque não é só pornochanchada. (...) Então
eu acho que a luta contra a pornochanchada atualmente, em termos
dessa campanha, é altamente reacionária. É apoiar um governo
incrivelmente reacionário em termo de cultura. E pra ele é muito
fácil. Porque como a intelectualidade, as pessoas de bom gosto, de
bom nível econômico, estão contra a pornochanchada, é muito fácil
aglomerar, juntar as pessoas em torno de algumas ideias e mascarar
a situação política. Então quando eu estou contra isso, eu acho que é
estúpido dizer que eu sou a favor da pornochanchada. Só que eu
vejo que a pornochanchada está servindo de bode expiatório e
mascarando problemas que são muito mais importantes, muito mais.
(BERNARDET, [197-], p. 8-II)

  128  
Bernardet corrobora a argumentação de Rovai de uma possibilidade crítica
inserida na pornochanchada, além do fato do gênero, ao ser perseguido, através da
Censura e da crítica, servir de “bode expiatório” para algo mais sério no contexto
cultural brasileiro, que representava a tentativa de criação de uma identidade pelos
militares então no poder.
Para Jean-Claude Bernardet e Jairo Ferreira, utilizar o cinema de Rovai acaba
por servir para se pensar as pornochanchadas, primeiro pela utilização do exemplo de
alguém que não pretende fugir do rótulo, que se admite e atua como cineasta do
gênero, mesmo problematizando por diversas vezes as limitações entre uma comédia
de costumes e os caminhos que seguiram a pornochanchada. O segundo motivo reside
justamente no texto fílmico. É inegável que algumas direções de Rovai, destacando-se
A Viúva Virgem e Ainda Agarro esta Vizinha, receberam boa recepção de crítica e
público, em grande parte também por um mínimo apuro técnico se comparado com
algum outro exemplo da vasta produção da época. Assim, o estabelecimento de uma
aura autoral é marcado por diversos caminhos tortuosos, sendo bastante difícil
estabelecer um marco. O diferencial é, ao mesmo tempo estabelecido por Rovai e, em
seguida debatido por setores da crítica, com os exemplos utilizados de Bernardet e
Ferreira, mas também obedece um caminho inverso. Rovai também se apropria desses
discursos, de alguns elementos sobre a pornochanchada discutidos na academia e na
crítica, para incrementar a sua própria figura de autor. E foi esse múltiplo caminho
que tentei dar conta neste capítulo.

  129  
Considerações finais

Trabalhando a pornochanchada enquanto gênero e determinados cineastas


como autores, procurei dar conta das práticas discursivas que consolidam tais
classificações. Tomando como parâmetro Pedro Carlos Rovai e igualando o seu lugar
de fala a agentes com notoriedade na crítica, tal como Jean-Claude Bernardet e Jairo
Ferreira, observa-se a consciência de todos estes do seu papel no campo
cinematográfico em meio ao jogo de forças da década de 1970. Da mesma forma,
estou consciente do meu lugar também como agente do campo cinematográfico, ao
propor neste trabalho uma abordagem não-valorativa do gênero/autor, mas que ao
mesmo tempo, “elege” exemplos onde a autoria é construída.
Tenho consciência, por outro lado, de que este trabalho contribui para a teoria
genérica no que diz respeito aos estudos de filmes brasileiros, representando um passo
em uma direção ao menos diferente ao que é comumente dedicado à pornochanchada.
Lembro que se tratam na verdade de várias pornochanchadas, que dialogam com
diversos gêneros durante suas duas décadas de existência. Contudo, mais do que
propor consolidar parâmetros de classificação (a observação dos elementos
semântico/sintáticos comuns aos filmes, por exemplo), acredito que, na verdade,
contribuo para a observação de como e por quem esses parâmetros são constituídos.
Faço-o, analisando o interesse, enquanto o pano de fundo, para ligar determinados
filmes ao gênero e outros não.
Durante o meu texto, expus determinados paradigmas da pornochanchada, os
quais considero importantes para a análise desta enquanto gênero, tendo em vista a
dificuldade em geral da observação de regimes genéricos no contexto brasileiro. O
ano de 1969 como marco inicial. A relação etimológica com a comédia e a
pornografia. O pejorativo carregado no gênero. A “grosseria” como marca genérica.
A divisão entre fases, que aponta para um progressivo diálogo com o hard core e a
produção que se concentra cada vez menos no Rio de Janeiro e mais em São Paulo.
Nessa perspectiva, muito problematizei tais cânones, embora não proponha uma
mudança de classificação. Importante para mim é analisar como, por que e por quem
estes paradigmas são construídos, observando-os histórica e culturalmente.
Gêneros e autores são formados não apenas pelos cineastas, mas também pelo
entorno que compõe o campo cinematográfico. Dessa forma, Jairo Ferreira, Jean-
Claude Bernardet, José Carlos Avellar, Paulo Emílio Salles Gomes, Pedro Carlos

  130  
Rovai, Antônio Calmon e Joaquim Pedro de Andrade se tornam agentes com primazia
para a constituição do gênero da pornochanchada. E aqui, igualar os pesos das
práticas discursivas dos cineastas e dos críticos acima foi fundamental.
Reconheço que a própria maneira pela qual trabalhei com Joaquim Pedro de
Andrade, Antônio Calmon e Pedro Carlos Rovai representa uma diferente construção
autoral, inclusive nos dois primeiros casos, ressaltando os elementos textuais que
contribuem para tal distinção. Rovai foi escolhido – embora nenhuma escolha seja
totalmente gratuita – para analisar o autor no gênero através da prática discursiva, mas
tal abordagem também pode ser voltada para Joaquim Pedro, Calmon ou qualquer
outro diretor/produtor em atuação no período. Assim relembro que, enquanto agente,
procuro menos estabelecer marcos, para o gênero e para a autoria, e mais apontar
métodos de trabalho.
Uma interessante provocação reside na análise da recente comédia de Pedro
Carlos Rovai, Qualquer Gato Vira-Lata. Esta comédia entra no rol atual de filmes
brasileiros chamado de globochanchada (por Guilherme de Almeida Prado) ou
neochanchada (por Carlos Alberto Mattos). O filme é dirigido por Tomas Portella,
mas poderia ter como diretor qualquer outro nome do cinema nacional. Não estou
menosprezando o trabalho de Portella, longe disso, mas sim ressaltando o peso de
Rovai enquanto produtor.
Contextualizando um pouco, lembro que Rovai produziu mais três filmes de
2000 para cá. A trilogia infantil, Tainá, a história da menina que vive na Amazônia,
teve um diretor diferente para cada uma das suas versões. Conversas de bastidores
apontam que não é tarefa fácil dirigir um filme para Rovai, pois este é o produtor. Em
As tranças de Maria, último filme dirigido por Rovai, na verdade a direção seria de
Ozualdo Candeias, que não assina no fim das contas por conflito de opiniões no corte
final. Voltando a Qualquer Gato, ainda nas conversas de fora da tela, diz-se que o
filme teve quase vinte roteiristas, os quais nunca agradavam o produtor.
Uma primeira questão que surge é se Qualquer Gato pode ser considerado
uma nova pornochanchada. Será que o próprio termo neochanchada, por já ter sido
utilizado por Bernardet na década de 1970, não deveria ser substituído por
neopornochanchada? O gênero considerado encerrado no final da década de 1980
está vivendo uma nova era a partir de produções de comédias de costumes, em geral
picantes e com um star system global?

  131  
Em segundo lugar, questiona-se sobre a possibilidade da continuidade ou de
uma nova aura autoral. As práticas de Rovai enquanto produtor, desta vez menos
combativa nos seus discursos à imprensa, porém muito proativa em relação ao modo
como rege seus filmes, também não deveriam ser consideradas autorais? Seguindo
essa linha de raciocínio, Calmon, que trabalhou com Rovai em três comédias, deve
ser visto como menos autor ou, no mínimo ser considerada uma “dupla autoria”?
Neste caso, estou longe de propor uma análise mais aprofundada de Qualquer
Gato Vira-Lata enquanto nova pornochanchada ou mesmo questionar o lugar de
Calmon dentro da caracterização autoral. Objetivo, com estas provocações,
demonstrar que a autoria e a classificação genérica são constituídas em termos
discursivos pelos diversos agentes, entre diretores, produtores, críticos, academia e
público. Os quais neste trabalho me detive prioritariamente naqueles que atuaram no
campo cinematográfico da década de 1970, a exemplos de Bernardet ou Joaquim
Pedro, mas que, se fosse o caso, poderia estender também para o contexto atual,
repensando nomenclaturas e divisões.
A abordagem presente neste trabalho possibilita, inclusive, questionar o lugar
de autoria no cinema como um todo, não pelo fato de não existir um autor, mas por
acreditar que este lugar é construído culturalmente. Tais embates, autoria e gênero,
filme comercial e filme cultural, não deixarão de existir dentro do campo
cinematográfico e os parâmetros de análise podem e devem ser embasados não apenas
em termos valorativos, mas também observando a maneira pela qual cada agente
legitimado opera em relação a cada uma destas distinções.

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Azyllo muito louco, Nelson Pereira dos Santos, Brasil, 1971.

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Bonitinha, mas ordinária, J.P. Carvalho, Brasil, 1963.

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Doce mulher amada, Rui Santos, Brasil, 1968.

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Duelo ao sol, King Vidor, Estados Unidos, 1946.

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Fome de sexo, Ody Fraga, Brasil, 1981.

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Garota de Ipanema, Leon Hirszman, Brasil, 1967.

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Guerra Conjugal, Joaquim Pedro de Andrade, Brasil, 1976.

Grande Momento, Roberto Santos, Brasil, 1958.

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Laranja Mecânica, Stanley Kubrick, Estados Unidos, 1971.

Lua de Mel & Amendoim, Fernando de Barros, Pedro Carlos Rovai, Brasil, 1971.

Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, Hector Babenco, Brasil, 1977.

Luz, Cama, Ação!, Claudio Mac Dowell, Brasil, 1976.

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Luz del Fuego, David Neves, Brasil, 1981.

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Memórias de um gigolô, Alberto Pieralisi, Brasil, 1970.

Minami em Close-Up – A Boca em Revista, Thiago Mendonça, São Paulo, 2008.

No mundo da lua, Roberto Farias, Brasil, 1958.

Nos Embalos de Ipanema, Antônio Calmon, Brasil, 1979.

Nos Embalos de Sábado à Noite, John Badham, Estados Unidos, 1977.

O bom marido, Antônio Calmon, Brasil, 1978.

O Capitão Bandeira Contra o Dr. Moura Brasil, Antônio Calmon, Brasil, 1971.

O Diabo na Carne de Miss Jones, Gerard Damiano, Estados Unidos, 1973.

O encouraçado Potemkim, Sergei Eisenstein, União Soviética, 1925.

O estranho vício do Dr. Cornélio, Alberto Pieralisi, Brasil, 1975.

O Homem da Cabeça de Ouro,de Alberto Pieralisi, Brasil, 1976.

O levante das saias, Ismar Porto, Brasil, 1967.

O Pecado Mora ao Lado, Billy Wilder, Estados Unidos, 1955.

O Rei da Noite, Hector Babenco, Brasil, 1975.

O roubo das calcinhas, Braz Chediak, Sindoval Aguiar, Brasil, 1975.

Os Cafajestes, Ruy Guerra, Brasil, 1962.

Os Condenados, Zelito Viana, Brasil, 1973.

Os Machões, Reginaldo Faria, Brasil, 1972.

Os Mansos, Aurélio Teixeira, Braz Chediak e Pedro Carlos Rovai, Brasil, 1973.

Os Paqueras, Reginaldo Faria, Brasil, 1969.

Os sete gatinhos, Neville D’Almeida, Brasil, 1980.

O supereficiente, Luigi Filippo D’Amico, Ary Fernandes, Itália, 1976.

O Último Tango em Paris, Bernardo Bertolucci, França/Itália, 1972.

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Paranoia, Antônio Calmon, Brasil, 1976.

Pistoleiros do entardecer, de Sam Peckinpah, Estados Unidos, 1962.

Pra quem fica, tchau!, Reginaldo Faria, Brasil, 1971.

Qualquer gato vira-lata, Tomás Portella; Daniela De Carlo, Brasil, 2011.

Revólver de Brinquedo, Antônio Calmon, Brasil, 1977.

Rico ri à toa, Roberto Farias, Brasil, 1957.

Rio Babilônia, Neville de Almeida, Brasil, 1983.

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Salve-se quem puder, J.B. Tanko, Brasil, 1974.

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Toda donzela tem um pai que é uma fera, Roberto Farias, Brasil, 1966.

Todas as mulheres do mundo, Domingos de Oliveira, Brasil, 1967.

Um candango na Belacap, Roberto Farias, Brasil, 1961.

Um Marido sem... é como um Jardim sem Flores, Alberto Pieralisi, Brasil, 1972.

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